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Daniel Pinto1
ABSTRACT: This study aims to analyze the different types of representations of Pentecostal
religious groups belonging to low income extracts and their discourses and practices on the
situation of poverty experienced by them, determined by different worldviews, oriented by
religious values. This analysis seeks to establish a dichotomy between two aspects of
Brazilian Pentecostalism, the classical Pentecostals, practitioners of ascetic and sectarian
practices and customs, and neo-Pentecostals, more liberal and adapted to secularized culture,
producers of a theology who seek salvation through the accumulation of goods Land. The
analytical clipping presupposes a geographical division, in the middle of the urban setting, of
the classical and neo-Pentecostal religious groups, in which the first will be located in the
peripheries and the second, in the central areas. Through a religious association and the
sharing of religious goods, traditional Pentecostals create forms of economic and symbolic
empowerment, which serve as tools to cope with everyday situations of poverty. The Neo-
Pentecostal groups, who are frequenters of the great temples of the centers, consume their
symbolic products in ephemeral communities, emphasizing the magical power of faith and the
fight against demonic influences, as symbolic forms of coping with their socioeconomic
problems.
KEY WORDS: Pentecostalism. Poverty. Representations.
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Daniel Silva Pinto – bacharel e licenciado em ciências sociais – UFPA. Discente do Programa de
Pós-graduação em Ciências da Religião – UEPA.
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Introdução
O binômio pentecostalismo e pobreza já foi abordado por muitos autores nacionais
(MARIZ et al., 1991) por meio de diversas perspectivas teóricas. O presente trabalho busca
comparar representações sobre a pobreza distintas produzidas por diferentes concepções
religiosas dentro de uma mesma matriz doutrinária de tipo pentecostal. A classificação destas
representações, por meio do estabelecimento de tipos ideais, no sentido weberiano, será feita,
a grosso modo, por duas vertentes do pentecostalismo brasileiro: um mais clássico,
representado por igrejas como as da Igreja Evangélica Assembleia de Deus e outra, de
vertente mais recente, generalizadamente nomeadas de neopentecostais, como a Igreja
Universal do Reino de Deus e a Igreja Internacional da Graça de Deus (MARIANO et al.,
2014).
A produção das práticas e discursos dos fieis de baixa renda, oriundas de
representações religiosas sobre as situações de carência material vividas por estes, produzem
diferentes formas de enfrentamento aos problemas sociais, econômicos e psicológicos
resultantes da pobreza socioeconômica. Estas diferentes formas de enfrentamento serão
estudadas em dois contextos socioespaciais distintos quanto à localização geográfica, mas
idênticos quanto ao perfil socioeconômico dos grupos religiosos frequentadores desses
espaços. Apesar de distanciados geograficamente, estes contextos apresentam-se concentrados
dentro de um mesmo espaço sociocultural e espacial, o ambiente urbano das grandes cidades,
das megalópoles que abrigam inúmeras formações religiosas.
É a identificação de expressões religiosas pentecostais distintas elaboradas no mesmo
espaço urbano, dividido por sua vez em periferia e centro, onde se encontram respectivamente
os objetos de estudo deste trabalho: uma comunidade religiosa de tradição pentecostal clássica
e outra de vertente neopentecostal, ambas produtoras de visões de mundo religiosas distintas
sobre as causas e as formas de enfrentamento dos problemas oriundos da pobreza vivenciada
de seus adeptos, pertencentes aos estratos sociais mais carentes.
As posições de classe subalternas da grande maioria do contingente pentecostal, seja
de primeira formação seja de formação mais recente, configura-se enquanto aquela população
denominada por autores de subproletariado, daqueles que vivem quase que exclusivamente à
margem do mercado formal de trabalho, da informalidade originada da ausência de
qualificação e que por meio de suas posições subordinadas na base da estrutura
socioeconômica, tendem a produzir representações culturais de suas realidades excludentes
por meio de ideologias religiosas ofertadas por grupos religiosos pentecostais, justamente
aqueles que mais crescem entre as massas empobrecidas urbanas. Passos observa esta relação
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entre situação de classe e representação religiosa dessa posição (1996 apud PARKER, 2000 p.
