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LEITURA: TEORIA E MÉTODO NA PRODUÇÃO DO DISCURSO

CIENTÍFICO

Maria Lucia Loureiro Paulista*

“Eu não corro o risco só porque eu escrevo, eu corro também quando leio porque ler é
reescrever.”

Paulo Freire

“A leitura tem-me servido de ponto de apoio para compreender o discurso e os


movimentos da interpretação.”

Eni P. Orlandi

“As dificuldades tinham começado com a confusão entre, parafuso, rosca e porca.
Todos sabem, entretanto, que o sistema de base genérico-textual da tecnologia
elementar implica, como princípio estrutural, que as roscas e as porcas se casam.”

Michel Pêcheux.

RESUMO: Este artigo tem o objetivo de mostrar a importância da leitura como método na construção e
produção de sentidos do discurso científico. As considerações que aqui faremos, dará ênfase a vertente
da Análise do Discurso de linha francesa, inicialmente inaugurada por Michel Pêcheux e introduzida no
Brasil por Eni Orlandi instalando um novo tempo na questão de como ler e de como desenhar os sentidos
da leitura nas condições produção e na compreensão crítica da interação entre leitor e texto como
ferramenta da produção do discurso (texto).

ABSTRACT: This article aims to show the importance of reading as a method in the construction and
production of meanings of scientific discourse. The considerations here will do, will emphasize the aspect
of the analysis of the French Discourse initially inaugurated by Pêcheux and introduced in Brazil by Eni

INTERLETRAS, ISSN Nº 1807-1597. V. 6, Edição número 25, Abril/Setembro 2017 - p


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Orlandi installing a new time on the question of how to read and how to draw the reading sense of the
conditions of production and critical understanding of the interaction between reader and text as speech
production tool (text).

PALAVRAS – CHAVE: Análise do discurso. Condições de produção. Leitura. Método

KEYWORDS: Discourse analysis. Conditions of production. Reading. Method..

LEITURA A ARTE DE REFLETIR OS ENTREMEIOS

A leitura é uma fonte inesgotável de conhecimento e prazer sem sombra de dúvidas para
quem cultiva esse hábito. Uma companheira fiel em todas as fases da vida. Uma
ferramenta de compreensão do mundo que amplia os horizontes e alarga a visão, que
nos faz viajar por um mundo totalmente desconhecido de grandes e imensuráveis
descobertas e de acúmulos de novas experiências. É um elo de transmissão de cultura e
valores, um lugar de troca do homem e as futuras gerações, papel fundamental de
formação para todas as pessoas. Pela leitura nos tornamos usuários competentes da
língua e efetivos participantes da cidadania. Como diria Aristóteles (367 a.C. –347
a.C.), com a leitura podemos entrar em catarse, como também, ampliar nossa condição
humana.

Conforme Benjamin (1986), a leitura durante muito tempo fora a única forma de
transmissão de conhecimento antes mesmo da era da eletricidade, e para o autor a
capacidade de conhecer símbolos alfabéticos e como o hábito de fazê-lo, está
intimamente relacionado à história do mundo como o conhecemos.

Segundo relatos históricos e arqueológicos foi na Babilônia onde tudo começou com o
surgimento de inscrições do que viria a ser a consumação do nascimento de uma prática
que viria a ser revolucionária - a leitura. Após o seu período de oralidade, houve a
invenção da leitura silenciosa na Grécia Antiga e revelavam o contexto social da época
contada através de contos do folclore oral na França, por Robert Darton, as condições
precárias que viviam os aldeões e camponeses em meados do século XVII e XVIII. No
Brasil a leitura tem um começo com descrições sobre as paisagens e os povos nativos,
seguidos pelo projeto educativo dos Jesuítas na catequização dos índios. E hoje, a

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leitura de destaca com os mais variados processos de circulação, especialmente com a
mídia eletrônica.1

Pedro Demo (2006), fala da importância da leitura na vida das pessoas e na escola de
modo especial que determina a compreensão, o questionamento e cria um ser social
crítico e autor de muitas outras leituras. Para ele, “os processos de leitura mediados, a
arte de argumentação e da contra argumentação, a matemática para leitura da realidade,
o desafio da alfabetização e o casamento entre a tecnologia e a educação entre outros”,
são caminhos decisivos para a formação da cidadania.

