Você está na página 1de 7

PROCESSO Nº TST-RR-10077-32.2015.5.03.

0132

A C Ó R D Ã O
2ª Turma
GMMHM/dsv/apf

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO APÓS A


LEI Nº 13.015/2014. RESPONSABILIDADE
CIVIL OBJETIVA DO EMPREGADOR.
ASSALTO. VIGIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS NO IMPORTE DE R$ 20.000,00
(VINTE MIL REAIS). O Tribunal
Regional manteve o indeferimento da
indenização por danos morais ao vigia
noturno vítima de assalto. Esta Corte
adota o entendimento de que a
atividade de vigia implica risco
acentuado, razão pela qual se admite
a responsabilidade objetiva a
permitir a aplicação do parágrafo
único do art. 927 do Código Civil.
Precedentes. Recurso de revista
conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de


Recurso de Revista n° TST-RR-10077-32.2015.5.03.0132, em que é
Recorrente JOÃO BOSCO GUEDES e Recorrido DISTRIBUIDORA DE GÁS SÃO
GERALDO - EIRELI.

O Tribunal Regional do Trabalho da 03ª Região


manteve a sentença quanto à indenização por danos morais.
O reclamante interpõe recurso de revista às fls.
271/287, o qual foi admitido quanto ao tema "danos morais", por
divergência jurisprudencial.
O reclamante apresentou contrarrazões às fls.
303/309.
É o relatório.

V O T O

Satisfeitos os pressupostos comuns de


admissibilidade, examino os específicos do recurso de revista.
Firmado por assinatura digital em 04/09/2019 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho, conforme
MP 2.200-2/2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira.
fls.2

PROCESSO Nº TST-RR-10077-32.2015.5.03.0132

1 – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VIGIA. ASSALTO.


RESPONSABILIDADE OBJETIVA

1.1) Conhecimento

O Tribunal Regional da 03ª Região, por sua Turma


Recursal Descentralizada, em acórdão da lavra da Desembargadora
Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim, no que concerne ao tema
destaque, consignou:

"O reclamante pugna pela reforma da sentença de origem no que


tange à improcedência do pedido de reparação por danos morais, alegando
que foi vítima de assalto porque a reclamada não lhe forneceu um ambiente
de trabalho seguro. Aduz, ainda, que deve ser aplicada a responsabilidade
objetiva ao caso concreto, além de ter sofrido dispensa abusiva e
discriminatória, já que esta se deu apenas dias após o evento.
Analiso.
Inicialmente, cumpre registrar que nosso ordenamento jurídico
contempla, como regra, a responsabilidade subjetiva. Isso é o que
claramente se depreende do disposto no artigo 5º, inciso X, da CF/88,
artigos 186, 187 e 927, caput, do Código Civil e, no que tange ao acidente
de trabalho (e, por certo, doenças profissionais ao mesmo equiparadas), do
artigo 7º, inciso XXVIII, da CF/88.
A jurisprudência trabalhista somente vem acolhendo a tese da
responsabilidade objetiva quando se trata de atividade que, por sua
natureza, oferece risco, nos termos do parágrafo único do art. 927, do CCB,
verbis: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de
reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em
lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Na hipótese vertente, a atividade da reclamada - distribuidora de
gás - pode até ser caracterizada dentre aquelas que implicam maior
risco para os direitos de outrem, ante a probabilidade de explosões
(artigo 193, I, CLT), mas deve-se ressaltar que a ocorrência deste
perigo não está relacionada essencialmente ao desempenho da função
de vigia.
De outra banda, o próprio autor se declarou à reclamada como vigia,
ao assumir o mister, apto ao desempenho da atribuição para a qual fora
contratado, cuja previsibilidade de assalto é imanente.

