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Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..

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Capitulo 1. Descrição Etnográfica P. 3

Capítulo 2. Etnicidade P. 33

Capítulo 3. Microanálise Etnográfica de Interação P. 42

Capítulo 4. Aprendizagem e Colaboração no Ensino. P. 71

Capítulo 5. Registros Audiovisuais como Fonte P.87

Primária de Dados

Capítulo 6. O Que Faz a Etnografia da Escola P. 111

“Etnográfica”?

Capítulo 7. O Discurso em Sala de Aula como P. 133

Improvisação.

Capítulo 8. Where is the Floor?Aspectos da P. 193

Organização Cultural das Relações Sociais em

Comunicação em Casa e na Escola

Capítulo 9. Transformação e Sucesso Escolar: A P. 214

Política e Cultura do Êxodo Educacional


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Capítulo 1

Descrição Etnográfica
Frederick Erickson 1
1. Introdução
Os objetivos centrais da descrição etnográfica na pesquisa

sociolingüística são documentar e analisar aspectos

específicos nas práticas da fala, da maneira que estas práticas

estão situadas na sociedade em que elas ocorrem. O foco,

então, está nas situações sociais de uso, nos hábitos comuns e

persistentes de uso, e na organização lingüística e

comportamental específicas do uso em si.

Na condução real da pesquisa etnográfica, coleta e análise de

dados são mutuamente constituídos. Por isso, Perspectivas

reais que informam a análise etnográfica precisam ser

discutidas, bem como os processos de observação e de criação

1 Esse texto traduzido com autorização do autor, por Carmen Lúcia Guimarães de Mattos. Foi

originariamente publicado sob o título Ethnographic Description no Sociolinguistics - An

International Handbook of the Science of Language and Society, e editado por Herausgegeben

von Ulrich Ammon, Norbert Dittmar Klaus J. Matteir, Vol. 2 Walter de Gruyter, Berlin. New

York, p. 1081-1095. 1988


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de registros de dados sobre os quais um relato descritivo é

baseado. Por esta razão, este artigo se inicia considerando a

principal importância real da descrição etnográfica.

Inicialmente uma definição de etnografia e uma breve visão

geral de sua origem são apresentadas. Segue-se uma

discussão de quatro características essenciais da etnografia: (1)

Seu foco particular nas especificidades da performance

naturalmente ocorrentes na fala; (2) Seu foco geral nas

entidades sociais e culturais, consideradas e descritas como

sistemas inteiros em comparação com outros sistemas em

outras sociedades; (3) Seu foco no significado social da fala em

adição aos seus significados referenciais; (4) seu foco nos

significados da ação social que ocorre naturalmente do ponto

de vista dos atores nela engajados.

As duas primeiras características são especialmente

distintivas da etnografia em contraste com outras abordagens

sobre pesquisa sociolingüística. As duas últimas

características são compartilhadas com algumas abordagens

em sociolingüística, mas não com outras. Pesquisa


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correlacional em sociolingüística é o tipo de trabalho que mais

difere da descrição etnográfica. Estudos correlacionais têm

sido de dois tipos principais. No primeiro tipo, algum aspecto

da escolha de linguagem (ex: Código, dialeto, registro ou

fórmula de delicadeza) é considerado uma discreta variável

que é correlacionada com um ou mais atributos da identidade

social dos indivíduos falantes. (ex: renda, nível educacional ou

afiliação política). No outro tipo de estudo, a direção da

correlação é revertida; um ou mais aspectos discretos da

identidade social (ex: gênero, etnicidade ou classe) estão

correlacionados com um discreto aspecto do estilo da

linguagem. Os dados sobre esses estudos são tipicamente

coletados por métodos de pesquisa, e os aspectos da

linguagem e do discurso que são estudados, são considerados

em abstração de suas situações de uso. Em contraste, existe a

etnografia como uma abordagem naturalística para os

procedimentos de pesquisa social através da observação

direta de situações concretas. Ela situa a fala que ocorre

naturalmente no centro do interesse da pesquisa, considerada


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como um modo de atividade social que está situada em um

contexto completo que inclui a comunidade inteira ou a

sociedade bem como a cena imediata da vida social local em

que o discurso ocorreu por si mesmo.

2. Questões de importância na pesquisa etnográfica

2.1. Definição e origem


Etnografia significa literalmente escrever sobre os outros. O

termo deriva do verbo grego para escrita e do substantivo

grego (ethnos) que se refere a grupos de pessoas que não

foram gregos; por exemplo: társios, persas e egípcios. A

palavra foi inventada no fim do século XIX para caracterizar

cientificamente os relatos de narrativa sobre os modos de vida

dos povos não ocidentais. Monografias etnográficas diferiam

das descrições em livros que foram escritos por viajantes e

que se tornaram populares entre os europeus ocidentais

educados com um interesse no exótico. Relatos de viajantes

foram vistos por antropólogos como incompletas e

superficiais. Etnografia foi considerada como mais completa e

cientificamente substantiva.
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Da época da publicação da monografia pioneira de

MALINOWSKI, “Argonautas do Pacífico Ocidental” (1922),

outro critério de descrição etnográfica foi acrescentado:

retrato dos meios de vida do grupo social estudado de forma

que manifestasse seus pontos de vista. O objetivo era mostrar

como as ações de povos exóticos faziam sentido dentro de

seus julgamentos, ao invés de retratar suas ações individuais

como bizarras e normativamente deficientes quando julgadas

de acordo com os padrões normativos europeus ocidentais.

Para atingir esse objetivo, a etnografia malinowskiana se

propôs à tarefa de produzir uma descrição válida e análise do

sistema de significados do grupo social que era estudado.

Esta tarefa se parece e difere ao mesmo tempo do que era

pretendido para a lingüística por SAUSSURE. Os dois,

MALINOWSKI e Saussure estavam interessados em aspectos

de ordem e significado que estavam fora do consciente das

pessoas que os empregavam. Eles diferiam, no entanto, em

seus interesses nas particularidades das ações costumeiras em

situações específicas. Saussure viu a descoberta da ordem


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subjacente como requerendo a extração dos particulares de

uso e situação. Assim seu programa estruturalista era

construir através de uma análise lógica rigorosa um relato

deliberadamente descontextualizado das relações estruturais

que obteve entre formas lingüísticas. Essa limitação

estratégica de interesse, a centralização da atenção na

“langue” (língua), na atenção dada na “parole”, forneceu

grande coerência analítica, mas custos de acompanhamento se

tornaram crescentemente aparentes com o desenvolvimento

da pesquisa empírica e da teoria em sociolingüística.

MALINOWSKI mesmo falou diretamente a essa questão

quando ele usou uma revisão de livro como ocasião para fazer

um relato programático (MALINOWSKI 1936):

“Podemos tratar a linguagem como um objeto independente de estudo: Existe


uma ciência legítima de palavras sozinhas, ou de fonética, gramática e
lexicografia? Ou todo estudo da fala deve levar a investigação sociológica, para
o tratamento da lingüística como um ramo da ciência geral da cultura? O
dilema da lingüística contemporânea tem importantes implicações. Isso
realmente significa a decisão sobre se a ciência da linguagem se tornará
primariamente um estudo empírico, feito sobre os seres humanos dentro do
contexto de suas atividades práticas, ou se permanecerá grandemente
confinada a argumentos dedutivos, consistindo na especulação baseada em
escritos ou em evidências impressas isoladas”.
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Poder-se-ia descrever o programa de MALINOWSKI como

aquele de um estruturalismo contextualizado. Ele viu o

significado como incorporado nos particulares da

performance situada (MALINOWSKI 1923). Nos termos de

Saussure, MALINOWSKI propôs descobrir a ordem

subjacente ou geral da língua através da investigação de perto

da ação verbal e não verbal (parole) em situações de uso em

que eram em si para serem entendidas em relação com a

escala total de situações que construiriam as vidas diárias dos

membros da comunidade a ser estudada. Além disso,

MALINOWSKI estava interessado em ordem no nível da

“parole” em si, vendo seu ordenamento como que

manifestando um nível de significado que não poderia ser

reduzido a outros níveis.

2.2. Foco no Particular


O interesse central da descrição etnográfica em pesquisa

sociolingüística está nos particulares da performance situada

como ela ocorre naturalmente na interação social diária. A

etnografia documenta o que as pessoas fazem na realidade ao


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falarem, e isso descreve tanto o discurso quanto as situações

do uso de formas bem específicas. Observação participante é o

meio pelo qual o pesquisador aprende os específicos da

atuação contextualizada, e nos trabalhos mais recentes isto é

de vez em quando combinada com gravações em áudio e

vídeo. Essas técnicas de coleta de dados serão revisadas mais

tarde no artigo; aqui é suficiente notar que um interesse em

especificidade de descrição é uma marca registrada da

etnografia.

2.3. Foco no Geral


A etnografia enfatiza tanto o escopo descritivo quanto a

especificidade. Conseqüentemente, outro critério essencial de

etnografia é sua preocupação com a amplitude da visão. Essa

preocupação tem dois aspectos: uma ênfase no holismo e na

comparação. Por elas serem características tão distintas de

etnografia elas merecem uma descrição aqui.

O primeiro importante aspecto, holismo, refere-se a um

interesse na descrição completa do caso a mão. A etnografia

geral , como a encontrada na típica monografia etnográfica, é


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a sistemática tentativa em descrever e relatar analiticamente

toda forma de vida do grupo humano estudado; sua

economia, leis, sistemas familiares, religião, tecnologia,

cosmologia, ciência e magia, ritual, e artes, assim como a

linguagem. Uma etnografia retrataria tipicamente o ciclo

anual de atividades na comunidade. Freqüentemente ela

poderia descrever o ciclo de vida individual e seus pontos

cruciais de direção, junto com os rituais da comunidade (ritos

de passagem) que os acompanharem. O sistema social inteiro

seria levado em conta; as muitas dimensões dos laços sociais e

diferença de status (classe social) que fossem salientes ao

longo de linhas de descendência, casamento e outros tipos de

relações, idade, gênero, e saúde, ou identidade como alguém

com status especial (especialista religioso, escravo, paria ou

outra classe social, estrangeiro).

Apesar da tentativa de levar em conta todo sistema de

relações sociais e padrões culturais, o ideal do holismo na

descrição etnográfica nunca é completamente realizado. Existe

uma tensão inevitável entre extensão e profundidade na


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descrição, entre escopo e especificidade. Além disso, nas

sociedades pluralistas modernas (e de acordo com alguns

críticos, mesmo em sociedades tradicionais de pequena escala)

pode ser muito difícil identificar uma “maneira inteira de

vida” exatamente como é muito difícil identificar uma

comunidade limitada e uma cultura limitada. (O debate atual

em sociolingüística sobre a utilidade da noção que a

comunidade tem sobre a fala está relacionado com este

problema). A concepção dos todos sociais e de culturas

internamente integradas tem freqüentemente pressuposto

uma teoria social funcionalista em que a homeostase social é o

principal processo dinâmico. Essa teoria social não leva muito

em conta o conflito social e a mudança. Da perspectiva da

teoria do conflito (ex: Teoria crítica do neo-Marxismo e

Marxismo clássico), contradição estrutural e

compartilhamento parcial da cultura podem ser vistas como

normais dentro e através de níveis de organização social.

Desta perspectiva a noção de unidades socioculturais totais

fechadas para influência exterior parece artificial e


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enganadora. Já a teoria social do conflito é holística também,

pois as contradições, diversidade e tensões que ela identifica

podem ser como parte de um padrão ainda mais

compreensivo – uma organização de ordem mais alta – que

aquele compreendido pela teoria funcionalista.

Mais fundamentalmente, a perspectiva do holismo é ecológica

e dialética. Seja qual for a teoria social que emoldura um caso

particular de pesquisa etnográfica, isto é, seja ela uma teoria

de ordem ou uma teoria de conflito, o holismo etnográfico

indica diferenciação e conecções de influências mútuas dentro

e através dos níveis de organização social. Assim, as unidades

fundamentais de análise em etnografia são lugares de relações

ao invés de entidades isoladas. Neste sentido, o holismo

etnográfico pode obter diferentes níveis. Isso é ilustrado pelos

exemplos a seguir de tópicos de etnografia sociolingüística: (1)

Dentro de uma dada sociedade pode-se considerar a

linguagem em relação com a política econômica, (2) Em um

agregado social constituinte dentro de uma sociedade inteira,

por exemplo, uma população regional, classe social, ou grupo


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étnico, poder-se-ia considerar uma escala de maneiras

(incluindo diferenciação nas formas da fala) em que relações

de aliança ou oposição são estabelecidos dentro de um grupo

e entre membros desse agregado social e membros de outros

agregados, (3) Dentro de uma organização formal pode-se

considerar o relacionamento entre estrutura social formal e

informal, rituais deliberada e não deliberadamente

organizados e registros respectivos de fala que são

apropriados em cada tipo de situação de ritual, (4) Dentro de

uma família pode-se considerar a ecologia dos papéis

familiares, dentro dos quais as variações dos direitos e

deveres e em formas distintas da fala podem ocorrer ao longo

de linhas de níveis de geração, grau de parentesco, gênero e

temperamento individual. Descrever um padrão de

integração, sentimentos e crenças que se obtém em qualquer

um dos papéis (ex: mãe e filho mais velho) e os direitos

anexados e deveres que se obtém entre eles, é dar atenção não

somente às ações da mãe e do filho mais velho como

indivíduos, mas para as ações da mãe dadas na presença do


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filho mais velho e para as ações do filho mais velho dadas na

presença de sua mãe. (5) Dentro de uma cidade ocupada em

conversação pode-se considerar as conseqüências para o

discurso oral de relações de mútua influência entre as reações

do ouvinte e o que o falante fará depois dentro da cláusula

que está sendo pronunciada no momento.

Cada um desses exemplos de tópicos de interesse em

descrição etnográfica têm diferido no nível de organização

social envolvido. Cada um dos exemplos ilustra um aspecto

da perspectiva ecológica do holismo em etnografia. No último

exemplo o fenômeno observado pode ser curto em duração e

as relações sistemáticas consideradas podem envolver sobras

sutis de nuances que somente são aparentes através de

descrições detalhadas que mostram a cinética e a prosódia do

ouvinte e do falante. No primeiro exemplo (linguagem em

relação a política econômica), pode-se observar padrões que

ocorrem e recorrem através de gerações e podem ser descritas

com amplos golpes em relatos, incluindo sumarização

estatística. Seja qual for o nível de organização social que


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pode ser considerado, no entanto, a unidade de análise é uma

relação dialética ocorrente em um específico momento

histórico, não uma entidade considerada destacada de outras

entidades ou fora da situação de sua ocorrência no tempo,

espaço, e meio social.

A preocupação da etnografia por uma descrição completa é

manifestada não somente no holismo descritivo, mas também

em um foco na comparação. O relato etnográfico individual é

um estudo de caso de uma situação particular ou grupo

social. Ainda implicitamente, e freqüentemente

explicitamente, o caso a mão é escrito em termos de

similaridades e diferenças de outras sociedades relatadas na

literatura etnográfica. Este interesse em comparação deriva de

um campo de pesquisa dentro da antropologia, que é anterior

a etnografia em si. Esse campo é chamado etnologia, a

comparação sistemática dos modos de organização

sociocultural através da escala mais larga possível de grupos

humanos conhecidos, passados e presentes. A etnologia serve

como base para todos os estudos etnográficos.


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Essa moldura de comparação é outra das características que

distinguiram a etnografia do gênero de relatos de viajantes,

que eram escritos sem levar em conta uma análise

comparativa. Atualmente um dos elementos essenciais da

educação em etnografia é ter uma vasta leitura da literatura

de estudos de casos etnográficos e da teoria antropológica e

sociológica de modo a ser capaz de trazer para sua própria

pesquisa uma moldura etnológica de referência.

2.4. Foco no significado


Os dois últimos focos da descrição etnográfica e serem

considerados aqui são compartilhados com alguns outros

métodos em sociolingüística, como pesquisas e entrevistas.

Estas são as preocupações para (1) identificar o significado

social ou metafórico da fala bem como seu significado literal

ou referencial, e (2) identificar significados dos pontos de vista

dos atuantes nos eventos observados.

A etnografia é especialmente interessada nos aspectos de

significado que não podem ser obtidos diretamente

questionando informantes. Isto envolve o uso direto da


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observação para gerar inferências em relação às ações

habituais, julgamentos e avaliações que estariam operando

fora do desinteresse consciente do falante ou do ouvinte.

Inferências interpretativas podem descrever ações

preocupantes como o uso habitual da ironia ou indiretas

metafóricas em certas situações freqüentemente ocorrentes, ou

inferências que podem dizer respeito a julgamentos com

relação ao uso da linguagem. Ao invés disto o pesquisador

deve utilizar a observação participante ou máquina de

gravação para documentar um uso que ocorre naturalmente

ao informante e então verificar as inferências sobre o

significado social das escolhas estilísticas através de

entrevistas subseqüentes, nas quais o pesquisador e

informante revisam juntos o texto escrito ou gravado a

maquina da performance da fala contextualizada do

informante.

2.5. Conceitos Chave


As noções analíticas centrais em torno das quais a observação

é focalizada incluem o seguinte, embora a lista não seja tão


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exaustiva: situação, evento da fala, atividade da fala, modos

da fala, e competência comunicativa (veja a discussão em

SAVILLE-TROIKE 1982, 12-50). A unidade central de

observação é a situação, a cena da performance da fala.

GOFFMAN (1964, 134) define a situação como “... um

ambiente de possibilidades de monitoração mútuas, qualquer

lugar no qual o indivíduo se encontre acessível aos sentidos

nus de todos os outros que estão ‘presentes’ e similarmente os

encontre acessíveis a ele”.

Dentro de uma situação os indivíduos se engajam em vários

tipos de trabalhos interacionais, usando comportamento

comunicativo verbal e não verbal como recursos de produção

ao executarem este trabalho. Alguns desses comportamentos

são às vezes relativamente altamente estilizados e são

governados por regras relativamente explícitas e fixas, por

exemplo, fazer um brinde, dizer votos de casamento, fazer

uma oração fúnebre, contar uma caçada ou uma batalha,

participar de uma lição de recitação na escola.

Freqüentemente esta performance estilizada de discurso


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define a situação na qual esta ocorre; isto é, o trabalho

interacional a mão é constituído pelo tipo especial de fala que

está ocorrendo.

Tal performance em tais situações é denominada um evento de

fala por HYMES (1974, 52). Os eventos comumente ocorrentes

da fala em sociedades modernas são uma visita ao médico,

uma entrevista de emprego, uma piada contada em uma festa.

Existem limites bem explícitos de adequação que definem as

relações comuns entre os eventos da fala e as situações da fala;

por exemplo, uma não espera ouvir votos matrimoniais

trocados em um funeral, fazer brindes durante uma visita ao

médico, ou contar uma piada de sexo explícito em uma festa

formal. As expectativas de co-ocorrência culturalmente

aprendidas para relações entre situações e eventos da fala

como ela ocorre na vida diária e na literatura são chamadas de

cena ou ato proporcional pelo crítico literário KENNETH

BURKE (BURKE 1969, 3).

Outros tipos de performance oral nas situações da fala são

menos altamente estilizados que aqueles caracterizados pelo


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termo evento da fala. Estes têm sido chamados atividades da

fala por GUMPERZ (1982a, 166). Eles são escritos de discursos

nos quais um conjunto conectado de funções está sendo

alcançado, um tipo particular de trabalho interacional.

Exemplos de atividades da fala são: conversar sobre o tempo

ou sobre esportes, fazer o ponto mais importante em um

discurso, mostrar ao falante anterior que entendeu o ponto

principal que ele falou, e implicitar ao interlocutor que o que

ele disse está aberto (ou não) a negociações ou discordâncias.

A atividade da fala não constitui a situação, como fazem

alguns eventos da fala. Na verdade a atividade da fala pode

acompanhar trabalho individual ou interacional que é

primariamente não verbal, por exemplo, emendar redes de

pesca ou preparar comida para uma refeição. Outra diferença

entre atividade da fala e evento da fala é que para a atividade

da fala os constrangimentos da co-ocorrência para relações

entre situação e modo de fala são muito mais fluidas e muito

menos explícitas do que são os padrões de constrangimento

que se obtém entre a situação e o evento da fala. As atividades


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da fala podem ser bem conduzidas de acordo com princípios

culturais de apropriação. Mas os princípios podem envolver

aspectos muito sutis de escolha estilística, e existem escalas

mais largas de operações paradigmáticas para meios

alternativos de alcançar as atividades da fala do que existe

para uma performance apropriada de fala em um evento de

fala. Uma ênfase no estudo das atividades da fala está em

nuances sutis da fala –seu refinamento- e no implícito mais do

que no padrão cultural explícito.

A noção de atividade da fala se limita e é informada pela

noção de produção local como usada por analistas

conversacionais que são etnometodólogos (ver meu artigo em

métodos de análise conversacional). Esta tradição de pesquisa

dá ênfase a concepção da performance e organização social

que se coloca em primeiro lugar a execução de papéis, status,

e rotinas da fala que em algum sentido podem ser pensadas

como pré-existentes.

Do ponto de vista da etnografia da comunicação, a execução

da fala tem sido vista a ser feita principalmente seguindo


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regras culturalmente convencionais da fala que são

tipicamente apropriadas para uma situação dada e um papel

dado. Para um analista conversacional a ênfase tem sido em

ver os padrões nos modos da fala como invenção repetida de

estratégias para fala e sua regulação que são adaptáveis no

momento à mão. Para o etnógrafo de comunicação, a ênfase

tem sido em ver os padrões nos modos da fala como evidência

de aprendizagem anterior pelo falante – a aquisição de

conhecimento e habilidade comunicativos culturalmente

compartilhados (ver discussão de competência comunicativa

abaixo). Um interesse nas atividades da fala pode ser

concebido como partilhando ambos os interesses etnográficos

em padrões culturais da fala e dos etnometodológicos

interesses em produção local e a local organização social da

fala.

O termo modos da fala se refere à variação estilística na

performance oral e seus acompanhantes não verbais (HYMES

1974,45). Este é um termo abrangente que envolve o evento da

fala e a atividade da fala, os mais e os menos estilizados tipos


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de variação em performance. Uma etnografia geral completa

da fala poderia identificar a escala total de tipos de situações

da fala que membros de um grupo social encontram em suas

vidas diárias. Ela identificaria a escala total dos modos da fala

que ocorrem em tais situações e identificaria relações entre a

variação em situação e na performance oral (HYMES 1974, 17-

18). Tal estudo poderia ser um trabalho muito intensivo. Os

exemplos de etnografia da fala que existem são quase sempre

de algum modo focado em um tópico, freqüentemente dão

ênfase aos eventos chave da fala de interesse teórico (ver a

discussão no artigo de revisão de SHERZER 1977), enquanto

mantém a maior amplitude de escopo possível. Entre os mais

notáveis exemplos destes estudos de larga escala nos quais

toda uma comunidade é a unidade de análise, e os eventos

chave da fala são de interesse central são: IRVINE (1973);

SHERZER (1974); BASSO (1979) e PHILIPS (1973). Trabalhos

microetnográficos nos quais encontros particulares dentro de

um ambiente institucional são de interesse central são:

CORSARO (1972); MEHAN (1979); AHINNASO &


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AJIROTUTU (1982); ERICKSON & SHULTZ (1982); GUM-

COOK-GUMPERZ (1982); FISHER & TODD (1983);

MICHAELS & COLLINS (1984); e TANNEN (1984).

Competência comunicativa se refere ao conhecimento e à

habilidade necessários para falar adequadamente em

qualquer situação na qual um membro de uma comunidade

de fala pode se encontrar (HYMES, 1974, 75). O termo é

escolhido em contraste deliberado para a noção de

CHOMSKY sobre competência lingüística (1965, 3-10), uma

habilidade generalizada para produzir e compreender

gramaticamente emissões bem formadas que são consideradas

independentes das considerações específicas de

adequabilidade que possam se aplicar à atuação em uma

situação real de uso. Um dos objetivos de estudos etnográficos

em sociolingüística é identificar como se distribui a

competência comunicativa dentro de uma população de

interesse de pesquisa. Outro objetivo, em alguns destes

trabalhos, é identificar os campos de interação dos enganos de

comunicação e conflitos entre pessoas que podem


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compartilhar a mesma competência comunicativa, mas que

diferem subculturalmente em sua competência comunicativa

(ver GUMPERZ 1982, 172-186; ERICKSON & SHULTZ 1982,

5-12, 183-190).

3. Questões de Método em Pesquisa Etnográfica


Tendo abordado algumas das principais preocupações

substantivas da etnografia sociolingüística, podemos agora

partir para considerar os principais métodos de coleta de

dados e análise que são usados na pesquisa etnográfica. Nos

últimos anos são várias as publicações sobre esses métodos:

SCHATZMAN & STRAUSS (1973); PELTO & PELTO (1978);

AGAR (1980); BOGDAN & BIKLEN (1982); HEMMERLEY &

ATKINSON (1983); e ERICKSON (1986). Conseqüentemente

nossa discussão aqui será breve, com citações freqüentes da

literatura sobre métodos, à qual o leitor é referido para maior

elaboração sobre as questões complexas que estão envolvidas

na conduta da pesquisa etnográfica.


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3.1. Coleta de Dados: Observação Participativa, Gravação e Entrevista


O principal método de coleta de dados é a observação

participativa que, em etnografia sociolingüística, é

acompanhada freqüentemente por gravação em áudio e,

quando possível, por gravação em vídeo tape. A transcrição

de gravações fornece evidências detalhadas do

comportamento verbal e não verbal dos informantes. Da

perspectiva da etnografia, no entanto, as transcrições de

registros não são interpretáveis sem serem acompanhadas

pela observação participativa e entrevistas informais.

A natureza da observação participativa é indicada pelo

próprio termo no qual o método envolve participação ativa

com aqueles que são observados. A participação do

pesquisador pode variar ao longo de uma continuidade, com

participação mínima envolvendo em primeiro lugar a

presença durante os eventos que são descritos e máxima

participação envolvendo as ações do pesquisador quase como

qualquer outro membro o faz nos eventos que ocorrem

enquanto o pesquisador está presente. Na extremidade desta


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continuidade, a única diferença entre a participação do

observador participante e de qualquer outro membro é que o

observador participante atenta fortemente para não

influenciar o curso que os eventos podem tomar. Um

participante integral deve atentar para o mesmo também. O

participante integral pode ser altamente avaliativo do

comportamento dos outros nos eventos, julgando-os de

acordo com os seus valores pessoais e suas crenças. Em

contraste, um observador participante tenta ver os eventos

nos quais ele ou ela participa do ponto de vista do relativismo

cultural, tentando não fazer julgamentos finais e tentando

entender os eventos como eles acontecem do ponto de vista e

estabelecimento de valores dos vários atores nos mesmos.

A posição de relativismo do observador é difícil de manter.

Talvez ele nunca seja bem sucedido nisto, porém a ênfase na

observação participativa é tentar entender os eventos e

pessoas enfaticamente adotando os papéis e perspectivas

daqueles que se estuda. A ênfase na empatia e em se evitar

uma pressa de julgamento avaliativo, ao menos na primeira


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visão de um novo evento, deriva do foco comparativo em

etnografia que foi notado anteriormente. O etnógrafo está

consciente de que o que está sendo visto é a execução de um

entre vários conjuntos de possibilidades humanamente

disponíveis para organizar a interação social que está sendo

observada. Portanto observação etnográfica é inerentemente

crítica, mas não negativa, necessariamente. Ela simplesmente

não leva nenhuma realidade costumeira em conta, como

fazem os participantes integrais em eventos diários. Sua

posição é aquela do realismo crítico. Nos termos usados por

POWDERMAKER em uma monografia clássica sobre trabalho

de campo etnográfico, o observador participativo tenta

continuamente ser simultaneamente um estranho e um amigo

no ambiente do campo (POWDERMAKER 1966; WAX 1971).

A observação participativa ocorre através da presença em

primeiro lugar em cenas imediatas das vidas diárias dos

membros do grupo social que está sendo estudado. Isto coloca

a situação social no centro do trabalho do observador

participativo. O pesquisador tenta seguir os informantes-


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chave através da escala mais ampla possível de situações que

ocorrem em suas órbitas diárias (na órbita diária como uma

unidade de análise de pesquisa sociolingüística, ver a

discussão no artigo sobre etnicidade, número 13). As questões

cruciais para a representatividade e adequabilidade na coleta

de dados envolvem as decisões do pesquisador sobre onde

ficar no tempo, espaço e relação social com as outras pessoas

na comunidade ou ambiente social que está sendo estudado.

Estas são decisões sobre como participar com os outros, que

situações monitorar repetidamente, quais monitorar não

freqüentemente e quais não monitorar de modo algum. O

pesquisador pode escolher evitar monitorar certas situações

porque elas não têm interesse científico. Situações podem

também não ser monitoradas por considerações éticas ou

logísticas.

Idealmente o pesquisador tenta variar os tipos de participação

e maximizar tanto a escala de situações monitoradas e a

freqüência de situações monitoradas em vários pontos ao

longo da escala. É necessário “revisitar” situações similares


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freqüentemente, porque a complexidade do fenômeno

observado é tão grande que o pesquisador não pode

compreender tudo em uma única observação, dado os limites

humanos de processamento de informação. Através de

repetidas observações de um tipo particular de evento, o

pesquisador pode dar atenção seletivamente a diferentes

aspectos do evento, desenvolvendo assim com o tempo uma

compreensão cumulativa de todo o evento, o que não seria

possível em uma única observação. A gravação permite uma

revisitação dos eventos vivenciados, e isso pode promover

uma grande na descrição de pequenos detalhes da

performance comportamental (ver CORSARO 1982,

combinando gravador com observação participante). Mas

repassar a fita repetidamente não permite a experiência de

aprendizado crucial de observação participante. Esta é apenas

disponível primeiramente através de participação pela qual o

observador, adotando parcialmente os papéis dos membros

do evento, pode testar através da ação várias hipóteses de

trabalho sobre convenções de apropriação e pode também


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 33

desenvolver entendimento enfático de perspectivas de

membros.

Durante a observação ou imediatamente após, o observador

escreve narrativamente notas descritivas sobre o

comportamento verbal e não verbal dos participantes nos

eventos observados. Além da descrição das notas de campo

pode incluir breves passagens de especulação teórica sobre o

significado do que foi observado, bem como breves notas

sobre as suas reações emocionais. Estas notas de comentário,

bem como o conteúdo de descrição nas notas se torna um

registro da perspectiva do observador sobre as ações e

eventos observados. Muitos pesquisadores mantêm um diário

adicional no qual maiores reflexões e impressões são

registradas. As notas de campo e as entradas no diário podem

ser estudadas mais tarde para a evidência de mudanças na

perspectiva do observador, já que a lógica da pesquisa no

campo envolve um processo de resolução progressivo de

problemas no qual o observador está aberto a novas

perspectivas que se desdobram durante o curso do trabalho


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de campo. O observador participante está assim criando um

corpo de registros documentais para revisão futura, em

contraste com o historiador que busca documentos já

existentes para revisar.

Se as notas são escritas in situ elas são escritas mais

plenamente na primeira oportunidade, antes de voltar ao

cenário do campo. Uma regra de ouro é que o tempo levado

para escrever as notas deve ser aproximadamente o mesmo

que na observação de campo. Freqüentemente em etnografia

sociolingüística, registro em áudio e vídeo podem

acompanhar a escrita de notas de campo. Neste caso as notas

de campo incluem informações sobre os registros, e a

descrição escrita forma um índice dos conteúdos das

gravações. Quando a gravação acompanha as notas de campo,

o observador está de algum modo livre para cobris

largamente a observação já que a gravação irá fornecer

informações para uma transcrição literal. O registro é feito

muito simplesmente, já que o propósito não é produzir um

registro tecnicamente ou esteticamente de alta qualidade,


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 35

somente uma fonte de dados razoavelmente exata. A

simplicidade do registro deixa o pesquisador livre para

escrever ou tomar algumas notas. Mesmo quando a gravação

está sendo feitas, o observador tenta escrever um relato tão

completo nas notas quanto possível, já que as notas escritas

contêm uma perspectiva interpretativa e foco que não estão

disponíveis na gravação. Para descrição da escrita de notas de

campo, ver SCHATZMAN & STRASSUS 1973, 94-107; Agar

1979, 11; e BOGDAN & BIKLEN 1982, 1982, 74-93. Para

discussão de áudio e gravação visual em trabalho de campo

em sociolingüística, ver GRIMSHAW 1982 a e b, e ERICKSON

1986.

O segundo método principal de coleta de dados em etnografia

é a entrevista. Esta fornece evidências das perspectivas dos

participantes bem como evidências com relação aos eventos

que o pesquisador não foi capaz de observar em primeira

mão. Freqüentemente no trabalho de campo etnográfico a

entrevista é feita informalmente. Quando um evento está

acontecendo o pesquisador poderá fazer algumas perguntas


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 36

sobre as ações que estão ocorrendo, ou poderá fazê-las

imediatamente depois. Geralmente nestes períodos informais

e breves de obtenção de respostas, o etnógrafo está seguindo

intuições interpretativas que surgem no momento. Em

entrevistas mais formais o pesquisador pode testar hipóteses

interpretativas mais exaustivamente, usando técnicas

etnosemânticas de obtenção de respostas (TYLER 1969; Agar

1980, 97-98), Técnicas Q-tipos (KERLINGER 1972;

STEPHENSON 1953), uma pesquisa sociolingüística, ou um

cronograma de entrevistas estruturadas no qual questões

abertas podem ser exploradas em profundidade: IVES (1974);

e GORDON (1980). Se uma entrevista formal é gravada em

áudio será ainda bom tomar notas durante a entrevista. Estas

notas servem mais tarde como um índice pra os conteúdos do

registro em fita. Geralmente em pesquisa etnográfica, porém,

a entrevista é feita menos formalmente do que em outras

abordagens para pesquisa que não empregam observação

participativa extensiva como fonte principal de dados. As


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notas de entrevista informal na entrevista são escritas

retrospectivamente.

Um dos propósitos principais da entrevista é fornecer

evidências referentes aos pontos de vista dos participantes

que estão sendo estudados. As evidências das entrevistas

podem confirmar ou não confirmar as inferências sobre os

pontos de vista dos participantes que foram feitas pelo

pesquisador com base na observação participativa. Esta

comparação de evidências através de fontes de dados

diferentes é chamada triangulação. Ela fornece uma

verificação de validade e é uma das razões principais porque

a pesquisa etnográfica emprega métodos múltiplos de coleta

de dados.

Os documentos locais são outra fonte de evidências

importante, se a população estudada é alfabetizada. A

entrevista, a coleta de cópias de registros escritos, anúncios,

memorandos e cartas no cenário fornecem maior triangulação

pala qual as inferências interpretativas podem ser testadas, já

que fornecem evidências sobre eventos que o observador não


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pode testemunhar diretamente. Para discussão sobre coleta e

uso de documentos locais, ver BOGDAN & BIKLEN 1982, 97-

102; HAMMERSLEY & ATKINSON 1983, 127-143.

3.2. ANÁLISE DE DADOS

O trabalho de campo etnográfico já foi descrito como um

processo progressivo de resolução de problemas. É assim

importante notar que a análise de dados começa quando o

observador ainda está no cenário de campo e continua mesmo

após o tê-lo deixado. Geralmente o tempo que é necessário

para a análise de dados e relato após deixar o cenário de

campo deve ser tão longo quanto o tempo gasto fazendo

trabalho de campo. Esta é uma importante consideração

prática ao planejar-se pesquisa etnográfica em

sociolingüística, já que tal pesquisa é trabalho intensivo

durante não só a análise como durante a coleta de dados.

A análise de dados envolve uma revisão repetida dos

registros documentais que foram coletados durante o trabalho

de campo. Enquanto a observação participativa progride, o

pesquisador pode reler as notas de campo e ouvir as fitas de


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áudio enquanto as hipóteses interpretativas estão se

desenvolvendo, sinalizando as decisões estratégicas sobre os

próximos passos da coleta de dados , quais os tipos de

eventos a serem mais observados, a quem entrevistar, etc.

Após a fase da coleta de dados, o pesquisador revisa o corpo

inteiro de notas de campo e os documentos locais. Os

registros de entrevistas e das interações que ocorreram

normalmente podem ser revistos em sua totalidade ou podem

ser revistos mais seletivamente, usando-se os índices

disponíveis nas notas que foram tomadas na hora do registro.

Neste ponto o pesquisador trabalha muito como um

historiador que também revê o corpo total dos registros

documentais disponíveis. Os propósitos da revisão de dados

extensiva são três: (1) descobrir os padrões recorrentes e

temas no cenário que foi estudado (ex: descobrir que um certo

registro foi tipicamente usado em uma certa situação ou que

recursos similares retóricos ou narrativos foram usados por

vários indivíduos em um certo papel); (2) descobrir casos

discrepantes que não se encaixam nos padrões gerais


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inicialmente identificados e (3) identificar as mudanças do

pesquisador na perspectiva interpretativa durante o curso do

trabalho de campo, como evidenciado pela análise do

conteúdo da descrição narrativa e dos comentários adicionais

que apareceram nas notas de campo.

Os registros em áudio e vídeo são, neste estágio, convertidos

em documentos pela transcrição de informações que eles

contêm sobre comportamento verbal e não verbal na atuação

de falar. A seleção do material a transcrever - que eventos,

quantos de cada, que seções de evento, quais porções de

entrevistas - é feita inicialmente com base nos padrões que

apareceram nas notas de campo. Estes padrões então são

verificados pela triangulação cruzada com as evidências que

aparecem nas transcrições. Os objetivos da microanálise

sociolingüística de registros são (1) fornecer um registro

detalhado do comportamento em eventos típicos; (2)

descobrir nos registros detalhados, discrepâncias dos padrões

típicos que emergiram das evidências descritivas encontradas

largamente nas notas de campo e (3) descobrir princípios


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subjacentes de organização na conduta de fala (ex: relações de

influência mútua entre falantes e ouvintes, a negociação

conjunta dos inícios, padronização cultural do uso da

prosódia verbal e gestual como sinais de coerência no

discurso e tomada de rumo conversacional). Para discussão

de questões substantivas e métodos na análise de dados

transcritos de registros por máquina, ver ERICKSON (1982);

KENDON (1977, 440-505; 1981 1-56); e GUMPERZ, AULAKH

& KALTMAN (1982).

A questão chave em análise de dados é contrastar ao longo de

certas linhas analíticas. O pesquisador busca padrões

recorrentes de co-ocorrência entre modos contrastantes de

falar, situações sociais, papéis e identidades sociais, diferenças

de grupo e subgrupo (inclusive diferenças culturais) e

diferenças individuais dentro da população que está sendo

estudada. Ao identificar estes contrastes e padrões de co-

variação, a distinção entre ocorrências típicas e atípicas é

crucial. Esta é a razão da pesquisa por casos de discrepância

estatisticamente esporádica ser tão importante na análise de


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dados etnográficos. O caso estatisticamente esporádico pode

ser especialmente analiticamente revelador também, porque

força o pesquisador a mudar inteiramente a análise padrão

que era baseada nos casos típicos estatisticamente freqüentes,

ou porque um aspecto particular do caso de discrepância dá

uma nova luz no padrão inteiro, ou seja, é uma das exceções

que prova a regra.

É, portanto desejável pesquisar o corpo de dados pelos casos

discrepantes, ou por revisão exaustiva de todos os casos em

um dado fenômeno de interesse ou usando alguns meios

sistemáticos de amostragem através do número total de casos.

Estes procedimentos de revisão reduzem o risco de que o

pesquisador irá inadvertidamente passar por cima de casos

discrepantes.

A tendência de se ignorar os casos discrepantes é um

problema na análise etnográfica, especialmente em seus

primeiros estágios. Ela leva ao que pode ser chamada a falácia

da hiper tipificação. Esta falácia deriva do fechamento

prematuro na análise indutiva de dados. Durante a análise de


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dados, que começa quando a coleta de dados ainda está sendo

feita, o pesquisador necessita continuar a gerar interpretações

competitivas após ter induzido uma interpretação inicial. No

entanto a ambigüidade envolvida em se fazer interpretações

alternativas pode não ser satisfatória. A necessidade de

fechamento pelo pesquisador pode levá-lo a cortar hipóteses

alternativas muito cedo. Uma vez descobrindo o que parece

ser um padrão regular de co-variação de dados, o pesquisador

tende daquele ponto em diante a ignorar as exceções ao

padrão recentemente descoberto. Assim ele deixa de

apreender a partir das evidências não confirmadoras.

Conduzir pesquisas deliberadas para um fechamento

prematuro e analítico e hipertificação. Para a discussão de

análise de dados discrepantes e do processo mais amplo de

indução analítica da qual ela é parte, ver o ensaio original por

LINDESMITH (1947) e o comentário mais recente por

SCHATZMAN & STRASSUS (1973), HAMMERSLEY &

ATKINSON (1983, 200-2004) e ERICKSON (1986, 144, 146-

149).
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3.3. RELATO DE DADOS

Relativamente pouco tem sido escrito sobre relato de dados.

Muito mais tem sido escrito sobre as questões éticas

envolvidas do que sobre as questões técnicas da construção de

relatos em pesquisa etnográfica.

Talvez a melhor maneira de se aprender sobre as questões

técnicas de relato de dados seja ler alguns exemplos clássicos

de etnografia criticamente, considerando a monografia

etnográfica em forma de livro como um gênero literário.

Exemplos particularmente bons para este propósito são os

relatos em forma de livro tais como MALINOWSKI

(1922/1961); FITH (1936/1963); SHIEFFELIN (1975); e BASSO

(1979); e os relatos em forma de capítulo em BAUMAN &

SHERZER (1974); GUMPERZ (1982b) e TANNEN (1984).

Outro recurso para exemplos é o artigo de revisão por

SHERZER (1977).

Ao se revisar exemplos de relatos é importante ter em mente

dois conjuntos de distinções: aquelas entre distinção geral e

particular e aquelas entre relato descritivo e comentário


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 45

interpretativo de acompanhamento. Qualquer relato de

pesquisa etnográfica se alterna entre estes tipos de escrito

enquanto um meio de apresentar evidências e de tornar as

evidências compreensíveis ao leitor.

A descrição particular é o centro do relato. Ela é encontrada

em vinhetas narrativas ricamente descritivas da interação

social observada durante o trabalho de campo, em

transcrições de fala e comportamento não verbal por máquina

e em cotações diretas de entrevistas com informantes. Tais

descrições relatam evidências e explicam ao leitor os

construtos analíticos mais significativos que emergiram da

pesquisa.

Tanto o relato como a explicação são feitos por

exemplificação. Considere, por exemplo, uma asserção geral

como “Pessoas são muito indiretas exercendo controle social

através da fala” ou “A narrativa oral é um meio altamente

valorizado de arte verbal na comunidade.” As ilustrações

dessas generalizações por vinhetas narrativas especificam ou

transcrições detalhadas não somente mostra que a não direção


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e a região positiva da comunidade à narrativa oral realmente

ocorreu no cenário de campo, mas também ajuda a explicar o

que significam as noções de não direção, controle social,

narrativa oral e reação positiva da comunidade à execução da

narrativa oral. Sem a descrição particular, um relato

etnográfico é ambíguo, porque seus construtos analíticos são

altamente abstratos, enquanto os aspectos da atuação verbal e

não verbal, são altamente concretos e específicos à situação. A

descrição particular ajuda ao leitor ver e ouvir como se

estivesse vivenciando a performance situada que está sendo

relatada.

Sem enquadramento interpretativo, porém, os detalhes de

comportamento da descrição particular podem ficar

inarticulados. A visão geral é necessária para tornar claras as

relações figura-fundo ao leitor. Este enquadramento é

fornecido de duas maneiras: por descrição geral que é

sumária em potencial e por comentário interpretativo que

acompanha casos de descrição particular no texto do relato.


