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CIENTÍFICO
“Eu não corro o risco só porque eu escrevo, eu corro também quando leio porque ler é
reescrever.”
Paulo Freire
Eni P. Orlandi
“As dificuldades tinham começado com a confusão entre, parafuso, rosca e porca.
Todos sabem, entretanto, que o sistema de base genérico-textual da tecnologia
elementar implica, como princípio estrutural, que as roscas e as porcas se casam.”
Michel Pêcheux.
RESUMO: Este artigo tem o objetivo de mostrar a importância da leitura como método na construção e
produção de sentidos do discurso científico. As considerações que aqui faremos, dará ênfase a vertente
da Análise do Discurso de linha francesa, inicialmente inaugurada por Michel Pêcheux e introduzida no
Brasil por Eni Orlandi instalando um novo tempo na questão de como ler e de como desenhar os sentidos
da leitura nas condições produção e na compreensão crítica da interação entre leitor e texto como
ferramenta da produção do discurso (texto).
ABSTRACT: This article aims to show the importance of reading as a method in the construction and
production of meanings of scientific discourse. The considerations here will do, will emphasize the aspect
of the analysis of the French Discourse initially inaugurated by Pêcheux and introduced in Brazil by Eni
A leitura é uma fonte inesgotável de conhecimento e prazer sem sombra de dúvidas para
quem cultiva esse hábito. Uma companheira fiel em todas as fases da vida. Uma
ferramenta de compreensão do mundo que amplia os horizontes e alarga a visão, que
nos faz viajar por um mundo totalmente desconhecido de grandes e imensuráveis
descobertas e de acúmulos de novas experiências. É um elo de transmissão de cultura e
valores, um lugar de troca do homem e as futuras gerações, papel fundamental de
formação para todas as pessoas. Pela leitura nos tornamos usuários competentes da
língua e efetivos participantes da cidadania. Como diria Aristóteles (367 a.C. –347
a.C.), com a leitura podemos entrar em catarse, como também, ampliar nossa condição
humana.
Conforme Benjamin (1986), a leitura durante muito tempo fora a única forma de
transmissão de conhecimento antes mesmo da era da eletricidade, e para o autor a
capacidade de conhecer símbolos alfabéticos e como o hábito de fazê-lo, está
intimamente relacionado à história do mundo como o conhecemos.
Segundo relatos históricos e arqueológicos foi na Babilônia onde tudo começou com o
surgimento de inscrições do que viria a ser a consumação do nascimento de uma prática
que viria a ser revolucionária - a leitura. Após o seu período de oralidade, houve a
invenção da leitura silenciosa na Grécia Antiga e revelavam o contexto social da época
contada através de contos do folclore oral na França, por Robert Darton, as condições
precárias que viviam os aldeões e camponeses em meados do século XVII e XVIII. No
Brasil a leitura tem um começo com descrições sobre as paisagens e os povos nativos,
seguidos pelo projeto educativo dos Jesuítas na catequização dos índios. E hoje, a
Pedro Demo (2006), fala da importância da leitura na vida das pessoas e na escola de
modo especial que determina a compreensão, o questionamento e cria um ser social
crítico e autor de muitas outras leituras. Para ele, “os processos de leitura mediados, a
arte de argumentação e da contra argumentação, a matemática para leitura da realidade,
o desafio da alfabetização e o casamento entre a tecnologia e a educação entre outros”,
são caminhos decisivos para a formação da cidadania.
A análise de discurso surgiu em meados dos anos 60 na França. A noção de leitura sofre
uma suspensão através de Michel Pêcheux, e dá-se um deslocamento na rede de filiação
de sentidos como uma nova disciplina e uma forma de associar uma reflexão dos textos
1
KILIAN, Carina; CARDOSO, Rosane Maria. Práticas de leitura literária: Os casos de França e
Brasil. Disponível em: http://www.unifra.br/eventos/sepe2012/Trabalhos/5338.pdf. Acesso em
17/05/2016.
2
LUCKESI. Cipriano, et al. Fazer Universidade: uma proposta metodológica. 11ª ed.
