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Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, v. 37, n.

3, 3305 (2015)
www.sbfisica.org.br
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1806-11173731842

Introdução às técnicas do cálculo fracionário para estudar


modelos da fı́sica matemática
(Introduction to the techniques of the fractional calculus to investigate some models of mathematical physics)

Fabio G. Rodrigues1 , E.C. de Oliveira


Instituto de Matemática, Estatı́stica e Computação Cientı́fica, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil
Recebido em 20/2/2015; Aceito em 27/3/2015; Publicado em 30/9/2015

Neste trabalho, recorremos à metodologia da transformada de Laplace a fim de mostrar a sua importância


na abordagem de uma classe de equações diferenciais fracionárias. Em particular, apresentamos aplicações desta
metodologia ao discutirmos possı́veis generalizações de certos problemas fı́sicos no campo da viscoelasticidade
linear e osciladores harmônicos, comprovando que o uso do cálculo fracionário em modelagem e resolução de
problemas usualmente abordados pelo cálculo de ordem inteira oferece vantagens promissoras para nos fornecer
formulações mais consistentes com os dados experimentais.
Palavras-chave: cálculo fracionário, equações diferenciais fracionárias, transformada de Laplace.

In this paper, we resort to the Laplace transform method in order to show its efficiency when approaching
some types of fractional differential equations. In particular, we present some applications of such methods when
applied to possible generalizations of certain physical problems in linear viscoelasticity and harmonic oscilla-
tors, proving that fractional calculus is well suited for the modelling and solving of problems usually treated
by ordinary integer calculus, with the promissing advantages of being able to provide more accurate theoretical
predictions to fit experimental data.
Keywords: fractional calculus, fractional differential equations, Laplace transform.

1. Introdução inteira? Outras questões de ordem matemática ou de


ordem fı́sica podem ser colocadas. Por exemplo, apenas
O cálculo de ordem não inteira, popularmente co- para mencionar duas dessas questões: existe uma regra
nhecido como cálculo fracional ou Cálculo Fracionário da cadeia associada à derivada de ordem fracionária?
(CF), de uma maneira simples, tem a intensão de E o teorema fundamental do cálculo, teorema que co-
generalizar o cálculo integral e diferencial, conforme roa os cálculos diferencial e integral, tem um análogo
proposto, independentemente, por Newton e Leibniz. fracionário? Ainda mais, no cálculo de ordem inteira
Aqui, evitamos, sempre que possı́vel, o aparato ma- emerge uma classe de funções, as chamadas funções
temático envolvendo explicitamente as fórmulas advin- especiais, soluções das equações diferenciais ordinárias
das, por exemplo, das diversas maneiras de calcular e/ou parciais que descrevem um particular sistema, en-
uma derivada. Ainda mais, utiliza-se a nomenclatura quanto no CF emerge também uma classe de funções a
CF por entender que o nome está totalmente conso- ele associado, solução de um particular problema cuja
lidado e, em lı́ngua portuguesa, é uma tradução livre derivada é de ordem não inteira, as funções especiais do
de fractional calculus. Um estudo versando sobre a li- CF [6–20].
nha do tempo envolvendo o CF pode ser encontrada em O objetivo principal desse trabalho é introduzir
[1–3] enquanto um capı́tulo sobre a história do cálculo as ferramentas básicas a fim de discutir um particu-
fracionário pode ser encontrada em [4, 5]. lar problema, composto por equação diferencial fra-
Como já mencionado, existe mais de uma maneira cionária e condição inicial. De modo a atingir este
de calcular a derivada e, portanto, parece eminente objetivo, isto é, discussão e resolução de uma equação
questões do tipo: Para que serve o CF? Onde utilizá- diferencial fracionária, aborda-se o tema derivada fra-
lo? Existe uma interpretação geométrica e/ou fı́sica? cionária que, por sua vez, requer o conceito de inte-
Qual a relação, se é que existe, com o cálculo de ordem gral fracionária. De uma maneira bastante simplifi-
1 E-mail: fabior@mpcnet.com.br.