Firmado por assinatura digital em 04/09/2019 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho, conforme
MP 2.200-2/2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira.
fls.3

PROCESSO Nº TST-RR-10077-32.2015.5.03.0132

Dentro desse enfoque, a responsabilidade da empregadora no evento


danoso sofrido pelo autor deve ser analisada sob o pálio da teoria da
responsabilidade subjetiva, observando-se se estão presentes os três
requisitos para sua caracterização: ato ilícito, dano e nexo de causalidade.
In casu, a ocorrência do sinistro restou incontroverso, já que a própria
reclamada aponta em contestação que o autor foi vítima de um assalto em
novembro de 2014 (ID 4404a1a - Pág. 10), evento também noticiado no
boletim de ocorrência (ID 36c6928), não impugnado pela ré.
Também não há dúvidas que as lesões sofridas pelo trabalhador em
decorrência do fato narrado na exordial, restando comprovado o dano e
nexo de causalidade.
Todavia, quanto ao ato ilícito praticada pela empregadora, entendo
que a reclamada não pode ser responsabilizada pelo evento fatídico de que
foi vítima o obreiro, visto que a segurança pública, em regra, é incumbência
do Estado, não se podendo imputar necessariamente à ré a culpa pelos
assaltos, ameaças e demais violências sofridas pelo empregado.
De se destacar, sobre a matéria, que nos julgamentos mais recentes
proferidos por esta TRJF, vem sendo decotada a reparação a título de danos
morais, reafirmando-se a tese de que a segurança pública é um dever do
Estado, não podendo ser transferida à empresa. Transcrevo, por oportuno,
parte do julgamento proferido nos autos do processo n. 01200-2011-037-
03-00-0 RO, Relator Exmo. Convocado Oswaldo Tadeu B.Guedes e
Revisor Exmo. Convocado Carlos Roberto Barbosa, publicado em
05/07/2012:
"(...) Pois bem, com relação à questão relativa ao dano sofrido em
razão do assalto, é certo que os assaltos a ônibus são, de certa forma, fatos
recorrentes na cidade, ante a notória falta de segurança, sendo certo que a
violência é uma triste realidade no país, gerada por motivos diversos.
No entanto, a reclamada não pode ser responsabilizada pelo fato
em questão, eis que não se vislumbra qualquer conduta ilícita da ré que
tenha concorrido diretamente para a ocorrência do assalto.
A segurança pública é um dever do Estado, conforme preconiza o art.
144 da Constituição Federal. Em última análise, a ré também é vítima da
violência, e, muitas vezes, a maior prejudicada com esta. A demandada não
pode se substituir ao Estado, a saber, não pode ser compelida a agir para
cobrir as falhas do Poder Público, garantindo seus funcionários e
passageiros contra qualquer tipo de ação criminosa.
Sendo assim, em que pese, como já dito, a violência ser uma
realidade no país, os assalto a ônibus do qual foi vítima o reclamante - e
também a reclamada - pode ser considerado como um fato imprevisível, de
forma que não se vislumbra nos autos a ocorrência de culpa da ré, por ação
ou omissão, tampouco de nexo causal entre esta e o dano experimentado
pelo autor.
Não há motivos, portanto, para o acolhimento da alegação do obreiro
no sentido de que o fato de ter sido vítima do assalto quando retornava ao
ônibus, após ter se ausentado para satisfazer as suas necessidades
Firmado por assinatura digital em 04/09/2019 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho, conforme
MP 2.200-2/2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira.
fls.4

PROCESSO Nº TST-RR-10077-32.2015.5.03.0132

fisiológicas, em local que não foi disponibilizado pela ré para tal, implicaria
na sua condenação ao pagamento de indenização pelo dano moral sofrido.
Não se revela, neste particular contexto, a conduta antijurídica da ré
relativamente à falta de estrutura adequada no que concerne à segurança do
trabalhador."
No mesmo diapasão os seguintes precedentes turmários: Processo:
00432-2012-035-03-00-0 RO, Relator(a): Juíza Convocada Maria Raquel
Ferraz Zagari Valentim, demais votantes: Juiz Convocado Jose Nilton
Ferreira Pandelot (Revisor) e Des. Luiz Antônio de Paula Iennaco, DEJT:
14/03/2013 e 0014-2009-132-03-00-6 RO; Relator: João Bosco Pinto Lara,
demais votantes: Jose Miguel de Campos (Revisor) e Juiz Convocado
Carlos Roberto Barbosa, DEJT: 24/08/2011.
Por fim, também não há provas da alegada dispensa discriminatória
ou abusiva, revelando-se em utilização do poder potestativo da
empregadora.
Desprovejo."

