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Resenha do texto: ARRIGHI, Giovanni.

Adam Smith em Pequim: origens e


fundamentos do século XXI. Capítulo 12 – Origens e Dinâmica da ascensão
chinesa. Boitempo Editorial, 2008.
Disciplina: ECN958 A - Economia da China
Professor: Gilberto Libânio
Aluno: Gabriel do Carmo Lacerda

O texto está dividido em quatro seções, além de uma espécie de “introdução”


que desconstrói certo “senso comum” acerca do crescimento chinês, principalmente
revisando a centralidade (ou não) do capital estrangeiro, e sua articulação com mão-
de-obra extremamente barata, como pontapé inicial do desenvolvimento chinês. Ao
relativizar e ressituar (temporalmente, espacialmente e setorialmente) o papel do
capital estrangeiro – sobretudo o ocidental – como “subordinado” na industrialização
chinesa, assim como caracterizar a especificidade – qualitativamente superior – da
formação da força de trabalho chinesa com a rápida expansão de condições de
oferta e demanda, tem-se um quadro das particularidades mobilizadas no
crescimento da China que possibilitaram seu intenso crescimento com
desenvolvimento, ou seja, com mudanças estruturais internas e externas ao país
que permitiram a (re)emergência chinesa como um jogador significativo nas
relações econômicas internacionais. Nesse sentido, investigar as origens desse
impulso e (re)posicionamento, principalmente relacionando com os aspectos de
serem baseados: a) no desenvolvimento – a partir das tradições chinesas – de um
mercado que não era necessariamente capitalista; e b) nas tradições
revolucionárias que permitiram o surgimento da República Popular da China; são
os principais objetivos do capítulo 12.
Antes de adentrar especificamente nas seções, convém apresentar a
cronologia da presença do capital estrangeiro na China. Segundo Arrighi, enquanto
os capitais ocidentais e japoneses reclamavam, ao longo dos anos 1980, de uma
série de restrições a demissão e contratação de trabalhadores, da compra e venda
de mercadorias e remessas de lucros e, portanto, mantinham baixos investimentos
na China; os capitais chineses ultramar (Macau, Hong-Kong e Taiwan) –
familiarizados com as tradições e costumes chineses, além de terem tratamento
preferencial pelo Partido Comunista Chinês (PCC) – investiam maciçamente nas
ZEE e, assim, preparavam o terreno – em seus múltiplos aspectos, i.e., institucional,
infraestrutural, social, econômico, etc. – para o posterior boom de IDE. Em outras
palavras, o capital estrangeiro adentra à China num contexto de crescente
transformações, intensificando o processo em curso, sem tê-lo puxado, tampouco
guiado, sendo que tal movimento de deslocalização foi se tornando necessário dada
as qualidades e especificidades existentes na China, que reorganizaram o acicate
concorrencial entre as empresas transnacionais, conforme exposto pelo autor “face
a um imperativo simples: invista na china para ter as vantagens da mão-de-obra