A leitura é habilidade essencial no ensino superior, suporte incomensuravelmente


necessário para docentes, alunos e pesquisadores desenvolver sua base teórica e agregar
novos conhecimentos através de pesquisas críticas, de trabalhos criativos, com
resultados no desenvolvimento da capacidade cognitiva, na fruição do intercâmbio de
ideias e abertura para a reflexão de temas relevantes para o mundo acadêmico e a
sociedade em geral. Também nos mostra as mudanças na realidade social, econômica,
política, cultural do mundo do saber e da produção científica (MAIA, 2008).

A produção do discurso científico que inclui a leitura do mundo e das palavras


necessariamente necessita de certo rigor que vai além da disciplina intelectual e da
criatividade no empenho de formar e pesquisar, é a necessidade primordial de se fazer o
uso da metodologia que é fundamental para o sucesso e cumprimento do objetivo
proposto (FREIRE, 1984)2.

AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO SEGUNDO MICHEL PÊCHEUX

A análise de discurso surgiu em meados dos anos 60 na França. A noção de leitura sofre
uma suspensão através de Michel Pêcheux, e dá-se um deslocamento na rede de filiação
de sentidos como uma nova disciplina e uma forma de associar uma reflexão dos textos

1
KILIAN, Carina; CARDOSO, Rosane Maria. Práticas de leitura literária: Os casos de França e
Brasil. Disponível em: http://www.unifra.br/eventos/sepe2012/Trabalhos/5338.pdf. Acesso em
17/05/2016.
2
LUCKESI. Cipriano, et al. Fazer Universidade: uma proposta metodológica. 11ª ed.
São Paulo: Cortez, 2000. Citada retirada da capa do livro escrita por Paulo Freire.

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em relação à história. Segundo Possenti (2009), Michel Pêcheux teria proposto um
projeto da teoria não subjetiva da leitura por várias razões:

[...] já se sabia que uma língua não funciona como um código que fornece a
quem a conhece todas as “informações” que veicula (na verdade, já se sabia
também que nem sempre se trata de informações); sabia-se que não se pode
transpor o que se conhece da língua (enquanto sistema gramatical) para o
texto – e, como foi ficando cada vez mais claro, leem-se textos/discursos, e
não frases/exemplos de gramática; sabia-se que cada campo propõe
problemas de interpretação diversos (não é a mesma coisa ler história e ler
literatura, literatura e filosofia, filosofia e psicologia, psicologia e manuais de
instrução etc.)

Para Pêcheux o importante era garantir uma teoria da leitura, pois era uma época em que
se multiplicavam as perguntas e muitas vezes as respostas compatíveis eram pouco
formuladas. Se a língua prestigiada pela linguística não poderia ser sua garantia, então a
tarefa da leitura era enfatizar a compreensão do texto pelo sujeito que lê o texto
“político”, ”social”, pois a leitura não é a leitura de um texto enquanto texto, mas
enquanto discurso e de suas condições de produção.

Segundo Possenti (2009, p. 10-19), a “AD, doravante Análise de Discurso, nasceu como
resposta à questão de como ler”. Certamente nem todas as questões foram abordadas
pela AD, mas a familiaridade com as abordagens discursivas que foram formuladas
facilitou muito a assimilação de certas proposições. Entre elas a afirmação que há duas
vertentes da AD que situa a questão da leitura: a primeira vertente dedica-se à
investigação do dispositivo social de circulação dos textos sem a preocupação direta
com a questão dos sentidos. Fala dos espaços (onde são vendidos, dos tipos de texto,
dos tipos de autores), ou seja, a circulação dos discursos, e do controle que a sociedade
tem em relação a esses discursos. A segunda vertente é a que privilegia propriamente o
sentido, a preocupação é com a significação dos discursos e sua relação com o exterior.

Ler, descrever e interpretar

Pêcheux (2015) propôs uma reflexão sobre a linguagem conforme depreende o percurso
da AD, e essa forma aceita o desconforto de não se ajeitar nas evidências e tem a arte de
pensar nos entremeios. Para o autor, a confusão gerada entre o parafuso, rosca e porca
se comparava com a configuração dos problemas teóricos e de procedimentos que se
colocam para a disciplina, o da relação entre a análise como descrição e a análise como
interpretação.