113-114),
Por outro lado o setor 'invisível' amplia-se com uma imensa massa de subproletários
que encontram ocupações muito diversas no setor informal da economia
subdesenvolvida [...] subempregados e desempregados crônicos [...] o mal
denominado 'setor inativo', donas de casa, estudantes [...]. Esta heterogeneidade de
situações de classe tende a gerar um campo de representações culturais e religiosas
também heterogêneo, em maior ou menor correspondência, pela mediação do campo
de práticas do agente coletivo com suas posições de classe"
A delimitação do sagrado não está relacionada aos simples limites espaciais da igreja,
mas está relacionado a toda uma rede religiosa de reconhecimento espiritual daqueles que a
compõem, que supera em abrangência as tradicionais redes de vizinhança e parentela,
estabelecendo relações de solidariedade de maior alcance e efetividade no enfrentamento às
anomias das cidades modernas condicionadas pela fragmentação socioespacial
potencialmente destruidora dos laços de solidariedade determinados pela consanguinidade ou
pela proximidade geográfica.
O isolamento relativo das comunidades pentecostais clássicas se estabelece como uma
defesa aos efeitos deletérios dos isolamentos impostos pela metrópole moderna,
restabelecendo e fortalecendo relações que resistem às imposições de um individualismo
anômico, predominante no grande espaço reprodutor da cultura hegemônica e produtora de
anonimatos garantidos pela superficialidade das relações estabelecidas nesses espaços,
O sentimento de localidade e de relações próximas, descritos por Antônio
Cândido (Cândido, 1971:62), parecem reger a construção dos pedaços da metrópole,
como enfrentamento de seu anonimato. Os grupos pentecostais ajudam a construir
esses laços, compondo uma nova vizinhança, baseada não na relação de parentesco
consangüíneo, mas de parentesco espiritual. Dessa maneira, a anomia urbana, bem
como o isolamento - elementos emergentes inevitáveis -, são tratados pelos
moradores da grande cidade a partir de sua velha lógica, agora ressignificada: a
vizinhança espiritual é capaz de enfrentar os limites espaciais da convivência, bem
como a perda dos laços de parentesco, sinônimo de proximidade. O crente é sempre
o "irmão" que resgata a proximidade perdida, vencendo, pela ligação espiritual, os
insuperáveis isolamentos da metrópole (PASSOS, 2000, p.8).
Este isolamento, no entanto, nem sempre é total. Nas pesquisas realizadas por
meio de entrevistas e que contribuem para a problematização temática deste trabalho, foi-se
constatado, nos relatos da vida cotidiana de dois fieis pertencentes à congregações religiosas
situadas na periferia, uma forma de transito religioso intradenomicional, em que fieis da
mesma igreja pentecostal – Igreja Evangélica Assembleia de Deus – se deslocam de suas
igrejas onde congregam costumeiramente e foram batizadas, para a igreja sede de uma
determinada área metropolitana – no caso estudado – o templo sede da igreja citada na cidade
de Belém do Pará.
Dona Ruth, 42 anos, nome fictício de uma das informantes e moradora de comunidade
situada às proximidades da igreja situada na periferia do município de Ananindeua, região
metropolitana de Belém, fazendo parte do imenso conjunto de igrejas nomeadas de
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Longe das regras e proibições coletivas das comunidades formadas pelos irmãos de
espírito, nas grandes sedes e templos longe da periferia, o fiel pode exercer a sua infidelidade
doutrinária à favor de seus anseios e demandas individuais por outros bens simbólicos que se
adaptem mais à sua subjetividade, constituída muita das vezes à margem da doutrinação
contracultural e sectária do pentecostalismo praticado em suas localidades.
Estes processos de adesão incompleta ou restritiva são apontadas por Paula Monteiro
ao criticar a ideia de conversão religiosa como um ato que garante a exclusividade ou a
fidelidade irrestrita do religioso à doutrina religiosa assumida. Nesta ideia de conversão total,
não se percebe os diversos “empréstimos” e hibridismos religiosos acionados pelos “fiéis”
quando circulam pelos diversos cultos, das igrejas encravadas nas periferias aos grandes e
bem localizados templos centrais (MONTEIRO, 2003).