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barata e do seu intenso crescimento ou perca para seus rivais” (p. 353, destaque
meu).
Frente a este imperativo, a primeira seção vai justificar e apresentar
historicamente os elementos por detrás da expansão da relevância chinesa,
sinteticamente o argumento de Arrighi é que as – ao contrário do propagado, i.e., a
aceitação das premissas do “neoliberalismo” ou dos ideias de Friedman – as
reformas chinesas detinham características “smithianas”, ou seja, um gradualismo
das reformas, logo, da ação estatal que garantisse: 1) a expansão e complexificação
da divisão social do trabalho no país; 2) a intensa expansão da educação; 3) a
subordinação dos interesses capitalistas – e das suas diferentes frações e origens
– ao interesse nacional; 4) um ativo encorajamento da concorrência intercapitalista;
5) a formação e consolidação de um mercado interno; e 6) a melhoria das condições
de vida das áreas rurais. Tais elementos são baseados num desenvolvimento
baseado no mercado, mas que é instrumentalizado e regulado pelo Estado para
evitar transições disruptivas na “tranquilidade pública”. Em outras palavras, o Estado
faz do Mercado instrumento para se fortalecer, principalmente através da melhora
da qualidade de vida dos seus cidadãos, sendo no caso chinês, principalmente dos
habitantes das áreas rurais.
A trajetória da construção e consolidação desses elementos como pilares do
desenvolvimento estão ligados ao pragmatismo-gradualismo chinês que passa
desde: a incorporação dos avisos e da assistência do Banco Mundial, embora
condicionadas e embebidas pelo interessa nacional; a exposição das empresas
estatais à concorrência, primeiro entre elas, posteriormente com as corporações
estrangeiras e, finalmente, com os novos e diversos arranjos de unidades
produtivas; pela organização de uma divisão espacial do trabalho que incorpore,
tanto os diferentes níveis complexidade econômica (trabalho-intensiva, capital-
intensiva, conhecimento-intensiva) quanto a orientação de mercado (voltada para
exportação e para o mercado interno), consequentemente possibilitando a
expansão da oferta de emprego – quantitativamente (i.e. oportunidades/vagas de
empregabilidade) e qualitativamente (i.e. aumento da divisão social do trabalho) - e
a melhoria na renda; finalmente, dentro do processo anterior é fundamental a
presença de trabalho qualificado e instruído, logo, assume importância a difusão e
ampliação da educação em todos os níveis. A articulação destes elementos
engendra, por um lado, o forte dinamismo da economia chinesa e, por outro,
crescentemente, novas tensões sociais e regionais. Contudo, o autor vai apontar
que, num primeiro momento, tal ciclo de acumulação teria se dado sem
despossessão, daí sua relação com o sexto ponto do parágrafo anterior, i.e., com a
melhoria das condições de vida das populações rurais.
Um dos aspectos centrais – analisados na seção seguinte, sobre
Acumulação sem Despossessão – da melhora das condições de vida das massas
rurais chinesas está ligado a consolidação do mercado interno, primeiro com
melhora das condições de acumulação na agricultura e, posteriormente, na
indústria, mas nas manufaturas baseada nas áreas rurais, as EVMs.

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Resumidamente o processo se dá da seguinte maneira: a agricultura foi estimulada
com a possibilidade de comercialização dos excedentes a preços de mercado, do
retorno das decisões de produção aos camponeses e da expansão da área na qual
os produtos poderiam ser comercializados. Todas essas aberturas estavam ligadas
a modernização da agricultura que vinha desde da era Mao, o que possibilitava a
expansão da produção via aumento da produtividade e a consequente liberação da
força de trabalho das atividades primárias. Estes trabalhadores,
concomitantemente, eram incorporados nas emergentes EVMs. Estas nasciam das
reformas que fomentaram a descentralização fiscal, logo, do aumento da autonomia
dos governos locais no sentido de promover o crescimento econômico e da
incorporação da avaliação da performance econômica local como elemento de
ascensão dentro dos quadros do PCC. Desta forma, o estímulo a diversificação e
complexificação das atividades da EVMs, consequentemente, do crescimento
econômico local ganham forte impulso com uma forte política de reinvestimentos na
capacidade produtiva, na conquista de mercados cada vez mais amplos e,
finalmente, na contratação de novos empregados.
Desta maneira, ocorre uma industrialização no campo e no interior da China
que criam subcircuitos locais e regionais de acumulação que vem acompanhado de
uma série de inversões em bens de consumo coletivo (e.g. escolas, hospitais, etc.),
mas em áreas onde a problemática de reprodução da força de trabalho está ligada
ainda a produção campesina, o que faz o custo destes trabalhadores extremamente
baixo. Em outros termos, ocorre a combinação agricultura crescentemente intensiva
com a oportunidade de trabalho não-agrícola por parte dos moradores das áreas
rurais, não obstante, tais trabalhadores tornam-se cada vez mais qualificados pelos
próprios investimentos sociais básicos feitos pelos governos locais e pelas EVMs.
Pelo lado das empresas urbanas, o que é notável é o reduzido número de
robotização, sendo o trabalho largamente realizado por trabalhadores “manuais”
extremamente laboriosos, disciplinados, treinados e habilidosos. Em outros termos,
ocorre uma poupança de capital e uma reintrodução de trabalho mesmo nos
produtos mais complexos, ademais esse trabalho é extremamente disciplinado o
que resulta redução de custos também com gerentes e capatazes na administração
de milhares de trabalhadores. Finalmente, fechando o circuito virtuoso de geração
de empregos, a consequente complexificação da divisão social do trabalho é
alimentada pela ampla formação de quadros extremamente qualificados de
engenheiros, cientistas e técnicos, o que possibilita avançar e articular diferentes
setores (e intensidades tecnológicas, mobilização de fatores) no sistema econômico
chinês como um todo.
A seção seguinte busca apontar os por quês da disponibilidade de uma força
de trabalho tão laboriosa e disciplinada, ou seja, em certo sentido as bases sociais
que alicerçaram a ascensão chinesa. A razão da “entrega” aos objetivos de
modernização das massas chinesas possuiria, segundo Arrighi, fundamentos na
tradição revolucionária chinesa. Esta, ao inovar ideologicamente em dois pontos
cruciais, conseguiu criar raízes sociais profundas que possibilitam a aceitação dos