O autor requer a condenação ao pagamento de


indenização por danos morais, porque sofreu assalto enquanto exercia
a função de vigia noturno. Pleiteia a incidência da teoria da
responsabilidade objetiva.
Indica ofensa aos arts. 1°, III e IV, 5°, § 2° e
7°, caput, XXII, XXVIII da CF, 186 e 927, parágrafo único, do Código
Civil, 2° e 3°, da CLT. Transcreve arestos.
Analiso.
O Tribunal Regional negou provimento ao recurso
ordinário do autor, mantendo o indeferimento da indenização por
danos morais ao vigia noturno vítima de assalto.
Esta Corte tem entendido que a atividade de vigia
implica risco acentuado, razão pela qual se admite a
responsabilidade objetiva a permitir a aplicação do parágrafo único
do art. 927 do Código Civil.
Nesse sentido, são os seguintes precedentes:

RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS


MORAIS. VIGILANTE. ASSALTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.
A inovação trazida pelo Código Civil de 2002,que adota a responsabilidade
objetiva nas atividades de risco, aplica-se plenamente às relações de
trabalho nos termos dos artigos 5º, § 2º e 7º, caput , da Constituição
Federal. Firmada a premissa supra, ressalta-se que do acórdão regional
Firmado por assinatura digital em 04/09/2019 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho, conforme
MP 2.200-2/2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira.
fls.5

PROCESSO Nº TST-RR-10077-32.2015.5.03.0132

extrai-se como incontroversa a ocorrência do assalto, mesmo tendo o


Tribunal excluindo a responsabilidade patronal. Cinge-se, portanto, a
controvérsia, a delimitar se a atividade de vigilante do instituto de ensino,
em tais condições, se revela perigosa, no sentido de se impor ao trabalhador
um ônus de risco maior do que aquele que sofrem os demais membros da
coletividade, caracterizando-se, portanto, como atividade de risco. E, nesse
sentido, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem entendido
que a atividade de vigia/vigilante está enquadrada como atividade de risco
para os efeitos do artigo 927, parágrafo único, do Código Civil.
Precedentes. Cabe destacar que o dano decorre do próprio fato,"in re ipsa",
não sendo razoável exigir a comprovação da dor, do sofrimento e do
sentimento de humilhação e medo a que foi exposto o trabalhador em
virtude do assalto. Nesse contexto, deve ser reconhecido o direito do autor à
indenização por danos morais no importe de R$ 20.000,00. Recurso de
revista conhecido por violação do art. 927, caput e parágrafo único, do CCB
e provido. (ARR-2314-32.2014.5.02.0038, 3ª Turma, Relator Ministro
Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 05/04/2019).

(...) DANO MORAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO


EMPREGADOR. VIGILANTE. ASSALTO. TEORIA DO RISCO DA
ATIVIDADE. DOENÇA OCUPACIONAL. Esta Corte tem entendido que o
artigo 7°, XXVIII, da Constituição Federal, ao consagrar a teoria da
responsabilidade subjetiva, por dolo ou culpa do empregador, não obsta a
aplicação da teoria da responsabilidade objetiva às lides trabalhistas,
mormente quando a atividade desenvolvida pelo empregador pressupõe a
existência de risco potencial à integridade física e psíquica do trabalhador, e
o fato tenha ocorrido na vigência do novo Código Civil. Efetivamente, o
artigo 7° da Constituição da República elenca o rol de direitos mínimos
assegurados aos trabalhadores, mas não exclui a possibilidade de que outros
venham a ser reconhecidos pelo ordenamento jurídico infraconstitucional,
tendo em mira que o próprio caput do mencionado artigo autoriza ao
intérprete a identificação de outros direitos, com o objetivo da melhoria da
condição social do trabalhador. De outra parte, a teoria do risco da atividade
empresarial sempre esteve contemplada no artigo 2° da CLT, e o Código
Civil de 2002, no parágrafo único do artigo 927, reconheceu,
expressamente, a responsabilidade objetiva para a reparação do dano
causado a terceiros. No caso dos autos, não há dúvida quanto ao risco
imanente à atividade da reclamada, tendo em vista que o reclamante, no
exercício de suas funções de vigilante, foi vítima de assalto a mão armada.
Assim, o entendimento do Regional, de que a responsabilização do
empregador in casu pressupõe a demonstração de sua culpa, ofende o art.
927, parágrafo único, do Código Civil, razão pela qual merece reforma.
Recurso de revista conhecido e provido. (RR-2983-47.2013.5.02.0062,
Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, DEJT 25/4/2016)