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A Análise de Discurso – quer se a considere como um dispositivo de análise
ou como a instauração de novos gestos de leitura – se apresenta como efeito
como uma forma de conhecimento que se faz no entremeio e que leva em
conta o confronto a contradição entre sua teoria e sua prática de análise.
(PÊCHEUX, 2015, p. 8).

Pêcheux (2015), interroga o real próprio às disciplinas de interpretação, entendendo que


o real da língua tem vários sentidos que necessitam para serem evocados, que não reduz
a ordem das “coisas a saber”, porque existem vários tipos de saberes que produzem
efeitos.

Novas práticas de leituras (sintomáticas, arqueológicas etc...) desencadeadas por um


novo movimento intelectual chamado estruturalismo, desenvolveu um ponto de vista
como uma tentativa antipositivista que leva em conta o tempo do real que constrói um
entrecruzamento da linguagem com a história que traz o surgimento de novas práticas
de leituras aplicadas aos movimentos textuais que tem como princípio, o das leituras de
grandes textos como “O Capital”, (1867, de Karl Marx), a multiplicação das “relações
entre o que é dito aqui (em tal lugar), e o dito assim e não de outro jeito”, uma
interpretação. Diante disso Pêcheux formula três maneiras de leitura para explicar cada
detalhe de Ler, Descrever e Interpretar.

A primeira exigência consiste em dar primazia aos gestos de descrição que reconhece o
real específico da língua, dado pelos linguistas como condição de existência das
materialidades discursivas. Na descrição a pesquisa linguística que constrói
procedimentos capazes de abordar claramente elementos linguísticos presentes na
ordem do simbólico, como também presentes nos mais variados sentidos do discurso
atravessados por uma divisão de dois espaços discursivos: o da manipulação de
significados estabilizados por uma higiene pedagógica do pensamento; e o das
transformações do sentido do texto indefinido pelas interpretações; e ainda entre estes
dois espaços existem uma zona intermediaria de processos discursivos que oscilam em
torno dela:

Já nesta região intermediária, as propriedades lógicas dos objetos deixam de


funcionar: os objetos têm e não têm esta ou aquela propriedade, os
acontecimentos têm e não têm lugar, segundo as construções discursivas nas
quais se encontram inscritos os enunciados que sustentam esses objetos e
acontecimentos. (PÊCHEUX, 2015, p. 51).

A segunda exigência aborda que todos os objetos estão expostos aos acontecimentos, ou
de um arranjo discursivo estrutural que mostra o fato da língua estar intrinsecamente
exposta ao equívoco. Ou seja, que o enunciado pode se deslocar discursivamente para

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compor outro discurso. Como todo enunciado é linguisticamente discutível oferece
lugar à interpretação que gera o espaço para a AD trabalhar a possibilidade de
interpretar as filiações históricas que se organizam em memórias suas relações sociais e
em redes de significantes para mostrar “as coisas a dizer” as quais são inscritas nos
indivíduos, mas não os tornam “maquinas de aprender”.

A terceira exigência argumenta a questão final da discursividade como estrutura3 ou


acontecimento4 e tende funcionar como “transcendental histórico, grade de leitura ou
memória antecipadora do discurso em questão”. Para que no lugar de antecipação da
sobreinterpretação a concepção estrutural da discursividade não apague o
“acontecimento”. A interpretação do discurso depende de uma reprodução filiada
sócio-historicamente na medida em que constituem seus efeitos de sentidos, e
deslocamentos em seus espaços onde ocorre à identificação plena e bem sucedida das
montagens discursivas que deliberam momentos de interpretação.

AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO SEGUNDO ENI ORLANDI

Conhecer as condições necessárias para esse desenvolvimento é uma tarefa para a


descoberta de um novo mundo. O processo de produção da leitura é determinado, ou
busca determinar, sua produção de sentidos, ou seja, suas significações atribuídas pelo
leitor:

[...] sobre alguns componentes das condições de produção da leitura: os


sujeitos (autor e leitor), a ideologia, os diferentes tipos de discursos, a
distinção entre leitura parafrástica (que procura repetir o que o autor disse) e
a polissêmica (que atribui múltiplos sentidos ao texto), [...] e levar em conta
as histórias de leitura do texto e as histórias de leituras do leitor.”
(ORLANDI, 2001, p. 38).