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3305-2 Rodrigues e Oliveira

cada, introduzimos o conceito de integral fracionária Na terceira seção são abordadas as equações diferenciais
para depois, utilizando tal conceito, introduzir a deri- fracionárias (EDF) conforme as formulações supracita-
vada fracionária que, nesse trabalho discute apenas as das, sendo que para estas duas formulações apresentam-
formulações conforme propostas por Riemann-Liouville se, através de teoremas, os casos gerais. Na seção qua-
e por Caputo [6, 8–10, 12, 14, 18, 21, 22]. Em particu- tro, através da metodologia da transformada de La-
lar, apesar de mais restritiva, a derivada de Caputo ad- place, discute-se a respectiva transformada associada
mite a mesma interpretação para as condições iniciais às integrais e derivadas fracionárias. Justifica-se a con-
que a formulação clássica de ordem inteira [11, 14, 15]. veniência de se trabalhar com a formulação da deri-
Mostrou-se também que essas duas formulações podem vada segundo Caputo e apresenta-se, através de exem-
ser recuperadas a partir da definição de Grünwald- plos, o cálculo da transformada de Laplace de funções
Letnikov [20]. de Mittag-Leffler. Conclui-se a seção com a resolução
De uma maneira simples e objetiva, pode-se pen- de duas EDFs através da transformada de Laplace,
sar nos operadores de ordem fracionária como os ope- cuja solução é dada em termos de funções de Mittag-
radores que representam funções da memória sobre a Leffler de dois parâmetros. Na seção cinco discute-
história de alguns sinais de sistemas fı́sicos. Por exem- se a modelagem de dois sistemas onde o cálculo fra-
plo, uma integral de primeira ordem, de uma variável cionário desempenha papel preponderante. Após uma
que representa o estado de um sistema, pode ser pen- revisão do conceito de viscoelasticidade linear, em par-
sada como uma soma em que se atribuem pesos a cada ticular, discutindo os clássicos modelos de Maxwell e
ponto, com todos os pontos ponderados com o mesmo Voigt, apresenta-se o modelo fracionário de Scott-Blair
peso, independentemente de quão longe estão no pas- o qual, nos limites extremos, recupera os dois modelos
sado. Isso sobre toda a história do sistema. Uma inte- clássicos. O modelo fracionário tem sua justificativa
gral de ordem fracionária é também uma soma pon- através de gráficos a partir dos quais fica clara a im-
derada, mas com os pesos diminuindo para trás no portância da formulação. Por fim, o clássico problema
tempo [14–16, 18]. do oscilador harmônico em sua versão fracionária é dis-
Em termos matemáticos, o CF atrai por si próprio cutido sendo a solução dada em termos de funções de
um grande interesse, pois o formalismo envolvido faz Mittag-Leffler com um e dois parâmetros [17]. Aqui
uso de diversas funções especiais, tais como a generali- também, o caso limite (clássico) é recuperado no caso
zação da função fatorial, que é a função gama e a função em que o parâmetro associado à derivada é igual a dois.
de Mittag-Leffler de um parâmetro, como uma genera-
lização da função exponencial, dentre muitas outras de 2. Operadores de integração e diferen-
interesse acadêmico e prático [9, 17]. Existe mais de ciação
uma formulação possı́vel para o CF, sendo cada uma
dessas mais adequada a um certo contexto fı́sico do que Visto que a definição de derivada de ordem não inteira
outro. As definições mais comuns são as de Riemann- nas formulações de Riemann-Liouville e Caputo depen-
Liouville, Caputo, Grünwald-Letnikov, Liouville, Weyl dem da integral fracionária, começamos com tal con-
e Riesz-Feller [20]. Parece que o número de definições ceito, isto é, introduzimos a integral fracionária para
não para de crescer [21]. São recentes as formulações depois apresentar a derivada fracionária.
de Hilfer [7], para particulares valores do parâmetro Dentre as diversas formulações existentes para os
associado à ordem da derivada, onde as formulações de operadores de integração e diferenciação fracionárias
Riemann-Liouville e Caputo são casos extremos e a for- [13, 21, 24], abordamos, para os propósitos deste tra-
mulação proposta por Khalil-Horani-Yousef-Sababheh balho, apenas as versões segundo Riemann-Liouville e
[23] a assim chamada conformable fractional derivative segundo Caputo, definidas a seguir.
que, numa conveniente tradução para o português, pode
Definição 2..1 Sejam Ω = [a, b] ⊂ R um intervalo fi-
ser chamada de derivada fracionária compatı́vel.
nito e f ∈ L1 [a, b]. As expressões Ia+
ν
f e Ib−
ν
f defini-
Neste trabalho discutem-se modelos fracionários as-
das por
sociados à derivada de Riemann-Liouville e de Caputo, ∫ x
no sentido de que tais modelos são mais representativos ( ν ) 1 ν−1
Ia+ f (x) ≡ (x − t) f (t) dt, (1)
que os respectivos modelos lineares clássicos de ordem Γ (ν) a
inteira, isto é, descrevem com maior acurácia os siste- com x > a, ν > 0 e
mas em questão. ∫
( ν ) 1 b
ν−1
O trabalho está disposto da seguinte forma: Na Ib− f (x) ≡ (t − x) f (t) dt, (2)
seção dois são introduzidos os operadores de integração Γ (ν) x

bem como os operadores de diferenciação fracionários com x < b, ν > 0, onde Γ (ν) é a função gama, de-
conforme propostos por Riemann-Liouville e Caputo. finem as integrais fracionárias de Riemann-Liouville2
2 Alguns autores [6, 10], distinguem a nomenclatura, baseando-se nos limites inferior e superior das integrais. Segundo suas no-

menclaturas, Eq.(1) e Eq.(2) são chamadas de versão segundo Riemann; e quando a = −∞ e b = ∞, denotam por versão segundo
Liouville.
Introdução às técnicas do cálculo fracionário para estudar modelos da fı́sica matemática 3305-3

(IFRL) de ordem ν ∈ R num intervalo real finito. As que existem vários estudos com resultados eventual-
integrais nas Eq.(1) e Eq.(2) são chamadas de integrais mente distintos para o problema de existência e uni-
fracionárias à esquerda e à direita, respectivamente. cidade de soluções destas, isto porque cada formulação
depende das definições usadas para os operadores de
Definição 2..2 Sejam Ω = [a, b] ⊂ R um intervalo fi- diferenciação e integração [8, 10, 14, 18]. Os problemas
nito e f ∈ AC n [a, b]. As expressões Da+ν
f e Db−
ν
f mais estudados envolvem as soluções de EDFs segundo
definidas por Riemann-Liouville e segundo Caputo: o primeiro por
( ν ) [( n−ν ) ] ser a definição mais difundida e o segundo pela conhe-
Da+ f (x) ≡ Da+ n
Ia+ f (x) cida interpretação fı́sica das condições iniciais (ou de
( )n
d ( n−ν ) fronteira).
= Ia+ f (x)
dx
( d )n ∫ x 3.1. Formulação segundo Riemann-Liouville
dx f (t) dt
= , (3)
Γ (n − ν) a (x − t)1+ν−n Uma equação diferencial (não linear) fracionária de or-
dem ν > 0, definida num intervalo finito [a, b] é da
com x > a e forma ( ν )
( ν ) [( n−ν ) ] Da+ y (x) = f (x, y(x)) , (7)
Db− f (x) ≡ Da+
n
Ib− f (x)
( )n onde Da+
ν
é o operador de DFRL.
d ( n−ν )
= − Ib− f (x) Se estabelecermos um conjunto de condições iniciais
dx (ou de fronteira)
( d )n ∫ b ( ν−k−1 ) ( + ) ( ν−k−1 )
− dx f (t) dt Da+ y a = lim+ Da+ y (x) (8)
= , (4)
Γ (n − ν) x (t − x)1+ν−n x→a
= bk , k = 0, 1, . . . , n − 1,
com x < b, onde n = [ν] + 1 e [ν] é a parte inteira de ν,
onde bk ∈ R, n = [ν] + 1 se ν ∈/ N e ν = n se ν ∈ N,
definem as derivadas fracionárias de Riemann-Liouville
então analogamente ao caso de ordem inteira3 , deno-
(DFRL) de ordem ν ∈ R, com ν ≥ 0, à esquerda e à
tamos a Eq.(7) junto com as condições Eq.(8) de um
direita, respectivamente.
problema de Cauchy (fracionário). Chamamos atenção
Definição 2..3 Sejam Ω = [a, b] ⊂ R e ν ∈ R, com para o caso em que k = n − 1 nas condições acima, pois
ν > 0. Considere a Dxν e x Dbν as DFRL como nas Eq.(3) devemos interpretar
( ν−n ) ( + ) ( ν−n )
e Eq.(4) e defina n = [ν] + 1, ν ∈ / N0 ; n = ν se ν ∈ N0 , Da+ y a = lim+ Da+ y (x)
então as expressões x→a
( n−ν )
[ ] = lim+ Ia+ y (x) .
∑ f (k) (a)
n−1 x→a