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A descrição geral ou sumária relata padrões que se obtém

através de conjuntos de casos tais como aqueles que são

relatados por descrição particular na forma de vinhetas

narrativas ou transcrições de fala. Nem todos os casos de um

fenômeno particular que estejam disponíveis no corpo de

dados podem ser relatados. O pesquisador relata somente os

casos que são mais vívidos ou que contém aspectos de

especial interessa analítico. A descrição geral torna claro onde

os exemplos relatados se encaixam nos padrões totais de

dados. Freqüentemente isto é feito mostrando-se formalmente

como os vários exemplos relatados são casos típicos ou

atípicos de um fenômeno. (A distinção entre tipicalidade e

atipicalidade foi notada na seção anterior como sendo

analiticamente crucial). As evidências para tipicalidade e

atipicalidade são um assunto de distribuição freqüente e

algumas descrições gerais relatam as distribuições

sumariamente, ou em palavras ou em números que aparecem

em quadros de freqüência simples.


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Enquanto a descrição geral não ajuda ao quadro da descrição

particular, a descrição geral em si pode necessitar de algum

enquadramento. Assim um texto etnográfico também inclui

comentários interpretativos que acompanham relatos

descritivos. Os segmentos de descrição são usualmente

precedidos e seguidos por segmentos de comentários, com

relato e comentários se alternando no texto como contas em

uma corrente. Por causa da tendência do leitor em ficar

confuso com os detalhes da descrição particular os

comentários interpretativos são necessários para ele não

perder o sentido do quadro geral do estudo.

Os dois erros mais comuns dos iniciantes em relato

etnográfico têm a ver com o balanço entre descrição e

comentários de enquadramento no texto. Muitos iniciantes

subestimam a necessidade do leitor de comentários e

produzem um texto que é rico em detalhes mas virtualmente

ininteligível para alguém que não tenha sido um observador,

em primeiro lugar, no cenário descrito. Alguns iniciantes, em

uma tentativa de manter a visão sinótica clara ao leitor,


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 49

apresentam muito poucas descrições particulares. Tal texto

pode ser altamente coerente, mas é empiricamente

inadequado já que as evidências primárias às declarações

analíticas do autor, que são encontradas na descrição

particular, não são registradas. O autor faz declarações sem

garantia de evidências. Qualquer dos dois extremos,

fornecendo muito poucas evidências detalhadas, ou

fornecendo muito poucos comentários de enquadramento,

devem ser evitados ao se relatar pesquisa etnográfica. Para

discussão das questões técnicas do relato ver BOGDAN &

BIKLEN 1982 171-183; HAMMERSLEY & ATKISON 1983,

207-232 e ERICKSON 1986, 149-156.

Além das questões técnicas de relato, existem questões éticas

envolvidas também. As principais questões éticas em relatos

etnográficos dizem respeito ao risco pela publicação de

descrição particular de ações diárias daqueles que estão sendo

estudados. A descrição geral e os comentários interpretativos

geralmente não colocam os indivíduos em risco porque suas

identidades como indivíduos não ficam claras. Algum risco


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pode surgir de uma tendência a estereotipação que é inerente

em asserções pejorativas feitas sobre uma população como um

todo, por exemplo. “Nesta cidade esconder a verdade dos

oficiais do governo e forasteiros era ubíquo”. Com alguma

sensibilidade à reputação do grupo social local sendo

estudado, tais convites a julgamentos prejudiciais pelos

leitores podem ser evitados.

O assunto da descrição particular levanta dilemas éticos

complexos. Por um lado, a descrição particular (quando

acompanhada por descrição geral que estabelece a

tipicalidade) fornece a base empírica mais forte possível para

conclusões analíticas que são estabelecidas pelo pesquisador.

Por outro lado, a descrição particular revela detalhes

específicos das ações diárias de indivíduos que podem ser

embaraçosas. Um modo de minimizar o risco de embaraço ou

sanções legais dirigidas contra aqueles que se estudou é pedir

a membros representativos do grupo estudado para revisarem

um rascunho do relato de pesquisa. Isto é possível quando a

população estudada contém membros que sejam


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alfabetizados na língua na qual o relato vai ser escrito. Outra

maneira de minimizar o risco, uma que é possível se o relato

puder ou não ser revisado pelos que este descreve, é ter o

relato revisado por questões éticas de um colega cientista.

Dada a complexidade dos dilemas éticos que podem surgir, é

uma boa precaução submeter o relato a algum tipo de revisão

com as questões éticas em mente.

As gravações do cenário que foi estudado nunca devem ser

passadas para audiências de fora sem o consentimento

explícito daqueles cujo comportamento foi registrado, mesmo

se as audiências forem reuniões profissionais de colegas

cientistas ou estudantes. Se áudio-teipes ou filmes editados

forem antecipados ou a transmissão do material o for, deve

ser buscado o consentimento por escrito para tais usos. É bom

fazer os informantes mesmo revisarem as porções do registro

em áudio ou vídeo que serão mostradas à audiência. Em

algumas nações, por exemplo, os Estados Unidos, o

consentimento informado para pesquisa social é agora

legalmente exigido e isto inclui o uso da média de gravações.


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Em alguns casos o consentimento verbal dos informantes

pode ser suficiente, e em outros casos há necessidade do

consentimento escrito. Para discussão das questões éticas

envolvidas na pesquisa que usa a observação participante, ver

CASSELL & WAX 1980.

3.4. PROBLEMAS E PROPRIEDADES DA DESCRIÇÃO ETNOGRÁFICA

Como em todos os outros métodos de pesquisa, a etnografia

tem sérios limites bem como forças significativas. O problema

principal de adequabilidade nas descrições etnográficas será

revisado brevemente, começando com o problema mais

tratável e concluindo com o menos tratável, assim as

possibilidades mais significativas desta abordagem de

pesquisa serão revisadas.

O mais tratável dos problemas da etnografia é ela não ser

sistemática na coleta e análise de dados, produzindo

conclusões que são incorrigíveis, isto é, não falsificáveis. Na

análise final de dados, naturalmente, as conclusões da

pesquisa interpretativa nunca são fixas ou finais. Para a

etnografia, porém, em parte o equívoco é devido à dificuldade


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na tentativa do trabalho empírico. O observador participante

não pode estar em toda parte ao mesmo tempo. Nos dados de

trabalho de campo, a qualidade em um aspecto do estudo

deve continuamente ser sacrificada no interesse de maximizar

a qualidade dos dados em outro aspecto do estudo. Após ter

deixado o local de campo, o pesquisador pode perceber em

retrospecto porque algumas das decisões de triagem na coleta

de dados parece terem sido erradas.

Admitidamente, alguns etnógrafos têm sido não sistemáticos

ao manusear as evidências após terem sido coletadas. A

preocupação com a validade e com a produção de descobertas

significativas muitas vezes encobre a preocupação com a

confiabilidade dos dados e com apresentação de evidências

claras para as conclusões. Além disto, por causa da

abrangência da descrição etnográfica, é difícil agrupar as

evidências adequadamente através da escala completa de

questões abordadas em um estudo típico. Um relato

etnográfico contém proposições altamente abstratas em

relação aos padrões da estrutura social, cultura e uso da


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língua e ao mesmo tempo contém descrição muito concreta.

Um destes níveis de discurso em relato é freqüentemente

encoberto no interesse de enfatizar o outro.

Os problemas de adequabilidade comprovado não são

inteiramente intratáveis, no entanto. A discussão da coleta de

dados e a análise aqui apresentada, e a literatura recente sobre

métodos de pesquisa enfatizam para se tomar cuidado ao

agrupar as evidências no sentido de garantir as asserções.

Combinar descrição particular com pesquisas sinóticas de

padrões mais amplos de dados é um modo de mostrar as

evidências mais claramente do que eram feitos em relatos

etnográficos anteriores. No trabalho sociolingüístico,

combinar evidências de transcrições gravações é outro modo

de ser explícito sobre a garantia comprovada para certos tipos

de asserções. O problema permanece, porém, dado o escopo e

complexidade da tarefa da pesquisa etnográfica.

Menos tratável do que os problemas da adequabilidade é a

tendência para se tornar a análise mais clara e nítida do que a

vida, ignorando as contradições que aparecem nos casos


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discrepantes. O retrato da vida diária como hipertípico é uma

responsabilidade séria em etnografia porque ela tem raízes

não somente nas dificuldades empíricas, mas também nos

fundamentos teóricos subjacentes da pesquisa. Os terrenos

empíricos para hipertipificação já foram discutidos. Eles

aparecem primeiro na coleta primária de dados. O

trabalhador de campo coleta a maior parte das evidências em

eventos que ocorrem freqüentemente, menos evidências em

ocorrências atípicas daqueles eventos, e a menor evidência em

eventos raros. Os eventos observados são fenômenos

extremamente complexos. Por causa da natureza da análise

etnográfica como resolução progressiva de problemas, o

pesquisador é capaz de aprender mais sobre os eventos

típicos do que sobre aqueles que ocorrem menos

freqüentemente, já que o mesmo tem muito mais

oportunidades de observar os eventos típicos. Então a

tendência a fechamento prematuro na geração de hipóteses e

testagem leva o pesquisador a ignorar casos discrepantes. O

resultado é uma ênfase no relato feito: sobre a ubiqüidade dos


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padrões que se ramificam através de muitas situações e redes

sociais nas vidas diárias da população estudada. Nesta

consistência descoberta dos padrões uma ilusão, um artefato

de coleta de dados e análises? Por causa das dificuldades

inerentes ao trabalho empírico a resposta àquela questão às

vezes não é clara.

Os fundamentos da etnografia na teoria social subjacente são

outra fonte de influência na direção da hipertipificação,

apresentando problemas muito sérios para o pesquisador. As

comunidades primitivas, estudadas pelos antropólogos,

foram vistas primeiro como discretas e isoladas. Elas foram

vistas como geográfica e historicamente separadas de outras

comunidades e foram observadas em um ponto no tempo

somente, isto é, os padrões de organização social e cultural

que os pesquisadores descobriram foram analisados

sincronicamente, sem referência a influências históricas

anteriores. (Isto foi parcialmente devido a uma reação contra

o historicismo que prevalece na antropologia do século XIX


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com seus interesses centrais e teorias de testagem da evolução

cultural).

A ênfase na consistência do padrão e no sincrônico na

pesquisa etnográfica tradicional resultaram em uma visão

estática da ordem social e uma visão homeostática do

processo social. A teoria social subjacente, uma versão

formalizada a qual é chamado funcionalismo estrutural, não

leva em conta adequada as contradições internas, o conflito e

a mudança, nem fornece um modo de localizar as

comunidades locais na estrutura social mais ampla e na

economia política de entidades como a estado-nação.

Enquanto esta perspectiva teórica, parcialmente explícita e

parcialmente implícita e intuitivamente mantida pelos

pesquisadores, poderia servir ao propósito de pequena escala

de se dar um primeiro olhar nas unidades sociais de pequena

escala das sociedades primitivas, pareceu crescentemente

inadequada quando o desenvolvimento político e econômico

ocorreu nas antigas sociedades coloniais, e quando a atenção

da pesquisa se voltou para as populações locais dentro das


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sociedades complexas caracterizadas pela diversidade e

estratificação em classe social, raça, língua e cultura.

Duas linhas de crítica emergiram que levam a etnografia

tradicional seriamente à tarefa pela inadequabilidade teórica.

A primeira é a teoria Marxista e a teoria crítica neo-Marxista.

A partir destas perspectivas a tendência da etnografia em

tomar uma posição de relativismo cultural e de ignorar as

contradições internas nas vidas das pessoas estudadas é vista

como politicamente tola e irresponsável, fornecendo

justificativa romântica para um status quo social por análise

que mascara a opressão do menos poderoso pelo mais

poderoso. A segunda linha de crítica vem da teoria

etnometodológica em sociologia. Desta perspectiva a

tendência da etnografia para enfatizar as regras culturais e a

socialização como influencias principais sobre o

comportamento é vista como produzindo uma visão muito

estática da atuação contextualizada, subestimando a

importância da produção local e retratando a ação social

mecanicamente como se os atores sociais não fossem


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fazedores de sentido ativos que tomam a ação

adaptativamente, mas fossem autômatos que seguissem

roteiros culturais pré-programados para comportamento

apropriado.

Estas são críticas sérias, mas infelizmente só podem ser

mencionadas aqui de passagem. Cada abordagem de

pesquisa tem limites e fraqueza e cada uma tem forças e

produções compensadoras. As principais produções da

etnografia para a pesquisa sociolingüística estão na amplidão

de sua visão e em seu interesse em detalhes concretos de uso

de linguagem em atuação contextualizada.

Vamos revisar brevemente as produções da descrição

etnográfica que compensam por suas responsabilidades

reconhecidas. A amplitude de visão da etnografia é

encontrada na perspectiva do holismo e no foco em

comparação societária cruzada e cultural cruzada. Ela

compartilha esta amplitude de visão, mostrada em uma

manifestação de algum modo diferente, com a teoria Marxista

e neo-Marxista. O interesse da etnografia no concreto está na


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 60

preocupação por atividades de rotina que ocorrem

naturalmente em indivíduos específicos quando retratadas em

descrição narrativa vívida ou em transcrições de seu

comportamento verbal e não verbal. Em comum com outras

formas de pesquisa interpretativa, a etnografia vê a interação

social diária como um texto que seja multivocal e assim aberto

a uma variedade de leituras. A etnografia, especialmente

quando focaliza os modos menos estilizados de falar em

atividades de fala, compartilha com o analista conversacional

em etnometodologia um interesse no uso improvisado e

adaptativo de padrões culturais como recursos de produção

em atuação contextualizada.

Em suma, o valor da descrição etnográfica em sociolingüística

pode ser maior quando combina seu interesse em amplitude e

generalidade com seu interesse específico concreto. Tal

pesquisa nos ajuda a ver mais claramente as relações de

influência mútua que se obtém que HYMES (1974, 29ff)

chamou “a interação da linguagem e vida social”. A

etnografia nos mostra esta interação social em relação com os


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 61

modos específicos de falar. Ao fazer isto a boa etnografia faz

uso deliberado de métodos múltiplos de coleta de dados e de

modos variados de descrição e análise.

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Capítulo 2

Etnicidade
Frederick Erickson 2
1. Definição
Etnicidade é um termo cuja definição é genérica. No emprego

usual há uma considerável superposição entre os termos em

inglês etnicidade, nacionalidade e raça (especialmente ao

considerar o uso deste termo no século XIX e no início do

século XX) e a palavra alemã “Volk”. Há níveis etimológicos

para esta polissemia uma vez que o nome original grego no

plural “ethnoi” se refere a tribos e nações não helênicas do

mundo antigo (por exemplo, trácios, persas, egípcios). O

“ethnos” foi um grupo que ocupou um território particular

cujos membros partilhavam língua e cultura distintas. No

entendimento popular, etnicidade significa ainda uma cultura

2 - Esse texto traduzido com autorização do autor, por Carmen Lúcia Guimarães de Mattos. Foi

originariamente publicado sob o título Etninicity, In Sociolinguistics An International

Handbook of the Science of Language and Society e editado por Herausgegeben von Ulrich

Ammon, Norbert Dittmar Klaus J. Mattheir, First Vol. Walter de Gruyter, Berlin. New York, pp. 91-

95, em 1987
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 70

distinta dentro do grupo. Em um entendimento mais técnico,

cultura partilhada e estilo de linguagem distinto não são

necessariamente atributos definidores de etnicidade.

O termo etnicidade, correntemente adotado pelas ciências

sociais, se refere à uma coletividade na qual os integrantes são

socialmente definidos em termos de descendência (FRANCIS

1976,6). Portanto, status étnico é atribuído e não alcançado. O

status étnico é também ecologicamente relacional no sentido

de que o agregado étnico, enquanto grupo de interesse

político baseado na descendência, é um grupo dentre outros,

pertencente à uma entidade política mais ampla, hoje

normalmente chamada de nação-estado. Por isso, a ecologia

política e cultural do grupo étnico é fundamental para a

própria organização interna, social, cultural e lingüística.

A inclusão de um grupo étnico, dentro de uma unidade social

mais ampla pode ocorrer de diversas maneiras. O grupo

étnico pode ser um conjunto de pessoas vindas de uma nação

residindo em outra como minoridade imigrante, por exemplo,

os turcos na Alemanha, molucanos na Holanda, italianos nos


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 71

Estados Unidos e Austrália. Entretanto, o grupo étnico não

precisa ser necessariamente um grupo imigrante. Pode ser um

conjunto de pessoas que, devido a deslocamentos históricos

de fronteiras nacionais, são um grupo minoritário em uma

região e majoritário em outra região (ex: suecos na Finlândia e

na Suíça, Pathans na Índia e no Afeganistão, mexicanos no

estado do Novo México, nos Estados Unidos e no estado de

Sonora no México). Nos países em desenvolvimento, os

grupos tribais indígenas que formaram entidades políticas e

territoriais distintas anteriormente ao período colonial, podem

funcionar como grupos étnicos no estado-nação pós-colonial.

Este processo de etnização pela inclusão em uma maior

entidade política ocorreu, outrora, quando os impérios foram

estabelecidos e, dentro dos quais, um ou mais grupos étnicos

puderam constituir um estado cliente, (por exemplo: tchecos e

eslovacos dentro do império Austro-Húngaro, judeus e

fenícios dentro da província da Palestina no Império Romano

- HUNT & WALTER 1974). Devido a mudanças freqüentes

sofridas pelas fronteiras nacionais, ao surgimento do estado-


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 72

nação e à atual ubiqüidade da migração mundial, a

diferenciação étnica caracteriza virtualmente toda a sociedade

moderna.

Os termos de auto-referência usados pelos grupos étnicos

imigrantes apontam para a prioridade de se estabelecer uma

definição político-social a propósito da cultura comum como

atributo definidor do status étnico. Entre os grupos

imigrantes, uma categoria de identificação mais abrangente,

como termo de auto-referência, freqüentemente substitui uma

categoria de identificação mais específica e local, que teve

destaque no país de origem. Neste sentido, diferenças

regionais podem ser transferidas, como por exemplo, de

imigrantes da Saxônia e Bavária nos Estados Unidos adotando

o termo germano-americano como termo de auto-referência e,

imigrantes da Calábria, Sicília e Toscana chamando-se a si

próprios de ítalo-americanos. Em ambos os casos, os

imigrantes começaram a usar um termo de identificação

nacional no seu novo país, antes da unificação política das

regiões em um único estado-nação ter ocorrido em seu país de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 73

origem. Esta relação entre definição política e membros de um

grupo aponta para uma ocorrência comum de diversidade

cultural e lingüística dentro de um agregado de identificação

étnica, como por exemplo, as diferenças dialéticas entre

italianos do norte e do sul que foram tão grandes que nos

casamentos entre calabreses e toscanos, o inglês passou a ser a

língua falada pelos cônjuges como uma língua franca

(ZORBAUGH 1929, 170).

Tanto nos grupos étnicos imigrantes quanto nos grupos

étnicos indígenas residentes, a relação entre a pertinência a

um grupo étnico e a pertinência a um grupo lingüístico e

cultural é uma questão em aberto. Pode-se esperar uma

variação lingüística considerável dentro de um grupo étnico.

(Na verdade o que pode ser mais surpreendente não é a

diferença cultural dentro de um agregado étnico, mas a sua

similaridade cultural). Esta variação pode ocorrer em outras

dimensões da identidade social, consideradas neste volume

como, por exemplo, gênero, idade, geração, classe social, bem

como em função da residência e da infra-estrutura


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 74

institucional. Populações étnicas específicas diferem na

extensão em que os membros do grupo étnico tendem a

residir geograficamente próximos (como em vilas rurais

etnicamente homogêneas ou guetos urbanos) e tendem a altas

proporções de contato grupal diário, devido à especialização

ocupacional étnica e à participação freqüente em organizações

etnicamente homogêneas religiosas, educacionais fraternais e

políticas.

2. Etnicidade e Outros Componentes da Estrutura Social


A chave para o entendimento da variação cultural dentro de

um grupo pode estar em descobrir as rotinas diárias dos

indivíduos para determinar se as diferenças sistemáticas

ocorrem entre, por exemplo, mulheres e homens de uma dada

classe social nos seus contatos inter e intra-étnicos. A rotina é

a seqüência inteira de situações sociais em que o indivíduo

durante sua vida diária encontra-se apenas com colegas de

etnia da mesma classe social. Outro indivíduo durante a

rotina diária pode encontrar-se com pessoas de diferentes

etnias e classe. Portanto, os dois indivíduos experimentam


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 75

rotineiramente ambientes distintos em termos de fala. Nós

podemos esperar que eles adquiram repertórios

sociolingüísticos distintos.

As rotinas diárias enquanto ambientes de comunicação verbal

podem variar, não apenas, do ponto de vista da quantidade

de contato que ocorre com outras etnias, mas também, do tipo

de contato por exemplo: há distinções na política da diferença

cultural e na diferença de linguagem ao longo das diversas

situações de contato, e estas podem influenciar no

aparecimento de aversão ou receptividade na adoção dos

estilos dos outros. Por isso, a micropolítica de interação em

situações de contato intergrupal pode influenciar nos padrões

de aquisição e uso de uma amplitude maior de estilos

sociolingüísticos por membros de uma comunidade ou rede

de fala dentro de um grupo étnico.

Estas observações foram constatadas por PIESTRUP (1973),

em um estudo sobre crianças negras da classe trabalhadora

em escolas. Ela estudou as crianças em dois diferentes tipos

de salas de aula: no primeiro tipo, as crianças eram


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 76

continuamente corrigidas por aquilo que a professora

aparentemente considerava como erros em sua fala (por

exemplo: os professores reagiram de forma negativa ao uso de

características fonológicas, sintáticas e de discurso do inglês

falado pelos negros); no segundo tipo de sala de aula, os

professores não reagiram negativamente à utilização pelas

crianças do inglês falado pelos negros. Curiosamente, nas

salas do primeiro tipo, a fala das crianças negras se tornou

cada vez mais fora do padrão, conforme o ano escolar

progredia, enquanto que nas salas de aula do segundo tipo

(nas quais o uso do inglês falado por negros não foi de forma

contínua considerado negativo) a fala das crianças se

aproximou mais do padrão de inglês conforme transcorria o

ano letivo. No primeiro conjunto de salas de aula, o estilo da

fala divergia entre o professor e os alunos, através de um

processo não-deliberado de resistência do aluno através do

qual a cultura oposicionista estava se desenvolvendo ao longo

do tempo. No segundo conjunto de salas de aula, no qual a

diferença de estilo de fala não era motivo de conflito


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 77

recorrente, a cultura oposicionista não se desenvolvia, pelo

menos não como um fenômeno lingüístico.

3. Auto-Apresentação e Identificação do Grupo.

3.1. Fronteiras e Limites Culturais


O caso de PIESTRUP pode ser entendido fazendo-se uma

distinção entre duas situações diferentes da política de

diferença cultural e lingüística entre grupos: situações que

envolvem fronteiras e situações que envolvem limites. Uma

fronteira cultural é uma noção semelhante à usada pelos

dialetólogos. Pode ser dita existente, sempre que alguma

diferença cultural regularmente identificável está presente

(por exemplo: as características - fonológica, sintática e de

discurso - pelas quais o inglês falado por negros e o inglês

padrão podem ser distinguidos). Em contraste, um limite

cultural existe quando a diferença cultural se transforma em

base para a localização diferenciada de direitos e obrigações

entre aqueles que estão em interação. Em um limite cultural, a

diferença de cultura é considerada como evidência de uma

categoria social superior ou inferior, ao longo das linhas de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 78

etnicidade, classe, gênero e tipo. Diferença cultural, neste tipo

de situação, se transforma em motivo para dominação ou para

conflito. Em contraste, na fronteira cultural a diferença de

cultura, que está presente, pode ser politicamente neutra,

pode ser conduzida de forma pragmática ou mesmo

desapercebida. Não é o que é mais ressaltado na interação e

não se transforma em áreas de conflito (veja discussão em

MCDERMOTT & GOSPODINOFF 1979, e em MCDERMOTT

& TYLBOR 1983, que elabora a formulação original de Barth

1969, 10-15).

As descobertas de PIESTRUP que ilustram exemplarmente a

distinção entre fronteiras e limites, não são únicas. As

descobertas lembram as de GILES & POWESLAND (1975)

que observaram que quando o afeto negativo era introduzido,

experimentalmente, nas conversações entre oradores de

diferentes dialetos regionais na Inglaterra, ao finalizarem a

conversação, tinham aumentado os traços do dialeto,

divergindo em seus estilos de fala, à medida que a

conversação progredia. Inversamente, se afeto positivo fosse


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 79

experimentalmente introduzido, o estilo da fala dos dois

interlocutores convergia. LABOV (1973) relatou que o dialeto

de habitantes de “Martha’s Vineyard”, uma ilha fora da costa

de Massachusetts, se tornou crescentemente divergente dos

do inglês-padrão através de uma geração. Durante o mesmo

tempo, veranistas que falavam o inglês padrão estavam indo

para a ilha em números crescentes e comprando propriedades

lá. Isto sugere que apesar dos habitantes da ilha estarem tendo

um contato cada vez mais intenso com as pessoas que falavam

o inglês padrão, este contato se deu sob algumas

circunstâncias negativas. Os moradores da ilha pareciam

demonstrar ambivalência em relação aos veranistas que, ao

mesmo tempo, eram fonte de benefício econômico e razão

para mudanças no modo de vida tradicional da ilha.

3.2. Esquizomogênese
PIESTRUP e LABOV ressaltam o fenômeno de cultura

oposicionista, neste caso o desenvolvimento progressivo de

divergência no estilo da fala entre os grupos. BATESON (1972,

107-127) inventou o termo esquizomogênese para se referir ao


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 80

processo de divergência progressiva entre grupos. Auto-

identificação pela demonstração de traços culturais é um

fenômeno que se aplica não só ao estilo da fala e linguagem,

como também a outros meios de auto-apresentação tais como

as roupas, os hábitos alimentares, lei de comportamento do

gênero. Este tipo de auto-apresentação se torna a marca de

identificação do grupo. A identificação pode ir além das

linhas étnicas, por exemplo: alguém pode se vestir de forma

distinta como um jovem ou como um cosmopolita urbano,

como um homossexual ou como um membro de um grupo

religioso. Freqüentemente o estilo da fala e outros aspectos do

desempenho, como vestimentas e hábitos alimentares, podem

encobrir os sinais distintivos de membros de um grupo; são

redundantemente codificados através de diferentes canais de

desempenho.

BARTH (1969, 14-18) se refere à codificação da identidade de

grupo em termos de desempenho estilístico visível e ou

audível como uma marca diacrítica de status. Portanto, o

estilo da fala pode ser uma marca de identidade étnica assim


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 81

como de outros tipos de identidade do grupo. A ênfase e o

significado simbólico destas características de identidade

lingüística (e a vontade dos indivíduos mostrarem-se ou

esconderem-se em situações de contato intergrupal) variam

de acordo com a situação política do grupo de identidade em

relação aos outros grupos na sociedade. A formulação de

Barth é útil por focalizar a etnicidade como uma classe de

identificação independente de cultura ou traços lingüísticos

como atributos de definição.

Esta teoria tem sido criticada por outros teóricos no sentido de

ser uma definição irrestrita, uma vez que, por sua extensão,

pode adequar-se a uma vasta classificação de categorias de

identidade, por exemplo: gênero, classe, orientação sexual. A

questão de classe é intrigante neste aspecto, uma vez que em

sociedades estratificadas em classes, nas quais a mobilidade

social de uma geração para a próxima é bastante improvável,

a classe social funciona como um grupo de origem. Assim, nas

sociedades altamente estratificadas em classes, as marcas de

cultura e lingüística do status de classe podem ser


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 82

consideradas análogas àquelas de etnicidade. Estas

características de identidade étnica e de classe são

reproduzidas de geração para geração (BOURDIEU &

PASSERON 1977) e são freqüentemente tomadas como

indicadoras de habilidade e motivação por aqueles que

tomam decisões institucionais que afetam a mobilidade de

outros, por exemplo: os que fazem recrutamento e seleção

para emprego, trabalhadores ligados à saúde e ao serviço

social, educadores. Estes julgamentos podem estar fortemente

balizados por preconceitos étnicos e de classe, mascarados por

uma ideologia de decisões racionais e universalísticas dentro

das quais as particularidades comportamentais características

da identidade de grupo são interpretadas como indicadores

de mérito individual (veja ERICKSON & SHULTZ 1982,

GUMPERZ 1982).

4. Etnicidade e Conflito Social


Em situação na qual haja pequeno conflito entre os interesses

de grupos étnicos e na qual as rotinas incluem freqüentemente

situações de contato inter-étnico, considerável assimilação


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 83

cultural e lingüística pode ser estabelecida ao longo das linhas

étnicas, especialmente dentro do mesmo nível de classe social.

Isto pode ser especialmente notado nos Estados Unidos: em

Boston, por exemplo, a classe trabalhadora de católicos

romanos ítalo-americanos e irlandeses-americanos ambos

falam um dialeto denominado em termos leigos de “irlandês

de Boston”. Trata-se de um registro de identificação religiosa

e de classe social que generaliza grupos étnicos, um exemplo

de solidariedade simbolizada entre descendentes de

imigrantes católicos, em contraste com a elite nativa de

ingleses protestantes. Isto não significa que não possa haver

competição econômica e distinções residenciais traçadas entre

os ítalo-americanos e os irlandeses americanos, mas o registro

lingüístico fornece para ambos um símbolo de distinção do

chamado estilo cultural Branco Anglo-Saxão Protestante

(BANSP) e White Anglo-Saxon Protestant-(WASP). Um

fenômeno similar parece estar ocorrendo em Londres onde,

apesar da intensa competição econômica entre a classe

trabalhadora de afro-caribenhos e a classe nativa de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 84

trabalhadores ingleses, os afro-caribenhos falam o mesmo

estilo de inglês da classe branca de trabalhadores ingleses.

Entretanto, em cidades dos Estados Unidos, afro-americanos

falam “o inglês dos negros”, um dialeto ou um registro que

difere do modo de falar da classe branca trabalhadora. Nas

cidades americanas se constata que adolescentes hispânicos

utilizam algumas características do inglês dos negros. O

resultado é que há uma “linguagem de rua” comum entre os

jovens não anglos da classe trabalhadora.

Parece que a assimilação do registro, sua manutenção e

desenvolvimento de novos registros como cultura

oposicionista estão relacionados à presença ou à ausência de

conflitos políticos entre os grupos. Estes relacionamentos não

são simples como sugere o exemplo de inglês afro-caribenho

de Londres. Neste caso, a cor da pele pode ser a marca mais

relevante de identidade racial para londrinos brancos e negros

e, conseqüentemente, o estilo da fala não funciona como

marca de identidade racial. Alguns se surpreendem porque

este não é o caso nos Estados Unidos onde a cor de pele


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 85

funciona também como uma marca de identidade racial e

onde há o conflito inter-racial e o estigma não menos intenso

que o de Londres. Uma possibilidade pode ser a escala de

tempo envolvida. A imigração afro-caribenha em larga escala

para Londres é um fenômeno relativamente recente, enquanto

que nos Estados Unidos, negros e brancos têm residido juntos

por centenas de anos - o suficiente para a esquizomogênese

cultural desenvolver-se e espalhar-se consideravelmente

através do tempo.

Para concluir, um ponto crucial nesta discussão foi o fato da

assimilação cultural e lingüística não serem inevitáveis em

sociedades multi-étnicas, sustentado por estudiosos como

GORDON (1964). Identidade étnica e estilo de fala não andam

juntos necessariamente, apesar de poderem fazê-lo. Pesquisa

trans-cultural e trans-nacional mostra que a identificação

étnica pode ser fortemente marcada pelo estilo de fala em

algumas situações e pode ser assinalada por outros tipos de

demarcação diacrítica em outras situações. Além disso, a

ênfase da identidade étnica pode variar de acordo com as


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 86

regiões dentro de uma nação bem como entre nações.

Portanto, parece que o significado simbólico do estilo de fala

em relação à etnicidade não pode ser presumido “a priori”.

Mas precisamente, no estágio de nosso conhecimento a

valência e a ênfase de identidade étnica e a relação disto com

o estilo de linguagem e o uso de linguagem devem ser

investigadas empiricamente, grupo étnico por grupo étnico e

sociedade por sociedade.

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Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 87

capítulo 3

Microanálise etnográfica de interação


Frederick Erickson3
A interface entre a etnografia e a microanálise: antecedentes
intelectuais e objetivos da microanálise
Um dos propósitos principais da etnografia na pesquisa

educacional é revelar o que está dentro das “caixas pretas” da

vida rotineira nos ambientes educacionais, identificando e

documentando os processos pelos quais os resultados

educacionais são produzidos. Os processos consistem em

ações de rotina e compreensão dos participantes em

ambientes educacionais que, porque são habituais e locais,

podem passar desapercebidos pelos praticantes e

pesquisadores. O estudo minucioso da interação através da

análise etnograficamente orientada dos registros audiovisuais

é um componente potencialmente útil de um estudo

etnográfico de educação. Não é uma alternativa para a

3 Esse texto traduzido com autorização do autor, por carmen lúcia guimarães de mattos. foi
originariamente escrito sob o título ethnographic microanalysis if interaction. foi divulgado na
university of pennsylvania, usa e até ser entregue a tradutora em 1991, não havia sido publicado, p.
1-38.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 88

etnografia mais geral, mas, ao invés disto, um complemento a

ela.

Para entender as relações entre a microanálise etnográfica e a

etnografia mais geral, revisar as raízes intelectuais da

abordagem da microanálise de interação que está sendo

discutida neste capítulo é útil. A microanálise etnográfica da

interação deriva de cinco correntes de trabalho das quais, as

primeiras quatro estão relacionadas substantivamente e

historicamente.

A primeira abordagem, freqüentemente chamada de análise

de contexto, emergiu no início dos anos 50. Ela foi fortemente

influenciada por BATESON e MEAD e envolveu

antropólogos, lingüístas e psiquiatras (KENDON, 1990;

BIRDWHISTELL, 1970; MCQUOWN, 1971; PITTENGER,

HOCKETT & DANEBY, 1960; SCHEFLEN, 1973). Um esforço

paralelo foi empreendido por HALL & TRAGER (1953) e por

HALL (1968). A análise de contexto leva em conta a

organização do comportamento verbal e não verbal, como eles

ocorrem simultaneamente durante a conduta de interação.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 89

Isto foi feito através da transcrição detalhada de filmes

cinematográficos de interações ocorridas naturalmente e pela

análise das transcrições. Por causa do custo e dos limites

técnicos (por exemplo: por quanto tempo o filme

cinematográfico poderia ser feito continuamente) os eventos

considerados pela análise de contexto tenderam a ser casos

únicos, geralmente não durando mais que uma hora e

freqüentemente até mais curtos.

A segunda influência na microanálise etnográfica veio da

etnografia da comunicação. Esta abordagem foi desenvolvida

pelos antropólogos lingüistas (ver especialmente as coleções

editadas por GUMPERZ & ZYMES, 1964, 1972; BAUMAN &

SHERZER, 1974; e ensaios por BAUMAN & SHERZER, 1975;

HYMES, 1974). A etnografia da comunicação focaliza o

significado social da variação estilística na comunicação

dentro e através de grupos culturais ligados que eram

considerados comunidades lingüísticas. Muito desse trabalho

foi feito primariamente pela observação participativa

(FRAKE, 1975; IRVINE, 1974). GUMPERZ especialmente


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 90

esteve interessado na organização momento por momento da

conduta de interação. Para a coleta e análise de dados, ele

usou registro em áudio por várias horas de cada vez e, mais

recentemente, usou registro em vídeo ( BLOOM &

GUMPERZ, 1972; GUMPERZ, 1982).

Uma terceira influência importante foi a perspectiva sobre

interação e sobre a apresentação do eu em encontros que se

desenvolveu no trabalho do sociólogo GOFFMAN (1959, 1961,

1981); ver também os ensaios de revisão em DREW &

WOOTON, 1988). GOFFMAN enfatizou o encontro como uma

reunião intencionalmente focalizada na qual aspectos do eu

são estrategicamente revelados e escondidos através de

amostra do ritual e rotina interacional. Para coletar

evidências, GOFFMAN usou primariamente a observação

participativa. O autor revisou a literatura e ainda a filosofia

para buscar insights sobre os momentos significativos na

interação.

As três primeiras influências descritas aqui emergiram antes

do desenvolvimento da microanálise etnográfica; a quarta e a


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quinta influências se desenvolveram contemporaneamente. A

quarta influência vem da análise conversacional em sociologia

(SCHEGLOFF, 1968; SACKS, SCHEGLOFF & JEFFERSON,

1974; SCHENKEIN, 1978). Em contraste com a ênfase sobre

os padrões culturais e lingüísticos dos aspectos ritualizados

da interação (fontes exógenas de ordem na interação) que

caracterizam a etnografia da comunicação e o trabalho de

GOFFMAN, a análise conversacional enfatiza a organização

emergente endógena da interação e a compreensão ativa por

seus participantes. A análise conversacional considera a

interação como ela é improvisada por atores sociais que

ouvem cuidadosamente o que um está fazendo ao outro e que

acabaram de fazer em momentos imediatamente presentes e

passados durante o decorrer do curso da interação.

Uma quinta influência sobre a microanálise etnográfica vem

dos vários estudiosos continentais que vêem a ação

comunicativa como uma prática discursiva que manifesta

relações de poder entre atores sociais (BOURDIEU, 1977;

HABERMAS, 1979; FOUCAULT, 1979; BAKHTIN, 1981).


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 92

Desta perspectiva, certas relações - chave institucionais

manifestadas em interação (por exemplo: entre carcereiros e

prisioneiros, médicos e pacientes, supervisores e

trabalhadores na indústria e educadores e estudantes) são

vistas como reproduzindo em microcosmo relações simbólicas

de assimetria de poder que se obtém em sociedade como um

todo e são ramificadas através dela. (Tal análise de

sociedades modernas de larga escala lembram a análise

intencionalmente focalizada de uma sociedade tradicional de

pequena escala feita por BATESON (apud NAVEN, 1958). A

interação em ambientes institucionais é vista como definições

de moldura distinta do eu e da voz, marcando os limites

possíveis da agência humana que são, em sociedades

modernas estratificadas. (Este capítulo representa uma

discussão resumida da orientação e condução da microanálise

etnográfica. Para noções mais ricas deste trabalho, o leitor

deve consultar especialmente KENDON (1990: 15-49),

SCHEFLEN (1973) e MCDERMOTT & ROTH (1978) e , em

seus antecedentes intelectuais e objetivos, HYMES (1974).


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 93

Discussões mais detalhadas do método são encontradas em

ERICKSON (1982), ERICKSON & SHULTZ (1977, 1982) e

GRIMSHAW (1982). Discussões de conexões entre os métodos

etnográficos em educação e em sociolinguística são

encontradas em Erickson (1986/1990/1988). Alguns exemplos

de pesquisa microanalítica em educação são encontrados em

AU (1980), BARNHARDT (1982), BREMME & ERICKSON

(1977), ERICKSON & MOHATT (1982), FIKSDAL (1990), os

capítulos em GREEN & WALLAT (1981), SHULTZ (1979) E

SHULTZ & FLORIO (1979)).

Temos considerado as origens e influências da microanálise

etnográfica de interação. Agora vamos considerar suas

ênfases substantivas dentro da pesquisa educacional. A

microanálise de interação etnograficamente orientada

compartilha com a etnografia educacional mais geral o

objetivo de especificar e descrever aqueles processos locais

que produzem resultados em ambientes educacionais, mas

seu propósito é documentar os processos em detalhes e

precisão ainda maiores do que é possível com a observação


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 94

participativa comum e entrevistas. Outro propósito de

observar-se atentamente a interação é testar cuidadosamente a

validade das caracterizações de intenção e significado que a

etnografia mais geral pode pedir dos participantes que são

estudados. Ainda outro propósito da microanálise é

identificar como os processos de interação de rotina são

organizados, em contraste com descrever que interação

ocorre.

Dado que a microanálise etnográfica é trabalho ainda mais

intensivo que a etnografia comum, ela não deve ser usada a

menos que seja realmente necessário. Nem todos os tópicos

da pesquisa devem ser tratados por esta abordagem. Quais

são as razões para investir tempo e esforço necessários para a

microanálise de interação dentro de um estudo etnográfico da

educação?

A microanálise etnográfica de registros audiovisuais é um

meio de especificar os ambientes de aprendizagem e

processos de influência social que ocorrem na interação face a

face. É especialmente apropriada quando tais eventos são


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 95

raros ou flutuantes em duração ou quando o formato e caráter

distintos de tais eventos se desdobram momento a momento,

durante os quais é importante ter informações exatas sobre a

fala e comportamento não verbal de participantes particulares

na cena. É também importante quando se deseja identificar

nuances sutis de significado que ocorrem na fala e ação não

verbal; sutilezas que podem surgir no curso onde a atividade

tem lugar. A verificação destas nuances de significado,

especialmente de significado implicitamente ou criticamente

expresso, pode nos ajudar a ver mais claramente a experiência

em prática dos praticantes educacionais: alunos, professores,

administradores.

O estudo microanalítico de como ocorre a interação é

especialmente apropriado quando alguém deseja reproduzir

uma prática exemplar (por exemplo: a tipo de conversa de

sala de aula onde estudantes e professores estão muito

ocupados em raciocinar juntos, em contraste com uma

conversa que sai completamente do terreno intelectualmente

ou que falhou em manter a moral do grupo). A análise


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 96

detalhada do como da interação, em contraste com a ênfase em

seu o quê, é também apropriada quando se quer mudar uma

prática educacional existente (ex: alterar uma conversa que

nunca se inicia ou atinge o ponto de modo a se tornar um

ambiente interacional rico e atraente para a aprendizagem).

Ao tentar mudar os padrões de interação é importante ver sua

ecologia social tão ricamente e precisamente quanto possível

para observar, por exemplo, como os ouvintes influenciam

aqueles que estão falando, como a cronometragem da fala e

ação não verbal podem causar pontos intelectuais mais ou

menos salientes e coerentes na discussão de grupo, ou como a

evocação de alguma coisa dita anteriormente em uma

conversa pode tornar claro para os participantes como o

pensar junto está sendo conduzido e como ele está se

desenvolvendo. Conselhos aos professores tais como

“estabeleça objetivos” ou “esclareça quando os estudantes

estão confusos” não são de muito uso, a menos que aquele

que dá o conselho possa especificar e ilustrar os processos do

discurso oral que estejam sendo recomendados. Quando os


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 97

educadores tentam executar uma instrução mais ricamente

intelectual com uma grande variedade de alunos, ensinando

mais raciocínio do que o conhecimento de fatos simples,

envolvendo os alunos em interação com suas várias “zonas de

desenvolvimento proximais” e fornecer instruções na

interação que sejam inerentemente motivadoras, a

organização da interação como um meio de instrução de alta

qualidade se torna mais e mais significativa como um foco de

atenção na pesquisa educacional.

Se, porém, a descrição narrativa comum de eventos relata os

processos educacionais em detalhes suficientes de modo que a

sua organização seja clara para um leitor (ou se os tipos mais

cruciais de influência social no ambiente sejam mediados

através de escrita ou outros canais de comunicação que

estendem o exercício da influência social no tempo e espaço

além de encontros imediatos), então o pesquisador é

aconselhado a não tentar a microanálise de vídeo-teipes ou

filmes das interações face a face que ocorrem naturalmente.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 98

Esta coleta e análise de dados não seriam prudentes em tais

casos porque demanda trabalho intensivo.