São Paulo: Cortez, 2000. Citada retirada da capa do livro escrita por Paulo Freire.
[...] já se sabia que uma língua não funciona como um código que fornece a
quem a conhece todas as “informações” que veicula (na verdade, já se sabia
também que nem sempre se trata de informações); sabia-se que não se pode
transpor o que se conhece da língua (enquanto sistema gramatical) para o
texto – e, como foi ficando cada vez mais claro, leem-se textos/discursos, e
não frases/exemplos de gramática; sabia-se que cada campo propõe
problemas de interpretação diversos (não é a mesma coisa ler história e ler
literatura, literatura e filosofia, filosofia e psicologia, psicologia e manuais de
instrução etc.)
Para Pêcheux o importante era garantir uma teoria da leitura, pois era uma época em que
se multiplicavam as perguntas e muitas vezes as respostas compatíveis eram pouco
formuladas. Se a língua prestigiada pela linguística não poderia ser sua garantia, então a
tarefa da leitura era enfatizar a compreensão do texto pelo sujeito que lê o texto
“político”, ”social”, pois a leitura não é a leitura de um texto enquanto texto, mas
enquanto discurso e de suas condições de produção.
Segundo Possenti (2009, p. 10-19), a “AD, doravante Análise de Discurso, nasceu como
resposta à questão de como ler”. Certamente nem todas as questões foram abordadas
pela AD, mas a familiaridade com as abordagens discursivas que foram formuladas
facilitou muito a assimilação de certas proposições. Entre elas a afirmação que há duas
vertentes da AD que situa a questão da leitura: a primeira vertente dedica-se à
investigação do dispositivo social de circulação dos textos sem a preocupação direta
com a questão dos sentidos. Fala dos espaços (onde são vendidos, dos tipos de texto,
dos tipos de autores), ou seja, a circulação dos discursos, e do controle que a sociedade
tem em relação a esses discursos. A segunda vertente é a que privilegia propriamente o
sentido, a preocupação é com a significação dos discursos e sua relação com o exterior.
Pêcheux (2015) propôs uma reflexão sobre a linguagem conforme depreende o percurso
da AD, e essa forma aceita o desconforto de não se ajeitar nas evidências e tem a arte de
pensar nos entremeios. Para o autor, a confusão gerada entre o parafuso, rosca e porca
se comparava com a configuração dos problemas teóricos e de procedimentos que se
colocam para a disciplina, o da relação entre a análise como descrição e a análise como
interpretação.
A primeira exigência consiste em dar primazia aos gestos de descrição que reconhece o
real específico da língua, dado pelos linguistas como condição de existência das
materialidades discursivas. Na descrição a pesquisa linguística que constrói
procedimentos capazes de abordar claramente elementos linguísticos presentes na
ordem do simbólico, como também presentes nos mais variados sentidos do discurso
atravessados por uma divisão de dois espaços discursivos: o da manipulação de
significados estabilizados por uma higiene pedagógica do pensamento; e o das
transformações do sentido do texto indefinido pelas interpretações; e ainda entre estes
dois espaços existem uma zona intermediaria de processos discursivos que oscilam em
torno dela:
A segunda exigência aborda que todos os objetos estão expostos aos acontecimentos, ou
de um arranjo discursivo estrutural que mostra o fato da língua estar intrinsecamente
exposta ao equívoco. Ou seja, que o enunciado pode se deslocar discursivamente para
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1. Disposição, ordem e relações das pares de um conjunto. 2. Organização das partes de um sistema que
o caracteriza permanentemente (LAROUSSE, 2004). Um conjunto de dados linguísticos possui uma
estrutura (está estruturado) se, a partir de uma característica definida, se puder constituir um sistema
ordenado de regras que descrevam conjuntamente os elementos e suas relações até um grau determinado
de complexidade: a língua pode ser estruturada sob o ângulo de diversos critérios independentes uns dos
outros (mudança histórica, sentido, sintaxe, etc). (DUBOIS et al, 2006).
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Ponto em que um enunciado rompe com a estrutura vigente, instaurando um novo processo discursivo.