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esforços humanos e materiais em prol do desenvolvimento chinês, contudo o fazem
porque objetivamente – i.e. materialmente – a melhora das suas condições de vida.
As duas inovações emergidas do contexto revolucionário chinês são: 1) A
centralidade do partido, mas sem o “permanente impulso insurrecional” que foi
abandonado; do mesmo modo, o partido é de vanguarda, ao ser professor das
massas, mas deve permanecer sendo, também, o pupilo das massas, ou seja, agir
a partir das massas e para as massas; e 2) A base social do PCC é o mais o
camponês do que o proletariado urbano. No limite, as duas inovações se relacionam
com as próprias bases sociais majoritariamente camponesas da China, até
recentemente, e com o próprio processo revolucionário que partiu e se transformou
do campo (Pomar, 2003). A expressão mais visível do foco das políticas
governamentais nas massas rurais pode ser visualizada, conforme aponta Arrighi,
pela melhora substancial de diversos indicadores sociais chineses – inclusive em
níveis bem acima dos países com mesmo PIB per capita, conforme documento do
Banco Mundial – bem antes da aceleração econômica iniciada nos anos 1980.
O peso e necessidade permanente de responder as massas, que até pouco
tempo eram predominantemente camponesas e – ademais – eram uma população
maior do que toda população de diversos continentes do globo, conformou todo um
fio de ação singular na China que passava pela: 1) Modernização econômica e
educacional dos camponeses, não sua destruição como fora na URSS; 2) Uma
industrialização que possuiu também forte caráter e base rural via EVMs, diferente
dos processos de industrialização ocidentais; 3) “Reeducação” da burguesia e dos
funcionários serem realizadas em áreas rurais durante a era Mao; 4) Apoio e
preferência inicial às reformas na agricultura durante o período Deng Xiaoping, que
posteriormente seriam difundidas para a indústria, assim como o esforço de Hu
Jintao, na primeira década de 2000, em expandir a educação, a saúde e os
benefícios sociais nas áreas sociais, ou seja, avançar ainda mais na construção de
Estado de Bem-Estar Social, este sendo inicialmente nas áreas rurais. Em resumo,
a rota para a modernidade na China passou/passa pela incorporação e valorização
social, econômica e espacial camponesa e rural para ser bem-sucedida.
Não obstante, o expressivo sucesso chinês desde os anos 1990, sobretudo
seu novo papel internacional, tem tensionado cada vez as tradições revolucionárias
baseada no rural, porque os fundamentos urbanos – em seus múltiplos aspectos,
i.e., dos trabalhadores, do dinamismo econômico, da dinâmica política, das
empresas, do partido – tem exacerbado os desníveis de desenvolvimento entre os
espaços costeiros e o restante do país, da mesma forma como os rendimentos
rurais e urbanos, soma-se, ainda, o crescente descontentamento e as
manifestações populares pelos procedimentos e resultados das reformas mais
claramente pró-mercado.
Os elementos sumarizados no parágrafo anterior foram os objetos de breve
apontamentos na última seção do capítulo 12. Nele se discutem a questão da
estagnação relativa dos rendimentos rurais frente ao urbano nas últimas duas
décadas, assim como outras expressões das desigualdades espaciais na China,

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bem como a escala dos protestos urbanos em prol de melhoras condições de vida
e de trabalho nos grandes centros urbanos. Embora o texto tenha sido publicado
em 2007, a questão de protestos populares, sobretudo nas áreas autônomas, como
Hong-Kong, recorrentemente retorna com força desejando “liberdade”, “direitos
humanos” e “democracia” em tonalidades ocidentais, resultando muitas vezes em
repressões massivas por parte do Governo Central e novas rodadas de
reacomodação. Também é importante apontar a busca do Estado Chinês em
avançar na consolidação e alargamento de Estado de Bem-Estar Social, além da
busca na melhoria da distribuição dos benefícios do crescimento econômico das
últimas décadas (Angang, 2015).

Referências bibliográficas

ANGANG, Hu. Embracing China's New Normal. Foreign Aff., v. 94, p. 8, 2015.
POMAR, Wladimir. A Revolução Chinesa. Unesp, 2003.

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