Além disto, mesmo a pesquisa microanalítica, quando é feita

de uma perspectiva etnográfica, sempre envolve uma

combinação de escalas em escopo e especificidade de atenção

e em métodos de trabalho mais ou menos intensivos. No

trabalho que descreverei aqui, o interesse etnográfico em

combinar níveis ou aspectos da organização social,

descrevendo os padrões abrangentes que caracterizam as

instituições e comunidades e focalizando estreitamente e

precisamente as ações comunicativas particulares de

indivíduos específicos, leva o pesquisador a prestar atenção

não somente às informações que estão disponíveis “na

tela”mas as informações que vem detrás da tela , da

observação mais ampla do participante e da pesquisa social

mais geral.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 99

1. Microanálise etnográfica como amostragem: uma visão geral dos


processos de pesquisa
Duas questões são cruciais para a microanálise etnográfica: (1)

identificar a escala completa de variação na organização da

interação em qualquer ambiente, rede de trabalho ou

comunidade que se está estudando e (2) estabelecer a

tipicalidade e a atipicalidade (freqüência relativa de

ocorrência) dos vários tipos de eventos e modos de

organização interacional (e de casos particulares destes)

através da escala completa de diversidade nas relações sociais

a serem encontradas no ambiente, rede de trabalho ou

comunidade. Determina-se a escala de variação e a

tipicalidade ou atipicalidade relativa dos casos no corpo de

dados através da coleta de dados que envolve a amostragem

deliberada. A amostragem é fundamental nesta abordagem

de pesquisa por causa de um interesse substantivo primário:

determinar a escala e condições de variação na organização da

interação dentro e através de eventos interacionais

particulares que ocorrem nas vidas dos membros daqueles

grupos ou redes de trabalho.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 100

Para colocar isto em termos ligeiramente diferentes, estamos

interessados aqui em unir o que os antropólogos vieram a

chamar a etnografia da comunicação com sua microanálise. A

pesquisa começa mostrando a observação geral do

participante e então movendo se em estágios sucessivos para

uma amostragem mais restrita através da observação

focalizada crescente e registro audiovisual. Consideremos,

por exemplo, um ambiente social particular: a sala de aula da

escola elementar na qual todos os membros estão presentes

durante o dia escolar. No início do estudo de tal ambiente,

far-se-ia primeiro a observação do participante neste ambiente

durante o dia inteiro e então, idealmente, o vídeo-teipe ou

filme de um ou mais dias completos, ligando a câmera ou

câmeras antes da aula começar, continuando a registrar até

quando os membros tiverem saído da sala de aula. Observar-

se-ia também e se registraria as interações de rotina dos

estudantes fora da escola, para comparar a variação na

organização da interação dentro da escola com aquela

experimentada fora dela, nas vidas totais dos participantes.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 101

Tendo coletado exemplos ao longo da escala completa dos

diferentes tipos de eventos nos vários ambientes de interesse,

a próxima questão é determinar a tipicalidade dos eventos e

modos de organização dentro dos eventos. Isto pode ser feito

pela observação repetida do participante ou por filmagem em

vídeo-teipe de algum modo mais seletivo, na qual os tipos

contrastantes de eventos durante porções do dia seriam

repetidamente filmados.

Fazer um filme ou vídeo-teipe envolve decisões de

amostragem, das quais as mais óbvias são quando ligar e

desligar a câmera e para onde apontá-la. Qualquer registro

audiovisual é um documento incompleto do que realmente

aconteceu, mesmo embora um filme continuamente tomado

ou fita seja um registro mais completo do que as notas de

campo do observador participante. As decisões sobre o que

registrar e como registrá-lo, então, não são neutras. Elas são

decisões de pesquisa que devem ser informadas pela conduta

total da observação do participante no estudo.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 102

Os vídeos-teipes são indexados de acordo com os eventos e

participantes que neles aparecem. Revisando eventos

contrastantes e conjuntos de participantes nas fitas e pela

revisão dos índices que mostram casos múltiplos destes

eventos contrastantes, o pesquisador pode identificar

contrastes chaves baseado na escala, no foco instrumental ou

expressivo, no modo de liderança ou qualquer outra

dimensão de interesse teórico no estudo, de acordo com a

qual os eventos podem ser caracterizados e contrastados. Por

este processo, o pesquisador identifica um conjunto de tipos

de eventos contrastantes ou um conjunto de modos

contrastantes de organização interacional que aparecem em

uma variedade de tipos de eventos. Os casos adicionais

destes tipos de eventos contrastantes ou modos de

organização contrastantes dentro de um evento são então

coletados.

Até este ponto, a atenção foi focalizada principalmente em

eventos reincidentes. Uma vez tomadas as decisões sobre os

contrastes analíticos-chave de acordo com os quais a


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 103

amostragem de eventos pode ser feita, eventos raros ou

únicos podem se tornar de interesse. Estes podem ser

registrados, juntamente com os casos múltiplos de eventos de

reincidência freqüente que sejam de interesse especial.

Neste processo, o pesquisador começa com um registro

excessivamente inclusivo no início da pesquisa para se

assegurar de que uma larga escala de tipos de eventos e

modos de organização estejam presentes no corpo do material

registrado. A pesquisa se move, em estágios posteriores para

uma abordagem mais focalizada do registro, de modo a

assegurar que casos múltiplos de certos tipos estejam

presentes no corpo dos materiais de pesquisa. Assim, a

generalização dentro do corpo de conclusões derivado da

análise de perto de alguns casos pode ser testada. Tendo

demonstrado a generalização dentro do caso (aqui, uma sala

de aula de escola), o pesquisador pode então conduzir a

pesquisa para testar a generalização das descobertas através

dos casos (outras salas de aula, outros tipos de ambientes).


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 104

2. Comparação e Contraste com a Observação do Participante


A progressiva resolução de problemas é inerente dos métodos

de observação etnográfica participante e nos métodos da

microanálise sociolingüística dos registros audiovisuais das

interações humanas. Em ambas as abordagens, o pesquisador

está tentando entender os eventos cuja estrutura é complexa

demais para ser compreendida de uma vez, dados os limites

no processamento das informações humanas. Estes limites

são compensados em uma observação participante gastando-

se tempo no ambiente de campo. Os limites são compensados

em microanálise gastando-se tempo revisando o registro

audiovisual e freqüentemente revisando as notas de campo

também.

No ambiente de trabalho de campo, o observador participante

espera por tipos particulares de eventos reincidentes para se

manter alerta (ex: disputas sobre posse de terra, mortes,

nascimentos, preparar a refeição principal do dia, ver o

primeiro cliente em um escritório para desempregados). O

pesquisador pode buscar locais particulares como um


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 105

ambiente de campo onde um tipo particular de evento tem

mais probabilidade de ocorrer. Isto dá ao observador

participante uma situação análoga àquela do sujeito em um

experimento de aprendizagem: a oportunidade de ter testes

múltiplos para uma tarefa similar (neste caso, a tarefa de

observar e analisar um tipo de evento particular).

Através de cada tentativa de observar um evento reincidente,

o observador participante pode alterar levemente o foco da

atenção analítica, cada vez atendendo a alguns aspectos do

que está ocorrendo e não atendendo a outros. O observador

pode também variar o foco de atenção relendo as notas de

campo tomadas durante o evento. Apesar dos limites da

capacidade de processamento de informações do pesquisador,

a observação de longo termo e a reflexão tornam o observador

capaz de desenvolver um modelo interpretativo para a

organização do evento. Estes modelos são progressivamente

construídos através da aprendizagem de uma série de

observações parciais. Daí, o trabalho de campo pode ser

considerado como um tipo de experimento de aprendizagem


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 106

que ocorre naturalmente, no qual o aluno adquire maestria

através de experimentos repetidos.

No trabalho de campo, dois conjuntos de decisões de

procedimento têm especial importância para corrigir o que é

tradicionalmente considerado como um prejuízo na

amostragem e observação: (1) as decisões que o observador

toma sobre onde estar em espaço físico e social e tempo no

ambiente de campo e (2) as decisões que o observador toma

sobre os focos de atenção em qualquer ocasião de observação.

O primeiro afeta a amostragem total dos eventos que o

observador participante faz; o último afeta a totalização das

observações feitas cumulativamente através de um conjunto

de experimentos.

Uma força principal da observação participativa é a

oportunidade para aprender através da participação ativa:

pode se testar uma teoria da organização de um evento

tentando vários tipos de participação nele. As limitações

principais são a parcialidade da visão de qualquer evento

isolado e, assim a tendência que pode prejudicar a


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 107

amostragem em favor de tipos de eventos que ocorrem

freqüentemente (porque aqueles são os que vêm a

compreender mais totalmente através do tempo). Existe

também um prejuízo para com o típico em outro sentido:

dados os limites no que pode ser observado durante qualquer

experimento, a atenção do observador pode ficar dominada

cedo pelo foco da teoria de organização emergente. A

observação pode se devotada principalmente para aqueles

aspectos da ação que confirmam a teoria, deixando de lado

outros aspectos da ação que possam desconfirmá-los.

Conseqüentemente, as evidências potencialmente

desconfirmadoras são provavelmente menos registradas nas

notas de campo do que as evidências potencialmente

confirmadoras. Chamei isto em outra parte de uma tendência

para a hipertipificação na coleta de dados primária

(ERICKSON, 1988).

Em contraste ao observador participativo, o analista de

documentos audiovisuais não tem que esperar pela ocorrência

de casos de um tipo particular de evento. O pesquisador


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 108

revisita um conjunto particular de casos passando novamente

a fita ou filme. A habilidade de revisitar o mesmo evento para

observações repetidas é a inovação principal na pesquisa

documental audiovisual. Deste modo, o analista está livre dos

limites das ocorrências seqüenciais dos eventos em tempo

real. Ele busca no corpo registrado de fitas por casos de

eventos, movendo-as para trás e para frente no tempo e

espaço para identificar casos análogos. Esta inovação de

revisitar os registros de tempo real de interação nos eventos

tem forças e limitações distintas.

A primeira força é a capacidade para completar a análise. Por

causa (teoricamente) das oportunidades ilimitadas de revisitar

o caso registrado, passando-o novamente, há a possibilidade

de serem observados uma variedade de focos atencionais.

Isto permite uma descrição muito mais completa do que as

notas de campo preparadas por um observador participante.

Uma segunda força é o potencial para reduzir a dependência

do observador em interpretação prematura. Porque um caso

registrado pode ser visto novamente, o observador tem


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 109

oportunidade de deliberação. Ele pode aguardar julgamentos

interpretativos sobre a função (significado) das ações

observadas, especialmente nos primeiros estágios do trabalho

de campo, quando estas inferências interpretativas podem ser

falhas. Na microanálise, a oportunidade de ver e ouvir mais

de uma vez permite ao observador chegar muito rapidamente

a inferências de intenção, pulando de momento a momento no

tempo real.

Uma terceira força na análise dos registros audiovisuais é que

ela reduz a dependência do observador em eventos que

ocorrem freqüentemente como a melhor fonte de dados. Na

observação parcial é o evento freqüente que se vem a entender

melhor. O evento raro pode ser somente parcialmente

entendido. Para o analista de um registro audiovisual, porém,

o evento raro pode ser também estudado totalmente através

de revisão repetida.

A independência dos limites do tempo real em observação

produz uma diferença qualitativa profunda na conduta da

pesquisa no que caracteriza a observação participante. No


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 110

entanto, o uso de registros audiovisuais como fonte primária

de dados tem duas fraquezas ou limitações principais. A

primeira e mais fundamental é que repassar um filme ou

vídeo-teipe somente permite ao analista interagir com ele

vicariamente. Não há a oportunidade de testar as teorias

interpretativas de alguém, testando-as como um participante

ativo na cena. Tal oportunidade é a marca registrada da

observação participativa, mas este tipo de aprendizagem não

está disponível para o observador não participativo que

repassa um registro audiovisual.

A segunda limitação é que a fim de extrair sentido

interpretativo do material registrado o analista geralmente

necessita ter acesso às informações contextuais que não estão

disponíveis no registro. O evento do dia a dia da interação

face a face que é registrado está imbuído em uma variedade

de circunstâncias: nas histórias de vida e redes sociais dos

participantes nos eventos e nas circunstâncias sociais maiores

dos eventos, inclusive a composição étnica, de classe social e

grupo social dos participantes. MARX disse que as pessoas


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 111

fazem a história, mas não nas circunstâncias de sua própria

escolha. Analisar a interação que ocorre em um evento

particular em relação com às circunstâncias mais amplas de

escolha e constrangimento dentro das quais o evento ocorre é

o que torna a microanálise etnográfica “etnográfica.” As

circunstâncias mais amplas são identificadas, documentadas e

coletadas por outros meios diferentes do registro audiovisual,

transcrição e microanálise.

Ambas as limitações - a ausência de participação como um

meio de aprender e a ausência de informações contextuais

além da moldura da tela - podem ser sobrepujadas

combinando - se a observação participativa e a análise dos

dados demográficos e históricos com a análise dos registros

audiovisuais (CORSARO, 1982). A descrição da coleção de

dados audiovisuais e análise que se seguem presume que a

observação participativa foi feita além da filmagem ou

gravação em vídeo teipe, de modo a colocar os eventos nas

fitas dentro de histórias mais amplas das quais eles fazem

parte.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 112

3. Método de coleta de dados: entrada, ótica e obstáculos


Entrar e trabalhar em um ambiente como um pesquisador

envolve um processo contínuo de negociação, seja alguém um

observador participativo que visita o ambiente

intermitentemente ou alguém que seja um “observador

participativo” continuamente presente como membro.

Minha experiência tem sido que a entrada para se fazer

pesquisa com observação participante, que também envolva

registro audiovisual, não é mais ou menos difícil que a

entrada para fazer observação participativa geral. O crescente

uso de câmeras domésticas de vídeo desmistifica o processo

de registro. A ubiqüidade do “replay instantâneo” em

radiações de eventos esportivos torna intuitivamente sensível

a noção de que o pesquisador (e freqüentemente aqueles

estudados também) irá aprender revendo as fitas das

ocorrências do dia a dia. Assim, o registro audiovisual para

propósitos de pesquisa é crescentemente fácil de explicar e

justificar.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 113

Um obstáculo principal diz respeito ao medo das pessoas de

embaraço potencial. O mais sério embaraço poderia resultar

da exposição da conduta de rotina das pessoas para seus

supervisores no ambiente, se estas pessoas tiverem de alguma

forma acesso às fitas. A possibilidade de que audiências de

pesquisadores em conferências, ou de estudantes em classes

na universidade, poderiam ver as fitas parece muito menos

ameaçadora que a possibilidade de avaliação por colegas e

superiores imediatos. De acordo com isto, se seguranças

explícitas são feitas sobre os limites estritos ao acesso às fitas

por outros no ambiente local, então o processo de entrada é

enormemente facilitado. Por causa disto, a discussão que se

segue enfatiza as questões de acesso as fitas e o consentimento

genuinamente informado. Quando estas questões são

dirigidas diretamente, a entrada não apresenta problemas

especiais.

Antes de começar a filmar em vídeo-teipe em um ambiente,

há necessidade de explicar os seus propósitos e ter obter

consentimento escrito ou verbal daqueles a quem diz respeito


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 114

o estudo. Os procedimentos apropriados para obter o

consentimento variam de acordo com as situações. Na maior

parte das vezes, estes procedimentos são os mesmos para

registro audiovisual e análise e para os tipos mais comuns de

observação participativa. Os procedimentos de consentimento

para a pesquisa etnográfica são discutidos geralmente em

textos padrão (HAMMERSLEY & ATKINSON, 1983).

Com registros audiovisuais, a confiança é a questão ética que

parece mais importante. É na verdade importante, mas não

como uma questão em si mesma. Ao invés disto, a confiança

pode ser vista como parte de uma questão mais ampla: a

necessidade ética fundamental do pesquisador prevenir que

danos sejam causados aos estudados através dos processos

pelos quais são estudados. O “dano” varia de acordo com os

diferentes tipos de pesquisa. Na pesquisa médica, o dano

pode envolver dor física, doença ou mesmo morte. Na

pesquisa social, o dano envolve embaraço, punição

administrativa ou punição legal. O embaraço é geralmente o

dano mais sério que ocorre. Manter a confiança, não


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 115

revelando as identidades individuais dos estudados é um

meio pelo qual os pesquisadores sociais reduzem o risco de

dano.

Na pesquisa etnográfica, no entanto, é freqüentemente difícil

mascarar as identidades de todas as pessoas estudadas em um

ambiente ou comunidade. As pessoas temem serem filmadas

porque isto poderia tirar seu disfarce instantaneamente. Elas

poderiam ser registradas fazendo alguma coisa errada e então

poderiam ser vistas neste delito por aqueles com poder de

embaraçar ou punir. O que é sensível então não é

necessariamente o que é registrado, mas quem poderia vê-lo e

quando. O risco pode ser minimizado através de acordos

negociados sobre quem terá acesso às fitas. Se as pessoas em

uma posição de punir nunca forem ver as fitas, ou somente

forem vê-las muito depois dos eventos registrados tiverem

ocorrido, então o risco de dano de ter sido filmado é bastante

reduzido.

Em um estudo de interação de sala de aula, por exemplo, se o

professor sabe que nenhum dos colegas professores ou


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 116

administradores irá ver as fitas feitas na sala de aula, ou

somente irão ver filmes previamente revistos pelo professor,

ou ainda que o filme seja feito somente no final do ano

escolar, as condições de risco são bem diferentes daquelas que

existiriam se o acesso às fitas fosse irrestrito quando o

consentimento foi negociado. (Deve ser notado que os

estudantes ou auxiliares de classe podem necessitar proteção

similar de revisão pelo professor se forem filmados fazendo

coisas que o professor não esperaria no curso normal de

ensino). Ao contrário, o acesso à revisão da fita poderia ser

grande, se cuidadosamente negociado. Por exemplo, em um

projeto de pesquisa de ação colaborativa, um grupo de

professores e o diretor poderiam concordar em revisar as fitas

nas salas de aula logo após o tempo de gravação. Em tal

situação, o acesso poderia ser restrito a excluir aqueles de fora

da equipe colaborativa, tal como o pessoal do escritório

central e os membros da diretoria da escola. Um acordo

estipularia que tais pessoas não procurariam acesso às fitas,


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 117

enquanto o acesso estaria aberto dentro da equipe de pesquisa

de ação.

Em cada ambiente particular, os pesquisadores e aqueles que

eles estudam devem determinar juntos que tipos de pessoas

são susceptíveis a determinados tipos de danos quando vários

indivíduos revisam juntos tipos particulares de filmes

registrados em molduras de tempo específicas e em

circunstâncias sociais distintas sob as quais ocorre a pesquisa.

Consentimentos escritos podem ser preparados, de modo a

proteger os interesses daqueles mais em risco, dadas as

circunstâncias locais particulares. Em todos os casos,

armazenar as fitas originais e arquivos de notas sob códigos

específicos que não identifiquem os indivíduos ou locais pelo

nome, pode ajudar a reduzir o risco e a ansiedade.

Os usos a longo termo da fita também podem ser antecipados.

Durante as negociações iniciais um comitê ético de revisão

pode ser estabelecido para o projeto. Tal comitê poderia

decidir sobre os usos futuros das fitas após o trabalho de

campo ser completado ou mesmo um relatório final ser


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 118

preparado. A microanálise leva tanto tempo, que é do

interesse do pesquisador ser capaz de identificar as fitas para

estudo futuro; porém, isto necessita ser feito de um modo

eticamente responsável.

Em meu trabalho anterior, negociação completa dos usos de

filme registrado, longe de tornar as pessoas ansiosas, reduz

seus medos e torna o processo do registro audiovisual algo

comum e compreensível. Este não é somente valioso para as

pessoas estudadas, mas também para o pesquisador.

Especialmente quando inexperiente em usar registro

audiovisual em um estudo etnográfico, o pesquisador pode

ficar ansioso demais sobre a mística da maquinaria e seus

usos. Se o mesmo pensa na câmera como um olho penetrante

e nas fitas como radioativas e pulsantes enquanto estão na

gaveta, aquela ansiedade será comunicada às pessoas que

estiverem sendo estudadas. Em outras palavras, a prudência

e a abertura ao negociar as questões éticas envolvidas na

filmagem não somente impedem quebras de ética mas

também reduzem a sensibilidade da filmagem e das projeções


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 119

que podem surgir em torno dela para todas as partes

envolvidas, inclusive o pesquisador.

O mesmo é verdadeiro para o processo do registro

audiovisual no campo. BYERS (1966) notou que as câmeras

não tiram retratos, as pessoas sim. O registro de campo é uma

transação humana, exatamente como todas as outras

interações durante a pesquisa observacional participativa. Se

o pesquisador é de confiança e não causa obstáculos na cena

da pesquisa, então o equipamento também o será. Se a pessoa

do pesquisador é de algum modo suspeita, então o

equipamento também será suspeito. As mesmas atividades

pelas quais a inter-relação e confiança foram estabelecidas

pelo pesquisador humano no ambiente - seguindo a

negociação eticamente responsável da entrada - são aquelas

pelas quais o processo de registro fica longe de ser um

obstáculo.

Segue-se que os esforços para reduzir a visibilidade da

gravação (ex: espelhos de um lado só e microfones

escondidos) não são necessários. Se as pessoas sendo


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 120

filmadas sabem sobre isto e concordam com os propósitos da

filmagem e confiam no pesquisador, o equipamento de vídeo

não será um obstáculo como não o é um caderno de notas ou

um gravador. Uma nota de aviso é necessária, porém. É

importante que o pesquisador esteja familiarizado com o

equipamento e sua operação. Antes de entrar em cena, é bom

ensaiar como gravar totalmente em todos os seus estágios:

carregar o equipamento em um espaço, posicioná-lo, gravar,

retirá-lo e empacotá-lo e levá-lo embora. Isto é especialmente

importante quando estiver trabalhando com uma equipe de

pesquisadores. Cada membro da equipe deve estar

familiarizado com o que necessita ser feito de modo que o

equipamento e as relações de trabalho dentro da equipe

possam ser manejados suavemente. Quando possível, é

também bom trazer o equipamento para o ambiente e testá-lo

antes da gravação regular começar, verificando as condições

de iluminação, localização dos microfones, qualidade do som

e da imagem e assuntos do trabalho em equipe.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 121

Uma vez começado o registro, simplicidade é a palavra-chave.

O filme de pesquisa mais útil é feito dos modos técnicos mais

simples. A câmera não se move muito, tantas pessoas o

quanto possível aparecem dentro da moldura visual e a

filmagem é contínua por longas faixas e interação no cenário.

Isto é o oposto ao modo com que os filmes documentários

editados por estúdio aparecem em um filme acabado ou como

um filme de vídeo caseiro “câmera-editado”, em uma

tentativa de imitar as convenções da narrativa do filme

documentário. Para uso como um documento de pesquisa

primário, um registro em vídeo necessita somente três coisas:

(1) moldura visual que seja consistente através do tempo (não

aproximando nem distanciando muito ou indo de um lado a

outro para ênfase narrativa), (2) uma imagem clara e (3) um

som claro.

Na abordagem da microanálise discutida aqui, as seqüências

contínuas de atividade são enfatizadas, porque a interação em

seu sentido completo é o fenômeno de interesse da pesquisa

(ex: que toda a atividade verbal e não verbal dos parceiros


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 122

interacionais esteja contribuindo para a ecologia social total de

comunicação no evento). Daí, ao fazer o filme de pesquisa

primário, não é necessário mover o equipamento ou ajustá-lo

de modo tão freqüente como quando se está fazendo um filme

documentário. A câmera pode ser colocada em um tripé,

virada e retirada freqüentemente se a ação que está sendo

registrada permanece estável em frente da mesma. Mesmo

com uma câmera manual podese mover lentamente e

suavemente. Pelo uso judicioso e lento das lentes zoom,

pode-se evitar chegar junto das pessoas cuja interação está

sendo registrada.

Deve ser mencionado que tem havido considerável debate

sobre os méritos relativos de filmar para propósitos de

pesquisa com uma câmera fixa ou móvel. Algumas das

questões neste debate são resumidas por GRIMSHAW (1982:

121-144) que argumenta por uma câmera móvel. Dada a

análise feita neste capítulo, porém, a filmagem com uma

câmera relativamente fixa é a mais apropriada, especialmente

nos primeiros estágios do registro de campo.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 123

Manter a câmera relativamente estacionária em um tripé, ou

mesmo manual e incluir dentro da moldura visual tanto

quanto possível todos os corpos dos participantes do evento

interacional que esteja sendo registrado, propicia documentos

de pesquisa mais compreensíveis. É bom começar a gravar

alguns minutos antes do evento no qual estiver especialmente

interessado começar e continuar a gravar por alguns minutos

após julgar que o evento terminou. (“Inícios” e “fins” são

julgamentos analíticos feitos por pesquisadores e membros.

No início de um estudo, suas noções dos limites do evento

podem não combinar com aquelas dos membros. Além disto,

a atividade dos membros no pré início e pós conclusão dos

eventos freqüentemente parece ser significativa quando se

está revendo o filme; assim, registrar material que possa

parecer na cena ser extra filme freqüentemente aparece como

útil mais tarde.)

Existem arranjos, naturalmente. Sacrificam-se os detalhes

visuais e auditivos pela compreensão no registro. Enquanto a

observação participativa continua e você se torna mais


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 124

familiar com a organização dos eventos de rotina que estão

sendo registrados, você pode desejar se tornar mais seletivo

no registro para aumentar os detalhes visuais e auditivos.

Para maior seletividade visual você poderia estreitar as

filmagens usando de algum modo as lentes zoom ou poderia

segurar a câmera. Para maior seletividade auditiva, você

poderia usar microfones suspensos do teto, um “microfone

espingarda” seguro por um assistente, ou um microfone sem

fio de rádio colocado sobre um dos participantes que você

está registrando. Sua filmagem poderia ser ainda mais ampla

(na moldura visual e auditiva) do que em documentário

comum ou transmissão de filmagens. Isto tornará os filmes

não tão bonitos e o som mais penetrado pelo ruído ambiente

do que na filmagem profissional, mas seu filme será mais útil

para a microanálise. Certifique-se de evitar a convenção de

“show de fala”do cinema e tele-difusão de mover a câmera

para trás e para a frente entre os que falam quando é sua vez

de falar. Tanto quanto possível mantenha todos os

participantes relevantes na moldura visual. Os detalhes


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 125

visuais que você sacrifica (e as partes de trás do pescoço de

alguns participantes que você irá filmar) valerão a pena por

causa do valor da filmagem compreensiva que o torna capaz

de ver as reações dos ouvintes enquanto o que fala o estiver

fazendo. Isto porque as interações são o fenômeno de

interesse, e a interação é mutuamente construída nas

atividades simultâneas dos que falam e dos que ouvem, a

moldura visual necessita incluir tantos ouvintes quanto

possível, juntamente com os que falam.

Especialmente nas salas de aula, pode ser útil usar dois

sistemas de gravação simultaneamente. Uma câmera

estacionária, filmando continuamente com um ângulo largo e

registrando o som com o microfone da câmera, pode ser

usada junto com uma câmera portátil que registra o som com

um microfone externo e registra uma moldura visual

focalizada mais estreitamente. Desta maneira se maximiza

tanto o escopo como especificidade nos eventos

documentados.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 126

Uma nota final sobre registro. Quando comprar equipamento, é bom

procurar uma câmera com um aspecto de cronômetro digital

pelo qual a hora em minutos, segundos e microsegundos

pode ser impressa na fita quando ela é inicialmente

registrada. Durante o play-back o cronômetro é visível na

tela. Isto é muito útil para a análise subseqüente. Se você não

puder registrar uma imagem de cronômetro digital na

película original, então use um gerador de hora/data para

registrar uma imagem de relógio em uma cópia de trabalho

do original. (Seu orçamento de pesquisa deve incluir, além do

filme que você planeja fazer no campo, 25% de filme adicional

para copiar para a microanálise posterior. Não use seu filme

original para analisar: Sempre o copie primeiro.)

Os filmes devem ser armazenados com etiquetas, contendo os

códigos para indivíduos e locais (não os nomes reais) e a data

da gravação. Se forem escritas notas de campo, elas devem

ser arquivadas usando o mesmo código de identificação e a

mesma ordem de série que as fitas. Mesmo se não foi possível

escrever notas de campo contínuas enquanto registrava, deve-


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 127

se manter notas em rascunho indicando as horas em que os

eventos mudaram durante o tempo de registro. Um cartão

resumindo as atividades registradas e suas durações pode ser

preso à fita ou arquivado separadamente para ser usado como

um índice a grosso modo durante a análise subseqüente. As

notas de campo devem indicar também as horas reais nas

quais a atividade se elevou durante a gravação. Estas notas

servem como uma função de indexação. Ter um índice

economiza muito tempo na revisão posterior das fitas.

4. Questões sobre análise de dados


Como uma observação participativa comum, a análise

realmente começa no próprio campo. Escolher que eventos

ou pessoas registrar envolve tomar decisões analíticas iniciais.

Moverse para maior seletividade visual e auditiva em

estágios posteriores da gravação representa outro conjunto de

julgamentos analíticos. A maior parte do trabalho analítico,

porém, é feito após o trabalho de campo estar completado.

A abordagem da análise revista aqui é discutida em maiores

detalhes em ERICKSON (1982) e em ERICKSON & SHULTZ


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 128

(1982). Na essência, ela procede similarmente à análise de

outros tipos de dados observacionais participativos: começa-

se considerando os eventos como um todo, continua por

decompô-los analiticamente em fragmentos menores e então

conclui recompondo-os em um todo. O último dos três

estágios distingue a microanálise etnográfica do trabalho

analítico detalhado tal como a análise morfofonêmica e

fonética na lingüística ou a análise micro-comportamental na

psicologia. Na moderna análise do discurso em lingüística,

unidades pequenas, uma vez identificadas analiticamente não

são freqüentemente recompostas no relatório de pesquisa. A

reconstrução etnográfica dos fenômenos detalhados do

comportamento interacional volta então a um nível de ação

social seqüencialmente conectada, como vista em um tipo de

compreensão narrativa que é semelhante à mantida pelos

atores nos eventos em si. Os estudos de casos microanalíticos

de interação que resultam se tornam parte das estórias

maiores e conjuntos de estórias dos quais o relatório de um

etnógrafo é construído.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 129

5. Estágio um: revisar o evento todo


Usando o filme original, começa-se por revisar um evento

todo a velocidade regular, sem parar em nenhum ponto do

caminho. Iniciando a revisão alguns minutos antes do início

do evento mencionado e continuando a revisão alguns

minutos após o final do evento mencionado, o pesquisador

observa, ouve e escreve o equivalente a notas de campo que

descrevam a atividade na fita. As notas identificam as

localizações aproximadas em tempo das principais elevações

de atividade dentro do evento e identificam faixas de ação

verbal e não verbal que possam ser de especial interesse em

vários pontos.

6. Estágio dois: partes constituintes principais identificadoras do


evento
As localizações dos limites principais de segmentos são

verificadas em uma segunda visão, durante a qual o

pesquisador pode passar a fita para trás e para frente através

de um limite mencionado para identificá-lo mais

precisamente. Freqüentemente existem ao menos três partes

seqüenciais principais em um evento interacional: uma fase de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 130

início, uma fase de foco instrumental principal e uma fase

transição ao próximo evento. A parte central do evento pode

às vezes ser mais diferenciada, como o podem ser as fases de

abertura e fechamento.

Mudanças na arrumação física dos participantes no espaço

freqüentemente acompanham as mudanças na arrumação

local. A atenção às mudanças na arrumação física pode

fornecer pistas para mudanças sutis na natureza da atividade

no evento. A postura, olhares trocados e distância

interpessoal definem os padrões das relações físicas entre os

participantes, chamadas formações-F por KENDON (1990:

209-237). Os papéis relacionais, identidades sociais e

hierárquicas são aspectos do padrão total da organização

social, chamada a moldura de participação por Goffman

(1981:137) e a estrutura de participação social por ERICKSON

& SHULTZ (ERICKSON & SHULTZ, 1977, 1982: 17-18;

ERICKSON, 1986 e1990). Geralmente de uma fase

constituinte principal de um evento para o próximo existe

uma arrumação na formação em F e na estrutura de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 131

participação social. Como a atividade muda de momento a

momento, assim acontece com a ecologia das relações entre os

atores sociais.

7. Estágio três: aspectos identificadores da organização do evento


principal
Tendo identificado os limites dos segmentos principais do

evento, o pesquisador examina segmentos particulares de

interesse. Estes serão freqüentemente encontrados contendo

partes constituintes ou subsegmentos. Os limites dessas

partes são identificados, usando-se a mesma abordagem

empregada no estágio dois. Várias faixas seqüenciais de

atividade serão identificadas. Neste nível de análise, as faixas

de fala ou de ação não verbal são identificadas pela fala

tipicamente conectada e pelos vários tipos de rotinas de

discurso, ou ainda podem ser definidas primariamente por

seqüências conectadas de ação não verbal (ex: uma criança

empilhando uma série de blocos e então os derrubando, um

professor e um aluno arrumando aparato de laboratório para

uma experiência de química). Dentro das faixas assim

definidas, o analista define a estrutura de participação social


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 132

em detalhes ainda maiores do que no estágio dois,

especificando as contribuições relativas dos vários

participantes do evento. Por exemplo: em uma faixa, um

falante primário pode ser acompanhado por alguns ouvintes

que falam um pouco enquanto ouvem e por outros ouvintes

que mostram atenção por olharem e aquiescerem. Na próxima

faixa, três falantes primários podem sobrepor suas falas,

enquanto os membros restantes da audiência mostram

atenção verbalmente e em rápidas falas. Poderíamos

caracterizar as duas faixas globalmente dizendo que a

participação foi mais animada na segunda do que na

primeira. Mais precisamente, porém, poderíamos identificar

uma mudança na ecologia da participação social notando que

existiu um falante primário na primeira faixa, recebendo dois

tipos diferentes de atenção de diferentes partes da audiência,

enquanto na segunda faixa a participação se dividiu em dois

tipos principais: o dos três falantes primários e o do resto do

grupo como audiência.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 133

A ênfase aqui está nas relações dialéticas e ecológicas da

influência mútua entre os participantes do evento, não nas

ações de pessoas individuais consideradas isoladamente das

ações dos outros.

8. Estágio Quatro: Foco nas Ações dos Indivíduos


O quarto estágio envolve a transcrição detalhada do

comportamento verbal e não verbal dos indivíduos nas faixas

de ação conectada seqüencialmente que foram identificadas

no estágio três. Aqui os tipos de transcrição feitos pelos

lingüistas, analistas de discurso e pesquisadores em

comunicação não verbal são preparados. A transcrição é

teoricamente guiada; isto é, as convenções de transcrição

variam dependendo dos propósitos analíticos do pesquisador

(para discussão, ver OCHS, 1979). Idealmente uma transcrição

deve mostrar as relações entre a atividade dos vários

participantes. Por exemplo, se a fala de uma pessoa é

mostrada, as ações não verbais de ouvir, simultâneas de um

ouvinte, podem ser mostradas na transcrição de tal modo que

não somente a ocorrência da ação não verbal do ouvinte é


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 134

notada, mas sua posição seqüencial (e, possivelmente, sua

duração em tempo real) em relação à fala do falante que é

mostrada.

Neste nível de detalhe, as diferenças culturais nas maneiras

costumeiras de organizar a interação se tornam mais

aparentes. As maneiras culturalmente diferentes de organizar

a condução específica da interação podem confundir os

estudantes, tornando eventos que estejam organizados de

maneiras culturalmente não familiares, tipos bem distintos de

ambientes de aprendizagem para eles subjetivamente, em

contraste com eventos nos quais os padrões de organização

interacional que ocorrem sejam culturalmente familiares. Tais

diferenças na organização detalhada da interação podem

produzir para a experiência de eventos assim organizados

tipos muito qualitativamente diferentes de ambientes de

aprendizagem para as pessoas de diferentes origens ou

disposição temperamental. Este é o motivo pelo qual uma

compreensão detalhada da organização comportamental dos

eventos interacionais tem significado potencial na pesquisa


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 135

educacional: pode ajudar-nos a entender porque diferentes

tipos de interação nas situações de ensino e aprendizagem

podem ser experimentados como mais ou menos educativos

(ver a discussão em CAZDEN, 1988: 99-135).

9. Estágio cinco: análise comparativa de casos ao longo do corpo da


pesquisa
A microanálise, neste nível de detalhes descrito no estágio

quatro, é feita em faixas de interação que são ou típicas ou

atípicas da interação que ocorre geralmente dentro do corpo

de interação gravado, dentro do corpo maior da interação que

foi observado e documentado nas notas de campo, mas não

foi registrado. Após preparar uma microanálise de um único

caso, ou de alguns casos, é necessário demonstrar a

representatividade dos casos. Isto é feito buscando-se no

corpo de registros e notas de campo outros casos que sejam

análogos ao primeiro. A analogia pode ser ao nível do evento

nomeado mesmo (ex: todas as lições de leitura com um certo

grupo de estudantes podem ser buscadas e revistas); pode ser

ao nível de uma função específica ou atividade interacional

(ex: buscar todos os casos de interação nos quais alguém usou


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 136

humor para persuadir, ou todos os casos nos quais o professor

redirecionou a atenção dos estudantes após eles terem se

distraído). As amostras do conjunto total de casos análogos

são analisadas mais globalmente, em menos detalhes do que a

primeira. Os casos típicos e atípicos podem ser comparados e

suas freqüências relativas são relatadas em quadros sinóticos

ou quadros de freqüência. Mesmo se cada caso possível no

corpo não seja analisado, o pesquisador deve demonstrar que

ele buscou no corpo inteiro, exaustivamente. Deste modo o

pesquisador pode declarar que casos discrepantes possíveis,

que poderiam invalidar as conclusões, não foram

inadvertidamente ignorados.

A pesquisa sistemática por padrões de generalização dentro

do corpo reforça o argumento da representatividade dos casos

escolhidos para a microanálise. Assim, a microanálise

etnográfica é feita pelo método da indução analítica de

identificar fenômenos significativos e dimensões de contraste.

Esta é a mesma abordagem indutiva da resolução progressiva

de problemas que caracteriza a etnografia geral e tipos


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 137

relacionados de pesquisa social qualitativa (ver a discussão

clássica por LINDESMITH (1947) e a discussão mais recente

por HAMMERSLEY & ATKINSON (1983) e ERICKSON (1986

e 1990)).

Como os casos análogos são identificados? As faixas de

interação dentro das fases constituintes principais dos eventos

interacionais completos exibem relações funcionais de

interesse (ex: uma maneira particular de persuadir ou

explicar, uma configuração particular de atenção da audiência

e sua influência sobre o falante, uma organização rítmica

particular de atividade não verbal e fala). Estas atividades

dentro dos eventos são identificadas e buscadas através de

muitos eventos interacionais diferentes que são nomeados

pelos participantes. Na pesquisa em sala de aula, por

exemplo, os padrões de atenção da audiência que influenciam

os falantes podem ser investigados observando-se

microanaliticamente faixas comparáveis de fala a audiências

em lições de matemática, em lições de artes da linguagem, em


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 138

discussões de início da manhã e em interações entre

estudantes no playground.

A organização da atenção da audiência varia

sistematicamente através de diferentes tipos de falantes e

diferentes combinações de membros de audiência? Ela varia

através de momentos estratégicos diferentes dentro dos

eventos? A atenção da audiência é tipicamente diferente no

início de certos tipos de eventos de classe do que nos finais de

tais eventos? Tais questões de comparação podem ser

respondidas identificando-se casos através de diferentes

eventos e através de diferentes fases dentro deles. As notas

gerais feitas nos estágios um e dois da revisão do vídeo-teipe

servem como um índice para a comparação dentro e através

de eventos que foram registrados no corpo de interação.

As informações derivadas da observação participativa e

intervenção também têm um lugar na microanálise

comparativa de casos. As identidades sociais locais especiais,

atitudes e costumes (bem como identidades e culturas mais

gerais que variam ao longo de linhas de classe, sexo, raça ou


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 139

etnicidade) podem pesar significativamente na organização

da interação que está sendo estudada. Por exemplo, em uma

classe do início do primeiro grau, a melhor leitora entre as

meninas pode tipicamente receber um tipo de atenção

diferente dos seus companheiros do que o recebido por uma

garota que não é uma boa leitora; as crianças inglesas que são

leitoras medíocres podem receber atenção dos seus

companheiros bastante diferente do que recebem as latinas

que são leitoras medíocres. O conhecimento do pesquisador,

através do conhecimento e intervenção de um professor ou

pai, também pode modelar a interpretação analítica daquela

interação do adulto com uma criança.

Para evitar invocação ao azar de informações de base para

"explicar” o que pode ser visto no material registrado de

pesquisa, é necessário disciplinar o uso interpretativo das

informações além da tela. Uma boa regra é localizar as

informações de base somente em relação a evidências precisas

de comportamento disponíveis através da gravação. Por

exemplo, se certos tons de voz ou expressões faciais foram


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 140

usados no comportamento de escuta dos estudantes somente

quando o melhor leitor entre as meninas estava falando para

eles, então a inferência de que sua identidade social como

uma excelente leitora foi relevante para o tipo de atenção que

ela recebeu de seus companheiros é mais justificada que se

aquele tipo particular de comportamento de audição fosse

dado a uma mais larga variedade de falantes.

10. Conclusão
A microanálise de interação na etnografia da educação foi

discutida em um trabalho que começou comparando a

microanálise com a observação participativa, continuou

descrevendo as questões éticas e de procedimento na coleta de

dados e concluiu revisando questões de análise de dados. As

conexões entre a etnografia geral e a microanálise foram

enfatizadas em todo o trabalho.

É de se notar que mesmo quando o foco analítico está mais

estreito e mais preciso na transcrição das ações de indivíduos,

em detalhes comportamentais muito pequenos, esta

abordagem enfatiza a ecologia social e cultural do significado


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 141

e a ação, exatamente como o faz a etnografia mais geral. Este

não é um "micro” estudo isolado dos processos macro-sociais,

nem é comportamentalista em orientação, apesar de sua

estreita atenção a detalhes do comportamento interacional. A

transcrição e a análise se focalizam nas relações de influência

mútua que ocorrem entre os participantes, inclusive nas

relações ecológicas entre falantes e ouvintes que ocorrem

durante o tempo real de acontecimento da interação. O de

interesse na interação, como é socialmente e culturalmente

organizada, é assim vista analiticamente e caracterizada no

relatório como fundamentalmente social, um assunto das

ações de vários participantes constituindo ambientes de

significado e influência para as ações dos outros. Assim, esta

abordagem não relata simplesmente o que um ator social

isolado faz em um momento particular. Ao invés disto, ela

mostra professores e aprendizes, em quaisquer combinações e

em quaisquer cenários que possam ser encontrados, como

constituindo mutuamente a atividade um do outro em


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 142

ambientes vivos de aprendizagem que se estendem através de

momentos sucessivos no tempo real.

Temos assim a microanálise etnograficamente orientada, não

somente porque tenta uma descrição cultural das ações

comunicativas e de seus significados locais, mas porque tal

microanálise fornece uma perspectiva holística sobre a

conduta da interação e dos processos pelos quais a

aprendizagem humana e mudança têm lugar.