O acontecimento inaugura uma nova forma de dizer, estabelecendo um marco inicial de onde uma nova
rede de dizeres possíveis irá emergir (Glossário de termos do discurso. Disponível em:
http://www.discurso.ufrgs.br/glossario.html. Acesso em 17-05-2016).
[...] a essa afirmação de que toda leitura tem sua história. [...] é o que todo
leitor tem sua história de leitura. O conjunto de leituras feitas configura, em
parte, a compreensibilidade de cada leitor específico. Leituras já feitas
configuram – a compreensão do texto de um dado leitor. [...] coloca também
a história do leitor, tanto a sedimentação de sentidos como a
intertextualidade, como fatores constitutivos da sua produção. Resumindo,
que as leituras já feitas de um texto e as leituras já feitas por um leitor
compõem a historia de leitura e seu aspecto previsível”. (ORLANDI, 2001, p.
43).
Orlandi (2001, p.8) relaciona alguns importantes fatores que assumem importantes fatos
para a reflexão da leitura; como pensar a produção de leitura trabalhada e não ensinada;
como a leitura faz parte da produção de sentidos; de como o sujeito-leitor tem suas
especificidades e história; como tanto os sujeitos quanto os sentidos são determinados
historicamente e ideologicamente; como são múltiplos e variados os modos de leitura; e
de como forma particular, a noção da nossa vida intelectual está intimamente
relacionada aos modos e efeitos de leitura de cada época e segmento social.
Para AD “não e suficiente conhecer a língua para ler um texto”, pois o texto permite
varias leituras, a intenção é que leva em conta sua relação com a história, à psicanálise e
suas condições de produção de sentidos mostram suas estratégias e suas interpretações
(POSSENTI, 2009, pp. 10-15). Segundo Orlandi (2011 p. 179) a AD, é vista como
forma de conhecimento da linguagem que procura constituir sua metodologia e suas
técnicas, mas ”há princípios teóricos e metodológicos muito bem assentados”, como as
condições de produção na constituição da linguagem.
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Conjunto e formações discursivas e se inscreve no nível da constituição do discurso, na medida em que
trabalha com a re – significação do sujeito sobre o que já foi dito, o repetível, determinando os
deslocamentos promovidos pelo sujeito nas fronteiras de uma formação discursiva. O interdiscurso
determina materialmente o efeito de encadeamento e articulação de tal modo que aprece como o puro “já-
dito”. Disponível em: http://www.discurso.ufrgs.br/glossario.html. Acesso em: 17/05/2016).
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Possibilidades de dizeres que se atualizam no momento da enunciação, como efeito de um esquecimento
correspondente a um processo de deslocamento da memória como virtualidade de significações. [...]
processo histórico resultante de uma disputa de interpretações e acontecimentos presentes ou já ocorridos
[...] palavras de uma voz anônima que se produz no interdiscurso, apropriando – se da memória que se
manifestará de diferentes formas em discursos distintos. Disponível em:
http://www.discurso.ufrgs.br/glossario.html. Acesso em: 17/05/2016).
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Manifestação, no discurso de uma determinada formação ideológica em uma situação de enunciação
específica. A FD é a matriz de sentidos que regula o que o sujeito pode e deve dizer e, o que não pode e
não deve ser dito (Courtine, 1994), funcionando entre lugar de articulação entre língua e discurso.
(Glossário de termos do discurso. Disponível em: http://www.discurso.ufrgs.br/glossario.html. Acesso
em: 17/05/2016).
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Uma espécie de indeterminação, diferente do texto acabado, que tem começo, meio e fim. O texto é
incompleto porque o discurso se instala na intersubjetividade e é constituído na relação com a situação e
com os interlocutores. (ORLANDI, 2011, p. 195).
A relação do texto com a exterioridade promove sua interpretação, portanto gera a busca
de significados. ”A leitura, portanto, não é uma questão de tudo ou nada, é uma questão
de natureza, de condições, de modos de relação, de trabalho, de produção de sentidos,
em uma palavra: de historicidade”. “A leitura é produzida em condições determinadas,
ou seja, em um contexto sócio-histórico que deve ser levado em conta.” (ORLANDI,
2011, p. 86).