3
1. Disposição, ordem e relações das pares de um conjunto. 2. Organização das partes de um sistema que
o caracteriza permanentemente (LAROUSSE, 2004). Um conjunto de dados linguísticos possui uma
estrutura (está estruturado) se, a partir de uma característica definida, se puder constituir um sistema
ordenado de regras que descrevam conjuntamente os elementos e suas relações até um grau determinado
de complexidade: a língua pode ser estruturada sob o ângulo de diversos critérios independentes uns dos
outros (mudança histórica, sentido, sintaxe, etc). (DUBOIS et al, 2006).
4
Ponto em que um enunciado rompe com a estrutura vigente, instaurando um novo processo discursivo.
O acontecimento inaugura uma nova forma de dizer, estabelecendo um marco inicial de onde uma nova
rede de dizeres possíveis irá emergir (Glossário de termos do discurso. Disponível em:
http://www.discurso.ufrgs.br/glossario.html. Acesso em 17-05-2016).

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Segundo Orlandi (2001) as condições de produção do discurso estão relacionadas à
memória do sujeito, e enquanto falamos da história do texto, da história das leituras do
leitor, dizemos que leitura tem memória, que por sua vez tem sua historicidade, seus
valores, sua crenças, sua formação gerando em cada ato de ler a construção de um novo
sentido, novas significações. Ou seja, a AD determina como o sujeito vai ler o texto e
compreender os sujeitos e as suas condições de produção.

[...] a essa afirmação de que toda leitura tem sua história. [...] é o que todo
leitor tem sua história de leitura. O conjunto de leituras feitas configura, em
parte, a compreensibilidade de cada leitor específico. Leituras já feitas
configuram – a compreensão do texto de um dado leitor. [...] coloca também
a história do leitor, tanto a sedimentação de sentidos como a
intertextualidade, como fatores constitutivos da sua produção. Resumindo,
que as leituras já feitas de um texto e as leituras já feitas por um leitor
compõem a historia de leitura e seu aspecto previsível”. (ORLANDI, 2001, p.
43).

Orlandi (2001, p.8) relaciona alguns importantes fatores que assumem importantes fatos
para a reflexão da leitura; como pensar a produção de leitura trabalhada e não ensinada;
como a leitura faz parte da produção de sentidos; de como o sujeito-leitor tem suas
especificidades e história; como tanto os sujeitos quanto os sentidos são determinados
historicamente e ideologicamente; como são múltiplos e variados os modos de leitura; e
de como forma particular, a noção da nossa vida intelectual está intimamente
relacionada aos modos e efeitos de leitura de cada época e segmento social.

O INTELIGÍVEL, O INTERPRETÁVEL E O COMPREENSÍVEL

A base para entender o processo de leitura na perspectiva discursiva tem objetivos


externos e internos. O objetivo externo visa problematizar, enquanto que o interno se
esmera em aprender o domínio do funcionamento da compreensão que procura explicar
os processos de significação do texto. E não é só quem escreve que produz sentidos.
Quem lê também produz sentidos, quando na ação da produção de sentidos o modo de
relação em que a leitura está, compreende entre o dito e o compreendido. A leitura leva
em conta determinados contextos sócio-históricos que formadas em suas condições de
produção gera o processo de interpretação.

Inscritos na leitura podemos destacar os tipos de sujeitos que enunciam: sujeito-leitor e


o sujeito- autor que ambos são atravessados pelo efeito - texto. Temos então ai um
efeito de sentidos entre locutores (cf. Pêcheux, 1975). Para Orlandi (2001), a
interpretação são os sentidos construídos através da sua historicidade com elementos

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importantes para os processos de significação os quais são as noções de interdiscurso5,
de memória6, e de formação discursiva7.

ANÁLISE DE DISCURSO E SUAS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO NA LEITURA

Para AD “não e suficiente conhecer a língua para ler um texto”, pois o texto permite
varias leituras, a intenção é que leva em conta sua relação com a história, à psicanálise e
suas condições de produção de sentidos mostram suas estratégias e suas interpretações
(POSSENTI, 2009, pp. 10-15). Segundo Orlandi (2011 p. 179) a AD, é vista como
forma de conhecimento da linguagem que procura constituir sua metodologia e suas
técnicas, mas ”há princípios teóricos e metodológicos muito bem assentados”, como as
condições de produção na constituição da linguagem.