Fundamentalmente, esta análise não é “micro”, mas “macro”

em seus interesses, exatamente como a microbiologia e o

DNA e RNA têm importância fundamental no estudo da

ecologia. A microanálise etnográfica retrata a interação

humana imediata como atividade coletiva de indivíduos em

relações institucionalizadas que, atuando localmente na vida

diária de modos reincidentes, estão reproduzindo e

transformando suas próprias histórias e a da sociedade maior

dentro da qual eles vivem.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 143

11. Referências
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Capítulo 4

Aprendizagem e colaboração no ensino: pesquisas em andamento


Frederick Erickson 4

Acredito que a prática colaboradora é essencial para um

ensino e um aprendizado excelentes em salas de aula. Isto

parece especialmente verdade dada a atual ênfase na reforma

4 Esse texto traduzido com autorização do autor, por Carmen Lúcia Guimarães de Mattos. Foi
originariamente publicado sob o título Research Currents: Learning and Collaboration In
Teaching. Reprint from Language Arts, March 1989. Pp. 430-440.
Nota do Editor original - Muito da vida é uma procura de colaboração bem-sucedida sejam os
colaboradores participantes de sala de aula, membros de família, escritores ou atletas de um time.
Nesta última publicação do ano acadêmico, Frederick Erickson discute os significados da
colaboração sob sua perspectiva como participante em pesquisa de sala de aula. Leitores vão
reconhecer temas familiares entrelaçados ao longo desta história de desenvolvimento: temas como
o diálogo como um modo primário de interação, o papel e a natureza da pesquisa de sala de aula,
aprendizagem como fortalecimento, colaboração no ensino e pesquisa com a convivência com
dilemas. Conforme ele apresenta o que a colaboração foi para ele, Erickson também nos fala o que
ela não foi: a colaboração não foi um processo de alcançar um pleno acordo entre os participantes,
nem foi a execução do acordo sob metas curriculares. Ao contrário, a colaboração foi uma
negociação contínua e nunca simples dos diferentes pontos de vista dos participantes, com o
objetivo de compreender esses enfoques e melhorar a educação na escola participante. Com a sua
estória, Erickson lembra a coluna de Maxini GREENE (1988), primeira deste ano acadêmico: Para
ela, promover a clareza de expressão em público e o compartilhamento de crenças é o objetivo das
artes da linguagem numa sociedade democrática. As negociações entre Erickson e seus
colaboradores os ajudaram a progredir em direção a uma meta. Através desta colaboração, eles
criaram uma comunidade de alunos e professores que se aperfeiçoaram juntos,
Frederick Erickson é professor de Educação e Coordenador da Divisão de Liderança Educacional
da Escola de Graduação em Educação da Universidade da Pensilvânia. Entre suas muitas
publicações “The Counselor as Gatekeeper” ( com Jeffrey J. SHULTZ, Academic Press, 1982) e os
capítulos do Manual de Pesquisa no Ensino – “Handbook of Research on Teaching”- (Macmillan,
1986) e o livro do ano 1986 – “1986 Yearbook”- da Associação para Supervisão e Desenvolvimento
Curricular têm tido influência, especialmente, em expandir o entendimento de educadores sobre
pesquisa qualitativa e seu potencial para sustento humano e para discussões razoáveis sobre
dilemas da educação. C.G/ A.H.D.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 147

educacional do ensino que favorece o raciocínio e o

entendimento dos estudantes e o fortalecimento profissional

de professores. Colaboração parece ser uma condição

necessária se a prática no ensino for aprimorada de forma

fundamental e duradoura. No entanto esta mudança pode ser

meramente cosmética e passageira o que é sempre um perigo

quando começamos a falar sobre aperfeiçoamento ou sobre

reforma nas escolas.

Deveríamos colocar de maneira a mais clara possível o nosso

objetivo em relação à colaboração na profissão de ensinar.

Pensemos sobre o que a palavra em si mesma pode significar

ao ser usada na linguagem comum. Colaboração significa

trabalhar junto de modo que possibilite o intercâmbio de

ajuda mútua. A troca de ajuda deve ser genuína e não apenas

uma ação que parece ajuda - manifestando- se através dos

gestos mutuamente úteis.

Colaboração como ajuda mútua tem pelo menos dois aspectos

fundamentalmente diferentes; pode afetar tanto a quantidade

de trabalho como a qualidade deste. Em termos de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 148

quantidade de trabalho, a articulação dos esforços dos

parceiros permite a todos realizarem mais como grupo, do

que qualquer outra pessoa trabalhando sozinha. Porém, ao

usarmos o termo colaboração, ele não se refere apenas à

quantidade de trabalho que é feito, mas também expressa algo

sobre a qualidade de vida do trabalho que ocorre. Parece que

assumimos que ter colegas genuinamente úteis um ao outro,

realça o trabalho individual de cada colega, fazendo o

trabalho deles ser mais fácil ou menos solitário ou, ter mais

sentido, ou de alguma outra forma ser mais satisfatório do

que se o mesmo trabalho fosse feito sozinho. Nós também

esperamos que ao longo da colaboração resulte um produto

de melhor qualidade.

Colaboração não produz sempre os melhores processos de

trabalho e os melhores produtos. Poesia, por exemplo, é

provavelmente melhor escrita por um único autor. Mesmo o

poeta, no entanto, tem que se considerar escrevendo para

audiências passadas e futuras. Alguns tipos de trabalho

somente são bem feitos de forma colaborativa. Acredito que o


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 149

ensino é um exemplo disso; requer colaboração se for para ser

bem feito. Nada duradouro pode ser executado de maneira

educacional sem alguma acomodação mútua e sem

pensamento compartilhado por professores e seus alunos, que

são seus principais colaboradores. Quando tentamos ensinar

sem colaboração dos que estão aprendendo, nós deturpamos

o ensino de forma quase irreconhecível, inibindo os tipos de

aprendizagem possíveis. Se esta suposição está correta, então

colaboração não é uma opção que devemos acrescentar se nós

quisermos fazer o ensino ser mais agradável ou mais

atualizado. Mais precisamente, a colaboração pode e deve ser

a condição essencial para o sucesso da prática profissional dos

professores e alunos.

Todavia, é muito fácil assumir romanticamente que a

colaboração entre professores, estudantes, administradores e

pais - é um benefício puro, tão vantajoso para o espírito como

para a produtividade no trabalho. Quando nós colocamos um

peso muito grande na colaboração, nós podemos considerá-la

capaz de resolver tudo - esgotamento do professor, alienação


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 150

e baixo rendimento do estudante, decisões dos

administradores arbitrárias e mal direcionadas, hostilidade

por parte dos pais, irrelevância na pesquisa educacional e

impraticabilidade das prescrições para a reforma educacional.

Espero que, dentro de poucos anos, nós olhemos a

colaboração de forma crítica para tentar ver onde ela é

essencial no trabalho de ensinar e onde ela não é essencial e,

talvez mesmo, inapropriada.

Colaboração suscita velhos temas e dilemas do ensino: Como

pode alguém planejar com antecedência e também responder

aos interesses imediatos dos estudantes à medida que eles se

tornem aparentes durante a lição? Como pode alguém confiar

nos estudantes com autoridade compartilhada (ou

administradores para este assunto) e mesmo assim estabelecer

limites para preservar a integridade de alguém? Como podem

interesses rivais serem resolvidos quando o que estudantes e

professores querem ou o que administradores e professores

querem está em conflito? Se estes forem dilemas verdadeiros -

conflitos inerentes entre mercadorias igualmente valiosas -


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 151

então eles não são "problemas" capazes de terem "solução",

mas tensões que devem ser vividas continuamente na prática

de ensino. O discernimento dos problemas pode ajudar-nos a

conviver melhor com os dilemas, mas nós não devemos

esperar que mesmo um profundo discernimento vá prover

um "arranjo" para os dilemas do ensino colaborativo. É

preciso, definitivamente, conviver com os dilemas ! 5

Alguns tópicos de colaboração são aqui ilustrados,

considerando três diferentes tipos de relacionamentos

colaboradores no ensino: colaboração entre professores e

alunos, entre professores e administradores e entre

professores e pesquisadores. Começarei com a última dessas

associações, porque é ao longo desta pesquisa e da ação

colaboradora com os professores que tenho aprendido muito

sobre relacionamentos colaboradores na profissão.

1. Professores e Pesquisadores em Colaboração


Em fevereiro de 1985 me envolvi em um projeto com

professores do grau primário e diretores que combinaram

5 Para mais discussão sobre a idéia de que na prática do ensino enfrentamos dilemas que não têm
solução mas que é preciso conviver com eles, veja Lampert, 1985
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 152

pesquisa colaboradora com desenvolvimento de equipe . 6

Quatro colegas da universidade, um professor colaborador

(um experiente professor contratado para meio expediente

pelo instituto de pesquisa da universidade), e dois estudantes

graduados se encontravam regularmente com três professores

de primeiro grau e o seu diretor. A equipe com base

universitária ultrapassava em número a equipe básica da

escola e isto poderia ter levado à coação. Não levou. Isto

ocorreu, em parte, porque os professores sustentaram sua

própria força como experientes profissionais, e também

devido a um acordo explícito feito, desde o início, pelos

participantes do projeto que as direções para a reflexão sobre

a prática e para a mudança elaboradas em conjunto passariam

a ser identificadas pelos próprios professores e não por

administradores ou por pesquisadores da universidade.

Nenhum de nós sabia como orientar a equipe direcionada

6 O projeto intitulado "Teacher Development and Organizational Change", foi patrocinado pela
Universidade do Estado de Michigam financiada pelo Instituto Nacional de Educação.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 153

para o desenvolvimento do professor, mas aquilo foi o que

nós tentamos.

Creio que uma outra razão para que o nosso trabalho tenha se

desenvolvido como colaboração genuína é porque ele foi

estruturado sistematicamente como diálogo. Cada semana

todos os participantes trocavam apontamentos em jornais de

diálogo. Em intervalos regulares nós nos encontrávamos em

sessões de planejamento onde mantínhamos diálogo face a

face. Oralmente e por escrito os professores e o diretor

relatavam um para o outro as reflexões sobre a própria prática

e exprimiam seus interesses e preocupações em relação à

mudança. Reuniões e intercâmbio em jornal com os visitantes

universitários na escola e nas salas de aula forneceram uma

oportunidade para ocorrer uma troca mais intensa de opiniões

entre os professores e o diretor do que em qualquer outra

situação. Nas reuniões, a equipe com base universitária

também tinha voz. Eles relatavam suas observações como

visitantes - visitantes freqüentes, mas ainda alheios à prática


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 154

diária. Eles exprimiam seus interesses, preocupações e

opiniões sobre o ensino e a administração da escola.

Eu nunca tinha experimentado como pesquisador

trabalhando com professores uma troca de idéias tão

completa e franca. Por que foi assim? Porque eu acho que no

trabalho anterior com professores, meu papel como

pesquisador etnográfico inibiu o diálogo com eles. Tenho me

especializado em aprofundar a observação participante de

longo-prazo de professores, individualmente, algumas vezes

chamado de "etnográfico", "qualitativo" ou "naturalístico" no

qual muitas relações se desenvolvem e os professores falam

de sua aprendizagem por terem sido estudados . É claro que 7

nesta abordagem, pesquisadores chegam mais próximo dos

professores do que em qualquer outro tipo de pesquisa

educacional. Contudo, há ainda uma barreira à colaboração

total. O pesquisador percorre grandes distâncias para evitar o

7 Meus pontos de vista sobre esta abordagem estão apresentados em Erickson 1986. Nesta
discussão eu concluí exprimindo a esperança de que tal pesquisa sobre aprendizagem iria cada
vez mais ser feita pelos próprios professores, ou pelos professores orientadores e/ou
pesquisadores da Universidade.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 155

julgamento e a interferência na prática normal do professor. O

pesquisador tenta evitar junto com os professores afastar os

relacionamentos de poder desigual que eles tiveram no

passado com visitantes que foram às suas salas de aula como

supervisores ou avaliadores.

Apesar do pesquisador tentar arduamente não julgar ou

influenciar o professor, alguma coisa artificial se desenvolve

no relacionamento entre pesquisador e professor. O

relacionamento torna-se um pouco como aquele entre um

terapeuta não-diretivo e seu cliente. Em entrevistas de

pesquisa etnográfica, por exemplo, o papel do pesquisador é,

freqüentemente, o do terapeuta estereotipado, repetindo e

parafraseando o que o paciente acabou de falar. Este tipo de

entrevista não é um diálogo porque o entrevistador não

adiciona conteúdo (ao menos idealmente). O entrevistado

conta todas as estórias. Na conversação ordinária os parceiros

trocam estórias, tal como professores fazem: “Aquilo

aconteceu com você? Algo parecido aconteceu uma vez


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 156

comigo. Eu estava carregando os livros de matemática

quando..."

Em pesquisa etnográfica tradicional, o pesquisador sempre se

auto-censura, conta relativamente pouco da própria estória

dele e, em conseqüência, nunca chega a dizer o que ele pensa

ou quer! Isto pode ser bastante libertador para o professor que

está trabalhando com um pesquisador etnográfico, da mesma

forma como falar com o terapeuta pode libertar o paciente de

julgamentos internos e externos que são desagradáveis e

abruptos. Mas nem a entrevista terapêutica nem a etnográfica

são um diálogo verdadeiro porque ambos os parceiros não

são colaboradores iguais no compartilhamento de idéias.

Em nosso diálogo escrito e oral no projeto, os professores

exprimiram preocupação com "gerenciamento". Cada um tem

ensinado pelo menos por 12 anos. Eles se sentiram

sobrecarregados devido ao número de coisas pelas quais eles

eram responsáveis: comportamento do estudante, trabalho

escrito, aproveitamento escolar do estudante e bem-estar

emocional do estudante e dos próprios professores. "Cem por


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 157

cento de responsabilidade", foi a maneira que colocou um

professor. Outra professora disse que ela se deparou,

ocasionalmente, se sentindo responsável pelas situações das

crianças quando a vida dentro de casa era difícil. Estes foram

professores conscienciosos. Eles acharam o trabalho deles

solitário e o encargo de "cem por cento de responsabilidade"

exaustivo.

A equipe de base universitária percebeu as coisas de forma

diferente. Nós podíamos ver as frustrações dos professores

com a administração e a responsabilidade pessoal. Porém,

alguns de nós estávamos preocupados com o "currículo"

relacionado às preocupações expressas pelos professores com

o gerenciamento. Um de nós era especialista em artes de

linguagem e no ensino da escrita. Nós identificamos

problemas no ensino tradicional de leitura nas salas de aula,

nos grupos de leitura ordenados segundo a habilidade

reunidos um por um, enquanto o resto da sala fazia trabalho

sentado (individualizado) - completando páginas de livros de

exercícios e cópias de papéis que forneciam a prática em


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 158

habilidades específicas de leitura e matemática. À medida que

o tempo do grupo de leitura passava, o "gerenciamento"

perdia entusiasmo, e enquanto alguns estudantes acabavam

rapidamente o trabalho sentado e mudavam para outras

coisas (incluindo leitura de livros num canto da sala), outros

permaneciam nos trabalhos sentados e pediam ajuda a outros

estudantes ou desistiam frustrados de seu trabalho. Se os

alunos do trabalho individualizado pediam ajuda a outros

alunos ou começavam a tagarelar ou cochichar com outros

colegas para se divertirem, as suas ações, vistas da cadeira do

professor, pareciam ser no grupo de leitura uma "conversa

com seu vizinho" o que não era permitido porque era visto

como "fora da tarefa". Além disso, após o trabalho ser

terminado, o professor tinha que encarar a correção de todos

estes trabalhos. Os produtos desse trabalho individualizado

foram juntando-se à carga de trabalho com os papéis dos

professores.

A um número de pesquisadores da universidade parecia que

estas maneiras de ensino da leitura e da escrita estavam


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 159

exacerbando o gerenciamento dos problemas de sala de aula e

exaurindo a energia dos professores. Alguns pesquisadores

estavam frustrados ao observar o que pareciam ser estratégias

de ensino de auto-anulação. Entretanto, os pesquisadores

enfrentavam o dilema. Por um lado, o contrato feito com os

professores era que eles tomariam a iniciativa de identificar os

problemas para reflexão e atuação naquilo que enfocássemos

juntos. Por outro lado, parecia que os professores não estavam

cientes de um importante aspecto do problema que eles

apresentaram como o mais importante para eles. Se a equipe

da universidade apenas "diagnosticasse" os professores,

agindo como típicos supervisores ou equipe de

desenvolvimento e os assessorasse para definir o

gerenciamento, seriam repetidos velhos padrões pragmáticos

de ensino.

Dar aos professores um conselho sem este ter sido pedido não

é colaboração. Contudo, se os pesquisadores apenas

mantivessem suas bocas fechadas e concordassem

completamente com a agenda estabelecida pelos professores,


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 160

esta atitude não seria colaborativa porque envolveria

falsidade; seria um silenciar não autêntico de opiniões da

equipe da universidade. Ambos os grupos de atores possuem

peças do quebra-cabeça, mas as peças são diferentes. Se um

tipo diferente de ensino da arte de linguagem fosse tentado

(escrita com fim em aberto, trabalho cooperativo, grupo

heterogêneo de leitura), o trabalho do estudante em sala de

aula pareceria bem diferente. A orientação do trabalho do

estudante mudaria necessariamente em termos do currículo e

modos de instrução. Assim, não se poderia dizer que os

professores estavam simplesmente errados em estabelecer a

coordenação a partir da preocupação mais importante ou que

a equipe da universidade estava simplesmente certa em

identificar o currículo como um problema fundamental.

2. Professores e Estudantes em Colaboração


Ao final de setembro de 1985, os professores, o diretor e a

equipe de pesquisa estiveram trabalhando juntos por 5 meses,

sem contar o verão que tinha recém terminado. Havia um

professor novo também. Um dos professores da primeira série


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 161

ficou doente, não retornou à escola e foi substituído por um

professor de segunda série, um voluntário que se juntou ao

projeto.

O intercâmbio semanal no jornal tinha começado com o início

do ano escolar, assim como os "encontros do time" semanais

para discussão e entrevista da equipe da universidade com os

professores e também os encontros de duas em duas semanas

de todos os participantes envolvidos no projeto. Subitamente,

nas primeiras semanas de outubro, todos os três professores

iniciaram tentativas para novas abordagens em suas salas de

aula. Kathy, uma professora de primeira série, descobriu que

um exercício de matemática que ela adotara para dar

continuidade à lição sobre o conceito de "mais um" estava

confundindo os estudantes. No dia seguinte, ela trouxe cubos

manipulativos e unifixos e colocou as crianças trabalhando

juntas em pequenos grupos utilizando os cubos para

demonstrar "mais um". Usando os blocos as crianças podiam

observar o pensamento umas das outras, e o professor era

capaz de percebê-lo também. Isso era um tipo de colaboração


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 162

- não apenas trabalhar em grupos, mas fazê-lo de maneira a

revelar, de forma mais clara, o pensamento de uma pessoa

para as outras - compartilhando revelações do pensamento

entre estudantes e também entre os estudantes e o professor.

Fran, a professora de segunda série, estava preocupada com a

"dispersão" dos estudantes na sala aquele ano. Ela tinha duas

crianças que eram consideradas talentosas e alguns poucos

estudantes cujos desempenhos na leitura eram os mais baixos

que ele havia tido em anos. Ela também estava preocupada

em fazer da sala de aula um lugar social e emocionalmente

seguro para os alunos, no qual eles pudessem cometer erros e

tivessem oportunidade de experimentar coisas novas. Um dia

o grupo "fraco" de leitura estava "martirizado" em todos os

sentidos: os estudantes se tornaram desinteressados à medida

que um aluno após o outro lia de forma vacilante, em

comparação ao leitor básico; o professor olhou o pesquisador

com uma expressão penalizada quando o último leitor

capacitado na sala não prosseguiu na sua vez de ler em voz

alta, e o pesquisador se sentiu extremamente desconfortável


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 163

ao observar e tomar notas.Ele escreveu no intercâmbio do

jornal no dia em que o grupo fraco de leitura parecia

contradizer o objetivo de segurança do professor - parecia ser

um lugar para "a demonstração pública de incompetência".

Quando a professora leu isto, ficou primeiramente ofendida,

mas ela se lembrou que no diálogo com o pesquisador, ele

tinha se mostrado genuinamente preocupado com ela e com

os estudantes. Ela falou com Kathy, que lhe sugeriu tentar

usar o próprio material escrito pelas crianças como o material

para os grupos de leitura. Fran começou a fazer isto, pedindo

aos mais habilitados leitores e escritores para escreverem suas

próprias estórias e aos menos habilitados ditarem as estórias

para ela. Ela decidiu chamar cinco crianças de uma vez para

formarem um grupo, combinando níveis de habilidade.

Trabalhando com a equipe da universidade, ela planejou

meios adicionais para colocar os alunos de melhor e os de pior

desempenho da sala juntos, num trabalho cooperativo em

atividades de grande interesse. Os alunos começaram a

colaborar mais entre si e com o professor. A professora


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 164

colaborou com seu colega que sugeriu uma nova estratégia de

ensino e também com os pesquisadores visitantes em sua sala

de aula, com quem ela debateu idéias e desenvolveu novas

estratégias para lidar pedagogicamente com os temas de

"segurança" e "dispersão".

Na mesma semana, Teresa também começou a instituir

mudanças fundamentais em sua sala de aula. Ela estava

particularmente preocupada com os resultados do trabalho

em sala de aula. Ela queria reduzir a quantidade de papéis de

trabalho que os professores tinham a cada semana e estava

preocupada com o desenvolvimento de responsabilidade nos

alunos por suas próprias ações. (De fato, foi Teresa quem

inventou o termo "cem por cento de responsabilidade" em

uma de nossas primeiras reuniões do projeto). Segundo ela,

"responsabilidade do aluno" era, primeiramente, as crianças

seguirem regras de sala de aula que o professor havia

definido. Mas então a natureza da "responsabilidade"

começou a mudar em seu entendimento e prática.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 165

Teresa recebeu vários estímulos que contribuíram para a

mudança. Alguns deles vieram dela mesma ao refletir sobre

seus objetivos, alguns vieram da reflexão e mudança

percebida em seus colegas. Um estímulo veio de um

comentário de um integrante da equipe da universidade que

levantou a questão sobre o valor educacional dos métodos de

ensino de leitura da que ela usava. Quando esta questão foi

levantada, ela ficou inicialmente ofendida, como Fran tinha

ficado quando um pesquisador questionou o que ela estava

fazendo. No entanto, Teresa sentiu que vinha questionando

seu próprio método de ensino cada vez mais profundamente e

o comentário do pesquisador tinha ressonância dentro dela

ainda que os sentimentos mobilizados fossem desagradáveis.

Teresa decidiu então organizar suas crianças em grupos de

aprendizagem cooperativa que iriam circular pelos centros de

ensino. Responsabilidade pela aprendizagem e para a

avaliação do aprendizado seriam partilhadas de novas

maneiras pelo professor com os estudantes. As mudanças no

tempo de trabalho individualizado que Teresa havia


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 166

começado finalmente se desenvolveram em profundas

transformações da visão social e acadêmica do ensino de

leitura e escrita e, também, da ciência e matemática. Nos

centros de aprendizagem os estudantes desenvolveram muito

mais a escrita com final em aberto do que antes. Tarefas mais

ricas em opções do que as fichas de trabalho individualizado

usadas, tornaram-se o foco dos centros de aprendizagem.

Teresa levou tempo para planejar aquelas tarefas, mas foi

bem-sucedida em reduzir consideravelmente o tempo

despendido em revisões de trabalhos escritos, uma vez que os

alunos estavam fazendo menos trabalhos por semana. O velho

padrão de "conduta" desinteressada foi substituído, à medida

que o tempo do trabalho individualizado se reduzia passava,

por um compromisso mais firme em altos níveis de

desempenho acadêmico. Esta substituição aconteceu com

dificuldade ocorrendo na medida que a própria natureza do

"trabalho" ia mudando.

Todos os três professores descobriram que o nível de

envolvimento do aluno aumentou conforme as tarefas


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 167

designadas para eles se tornavam mais interessantes,

envolvendo mais escolha e dividindo mais responsabilidade

entre os estudantes e entre eles e os professores. A escrita do

estudante representou um papel importante nas mudanças

em sala de aula feitas por cada professor. Anteriormente, a

escrita do aluno (além daquela feita nas páginas do caderno)

envolvia construções de sentenças a partir de listas de

palavras escritas pelos professores no quadro de giz a cada

manhã antes da aula. Conforme os professores começavam a

experimentar novas maneiras de ensino em várias áreas de

assuntos, eles passavam a usar mais escrita com final em

aberto e também consulta de escrita cooperativa entre os

estudantes como uma solução para ganhar e manter a atenção

dos estudantes.

Não só o nível de envolvimento dos estudantes aumentou

conforme as tarefas de sala de aula iam se tornando mais

colaborativas e mais ricas intelectualmente, mas também a

qualidade do desempenho dos alunos aumentou. Os alunos

estavam trabalhando mais tempo em tarefas mais difíceis,


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 168

produzindo um trabalho melhor do que antes. Os professores

consideraram esta animação a recompensa pelo esforço

empregado em mudar a sua prática. Eles perceberam que eles

mesmos estavam esperando mais de seus alunos do que antes.

Em uma de nossas reuniões de planejamento Teresa

apresentou um "insight" sobre expectativas usando uma

imagem forte. Ela falou que estava pensando sobre o

recipiente que vinha todo ano com grilos para um dos

projetos de ciência do S.C.I.S.. Ela observou que quando se

tirava a tampa do recipiente, os grilos não pulavam para fora.

Presumidamente, eles tinham aprendido onde estava o teto

formado pela tampa e não pulavam mais alto que este. Aquilo

era o que tinha acontecido com seus alunos e com ela. Eles

tinham, inadvertidamente, construído um teto-máximo de

desempenho na sala que era menor do que as suas

possibilidades. Conforme o teto-máximo de desempenho

crescia na sala, professores e alunos perceberam que podiam

fazer melhor do que vinham experimentando.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 169

3. Professores e Administradores em Colaboração


A diretora prestava atenção ao que Teresa falava e só tomou a

palavra quando Teresa acabou. Ela já vinha discutindo com a

equipe da universidade e com seus colegas da equipe da

escola, questões sobre o seu papel de liderança. Sentindo-se

tocada pelo que Teresa acabara de falar, a diretora percebeu

um paralelo entre o que os professores estavam

experimentando em suas salas de aula e o que ela estava

experimentando em seus relacionamentos com a equipe da

escola. Ambos estavam compartilhando de novas maneiras

com seus subordinados. Na medida em que a diretora pedia

ao corpo docente que tomasse decisões sobre seus trabalhos,

ela percebia que o teto de desempenho deles subia. O antigo

"efeito do teto" que limitava o que as pessoas tentavam

realizar parecia ter funcionado tanto na equipe de professores

como entre os professores e as estudantes. Quando a diretora

começou a dividir autoridade, o teto de desempenho e

expectativa começou a aumentar na equipe de professores.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 170

Poucos meses após esta reunião da equipe do nosso projeto,

um encontro da equipe de professores foi marcado para antes

do horário da escola. Durante a noite, neve e chuva

começaram a cair. A diretora vivia bem longe dali.

Considerando que o tempo e o tráfego iriam impedi-la de

chegar na escola a tempo para a reunião, ela telefonou a para

escola e deixou um recado dizendo que os professores

deveriam ir em frente e fazer a reunião mesmo sem ela. Os

professores, reunidos, tomaram algumas decisões, adiaram

outras até que eles pudessem se encontrar com a diretora e

identificaram novos assuntos a serem considerados na

próxima reunião. Quando a diretora chegou, logo após a

abertura da escola, ela recebeu a notícia da reunião. Todo

mundo concordou que tal tipo de reunião nunca teria

acontecido durante a gestão do último diretor. Se o outro

diretor não pudesse comparecer, a reunião teria sido

cancelada. A nova diretora era um novo tipo de líder. Juntos,

ela e os professores, estavam vivenciando tipos de liderança

que eles nunca tinham assumido antes.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 171

4. Conclusão
É notável como a confiança e risco estão envolvidos na

colaboração. A nova diretora confiou na equipe de professores

de outras formas, mas não sem risco. Os professores

confiaram, em seus alunos, de outras formas, mudando a

natureza de alguns trabalhos diários de sala de aula. Isto

envolvia risco. Na medida em que as tarefas de sala de aula

ficavam mais em aberto, o que poderia ocorrer se os

estudantes se perdessem nelas ou as abandonassem? Seriam

os estudantes mais difíceis de lidar do que antes? O que a

nova diretora pensaria dos professores, o que pensariam

outros professores na escola, se suas experiências de dividir

autoridade e responsabilidade com seus estudantes tivessem

fracassado redondamente? Havia riscos para os estudantes

também - à medida que o trabalho da sala de aula assumia

uma direção colaborativa, mostrava o pensamento deles de

forma mais clara, para o professor e para outros alunos. Tal

avaliação envolveu risco.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 172

Por sua vez, os pesquisadores corriam novos tipos de risco.

Eles concordaram com os professores e com a diretora não

apenas em fazer pesquisa, mas também em desenvolver um

relacionamento que criasse uma equipe colaboradora. O

acordo foi estabelecido de maneira que os professores iriam

agendar sua própria aprendizagem e mudança. O que

aconteceria se os pesquisadores falassem e escrevessem o que

eles pensavam durante o diálogo com os professores, quando

parte do que os pesquisadores pensavam eram críticas sobre a

prática dos professores? Como ser honesto sem ser coercitivo

ou arrogante?

Todos os participantes enfrentaram um risco que é

fundamental numa situação de colaboração prolongada. O

risco era o salto de fé requerido para confiar que um colega de

trabalho não iria "tirar o corpo fora" uma vez que todos

adquirimos mais confiança um no outro, descobrindo que

podíamos contar cada vez mais um com o outro. Apesar da

insegurança e apesar de alguma raiva e lágrimas, nós

conseguimos executar mais trabalho em conjunto do que se


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 173

qualquer um de nós estivesse trabalhando sozinho.

Colaboração envolve a exposição do trabalho de alguém para

os companheiros de trabalho. Isto pode ser, a princípio,

ameaçador. Em nosso projeto, os participantes expuseram,

através do diálogo oral e escrito, seu trabalho e o seu

pensamento. O diálogo ocorreu dentro e entre conjuntos de

papéis - professor, aluno, administrador, pesquisador - que

não estão normalmente ligados pela comunicação em mão-

dupla tão intimamente como nós experimentamos. O diálogo,

na situação de colaboração, coloca mais visíveis as diferenças

entre pontos de vista que as diversas pessoas trazem para seu

trabalho. Tornar mais explícita a divergência de ponto de

vista poderia ser encarado como motivo de divisão. Todavia,

nós não sentimos assim. Parecia que quanto mais as pessoas

em diferentes papéis viam a perspectiva das outras, mais elas

percebiam o trabalho de elaboração mental de cada uma, o

que significava olhar a outra como um ser razoável, sensato,

que faz sentido.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 174

Isso não aconteceu sem haver conflito. Basta lembrar das

tensões entre os pesquisadores e os professores. Houve

também tensões entre os professores e seus alunos à medida

que o relacionamento entre ambos ficava mais colaborador.

Apesar disso, quando os diversos membros da equipe

mostravam cada vez mais sua diversidade de pontos de vista,

eles não acabavam todos pensando de forma semelhante.Pelo

contrário, parece que as tentativas de colaborar e de ser

progressivamente mais explícito sobre as diferenças de

opinião permitiram aos participantes do projeto elaborarem as

tensões que foram resolvidas mais facilmente do que se

tivesse havido menos diálogo e, conseqüentemente, menos

clareza de compreensão sobre o que os outros estavam

pensando.

Estou seguro de que nossa experiência não foi única, e que

existem lições gerais a serem tiradas das estórias particulares

relatadas aqui. Especialmente significativo foi o papel que a

escrita teve em nosso diálogo e na colaboração. Foi um meio

importante através do qual os adultos do projeto exploraram


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 175

novos tipos de comunicação e mudaram as relações de ensino

e aprendizagem em sala de aula.

Outra característica significativa de nossa experiência foi que,

os professores, uma vez aptos, se movimentavam

rapidamente para fazer mudanças na prática de sala de aula,

que, com o tempo, se transformaram em mudanças

fundamentais.Ao darem os primeiros passos para a mudança

eles não contaram principalmente com o conselho da equipe

da universidade ou da diretora. Os professores se

consultaram primeiramente entre eles, usando o

conhecimento sobre as novas práticas (escrita com final em

aberto, centros de ensino, manipulativos em matemática) que

eles já conheciam, mas ainda não havia tentado usar

plenamente na sua prática de ensino. Logo, com o

desenvolvimento da mudança, os professores procuraram

alguma assistência técnica por parte dos pesquisadores e da

diretora. Todavia eles começaram por si próprios. A equipe

da universidade pode ter sido um catalizador da mudança,


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 176

mas a mudança que ocorreu foi iniciada e pertenceu aos

professores.

Se isso for verdade de forma ampla, é um sinal de esperança.

Se os professores experientes já possuem muito do

conhecimento de que eles precisam para melhorar sua prática,

então o seu conhecimento pode ser ativado (deslanchado)

através de esforços de colaboração na profissionalização, nos

quais as próprias iniciativas dos professores e as respostas de

seus alunos em sala de aula tornaram-se a maior força

motivadora na reforma educacional. Novas e melhores formas

de associação entre professores e estudantes em sala de aula,

com os administradores, com seus colegas professores e com

os pesquisadores que também são educadores de professores

podem estimular a aprendizagem em todos aqueles que

participam da colaboração. Nesse tipo de aprendizagem,

ninguém escapa dos clássicos dilemas da aprendizagem. Mas

nessa aprendizagem pode-se conviver com tais dilemas e o

conflito inerente a eles de forma mais criativa, usando sua

própria energia mais positivamente que antes. Isto constitui a


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 177

própria reforma educacional, porque aprendizagem que é

profunda e genuína nos re-forma e fortalece, assim como

fortalece nosso trabalho e nossa colaboração com os outros.

5. REFERÊNCIAS

CAMPBELL, D. Collaboratioon and contradiction in Staff Development Project Teachers College


Record 90 (1988), No prelo.
ERICKSON, F. Qualitative Research on Teaching In Handbook of Research on Teaching. 3rd Ed.,
edited by M. Wittorock. New York: Macmillan, 1986.
LAMPERT, M. How Do Teachers Manage to Teach? Perspectives on Problems in Practice. Harvard
Educational Review 55 (1985): 178- 194.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 178

Capítulo 5

Registros audiovisuais como fonte primária de dados


Frederick Erickson 8

A compreensão completa da reflexibilidade da ação social

necessita de especificação dos modos da coordenação

interacional através da investigação (1) dos conteúdos

diretamente observáveis da ação, e (2) das interpretações dos

significados mantidos pelos atores. Esse artigo vai delinear os

procedimentos para a análise dos registros de Som-Imagem

(RSI) da interação, identificando a organização hierárquica,

sub-eventos constituintes e comportamentos mais ou menos

típicos. A abordagem defendida é a de se movimentar a partir

de um evento como um todo, para os sub-eventos

8 ESSE TEXTO TRADUZIDO COM AUTORIZAÇÃO DO AUTOR, POR CARMEN LÚCIA


GUIMARÃES DE MATTOS. FOI ORIGINARIAMENTE PUBLICADO SOB O TÍTULO
AUDIOVISUAL RECORDS AS A PRIMARY DATA SOURCE.IN A. GRIMSHAR (EDITORS)
SOCIOLOGICAL METHODS AND RESEARCH (SPECIAL ISSUE ON SOUND-IMAGE RECORDS
IN SOCIAL INTERACTION RESEARCH), 1989, 11 (2) 213-232.
NOTA DO EDITOR DO ORIGINAL. PODEMOS DIZER QUE QUASE METADE DO ARTIGO
ORIGINAL DO PROFESSOR ERICKSON FOI CORTADA. OS MAIORES CORTES FORAM FEITOS
NO MATERIAL DE (1) EMBASAMENTO TEÓRICO, E (2) CUJA SUPERPOSIÇÃO OCORRE
SUBSTANCIALMENTE COM OUTROS ARTIGOS SOBRE ESTA QUESTÃO DOS MÉTODOS E
PESQUISA SOCIOLÓGICA. NO DECORRER DESSES CORTES, MUITAS REFERÊNCIAS
CRÍTICAS TAMBÉM FORAM PERDIDAS: O PROFESSOR ERICKSON NÃO É RESPONSÁVEL
POR SUA AUSÊNCIA. SENTIMOS QUE POR CAUSA DAS LIMITAÇÕES DE ESPAÇO, NÃO
PUDEMOS PUBLICAR O ARTIGO EM SUA ÍNTEGRA. ADG E DH.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 179

constituintes e os comportamentos mais ou menos típicos. O

método da Microetnografia é contrastado com a observação

participante mais tradicional.

Como outros estudantes de interação face a face, desde o

tempo de WEBER (1922:30) e mesmo antes, eu vejo o

fenômeno como um fenômeno de reciprocidade e de

complementaridade em sua atuação no tempo, e cultural e

socialmente organizado. A compreensão total da

reflexibilidade da ação social requer uma especificação dos

modos de coordenação interacional pela investigação (1) do

conteúdo da ação diretamente observável, e (2) das

interpretações dos significados mantidos pelos atores, que

devem ser deduzidos da observação das reações dos parceiros

um com relação ao outro durante o evento, e das entrevistas

dos participantes (e de outros informantes) após o evento para

esclarecer suas interpretações do que estava sendo feito. Parte

do conteúdo dessas interpretações é geralmente

compartilhado entre os informantes, derivando de padrões

culturalmente apreendidos para julgar o significado e a


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 180

adequação. Outros aspectos do conteúdo das interpretações

são específico-pessoais e específicos dos eventos, e são

proveniente das diferentes biografias e personalidades dos

participantes no evento (ou outras pessoas como tópicos) e da

estória interna exclusiva do evento propriamente dito.

Um aspecto chave dessa perspectiva teórica é o que os

parceiros em interação consideram das ações uns dos outros

no tempo real. A organização social de uma interação face a

face possui duas dimensões: a recíproca (num sentido menos

abrangente do que considerou WEBER) e a complementar. A

dimensão recíproca, como foi usada aqui, se refere às relações

de alternância e de seqüência através de momentos sucessivos

do tempo real. Os parceiros em interação levam em

consideração as ações uns dos outros retrospectivamente,

reagindo ao que foi feito por alguém no momento exatamente

anterior. Eles também levam em conta as ações uns dos outros

perspectivamente antecipando o que acontecerá em seguida e

ao fazer isso, freqüentemente sinalizam a alteração do que o

ego espera que aconteça em seguida. Em pesquisas recentes, a


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 181

dimensão recíproca (seqüencial) da organização social da

interação foi considerada mais inteiramente pelos analistas

conversacionais (SACKS et al., 1974; SCHENKEIN, 1973). Um

exemplo de organização recíproca é a relação de proximidade

e seqüência em uma série de rodadas de perguntas e respostas

em uma conversa.

A interação face a face também possui uma dimensão

complementar de organização no tempo real. Isto envolve as

relações entre as ações simultâneas dos parceiros em

interação. Verbalmente e não-verbalmente, a qualquer

momento, os interlocutores levam em conta o que os outros

estão fazendo naquele momento, ou acabaram de fazer, ou

ainda estão para fazer em seguida. Por exemplo, enquanto os

interlocutores estão falando, os ouvintes estão ouvindo ao

mesmo tempo. O comportamento de ouvir e de falar co-

ocorrem simultaneamente e em sincronia, cada parceiro

completando (complementando) a ação do outro. Em

pesquisa recente, a dimensão de complementaridade

(simultânea) da organização social da interação foi


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 182

considerada mais inteiramente pelos analistas de contexto,

notadamente por CONDON (1974, 1976), KENDON (1977), e

por SHEFLEN (1973), que foram influenciados pelos

antropologistas BATESON (1956, 1972) e por BIRDWHISTELL

(1970).

A realização bem sucedida da interação conversacional requer

que os participantes compartilhem de pelo menos algum

conhecimento das regras gerativas, ou dos princípios

operacionais, para a adequada ação verbal e não-verbal; isso é o

que HYMES (1974) chamou de competência comunicativa. O

conhecimento das prescrições de papel ou das regras para a

produção da fala não precisam ser nem idênticas entre os

indivíduos nem completas dentro de todo o grupo a fim de

que a interação prossiga; no entanto, diferenças bem pequenas

nas regras podem gerar dificuldades ainda maiores na

comunicação (ERICKSON & SCHULTZ, 1982; GUMPERZ,

1982; SCOLLON, 1982).

Alguns dos tipos de perguntas levantadas pela perspectiva

teórica foram delineadas aqui por mim: Como podemos saber


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 183

quando alguém está zangado, feliz ou sendo irônico? Como

podemos saber quando uma coisa nova e importante está

começando a acontecer em um evento? Como as pessoas se

reconhecem e reagem às rupturas na ordem social da

interação? Como é que as sanções positivas e negativas são

feitas comportamentalmente, e o que fica sancionado? Como é

que as mesmas pessoas se movem, dentro da interação, de um

conjunto de papéis e relações de “status” para outro, dentro e

através de eventos - de super-ordenação e de subordinação

para um relacionamento de maior igualdade, da

informalidade para a formalidade, da conduta de acordo com

regras burocráticas e protocolares para um modo mais

pragmático, modos de relação menos sacramentais, no qual

procedimento padrão de operação podem ser suspensos?

Qual é a extensão do conhecimento e habilidade

comunicativas de que um indivíduo precisa para estar

capacitado a interagir efetivamente e apropriadamente dentro

e através de uma variedade de ocasiões sociais - qual é o

repertório de interação de um indivíduo?


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 184

Essas são questões sobre a organização da interação face a

face que se articulam com questões de interesse clássico para a

sociologia: burocracia, conflito social, cooperação, status social

com relação ao poder, influência e autoridade. As questões

presumem que os construtos sociológicos tal como status, são

construídos dentro da interação, e que é importante entender

a vida social como ela acontece. Uma perspectiva particular é

tomada sobre a natureza da sociedade e sobre a ordem social

propriamente dita. O restante deste artigo é dirigido para a

demonstração de como, através da análise conversacional

realizada por sociolingüistas contemporâneos, através da

microetnografia feita por antropólogos e através de estudos

sobre a coerência do discurso feita por lingüistas, poderemos

começar a encontrar respostas para tais questões.

1. Duas preliminares
Antes de voltar a uma descrição dos procedimentos analíticos,

quero enfatizar dois pontos tratados nos artigos sobre essa

questão por CORSARO & GRIMSHAW. Primeiramente, como

ambos observaram, nenhum RSI constitui um registro


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 185

completo de qualquer evento ou comportamento em um

evento, e o registro do RSI de valor teórico ótimo necessita

cuidadosa atenção nas considerações de amostragem. Para

meus propósitos, isso significou a identificação da extensão

completa da variação na organização da interação em

qualquer ambiente, rede de trabalho ou comunidade que seja

a unidade de análise, e estabelecendo-se a tipicalidade e

atipicalidade (freqüência relativa de ocorrência) de vários

tipos de eventos e modos de organização de interação das

fases constituintes dentro de um evento, e de casos

particulares destes através da extensão total de diversificação

a ser encontrada no ambiente, rede de trabalho ou

comunidade. Em segundo lugar, ao se estabelecer essa

extensão, e ao se especificar a tipicalidade e a atipicalidade, é

necessário antes que haja um trabalho de campo etnográfico

contínuo. A progressiva resolução dos problemas é inerente

aos métodos de observação participativa etnográfica e aos

métodos de análise microetnográfica ou da análise

sociolingüística do RSI da interação humana face a face. Na


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 186

observação participante, o pesquisador utiliza seu tempo

repetidamente observando eventos recorrentes. Na análise

microetnográfica do RSI, o pesquisador repetidamente revê os

arquivos do mesmo evento. Em ambas as abordagens, o

pesquisador estará tentando entender os eventos cujas

estruturas são muito complexas para serem compreendidas

todas de uma só vez; a permanência do RSI e a descoberta do

contexto possibilitada pelo trabalho de campo,

conjuntamente, ajudam a suplantar os limites da capacidade

de processamento cognitivo humano. Enquanto eu não trato

especificamente do contexto situacional na discussão que se

segue, eu a considero como sendo fundamental para um

embasamento para a análise do RSI.