a Dx f (x) =a Dx f (x) − (x − a) , (5)


C ν ν k
k! Foje do escopo deste trabalho a discussão da exis-
k=0 tência e unicidade da solução do problema de Cauchy
e fracionário, entretanto, mencionamos que tais resulta-
[ ] dos já se encontram formulados na literatura e, po-

n−1
f (k) (a) dem ser encontrados, por exemplo, nas Refs. [8, 18, 22].
x Db f (x) =x Dbν f (x) − (b − x) ,
C ν k
(6) Ressaltamos também que o problema de Cauchy (vide
k!
k=0
Eq.(7) e Eq.(8)) pode ser formulado, equivalentemente,
definem as derivadas fracionárias de Caputo à esquerda em termos de uma equação integral de Volterra [8, 18,
e à direita, respectivamente. 22].
Para os propósitos deste trabalho, entretanto, a
Observamos inicialmente, que todas as definições formulação do problema de Cauchy como explicitado
acima se reduzem aos casos clássicos quando escolhe- acima é muito geral, assim nos restringimos a discutir
mos um valor inteiro para a ordem ν. Além disso, as exemplos para o caso em que as respectivas equações di-
definições que apresentamos foram elaboradas para um ferenciais ordinárias lineares fracionárias (EDOLF) são
ν ∈ R, no entanto, elas são igualmente válidas se con- da forma
siderarmos ν ∈ C, com Re (ν) ≥ 0, [8, 18]. D0+
ν
y(t) − λy(t) = f (t), (9)
com λ ∈ R e as condições iniciais
3. Equações diferenciais fracionárias [ ν−k−1 ]
D0+ y(t) t=0 = bk , k = 0, 1, . . . , n − 1, (10)
Nesta seção apresentamos as chamadas EDF e alguns onde n = [ν] + 1. Observamos ainda que o limite inicial
resultados sobre a existência e unicidade das soluções, de integração foi escolhido como sendo o ponto t = 0,
quando definidas, em intervalos finitos. Observamos pois mesmo que tenhamos inicialmente um outro ponto
3 Obtido quando ν ∈ N.
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t = a, sempre é possı́vel por meio de uma mudança de com λ ∈ R, junto com as condições iniciais
variável fazer uma translação para a origem. [C k ]
A solução deste problema que, em geral, é conduzido 0 Dx y(t) t=0 = bk , k = 0, 1, . . . , n − 1. (15)
a uma integral de Volterra apresenta solução em ter- E, novamente, uma vez conduzida a sua forma in-
mos de uma integral envolvendo uma função de Mittag- tegral, é possı́vel obter uma solução explı́cita [8] para o
Leffler com dois parâmetros Eα,β (·), a qual explicita- problema de Cauchy composto pelas Eq.(14) e Eq.(15)
mos a seguir, para referência futura, em termos das funções de Mittag-Leffler como

n−1

n−1
y(t) = bk tν Eν,k+1 (λtν ) +
y(t) = bk tν−k−1 Eν,ν−k (λtν ) k=0
k=0 ∫ ν
∫ t ν
t
Eν,ν (λ (t − τ ) ) f (τ )
Eν,ν (λ (t − τ ) ) f (τ ) 1−ν dτ. (16)
+ 1−ν dτ, (11) 0 (t − τ )
0 (t − τ )
dando-nos uma solução explı́cita para a equação inte- 4. Transformada de Laplace dos opera-
gral de Volterra associada ao problema de Cauchy com- dores fracionários
posto pelas Eq.(9) e Eq.(10) [8, 20, 22].
Sabemos do cálculo de ordem inteira que o método da
3.2. Formulação segundo Caputo transformada de Laplace é uma ferramenta muito útil
na análise de equações diferenciais lineares, principal-
Analogamente à formulação segundo Riemann-
mente no caso em que a equação possui coeficientes
Liouville, consideramos uma equação diferencial (não
constantes. Neste caso, a transformada de Laplace re-
linear) fracionária de ordem ν > 0, definida num inter-
duz a EDO numa equação algébrica que é, em geral,
valo finito [a, b] da forma
muito mais simples de se solucionar, deixando a difi-
(C ν )
a Dx y (x) = f (x, y(x)) , (12) culdade de se obter a solução final da EDO de par-
tida a um problema de inversão. Nesta seção, veremos
onde C a Dx é o operador de DFC, sujeita às condições
ν
que a mesma metodologia também pode ser usada para
iniciais resolver problemas de valor inicial relacionado com as
(C k ) EDOLF (vide Eq.(9) e Eq.(14)).
a Dx y (0) = bk , k = 0, 1, . . . , n − 1, (13)
Lembremos que uma função f (t) é dita de ordem
onde n = [ν] + 1 se ν ∈/ N e ν = n se ν ∈ N. Observa- exponencial α se existir constantes positivas M e T, tais
mos que na formulação do problema de Cauchy segundo que
Caputo, as derivadas e−αt |f (t)| ≤ M,