Nesse ponto é importante observar as estratégias acionadas por fieis no enfrentamento
às diversas situações de escassez material, tema deste trabalho, ativadas em diferentes espaços
religiosos. Sem abandonar a igreja de origem, o fiel que circula entre cultos de acordo com as
suas necessidades, como Dona Ruth, ainda podem acessar o circuito de trocas simbólicas e de
ajuda mútua estabelecida entre os irmãos e, por outro lado, nos grandes espaços dos templos,
pode acionar outro repertório religioso mais orientado para satisfazer aos anseios de uma
subjetividade religiosa mais orientada pelo imediatismo mágico de um sistema de práticas e
representações próprias do neopentecostalismo.
Mais bem adaptadas à cultura dominante, as denominações neopentecostais, por meio
de suas representações religiosas do mundo como o paraíso prometido nas escrituras
livremente interpretada, vivido e usufruído na própria vida terrena, pela felicidade
proporcionada pelo consumo de bens terrenos, são as instituições, no campo religioso, que
reproduzem a subjetividade moderna das sociedades capitalistas. João Décio Passos fala de
uma subjetividade metropolitana, reproduzida nos cultos pentecostais realizados nos grandes
templos de igrejas como a Universal do Reino de Deus (2000, p.9),
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processo de acomodação aos valores mundanos, por serem temporárias e não necessitarem de
vínculos emocionais duradouros para existirem, não desenvolvem nenhuma forma de
associativismo ou redes religiosas de ajuda mútua, pois os laços de solidariedade desses
grupos só duram enquanto há o compartilhamento das mesmas experiências religiosas
produzidas durante os rituais de cura, exorcismos ou “sacrifícios de fé” durante as doações
coletivas de dinheiro no interior dos grandes templos.
A dicotomia centro-periferia pode produzir diferentes subjetividades religiosas, como
observa Passos (2000, p.11), “Presentes nas manchas e nos trajetos, os neopentecostais criam
comunidades de afeto imediato, que não necessitam de vínculos duradouros, como no
pentecostalismo clássico, e reproduzem a lógica metropolitana do não-lugar que mantém o
anonimato e a massa”.
As representações neopentecostais sobre a pobreza e os meios de se acabar com ela e
também sobre a riqueza e os meios de alcançá-la, são expressões de uma teologia mais
preocupada com a eficácia das promessas que buscam arregimentar cada vez mais fieis,
tentando convencê-los dos resultados milagrosos que estes podem obter, ao expulsar o diabo e
todos os “espíritos de pobreza” de suas vidas.
Vendidos em embalagens discursivas sedutoras, de promessas de enriquecimento
imediato, os bens de salvação de teologias neopentecostais, como as ideias veiculadas por sua
expressão mais disseminada – a teologia da prosperidade – vendem seus produtos em um
grande mercado simbólico em que a forma, expressa por suas promessas miraculosas de
enriquecimento, prevalece sobre a reflexão dos conteúdos espirituais contidos na “palavra”. A
emoção contida nos discursos e nos arroubos de fé coletivos das massas que frequentam os
grandes templos substituem, em larga escala, a reflexão dos sermões baseados nas escrituras
bíblicas,
Há, de fato, no pentecostalismo em geral, mas, de modo particular, na sua terceira
onda, uma inflação da forma sobre os conteúdos, nas representações e práticas.
Trata-se, no fundo, da prevalência do pathos sobre o logos; em linguagem de
mercado, da embalagem sobre o conteúdo, oferecidos e comprados mediante
os slogans de promessa de eficácia (PASSOS, 2000, p.10)
Bitum, ao citar Pierre Bourdieu, (2007, p. 147), observa que os dominantes, isto é, os
monopolizadores dos capitais – econômico, cultural e simbólico – elaboram estratégias
visando sempre o acúmulo ou a conservação de seus capitais.