2. Analisando o registro áudio-visual


A interação face a face é hierarquicamente organizada no

tempo real, como um evento completo divisível (tanto pelos

analistas quanto pelos participantes no evento) em sub-

eventos constituintes ou atividades, que são por sua vez

divisíveis em unidades de ação ainda menores. Essas


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 187

atividades em todos os seus níveis de organização podem ser

consideradas como trabalho. Em uma análise, o interesse está

em se identificar a divisão de tarefas naquele trabalho,

mostrando como, por exemplo, o comportamento de ouvir do

ouvinte está funcionalmente relacionado ao comportamento

da fala do interlocutor. O interesse é em mostrar como

comportamentalmente o que da ação social é feito; a ação

social que é significativa para os atores mesmos, se sua

compreensão do significado está explícita e refletida ou se está

implícita e fora da compreensão consciente.

Ao se rever o RSI, as unidades de ação social analiticamente

distinguíveis são encontradas registradas em faixas de filmes

ou fitas. Concretamente a tarefa do analista é de recuperar os

dados comportamentais dessas faixas de gravações.

Mecanicamente, as faixas de fitas ou filmes podem ser

repassadas para frente ou para trás no tempo de duração real

da gravação original ou (com algum equipamento) de trás

para frente e de frente para trás em velocidades maiores ou

menores do que a do tempo real de duração.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 188

O trabalho do analista envolve uma interface comum entre a

capacidade da máquina para o armazenamento de

informações através de gravação, (e para a recuperação de

informações através de uma variedade de modos de

retrocesso) e a capacidade humana para o processamento de

informações através da observação visual e auditiva do

arquivo audiovisual. A máquina ajuda o observador a

recordar e a refletir, mas é o observador quem tem que

analisar. Os RSI, como notas de campo do observador são

fontes de dados, dos quais os dados serão construídos. Logo

no início da análise, o investigador tem que fazer duas

escolhas estratégicas: (1) Que faixas (de que extensão) devo

olhar mais atentamente? (2) O que vou procurar? Há três

princípios gerais que devem ser considerados ao se selecionar

uma faixa da fita para seja revisado e para se selecionar o foco

particular de atenção em repetidas observações. (1) Ao ver

pedaços de fita de um todo, proceda do todo para o

específico; primeiramente reveza as faixas completas, depois

faça a revisão das unidades constituintes menores dentro da


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 189

faixa maior, aumentando o foco de atenção à medida que o

comprimento da faixa de fita se torna mais curto. (2)

Mantenha um foco de atenção através da revisão de uma dada

fita. (3) Em repetidas revisões de uma faixa de fita,

primeiramente olhe para a forma global da ação, então depois

para as unidades comportamentais constituintes que formam

a ação e então retorne à consideração das unidades

comportamentais em termos de ações que compreende.

3. Análise de cima para baixo, do todo para o particular


A abordagem que recomendo é de se mover considerando o

evento como um todo para partes constituintes menores. Nas

páginas seguintes, descreverei esse processo mais

concretamente; os leitores devem manter em mente que a

progressão de estágio para estágio raramente é diretamente

seqüencial; descobertas em níveis de maior precisão de análise

freqüentemente respondem às perguntas geradas por revisões

das unidades mais inclusivas.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 190

4. Estágio 1: revisando o evento todo.


Simplesmente o que constitui o evento todo nem sempre é

claro. HYMES (1974) faz a distinção entre as situações de fala

(cerimônias, jantares, festas, seminários), eventos de fala

(situações do dia-a-dia engraçadas, conversas, apresentações

de teses), e atos de fala (piadas, narrativas, perguntas). Os

participantes nomeiam as faixas de interação: eles relatarão

que tiveram uma entrevista para um emprego novo ou uma

conversa ou que foram chamados atenção. O problema é,

naturalmente, que essas distinções analíticas se tornam

confusas quando os eventos e atos da fala são simultâneos

(por exemplo, um aviso que é feito aos gritos) ou quando os

eventos estão agrupados (argumentos que estão dentro de

conversas que estão dentro de entrevistas). Quando me refiro

a eventos como um todo, quero me referir a fenômenos como

entrevistas para um emprego, ou defesas de teses. Como será

visto, diferentes procedimentos de segmentações podem ser

empregados para a identificação de faixas de fita que serão

estudados dentro de tais eventos.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 191

A localização do início e do final de um evento como um todo

também pode ser problemático; por esta razão, o ideal é que o

investigador colete o comprimento do RSI antes do suposto

início e depois do final suposto - os quais não são freqüentes

pontos discretos. A identificação desses pontos (ou regiões

aproximadas) é uma decisão analítica que deve ser

documentada. A principal fonte de evidência para um ponto

de transição, ou junção, é o contraste na forma de

comportamento de continuidade - por exemplo, na entrada ou

saída dos participantes de um lugar ou para um lugar no

tempo e no espaço, um reposicionamento das posições

posturais e na distância interpessoal entre os participantes,

mudanças de quem fala e de quem ouve, mudanças do tom

de voz e velocidade da fala, mudança da orientação do olhar.

Todas essas mudanças no comportamento manifestam uma

alteração do trabalho coletivo que está sendo feito

interacionalmente, e uma alteração na divisão das tarefas

daquele trabalho.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 192

2. Começando antes mesmo que um novo trabalho (evento)

tenha sido iniciado e continuando depois que ele tenha sido

concluído e que alguma nova atividade tenha começado, o

filme ou a fita é visto a uma velocidade regular, com

retrocesso tanto do som quanto da imagem sem parar.

Enquanto a fita ou o filme é assistido, é feita a anotação de

observações, exatamente o mesmo tipo que é feito quando se

faz a observação participante. Essas observações descrevem o

curso global da ação, como ela pode ser vista no tempo real.

Elas incluem uma primeira aproximação da transcrição

literal/textual de partes da conversa, uma descrição dos

padrões globais de comportamento não-verbal, e uma nota

sobre a localização aproximada das ocorrências observadas no

tempo real. A atenção é focalizada nas ações de todos os

participantes do evento, não apenas nas ações de um único

indivíduo.

Após a visão inicial, todo o evento poderá ser revisado muito

outras vezes sem interrupção, possivelmente adicionando

informações extras. O investigador deve principalmente


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 193

observar e ouvir, a fim de obter mais sentido do evento como

um todo, e para identificar a localização aproximada dos

principais segmentos constituintes e suas estruturas de

participação, como, por exemplo, aberturas, fechamentos e

outras principais mudanças de atividades. O último passo

desse estágio, é a preparação de um resumo e de um

comentário interpretativo, e tendo decidido sobre os limites

do evento como um todo, de se fazer uma cópia para uma

análise mais detalhada. Essa cópia deve começar a partir de

trinta segundos até um minuto antes do suposto início do

evento, deve continuar cerca do mesmo tempo após o fim do

suposto final, e deve ainda incluir um código de tempo

visível.

3. O código de tempo permite que o analista localize com

precisão o local e a co-ocorrência no tempo real do

comportamento verbal e não-verbal de um único indivíduo e

de todos os participantes. Após a colocação do código de

tempo na cópia da fita ou do filme, o analista está pronto para


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 194

começar a revisá-la repetidas vezes, fazendo paradas

freqüentes para repassar segmentos curtos.

5. Estágio dois: identificando os principais segmentos constituintes do


evento.
Há geralmente cerca de três a cinco segmentos primários

constituintes de ação dentro de um evento. Em eventos com

um foco instrumental central, tal como o de se alimentar um

bebê, ler uma estória para uma criança ou de ser participar de

uma reunião de um comitê, três principais segmentos

constitutivos são freqüentemente encontrados, chamadas,

fases de começar, de principal foco instrumental e de

conclusão (durante o qual, a atividade do principal foco

instrumental é concluída e a transição para o evento seguinte

é prefigurada). A fase do foco instrumental principal

freqüentemente tem partes constituintes distintas.

Os limites entre as principais partes constituintes podem ser

localizados por procedimentos de observação como aqueles

utilizados para a localização do início e do final do evento

como um todo. Os limites dos segmentos são marcados pelos


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 195

contrastes do comportamento não-verbal de continuidade; os

contrastes na forma comportamental são freqüentemente mais

sutis do que aqueles encontrados em limites mais amplos. Em

um limite entre um evento e o seguinte, as mudanças na

posição postural e na distância interpessoal podem resultar de

uma mudança do pessoal especializado encarregado de um

evento para o seguinte; por exemplo, duas das quatro pessoas

que estavam sentadas em uma mesa se levantam e saem da

sala, então as duas restantes começam o próximo evento

interacional .

4. Um limite inter-eventos poderá ocorrer quando uma das

pessoas se inclina para a frente para alcançar um cinzeiro,

enquanto que outra cruza as pernas; como as mudanças no

trabalho a ser feito são menos extremas, assim também são

pequenas as mudanças de comportamento necessárias para o

cumprimento e a evidenciação daquele trabalho. Muito

embora alguns aspectos de limites marcantes sejam

convenções compartilhadas (isto é, observação monitorada)

ou típicas de indivíduos (exemplo: vários tipos de trabalhos


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 196

especializados com cigarros ou papéis ou aparato pessoal),

outras variam. Por exemplo, no limite do final, o segmento

que tem seu início marcado pela tentativa de alcance de um

cinzeiro e do cruzamento das pernas, a pessoa que cruzou as

pernas poderá mantê-las cruzadas e não fazer nenhuma

modificação postural, mas sim mudar a orientação de seu

olhar e o tom de sua voz. Ao mesmo tempo, a pessoa que

anteriormente pegou o cinzeiro poderá se encontrar e

descansar suas costas na cadeira, então fazendo uma mudança

de postura, mas não mudando seu tom de voz. Algumas

características serão modificadas.

Os segmentos principais dentro dos eventos também são

marcados por mudanças nos tópicos ou em outras unidades

do discurso. Em nosso exemplo hipotético, o casal poderia ter

começado sua conversa na mesa falando sobre o tempo, e

então no que a mulher se reclina e o homem muda a direção

de seu olhar e seu tom de voz, o casal poderia começar a

conversar sobre o que eles pretendem comer no piquenique se

não chover.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 197

A estrutura da participação social também deve ser

considerada; à medida que a natureza do trabalho interacional

muda, também muda a divisão de trabalho. Enquanto a

mulher foi pegar o cinzeiro e o casal conversava sobre o

tempo, a mulher pode ter sido uma interlocutora mais

volúvel, tendo uma elocução mais longa, enquanto que o

homem acompanhou sua fala com breves interrupções

vocálicas como (sim, umhm) e respondia às suas perguntas

com respostas curtas. Após a mudança de tópico, durante o

qual ele fez mudanças no tom de voz e na direção do olhar no

momento em que ela se reclinou na cadeira, o homem poderia

ter assumido um papel de maior volubilidade e os papéis de

quem as faria perguntas e de quem as responderia poderiam

ter sido trocados. Durante este estágio de análise, o

observador utiliza o código do tempo para a localização de

comportamentos e junções no tempo real, preparando um

esquema que forneça tanto uma visão sinótica da estória

completa do evento, quanto um índice bruto para as

informações que foram até então armazenadas e que estão


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 198

disponíveis para serem examinadas em maiores detalhes nos

próximos estágios de análise.

6. Estágio três: identificando aspectos de organização dentro de um


segmento principal particular no evento
Nesse ponto o analista escolhe entre um segmento particular

para maior estudo ou se volta para o estudo de alguma

questão genérica da organização da interação (isto é,

transições de retorno, ou pedidos, ou formação de coalizões,

ou o que seja) que possa ser investigada em mais de um

segmento constituinte.

Suponhamos que ao analisar uma fita de um jantar em

família, consideremos a questão da colaboração de uma

audiência falante, em uma pessoa tendo e mantendo a atenção

da conversa por um extensivo período. Como é que um

membro da família consegue obter e manter essa atenção?

Qual é a relação entre o comportamento de atenção dos

membros da família que estão ouvindo e o comportamento de

fala do membro da família que retém a atenção? Um primeiro

passo desse estudo é o de se revisar a totalidade das


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 199

observações sobre o evento como um todo (o jantar) e as

observações mais detalhadas sobre junções principais e

segmentos dentro do evento para localizar os segmentos nos

quais as pessoas levam longos períodos em suas falas. É

possível que em alguns momentos do jantar ninguém tenha

tido interlocuções extensas enquanto que com outros isso

tenha acontecido. Tendo identificado tal segmento, ele então

será revisto tendo em mente as questões específicas da

pesquisa.

Vamos dizer que o pai da família teve a mais extensa fala

dentro do segmento do evento no qual a maior parte das falas

prolongadas ocorreram. Pode-se então começar com a vez do

pai e se procurar a colaboração da audiência de fala na faixa

da fita na qual a fala do pai foi gravada. A fita seria então

revisada algumas vezes, inicialmente focalizando o que os

membros da audiência estavam fazendo, verbal e não-

verbalmente, enquanto que o pai estava falando, e

procurando diferenças de quantidade e tipos de

comportamento de audição dos vários membros da audiência.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 200

Só então o analista voltaria sua atenção para a fala do pai,

transcrevendo-a, de forma que sua organização no tempo real

fosse mostrada (uma discussão sobre isso aparecerá na

próxima parte). Após a transcrição de toda ou de uma parte

do pai, o analista pode então se voltar para o comportamento

de audição dos membros da audiência. Talvez o

comportamento de ouvir da mãe seja o mais diferente de

todos os membros da família que estavam ouvindo o pai.

Caso isso seja verdade, o comportamento verbal e não-verbal

dela seria transcrito na mesma escala de tempo que foi

utilizada para transcrever o do pai. Se maiores diferenças no

estilo de ouvir forem encontradas entre os membros restantes

da família, suas ações de ouvir poderiam ser transcritas em

agregados de indivíduos (por exemplo, transcrevendo junto o

comportamento de ouvir dos dois filhos mais jovens, já que

eles estavam colaborando como um time de ouvintes, como

foi evidenciado pela forma e função de seus comportamentos

de ouvir, e então transcrevendo individualmente o

comportamento do irmão mais velho, cujo comportamento de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 201

ouvir diferiu dos dois irmãos mais jovens). Por outro lado, o

comportamento de ouvir dos vários membros da família

poderá diferir muito pouco em forma e função; nesse caso,

como estavam trabalhando juntos como um time unido, seu

comportamento poderá ser descrito mais globalmente.

Decisões sobre a transcrição devem ser baseadas na evidência

comportamental da divisão do trabalho no relacionamento

colaborativo entre os interlocutores e os ouvintes. Tal tipo de

transcrição facilita a análise tanto da organização da

atribuição de papéis da comunicação, quanto o uso de

variados métodos comunicativos ao se fazer um trabalho

interacional.

7. Estágio quatro: ações de indivíduos.


Entender a função das ações dos indivíduos na divisão total

das tarefas para o trabalho interativo requer uma análise do

padrão emergente, sustentado e mutante de reciprocidade e

complementaridade. As ações dos indivíduos são

consideradas sub-sistemas dentro do sistema total da ação do

grupo.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 202

Como a análise não separa as ações de um indivíduo das dos

outros, então ela não trata separadamente os vários tipos de

ações comunicativas executadas por um indivíduo. A total

extensão das ações comunicativas de um indivíduo através

dos canais vocais e não-vocais são vistas como componentes

relacionados ou sub-sistemas dentro do sistema total do

desempenho comunicativo de um indivíduo; a transcrição e a

análise de um comportamento de olhar de um indivíduo

como interlocutor deveria ser feita ao mesmo tempo com

aquela da fala do mesmo indivíduo. Enquanto a natureza da

pesquisa questiona (juntamente com os limites do tempo e

dinheiro para a pesquisa) os embaraços na compreensão

possível da transcrição e análise, pelo menos um aspecto do

comportamento vocal do indivíduo deve ser considerado em

relação a pelo menos um aspecto de seu comportamento não-

vocal.

A transcrição através dos canais vocal e não-vocal no tempo

real requer algum modo de mostrar a relação de um evento

com outro no tempo. Várias abordagens já foram


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 203

experimentadas com relação a isso por diferentes grupos de

pesquisadores. Os analistas de conversação desenvolveram

convenções para a transcrição da fala, incluindo modos de se

indicar a superposição de falas entre os interlocutores, o

tamanho dos intervalos nas junções entre as rodadas de fala, e

a duração das pausas dentro e entre as rodadas. (SACKS et al.,

1974; e SCHENKEIN, 1978). As convenções para a notação da

prosódia (tom, volume, ritmo) foram recentemente

desenvolvidas por GUMPERZ (1982) adaptando aspectos de

notação desenvolvidos por vários lingüístas americanos e

britânicos. SCHEFLEN (1973) mostrou as relações entre as

configurações posturais, tópicos de conversa e relações de

papéis entre interlocutores estabelecendo desenhos de linhas e

diagramas ao longo de uma linha de tempo para a duração de

uma conversa inteira. KENDON (1977) desenvolveu variações

que mostram orientação e distância interpessoal no tempo

real, outras adaptações de SCHEFLEN aparecem em

MCDERMOTT et al. (1978) e em DORR-BREMME (1982).

CONDON (1967) desenvolveu um sistema para a anotação


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 204

dos movimentos das várias partes do corpo de um indivíduo

com relação à sua fala e a fala e o comportamento não-verbal

de outros indivíduos. Todos esses sistemas estão no trabalho

pioneiro de BIRDWHISTELL (1970). Uma abordagem da

notação que combina aquelas desenvolvidas por estudantes

dos comportamentos proxêmicos e cinéticos, com aquelas

desenvolvidas pelos analistas conversacionais e que também

incluem transcrições da fala que dá a cada grupo de

respiração ou grupo de equipe, uma única linha de

transcrição, pode ser encontrado em ERICKSON & SHULTZ

(1982). Uma visão ainda mais clara da organização rítmica da

fala em um pequeno grupo em que esteja havendo interação,

é a notação musical que atualmente está sendo desenvolvida

por ERICKSON (1982) e por SCOLLON (1982). Todos esses

sistemas de observação têm o intuito de mostrar os

relacionamentos de adjacência no tempo real, ressaltando a

dimensão recíproca das relações entre as ações dos indivíduos

em um grupo. Alguns desses sistemas, àqueles derivados de

BIRDWHISTELL, e dos sistemas da observação musical -


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 205

também mostram a ocorrência simultânea das ações através

dos indivíduos a qualquer momento do tempo real. Estes

últimos sistemas mostram a dimensão de

complementaridade, assim como também a dimensão

recíproca da organização social.

8. Considerando as percepções ordinárias


Como participantes interacionalmente competentes nos

eventos diários, aprendemos a apreender como sendo

“gestalten” os conjuntos de dicas que ocorrem nas junções;

como analistas devemos decompor a “gestalten”

comportamental em seus vários componentes. Isso requer

uma deliberada fuga de nossos padrões normais de perceber e

agir para propósitos da análise, como se não soubéssemos as

intenções e os significados assinalados pelos comportamentos

observados. Na linguagem dos fenomenologistas, fazemos a

tentativa de apoiar nossas deduções sobre significado e

propósito, visando a ação social de uma maneira radicalmente

alienada, simplesmente como uma forma comportamental.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 206

Uma maneira de se atingir essa mudança na estância

perceptual, é variar deliberadamente o foco da atenção

analítica através de revisões do mesmo pedaço do filme ou

fita. Voltando-a para trás de uma junção cuja localização

aproximada tenha sido identificada, o investigador fará a

repetição da fita passando pela junção. Para cada repetição,

um foco de atenção particular é adotado - sobre a fala dos

participantes, em suas posições posturais, em seus olhares, e

assim por diante. É de grande ajuda variar a experiência

sensorial do material, por exemplo, passando a fita ou o filme

sem o som, ou apenas ouvindo a fita ou o filme. O RSI

também pode ser passado a várias velocidades, diminuindo-

se ou parando o comportamento que seja complexo demais

para que seja processado e analisado a uma velocidade

normal, ou de trás para frente. A atenção também pode ser

colocada numa ampla escala de tipos de meios comunicativos

(postura, olhar, gesticulação, léxico, gramática, fonologia e

entonação, volume de voz, sonoridade e ritmo cinético).

Utilizando-se uma lista de verificação de observações


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 207

potenciais, reduz-se o perigo de aspectos que poderiam ser de

significado funcional para a organização social da interação

serem negligenciados. As variações do foco de atenção

ajudam os observadores a tratar da forma comportamental e

se livrar das pressuposições tomadas por certo sobre os

relacionamentos entre o quê e o como do comportamento

comunicativo. As relações entre o conteúdo semântico e a

forma comportamental que são ordinariamente perdidos,

porque ambos são sutis e acontecem muito rapidamente e,

mais criticamente, porque eles são tão familiares para nós que

somos incapazes de tratá-los conscientemente, e então serem

descobertos, descritos e analisados.

9. Análise interpretativa
Armados com transcrições cronológicas de comportamento

em diferentes canais, com descrições analíticas detalhadas das

relações entre comportamentos nos vários canais, e com

documentação de como a complementaridade e a

reciprocidade são manifestadas nos comportamentos dos

contra-atuantes, o analista pode agora sair da consideração da


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 208

ação como comportamento e ir para a consideração do

comportamento como uma ação significativa - e para a

descoberta de princípios culturais (regras e normas) que

determinam a organização social da interação face a face.

De acordo com MEHAN (1979: 100-110) e parafraseando a

discussão em DORR-BREMME (1982: 71-77), quatro regras de

evidência podem ser determinadas para a dedução de regras

subjacentes ou princípios de adequabilidade das

regularidades observadas nas ações dos contra-atuantes. Esses

princípios comprobatórios tratam de quatro tipos de

fenômenos observáveis: a consistência de co-ocorrência; a

consideração das ausências; consistência de sanções positivas

e negativas e a normalização das formas ambíguas.

9.1. Princípio 1: Consistência da co-ocorrência. Quando vários

aspectos (1) que regularmente ocorrem juntos como num

conjunto e esse conjunto é (2) regularmente seguido por outro

conjunto (resposta) e não por (3) agir como se ele não fosse de

alguma forma inadequado (reação), podemos deduzir que o

primeiro conjunto foi uma forma apropriada. Por exemplo, se


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 209

há a co-ocorrência do olhar da professora em direção aos

alunos no momento em que ela diz as palavras “Tudo Bem”, e

isto é regularmente seguido pelo início das atividades

acadêmicas, então os comportamentos co-ocorrentes podem

ser tomados como sendo uma dica para os alunos sentarem e

começarem suas atividades acadêmicas.

9.2. Princípio 2: Considerar a ausência. Quando os

participantes de interações consistentemente acusam uns aos

outros de serem os responsáveis por terem falhado em fazer

alguma coisa, podemos deduzir que existe uma regra sócio-

cultural prescrevendo a adequação da falta da ação.

Retornando ao exemplo anterior: se os alunos não

começassem a trabalhar após a professora ter dito, “Tudo

Bem”, e de ter olhado para eles; se então ela reiterasse a dica,

ou de alguma forma indicasse que a falha dos alunos em

cumprir estava sendo esperada, isto seria uma evidência de

violação da regra de adequação.

9.3. Princípio 3: Consistência das sanções positivas e

negativas. A sanção negativa que responsabiliza alguém por


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 210

ter falhado em fazer alguma coisa que deveria ter sido feito, é

apenas um tipo de sanção negativa aplicada pelos

participantes da interação. A ocorrência de uma ação

inapropriada, também pode ser negativamente sancionada.

Contrariamente, a ocorrência de uma ação apropriada pode

ser sancionada positivamente. Ao reagir às ações de outras

pessoas com sanções positivas ou negativas, os participantes

poderão estar invocando as regras subjacentes de adequação,

pelas quais a interação é organizada. As buscas por essas

regras são freqüentemente bem explícitas, por exemplo: “Não

posso entender o que vocês estão falando, se todos falam ao

mesmo tempo”. Algumas vezes, porém, um comportamento

que foi sancionado negativamente num ponto em um evento,

não o é em outro. Não se pode apenas deduzir simplesmente

que a sanção foi injustificada, ou se a dedução de uma regra

no momento anterior estava errada. Quando os

comportamentos recebem sanções inconsistentes, é necessário

que haja uma maior análise dos dados e uma adaptação do

sistema à regra deduzida (MEHAN, 1979: 105).


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 211

9.4. Princípio 4: Normalização das formas ambíguas. Como é

aparente para qualquer pessoa que tenha lido uma transcrição

literal e não editada de uma conversa comum, muitas ações

comunicativas dos eventos do dia-a-dia são elípticas e muitas

vezes são ambíguos em seu significado explícito e implícito.

As maneiras pelas quais os parceiros em interação respondem

às ações ambíguas, que tenham sido executadas por outras

pessoas, fornecem outro aspecto para a dedução de regras ou

princípios de adequabilidade. Pelo menos entre a classe média

americana, e também provavelmente entre outros grupos,

parece haver uma tendência para se normalizar uma forma

comunicativa ambígua - ao invés de simplesmente reagir com

uma sanção positiva ou negativa - tratá-la como se fosse uma

forma apropriada, mesmo que não seja. Desse modo, os

participantes concertam os tropeços interacionais uns dos

outros e corrigem os erros. É como se houvesse um princípio

cooperativo ordenando “o show deve continuar”. O analista

pode julgar a adequação ao examinar esses movimentos de

reparo e olhando na direção para a qual que eles tendem;


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 212

identificando a pressuposição dos movimentos de reparo que

apontam para uma interpretação de que a forma ambígua

anterior deveria ter sido. Exemplos de normalização são

freqüentemente encontrados nas interações entre neófitos e

parceiros de conversação mais experientes. Baseado em um

movimento ambíguo de mãos ou um olhar de um bebê, a mãe

diz “Ah, você quer suco!” Uma rejeição subseqüente ou

aceitação do suco pelo bebê sugere que a normalização

interpretativa da mãe identificou ou não corretamente a

intenção da criança. Numa entrevista para um emprego, o

entrevistador poderia dizer com uma exagerada entonação

declinante que precede uma inalação, “Bem...” que poderia

significar, “Bem, vamos terminar com isso agora” ou “Bem, há

mais alguma coisa?”. Caso o entrevistado tivesse mais alguma

coisa a dizer, ele poderia responder, “Vamos falar sobre os

benefícios e as licenças”, nesse caso então abrindo mais uma

porção substancial da entrevista, do que simplesmente

abrindo apenas a porção da conclusiva da entrevista. O bebê e

a entrevista para o emprego são neófitos nessas cenas. A


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 213

maneira pela qual um participante mais experimentado

interpreta as ações ambíguas dos pontos de vista dos neófitos

indicam a adequação das formas. Isso é útil para orientar as

deduções do analista da interação e do membro neófito que

pelas dicas de normalização pode ser guiado por entre canais

por ele não conhecidos pelos participantes mais experientes,

ou serem guiados gentilmente, porém firmemente à medida

que eles agem de acordo somente com relutância com a

direção da interação, para onde as ações de outras pessoas em

cena estejam tendendo.

Os padrões ou regras de sistemas são inicialmente

identificados dentro de um evento ou dentro dos segmentos

constituintes, de um evento, ao se aplicar estas regras de

evidência aos arquivos de dados construídos a partir do RSI.

A generabilidade da teoria emergente da organização

interacional pode então ser testada, ao se examinar outros

casos análogos indexados ao corpo do material registrado. Os

atributos definidores de relação analógica podem ser formais

(olhando por um conjunto de situações de jantares dentro e


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 214

através de famílias) ou funcionais (olhando para os inícios de

jantares, aulas escolares, entrevistas para empregos ou para

padrões de diálogos no início dos eventos. Algumas das

questões envolvidas na escolha dos casos análogos de acordo

com um critério formal ou funcional, são discutidos em maior

profundidade por SHUTZ et al., 1982). Já que pesquisa

contínua é informada pelas descobertas e interpretações das

análises iniciais, os casos subseqüentes poderão requerer um

exame menos abrangente - novas indagações requerendo

estudos detalhados freqüentemente emergem quando faixas

adicionais são revistas. Se as regras deduzidas nas análises

iniciais foram congruentes com os dados nos casos

subseqüentemente examinados, então a tipicalidade do

primeiro caso foi estabelecida.

Normalmente a situação não é assim tão clara. Análises dos

casos subseqüentes com freqüência revelam variações nas

regras que foram inicialmente deduzidas e será necessário

fazer modificações na teoria emergente de organização do

evento. Os casos discrepantes serão encontrados, e isso


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 215

impulsionará o analista a reconsiderar toda a base da teoria

originalmente deduzida. O corpus é investigado para tais

casos, ou exaustivamente (todas os casos do corpus serão

examinados) ou de acordo com um procedimento de

exemplificação (se houver um número muito grande de casos

presentes); essa busca sistemática minimiza a possibilidade do

analista não ver os casos discrepantes.

Sessões de revisão são outra abordagem para se testar a

coerência de validade da perspectiva teórica emergente do

analista, através do que CICOUREL (1976) chamou de

triangulação da evidência. Os participantes do evento

registrado são convidados a ver o RSI e suas impressões são

inferidas e arquivadas (ERICKSON & SHULTZ, 1982). Os

participantes são convidados a ver o que estava acontecendo e

podem ser indagados sobre comportamentos específicos;

alguns analistas formulam suas teorias emergentes e

interpretações e solicitam as reações críticas de seus

colaboradores (GRIMSHAW, 1982). As interpretações dos

participantes freqüentemente são exageradamente racionais, e


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 216

freqüentemente divergem profundamente daquelas dos

analistas; mesmo assim, essas hipóteses e interpretações

alternativas podem ser de grande valia para o investigador,

particularmente quando estratégias de dedução que tenham o

final em aberto são empregadas. Os informantes podem ser

requisitados a parar um filme ou uma fita e fazer comentários

todas as vezes que aparecer alguma coisa nova ou importante,

ou todas as vezes que aparecer alguém zangado. Se vários

informantes forem entrevistados desse modo em sessões

separadas de revisão, e cada um parar a fita e fizer

comentários sobre os mesmos pontos do RSI original, a

comparação de seus relatórios pode ser altamente reveladora.

Isso foi especialmente verdadeiro nos estudos de ERICKSON

& SHULTZ (1982) nos quais os comentários da sessão de

revisão de entrevistadores e entrevistados para um emprego e

do corpo docente e discente foram os mais divergentes

possíveis nas entrevistas onde houve a maior dificuldade

interacional e irregularidade de comportamento. Isso sugeriu

que os problemas na coordenação da ação nas entrevistas


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 217

estavam relacionados com diferentes padrões de inferência

interacional entre o entrevistador e o entrevistado.

Além de manter sessões de revisão com os participantes elas

podem ser feitas com painéis de informantes que não eram

eles próprios participantes, mas que têm fundamentos de

origem similar a um ou mais dos participantes. As

interpretações que forem assim conseguidas podem ser

utilizadas para medir a generalização das impressões e

atribuições relatadas pelos participantes.

5 O procedimento da análise interpretativa que descrevi,

parece muito familiar com o do sociólogo que faz um trabalho

de campo de observação participativa. As regras de evidencia

descritas neste trabalho, são similares àquelas utilizadas pelos

pesquisadores que fazem trabalho de campo no

desenvolvimento de sólidas teorias de ação social e para uso

dos lingüistas na construção de teorias gramaticais quando

eles encontrarem uma nova língua. Eles estão familiarizados

com os sociólogos através das discussões feitas por GLASER

& STRAUSS (1973) e pro DENZIN (1970), dentre outros. Os


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 218

procedimentos de busca para a localização de casos não

confimados derivam diretamente do método de análise de

caso discrepante de LINDESNITH (1938, 1947).

10. Relatório
O veículo transmissor de impressão não pode demonstrar a

imagem e o som do registro audiovisual na qual a análise foi

baseada, por isso o relato de dados e a análise por escrito é um

eterno problema de trabalho ao se usar o RSI. A melhor

solução parece ser a de se fornecer uma cópia do filme ou da

fita juntamente com o relatório escrito. Infelizmente isso nem

sempre é possível, mesmo que para livros publicados, muito

menos para artigos de periódicos.

Há três tipos de relatórios que são usados com mais

freqüência: transcrição detalhada da fala e comportamento

não-verbal; sinopse dos dados transcritos por meio de um

resumo quantitativo, diagramas esquematizados, ou

narrativas sinóticas, e expansão dos dados transcritos por

meio dos comentários interpretativos. Múltiplas abordagens


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 219

freqüentemente são utilizadas em um mesmo relatório;

algumas vezes todos os três tipos são empregados.

A transcrição é direcionada pela teoria. Certamente uma

transcrição representa uma teoria dos eventos que ela relata

(KEENAN & SCHIEFFELIN, 1979). Conseqüentemente, os

métodos de transcrição variam de acordo com os problemas

de pesquisa que o analista defronta. O leitor mais interessado

deve consultar as citações sobre os sistemas de anotações

mencionados anteriormente para obter um sentido da

extensão das abordagens à transcrição.

Uma sinopse analítica pode ser relatada estatisticamente

(SHULTZ, 1980; ERICKSON E SHULTZ, 1982; DORR-

BREMME, 1982), esquematicamente por meio de gráficos e de

tabelas (MCDERMOTT et al. 1978; SHULTZ & FLORIO, 1980;

e MEHAN, 1979) e por uma narrativa sinótica (ERICKSON,

1979). A sinopse assim como a transcrição refletem uma teoria

dos eventos descritos. Isto é geralmente reconhecido no caso

de resumo quantitativo e de gráficos, mas não é geralmente

reconhecido para a descrição narrativa. Uma narrativa


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 220

sumária não é uma mera descrição: os substantivos, verbos,

adjetivos e advérbios de suas sentenças, as unidades da

narrativa, a linha da estória e outros aspectos da estrutura do

discurso, dirigem o leitor para as afirmações teóricas sobre a

organização dos eventos descritos (ERICKSON, 1979). Uma

das vantagens de se trabalhar a partir do RSI é que seu caráter

radicalmente irredutível destaca para os analistas as questões

teóricas na redução analítica encontrada na narrativa. Estas

questões são mais proeminentes para o microanalista do que

para os observadores participantes que estão tomando suas

notas de campo, porque as próprias notas de campo são elas

próprias registros de eventos relatados altamente redutíveis (e

carregadas de teorias).

Em qualquer relatório, a expansão interpretativa de uma

transcrição ou sinopse, é encontrada no texto do próprio

relatório. Alguns analistas tomaram isto como um avanço ao

apresentarem transcrições e nelas incluírem comentários

interpretativos em colunas que fazem um paralelo com as

linhas da transcrição (GUMPERZ & HERASIMCHUK, 1972;


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 221

CORSARO, 1977; LABOV & FANSHEL, 1977; GRIMSHAW,

1982). Isso ajuda o leitor a acompanhar com mais facilidade a

organização da interação refletida na transcrição. Por

exemplo, um comentário interpretativo que apareça junto de

uma elocução transcrita pode tornar evidente para quem o

falante endereçou a elocução; aparecendo com a transcrição

da orientação do olhar e é feita uma confirmação, podendo

ambos identificar o significado social do comportamento não-

verbal e indicar para quem a elocução não-verbal foi

endereçada. Para resumir, os pontos do comentário

interpretativo explicitam ambos para a relação entre forma e

significado na interação e para a relação entre ações

específicas e seus contextos dentro das interações registradas

na transcrição.

11. Conclusão
Esse artigo revisou questões substanciais numa abordagem

particular à microanálise do RSI, que foi chamada de

microetnografia. Os métodos de microetnografia foram

comparados e contrastados com métodos etnográficos mais


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 222

padronizados, encontrados na pesquisa de observação

participativa, e procedimentos específicos de revisão de filmes

e fitas, foram discutidos analiticamente. O que resta para o

leitor é localizar o RSI das interações humanas que ocorrem

naturalmente (registros que foram feitos continuamente

através de um evento) e tentar os procedimentos analíticos. A

experiência do conselho dado aqui estará no trabalho a ser

feito por aqueles que o aceitaram.

12. Observações
1 - Ver GUMPERZ (1982) sobre contextualização. HOLLIDAY

& HASAN (1976) sobre contexto de situações de texto e

contexto e CORSARO (esse volume) sobre a necessidade de

uma etnografia prioritária.

2 - Alguns episódios de segmentos de investigação pela

identificação de mudança de tópico de impressão cumulativa.

(Ver LABOV & FANSHEL, 1977; GRIMSHAW, 1982 e a

discussão abaixo).

3 - Em filmes de cinema isso é feito ao se imprimir quadros de

números de impressão cumulativos. O código de tempo na


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 223

fita é feito ao se usar um gerador de tempo-data, que imprime

eletronicamente o tempo decorrido em horas, minutos,

segundos (e, com o equipamento adequado, micro-segundos)

na fita; o número aparecerá na tela do vídeo durante a

passagem da fita. O gerador de tempo-data também pode

mostrar números que indicam a data em que se o filme foi

originalmente gravado, ou um número código que identifica a

localização dos segmentos de cópias na fita original, e ainda a

localização da fita no corpus principal. Esses números de

referência são úteis para a indexação.

4 - Os eventos podem continuar, naturalmente, com a

mudança dos participantes. Ver CORSARO, nesse volume.

5 - Tais técnicas são familiares do trabalho dos psicólogos

sociais que estudam a cONVERSAÇÃO E A INTERAÇÃO EM

PEQUENOS GRUPOS. VER GILES & POWESLAND, 1975, E

ROSENTHAL et al., 1979.

Frederick ERICKSON é Professor de Educação - Pedagogia e

Medicina (e Professor Adjunto de Antropologia) e


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 224

Pesquisador senior do Instituto de Pesquisa do Ensino (IRT)

da Universidade Estadual de Michigan. Ele já escreveu

amplamente sobre a utilização do RSI em análises de

interação. Seu texto The Counselor as Gatekeeper: Social

Interaction in Interviews/ O conselheiro como porteiro: A

interação social em entrevistas (escrita em co-autoria com

Jeffrey Shultz) foi publicado no início desse ano pela

Academic Press. Está para ser publicado pela IRT, Sights and

Sounds of Life in Schools: A Resource Guide to Film and

Video for Research and Education/Imagens e Sons da Vida na

Escola: Um Guia de Recursos em Filmes e Fitas de Vídeo Para

Pesquisa e Educação (em co-autoria com Jan Wilson).


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 225

Capítulo 6

O que faz a etnografia da escola “etnografica”?


Frederick Erickson 9

A principal idéia deste ensaio é que a etnografia deve ser

considerada um processo deliberado de investigação

orientado por um ponto de vista, ao invés de um relato de um

processo guiado por uma técnica padrão ou um conjunto

delas, ou mesmo por um processo totalmente intuitivo que

não envolve reflexão. O modo de utilizar as técnicas e

instrumentos de pesquisa no trabalho de campo é

determinado pelo processo implícito de questionamento do

pesquisador, bem como é informado por sua experiência na

9 Esse texto traduzido com autorização do autor, por Carmen Lúcia Guimarães de
Mattos. Foi originariamente publicado sob o título What Makes School Ethnography
"Ethnographic"? Harvard Graduate School of Education Council on Anthropology an
Education Newsletter Vol IV, no.2 July, pp. 10-19. 1973
Nota do autor -Este artigo começou como um longo memorando para participantes de um curso em
pesquisa etnográfica conduzida pela American Educational Research em 1972. Um dos
participantes deste curso foi Arthur A. Katz, um dos alunos de Jonh Singleton, na época. Katz
editou meu ensaio para publicação na ANTROPOLOGY AND EDUCATION NEWSLETTER. A
edição foi feita com muita propriedade e eu sou lhe muito grato por isso. Ao rever o artigo fiz
algumas poucas mudanças para esta reedição, que consistiram na recuperação de materiais do
ensaio original, notadamente as referências sobre a interdependência da etnografia e etnologia.
Eliminei também todas as citações, uma vez que muitas das originais estão desatualizadas. Isto em
si mesmo é testemunho do crescimento do campo nos quatorze anos que se passaram.
Palavras-chave: pesquisa etnográfica; etnologia; trabalho de campo; processo de investigação.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 226

situação de campo e ser conhecimento prévio de pesquisa

antropológica. O pesquisador de campo gera um processo de

investigação baseado na situação, aprendendo com o tempo a

levantar questões sobre o contexto de campo, de tal forma que

este, por suas respostas, indica as questões seguintes

situacionalmente apropriadas. A estruturas das questões

pesquisáveis também é influenciada pelo conhecimento do

pesquisador sobre a literatura de antropologia e sociologia.

O trabalho de campo é fortemente indutivo, mas não há

induções puras. O etnógrafo leva para o campo um ponto de

vista teórico e um conjunto de questões, explicitas ou

implícitas. A perspectiva e as questões podem mudar no

campo, mas o pesquisador tem uma idéia-base a partir da

qual inicia a investigação. O que resulta do questionamento

em campo é uma descrição: 1) da regularidade do

comportamento social em uma situação social considerada

como um todo; 2) de como o etnógrafo experienciou aquelas

regularidades estando lá na situação social; e 3) de como ele

vê a situação e o comportamento situacional a luz da ampla


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 227

variedade de comportamento humano já encontrado. O que

eu entendo pelos termos desta proposição - “regularidade”,

“situação social”, “todo”, “estar lá”, “sua visão”, “variedade

de comportamento humano”- forma o conteúdo do que se

segue neste ensaio.

Etnografia e etnologia: definições etmologicas

“Etnografia” literalmente significa “escrever sobre as

nações”; “grafia” vem do verbo grego “escrever” e “etno”, do

nome grego ethnos, usualmente traduzido no dicionário

inglês como “nação”, “tribo” ou “povo”. A definição mais

refinada de ethnos é encontrada no Lexicon Grego de

LIDDELL & SCOTT: um número de pessoas acostumadas a

viverem juntas, uma companhia, um corpo de homens.

O que isto implica é que “ethnos”, a unidade de analise para o

etnógrafo, não precisa ser uma nação, grupo lingüístico,

região ou vila, mas qualquer rede social formando uma

entidade corporativa, na qual as relações sociais são reguladas

por costumes. Nas sociedades modernas uma família, uma


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 228

sala de aula, um grupo de trabalho numa fábrica, ou uma

fabrica toda são unidades sociais que podem ser descritas

etnograficamente (assim como não etnograficamente). O que

faz com que um estudo se caracterize como etnográfico não é

apenas o fato de o mesmo tratar de uma unidade social de

qualquer tamanho como um todo, mas, sim, por retratar

eventos, pelo menos em parte, a partir do ponto de vista dos

atores envolvidos nesses eventos. Esta ênfase sobre o

significado local é essencial na definição de etnografia que

MALINOWSKY faz em Argonauts of the Western Pacific.

Antes de MALINOWSKY houve muitos relatos de povos

primitivos escritos por viajantes. O que distinguiu a

etnografia de MALINOWSKY dos relatos destes últimos foi

sua tentativa (nem sempre bem sucedida) de caracterizar o

significado a partir do ponto de vista do autor.

Etnologia contrasta com etnografia, e as duas são

interdependentes na conduta de investigação do pesquisador.

“Etnologia” literalmente significa o estudo do significado, ou

significância, dos costumes e organização dos grupos


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 229

humanos. O “significado” a ser elucidado pela etnologia não é

o dignificado de um comportamento complexo no contexto de

uma cultura particular na qual o mesmo é encontrado, como

ocorre na análise etnográfica. O projeto da etnologia é

identificar os princípios de ordem do comportamento social

dos seres humanos como um todo. Seu método é

comparativo. Cada sociedade é vista contra o cenário de todas

as formas de organização humana, onde as formas de vida de

uma dada sociedade são contrastadas com todas as outras

formas conhecidas de conduzir as coisas diárias e eventos

especiais.