Elementos das condições de produção inscritos nos processos de leitura são


estabelecidos a partir da capacidade de cada leitor, de como é sua experiência de
linguagem, sua capacidade de análise linguística, sua competência gramatical e dos seus
níveis de interação com os mais diferentes tipos de discursos (textos). Considerar as
condições de produção da leitura é trabalhar com a incompletude do texto.8 (ORLANDI,
2011, pp. 200-201).

Configura a primeira condição da linguagem de que nem os sujeitos, nem os discursos,


nem os sentidos estão prontos e acabados.

5
Conjunto e formações discursivas e se inscreve no nível da constituição do discurso, na medida em que
trabalha com a re – significação do sujeito sobre o que já foi dito, o repetível, determinando os
deslocamentos promovidos pelo sujeito nas fronteiras de uma formação discursiva. O interdiscurso
determina materialmente o efeito de encadeamento e articulação de tal modo que aprece como o puro “já-
dito”. Disponível em: http://www.discurso.ufrgs.br/glossario.html. Acesso em: 17/05/2016).
6
Possibilidades de dizeres que se atualizam no momento da enunciação, como efeito de um esquecimento
correspondente a um processo de deslocamento da memória como virtualidade de significações. [...]
processo histórico resultante de uma disputa de interpretações e acontecimentos presentes ou já ocorridos
[...] palavras de uma voz anônima que se produz no interdiscurso, apropriando – se da memória que se
manifestará de diferentes formas em discursos distintos. Disponível em:
http://www.discurso.ufrgs.br/glossario.html. Acesso em: 17/05/2016).
7
Manifestação, no discurso de uma determinada formação ideológica em uma situação de enunciação
específica. A FD é a matriz de sentidos que regula o que o sujeito pode e deve dizer e, o que não pode e
não deve ser dito (Courtine, 1994), funcionando entre lugar de articulação entre língua e discurso.
(Glossário de termos do discurso. Disponível em: http://www.discurso.ufrgs.br/glossario.html. Acesso
em: 17/05/2016).
8
Uma espécie de indeterminação, diferente do texto acabado, que tem começo, meio e fim. O texto é
incompleto porque o discurso se instala na intersubjetividade e é constituído na relação com a situação e
com os interlocutores. (ORLANDI, 2011, p. 195).

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Para a AD, a leitura é uma prática imprescindível na produção do discurso científico, a
capacidade de relacionar de textos, de combinar elementos linguísticos como a leitura
polissêmica e a leitura parafrástica, entre outros, são elementos necessários para que
toda informação assimilada seja transformada em conhecimento.

Os diferentes níveis de sujeitos determinam o grau de relação que chamamos de leitura


parafrástica, que é caracterizada pelo reconhecimento (reprodução) do sentido dado
pelo autor, enquanto que a leitura polissêmica é definida pela atribuição de múltiplos
sentidos dados ao texto. Ambas constituem um movimento continuo entre a repetição e
a diferença.

Conforme Orlandi (2011), as condições de produção tem o sujeito e a situação como


fundamentais para o desenvolvimento dos discursos. A memória discursiva, outra
condição de produção da leitura, sustenta cada palavra como já-dita, pois as palavras
não são nossas, mas já foram ditas em algum lugar por alguém. Quando lemos aliamos
cada leitura com uma memória discursiva na produção de um novo discurso “o já- dito”.

Existem alguns aspectos produzidos para as condições de produção da leitura,


enfatizando que a leitura é seletiva e que existem vários modos de leitura como a
relação do texto com o autor e mostra sua relevância; a relação com outros textos
desenha uma leitura comparativa; a leitura responde a questões com referências de
outros textos; e ainda como a é apresentada a relação do texto com o leitor, que é a peça
chave na representação do processo de leitura. Estratégias que unificam o processo de
leitura e mostra a importância dos dois sujeitos na representação do texto: o autor e o
leitor. (ORLANDI, 2001 p. 184).

A relação do texto com a exterioridade promove sua interpretação, portanto gera a busca
de significados. ”A leitura, portanto, não é uma questão de tudo ou nada, é uma questão
de natureza, de condições, de modos de relação, de trabalho, de produção de sentidos,
em uma palavra: de historicidade”. “A leitura é produzida em condições determinadas,
ou seja, em um contexto sócio-histórico que deve ser levado em conta.” (ORLANDI,
2011, p. 86).