dk para todo t ≥ T . Dessa forma, dada uma f : [0, ∞) →


a Dx
C k
= R, de ordem exponencial α a função F definida por
dxk
∫ ∞
são as próprias derivadas usuais de ordem inteira, o que F (s) = e−st f (t)dt, (17)
nos leva à tradicional interpretação fı́sica das condições 0
iniciais, como no usual problema de Cauchy para ordens é chamada a transformada de Laplace da f, com a
inteiras. condição Re (s) > α que garante a existência da inte-
O teorema de existência para o problema de Cau- gral acima. Da nomenclatura clássica é usual denotar
chy pode ser encontrado em [22] e, equivalentemente à a transformada de Laplace de f por L [f (t)] = F (s) e
formulação de Riemann-Liouville, este problema pode iremos denotar por L−1 [F (s)] = f (t) a transformada
ser conduzido a uma integral de Volterra (não-linear) de Laplace inversa, que como sabemos é única pelo te-
[20,22]. Nessa formulação, o teorema de existência para orema de Lerch [25].
o problema de Cauchy supracitado pode ser encontrado Dentre as diversas propriedades conhecidas da
em [22]. transformada de Laplace, listamos as seguintes:
Ressaltase que os resultados entre as formulações de
Riemann-Liouville e de Caputo, são tais que enquanto ˆ Linearidade: L [αf (t) + βg(t)] = αL [f (t)] +
na primeira garante uma solução contı́nua somente em βL [g(t)] = αF (s) + βG(s), com α, β ∈ C;
(0, h] na segunda a solução é garantida ser contı́nua em
ˆ Convolução: L [f (t) ⋆ g(t)] = L [f (t)] L [g(t)] =
[0, h] [20, 22].
F (s)G(s), onde o produto ⋆ é o de convolução;
Novamente, para os propósitos deste trabalho as for-
mulações acima são muito gerais, assim nos restringi- ˆ Derivadas:
mos a discutir exemplos para o caso das EDOLF da [ n ] ∑
n−1
forma d
L f (t) = sn
F (s) − sn−k−1 f (k) (0+ );
0 Dx y(t) − λy(t) = f (t),
C ν dt n
(14) k=0
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ˆ Integral: Logo, os resultados das Eq.(22) e Eq.(23) nos levam


[∫ t ] à seguinte expressão
1
L f (τ ) dτ = F (s). [(C ) ] ∑
n−1
s L 0 Dx f (t) = s F (s) −
ν ν
0 sν−k−1 f (k) (0+ ). (24)
k=0
Assim, nosso intuito é calcular as transformadas de
Laplace da IFRL, da DFRL e da DFC de uma dada Novamente fica evidente a diferença entre as de-
função f (t) suficientemente bem comportada4 . finições dos operadores de DFRL e DFC, sendo que
Lembrando que a IFRL pode ser escrita como o pro- a segunda se mostra nitidamente mais oportuna de ser
duto de convolução [24] usada quando temos interpretações fı́sicas claras das
condições iniciais do problema de Cauchy, como nos
∫ t
( ν ) 1 ν−1 mostram os resultados das transformadas de Laplace
Ia+ f (t) ≡ (t − τ ) f (τ ) dτ para a DFRL e DFC (vide Eq.(21) e Eq.(24)).
Γ (ν) a
Antes de apresentarmos alguns exemplos, listamos,
= f (t) ⋆ ϕν (t) ,
por conveniência, as transformadas de Laplace das
então segue da transformada do produto de convolução funções de Mittag-Leffler5 , que nos serão úteis na hora
listada acima, que de resolvermos o problema de inversão L−1 : F (s) 7→
f (t). Assim, temos
[( ν ) ]
L I0+ f (t) = L [f (t) ⋆ ϕν (t)] (18)
sα−1
1 L [Eα (−λtα )] =
= F (s) ν . sα + 1
s s−1
( ν ) = , (25)
Agora da Definição 2..2, temos que D0+ f (t) ≡ 1 + λs−α
( )
D0+n
g(t), com n = [ν]+1 onde g(t) = I0+ n−ν
f (t), assim [ ] sα−β
L tβ−1 Eα,β (−λtα ) =
[( ν ) ] [ n ] sα + λ
L D0+ f (t) = L D0+ g(t) (19) s−β
= , (26)

n−1 1 + λs−α
= s G(s) −
n n−k−1 (k)
s g +
(0 ). [ ] sαγ−β
γ
k=0 L tβ−1 Eα,β (−λtα ) = γ
(sα + λ)
Mas, por outro lado, temos s−β
= γ, (27)
[( n−ν ) ] (1 + λs−α )
G(s) = L I0+ f (t)
F (s) Antes de passarmos a discutir modelos via CF,
= , (20) apresentamos dois problemas de valor inicial envol-
sn−ν
vendo a formulação de Riemann-Liouville (um proble-
portanto, usando a Eq.(20) na Eq.(19), obtemos ma homogêneo e o outro não homogêneo) enquanto a
formulação de Caputo será aprensentado na próxima
[( ν ) ] ∑
n−1
seção.
L D0+ f (t) = s F (s) −
ν
sn−k−1 g (k) (0+ ), (21)
k=0 Exemplo 4..1 Determine y( t) no problema
( ) { 1
onde g (k) (0+ ) = lim+ D k
I0+
n−ν
f (t). D0+2
y(t) − λy(t) = 0,
t→0 1
−1 1
Por outro lado, quando usamos a Definição 2..3, D0+
2
y(0+ ) = I0+
2
y(0+ ) = b0 ∈ R.
podemos escrever que
Aplicando a transformada de Laplace à equação, obte-
[( ν ) ] [ n−ν ]
L C 0 Dx f (t) = L I0+ g(t)
mos
[ 1 ]
1 L D0+2
y(t) − λy(t) = 0
= n−ν G(s), (22)
s 1
s 2 Y (s) − b0 − λY (s) = 0
onde ( 1 )
[( ) ] s 2 − λ Y (s) = b0 ,
G(s) = L D0+
n
f (t)
o que implica em