O interesse pela variedade de formas costumeiras do

comportamento humano começou no Ocidente, entre os

gregos. HERODOTO tinha interesse que eram etnológicos

bem como etnográficos. No século II d.C. o filósofo cético

grego Sextus EMPIRICUS conduziu um levantamento trans

cultural sobre moralidade, mostrando que aquilo que foi

considerado certo em uma sociedade foi considerado errado

em outras. Ele trabalhou a partir de relato de viajantes, que


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 230

continuou constituindo a base para o conhecimento

comparativo sobre o comportamento humano até o século

XIX.

Podemos ver, pois, que tanto a etnografia como a etnologia

não são novas. A etnografia pré-científica difere da etnografia

científica, a qual pode ser considerada como sendo aquela que

começou com o trabalho de campo de MALINOWSKY nas

ilhas Trobriand na primeira década deste século.

Diferentemente do viajante, o experiente antropólogo levou

para o campo uma explícita - mais freqüentemente implícita -

perspectiva etnológica, dentro da qual sua descrição foi

conduzida. Além disto, levou uma preocupação (concern)

etnográfica pelos significados locais do comportamento. O

viajante pode ter sido um excelente jornalista, mas em seu

relato faltou uma perspectiva comparativa e um compromisso

para descobrir os significados locais que tinha em mãos. O

etnógrafo combinou experiência de primeira mão com uma

consciência de outras formas de vida social além da sua

própria. O que resultou, quando muito, foi: 1) descrições mais


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 231

apuradas de todos os aspectos parciais essenciais de uma

sociedade, descrita com referência a sociedade como um todo

e, pelo menos implicitamente, a outra sociedade como todos;

2) definições mais sistemáticas do todo social e suas partes em

termos estabelecidos pelas então crescentes disciplinas da

sociologia e etnologia; 3) explanações menos etnocêntricas dos

costumes “estranhos” em termos das suas funções e

significados inteligíveis na sociedade descrita.

A etnografia se tornou, então, mais meticulosa na coleta de

dados e mais ligada ao corpo teórico da ciência social

emergente. Este processo continuou durante os anos 20 e 30, a

medida em que os etnógrafos estreitaram os contatos,

tomando cada vem mais conhecimento das principais idéias e

questões formuladas por cada um muito embora tenha havido

considerável desacordo entre eles quanto a melhor forma de

conduzi-las.

O que tudo isso tem com o estudo da escolarização ou

educação na sociedade americana? Eu apresentei esta breve

revisão da história da etnografia (evidentemente


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 232

supersimplificada) para servir como um pano de fundo para a

consideração de como se pode fazer etnografia nas escolas

americanas.

Nós somos obrigados a começar reconhecendo que as

especificidades que caracterizam o trabalho de campo de um

antropólogo como MALINOWSKY, nas ilhas Trobriand, não

funcionará nas escolas americanas. Alguns de seus princípios

gerais de trabalho de campo e relatos podem servir como um

modelo para etnógrafos educacionais, mas não seus métodos

específicos, uma vez que sua unidade social difere da nossa

em tamanho e tipo. Uma escola americana não é uma aldeia

Trobriand. Pode haver pontos de analogia entre as duas, mas

há, de outro lado, pontos em que a analogia não se sustenta.

Por exemplo, a aldeia envolve a vida de seus membros 24

horas por dia por muitas gerações; a escola, não. Na aldeia, a

autoridade política e as relações de troca são fortemente

influenciadas por status e regra de relação familiar, enquanto

na escola tratamento especial de acordo com status de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 233

relações familiais é expressamente proibido por um sistema

de regras burocráticas (e meritocráticas).

Por conseguinte, nós não podemos transferir os métodos

particulares da pesquisa etnográfica padrão para o estudo de

escolas. Mas nós podemos identificar os princípios gerais de

fazer etnografia de uma aldeia primitiva - uma comunidade

total na qual os membros mantém status designados,

limitados igualmente por direitos e obrigações recíprocas,

trocam bens, e na qual o conhecimento é tradicional e muda

vagarosamente e os sistemas de significados locais são

identificados. Nós podemos tentar identificar quais destes

princípios gerais ainda se aplicam quando se faz etnografia de

uma escola - uma comunidade parcial, cujos membros

(idealmente) mantêm status alcançados, na qual direitos e

obrigações não são recíprocos, na qual os bens e serviços

trocados diferem marcadamente em tipo, e na qual o

conhecimento é não tradicional e muda rapidamente.

As teorias e métodos de MALINOWSKY não funcionam nas

escolas porque estes métodos não são apropriados a tal


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 234

situação. Todavia, este exemplo, que se tornou o paradigma

para toda uma geração de etnógrafos, pode seu útil para nós,

assim como alertar-nos para não tomar seu modelo

literalmente. Para fins analíticos, MALINOWSKY viu a

sociedade como divisível em categorias de atividades que

preenchiam a maior parte das necessidades humanas básicas -

organização social (incluindo as de parentesco, casamento e

regras de descendência), economia, tecnologia, língua, sistema

de crenças.

1. Visão da escola de acordo com as categorias de MALINOWSKY

1.1. Organização Social


Como forma de pensar a escola como uma pequena

comunidade, nós poderíamos aplicar à mesma os termos

fundamentais do discurso sobre organização social - pessoas,

status, papel, direitos, obrigações - tomando, de início, muito

pouco disto como certo. Nós podemos construir proposições

sobre os status e papéis que existem para as pessoas na escola,

e as redes de direitos e obrigações que ligam vários dos status

uns aos outros.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 235

Os professores são obrigados a obedecer ao diretor, cujo

direito é o de ser obedecido.

O direito e obrigado a proteger o professor de interferência

externa e só professores tem o direito de serem protegidos

pelo diretor.

1.2. Economia
No modelo de MALINOWSKY, comportamento social é visto

como um intercâmbio. Intercâmbio inclui troca de bens de

valor, troca de símbolos de valor em um mercado de dinheiro,

ou a troca de comportamentos de forma igualitária.

As salas de aula podem ser vista como um sistema econômico

de comportamento - uma economia política - na qual os

estudantes prestam deferência para os professores em troca

de um tipo de tratamento e do fornecimento de conhecimento.

1.3. Sistema de crenças: religião, filosofia popular e ritual


A escola pode ser vista como tendo uma visão de mundo ou

ideologia perpetuada pela inculcação da crença religiosa

(através de mitos e rituais) é fundamentada numa filosofia

popular, cujos elementos são: termo de definição princípios de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 236

valoração (ou de avaliação?), regras de lógica, métodos de

explicação causal e formas de afirmação predicativas.

1.4. Mito
As características da “religião” escolar que mais tem recebido

atenção nós últimos anos, são os arquétipos míticos e temas

curriculares.

1.5. Mitos de criação


A vinda dos peregrinos, a guerra revolucionária, o

debravamento do oeste, a guerra civil, a melhoria do padrão

de vida.

1.6. Ancestrais míticos nas estórias heróicas de mito de criação


Jonh Smith, os peregrinos, Washington, Jefferson, Lincoln,

Lee, Andrew Carnegie.

1.7.Figuras subsidiárias que promovem a ação do herói


O demoníaco rei inglês (Charles I, George III);

O índio traiçoeiro e selvagem, mas ocasionalmente nobre e

leal (Pontiac, Blackhawk, Crazy Horse, Sitting Bull, Squanto,

Pocahontas, Sacajawea).
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 237

1.8. O feliz e preguiçoso escravo.


O imigrante competente e trabalhador que clareou as

florestas, nomeou os campos, glorificou o nome de Deus em

se caminho, chegou ao trabalho na hora certa, e não fez greve.

2. Filosofia folclórica
O sistema de ocupações de vários status na estrutura social da

escola é outro aspecto a ser pesquisado sobre a visão cultural

do mundo na escola. A variante filosofia folclórica (metafísica,

epistemológica, lógica e ética) inerente na cultura do

professor, na cultura do administrador, e na cultura do

estudante pode prover lentes culturais, através da qual

mesmos eventos são muito diferentes. Percepções diferentes

através de lentes diferentes podem parcialmente resultar em

diferenças entre administradores, professores, e estudantes

dentro da interação na escola.

Por exemplo: Parece para mim, depois de trabalhar

internamente no treinamento de professores de variadas

escolas, cidades e subúrbios, particulares e públicos, que

algumas constantes características no sistema de crença dos


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 238

professores, um corpo de sabedoria convencional, pode ser

identificado. Esse sistema de filosofia folclórica pode ser visto

como sendo composto pelos seguintes elementos: (1) termos

básicos, (2) relações entre os termos básicos na forma de

afirmações de premissas básicas, e (3) relações entre termos e

premissas na forma de afirmações de

correlação/probabilidade, explicação causal, e previsão.

Mais concretamente, alguns termos básicos são “aluno”,

“criança”, “indivíduo”, “leitor”, “Pais”, “trabalhador”, “alto”,

“baixo”, “bom”, “abaixo”, “além”, “devagar”,

“impulsionando”, “atencioso”, “leitura”, “problemático”.

Termos individuais podem ser juntados para formar termos

de combinações de dois elementos, como: “bom-aluno”,

“abaixo da média”, “leitor lento”.

E termos mais complexos como:

Acompanhar o resto da turma, família de pai ausente (lar

desfeito), sem livros em casa, carência cultural (ambiente

familiar ruim), bom ambiente familiar. Um aspecto da


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 239

pesquisa dos termos é definir precisamente o que é

significado por termos como indivíduo, bom aluno, causador

de problemas, bom ambiente familiar.

Os termos básicos são relacionados um com o outro em

premissas de definição e causalidade - cada criança é um

indivíduo, um bom aluno é um bom trabalhador, um lar

culturalmente carente não tem livros, um bom ambiente

familiar leva a alta prontidão para a leitura.

2.1. Proposições de fator causal


As premissas são unidas em proposições que relacionam

pessoas e eventos particulares a fatores causais,

probabilidade/correlação ou declarações previsíveis na forma

de “se X então Y". “João é um (causador de problemas/aluno

lento/leitor lento) porque ele vem de uma (família de pai

ausente/lar desfeito/ambiente culturalmente carente)". “Judith

é uma leitora lenta, mas vem de um bom ambiente familiar de

modo que deve ser uma sub-empreendedora.”


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 240

2.2. Probabilidade/Proposições de Correlação


“Os alunos que vem de um ambiente culturalmente carente

provavelmente terão baixa prontidão para leitura". " Seu

causador de problemas é freqüentemente um leitor lento e

pode vir ou de um lar desfeito ou de um bom ambiente

familiar no qual os pais empurram demais."

2.3. Predições
"Se João prestasse mais atenção ele seria capaz de

acompanhar a turma." "Sem mais atenção individual, os

leitores lentos não serão capazes de acompanhar a turma." "

Se você for para a porta logo antes que a sineta toque, os

estudantes ficarão em fila, caminharão em ordem para fora até

o corredor e não debandarão." " Se você não mantiver as

crianças quietas, o diretor lhe dará uma má avaliação e você

não conseguirá outro período" .

Algumas destas declarações que resultam de lógica de

professor não são totalmente falsas. Muitas das práticas

recomendadas funcionam, muitas das previsões se

transformam em verdade. Mas as práticas e previsões podem


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 241

ser confirmadas por outras razões que as causas presumidas

pelo sistema de sabedoria convencional do professor, no qual

os termos e premissas freqüentemente não são examinados e a

lógica não é rigorosa (de acordo com os padrões tradicionais).

Por exemplo, as crianças de famílias de pai ausente podem ter

problemas para aprender a ler, mas por causa da profecia de

auto-consecução ao invés de por qualquer falta de habilidade

inerente à falta de um pai. Se as expectativas do professor

forem abaixadas porque ele sabe que uma criança não tem

pai, a criança pode ter dificuldade em aprender a ler. (A

existência de órfãos que aprendem a ler torna a “ausência do

pai que causa falta de habilidade de leitura" uma premissa

logicamente absurda. A relação se existe de todo (e pode) não

é tão simples quanto a da causalidade direta).

Um padrão total na lógica do sistema de crenças popular dos

professores parece ser aquela culpa por um resultado

avaliado baixo geralmente, é geralmente estabelecida fora da

sala de aulas - “baixa e fora" ao lar ou “alta e fora" ao diretor,

ou ao sistema. Este padrão torna os pesquisadores suspeitos


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 242

da sabedoria popular dos professores. Talvez a suspeita não

seja justificada, porque a sabedoria gerada através da

experiência diária pode funcionar razoavelmente bem na vida

diária mesmo se o sistema pode estar prevendo resultados

enganadores por razões parcialmente ou mesmo totalmente

erradas. Falsa ou não, se a sabedoria popular do professor

existe, ela é um fator que deve ser combatido, na descrição

etnográfica e nos planos para mudança educacional.

2.4. Ritual
Os microrituais de ano escolar que envolvem somente parte

de toda a escola (cada sala de aula), tais como Juramento de

Lealdade, e os macrorituais que envolvem a sociedade escolar

total, tais como o Programa de Natal, acompanham uma

diminuição aguda ou aumento nos índices de interação. O

Juramento de Lealdade acompanha a intensificação da

interação somente em um ciclo de tempo diário (o contato

entre o professor e os alunos está para começar para o dia) e o

Programa de Natal acompanha a diminuição uma diminuição


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 243

da interação em um ciclo trimestral (o período semestral está

para terminar e os alunos e professores estão para partir).

O fator de mudança em índices interacionais entre os

participantes do ritual também pode ser acompanhado pelo

fator mudança de status entre os participantes. Isto é

verdadeiro em rituais de escola secundária como premiação

em competições atléticas e iniciação em uma sociedade de

honra nacional, que reconhecem publicamente que não

somente alguns indivíduos entraram em status novos e mais

altos, mas que eles também entraram em novas formas de

relações sociais com os membros companheiros de alto status

e novas relações com os antigos companheiros, que são agora

estrangeiros de status relativo mais baixo. Os rituais dão

expressão formal ao fato social de que os atletas se associam

mais um com o outro (por participação em um time) e com as

garotas de mais prestígio social do que com não atletas e

garotas de menos prestígio social, e que os estudantes de

honra tendem a se associar mais um com o outro (ou menos

com membros do sistema de prestígio informal dos atletas)


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 244

porque constituem uma hierarquia de status separada dentro

da escola e porque dentro de seu grupo o status sócio

econômico mais alto é provável de ser representado demais.

Nos ritos de iniciação para honras atléticas e acadêmicas, a

existência do sistema dual de status e associação é proclamada

formalmente e celebrada. A escola assim dá sanção oficial ao

sistema dual. Idealmente o sistema acadêmico é mais lícito do

que o atlético, mas na operação diária da escola ambos os

sistemas existem e ambos devem ser legitimados de modo que

a ordem possa ser regulada e mantida. Através do sistema

dual um princípio de obtenções de justiça distributiva, pelo

qual os empreendedores acadêmicos e não empreendedores,

WASPS (brancos da classe alta) e não WASPS, SES (status

sócio econômico) altos e SES mais baixos, os alunos da

corrente culturalmente principal e os culturalmente diferentes

todos podem derivar bens valorizados (status de prestígio

com direitos e privilégios particulares) através da participação

na escola. Se todos não podem apanhar a placa de bronze,

todos ao menos podem montar no carrossel. Quando se


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 245

permanece em seu cavalo e não se causa problema,

eventualmente a pessoa se gradua para o carrossel dos

adultos.

3. Algumas razões pelas quais a etnografia tradicional é inadequada


para o estudo de escolas
Mas as escolas são mais que tudo isto. Minhas descrições das

crenças e organização social das escolas podem não ser

exatamente verdadeiras, por causa de sarcasmo ou porque

deixei de fora detalhes cruciais.

A crença em máximas, se em Washington, a bandeira, o time

ou na inteligência das crianças de boas famílias - ou crença

contrária - no jornal underground, na motocicleta, na beleza

da negritude ou na escatologia da greve geral - geralmente

parece absurda de fora do sistema dentro do qual as máximas

têm significado e valor. O mito pode não somente ser

necessário como subjacente à vida social, mas a velha

proposição filosófica pode ser verdadeira ao inverso - a vida

não mítica pode não ser digna de viver. Não é suficiente para

um etnógrafo somente ficar de fora e bisbilhotar.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 246

A escola é muito mais complexa do que minhas descrições

dela. Na melhor das hipóteses, minhas descrições são

somente caricaturas. Elas não podem ser tomadas pela vida

real mesmo se concordar que algumas delas são verdadeiras

para a vida.

A caricatura é uma distorção sistemática - abstraindo o que o

artista percebe como sendo os aspectos mais salientes de seu

assunto e apresentando aqueles aspectos em uma forma

exagerada, com largos golpes de pena. Os detalhes finos são

deixados fora intencionalmente, porque eles podem distrair a

pessoa que vê do padrão geral dos aspectos principais que o

artista quer enfatizar.

A habilidade do caricaturista em abstrair, que lhe permite

atingir seu alvo em ambigüidade, é sua maior força e maior

fraqueza. Escolhendo detalhes diferentes para enfatizar ele

pode apresentar seu sujeito como um titão ou um asno

pomposo, amante ou libertino, santo ou louco.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 247

Similarmente, o etnógrafo, relatando seletivamente detalhes

da vida diária em sua descrição de uma sociedade - deixando

muito de fora e exagerando sua descrição daqueles detalhes

que coloca - produz não somente uma caricatura (o que é

inevitável, já que ele não pode apresentar todos os detalhes),

mas uma caricatura que é feita de um ponto de vista

particular e que comunica aquele ponto de vista

inexoravelmente.

Assim as seguintes “perguntas teste" devem ser feitas a minha

etnografia, e a todas as etnografias:

Como você atingiu seu ponto de vista total? O que você

deixou de fora e o que colocou? Qual foi seu raciocínio para

seleção? Do universo de comportamento disponível, quanto

você monitorou? Por que você monitorou o comportamento

em algumas situações e não em outras? Que base você tem

para determinar o significado do ponto de vista dos atores?

Acredito que uma boa etnografia deve não somente ser capaz

de responder aquelas perguntas, mas deve fornecer dados


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 248

para ilustrar as decisões tomadas durante o processo de

pesquisa e (talvez em um apêndice) descrições dos tipos e

quantidades de dados que não estiveram disponíveis, mais

exemplos de dados disponíveis que foram consistentes com o

ponto de vista total apresentado na etnografia. Em outras

palavras, o etnógrafo deve fornecer aos leitores instruções

para a falsificação da análise, se o leitor decidir replicar o

estudo.

Isto quase nunca é feito em relatórios etnográficos. Isto deixa

a etnografia bem aberta a cargas de subjetividade,

periodicidade ideologia por críticos positivistas. Enquanto

não concordo com os positivistas, especialmente aqueles que

dominam a pesquisa educacional, não vejo razão para deixar

a etnografia educacional em uma posição sem defesa ante

seus críticos. Os positivistas têm razão. Embora possa objetar

a suas regras particulares de evidência. Sou forçado a admitir

que algumas regras de evidencia sistemáticas são necessárias.

Seja quais forem as regras de evidência que os etnógrafo

escolham, eles devem escolher algumas, viver de acordo com


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 249

elas e tornar claro a sua audiência quais são elas e como

afetam o curso da pesquisa. Porém, cada antropólogo que

conheci tinha sua própria opinião sobre o que ele ou ela

pensava que as regras de evidência deveriam ser. Alguns

pensam que não deve haver "regras" de todo - que o processo

é complexo demais e intuitivo demais para refletir enquanto

se o executa. Mas penso que é melhor tornar o processo de

pesquisa tão reflexivo quanto possível - que isto informa e dá

força à intuição ao invés de enrijece-la.

4. Fazendo etnografia escolar


Aqueles de nós que escolhem fazer etnografia escolar

escolhem fazer isto em sociedades complexas modernas (ou

em sociedades tradicionais em rápido desenvolvimento),

porque nas sociedades tradicionais a transmissão de cultura

mais intencional (educação) não é a escolaridade

institucionalizada.

Assim começamos com uma unidade de análise, a instituição

da escolaridade, que envolve somente alguns membros da

sociedade, algumas horas de cada dia, alguns dias a cada ano.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 250

A escola transmite somente algum do material cultural da

sociedade. A forma organizacional da instituição escolar, a

escola, está localizada em um ambiente limitado geográfico-

demográfico, com relações de direitos e obrigações entre a

escola e aquele lugar e suas pessoas. A escola também está

ligada por uma rede de comunicação, direitos e obrigações

para com as unidades sociais maiores - o sistema escolar e o

gabinete escolar (que nos Estados Unidos é uma entidade

governamental), com o governo municipal, estadual e federal.

A escola é ligada pelo processo político formal e informal à

étnica econômica e interesses de grupos religiosos que ativam

o processo político.

Além de ser uma parte dentro de uma escala maior, a escola é

um todo composto de partes - diferenciação de pessoas de

acordo com diferentes classes de status e papéis formais e

informais (professores, alunos, administradores, para

profissionais, responsáveis, pais) com diferentes índices e

modos de interação entre status e diferentes esferas e


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 251

quantidades de autoridade e influência pertinentes aos vários

status.

Mas isto são informações demais disponíveis aos etnógrafos.

Eles devem, me parece, ter estratégias para eliminar algumas

do colosso de informações, distribuindo em categorias o

comportamento e regras de comportamento que as

confrontam. Tudo o que acontece dentro da escola é

potencialmente significativo, mas algumas coisas são mais

significativas que outras. Segundo MALINOWSKY a maior

parte do que acontece dentro da escola está de algum modo

relacionado com o que acontece fora dela, mas algumas destas

relações são mais fortes que outras.

Não se pode estudar a cidade como ou todo ou a vizinhança

da escola, ou a escola mesmo. Há demais aí para monitorar

holisticamente, ainda que o holismo não possa ser eliminado,

ou podem resultar caricaturas baseadas em visão de túnel.

Os problemas de definição de unidade social, como estudar a

interação como limites de unidade, decidir sobre uma


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 252

amostra, gerar questões pesquisáveis, operacionalização, tudo

se torna crescentemente insistente quando se pensa em fazer

uma etnografia escolar. O processo de pesquisa começa a

parecer como a pesquisa educacional comum, com o que

muitos de nós já estamos desiludidos.

Além do problema de como fazer etnografia em uma

instituição única dentro de uma sociedade complexa, existe o

problema de como os etnógrafos que são membros daquela

sociedade pensam e sentem sobre sua sociedade, e como seu

ponto de vista afeta sua descrição. Alguns de vocês

discordaram do tom de minhas caricaturas das escolas

americanas apresentado anteriormente no artigo porque

discordam de minhas opiniões e sentimentos para com a

sociedade americana como um todo. Minhas caricaturas não

seriam verdadeiras para com a vida em termos de sua teoria

social.

Era eu que estava lá fazendo o trabalho de campo, não outra

pessoa. Minhas presunções fundamentais e preconceitos são

parte de meu eu. Não posso deixá-los em casa quando entro


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 253

em um local. Devo estudar o local como eu. Mas você não é

eu e você não está lá. Fui eu que estive lá. Assim devo ao

menos tornar explícito para você o ponto de vista que eu

trouxe ao local e sua evolução enquanto eu estava lá, bem

como o ponto de vista com o qual saí. A meta desejável não é

aquela impossível de objetividade sem corpo (Eu sou um

sujeito, não um objeto), mas da clareza em comunicar o ponto

de vista como um sujeito, para mim e para minha audiência.

Além de ser eu para minha audiência, como um etnógrafo,

tenho uma obrigação de ter estado lá. Realmente estar lá

significa experimentar fortes relações com seja mais quem

esteja lá (os informantes da pessoa). Algumas destas relações

podem parecer boas e outras podem doer. Todas elas me

afetam e me mudam. Porém uma pessoa que faz observação

participativa - como na maior parte observador ou como na

maior parte participante - não um envolvimento total com um

local.

Uma razão pela qual não tenho ainda suficiente material de

sabedoria popular de professor à mão é que minhas


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 254

experiências de campo mais intensas foram com crianças, não

com professores. Minhas descrições de professores são ainda

de uma distância; elas parecem verdadeiras, mas não o

suficiente verdadeiras. Somente após ter realmente estado lá

com professores serei capaz de mostrar quão sensível é o

sistema de sabedoria convencional dos professores não

examinado quando visto de dentro do sistema.

É a prova de força do etnógrafo: tirar sentido dos complexos

de comportamento " ultrajantes" (comer sopa de coágulos, a

circuncisão pública de adolescentes do sexo masculino [sem

anestesia], humor negro, partilhar a esposa com uma visita, as

explicações do professor sobre porque uma criança fracassa)

colocando o complexo comportamental em seu contexto sócio

cultural. Para empurrar isto como um etnógrafo a pessoa deve

não somente suprimir um sentido de raiva ultrajada enquanto

no campo, mas ainda ficar lá e tirar vantagem de sua raiva,

usando-a como um barômetro para indicar alta saliência.

Aqueles aspectos de uma cultura que simplesmente são

intoleráveis são provavelmente a chave para a diferença entre


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 255

aquela cultura e a própria. O método não é aquela da

objetividade, mas da subjetividade disciplinada.

Se existe uma cultura de professores da escola primária não é

certamente, em seus aspectos distintos, a minha própria. Se eu

quero descrevê-la adequadamente, devo permanecer perto até

que ela faça sentido e então relatá-la de modo que ela faça

sentido. Em meu relatório posso escolher condená-la ou não

condená-la, mas em qualquer dos casos estou obrigado a

torná-la inteligível como vista de dentro, e retratar os atores

na situação como humanos - não como figuras de madeira ou

monstros. Talvez não bons ou maus ou pessoas sábias mas

seres humanos.

Parece me que muito da etnografia escolar em nossa própria

sociedade ficou longe deste ponto. Como etnógrafos, (e como

descritores jornalísticos de escolas) damos lugar a nossa raiva

muito auto-indulgentemente e apresentamos as escolas,

professores e alunos como essencialmente e irredimivelmente

desumanos; na melhor das hipóteses guiados por uma


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 256

ignorância impenetrável ou na pior das hipóteses, motivados

por uma malevolência zelosa.

Não estou propondo aqui um relativismo fraco. Mas mostrar

que um processo social tendo resultados ruins, não é

necessário descrever cada ator no processo ou como vilão ou

como uma vítima. Para caricaturar uma comunidade escolar

americana de um modo que seja verdadeiro em si, deve-se

mostrar que professores, alunos, administradores, pais,

políticos, homens de negócios, são motivados pelo bem e pelo

mal, guiados pela sabedoria bem como pela tolice em suas

sabedorias convencionais, freqüentemente confusos, algumas

vezes fortemente conscientes do que está acontecendo, se

imiscuindo. Tal caricatura não deve excluí-los, mas seria

verdadeira a eles de um modo em que muitos escritos

recentes sobre escolas não o são, se o escritor for um defensor

ou atacante do sistema.

Alguns podem achar que usar o ultraje de alguém como um

instrumento no trabalho de campo, para explicar o ato

ultrajoso como inteligível, é em si mesmo ultrajoso - uma


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 257

perversão esquizóide do emocionalmente e eticamente

"normal". Então não se deve tentar fazer etnografia, porque

naquele processo de pesquisa a lei mais alta é fidelidade ao

assunto, quão esquizóide se possa tornar no processo de

pesquisa. Os antropólogos tentaram muito fazer isto quando

descrevem tais instituições “ultrajantes" como a Cerimônia

Kachina, na qual os homens Navajo se vestem como deuses

com máscaras e chicoteiam as crianças, mas os antropólogos

freqüentemente deixam de fazer isto quando descrevem as

instituições " ultrajantes" da escola americana.

Caracterizei a etnografia como um processo de pesquisa com

um pé na situação de campo e o outro na literatura

antropológica. Em conclusão, quero ilustrar isto

esquematizando os primeiros passos de um processo de

pesquisa de campo - que tipos de perguntas poder-se-ia trazer

para o que se está vendo, que tipos de significado poder-se-á

assinalar para o que se vê e que tipos de lógica e premissas

básicas poder-se-ia usar ao fazer isto.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 258

5. Tornando o familiar estranho


A pergunta contínua que se pode fazer no campo é esta: Por

que isto é (ato, pessoa, status, conceito) da maneira que é e

não diferente? A presunção por trás da pergunta é que o

comportamento humano varia o suficiente pelo mundo para

que em alguma outra sociedade haja ou uma maneira

convencional bem diferente de fazer seja qual for atividade

que aconteça eu estar vendo, ou em alguma sociedade ela não

possam fazer a atividade de todo e passem bem sem ela.

Não presto atenção consciente aquela pergunta todo o tempo,

mas ela está sempre ali. Especialmente ao fazer etnografia em

nossa própria sociedade é importante manter em mente que a

natureza estranha e arbitrária do comportamento diário

comum que nós, como membros, consideramos usual. Esta é

a técnica do filósofo de tornar deliberadamente o familiar

estranho. Ao entrar em uma sociedade não Ocidental o

trabalhador de campo não tem que fazer isto. Tudo não é

familiar e muito é estranho. Mas quando descrevendo as

instituições de sua própria sociedade, o etnógrafo deve adotar


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 259

a posição crítica do filósofo, continuamente questionando os

terrenos do convencional, examinando o óbvio, que é

considerado tão usual pelos do meio cultural que se torna

invisível para eles. Freqüentemente são os aspectos

considerados usuais de uma instituição que na análise final

aparecem como os mais significativos.

O instrumento para desmascarar o óbvio é a pergunta, Por

que isto da maneira que é e não diferente? Em formas mais

particulares esta pergunta poderia ser:

1. Por que há uma bandeira americana pendurada nesta sala

de aulas? Existem alguns casos em que ela está ausente? O

que acontece nestes casos?

2. Por que o professor toca na cabeça de seus alunos? Existem

algumas regularidades em quem ela toca e em quem não? O

que poderia acontecer se ela começasse a tocar os não tocados

ou parasse de tocar de todo?

Comparadas com as maneiras mais comuns nas quais a

educação tem sido praticada através da maior parte da


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 260

história humana, as salas de aula americanas são estranhas

não somente em termos do que acontece lá, mas em termos do

que não acontece. Poderíamos perguntar, “Por que não há

rito de circuncisão para os garotos do oitavo ano?”.

Assim a primeira presunção é que muito do que acontece na

escola, enquanto pode ser lugar comum para nós

observadores e para os participantes, é apesar disto

extraordinário. A próxima presunção é que o que acontece na

escola não é somente uma questão de relações entre

indivíduos professores e alunos e pais, mas de relações entre

alunos como grupos, entre professores como grupos e entre a

escola como um todo interagindo com outras unidades sociais

como todos fora dela (grupos comunitários, o sistema escolar

mais abrangente, entidades políticas e econômicas). Em

resumo, é presumido que o significado total de muitos

eventos dentro da escola pode ser visto somente no contexto

dos eventos através de toda a escola, influências do exterior

sobre a escola e influências da escola na sociedade mais

abrangente.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 261

6. Fazendo perguntas pesquisáveis


Neste ponto poderia ser apropriado dar um passo atrás,

passar para um nível mais alto de abstração, e fazer perguntas

que definam mais claramente os termos da pesquisa, bem

como nos levem a evidencias sobre a relação das escolas com

outras entidades sócio culturais. Aqui estão alguns exemplos

de perguntas possíveis que falam das relações entre a

organização do ensino em escolas urbanas e a questão da

sucessão étnica em posições ocupacionais. Se se queria

estudar tal questão, existem tipos de perguntas de pesquisa

que podem guiar a pesquisa.

1. Existem grupos (que vão de encontro a quaisquer critérios

para a definição de " grupo" que pudéssemos escolher para

estabelecer ou adotar) nos quais o status étnico é um atributo

criterial para se ser membro? O que acontece em grupos

baseados em status comercial e financeiro e grupos compostos

de ocupantes de cargos políticos?

2. Como estes grupos são distribuídos em termos de

residência, ocupação, classe sócio econômica, afiliação


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 262

religiosa, afiliação política e o envolvimento e exercício de

autoridade?

3. Qual é a natureza das relações entre grupos?

Alguns grupos são subordinados a outros? Quais são e como?

Onde estão os grupos mais recentemente chegados

localizados na estrutura social relativa aos grupos menos

recentemente chegados?

Existem redes de amizade entre indivíduos dos diferentes

grupos? Existem redes de amizade de foco individual ou

dentro do grupo? Quem está na rede?

Os diferentes grupos são super representados em certos status

ocupacionais e outros tipos de status? Em organizações

dominadas por uma maioria super representada, qual é a

natureza de suas relações com a minoria sub representada?

Existem entendimentos formais ou informais pelos quais os

sub-representados tem acesso a certos tipos de emprego,

influência, contratos e os super-representados tem controle

sobre outras áreas da pista organizacional? Quem controla o


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 263

que? Uma relação de paridade ou justiça distributiva é obtida

com a qual ambos os grupos concordam? Por que processo a

paridade é determinada?

4. Se as relações sugeridas nas perguntas 1-3 obtém para

padrões residencial , étnico e ocupacional nas vizinhanças, as

organizações de negócios e governamentais a cidade como

um todo, como isto se relaciona com a estrutura , operação e

função das escolas?

Há super representação de algumas categorias de pessoas -

étnica, residencial, religiosa - nos vários status nas escolas (ex:

administradores locais, professores, zeladores, auxiliares de

escritório, alunos , pessoal de agencia social relacionado com a

escola)?

Como esta distribuição vê os vários níveis organizacionais -

ex: administradores do escalão superior, a direção da escola,

os contratadores de construção e manutenção, aqueles que

alugam a propriedade da escola, etc? Qual é a distribuição de

renda (e outros benefícios especificáveis) entre as categorias?


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 264

Em uma dada escola local e para o sistema como um todo,

várias categorias de pessoas (que se identificam como tal)

percebem a paridade ante outros grupos? Quem faz e quem

não faz? Qual é sua definição de paridade?

5. Qual é o efeito de 1-4 acima sobre a organização da vida

diária em uma dada escola ?

O que as diferentes categorias de pessoas fazem a maior parte

do tempo?

A etnicidade, residência, afiliação religiosa, etc, afeta a

qualidade das relações entre administradores e professores?

Entre professores e professores? Entre os auxiliares de

escritório e os professores? Entre professores e alunos? Etc.

O que é “comportamento não afetado por fatores étnicos"?

O que é “comportamento positivamente afetado por fatores

étnicos"?

O que é “comportamento negativamente afetado por fatores

étnicos"?

Quem se relaciona com quem e de que modo?


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 265

O que várias categorias de pessoas dizem sobre isto em

conversa formal-informal? Dentro e fora da escola? O que

elas fazem sobre isto formalmente e informalmente?

6. Quais sãos os resultados escolares altamente valorizados

pelas várias categorias de pessoas?

Resultados para professores e administradores? Para alunos?

Para os pais? Para homens de negócios? Para autoridades

governamentais?

Qual é a distribuição de opinião dentro de um dado

agregado?

Qual é a distribuição de resultados desejáveis e indesejáveis

(como definidos por qualquer dos agregados acima) entre

uma dada classe de pessoas étnica, residencial, religiosa, sócio

econômica?

Se resultados desejáveis são pesadamente super

representados, como isto se relaciona com aquela definição de

agregado de “justiça distributiva"?


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 266

8. Um processo de pesquisa
Obviamente, nenhum etnógrafo poderia cobrir todas estas

perguntas em detalhes uniformes. Mas se da leitura da

literatura, de informantes e pelas observações, se começa a

sentir que fatores étnicos poderiam explicar o comportamento

padronizado em uma comunidade escolar, então se

necessitaria se basear em vários tipos de informações sobre

fatores étnicos que operam nas unidades sociais mais amplas

das quais a comunidade escolar faz parte e em unidades

sociais menores dentro da comunidade escolar, bem dentro da

sala de aulas ou do confronto individual pais-professor. O

etnógrafo seria levado a este corpo de informações por uma

variedade de perguntas de pesquisa. Quando considerando

as questões de pesquisa para pesquisa, minha regra é que as

microperguntas de uma pessoa devem sempre levar a

macroperguntas e vice versa. Quando considerando a

garantia evidenciária para as asserções, minha regra de

evidencia é que para qualquer asserção de um alto nível de

abstração devemos ser capazes de mostrar ligações claras


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 267

através de uma cadeia de perguntas e respostas de pesquisa

de ordem mais baixa, para os níveis mais baixos possíveis de

inferência em observação e interpretação da ação humana

visível e audível.

Penso que a etnografia, por causa de seu holismo e por causa

de sua perspectiva cultural cruzada, fornece um processo de

pesquisa pelo qual podemos fazer perguntas de extremidade

aberta que resultariam em novos insights sobre a escola na

sociedade americana. Muitos destes insights podem ser úteis

para planejadores políticos e grupos comunitários. Mas não

como a "Verdade Absoluta" que eles poderiam querer ontem.

Nenhum de nossos insights pode ser taxado de

“conhecimento positivo" nem devem sê-lo. Apresentando

nossas conclusões como possíveis ao invés de como certas,

penso que podemos adquirir credulidade sem mistificação.

Para pessoas de ação, nossa pesquisa etnográfica pode ser útil

fornecendo novos pontos de vantagem para reflexão; uma

meta modesta, mas uma resistência honesta a esta inflação de

esperança cujo final é o cinismo.


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Documento original sem referências


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Capítulo 7

O discurso em sala de aula como improvisação


Frederick Erickson
As relações entre a estrutura das tarefas acadêmicas e a estrutura de
participação social nas aulas10
A conversa entre professores e alunos nas aulas - conversa

que é não somente inteligível mas situacionalmente

apropriada e efetiva - pode ser vista como a improvisação

coletiva de significado e organização social de momento a

momento. Como esta improvisação acontece e qual o

significado pedagógico que a improvisação pode ter, irei

discutir neste capítulo.

Primeiro alguns pontos gerais: (a) os aspectos acadêmico e

social da estrutura das tarefas das aulas como ambientes de

aprendizagem; (b) o papel da cronometragem na organização

social e acadêmica da interação nas aulas; (c) o padrão

cultural de interação; e (d) as implicações dos três pontos

10 Esse texto traduzido com autorização do autor, por Carmen Lúcia Guimarães de Mattos. Foi
originariamente publicado sob o título Classroom Discourse as Improvisation: Relationship
between Academic Task Structure and Social Participation Structure in Lessons. In L.C. Wilkinson
(Ed.) Communicating in the classroom. NY: Academic Press. Pp. 153-181, 1982.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 270

anteriores em nossa compreensão da conduta de ensino e

aprendizagem como socialização. Apresentarei então

exemplos específicos de uma aula de matemática ministrada

em uma sala de aula do primeiro ano. Concluirei com a

discussão da implicação pedagógica e sociolingüística de um

quadro de referência e uma análise que considera as aulas

escolares como encontros e considera a interação nas aulas

como uma variação situacional dos temas socioculturais

gerais.

1. Ambientes de tarefa de aprendizagem


Os professores e alunos engajados em fazer uma

aprendizagem juntos podem ser vistos como trabalhando em

dois conjuntos de conhecimentos procedurais

simultaneamente: o conhecimento da estrutura da tarefa

acadêmica e da estrutura de participação social. A estrutura

da tarefa acadêmica (STA) (Deve ser notado que este é um

sentido muito mais específico do termo que o usado por

BOSSET (1979), cuja "Estrutura da Atividade de Tarefa" é uma

noção muito mais geral de tarefa e deriva de uma referência


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 271

teórica muito diferente) é imaginada como um conjunto

padronizado de restrições fornecidas pela lógica do

sequenciamento do conteúdo sujeito-objeto da aula. A

estrutura de participação social (EPS) é considerada como de

um conjunto de restrições sobre a alocação de direitos

interacionais e obrigações dos vários membros do grupo de

interação (ERICKSON & SCHULTZ, 1977, 1981; SHULTZ,

FLORIO & ERICKSON, no prelo).

A estrutura da tarefa acadêmica governa o sequenciamento

lógico dos "movimentos" instrucionais do professor e dos

alunos. Considere, por exemplo, o seguinte problema de

soma: 14+8= 22

Ao resolver esta equação no estilo da "matemática antiga" (e

ao ensinar os passos em sua solução) é necessário começar (a)

com a coluna mais à direita (a "1°”); (b) adicionar os números

naquela coluna; (c) já que a soma daquela coluna é maior que

10, "levar" as 10 unidades para a coluna próxima à esquerda (a

coluna dos 10), e (d) adicionar os dois 10 naquela coluna. A

seqüência de passos é restringida pela lógica da computação;


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 272

não se sabe que os dois 10 devem ser adicionados na coluna

dos 10 até que se tenha primeiro somado os números na

coluna dos 1. Assim os passos na adição ficam em relações de

pares adjacentes um ao outro que são análogos às relações de

pares adjacentes na conversa que foi discutida pelos analistas

conversacionais (SACKS, SCHEGLOFF & JEFFERSON, 1974),

por exemplo, seqüências de perguntas e respostas. Na

conversa e em computação estas são relações invariáveis de

uma posição de série, hierarquicamente e seqüencialmente

ordenadas.

Existem pelo menos quatro aspectos definíveis de ambiente

de tarefa acadêmica em uma aula: (a) a lógica do

seqüênciamento sujeito-objeto; (b) o conteúdo de informações

dos vários passos seqüenciais; (c) as dicas de " meta-

conteúdos para os passos e estratégias para se completar a

tarefa; e (d) os materiais físicos através dos quais as tarefas e

os componentes das tarefas são manifestados e com que

tarefas são executados. Estes quatro aspectos juntos


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 273

manifestam a estrutura da tarefa acadêmica da aula como um

ambiente de aprendizagem.

A estrutura de participação social governa o seqüenciamento

e articulação da interação; ela envolve dimensões múltiplas da

sociedade interacional de acordo com a qual o trabalho

interacional é dividido em conjuntos de papéis comunicativos

articulados, por exemplo: papéis de ouvinte em relação aos

papéis de falante. 2 (Papel aqui se refere a um conjunto de

direitos e obrigações vis a vis com outros). Considerada como

um padrão total, a estrutura de participação pode ser

considerada como a configuração de todos os papéis de todos

os padrões em um evento interacional (ERICKSON E

SHULTZ, 1977, 1981). Alguns aspectos destas relações de

papel envolvem padrões nas maneiras que os padrões

interacionais trocam de turno durante a fala, pares ligados de

turnos, juntados semanticamente em seqüências de perguntas

e respostas, e comportamento de ouvinte coordenado em

relação ao comportamento de fala.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 274

Paralelamente aos quatro aspectos do ambiente de tarefa

acadêmica de uma aula estão quatro aspectos definíveis do

ambiente de tarefa social: (a) a guarda social do portão de

acesso para pessoas e outras fontes de informações durante a

aula; (b) a alocação de direitos e obrigações comunicativos

entre os vários parceiros interacionais no evento; (c) o

seqüenciamento e cronometragem dos sucessivos "encaixes"

funcionais na interação; e (d) as ações simultâneas de todos

aqueles engajados na interação durante a aula. Tomados

juntos, estes quatro aspectos manifestam a estrutura de

participação social da aula como um ambiente de

aprendizagem.

Os aspectos da estrutura de participação social foram

estudados por analistas conversacionais e por etnógrafos de

comunicação (SACKS et. al., 1974 sobre alocação de turno;

SCHEGLOFF, 1968 sobre seqüências de perguntas e respostas;

e DUNCAN & FISKE, 1977, ERICKSON, 1979 & KENDON,

1967, sobre coordenação ouvinte-falante).


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 275

Todo este trabalho presume uma definição do social em

termos do WEBSTER como a ação feita devido as ações de

outros (WEBER, [1922]1978). A ação social é distinguida do

comportamento social na medida em que é articulada e

orientada para o que os outros estão fazendo na cena, bem

como para o que os outros podem estar fazendo fora da cena

imediata. As ocasiões das interações sociais são nos termos de

GOFFMAN, encontros; ajuntamentos focalizados nos quais o

foco está no que os outros estão fazendo ali (GOFFMAN,

1961). A fronteira entre o encontro e o mundo exterior não é

impermeável; as influências externas não se impingem nela.