Os processos de leitura são desenvolvidos a partir da construção de um aparato teórico-


metodológico atribuído à própria noção de leitura. Dentro da polissemia, podemos
apresentar a ideia de interpretação e compreensão na perceptiva discursiva que fará uma
reflexão sobre o assunto. (ORLANDI, 2001, p. 9).

A AD veio então como forma de mostrar o que estava escondido nas entrelinhas do
discurso.

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Na relação discurso-texto

Na relação discurso-texto quando trabalhamos a leitura na Análise de Discurso, Orlandi


(2001) fala do processo e ensino aprendizagem gerado através do que chama memória
discursiva, ou interdiscurso. Dito de outro modo, os gestos de leitura é que traz a
reflexão os sentidos elaborados pelo inconsciente e pela ideologia, pois, o interdiscurso
é um conjunto de “dizeres já ditos e esquecidos” que se relacionam com a memória
discursiva. Segundo a autora, a Análise do Discurso procura compreender o sujeito e
sua interpretação, que se dá através do cruzamento da língua com a história. Esse
mecanismo propõe a reflexão que Orlandi vai chamar de “as histórias do sujeito-leitor e
as histórias de leitura”.

O mesmo leitor não lê o mesmo texto da mesma maneira em diferentes


momentos e em condições distintas de produção de leitura, e o mesmo texto é
lido de maneiras diferentes em diferentes épocas, por diferentes leitores. E
isso que entendemos quando afirmamos que há uma história de leitura do
texto e há uma história de leitura dos leitores.” (ORLANDI, 2012 p. 62).

A LEITURA COMO MÉTODO E TEORIA

Uma teoria é uma fonte de pesquisas que precisa de um suporte técnico (método) para o
seu desenvolvimento, neste caso nosso método e teoria utilizados é o da leitura como
condição de produção para elaboração do discurso (texto) científico.

Na sua primeira publicação “Analise automática do discurso”, em 1969, Pêcheux fala


de seu objetivo profissional principal, de abrir uma fissura teórica no campo das
ciências sociais. Como estava no apogeu do estruturalismo, importavam os aspectos que
supunham uma atitude não reducionista no que se refere à linguagem. O que Pêcheux
objetivava desenvolver na A.A.D. era fornecer as ciências sociais um instrumento
cientifico necessário para uma abertura teórica no campo do discurso. Para ele a ciência
além de ter um caráter pré- científico, ainda necessitava de instrumentos considerados
da história da ciência e das técnicas cientificas. O que ele visava era transformar a
prática das ciências sociais numa prática verdadeiramente científica. E foi apresentada
por duas proposições: a primeira diz respeito às condições nas quais uma ciência
estabelece seu objeto; a segunda refere-se ao processo de “reprodução metódica” desse
objeto e conclui dizendo que as ciências colocam questões, de seus instrumentos
teóricos ajustados através da interpretação (Paul Henry, apud Gadet & Hak, (orgs),
1997).

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A questão do método nos estudos da linguagem é questão fundamental. E bem como
disse Saussure (1996, p. 15), “o método que define o objeto”. A definição de uma
metodologia esta automaticamente atrelada a uma teoria com um conjunto de definições
que vão determinar a forma de análise. (ORLANDI, 2001, p. 15).

A busca do método na ciência sempre procura uma aproximação com a lógica, entende
que o ser humano é um tem capacidade de raciocínio, e é por meio da ciência, que
inventa, descobre e estuda um determinado problema quer seja para explicá-lo, quer seja
para estudá-lo. Objetiva não apenas a elaboração do projeto, como também levar:

o aluno a comunicar-se de forma correta, inteligível, demonstrando um


pensamento estruturado, plausível e convincente, através de regras que
facilitam e estimulam a pratica da leitura, da análise e interpretação dos
textos e consequentemente a formação de juízo de valor, de crítica ou
apreciação com argumentação plausível e coerente. (MAIA, 2008).