n−1
= sn F (s) − sn−k−1 f (k) (0+ ). (23) b0
k=0 Y (s) = 1 ,
s −λ2
4 No sentido de satisfazer as condições de existência das IFRL/DFRL e das respectivas transformadas.
5 Estas transformadas podem ser facilmente calculadas, usando a representação em série das funções de Mittag-Leffler e calculando
as transformadas termo a termo, o que é possı́vel visto que estas funções são inteiras no plano.
3305-6 Rodrigues e Oliveira

donde podemos verificar, usando a Eq.(26), que 5. Modelos via cálculo fracionário
y(t) = b0 t− 2 E 12 , 12 (λt 2 ),
1 1
Vejamos agora como os conceitos apresentados do
cálculo fracionário podem ajudar a descrever de forma
onde Eα,β (·) é a função de Mittag-Leffler com dois mais apropriada certos fenômenos fı́sicos, quando com-
parâmetros [17]. A solução coincide com a solução do parados com a abordagem clássica. Ilustraremos
problema de Cauchy conforme a Eq.(11). a afirmação acima investigando um problema parti-
cular no campo da viscoelasticidade linear e numa
Vejamos ainda um segundo exemplo, agora não- possı́vel generalização do problema associado ao osci-
homogêneo. lador harmônico.
Exemplo 4..2 Resolva o problema composto pela EDF
e as condições a seguir: 5.1. Viscoelasticidade linear
4 A viscoelasticidade é uma área que investiga o com-
D0+
3
y(t) − λy(t) = t2 , portamento de materiais que admitem caracterı́sticas
4
−1 1
D0+
3
y(0+ ) = D0+
3
y(0+ ) = b0 ∈ R, elástica e de viscosidade quando submetidos à forças
4
−2 2
D0+
3
y(0+ ) = I0+
3
y(0+ ) = b1 ∈ R. de deformação. No estudo destas caracterı́sticas, dois
conceitos são importantes: a tensão (stress) σ(t) e a
Aplicando a transformada de Laplace na equação, ob- deformação (strain) ϵ(t), ambas descritas como uma
temos função do tempo t e os modelos matemáticos aplicados
[ 4 ] Γ (3) procuram, justamente, descrever a relação entre estas
L D0+ 3
y(t) − λy(t) = 3 , quantidades.6
s
ou ainda Classicamente, as leis da mecânica que são usadas
( 4 ) para descrever as relações supracitadas são as de New-
Γ (3) ton e de Hooke, sendo a primeira para o comportamento
s 3 − λ Y (s) = 3 + sb1 + b0 ,
s de lı́quidos ideais (ou lı́quidos Newtonianos) modelado
o que implica em pela equação
d
σ(t) = η ϵ(t), (28)
b0 sb1 Γ (3) 1 dt
Y (s) = 4 + 4 + ,
s −λ3 s −λ
3 s3 s 43 − λ onde η é a chamada constante de viscosidade do mate-
rial. Já a segunda lei (Hooke) modelada pela equação
donde podemos verificar, usando a Eq.(26) e a proprie-
dade da transformada do produto de convolução, que σ(t) = Eϵ(t), (29)
( 4) ( 4)
y(t) = b0 t 3 E 43 , 43 λt 3 + b1 t− 3 E 43 , 31 λt 3
1 2
descreve o comportamento de materiais elásticos (ide-
[ ( 1 ( 4 ))] ais), sendo E a chamada constante elástica (ou módulo
+ t2 ⋆ t 3 E 43 , 43 λt 3 de elasticidade) do material.

1 ( 4) No estudo de sistemas modelados pelas Eq.(28) ou
bk t 3 −k−1 E 43 , 43 −k λt 3 +
4
= Eq.(29), o interesse é obter descrições sobre as respos-
k=0 tas da tensão com respeito à deformação ou viceversa,
∫ t[ ( )]
1 4 sendo que os ensaios experimentais usualmente feitos
(t − τ ) 3 E 43 , 43 λ (t − τ ) 3 τ 2 dτ, são os de [9]:
0

e, novamente, o resultado coincide com a fórmula para ˆ Relaxação de tensão via deformação con-
a solução do problema de Cauchy conforme a Eq.(11). trolada: onde se mede o estado de tensão cau-
sado no material de teste pela aplicação de uma
Estes exemplos apesar de simples, ilustram que deformação previamente definida. Neste caso, a
a metodologia da transformada de Laplace continua resposta da tensão à aplicação da deformação é
tendo a mesma eficácia para a resolução de EDOLFs chamada módulo de relaxação G(t).
(com coeficientes constantes) para a formulação de
Riemann-Liouville, assim como nos casos de ordens in- ˆ Teste de fluência via tensão controlada:
teiras. Conforme mencionamos, uma aplicação usando onde se aplicam ao material teste uma tensão
a formulação segundo Caputo, será discutida quando previamente definida e medem-se as deformações
apresentarmos uma possı́vel generalização para o pro- causadas por essa tensão aplicada. Neste caso, a
blema de Cauchy associado aos osciladores harmônicos resposta da deformação à aplicação de uma tensão
na Seção 5.2. é chamada de fluência J(t).
6 Em geral, a tensão e a deformação são campos tensoriais, assim para esta apresentação pressupomos que os materiais são isotropi-

camente uniformes.
Introdução às técnicas do cálculo fracionário para estudar modelos da fı́sica matemática 3305-7

No estudo destes experimentos, as excitações im-


postas ao sistema (ou material teste) são usualmente
modeladas pelo impulso (função generalizada) δ-Dirac
ou a função degrau (ou de Heaviside) H (t) definida por
{
0, t ≤ 0,
H(t) = (30)
1, t > 0,
Figura 3 - (a) Elemento elástico (ideal) é descrito por uma mola;
(b) enquanto o elemento viscoso (ideal) é apresentado como um
sendo que esta última é fisicamente mais realista que a amortercedor.
primeira. Logo, neste trabalho, consideraremos as res-
Entre os modelos mais simples, estão os de Maxwell
postas G(t) e J(t) quando submetidas a uma excitação
e de Voigt, como descritos pela Fig.4.
do tipo função degrau H (t) (Ver Fig.1 e Fig.2).