Trazendo a mesma analise para a lógica dos dominados, diferente da ética protestante
que tinha no acúmulo de capital econômico a chave para o acesso ao capital simbólico
religioso máximo: a salvação, na Teologia da Prosperidade, as estratégias dos dominados, isto
é, dos fieis pobres, destituídos de quase todas as formas de capital, resumem-se ao acumulo,
ou melhor dizendo, a intensificação do único capital que lhes restam explorar: o simbólico,
expresso pela fé, que quanto mais forte for, segundo os teólogos da prosperidade, maior será a
recompensa.
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amarrar. Só que as pessoas do mundo não acreditam, não sabe que o inimigo ta
controlando as vidas delas.
Bitum (2007) cita Clifford Geertz, que explica que diante das dores morais e físicas,
dos significados dos sofrimentos que permeiam a existência humana, o homem é atraído para
a crença em seres supranormais “deuses, demônios, espíritos”. Não é difícil chegar a
conclusão que a realidade dos fieis pentecostais e neopentecostais empobrecidos pode levar a
uma ampla e totalizante espiritualização de suas visões de mundo e à explicações de natureza
transcendental para a quase totalidade de seus problemas morais e sociais.
Considerações finais
As religiões pentecostais, levando-se em consideração diferenças doutrinárias e
comportamentais entre as diferentes denominações e vertentes, apresentam em geral uma
religiosidade de caráter totalizante, isto é, que procura abarcar todo o cotidiano dos que a
professam, de sãs relações sociais em todos os campos de atividade humana. Os efeitos
totalizantes dessa religiosidade na vida dos adeptos se manifestam na forma de representações
do mundo social que passa a ser entendido e explicado por uma cosmovisão religiosa. É um
mundo que só pode ser compreendido pela existência de outro, mais importante e mais
determinante segundo as visões de mundo religiosamente orientadas.
Especialmente na visão neopentecostal, as posições dos indivíduos na estrutura
socioeconômica hierarquizada e desigual não podem ser entendidas com base nas dinâmicas
sociais próprias deste mundo, oriundas de processos estruturados de exclusão e concentração
de bens econômicos e culturais historicamente estabelecidos. Pobrezas e riquezas, combatidas
e conquistadas devem levar em consideração um outro universo, onde atuam forças invisíveis
determinantes para o sucesso ou fracasso de todos aqueles que buscam a sua salvação, já neste
mundo, não necessariamente por meios materiais, como pelo trabalho, de acordo com a ética
calvinista, mas por meios exclusivamente espirituais – a fé, e a guerra declarada contra o
demônio.
As representações espiritualizadas da realidade levam a diferentes praticas ou formas
de enfrentamento da pobreza. As trocas comunitárias – de recursos simbólicos e sociais - dos
grupos pentecostais situados nas periferias são importantes meios acessados por comunidades
de fieis estáveis, pela proximidade geográfica e por relações contínuas. Os grupos que se
formam nos grandes templos neopentecostais, nos centros metropolitanos, são efêmeros e a
solidariedade encontrada entre seus participantes é temporária, contando apenas com o
recurso da fé compartilhada, instrumentalizada simbolicamente e intensificada pelas grandes
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multidões concentradas, para combater os males produtores da pobreza, por meio de artifícios
simbólicos.
Referências bibliográficas
PASSOS, João Décio. Teologias Urbanas: Os Pentecostais na passagem do rural ao urbano.
Revista São Paulo em Perspectiva, São Paulo, 14 (4), p. 120 – 128, 2000.
MONTEIRO, Paula. Max Weber e os dilemas da secularização: o lugar da religião no mundo
contemporâneo. In: Novos Estudos, nº 65, p. 34-44, 2003.
BITUN, Ricardo. Igreja Mundial do Poder de Deus: Rupturas e continuidades do campo
religioso neopentecostal. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC),
Capítulo IV A “remasterização” do Movimento Pentecostal, p.133-168. 2007.
MARIANO, Ricardo. NEOPENTECOSTAIS – Sociologia do Novo Pentecostalismo no Brasil.
São Paulo: Edições Loyola, 2014.
MARIZ, Cecília. A religião e o enfrentamento da Pobreza no Brasil. Revista crítica de
Ciências Sociais, Pernambuco, n. 33, p. 11-24, out/1991.