Conforme Severino (2000, p.18), metodologia é definida como instrumento operacional,


sejam eles técnicos ou lógicos, e servem para o aprimoramento da ciência, das artes, ou
da filosofia, “objetos” do ensino universitário. A teoria e o método buscam realizar o
objetivo da pesquisa. A leitura como busca na teoria e método da produção científica se
faz indispensável. A metodologia vai indicar as etapas e instruções no desenvolvimento
do trabalho até a elaboração da escrita final do trabalho. Visando ao desenvolvimento
do pensamento crítico reflexivo da comunidade acadêmica em geral, a leitura é uma
ferramenta muito importante para organização e sucesso do trabalho acadêmico. Ainda
segundo Rodrigues e Souza (2012)9:

[...] o mundo acadêmico tem por objetivo, entre outros de desenvolver certos
ensinamentos, capacitação e conhecimentos humanos, descrever novos fatos,
propor formas de entendê-los e ainda conceber metodologias adequadas
tendo em conta que os interesses da academia e os da comunidade
“acadêmica” (grifo nosso) sejam a partir de uma relação produtiva e
duradoura”.

A análise do discurso é uma ferramenta que traz técnicas e processos para elaboração e
produção de conhecimento científico através da dinâmica da leitura. Vistas em

9
RODRIGUES & SOUZA. Procedimentos teóricos e científicos para o estudo linguístico de Línguas
Indígenas. Disponível em: http://www.uems.br/na/linguisticaelinguagem/EDICOES/10/sumario.htm.
Acesso em: 10/05/2015.

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condições sócio-históricas que podem ser levadas em conta, a leitura é um processo que
envolve mecanismos de muita relevância para a Análise do Discurso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A leitura se faz presente nos espaços discursivos como nas escolas e nas universidades:
lugares de produção de conhecimento, que encontram problemas e contradições que
precisam ser superadas, para um melhor aproveitamento da retenção do saber. É
fundamentalmente uma prática social, não simplesmente uma leitura do mundo ou, uma
decodificação de palavras. É um ato simples, mas com toda relevância na construção de
sentidos e compreensão do mundo real, na sociedade, na escola, na academia.

Um dos objetivos da leitura é a produção da escrita, entendia como atribuição de


sentidos significa da oralidade para a escrita atribuindo a construção de um aparato
teórico metodológico de compreensão e interpretação para uma reflexão.

Compreender como o objeto simbólico, aqui denominado “leitura”, produz sentidos e de


como ele faz sentidos por e para os sujeitos é tarefa fundamental da Análise do
Discurso, que por sua vez dá suporte para o desenvolvimento e reflexão necessárias da
compreensão e modo de como os processos de leitura são produzidos, ou em que
condições de produção do enunciado e do discurso são determinadas, assim a AD
desenvolve na leitura a ideia de interpretação e de compreensão nos processos de
instauração de sentidos no seu contexto histórico-social.

Cagliari (2005), diz que ler o processo de descoberta busca do saber científico uma
atividade profundamente individual, de assimilação de conhecimentos, de
interiorização, de reflexão e interpretação, de decifração da leitura de mundo, da fusão
de significados e significantes.

Orlandiano (2001)10, podemos afirmar que a leitura como método e teoria na produção
do discurso científico, objetiva demonstrar a “reorganização no trabalho intelectual e a
propensão de novas divisões de trabalho social da leitura”. O processo das diferentes
formações discursivas trabalha a interpretação. Ou seja, “a respeito da interpretação e do
discurso científico a questão esta entre a palavra científica e o discurso sobre a coisa”.
Conhecermos os mecanismos da AD nos proporciona ao mesmo tempo em que somos
influenciados pela linguagem, o uso da atribuição de sentidos ao processo de
significação inserido pela história através de suas condições de produção. Vale lembrar
que o conhecimento uma vez produzido sempre será inacabado, incompleto, um lugar
de falha, de incompletude que é também um lugar do possível, da transformação. A
leitura como aparato teórico metodológico, atribui sentidos nas mais variadas condições
de produção, inscreve um leitor virtual no texto, desenha formações imaginárias para o

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Parafraseando Eni Pucinelli Orlandi.

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leitor imaginário e provoca a ideia de interpretação e compreensão no leitor real.
Construindo nosso universo discursivo, histórico, social, ideológico, científico...

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. O narrador, considerações sobre a obra de Nicolai Leskov. In:


Obras completas I. São Paulo, Brasiliense, 1986.

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* Mestranda Orientada pelo Professor Dr. Marlon Leal Rodrigues – Docente UEMS/CG

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