Mas a ação dentro do encontro tem, em alguma extensão, uma

vida própria. Ela é, em parte ao menos, imediatamente social.

O lugar no qual o que os etnometodólogos nomeiam

“produção local” é feita; a ação é situada em seu local

imediato.

Nos encontros, as ações dos vários parceiros interacionais são

articuladas de modos imediatamente sociais seqüencial e

simultaneamente. As ações recíprocas são articuladas


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 276

seqüencialmente, por exemplo, em pares de perguntas e

respostas, nos quais a pergunta feita pelo parceiro

conversacional obriga a uma resposta por outro no próximo

encaixe sucessivo da conversa. As ações complementares são

articuladas simultaneamente, por exemplo, nas respostas do

ouvinte tais como assentimentos que podem ocorrer no

mesmo momento em que o falante fala. Em suma, a ação que

é imediatamente social é vista como radicalmente cooperativa

e interdependente.

Os aspectos seqüencial e simultâneo da organização social da

interação em sala de aula foram consideradas recentemente

por alguns pesquisadores, notadamente, BREMME &

ERICKSON (1977), ERICKSON E MOHATT (1982),

GUMPERZ E COOK-GUMPERZ (1979), MEHAN (1979),

MERRIT (neste Volume), MICHAELS & COOK-GUMPERZ

(1979), SHULTZ et. al. (no prelo), SINCLAIR & COULTHARD

(1975) e WILKINSON, CLEVENGER & DOLLAGHAN (1981).

Somente os autores do trabalho mais recente começaram a

considerar os aspectos social e acadêmico das tarefas de aula


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 277

juntos (ver AU, 1980; COLLINS & MICHAELS, 1980;

COOPER, MARQUIS & AYERS-LOPEZ, Capítulo 5, neste

volume; GRIFFIN, COLE & NEWMAN, em preparação;

MEHAN & GRIFFIN, 1980). Isto é necessário, como

argumentei em outra parte (ERICKSON, 1980), se vamos

desenvolver uma teoria interacional da aprendizagem e

ensino cognitivo em ocasiões sociais (tais como aulas) que

sejam ambientes interacionais de aprendizagem.

Algumas pesquisas anteriores de sala de aula enfatizaram o

ambiente de tarefa cognitiva (SMITH, n.d.; TABA, 1964)

enquanto ignoravam o ambiente de tarefa social. Uma

tentativa notável foi feita por BELLACK, KLIEBARD,

HYMAN & SMITH (1966) para combinar aspectos de

organização social e acadêmica no estudo das aulas. Desde

então, pesquisadores sociolinguisticamente orientados

estudaram principalmente a estrutura de participação social

das aulas, enquanto pesquisadores de currículo e psicólogos

cognitivos se preocuparam primariamente com a estrutura de

tarefa acadêmica das aulas. É necessário considerar ambos os


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 278

aspectos de organização como mutuamente constitutivos.

Como MEHAN colocou sucintamente, para um aluno dar

uma resposta certa em uma aula, a resposta deve ser "certa"

no conteúdo acadêmico e na forma social (MEHAN, 1979,

p.1).

Na extensão em que a conversa em uma aula diz respeito ao

assunto, a participação bem sucedida na aula envolve

conhecimento de informações sobre o assunto e sua

organização lógica, bem como conhecimento do discurso e de

sua organização local.

2. Tempo e seqüência na coordenação da interação social


Se a interação face a face é uma empresa radicalmente

cooperativa, "localmente" produzida em termos de ações

localmente situadas e seus significados, então os parceiros

interacionais devem ter meios disponíveis para estabelecer e

manter interdependência em sua ação coletiva. Estes meios

são os padrões de cronometragem e seqüenciamento na

execução do comportamento verbal e não verbal. Os padrões

funcionam como um sistema de sinais - um mecanismo de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 279

guia social - pelo qual os parceiros interacionais são capazes

de dizer um ao outro o que está acontecendo de momento a

momento. Começarei esta discussão considerando as funções

e manifestações comportamentais diferentes de sinais de

coordenação e então discutiremos a organização destes sinais

na duração de tempo real da interação.

Os sinais são explícitos e implícitos. Eles podem comunicar

informações sobre um momento que é passado, este momento

agora, e/ou o momento que vem a seguir. Os sinais explícitos

podem ser encontrados no significado literal (conteúdo

referencial) da fala. A última sentença do parágrafo anterior é

um exemplo deste discurso escrito; ela aponta as expectativas

do leitor para o que vem em seguida no texto.

Nas aulas algumas destas orientações são feitas

explicitamente na fala. Freqüentemente a fala tem a ver com o

conteúdo do assunto e com a STA. Consideremos o problema

de adição discutido anteriormente. Se o professor estava

demonstrando a solução deste problema à sua classe, o


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 280

discurso da aula poderia ser algo assim quando o professor

apontou os vários números e colunas em um quadro de giz:

Professor: Quanto é quatro mais oito? (apontando para a


coluna dos 1º).
Classe: Doze.
Professor: Certo, assim escrevemos os dois aqui (O
professor o faz) e então?
Classe: (Sem resposta)
Professor: O que eu disse da última vez? (ex: no
problema anterior)
Classe: Levar.
Professor: Levar o 10 para a coluna dos 10 e somar os
dois 10 lá... assim a resposta é ...
Vinte e dois.
Muito bem. Agora “sete mais cinco". (O professor passa
para o próximo problema).
A questão no turno 1, “Quanto são quatro mais oito?” (mesmo

se não acompanhada da ação não verbal de apontar para o

quadro), identifica explicitamente e acompanha a ação no

passo na estrutura de tarefa acadêmica que está sendo feita

naquele momento. Além disto, a forma da pergunta também

assinala que uma resposta é devida no momento a seguir; daí

a pergunta não somente permite à classe identificar o que está


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 281

acontecendo no momento presente mas antecipar, através de

interpretação prospectiva, o que deve acontecer no momento

seguinte. O turno 5 aponta explicitamente para a necessidade

de interpretação retrospectiva pela turma, pedindo para

lembrar o que foi ensinado sobre "levar" no problema

anterior.

Os sinais que apontam para um estágio seqüencial particular

na aula podem ser mesmo mais explicitamente formulados do

que na ilustração anterior. Por exemplo, o professor poderia

ter precedido a pergunta no turno 1 pela declaração: “Vamos

começar somando os números na coluna dos 1”. Isto teria

apontado explicitamente para o estágio seqüencial na STA

mesma antes de entrar na operação computacional necessária

naquele estágio. As formulações específicas deste tipo podem

ocorrer no início da aula, como no seguinte exemplo

hipotético: Agora teremos nosso teste de ortografia. Primeiro

peguem uma folha de papel, escrevam seu nome no canto de

cima e então começarei a ler as palavras que vocês vão

soletrar. (Este é o mesmo tipo de função executada pela frase


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 282

no final do primeiro parágrafo desta seção. Começarei esta

discussão considerando diferentes funções e manifestações

comportamentais de sinais de coordenação e então

discutiremos a organização destes sinais na duração de tempo

real da interação.)

O mesmo tipo de orientação para posição de seqüência em

uma aula pode também ser assinalado através de elipse. Os

sinais elípticos podem ser usados com sucesso por causa da

familiaridade com as rotinas seqüenciais do procedimento em

sala de aula. Um exemplo é encontrado no Turno 9 da

ilustração anterior. Uma palavra mais uma pausa, Agora...

pode funcionar como uma formulação de posição seqüencial

que é equivalente à frase inteira. Vamos começar somando os

números na seqüência de 1s. Através da elipse, a primeira

palavra do Turno 3 , Certo, aponta retrospectivamente para a

exatidão da resposta no Turno 2. O apontamento semântico é

elítico, mas é ainda explicitamente comunicado no item léxico.

Certo.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 283

Apontar para uma posição de seqüência é feito mais

implicitamente. Esta função pode ser feita por palavras e

sintaxe, e por pistas paralingüísticas e não verbais. Um

exemplo de uma dica léxica é encontrado no Turno 3, onde a

palavra “Certo” funciona explicitamente para assinalar que a

resposta anterior estava correta. Ela também funciona

implicitamente para assinalar perspectivamente que, já que a

resposta anterior estava correta, o professor vai mudar para

algo novo no momento seguinte. Uma pista sintática tem uma

função de sinalização prospectiva similar no final do Turno 7,

na qual uma pausa interrompe o completar da frase verbal:

assim a resposta é ..."3 (Os aspectos de sinalização de

seqüencia-posição discutidos até agora foram todos notados

por outros pesquisadares, notadamente SACKS et al. (1974),

SCHEGLOFF (1968), MEHAN & WOOD (1975) e em

aplicações da teoria do ato da fala ao discurso da aula, como

em SINCLAIR & COULTHARD (1975).

A sinalização implícita prospectiva e retrospectiva também

pode ser feita pelos chamados padrões "supra-segmentais" de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 284

comportamento não-verbal e paralingüístico; assim chamados

porque são mantidos através de unidades fonológicas e

sintáticas menores na corrente da fala. As mudanças na

posição postural e na distância freqüentemente marcam o

final da unidade do discurso de alguém e o início de outra

(ERICKSON, 1975; SCHEFLEN, 1973; e a análise do

posicionamento postural em sala de aula por MCDERMOTT,

1976). As mudanças em registro de tom e na prosódia da fala

(tom, entonação, entonação de volume, tempo) podem

também assinalar o completar da série de "quedas" de

discurso conectadas como os níveis de tom que caem

sucessivamente na "entonação de escuta" encontrada no

exemplo hipotético:

Professor: O que os gregos antigos consideravam como os

elementos essenciais?

Turma:
Terra.
Fogo
Água
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 285

Aqui não somente a queda de tom no final de água assinala o

final da lista, mas a leve elevação de tom em água e fogo

assinalam que o ponto final ainda está por vir.

GUMPERZ (1977) usa o termo pistas de contextualização para

se referir a todos os meios superficiais- estruturais pelos quais

a intenção comunicativa e forma interpretativa são

assinaladas. Os procedimentos de pistas de contextualização

são aprendidos e seu uso é compartilhado dentro das

comunidades de fala. As dicas para esta turma em geral

apontam para vários contextos de interpretação, não somente

para os aspectos de contexto seqüencial discutidos aqui, mas

também para outros aspectos do contexto. Estes incluem:

ironia, sinceridade, polidez e enquadramento como atividades

de fala de conjuntos particulares de funções comunicativas;

por exemplo, conversar sobre o tempo, mudar de assunto,

pedir uma refeição em um restaurante. (GOFFMAN, 1974; e

TANNEN, 1979, sobre as noções de pistas e enquadramento.

Ver também SCHANK & ABELSON, 1977, para uma noção

mais idealizada de enquadramento, plano e expectativa).


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 286

TANNEN & GUMPERZ presumem que o contexto não é

meramente dado na cena de ação. A cena é complexa e

grande demais para ser informativa por si mesma. Os

aspectos específicos do contexto devem ser apontados

continuamente e mantidos através do comportamento

comunicativo. As pistas são manifestadas através de muitos

níveis de organização de fala e comportamento não verbal, em

sintaxe, léxica, estilística, registro da fala, prosódia da fala, no

movimento do corpo, olhar, posição postural e distância

interpessoal.

A habilidade de "ler" o sistema de sinais das pistas de

contextualização é um aspecto crucial do que HYMES (1974)

chama competência comunicativa, que abrange, pistas de

contextualização e os processos inferenciais pelos quais elas

são lidas como um requisito fundamental para executar a

comunicação que não seja somente inteligível, mas apropriada

e efetiva em seu uso.

Os aspectos particulares das pistas de contextualização que eu

quero enfatizar aqui são aqueles de (a) apontar para o lugar


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 287

seqüencialmente funcional do momento agora e o momento

seguinte e (b) apontar para a localização em tempo real dos

momentos agora e seguinte.

Temos revisado a importância, para o compartilhamento

interacional, de todos os participantes, em um evento

interacional, serem capazes de apontar um para o outro os

encaixes seqüencialmente funcionais na interação quando ela

se desdobra. Isto é importante no nível dos encaixes

imediatamente adjacentes tais como aqueles da frase nominal

e da frase verbal dentro de uma sentença, ou em pares de

perguntas e respostas através de turnos de fala. É também

importante saber onde alguém está na seqüência de maiores

"quedas", os conjuntos seqüenciais de encaixes funcionais em

níveis hierarquicamente mais altos de organização seqüencial;

por exemplo, saber quando alguém chegou ao final de um

"conjunto topicamente relevante: de pares de perguntas e

respostas semanticamente ligados dentro de uma aula,

sabendo que a fase preparatória da aula está terminando e

que a fase instrumentalmente focalizada da aula está para


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 288

começar (ERICKSON & SCHULTZ, 1977, 1981), ou sabendo

que o ponto de climax interacional - a "linha de ímpeto" na

estrutura da tarefa acadêmica - chegou (ver SCHULTZ et al.,

no prelo).

Estes assuntos de seqüenciamento na ordenação dos

seqüenciais, encaixes funcionais e quedas definem o tempo de

"agora" e "momento seguinte" em um sentido especial; aquele

do tempo estratégico, em contraste com aquele do tempo do

relógio (ERICKSON, 1981).

Os gregos antigos faziam uma distinção entre tempo

estratégico e do relógio. O primeiro era chamado kairos; o

tempo certo, o tempo apropriado. Este é o tempo da história

humana, estações e clima. O último tipo de tempo era

chamado chronos; o tempo da duração literal, mecanicamente

mensurável. O antropólogo HALL faz uma distinção similar

entre os tipos de tempo, chamando kairos o tempo formal e

chronos o tempo técnico (HALL, 1959).


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 289

Na interação face a face, ambos kairos e chronos devem ser

claros para os parceiros interacionais se eles devem ser

capazes de coordenar socialmente sua ação, levando em conta

as ações uns dos outros simultaneamente e seqüencialmente.

Os parceiros devem ser capazes de antecipar que um encaixe

significativo funcionalmente está para ser atingido no

momento seguinte; eles também devem ser capazes de

antecipar o ponto no tempo real no qual o próximo momento

funcional pode acontecer apropriadamente. Isto é feito

através de pistas de contextualização de um tipo especial, que

formam padrões do que pode ser chamado prosódia verbal e

não verbal. Os pontos de ênfase na corrente de fala -

elevações em tom, volume e tempo, o estabelecimento e

retirada de junções sintáticas - aparecem em intervalos

periódicos regulares. Os pontos de ênfase na corrente do

comportamento não verbal concorrem com aqueles da

corrente de fala, ou substituem o canal verbal, marcando o

"próximo" intervalo rítmico na série. Estes pontos de ênfase

ocorrem na mudança de direção do movimento em gestos das


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 290

mãos, em assentimentos, no estabelecimento ou retirada de

envolvimentos de entrada, e em mudanças da posição

postural e distância interpessoal. Simultaneamente através

dos canais verbal e não verbal, estes pontos de ênfase

ressaltam um ritmo interacional que é quase, mas não

completamente, metronômico.

Em suma, os mesmos meios comunicativos são usados para

delinear o conteúdo semântico com seus encaixes seqüenciais

de organização de kairos, e a forma rítmica, que consiste em

períodos regulares de organização de chronos. Os pontos no

tempo real, bem como os pontos de uma posição de série em

uma relação de seqüência, são essenciais para o "contexto" da

ação prática e tomada de decisões que está sendo criado e

apoiado no comportamento verbal e não verbal articulado dos

parceiros interacionais. A manutenção de padrões previsíveis

de convergência entre a organização de kairos e a organização

de chronos pode ser vista como fundamentalmente

constitutiva da coordenação social da interação face a face no

sentido do termo de WEBER ([1922], 1978).


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 291

(Para discussão adicional e exemplos de interação entre

adultos, ver ERICKSON & SCHULTZ, 1981; e SCOLLON,

1981. Para discussão do papel do ritmo na organização da

interação entre crianças recém nascidas e os que tomam conta

delas, ver BRAZELTON, KOSLOWSKI & MAIN, 1974;

CONDON, 1974; e STEM & GIBBON, 1979. Embora ritmos de

interação particulares e padrões de articulação pareçam ser

específicos da cultura, a função constitutiva do ritmo como

um aparato de organização social parece ser um universal

humano; ver BYERS, 1972)

3. Improvisação com ação estrategicamente adaptativa em aulas


Embora a previsibilidade de kairos e chronos defina as

oportunidades potenciais da ação social por um professor e

alunos em uma aula, as oportunidades reais acontecem não

somente nas horas e locais funcionais que podem ser

formalmente modeladas, mas em pontos de acontecimento

fortuito que não são consideradas no modelo formal. Isto

porque as aulas escolares, consideradas como ambientes para

aprendizagem e ensino, são ocasiões sociais distintivamente


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 292

caracterizadas pela fortuidade. Consideradas em termos da

etnografia da fala, as aulas ficam em um meio ponto no

continuam entre os eventos altamente ritualizados, com

fórmulas de fala, nos quais todos os encaixes funcionais e seus

conteúdos formais são pré-especificados, e os eventos de fala

altamente espontâneos, nos quais nem os encaixes sucessivos

nem seu conteúdo são pré-especificados. Consideradas em

termos da teoria social e da teoria da socialização, as aulas

escolares são de interesse especial porque são anômalas nos

paradigmas dos extremos teóricos de determinismo social ou

psicológico por um lado, e o do contextualismo radical por

outro lado. Primeiro discutirei o caráter especial das aulas

como ocasiões sociais e então discutirei as implicações disto

para a teoria social e para a teoria da socialização.

As aulas são antes de tudo ocasiões para a aprendizagem e o

ensino. O que isto significa para a condução leve e bem

sucedida da interação é que as aulas são especialmente locais

de truques locais, já que existem situações em que é certo que

erros serão cometidos e será fornecida correção e assistência.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 293

Na verdade, os erros e hesitações dos estudantes e as

respostas adaptativas dos professores são a razão de ser da

aula.

Os erros são inevitáveis, já que os alunos são aprendizes;

aprender é por definição a aquisição de maestria, não a

possessão dela. A oportunidade para aprender é a

oportunidade de cometer erros. Além disto, os erros dos

alunos fornecem ao professor a oportunidade de ensinar. O

nível de maestria do aluno é revelado pelo nível de

dificuldade na tarefa acadêmica no qual os erros são

cometidos. Tendo identificado o nível de maestria do aluno, o

professor deve ser capaz de ajustar o ambiente de

aprendizagem da aula para acomodar o aluno; isto é na

linguagem "folclórica" da educação de professores chamado

"considerar o aluno onde ele está". (Sobre este ponto, ver

também a discussão em MEHAN, 1979, pp. 122-124).

Podem ser feitos ajustes através de ambas as dimensões da

aula como ambiente de aprendizagem - a Estrutura de Tarefas

Acadêmicas (ETA) e a Estrutura de Participação Social (EPS) -


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 294

ou através de cada dimensão separadamente. A ETA pode

ser simplificada, abaixando-se o nível de dificuldade de uma

dada pergunta ou de um conjunto de perguntas. A EPS

também pode ser simplificada através da relocação de direitos

de falar e ouvir. Isto será ilustrado na análise de uma aula de

aritmética que se segue. Neste ponto é suficiente notar que

não somente a tarefa total cognitiva da aula pode ser tornada

mais fácil para uma criança simplificando-se a ETA bem como

a EPS, mas que mudanças na estrutura de participação social

também fornecem ao professor oportunidades de diagnosticar

mais totalmente a capacidade de aprendizagem da criança.

Mudar a EPS de modo a permitir à criança responder junto

com outra criança, ou com o professor, dá ao professor acesso

observacional ao que VYGOTSKY (1978) chama da zona de

desenvolvimento proximal da criança - a escala através da

qual a criança pode executar com ajuda tendo sucesso, como

contrastada com o ponto no qual a maestria da criança pára

quando esta está fazendo a tarefa de aprendizagem sozinha.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 295

Perguntas diretas em aula são um modo para o professor

ganhar insight no que a criança sabe ou não sabe.

Admitidamente, este dogma central da pedagogia não é

universalmente compartilhado entre os humanos. Existem

grupos socioculturais nos quais o ensino é feito sem nenhum

questionamento direto dos aprendizes (ver a discussão dos

estilos de aprendizagem e ensino dos nativos americanos em

ERICKSON & MOHART, no prelo; e PHILLIPS, 1972). Ainda,

para os europeus ocidentais e americanos, a existência da aula

interacional como um evento de fala pressupõe que é

necessário para o professor fazer perguntas diretas às crianças

porque não é claro se a criança sabe a informação antiga que

está sendo revisada, ou as informações novas que vão ser

ensinadas.

O paradoxo é que os vários tipos de erros dos alunos ao

responder - mesmo se alguns deles são essenciais como

oportunidades para ensinar e aprender - podem destruir a

manutenção de uma estrutura de tarefa social e acadêmica

coerente na aula. Os erros de conteúdo na ETA podem causar


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 296

problemas na manutenção da EPS, como no caso de uma

hesitação por um aluno que quebra o ritmo interacional. Os

erros de conteúdo acadêmico que são corretos na forma social

(EPS) também podem causar problemas na ETA, como no

caso de um aluno que dá uma resposta errada que viola as

expectativas do professor e dos outros alunos quanto ao fluxo

logicamente seqüencial de idéias na aula, mesmo se a resposta

é dada no tempo socialmente "certo" e não distorce o fluxo

rítmico suave de alternação entre pergunta e resposta. Ao

contrário, os erros em termos de EPS podem danificar a ETA,

como no caso de um aluno que dá a reposta academicamente

“certa" no momento socialmente "errado". Por causa disto, as

aulas são eventos de fala caracterizados pela presença de

freqüentes problemas cognitivos e interacionais e trabalho de

conserto.

Quando as aulas escolares são comparadas com outros

eventos de fala, de acordo com a referência da "etnografia do

modelo de falar" de HYMES (1964, 1974), as aulas ficam em

um ponto médio entre o ritual formal e a espontaneidade


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 297

informal. Na fala mais altamente estilizada a seqüência de

turnos de fala é pré-especificada, como na alocação de turnos

entre os vários parceiros, o conteúdo semântico de cada turno,

e as ações não verbais apropriadas que acompanham a fala.

Consideremos o seguinte exemplo de diálogo da missa

Católica Romana:

Pessoas: (se levantam quando o celebrante volta a olhá-


las)
Celebrante: O Senhor esteja convosco (mãos abertas,
braços estendidos).
Pessoas: E contigo também.
Celebrante: Corações ao alto.
Pessoas: O Nosso Corarão está em Deus.
Em contraste, o diálogo entre um ministro Protestante

evangélico e a congregação durante o sermão é organizado

mais informalmente. A alternação de turnos não é pré-

especificada, o conteúdo dos turnos do ministro não é

totalmente pré-especificado, embora a reiteração formular do

que acabou de ser dito ocorra freqüentemente. O conteúdo

dos turnos para os membros da congregação não é pré-

especificado, embora os "enchimentos" opcionais do encaixe


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 298

de resposta (ex.: Amém, Isto está certo, Obrigada Jesus, gritos,

começar a cantar) sejam mais estreitos em escala do que a

escala de opções disponíveis ao pregador (ver a discussão em

ROSEMBERG, 1975).

A organização de uma fala em um encontro QUAKER

(BAUMAN, 1974) é mesmo mais constrangida em termos de

alocação de turno, seqüência de turno e conteúdo do turno.

Esta organização não é, porém de nenhum modo ao acaso.

Na verdade, o princípio de que um falante auto-elege um

turno, e a ausência de uma relação líder-seguidor entre a

audiência e o falante são ambos aspectos da organização

interacional consistente com um princípio organizacional

social mais geral subjacente ao todo da educação Quaker, o

princípio da igualdade absoluta de todos os indivíduos diante

de Deus e diante uns dos outros.

A conversa comum da classe média entre os americanos

(como discutido em SACKS et al., 1974) é mesmo mais

restringida que em um encontro Quaker. Os falantes na

conversa comum podem designar novos falantes bem como


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 299

auto-elegerem seu próprio turno. A escala de tópicos é mais

larga que em um encontro Quaker; por exemplo, uma piada

suja contada na conversa comum não seria apropriada em um

encontro Quaker. Ainda, mesmo em uma conversa comum a

ordem subjacente não fica ao acaso, como a análise de SACKS

et al., sugere. O que é distinto sobre a conversa comum, em

contraste com os outros exemplos, é a natureza radicalmente

"local" da ordem. Os princípios de ordem se aplicam ao

momento imediato - a pares adjacentes tais como este turno -

próximo turno. Este é um tipo de regra muito geral; na

verdade um termo melhor é princípio operatório ou máxima,

para usar o termo de GRICE (1975). A máxima

conversacional de GRICE "seja relevante" é um conselho que

deve ser levado grandemente em conta em termos de contexto

local, dentro da conversa em si.

A generalidade de princípios subjacentes e a localidade da

relevância para suas aplicações é o que distingue os eventos

de fala tais como a missa Católica Romana dos eventos de fala

da conversa comum. A missa como um encontro é


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 300

radicalmente não local em sua abertura à influência do

exterior, através do espaço e através do tempo. Em sua versão

em Latim, a seqüência e conteúdo da amostra de diálogo

anteriormente apresentada existiam virtualmente imutável

por 1700 anos. O uso começou dentro da congregação Cristã

em Roma (que mudou do grego para o latim como sua

linguagem litúrgica em 300 DC). Desde então o uso Romano

se espalhou pelo mundo.

A missa é também modelada por conjuntos de regras

altamente especificadas: na verdade, pelos algoritmos exatos

de sua execução. Diferentemente das regras de Chomsky de

gramática, as regras para a execução da missa não são

generativas, mas compartilham o atributo da especificidade

de referencia com as regras de CHOMSKY.

Nem a missa nem uma versão sociolingüística da gramática

de CHOMSKY podem ser responsabilizadas pela organização

de eventos de fala tais como aulas escolares. A missa não tem

lugar para acidentes - seus algoritmos são inteiramente não

locais e definem um sistema fechado de opções. Todos os


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 301

acontecimentos locais podem ser responsabilizados por um

sistema de regras específicas, sistema de regras não local.

A aula escolar, como um evento de fala, fica em algum lugar

entre a missa Romana e o sermão evangélico com participação

da audiência. Alguns aspectos da estrutura de tarefas

acadêmicas de uma aula são, como a missa, mais

predeterminados do que é o conteúdo de um sermão de

pregador evangélico; as restrições sobre o conteúdo das

respostas dos alunos são mais estreitas do que aquelas

colocadas nas respostas da audiência do pregador evangélico.

A estrutura de participação social da aula se parece com o

sermão evangélico mais do que com a missa, pois a

alternância de turnos não é totalmente pré-especificada, e o

conteúdo do que é dito pelo professor e aluno não é

totalmente pré-especificado, embora muito dele seja

influenciado por normas culturais que ficam, como são, fora

da situação de uso. A aula em sua estrutura de tarefas

acadêmicas é como o sermão no que ela é conduzida de

acordo com um plano moderadamente especificado.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 302

Similarmente a um encontro Quaker e uma conversa comum,

a aula também é organizada em torno de princípios

operatórios que são bem gerais na referência. Em

conseqüência a aula é moderadamente aberta a

acontecimentos fortuitos e inclui princípios de organização

local e não-local na produção da interação.

Assim a aula escolar, como um evento de fala, tem a face de

Juno. Os membros da aula são capazes de tirar vantagem das

normas culturais compartilhadas de interpelação e atuação

que ajudam a definir os pontos de estrutura, e são capazes de

serem abertos às circunstancias únicas de um acontecimento

fortuito. Esta combinação de terrenos locais e não locais de

atuação é o que permite à aula ser conduzida como

improvisação. Os gramáticos Chomskianos não fornecem

material para improvisação - não há conjunto limitado de

restrições para fornecer um "tema" em torno do qual variações

podem ser construídas. É precisamente a combinação do

predeterminado e formalizado com algumas dimensões de

organização, junto com abertura à variação junto com outras


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 303

dimensões que dão oportunidade à improvisação. Nos azuis

de 12 barras, por exemplo, a seqüência de mudanças

harmônicas é pré-especificada, e os pontos no tempo nos

quais as cordas irão mudar são pré-especificados, mas as

opções melódicas em qualquer ponto no tempo são muito

largas em escala. O mesmo é verdadeiro para o teatro de

improvisação da Renascença Italiana, a comedia dell´ arte. Os

papéis dos personagens eram pré-especificados, certos

pedaços de diálogo eram formalmente padronizados, mas

havia muitas oportunidades para variações localmente

situadas em torno dos temas não localmente prescritos.

Voltando agora a considerar a aula em termos das teorias de

sociedade e de socialização, é extremamente importante

manter a noção da aula escolar como um encontro, o que quer

dizer, uma ocasião social parcialmente limitada, influenciada

por normas culturais e tendo dentro de sua própria moldura

alguma coisa de vida em si mesma.

Tal visão da aula evita os extremos de determinismo social ou

psicológico por um lado, e contextualismo radical por outro.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 304

4. (Na discussão seguinte devo muito a comentários por Jenny

COOK-GUMPERZ e por Hugh MEHAN. Ver também sua

discussão em MEHAN, pp. 126-130 e em MEHAN &

GRIFFIN, 1980.) As teorias funcionalmente deterministas de

sociedade, cultura e educação, tais como aquelas de

DURKHEIM, não deixam lugar para a escolha humana. O

modelo é de um indivíduo super-socializado que aprendeu a

agir em cada cena social como se ela fosse a missa Romana.

(No modelo de DURKHEIM, o indivíduo aprendeu a querer

isto). Um modelo similarmente supersocializado de

indivíduo pode ser visto nas teorias psicologicamente

deterministas, sejam Skinerianas ou Freudianas. (No modelo

de FREUD, o indivíduo resiste à socialização, mas é

sobrepujado por ela). Ambos os determinismos psicológico e

sociocultural localizam as causas principais da ação do

indivíduo fora da cena imediata da ação. Elas pressupõem

um indivíduo que é quase totalmente programado pela

experiência anterior; no termo de GARFINKEL (1967), um

"dopado cultural" que opera como um robô (GARFINKEL,


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 305

1967). A socialização é um processo de um só caminho em

um mundo sem liberdade.

No outro extremo está a posição do contextualismo radical.

Aqui as circunstâncias imediatamente locais de produção (ex:

este turno, próximo turno) são focalizadas tão estreitamente

que excluem a relevância, se não a possibilidade de

influências não locais, por exemplo, padrões culturalmente

aprendidos de expectativa e atuação, restrições de uma

sociedade mais ampla nas escolhas possíveis na cena de ação.

Não há necessidade de socialização nesta teoria.

Virtualmente tudo pode ser explicado em termos de fazer

sentido na cena imediata de ação momentânea. A conclusão

lógica desta posição teórica leva ao solecismo: Não existe

opressão em tal mundo, mas não existe tampouco liberdade,

porque não existe nem um indivíduo nem uma sociedade,

somente a interação do momento; não existem oportunidades

para escolha que tenham conseqüências além do momento e

da cena imediata.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 306

Cada extremo não é utilizável como terreno para uma teoria

da educação, que deve pressupor ao menos três níveis de

organização - sociedade e cultura geral, situações específicas e

indivíduos específicos - e alguns processos de relação entre os

níveis, um dos quais é a socialização do indivíduo. O que é

argumentado aqui é um meio caminho entre os dois extremos:

um caminho que preserve a integridade de cada nível de

organização em seu próprio direito e que nos permita ver a

socialização como um processo de duas vias.

Isto nos deixa um lugar para uma teoria de aulas escolares

como encontros educacionais; situações parcialmente

limitadas nas quais professores e alunos seguem "regras"

anteriormente aprendidas e culturalmente normativas e

também inovam criando novos significados juntos ao se

adaptarem às circunstâncias fortuitas do momento. Os alunos

são vistos como participantes ativos neste processo, não

simplesmente como recipientes passivos de moldagem

externa. Os professores e alunos são vistos como engajados

na práxis, improvisando variações situacionais dentro e em


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 307

torno de material temático socioculturalmente e

ocasionalmente prescrito, dentro do processo de

improvisação, descobrindo novas possibilidades de

aprendizagem e vida social.

4. Visão Geral
O que se segue são extratos de uma aula de matemática dada

na manhã do quarto dia de escola em uma turma do quarto

ano 5 (A aula vem de um estudo de turmas bilingües

atualmente em processo. Para discussão adicional do estudo

total, ver CANDEN, CARRASCO, MALDONADO-GUZMAN

E ERICKSON, 1980 e ERICKSON, CANDEN, CARRASCO &

MALDONADO-GUTMAN, 1980). É uma aula de revisão -

uma versão prática de uma aula de matemática, já que é tão

cedo no ano.

Os alunos e o professor nesta turma são bilíngües em

espanhol e inglês. A aula é conduzida quase inteiramente em

espanhol, porque o assunto é simples; porém o leitor que fala

inglês não necessita muito conhecimento de espanhol a fim de

acompanhar a conduta da aula. A linguagem da tarefa


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 308

escolar é simples. Assim seria a organização social da ação na

aula, mas seria um erro tal presunção.

A aula como uma atividade numérica envolve a identificação

correta de numerais, um por um e em um conjunto

seqüencial. Existem alguns turnos na aula. Em cada, uma

criança ou um grupo de crianças deve contar alto os números

de um a sete enquanto apontam simultaneamente para o

numeral correspondente escrito no quadro. Então a criança ou

o grupo de crianças deve identificar dizendo e apontando

para numerais únicos que a professora pede.

Conseqüentemente, a estrutura da tarefa acadêmica envolve,

entre outros, o acompanhamento de operações lógicas e

passos seqüenciais:

Parte A. Identificar os numerais (1-7) como um conjunto

conectado lendo em voz alta e apontando. Comece com o

numeral 1 e continue até o numeral 7.

Parte B. Identificar numerais no conjunto (1-7) como números

individuais. Identificar o numeral "fora da seqüência" como o


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professor pede: um por um, os numerais que não estão em

posição de série adjacente dentro do conjunto (1-7).

É aparente que nas partes A e B, diferentes tipos de

habilidades cognitivas são pedidos ao aluno. A tarefa de

reconhecer e lembrar na identificação do conjunto conectado

de numerais difere daquela de identificar os numerais

apresentados isoladamente e fora da posição de série. Além

disto, diferentes tipos de organização de discurso e estruturas

de participação social estão envolvidos a fim de produzir as

partes A e B em uma arrumação conversacional. Na parte A o

papel do que responde envolve produzir uma série conectada

de pedaços de informação, enquanto na parte B o papel do

que responde consiste em produzir um breve início seguido

por um período de "momentos de resposta conectados". Na

parte B o que pergunta inicia uma série conectada de

momentos de pergunta intercalados com breves momentos de

espera da resposta curta. O resultado são duas rotinas muito

diferentes de discurso na parte A e na parte B. Estas podem

ser representadas esquematicamente como se segue:


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A.
1. Professor (o que pergunta): Responda à Pergunta 1 (e
designa quem vai responder).
2. Aluno (o que responde): Produz o conjunto de
respostas de a-g
a. Diga e aponte o primeiro numeral do conjunto (1-7)
b. Diga e aponte o segundo numeral do conjunto (1-7)
c. Diga e aponte o terceiro numeral do conjunto (1-7)
B.
3. Professor (o que pergunta): (opcionalmente) Avalia a
anterior, completa a resposta, avalia a resposta
incompleta ou faz a próxima pergunta.
a. Próxima pergunta: Nomeie qualquer numeral no
conjunto (1-7)
4. Aluno (o que responde): Produz uma resposta única
a. Aponta para o numeral anteriormente nomeado
5. Professor (o que pergunta): Faz a próxima pergunta
a. Próxima pergunta: Nomeie qualquer numeral no
conjunto (1-7) que não seja adjacente ao numeral
nomeado na pergunta anterior
6. Aluno e Professor: Reiteram os passos 4 e 5 tantas
vezes quanto desejado pelo professor
7. Professor: (opcionalmente) Avalia as respostas do
aluno para a parte B ou para as partes A e B, ou
prossegue para designar o próximo a responder.
Esta formalização ajuda a pessoa a ver algumas relações entre

a lógica da exposição do assunto (estrutura acadêmica de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 311

tarefa) e a organização social do discurso (estrutura de

participação social). O tipo mais fácil cognitivamente de

tarefa acadêmica é apresentado primeiro, o tipo mais difícil é

apresentado em segundo lugar. As tarefas sociais diferem

também. O papel do que pergunta difere do papel do que

responde dentro de cada um dos dois tipos de tarefas e os

papéis do que pergunta e do que responde diferem ambos nos

dois tipos de tarefas (ex.: o papel do que responde na parte A

envolve dizer e apontar, enquanto o papel do que responde

na parte B envolve somente apontar).

O modelo formal é profundamente inadequado, porém, como

um guia para a ação prática na atuação real da aula. A fim de

"passar" pelas partes A e B na atuação real, é necessária

coordenação nas (sucessivamente) ações complementares

recíprocas e (simultaneamente), nas ações complementares do

professor e do aluno de momento a momento. Muito pouco

desta coordenação é mostrado no modelo. Primeiro, o modelo

presume que o aluno somente irá responder corretamente.

Segundo, o modelo presume que não existem outros atores na


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 312

cena além do professor e um aluno - ela não diz nada sobre a

participação de outras crianças presentes na aula. Finalmente,

e mais fundamentalmente, o modelo não diz nada sobre o

caráter de tempo real da ação como uma sucessão de

"próximos momentos" estrategicamente cruciais (ERICKSON,

1981). As partes A e B e suas quedas seqüenciais constitutivas

são momentos no tempo real, com diferentes exigências

práticas de momento a momento que são freqüentemente

fortuitas, dado o contexto da ação no tempo.

A formalização, tomada por si mesma, enganosamente limpa

esta confusão, ambigüidade e suspense no momento da ação.

Na parte A, por exemplo, a cronometragem regularmente

rítmica e a continuidade da entonação na fala do que

responde são pistas culturalmente convencionais que "nos

dizem" que o que está sendo produzido são itens de uma lista

conectada: um, dois, três, quatro. O que aconteceria se, tendo

dito três, a criança não dissesse quatro no próximo intervalo

rítmico a seguir? Isto significa que a criança não sabe o

próximo item na lista? A criança sabe o próximo item, mas


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 313

está distraída por alguma outra coisa que está acontecendo?

O professor deve mudar o papel do que pergunta e inserir

uma entrada neste ponto? O professor deve dar à criança mais

tempo para responder? Outra criança irá “soprar” enquanto o

professor espera pelo que responde designado para falar? 6.

(Estas não são simplesmente questões retóricas. O suspense

genuíno é parecido com aquele das perguntas que o

anunciante faz no final do episódio diário de uma novela, ou

que o espectador faz enquanto assiste a uma peça pela

primeira vez. Hamlet irá se matar ou seu tio, ou sua mãe e

quando? Continue com isto Hamlet! A tensão da espera é

essencial no teatro, na música e também nas interações do dia

a dia.) Estas são só algumas das contingências envolvidas na

ação real do plano subjacente ou script para a estrutura de

tarefa acadêmica e estrutura de participação social. O que é

praticamente necessário no momento não é simplesmente

conhecimento do próximo passo canônico na organização

seqüencial do plano acadêmico e social. O que é necessário

para o professor, e ao aluno designado para responder e


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 314

outros alunos presentes é a capacidade de improvisar

coletivamente uma variação da ação sobre o tema ideal ou

plano. Os textos subseqüentes e comentários irão mostrar que

os professores e alunos na verdade improvisam, e que seus

desvios de uma ordem formal ideal não são somente para

serem considerados como erros ao azar (ruído no sistema),

mas são mais bem caracterizados como adaptação às

exigências do momento - ações que fazem sentido dentro de

um contexto adequadamente especificado.

O "tema" ideal se parece com isto, quando apresentado


em notação quase musical (O exemplo hipotético que
segue deve ser lido em voz alta, ritmicamente).
Parte A
P: (nome da criança) Juan A: U-m dois três quatro
cinco seis sete Muito bem
Categoria Mohan [Início] [Resposta} [Avaliação]
Parte B
P: número um A: aponta P: número seis A: aponta P:
número três
Categoria Mohan [Início] [Resposta] [Início/Avaliação
Implícita] [Resposta]
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Antes de continuar a revisar algumas das variações reais deste

tema ideal, é necessário discutir as convenções de transcrição

de texto mais totalmente.

Nos transcritos, a superposição (fala que ocorre

simultaneamente) é indicada por uma linha vertical com duas

“bandeirolas" viradas para a direita -["trancamento", isto é,

fala de uma segunda pessoa que segue imediatamente àquela

do falante anterior sem pausa, mas também sem sobreposição,

é indicado por uma linha vertical com uma bandeirola

superior virada para a esquerda e uma bandeirola inferior

virada para a direita -. As linhas cortadas indicam pausa; as

linhas com duplo corte -//- indicam uma pausa terminal de

sentença que é o equivalente ao descanso da quarta nota na

notação musical. A linha única cortada indica uma cláusula

ou pausa terminal de grupo de respiração de

aproximadamente metade da duração da pausa anterior, isto

é, a pausa da linha única cortada é o equivalente ao descanso

da oitava nota na notação musical. O alongamento de um

fonema é indicado por vírgulas sucessivas -,,,,,. Geralmente,


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 316

nos transcritos, cada linha do texto representa um grupo de

respiração na corrente da fala. A primeira sílaba da linha é

geralmente a sílaba que recebe o maior volume ou enfatização

do tom. Se existem sílabas “antecipatórias" ou palavras

antecedentes à sílaba que recebe enfatização primária ou

secundária, estas sílabas antecedentes ou palavras aparecem

na beirada mais à direita da linha anterior:

A- Oi Carlos/ onde es-


tá?///
Como a sílaba mais à esquerda em uma linha é geralmente a

sílaba que recebe enfatização, e porque existe freqüentemente

um intervalo rítmico constante entre pontos de enfatização, é

possível ler o transcrito em voz alta, reproduzindo não

somente os pontos de enfatização, mas a organização rítmica

da fala, dentro e através de turnos de fala.

Ajude-o Carlos. Onde está?


O leitor deve ler os exemplos em voz alta mesmo se não fala

espanhol.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 317

5. Lição 1. Variação 1
Voltando agora à ação real da aula, vê-se que em quase cada

caso de reiteração de um turno de discurso de rotina que

consiste das partes A e B, alguma variação no modelo ideal é

executada. Na verdade, quando o professor introduziu a

tarefa acadêmica-social no início da aula, a parte A do tema

ideal foi suprimida, e a vez da primeira criança escolhida para

responder consistiu somente da parte B.

6. Lição 1. Variação 2
Em um segundo turno da lição, ambas as partes A e B foram

incluídas, mas a atuação das partes não envolveu variação

sobre o modelo ideal (ver Figura 9.1). Na Parte A, a variação

consistiu em alteração dos direitos e obrigações

comunicativos envolvidos no papel de quem responde, e no

status das pessoas que ocupam aquele papel. O professor foi

um dos “respondedores" à sua própria pergunta, e um grupo

de crianças se alternou com o professor respondendo, quando

o professor tomou o grupo inteiro em uma revisão ou

tentativa de prática na Parte A do turno. Além disto, a relação


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 318

rítmica entre cada "pedaço" de informação na primeira

resposta (ex: dizer a apontar sucessivamente para um, dois,

três, etc) não é um intervalo constante. Ao invés disto, o

professor e o coro de crianças se superpõem um ao outro em

um padrão de pergunta-resposta. A superposição das

crianças não é levada em conta como interrupção pelo

professor. Em nenhum ponto o professor sanciona como uma

“violação" os aspectos da variação do modelo ideal. O

professor está se comportando como se as variações fizessem

sentido.