Firmado por assinatura digital em 04/09/2019 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho, conforme
MP 2.200-2/2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira.
fls.6

PROCESSO Nº TST-RR-10077-32.2015.5.03.0132

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ACIDENTE DE TRABALHO.


DANOS MORAIS E MATERIAIS. INDENIZAÇÕES. VIGIA
NOTURNO. ASSALTO. GOLPES DE FACÃO. PARALISIA
PERMANENTE DOS MEMBROS INFERIORES.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. 1. O atual Código
Civil Brasileiro manteve, como regra, a teoria da responsabilidade civil
subjetiva, calcada na culpa. Inovando, porém, em relação ao Código Civil
de 1916, ampliou as hipóteses de responsabilidade civil objetiva,
acrescendo aquela fundada no risco da atividade empresarial, consoante
previsão inserta no parágrafo único do artigo 927. Tal acréscimo apenas
veio a coroar o entendimento de que os danos sofridos pelo trabalhador,
decorrentes de acidente do trabalho, conduzem à responsabilidade objetiva
do empregador quando a atividade laboral é considerada de risco. 2. A
atividade de vigia noturno é notoriamente de risco, na medida em que
tem como principal objetivo a proteção do patrimônio do empregador.
No caso dos autos, no seu mister o reclamante foi vítima de um assalto que
lhe resultou na paralisia permanente de membros inferiores após sofrer
golpes de facões desferidos por assaltantes. Em tais circunstâncias, deve o
empregador responder de forma objetiva na ocorrência de acidente de
trabalho, por se tratar de evento danoso ao direito da personalidade do
trabalhador. Incidência do disposto no parágrafo único do artigo 927 do
Código Civil. 3. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. (AIRR-
919-90.2015.5.07.0018, Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma,
DEJT 11/09/2017)

Pelo exposto, conheço do recurso de revista por


ofensa ao art. 927, parágrafo único, do Código Civil.

2.2 – Mérito

Conhecido o apelo por ofensa ao art. 927,


parágrafo único, do Código Civil, a consequência é o seu provimento
para condenar a reclamada a pagar indenização por danos morais.
Esclareça-se que na petição inicial o autor
pleiteou a importância de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a título
indenizatório. Por outro lado, confrontando a jurisprudência desta
Corte, extrai-se que em casos análogos, a importância de R$
20.000,00 (vinte mil reais) se encontra razoável e proporcional à
hipótese dos autos, que frise-se, não indica a ocorrência de mais de

Firmado por assinatura digital em 04/09/2019 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho, conforme
MP 2.200-2/2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira.
fls.7

PROCESSO Nº TST-RR-10077-32.2015.5.03.0132

um assalto, tampouco que o autor tenha sido incapacitado do trabalho


(em razão da agressão física sofrida – coronhada).
Custas pela reclamada, no importe de R$ 400,00
(quatrocentos reais) calculadas sobre o valor da condenação, que ora
R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal
Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de
revista, por ofensa ao art. 927, parágrafo único, do Código Civil,
e, no mérito, dar-lhe provimento para condenar a reclamada a pagar
R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de indenização por danos
morais. Juros e correção monetária na forma da Súmula 439 do TST.
Custas pela reclamada, no importe de R$ 400,00 (quatrocentos reais)
calculadas sobre o valor da condenação, que ora se arbitra em R$
20.000,00 (vinte mil reais).
Brasília, 3 de setembro de 2019.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)


MARIA HELENA MALLMANN
Ministra Relatora

Firmado por assinatura digital em 04/09/2019 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho, conforme
MP 2.200-2/2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira.

Você também pode gostar