A AD veio então como forma de mostrar o que estava escondido nas entrelinhas do
discurso.
Uma teoria é uma fonte de pesquisas que precisa de um suporte técnico (método) para o
seu desenvolvimento, neste caso nosso método e teoria utilizados é o da leitura como
condição de produção para elaboração do discurso (texto) científico.
A busca do método na ciência sempre procura uma aproximação com a lógica, entende
que o ser humano é um tem capacidade de raciocínio, e é por meio da ciência, que
inventa, descobre e estuda um determinado problema quer seja para explicá-lo, quer seja
para estudá-lo. Objetiva não apenas a elaboração do projeto, como também levar:
[...] o mundo acadêmico tem por objetivo, entre outros de desenvolver certos
ensinamentos, capacitação e conhecimentos humanos, descrever novos fatos,
propor formas de entendê-los e ainda conceber metodologias adequadas
tendo em conta que os interesses da academia e os da comunidade
“acadêmica” (grifo nosso) sejam a partir de uma relação produtiva e
duradoura”.
A análise do discurso é uma ferramenta que traz técnicas e processos para elaboração e
produção de conhecimento científico através da dinâmica da leitura. Vistas em
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RODRIGUES & SOUZA. Procedimentos teóricos e científicos para o estudo linguístico de Línguas
Indígenas. Disponível em: http://www.uems.br/na/linguisticaelinguagem/EDICOES/10/sumario.htm.
Acesso em: 10/05/2015.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A leitura se faz presente nos espaços discursivos como nas escolas e nas universidades:
lugares de produção de conhecimento, que encontram problemas e contradições que
precisam ser superadas, para um melhor aproveitamento da retenção do saber. É
fundamentalmente uma prática social, não simplesmente uma leitura do mundo ou, uma
decodificação de palavras. É um ato simples, mas com toda relevância na construção de
sentidos e compreensão do mundo real, na sociedade, na escola, na academia.
Cagliari (2005), diz que ler o processo de descoberta busca do saber científico uma
atividade profundamente individual, de assimilação de conhecimentos, de
interiorização, de reflexão e interpretação, de decifração da leitura de mundo, da fusão
de significados e significantes.
Orlandiano (2001)10, podemos afirmar que a leitura como método e teoria na produção
do discurso científico, objetiva demonstrar a “reorganização no trabalho intelectual e a
propensão de novas divisões de trabalho social da leitura”. O processo das diferentes
formações discursivas trabalha a interpretação. Ou seja, “a respeito da interpretação e do
discurso científico a questão esta entre a palavra científica e o discurso sobre a coisa”.
Conhecermos os mecanismos da AD nos proporciona ao mesmo tempo em que somos
influenciados pela linguagem, o uso da atribuição de sentidos ao processo de
significação inserido pela história através de suas condições de produção. Vale lembrar
que o conhecimento uma vez produzido sempre será inacabado, incompleto, um lugar
de falha, de incompletude que é também um lugar do possível, da transformação. A
leitura como aparato teórico metodológico, atribui sentidos nas mais variadas condições
de produção, inscreve um leitor virtual no texto, desenha formações imaginárias para o
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Parafraseando Eni Pucinelli Orlandi.
REFERÊNCIAS
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Lingüística. 10ª ed. 12ª impressão. São
Paulo. Scipione, 2005.
DEMO, Pedro. Leitores para sempre. 2ª ed. Porto Alegre: Mediação, 2007.
DUBOIS, Jean ET al. Dicionário de Linguística. 11 reimp. São Paulo: Cultrix, 2006.
LUCKESI. Cipriano, et al. Fazer Universidade: uma proposta metodológica. 11ª ed.
São Paulo: Cortez, 2000.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso & Leitura. 6ª Ed. São Paulo, Cortez; Campinas,
Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2001.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso & Texto. Formulação e Circulação dos Sentidos.4ª
edição,Pontes Editores, Campinas, SP, 2012.
POSSENTI, Sírio. Questões para analistas do discurso. São Paulo, Parábola Editorial,
2009.
* Mestranda Orientada pelo Professor Dr. Marlon Leal Rodrigues – Docente UEMS/CG