Figura 4 - (a) Esquematização em série (Maxwell); (b) Esquema-


tização em paralelo (Voigt).

No modelo de Maxwell, a equação que descreve esta


configuração é dada por

1 1 d d
σ(t) + σ(t) = ϵ(t), (31)
Figura 1 - O módulo de relaxação para um sólido ideal (E = η E dt dt
1; traço contı́nuo) e um fluido ideal (η = 1; traço pontilhado)
gerados a partir de uma excitação com a função de Heaviside. e as funções de resposta (módulo de relaxação GM (t) e
fluência JM (t)) são descritas como

GM (t) = Ee− η t ,
E
(32)
1 1
JM (t) = H(t) + t. (33)
E η

Já no modelo de Voigt, a equação que descreve esta


configuração é dada por

d
σ(t) = Eϵ(t) + η ϵ(t), (34)
dt
e as funções de resposta (módulo de relaxação GV (t) e
fluência JV (t)) são descritas como

Figura 2 - A fluência para um sólido ideal (E = 1; traço contı́nuo) GV (t) = EH(t) + ηδ(t), (35)
1 ( )
e um fluido ideal (η = 1; traço pontilhado) gerados a partir de
1 − e− η t .
E
uma excitação com a função de Heaviside. JV (t) = (36)
E
Na natureza, entretanto, não existem sólidos ou flui-
dos ideais de modo que na prática os materiais reais Estes dois modelos também diferem das observações
possuem propriedades situadas entre estes dois casos experimentais em alguns pontos de modo que estudio-
limites. Esquematicamente, o comportamento elástico sos da área elaboram os mais diversos modelos (e.g.,
(ideal) é descrito por uma mola, enquanto o comporta- Zener, Kelvin, Burger, etc...) para tentar chegar a uma
mento viscoso (ideal) é descrito como um amortercedor descrição com maior sintonia com os experimentos [9].
(Fig.3) e os modelos aplicados na prática são uma com- Por exemplo, continuando com a tentativa de generali-
binação destes dois elementos ideais. zação dos modelos de Maxwell e Voigt, os modelos de
7 Seguindo a sugestão de nomenclatura como proposto na Ref. [9], estes modelos foram estudados por Clarence Melvin Zener (1905-

1993) e os resultados publicados no seu livro de 1948, Elasticity and Anelasticity of Metals, Univ. of Chicago Press; e também são
conhecidos como modelos de sólidos lineares padrão.
3305-8 Rodrigues e Oliveira

Zener7 combinam os dois anteriores dos seguintes mo- com respostas (módulo de relaxação GZV (t) e fluência
dos (Fig.5): (a) o modelo de Maxwell modificado com- JZV (t)) dadas por, respectivamente
bina um elemento de mola com o elemento de Maxwell
em paralelo (b) e o modelo de Voigt modificado com- E12 E1 +E2 E1 E2
GZV (t) = e− η t + , (41)
bina um elemento de mola em série com o elemento de E1 + E2 E1 + E2
Voigt. E1 + E2 1 − Eη2 t
JZV (t) = − e . (42)
E1 E2 E2
A Fig.6, mostra as respostas dos quatro casos men-
cionados: Maxwell, Voigt, Maxwell modificado e Voigt
modificado. Observamos que no modelo de Maxwell, o
processo de relaxação da tensão parece razoavelmente
realista, no entanto, a resposta de fluência mostra uma
deformação crescendo indefinidamente. No modelo de
Voigt, o contrário acontece, a resposta de fluência pa-
rece razoavelmente realista, mas o processo de relaxação
é inexistente (permanece constante). Por outro lado,
Figura 5 - Os dois tipos de modelos estudados por Zener: (a) nos dois modelos modificados as respostas são, até certa
Maxwell modificado; (b) Voigt modificado.
forma, semelhantes, sendo que ambos qualitativamente
O modelo de Maxwell modificado é descrito pela ficam de acordo com alguns resultados experimentais,
equação mas ambos possuem problemas na descrição quantita-
tiva, visto que predizem um valor finito para a tensão no
E2 dσ(t) E1 E2 dϵ(t) tempo inicial t = 0 mesmo diante do salto (descontı́nuo)
σ(t) + = ϵ(t) + (E1 + E2 ) , (37)
η dt η dt de mudança de deformação causada por uma excitação
do tipo Heaviside H (t) e nenhum dos dois atinge uma
com respostas (módulo de relaxação GZM (t) e fluência relaxação de tensão completa. Além disso, ambos mo-
JZM (t)) dadas por, respectivamente delos modificados predizem uma descontinuidade da
E2 resposta de fluência imediatamente após a aplicação de
GZM (t) = E1 + E2 e− η t
, (38) uma excitação de tensão do tipo Heaviside H (t). Estu-
E E2
− η(E 1+E t dos indicam que os modelos podem ser aperfeiçoados se
1 E2 e 1 2)
JZM (t) = − . (39) forem incluı́dos mais elementos (de Newton, de Hooke,
E1 E1 (E1 + E2 ) de Maxwell, de Voigt, etc) em série ou paralelo, mas isto
Já o modelo de Voigt modificado é descrito pela implicaria em equações cada vez mais complicadas e de
equação ordens superiores. Uma alternativa para encontrarmos
uma solução mais satis-fatória a este problema, faz uso
E1 + E2 dσ(t) E1 E2 dϵ(t) do cálculo fracionário no equacionamento do problema
σ(t) + = ϵ(t) + E1 , (40) como veremos a seguir.
η dt η dt

Figura 6 - (a) Respostas do módulo de relaxação da tensão para os modelos de Maxwell, Voigt, Maxwell modificado e Voigt modificado.
(b) Respostas da fluência da deformação para os respectivos modelos.
Introdução às técnicas do cálculo fracionário para estudar modelos da fı́sica matemática 3305-9

O leitor pode não ter percebido, mas observamos Eq.(43) podem ser obtidas, por exemplo, via a meto-
um aspecto interessante a respeito dos dois casos ideais dologia da transformada de Laplace como discutido na
limites: a lei de Hooke idealizada pela Eq.(29) nos diz seção anterior e resultam em
que a tensão σ(t) é diretamente proporcional à deri-
vada de ordem zero da deformação ϵ(t); enquanto a lei Eτ α −α
GSB (t) = t , (44)
de Newton idealizada pela Eq.(28) nos diz que a tensão Γ (1 − ν)
σ(t) é diretamente proporcional à derivada de ordem 1
JSB (t) = . (45)
um da deformação ϵ(t). Então uma generalização para α
Eτ Γ (1 + ν)
o comportamento viscoelástico dos materiais, segundo
a ideia de derivadas de ordem fracionária, seria con- Estudos comprovam que mesmo este modelo sim-
jecturar que a tensão σ(t) é diretamente proporcional plista, resulta em descrições qualitativas mais precisas
a derivada fracionária de ordem α, sendo 0 < α < 1, do comportamento de materiais reais quando subme-
segundo a equação do tipo8 tidos aos mesmos testes descritos na seção anterior e
mesmo as descrições quantitativas parecem mais pro-
η
σ(t) = Eτ α Dα ϵ(t), τ = , (43) missoras. De fato, podemos observar pela Fig.7, que to-
E das as respostas (módulo de relaxação GSB (t) e fluência
sendo η e E os coeficientes de viscosidade e elástico do JSB (t)) para diversas ordens α se comportam quantita-
material, respectivamente. Claramente os casos ideais tivamente como o esperado, i.e., o módulo de relaxação
limites são recuperados quando tomamos α = 0 (Ho- possui um valor infinitamente grande para t = 0 e de-
oke) ou α = 1 (Newton). O operador Dν seria qualquer caindo para total relaxamento quando t → ∞, já a
operador de diferenciação fracionária escolhido para ser fluência mostra o crescimento da deformação de forma
usado (e.g., Riemann-Liouville, Caputo, etc...). Em mais apropriada com os experimentos mantendo a con-
particular, se quisermos um modelo que inclua todo tinuidade em t = 0, lembrando que os gráficos dados
o histórico do material (em função do tempo), pode- na Fig.7 foram feitos a partir de excitações modeladas
mos estabelecer que o limite inferior seja t = −∞ e pela função degrau H (t).
ainda, exigindo a causalidade do sistema (i.e., que as Este exemplo, mesmo que simples, mostra o poten-
funções sejam identicamente nulas para t ≤ 0), então as cial do uso do cálculo fracionário para abordarmos o
definições segundo Riemann-Liouville e Caputo coinci- problema de viscoelasticidade linear e de fato, este ramo
diriam. tem se mostrado um terreno fértil para estudiosos da
As funções de respostas (módulo de relaxação área com diversos livros [7, 9, 14] mostrando detalha-
GSB (t) e fluência JSB (t)) relacionadas ao modelo da mento dos modelos e resultados experimentais.

Figura 7 - (a) Respostas de módulo de relaxação para o modelo fracionário de Scott-Blair para diferentes parâmetros α, (E = 1, η = 1);
(b) Respostas da fluência da deformação para o modelo fracionário de Scott-Blair para diferentes parâmetros α, (E = 1, η = 1).

8 Este modelo é conhecido como modelo de Scott-Blair [9].


3305-10 Rodrigues e Oliveira

Mencionamos também outras áreas em que o cálculo Note que essa equação integral fracionária corres-
fracionário tem se mostrado uma ferramenta poderosa, ponde à equação diferencial fracionária
a saber, na descrição de osciladores harmônicos fra-
0 Dx x(t)
C α
cionários, forças de fricção fracionárias, controladores + ω α x(t) = 0,
fracionários, equações de ondas fracionárias, dentre ou-
e as condições iniciais x (0) e x′ (0) sendo 1 < α ≤
tros [6, 9, 14, 26, 27].
2 e a derivada considerada no sentido de Caputo.
(Definição 2..3).
5.2. Osciladores harmônicos Vamos procurar uma solução da equação integral
Nesta seção discutimos uma possı́vel generalização do através da metodologia da transformada de Laplace que
problema associado ao oscilador harmônico. Recupe- após aplicada na Eq.(46) e utilizando a definição do pro-
ramos o caso inteiro e a esse propomos uma generali- duto de convolução permite escrever
zação no sentido fracionário, isto é, introduzimos dois ∫ ∞ α−1
x(0) x′ (0) t
parâmetros associados à ordem da equação fracionária. F (s) = + 2 −ω α
⋆ x(t) e−st dt,
A fim de obtermos uma solução dessa equação, utiliza- s s 0 Γ(α)
mos a metodologia da transformada de Laplace e for- onde o sı́mbolo ⋆ denota o produto de convolução.
necemos essa solução explı́cita para o caso em que não Logo, obtemos
temos o termo associado com o atrito, ou seja, conside-
ramos o oscilador sem amortecimento e apresentamos x(0) x′ (0) ω 2
F (s) = + 2 − α F (s),
essa solução em termos das funções de Mittag-Leffler. s s s
Vamos considerar apenas o caso em que a derivada
é tomada no sentido de Caputo (Definição 2..3) en-
sendo ∫ ∞

quanto as condições iniciais admitem a clássica inter- F (s) = x(t) e−st dt


0
pretação. Para discutirmos tal problema inicia-se por
obter uma equação integral correspondente à equação a transformada de Laplace de x (t) de parâmetro s com
diferencial associada ao oscilador harmônico Re(s) > 0. Isolando F (s) podemos escrever, já rear-
ranjando,
d2 d
x(t) + µ x(t) + ω 2 x(t) = 0,
dt 2 dt s−1 ′ s−2
F (s) = x(0) + x (0) .
com µ ≥ 0, representando o termo associado ao atrito 1 + ω α s−α 1 + ω α s−α
e ω > 0 é a frequência do oscilador, sendo as condições Para recuperar a solução x (t) tomamos a transfor-
iniciais x (0) e x′ (0) dadas. mada de Laplace inversa. Logo para
Integrando essa equação diferencial duas vezes po-
∫ c+i∞
demos escrever 1
x(t) = est F (s) ds ≡ L−1 [F (s)],
x(t) = x(0) + µt x(0) + t x′ (0)− 2πi c−i∞
∫ t ∫ t∫ v
obtemos a solução na forma
µ x(v)dv − ω 2
x(u)du dv,
0 0 0
x(t) = x(0) Eα (−ω α tα ) + x′ (0) Eα,2 (−ω α tα ),
que, após a utilização do teorema de Goursat [8, 10]
permite escrever onde Eα (·) e Eα,β (·) são as funções de Mittag-Leffler
com um e dois parâmetros, respectivamente [8, 9, 17].
x(t) = x(0) + µt x(0) + t x′ (0)− Admita, enfim, que x (0) = 1 e x′ (0) = 0 logo a solução
∫ t ∫ t
neste caso é
µ x(v)dv − ω 2 (t − u)x(u) du. x(t) = Eα (−ω α tα ),
0 0
′ que, no caso extremo α = 2 fornece x(t) = cos ωt que é
Então, dados x (0) e x (0) obtemos uma equação in-
tegral associada ao problema do oscilador harmônico a solução do problema associado ao oscilador harmônico
equivalente ao problema composto pela equação dife- de ordem inteira.
rencial e as condições iniciais.
A fim de explicitar os cálculos, consideremos o osci- 6. Conclusão
lador harmônico livre, isto é, sem atrito com a equação
integral já na forma fracionária Neste trabalho foram introduzidas as chamadas
∫ t equações diferenciais fracionárias e constatado que a
ω2
x(t) = x(0)+t x′ (0)− (t−u)α−1 x(u) du, (46) metodologia da transformada de Laplace mostra-se, as-
Γ(α) 0
sim como no caso das EDOs de ordem inteiras com coe-
com 1 < α ≤ 2. Escolhemos esse intervalo a fim de ficientes constantes, uma ótima ferramenta a ser usada
recuperar o resultado do oscilador harmônico clássico, em vista dos benefı́cios da sua simplicidade. Em par-
no caso em que α = 2. ticular, verificou-se de forma indireta que da mesma
Introdução às técnicas do cálculo fracionário para estudar modelos da fı́sica matemática 3305-11

forma que a função exponencial ex desempenha um pa- [9] F. Mainardi, Fractional Calculus and Waves in Linear
pel de destaque no cálculo clássico de ordem inteira, Viscoelasticity (Imperial College Press, London, 2010).
as funções de Mittag-Leffler desempenham um papel [10] K. S. Miller, and B. Ross, An Introduction to the Frac-
destacado análogo no cálculo de ordem arbitrária. O tional Calculus and Fractional Differential Equations
que queremos denotar por esta afirmação é que assim (John Wiley & Sons, Inc., New York, 1993).
como se faz necessário um bom entendimento da função [11] M. Moshrefi-Tobarti, and J. K. Hammond, J. of the
exponencial para o estudo e aplicações do cálculo di- Franklin Inst. 335, 1077 (1998).
ferencial e integral clássicos o mesmo pode ser dito à [12] K. B. Oldham, and J. Spanier, The Fractional Calcu-
respeito das funções de Mittag-Leffler para aqueles que lus, Theory and Applications of Differentiation and In-
desejam se aventurar pelo cálculo fracionário. De fato, tegration to Arbitrary Order (Dover Publications, Inc.,
não é incomum ao resolvermos equações diferenciais (or- New York, 2002).
dinárias) de ordem fracionária, obtermos soluções que, [13] M. D. Ortigueira, and J. A. Tenreiro Machado, J. Com-
se não diretamente expressas em termos de uma função put. Phys. 293, 4 (2015).
de Mittag-Leffler, então ao menos se relacionam com [14] I. Podlubny, Fractional Differential Equations (Acade-
ela através de alguma identidade. mic Press, San Diego, 1999).
Por fim, observamos que, de modo relativamente [15] I. Podlubny, Fract. Cal. Appl. Anal. 5, 367 (2002).
simples, problemas clássicos da fı́sica-matemática fi- [16] I. Podlubny, and N. Heymans, Rheol. Acta. 45, 765
cam bem modelados sob a ótica do cálculo fracionário e (2006).
dão resultados promissores (inclusive coincidindo com
[17] R. Gorenflo, A. A. Kilbas, F. Mainardi, and S.
os resultados de ordem inteira já firmados) mesmo V. Rogosin, Mittag-Leffler Functions: Related Topics
quando são elaborados de forma simples, como veri- and Applications. Theory And Applications. Springer
ficados nos exemplos de viscoelasticidade linear e osci- Monography in Mathematics (Springer-Verlag, Berlin-
ladores harmônicos. Heidelberg, 2014).
O leitor interessado em conhecer mais modela- [18] S. G. Samko, A. A. Kilbas, and O. I. Marichev, Fractio-
gens usando o cálculo fracionário, pode recorrer às nal Integrals and Derivatives, Theory and Applications
Refs. [12, 26–35]. (Gordon and Breach Science Publishers, Amsterdam,
1993).
Agradecimentos [19] E. Contharteze Grigoletto, Equações diferenciais fra-
cionárias e as funções de Mittag-Leffler. Tese de Dou-
FGR agradece a CAPES pela bolsa disponı́vel durante o torado, Unicamp, Campinas, (2014).
programa de doutorado. Os autores também são gratos [20] F. G. Rodrigues, Sobre Cálculo Fracionário e Soluções
ao árbitro pelos pareceres e sugestões dadas para tornar da Equação de Bessel. Tese de Doutorado, Unicamp,
este trabalho melhor enquadrado ao público alvo. Campinas, (2015).
[21] E. Capelas de Oliveira, and J. A. Tenreiro Machado,
Math. Prob. Eng. 2014, ID 238459 (2014).
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nardi, Fract. Calc. Appl. Anal. 13, 447 (2010). [24] F. G. Rodrigues, e E. Capelas de Oliveira, A ser publi-
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