Note o trancamento e superposição dos segmentos de

resposta entre o professor e o aluno na parte A. Esta

superposição e trancamento ocorrem em pontos 21 e 22 no

transcrito. Então no ponto 23 o professor inicia o primeiro

segmento da segunda rotina de discurso, parte B. A pergunta

é “Onde está o número um?” No ponto 24 o aluno responde

“um”, mas não aponta o numeral escrito no quadro. Sua

resposta está incorreta em forma e conteúdo, ou ao menos é

ambígua porque não temos a certeza se ele não está


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 319

simplesmente repetindo o que o professor acabou de dizer.

(A tarefa acadêmica aqui é mostrar conhecimento do numeral

apontando para ele no quadro). No ponto 25 o professor

reitera a pergunta, “Um". Então no Ponto 27 o professor pede

a outro garoto, Carlos, para ajudar ao aluno escolhido. No

final do ponto 27, enquanto outra criança está dizendo em

minha casa, a criança que responde finalmente aponta para o

numeral um no quadro. Então no ponto 29 o professor

continua a perguntar números individuais. Mas

diferentemente do modelo ideal, o professor pergunta por

números sucessivos na série. (Talvez porque a criança tenha

tido tanto trabalho com o número um, o professor simplifica a

tarefa acadêmica. Ele poderia estar usando esta variação para

ver se a criança sabe o conjunto completo de numerais. Além

disto, o padrão de ritmo ideal é quebrado; nos vários pares de

perguntas-respostas no ponto 29 o professor espera mais por

uma determinada resposta do que por outras, por exemplo, a

única pausa terminal de sentença dada ao encaixe de resposta


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 320

após o número quatro, seguido por uma pausa terminal de

sentença dupla após o número cinco).

Todas estas variações podem ser vistas como respostas às

exigências práticas do momento. As diferenças em tempo de

espera para as respostas no ponto 29 seriam uma resposta à

hesitação da criança em responder. O professor adapta sua

ação perguntando para a ação recíproca da criança em

responder. Vemos adaptação análoga na cronometragem

entre o professor e o aluno no ponto 21, no eco e ação de

pergunta-resposta do segmento da primeira resposta. Aqui

também, a variação permitida do professor na organização

social do discurso - a estrutura de participação social -

simplifica a estrutura de tarefa acadêmica. É cognitivamente

mais fácil dizer a lista de números ajudado no início pelo

professor, e assim falando a resposta junto com as crianças no

modo pergunta-resposta e superposição o professor mudou a

estrutura de tarefa acadêmica variando a estrutura de

participação social. A mudança nos modos de falar pode

assim ser vista como fornecendo uma oportunidade para


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 321

mudança nos modos de pensar-diferenças no ambiente de

aprendizagem.

7. Lição 1: Variação 3
Na terceira reiteração do turno na lição agora é a vez de

Carlos. Durante a parte A do turno, Carlos responde junto

com um coro de outras crianças ao invés de sozinho. (Esta

forma de resposta simplifica a tarefa acadêmica). O professor

inicia a resposta ele mesmo com uma iniciação no ponto 38 do

transcrito, e a resposta em coro segue no ponto 39. Na parte B

do turno, começando no ponto 40, Carlos responde sozinho

(ver Figura 9.2)

8. Lição 1: Variação 6
Agora a vez é dada pelo professor a Janet (ver Figura 9.2,

Ponto 86). Janet recita os números na série, acompanhada por

um coro de crianças. Nesta variação da parte A, o professor

não somente não considera o coro como interrupções, mas

lhes pede, inclusive a Janet, para dizer a série novamente,

mais alto (ver Ponto 88). Note também que quando o coro diz

a série de números, eles param em seis (Ponto 87), e ainda o


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 322

professor não dá sanção negativa a esta violação. No ponto

90, quando as crianças repetem a lista de números, eles vão

até um a mais (como para disfarçar) contando até oito. Isto

também é uma discrepância do modelo ideal da tarefa, mas

não é sancionada como uma violação pelo professor.

(Aparentemente neste ponto as duas aproximações da tarefa

são suficientes). No ponto 91 começa a Parte B. Quando Janet

completa esta parte da tarefa, a criança E (Ernesto) está

produzindo o que parece ser um ruído literal no sistema (ver

pontos 92 e 94 na Figura 9.3). Mas este não é somente um

ruído ao acaso, como é aparente no ponto 97. Nesta ocasião a

vez de Janete está completa e o professor disse (ponto 95) “Dê

a vez a alguém que não teve a oportunidade”. Ernesto no

ponto 97 diz que não havia tido vez. Ele dissera isto por

algum tempo já durante a aula, como o fizeram outras

crianças, falando: “Eu, Eu”. No ponto 64 ele disse, “Eu não

tive vez”, intensificando sintaticamente (não tive mesmo) e

prosodicamente (por enfatização de volume e tom) e pela


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 323

mudança de código léxico para o inglês combinado com o

marcador prosódico de alongamento do fonema.

Assim o ruído de Ernesto parece não ser somente para

perturbar. Obter o próximo turno é um assunto de suspense.

Ernesto parece estar protestando sua exclusão dos direitos de

acesso ao patamar conversacional. Este protesto aparente

toma uma forma mesmo mais interessante durante a próxima

reiteração do turno que também não foi dado a Ernesto. (Aqui

o leitor deve continuar no transcrito, começando no ponto 96

da figura 9.2 antes do turno seguinte ter iniciado, e

continuando através do ponto 114 no qual as partes A e B

foram completadas. Note a exclamação de Ernesto no ponto

104 após não lhe ter sido dada a vez, e sua "contribuição" para

os encaixes de resposta que estão sendo dadas pelo aluno que

responde nos pontos 109, 111 e 113).

Finalmente, após o suspense de tentar a vez novamente e não

obtê-la (ponto 103), Ernesto exclama no ponto 104. Então

após o completar da parte A da tarefa, a parte B se inicia,

consistindo da rotina de discurso de alternação entre a


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 324

pergunta do professor pedindo um único encaixe de resposta.

Aqui Ernesto está aparentemente brincando com seu

conhecimento implícito (competência comunicativa) como

um membro da comunidade de fala da turma. Ele

aparentemente sabe (não necessariamente conscientemente) a

organização social do discurso na parte B que os encaixes de

respostas curtas seguem os encaixes de pergunta do professor

previamente adjacentes, e que a relação de adjacência é agida

através de cronometragem rítmica regular da alternância

entre encaixes. Também Ernesto aparentemente sabe que a

forma social para comunicar o conteúdo semântico da

resposta é apontar, uma forma de resposta que por definição

não faz barulho. Daí, o encaixe de resposta canalizada não

verbalmente pode ser ocupado por algum tipo de ruído do

canal do auditório sem " danificar" a organização do discurso

tanto que toda a seqüência tenha que ser reciclada. Assim,

Ernesto pode continuar a encher os encaixes de resposta

ritmicamente definidos de outra criança com sua própria

"resposta" rítmica consistindo em bater com seus lápis na


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 325

carteira. As batidas são perfeitamente cronometradas para

coincidirem com os pontos de transição de troca de turno no

padrão de discurso que está acontecendo. O professor me

parece estar colaborando, não dando atenção planejadamente

ao que Ernesto está fazendo. Isto me parece uma variação

situacional absolutamente brilhante em um elemento "tema"

organizacional social normativo na aula. Ernesto pode ser

visto aqui como um mestre da estrutura social e da tarefa

acadêmica.

A engenhosidade e decisão do papel de Ernesto pode ser

mesmo mais claramente do que no transcrito mostrando a

seqüência de notação quase musical:

Do Transcrito: Pontos 108-113

Muito bem número cinco Ernesto bate na carteira número

seis Ernesto bate quatro Ernesto bate

10. Discussão
Do exame de alguns casos da atuação de uma pequena

seqüência de aula, um modelo subjacente ideal foi inferido. O

modelo ressalta alguns aspectos relevantes da estrutura de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 326

participação social e da estrutura de tarefa acadêmica - que

pode ser chamada a estrutura acadêmica e de tarefa social.

Observando cuidadosamente a atuação de um exemplo da

seqüência de aula, porém, vê-se que é geralmente discrepante

em alguns aspectos da organização específica do modelo geral

inferido. Se não se está simplesmente olhando para estas

discrepâncias como erro ao acaso (variação livre), tem-se ao

menos duas opções: elaborar a formalização do modelo

estabelecendo um sistema embebido de regras sociais; ou

presumir que o que está acontecendo é uma variação

adaptativa, específica para as circunstâncias imediatas da ação

prática no momento da ação.

Eu tomei o último destes dois cursos. A análise interpretativa

de casos da aula foi feita para argumentar que as

discrepâncias do modelo ideal representam ação adaptativa

executada, na maioria dos casos, pelo professor como um

líder instrucional, e em um caso, pelo aluno Ernesto. Já que o

discurso da aula, como todas as outras interações face a face, é

conjuntamente produzido quando os vários atores no evento


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 327

agem como resultado das ações de outros, as variantes

escolhidas pelo professor têm conseqüências para o que os

alunos farão e vice-versa. Além disto, tentei mostrar como

mudanças adaptativas na estrutura da tarefa acadêmica têm

conseqüências para a estrutura de participação social e vice-

versa. Este é um ponto importante para a pedagogia, e têm

sido negligenciado em muitas pesquisas recentes.

11. References
Au, K. Hu-pei. Participation structures in a reading lesson with Hawaiian children: Analysis of a
culturally appropriate instructional event. Anthropology and Education Quarterly. 1980. 11(2), 91-
115.
Bauman, R. Speaking in the light: The role of the Quaker minister. In R. Bauman & J. Scherzer
(Eds.). Explorations in the Ethnograpy of speaking. Cambridge. Mass.: Cambridge University
Press, 1974.
Bellback, A., Kliebard, H., Hyman, R., & Smith, F. The language of the classrom. New York:
Teachers College Press, 1966.
Bossert, S. T. Tasks and social relationschips in classroms. Cambridge, Massa.: Cambridge
University Press, 1979.
Brazelton, T. B. K
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 328

Capítulo 8

Where is the Floor? Aspectos da organização cultural das relações


sociais em comunicação em casa e na escola.
Jeffrey J. Shultz, Susan Florio & Frederick Erickson

Alguns educadores, psicólogos e antropólogos interessam-se

por uma realidade muito básica da infância - a de que o

crescimento e a aprendizagem ocorrem em casa e na

comunidade tanto quanto na escola. Esta realidade tem

implicações para aqueles que se preocupam com a

estruturação do ambiente do aprendizado na escola como

também por aqueles que são responsáveis pela avaliação do

desempenho escolar das crianças. O estudo a seguir tenta

lançar luz, por meio de análises próximas de fatias da vida

das crianças, sobre os diferentes modos de se participar das

interações sociais existentes em casa e na escola. Especula

sobre estas diferenças como fontes de desentendimento

potencial entre professores e alunos à medida que ambos se

engajam nas atividades acadêmicas.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 329

Ao conduzir este estudo, estivemos interessados em aprender

mais a respeito das formas em que se organizam os eventos

interacionais - aqueles ambientes sociais ou "contextos"

através dos quais as crianças devem aprender a navegar na

vida cotidiana tanto em casa quanto na escola. Ao

examinarmos de perto as experiências de alunos que eram ao

mesmo tempo novatos na escola primária e diferentes

culturalmente de seu professor ou professora, tínhamos a

esperança de entender melhor a natureza das diferenças nos

contextos interacionais domésticos e escolares que pareciam

provocar "a diferença" entre professores e alunos na sala de

aula.

Por que estas diferenças deveriam se tornar um problema

para alunos e professores? Poder-se-ia dizer que "A escola é a

escola e a casa é a casa e eles estão destinados a serem

diferentes”.Mas a questão da descontinuidade entre a casa e a

escola não é tão simples assim. Em alguns casos, parece haver

padrões diferenciados entre a casa e a escola naquilo que pode

ser chamado de etiqueta comunicativa ou interacional. O


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 330

conhecimento desta etiqueta foi chamado de competência

comunicativa (consulte HYMES, 1972 para uma discussão a

respeito). Este termo foi utilizado como referência a todos os

tipos de conhecimento comunicativo que os membros

individuais de um grupo cultural precisam possuir para que

sejam capazes de interagir entre si de formas que são ao

mesmo tempo socialmente apropriadas e eficazes do ponto de

vista estratégico. Três aspectos do conhecimento nos parecem

especialmente importantes: (1) o conhecimento do conjunto

partilhado de pressupostos implícitos - as tradições

comunicativas a respeito dos modos que são corretos e

esperados quando as pessoas interagem em diversas ocasiões

sociais, (2) a posse de habilidades de desempenho verbal e

não verbal necessárias à produção da ação comunicativa que

seja apropriada e eficaz numa dada situação e (3) a poses de

habilidades interpretativas necessárias para se dar sentido às

intenções comunicativas das outras pessoas com as quais se

interage numa dada situação (veja GUMPERS 1977, 1979).


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 331

A competência necessária para se participar de uma interação

face-a-face com outras pessoas é um pacote extremamente

complexo de conhecimento e habilidades. Os antropólogos e

sociólogos mostraram que o conteúdo deste conhecimento

partilhado varia enormemente de um grupo humano para

outro. É verdade que não apenas entre os grupos de grande

escala, tais como os grupos étnicos, as classes sociais ou as

nações, mas também entre grupos de pequena escala - entre

uma família e outra dentro de um mesmo grupo étnico, racial

ou de classe social, entre uma rede de amizades de vizinha e

outra e entre uma sala de aula numa escola e a sala ao lado na

mesma escola (GOODENOUGH 1971, HALL 1976).

Os padrões compartilhados referentes à etiqueta comunicativa

são culturalmente relativos em todos os tipos de grupos

humanos, de modo que o termo competência comunicativa

não implica num padrão único de conhecimento e habilidade

ao longo do qual todas as crianças e adultos possam ser

hierarquizados de baixo para cima, de menos integralmente

desenvolvidos ou maduros mais desenvolvidos. Devido ao


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 332

fato do conteúdo e habilidade no pacote de competência

comunicativa variar de um grupo e cenário social a outro, o

significado de "competência" aqui pretendido é o de todo e

qualquer conhecimento prático do indivíduo acerca do modo, do

momento e do lugar da comunicação, qualquer que sejam as suas

finalidades. Neste sentido, quase todos os indivíduos são


1
"competentes." O que desperta interesse, então, não é a

resposta à pergunta "Quem é mais ou menos competente

aqui?". Ao contrário, o interesse está na pergunta dupla "Qual

é o conteúdo do conhecimento prático de cada indivíduo

sobre o modo de interagir (competência comunicativa) e como

este conhecimento se realiza no desempenho padronizado da

interação face-a-face?" Para responder a esta questão há uma

grande ordem e o estado atual da pesquisa sociolingüística

não é tal que possa responder à primeira parte de tal

pergunta. Mas a segunda parte, que diz respeito à descrição

de padrões de desempenho comunicativo, pode ser

respondida e acreditamos que ela lance luz às respostas à

primeira parte da pergunta, que diz respeito ao conteúdo do


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 333

conhecimento prático que alunos e professores têm sobre o

modo de interagir quando estão face a face.

1. Incongruência Comunicativa Aluno-Professor


Estamos preocupados com as dificuldades interacionais

encontradas pelos alunos e seus professores na medida em

que ambos se engajam em tarefas de aprendizagem

acadêmicas. Nas salas de aula parece haver crianças que

repetidamente aborrecem o professor dificultando sua

atividade didática, como também parece haver professores

que são muito mais severos com alguns alunos do que com

outros. Pressupomos que tais dificuldades sejam recorrentes e

que reduzem a eficácia do ambiente de aprendizado na sala

de aula.

Há pelo menos quatro tipos de explicações para a razão pela

qual alunos e professores têm problemas recorrentes de

interação entre si. Um conjunto de explicações atribui o maior

peso explicativo às características individuais do aluno - na

patologia de inadequação por parte da criança em termos de

motivação, inteligência ou estado físico ou emocional. (O


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 334

campo da educação como um todo se baseia neste tipo de

explicação, tal como era o campo da educação compensatória

que visava remediar a assim chamada "carência cultural" das

crianças de origem pobre. Veja como exemplo de literatura

sobre a "carência cultural" RIESMAN 1962 & PASSOW,

GOLDBERG & TANNENBAUM 1967 e a crítica desta posição

por KEDDIE 1973. Os pressupostos da "carência cultural"

entre crianças pobres são atualmente considerados inválidos

por muitos cientistas sociais, mas tais pressupostos continuam

a ser encontrados nos currículos de formação de professores e

nos programas de reciclagem dos mesmos).

Um segundo conjunto de explicações localiza a

responsabilidade principal fora dos indivíduos, na estrutura

de uma sociedade baseada na divisão de classes. Nesta visão,

tanto quanto se possa culpar alguém pelos problemas

interacionais, a culpa recai sobre o professor mais do que

sobre o aluno. O professor é visto como um agente das classes

dominantes que organiza propositalmente ou sem o saber a

vida cotidiana da sala de aula de modo que dos alunos com


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 335

bagagem das classes inferiores (e/ou com bagagem de grupos

minoritários desprovidos de poder) espera-se

consistentemente menos do que dos alunos das classes

médias. As crianças de classes baixas são vistas como caindo

na ratoeira do mau comportamento e do rendimento fraco no

presente, o que lhes assegura sua atribuição às classes

inferiores adultas ou desempregadas no futuro. Deste modo,

pelo trabalho de processos interacionais no nível micro-social

da sala de aula, a estrutura opressiva das classes da sociedade

como um todo é reproduzido de uma geração a outra

(PARSONS 1959; BOWLES E GINTIS 1976; BOURDIEU E

PASSERON 1977; BERNSTEIN 1975; OGBU 1978).

Num terceiro conjunto de explicações, professor e aluno são

vistos como igualmente responsáveis pela produção de

dificuldades interacionais recíprocas e mau comportamento.

Resultante de um modelo de psicopatologia, que os

psiquiatras chamam de “o duplo laço”, esta formulação

sustenta que o professor e o aluno repetente estão presos

numa transação escapável e tumultuada. Embora possam


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 336

alternar os papéis de "vítima" e "perpetrador", os interagentes

da sala de aula dedicam-se em comunicar-se

inapropriadamente entre si e, em última análise, em assegurar

o fracasso acadêmico (veja BATESON 1872 [1956], quanto à

formulação original da teoria do duplo laço). A aparente

disposição de alguns alunos e professores esgotar-se mutua e

implacavelmente na interação face a face pode estar

relacionada a questões de classe social e diferença cultural.

Estas disposições são vistas por MCDERMOTT &

GOSPODINOFF (1979) como tendo causas múltiplas. O

comportamento interacional é considerado como sendo

influenciado pela pressão da ordem social mais ampla e sua

estrutura de classe por um lado, e pelas personalidades dos

indivíduos por outro.

Um quarto conjunto de explicações situa o problema do mau

comportamento consistente das crianças na falta de

conhecimento por parte destas como também por parte dos

professores das mútuas expectativas aprendidas

culturalmente em relação ao comportamento social


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 337

apropriado. Esta visão pressupõe um desencontro entre

conjuntos de padrões de etiqueta comunicativa.

Neste artigo, é o quarto conjunto de explicações - o a teoria do

"desencontro" ou "divergência" cultural - que irá receber a

maior ênfase. Foi este conjunto de pressupostos que guiou a

análise dos dados relatados a seguir. Devemos admitir aqui

que acreditamos que este tipo de explicação seja o de

aplicação mais geral: Tem mais chances de explicar mais casos

de mau comportamento infantil do que os outros, pelo menos

no tocante aos primeiros anos escolares. Nosso palpite é que

expectativas diferentes acerca da etiqueta comunicativa constituem

uma razão importante para crianças novas que provêm de

populações culturalmente "diferentes" agindo na escola com

modos que são julgados pelos professores como sendo mau

comportamento. Dizemos "uma razão importante" porque não

a vemos como a única razão e também porque não possuímos

um amplo corpus de dados "firmes" através dos quais

poderíamos demonstrar nosso palpite. Além do mais, nossa

explicação predileta não exclui as explicações alternativas.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 338

Cada um dos quatro conjuntos de evidência pode explicar

parte da variação. Poderia ser que os duplos laços professor-

aluno ocorressem freqüentemente nas salas de aula e que,

embora tais relações entre os professores e as crianças

pudessem partir da simples ingenuidade destas quanto ao

modo de agir na escola, o duplo enlaçamento poderia ser o

processo através do qual crianças e professores continuam em

modos mais complexamente motivados a se tratar durante o

resto do ano letivo. Devemos conceder ainda que a simples

ignorância das regras sociais da sala de aula não é, em si

mesma, uma explicação adequada do mau comportamento

das crianças quando estas atingem a idade de 12 a 14 anos e a

idade dos 14 aos 18 anos. Algumas crianças podem, de fato,

ser HUCKLEBERRY FINNS, tendo conhecimento de

expectativas culturais, mas recusando-se a ser constrangidos

por elas, seja porque, como argumentaria Freud, o id sempre

reage a impulsos civilizados com descontentamento, seja

porque, como Marx argumentaria, as pessoas que se

encontram na posição mais baixa de uma ordem social


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 339

tendem a resistir através da luta e da rebelião. Nossa

explicação predileta do "desencontro" não é irreconciliável

com uma visão da escola como instituição opressiva cuja

função primária seja a de manter a estrutura de classes

existente.

Finalmente, é claro que algumas crianças tomadas

individualmente de fato apresentam debilidades neurológicas

ou estados metabólicos que estão fora do comum e isto pode

ser a explicação do fato de serem "hiperativas". Algumas

crianças podem ter constitucionalmente uma inteligência

inferior e serem incapazes de "sintonizar-se" com os

ambientes social e de tarefas cognitivas da sala de aula. Mas

mesmo as crianças com estados individuais de patologia, os

padrões culturais para a conduta na interação (e a violação

destes padrões pelas crianças) podem estar envolvidos com a

maneira pela qual as crianças são "diagnosticadas" e

"tratadas”.

Suspeitamos que rótulos clínicos formais e informais

atribuídos aos alunos que são difíceis de se ensinar -


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 340

"hiperativo”, “disléxico”, “imaturo”, “lento”, -

freqüentemente não refletem diagnósticos precisos dos

estados cognitivos e emocionais das crianças. Antes,

acreditamos que os rótulos clínicos tendem a ser aplicados a

crianças que interagem de modo impróprio com outras

crianças e com o professor, p.ex., o termo "hiperativo" pode

simplesmente significar que "este garoto não fica sentado e

interrompe o tempo todo”.Isto parece um uso quotidiano

perfeitamente razoável de um termo clínico. O que nos faz

indagar acerca da validade diagnóstica de tais rótulos é o fato

de serem com freqüência aplicados a crianças provindas dos

assim chamados bases “culturalmente diferentes”. Alguns

críticos da escola argumentariam que o termo "diference

cultural" é em si mesmo meramente um rótulo clínico, que

obscurece o fato subjacente da classe social da criança, uma

vez que as crianças rotuladas de diferentes culturalmente são

também provavelmente pobres. Achamos que ler a "diferença

cultural" como um rótulo estrutural social é na verdade uma

simplificação exagerada como também o é lê-la de modo


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 341

acrítico como um rótulo clínico. Os agrupamos de classe social

e os agrupamentos culturais não são conjuntos mutuamente

exclusivos, mas tampouco são conjuntos idênticos. Em nossa

experiência, algumas crianças vindas de famílias que não são

pobres são rotuladas de "culturalmente diferentes”, enquanto

outras vindas de famílias que são pobres não rotuladas deste

modo pela escola. Conseqüentemente, não achamos que o

rótulo da diferença cultural seja simplesmente um índice ou

indicador da classe social.

Parece haver um conjunto geral de padrões a respeito de

como agir na escola, uma espécie de "cultura da sala de aula"

americana. Alguns de seus aspectos foram especificados em

pesquisas recentes. Padrões semelhantes de etiqueta na

conduta durante as aulas em classe foram encontrados em

salas de aula de escolas públicas e particulares os quais

diferem marcadamente quanto à etnicidade, raça e classe

social dos alunos (MEHAN, In GRIFFIN & SHUY, 1979 no

prelo). Estes estudos enfocaram principalmente os padrões de

tomada da fala na conversação durante as aulas. O tipo de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 342

aula que iremos descrever mais adiante neste artigo apresenta

padrões de tomada da fala semelhantes aos identificados por

MEHAN, In GRIFFIN & SHUY, 1979. O "mau

comportamento" do aluno que iremos descrever envolve o

falar em modos que, dada a etiqueta de tomada da fala na

aula, são rotulados pelo professor como sendo "falar fora de

hora" ou "interrupção." Estes mesmos modos de falar das

crianças em casa, entretanto, nem sempre são tomados como

interrupção pelos pais ou irmãos destas crianças. Que as

crianças possam agir de maneiras consideradas apropriadas

em casa, mas inapropriadas na escola, nos impressiona como

algo importante para compreender algumas das origens do

mau comportamento da criança na escola, especialmente nas

séries iniciais. Impressiona-nos também com a necessidade de

entender melhor a socialização da criança nas tradições

comunicativas em casa e na escola, tradições podem ser

mutuamente congruentes ou incongruentes.

Um estudo iluminador destas questões foi realizado por

PHILIPS (1972, 1975), que estudou crianças nativas


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 343

americanas na escola e vida comunitária fora da escola na

reserva de Warm Springs no estado de Oregon. No início de

sua pesquisa, a autora identificou uma possível fonte de

fracasso escolar para crianças em sua fala aparentemente

mínima durante as aulas. Após exame minucioso de estilos

interacionais das crianças em cenários de execução de tarefas

tanto em casa como na escola, Philips observou que "as

condições sociais que definem quando uma pessoa utiliza a

fala em situações indígenas estão presentes em situações na

sala de aula nas quais as crianças índias utilizam bastante a

fala, e estão ausentes em situações na sala de aula mais

prevalecentes nas quais elas não conseguem participar

verbalmente" (PHILIPS 1972:371).

No trabalho de PHILIPS encontramos exemplos, por um lado,

de experiência anterior das crianças que é congruente com

expectativas de interações em algumas situações sociais da

sala de aula, p.ex., interação com pares em pequenos grupos.

Nestas situações, os comportamentos internacionais das

crianças índias parecem "normais, naturais" - de modo a


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 344

passarem despercebidos. Por outro lado, a evidência colhida

por PHILIPS sugere que onde as expectativas situacionais são

inconsistentes entre escola e lar - tal como na situação de aula

com o grupo amplo - a percepção das crianças, que continua a

ser razoável nos termos de sua experiência anterior, pode ser

mal interpretado pelos professores. Assim, à medida que os

padrões de vida existente em casa e na comunidade de

crianças de Warm Springs diferem dos padrões na sala de

aula e não encontram ali um lugar legítimo, o resultados foram,

nas palavras de PHILIPS, "dificuldades no aprendizado e

sentimentos de inferioridade" (1972:392).

Em suma, achamos que o fator cultura sempre desempenha

um papel nos problemas da interação face-a-face que crianças

e professores têm entre si. Devido ao fato destas pessoas e

seus problemas interacionais serem complexos, o fator

cultural tem chances de não ser operacional por si mesmo,

mas juntamente com outros fatores. Isto sugere que as

análises simples e a proposição de soluções simples e rápidas

seriam inadequadas. Mas se os fatores culturais são parte do


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 345

problema, merecem serem investigados e não apenas de

forma global. É necessário ser muito específico a respeito das

diferenças culturais particulares entre o lar e a escola que

possam ter um efeito sobre a conduta da vida cotidiana na

sala de aula. Se as crianças que "se comportam mal"

reiteradamente em seus primeiros anos escolares o fazem, em

parte por causa de diferenças nas expectativas quanto à

etiqueta interacional (não simplesmente porque lhes falta

respeito pelos professores, nem simplesmente por causa de

distúrbios emocionais, inteligência inferior, pobreza ou falta

do café da manhã), então o que, especificamente, se trata da

organização da interação em sala de aula que confuso para as

crianças de um grupo particular com tradições comunicativas

culturais distintas? Se o fator cultural é de fato importante,

esta é uma questão que deve ser feita e respondida

reiteradamente, grupo cultural por grupo cultural, e talvez

família por família.

A análise a seguir é uma tentativa inicial de responder a esta

questão numa sala de aula em particular ocupada


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 346

predominantemente por crianças de um grupo étnico

americano em particular, membros do qual vivem numa

vizinhança de classe trabalhadora num subúrbio de Boston. O

grupo étnico é ítalo-americano. A pesquisa enfoca aspectos

selecionados da vida doméstica em duas famílias desta

vizinhança bem como aspectos selecionados da vida numa

sala de aula na escola desta mesma vizinhança.

2. O Estudo
As características do estudo encontram-se detalhadas em

outro lugar (FLORIO 1978, SHULTZ & FLORIO 1979,

BREMME & ERICKSON 1977). Aqui iremos resumir aquelas

que são relevantes para a presente discussão. Os

trabalhadores de campo conduziram a observação

participante e filmagem periódica em vídeo tape num

subúrbio predominantemente ítalo-americano perto de

Boston. Durante dois anos de coleta de dados, os

pesquisadores observaram tanto a interação em sala de aula

num jardim de infância/primeira série e as interações de dois

membros da classe em casa com suas famílias. Dias inteiros


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 347

foram observados na escola, primeiro periodicamente e

depois vários dias da semana. Os videoteipes periódicos

foram feitos em atividade de sala de aula durante os dois

anos. Ainda durante o primeiro ano do estudo, as duas

crianças alvo foram acompanhadas periodicamente até em

casa após a escola, quando suas tardes e noites inteiras foram

documentadas por meio de observação participante e

gravação em vídeo de atividades que ocorressem

naturalmente. Em última análise, os pesquisadores esperavam

que ao compreender a organização da interação face-a-face

em ambos os cenários, contrastes e comparações úteis

poderiam ser feitas entre ambos.

No processo de análise dos dados, os pesquisadores

desenvolveram modos de trabalhar que foram úteis para se

chegar a entender a organização dos eventos interacionais que

ocorriam em cada local - na escola e no lar (para obter

detalhes, consulte ERICKSON & SHULTZ 1977). Descobrir

modos para comparar e contrastar, de maneira válida e útil,

os contextos interacionais entre os dois locais, foi um esforço


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 348

muito mais difícil. O trabalho de Philips tinha nos ensinado

que alguns contextos para a interação na escola

assemelhavam-se a contextos interacionais domésticos mais

do que outros. Esta descoberta implicava em precisarmos ser

capazes de identificar pontos de relevância contrastantes entre

os contextos. Tais contrastes poderiam ter grande ou pequena

sutileza, entretanto, e precisávamos localizar estas diferenças

que "faziam a diferença" a partir da perspectiva dos

participantes.

Procurávamos similaridades e diferenças entre os diferentes

tipos de contextos para interação; ou aquilo que Wittgenstein

chama de "jogos”. Na medida em que peneirávamos notas de

campos e videoteipes e conversávamos com os informantes,

mantínhamos em mente a noção de Wittgenstein de

"semelhança familiar":

Seção 66. Considere por exemplo os procedimentos que

denominamos "jogos”. Refiro-me aos jogos de tabuleiro, aos

jogos de cartas, aos jogos de salão, aos jogos olímpicos e assim

por diante. O que há de comum entre eles? - Não diga: "Deve


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 349

haver algo em comum entre eles, ou não seriam chamados de

"jogos.”- Mas examine se há algo comum a todos. Pois se

examiná-los, não encontrará algo que é comum a todos, mas

sim similaridades, relações e uma série completa delas neste

aspecto. Repetindo: não pense, mas observe!... E o resultado

deste exame é: Encontramos uma complicada rede de

similaridades coincidentes e cruzadas: às vezes similaridades

gerais, às vezes similaridades de detalhe”.

Seção 67. Não encontro expressão melhor para caracterizar

estas similaridades do que "semelhança de família": pois as

várias semelhanças entre os membros de uma família:

compleição, traços, cor dos olhos, modo de andar,

temperamento, etc., etc., sobrepõem-se e cruzam-se da mesma

maneira - E devo dizer: os "jogos" formam uma família.

(WITTGENSTEIN 1958:31-32)

Para encontrar semelhanças de família entre os jogos,

WITTGENSTEIN aconselha, “Não pense, mas sim observe!”

Implícito nesta admoestação está o fato de que aquilo que

poderia parecer num primeiro relance como sendo útil modos


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 350

formais de anotar a comparação e o contraste poderiam ser, de

fato, arenques vermelhos. Quando começamos a procurar os

contextos interacionais no lar e na escola que poderiam ser de

utilidade para contraste, observávamos aquele que se

assemelhavam entre si de forma superficial. Desta maneira,

pensamos em contrastar a hora do jantar em casa com a hora

do lanche na escola e a hora de se contar estória na escola com

a estória contada antes de dormir em casa. Então percebemos

que estávamos mais pensando do que observando. Parecia que, a

despeito das semelhanças superficiais na forma interacional,

estes eventos não conseguiam assemelhar-se entre si em

relação aos padrões de organização da função interacional

interior a eles - os usos que as pessoas estavam fazendo

umas das outras, do espaço e apoios, dos direitos e obrigações

interacionais permanentes dos participantes. Todos estes

aspectos da organização da função estavam envolvidos com a

obtenção do trabalho instrumental dos eventos realizados.

Havíamos sido observadores participantes em jantares

familiares e em horas do lanche na escola, na hora da estória


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 351

em casa e na escola. Nossas intuições sobre estes eventos, bem

como nossas impressões furtivas de que havia algo errado na

medida em que assistíamos aos videoteipes numa tentativa

inicial de comparação dos momentos do comer e de se contar

estórias tanto em casa quanto na escola, sugeriam que

estávamos sendo excessivamente literais em nossas tentativas

de comparação. Estávamos em busca de exemplos nos quais

as crianças confrontadas com eventos interacionais na escola

semelhantes àqueles que lhes eram mais familiares poderiam

ser observados para aplicar estratégias consideradas

apropriadas no cenário doméstico mas inadequadas na escola.

Nossas observações iniciais mostraram-nos que comparação e

contraste não seriam encontrados no nível do evento em si.

Procuramos também pela comparação no nível do ato da fala -

novamente sem sucesso. Pensávamos que conseguiríamos

asseverar que uma "reprimenda”, por exemplo, em casa

poderia ser contrastada com uma na escola. Mas não

constatamos crianças "fazendo uma leitura errada" das


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 352

reprimendas escolares - ao menos não do modo como

esperávamos.

Atentando para similaridades funcionais mais do que formais,

começamos a perceber que estávamos interessados em

contrastar padrões de comportamento que poderiam ser

construídos vagamente como aspectos do estilo ou estratégia.

Como tal, estávamos em busca dos modos de interagir que

recortam - e portanto estavam disponíveis para análise por

dentro - os nível de organização do desempenho a partir da

fonologia e sintaxe na fala ao nível da estrutura seqüencial do

evento como um todo, p.ex., a seqüência inteira de arrumação

da mesa, do jantar e da limpeza posterior. (Estes níveis de

organização são geralmente mantidos analiticamente

separados por lingüistas, por um lado, e por etnógrafos, por

outro. Veja HYMES 1974:177-178, 196-199).

A partir deste insight, retornamos a nossas anotações de

campo e lembranças das experiências em campo e assistimos

mais aos teipes. Refletimos sobre aqueles modos de interagir

em casa e na escola que tinham parecido como se fossem ao


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 353

menos potencialmente comparáveis em termos dos aspectos

estilísticos e estratégicos da organização. Tínhamos a sensação

de que os momentos de refeição e as lições em grupo dirigidas

pela professora poderiam ser tais exemplos. Embora não

estivéssemos mais procurando o isomorfismo nas tarefas

literais a serem executadas, nos apoios a serem utilizados, a

configuração no espaço ou os atos de fala realizados,

estávamos identificando eventos dentro dos quais as

estruturas de participação, ou padrões na alocação de direitos e

obrigações interacionais entre todos os membros que estavam

encenando uma ocasião social em conjunto (cf. PHILIPS 1972),

pareciam ser comparáveis. O trabalho de Philips demonstra

que, particularmente em grupos culturais diferentes com

tradições sociolingüísticas distintas, pode-se lançar mão de

diferentes estruturas participativas para realizar o que na

superfície parecem ser as "mesmas" ocasiões interacionais. De

modo semelhante, nossa investigação sugeria que as mesmas

estruturas participativas - talvez em diferentes relações -

poderiam constituir formalmente eventos "diferentes." Assim,


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 354

segue-se que o estudo da comunicação equivocada entre as

culturas conduz à descoberta de pontos específicos de

diferença na organização das estruturas participativas.

Examinamos detalhadamente três exemplos de videoteipe das

refeições em duas famílias e três exemplos de lições de

matemática em sala de aula. Observamos, primeiramente,

similaridades funcionais importantes entre as refeições e as

lições. Ambos os eventos envolvem um ou vários adultos e

um grupo de crianças na execução de uma tarefa

instrumental. Em cada caso, a ocasião para reunir-se é mais do

que a mera conversação - uma refeição deve ser consumida,

uma lição realizada. Locais especiais são adequados para a

encenação do jantar e da lição de matemática. Cada uma destas

ocasiões sociais, dentro do seu próprio "quadro" espacial,

temporal e institucional (GOFFMAN 1974) tem um conjunto,

específico segundo a ocasião, de apoios relacionados à

execução da tarefa instrumental que é focal para a ocasião -

há pratos de comida a serem passados e utensílios a serem

utilizados nos jantares, e blocos de conceitos a serem


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 355

mantidos e dispostos no chão em lições "práticas" de

matemática.

Em geral, os participantes parecem estar transportando para

tais contextos interacionais expectativas referentes às tarefas

focais a serem realizadas, os direitos e deveres relativos dos

participantes para a execução destas tarefas e faixa de

comportamentos prováveis de serem consideradas

apropriadas naquela ocasião. Parece haver um consenso ativo

entre os participantes sobre estas expectativas; uma ordem à

qual, em diversas maneiras verbais e não verbais, eles se

mantém mutuamente responsáveis. COOK-GUMPERZ &

CORSARO (1976:11) utilizaram o termo "ambiente ecológico”

para referir-se à totalidade dos traços sociais e físicos do

cenário, os quais parecem dar dicas aos participantes quando

a uma ordem em particular pela qual são responsáveis de

acordo com a qual uma tal ocasião deve ser encenada.

Estas ordens pelas quais se é responsável para a encenação de

ocasiões sociais podem ser chamadas de estruturas

participativas, seguindo PHILIPS (1972:34). Em pesquisas


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 356

anteriores, tornara-se patente que as estruturas participativas

diferiam não apenas entre as ocasiões sociais, mas no interior

das próprias ocasiões, de um momento ao seguinte (ERICKSON

& SHULTZ 1977). Havíamos encontrado mudanças nos

padrões de alocação dos direitos e deveres interacionais entre

os indivíduos através do que pudemos identificar como sendo

as unidades constitutivas primárias ou “fatias” de ação dentro

de uma ocasião social.

Como nós olhamos nos vídeo teipes de jantares familiares e

lições de matemática, especialmente os jantares, isto nos

impressionou que um aspecto da estrutura de participação é a

noção de “chão”; o direito de acesso do indivíduo por uma

vez para falar que é atendido por outros indivíduos que

ocupam agora o papel de ouvintes. A simples conversa, em si

mesma, não se constitui tendo um chão. O chão é

interacionalmente produzido, neste, falantes e ouvintes

devem trabalhar juntos e mantendo isto. Se os partidos

interdependentes falham no fim do seu registro interacional,

não há mais nenhum chão, mas somente (a) uma pessoa


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 357

falando sem ser assistido por uma audiência ou (b) uma

audiência que assiste uma pessoa fracassar em seu discurso.

Por um tempo nós estivemos preocupados com um recente

modo nos turnos da fala na conversa (SACKS, SHEGLOFF, &

JEFFERSON 1974) que tinham feito afirmações sobre a

alocação do acesso a turnos assistidos na fala – o que foi

chamado uma “economia de troca de turnos” – que não foi

válido através da cultura. O modelo foi afirmado como

universalmente aplicável para as conversas humanas.

Presumiu-se que tendo e mantendo o chão, havia sempre um

falante em um tempo, e, portanto, uma audiência em um

tempo. “Troca de turno” significou mudança, entre vários

indivíduos em um grupo, o papel do falante; um falante

falando em um tempo levando adiante este papel, e então

voltando ao papel de membro da audiência como outro

falante que cessou em ser (não falante) membro da audiência

e observar seu próprio turno na fala.

Quando assistimos aos vídeo tapes dos jantares de família e

aulas de matemática, percebemos que o modelo de SACKS,


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 358

SHEGLOFF e JEFFERSON da economia de troca de turno -

um aspecto das estruturas de participação total não levava em

conta como as pessoas que observamos estavam se

comportando ao falar e ouvir umas às outras. Isto foi

especialmente aparente nas fitas de jantares familiares.

Algumas vezes, havia mais de um falante falando

simultaneamente, ainda que ninguém na cena (inclusive nós

mesmos, que havíamos sido participantes nas refeições bem

como as gravando em vídeo tape) parecesse estar agindo

como se qualquer dos falantes que falava simultaneamente

estivesse "interrompendo" qualquer dos outros. Outras vezes

quando várias pessoas estavam falando simultaneamente,

alguma pessoa (sempre um adulto ou outro parente) viraria

para uma das crianças mais novas e a repreenderia, como se

por "interromper", mas estas eram ocorrências muito raras.

Parecia que durante estes jantares, era quase (mas não

completamente) impossível "interromper" qualquer outra

pessoa que estivesse falando. Nossas fitas de mesa de jantar

pareciam e soavam muito como a cena de jantar da família de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 359

Nova York no filme de WOODY ALLEN "Annie Hall" quando

contrastada com a cena de jantar familiar da "pequena cidade

de Wisconsin" naquele filme, na qual a troca de turno era

conduzida de acordo com o modelo de SACKS, SHEGLOFF e

JEFFERSON.

Além disto, quando observamos nossas fitas tornou-se

aparente que às vezes havia não somente pessoas múltiplas

falando simultaneamente, mas parecia haver audiências

simultâneas múltiplas também. Dentro destas audiências

diferentes ouvindo falantes múltiplos (ou talvez mais

exatamente, diferentes níveis de participação na audição, por

indivíduos diferentes e subgrupos dentro do conjunto total de

indivíduos que interagiam), havia maneiras aparentes de

ouvir diferentes. Algumas maneiras de ouvir envolviam

permanecer silencioso e manter o contato do olhar com o

falante ou falantes. Outras maneiras de ouvir envolviam

"inserir" breves comentários que se superpunham à fala dos

outros falantes simultâneos. Tais comentários , que pareciam

ser um modo de mostrar atenção falando ao invés de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 360

permanecendo calado, nunca recebiam reação por outros

membros da família como "interromper". Que aqueles

comentários não constituíam "interrupção" parecia ser parte

do consenso de trabalho sobre um aspecto da estrutura de

participação apropriada para a conversa na mesa de jantar.

Em suma, nos jantares parecia haver não só falantes

simultâneos múltiplos, mas também audiências múltiplas e

modos de ouvir como membros da audiência. Isto significava

que havia chãos conversacionais múltiplos aos quais os

falantes podiam se dirigir. As perguntas de pesquisa mais

apropriadas então pareciam não ser ao longo das linhas da

pergunta "Quem tem o chão agora e como o conseguiu?" As

linhas de perguntas mais apropriadas pareciam ficar na

direção de tais perguntas " Where is the floor? Quantos tipos

deles existem, quando?"

Ocorreu-nos que em salas de aula escolares, manter o chão,

defendê-lo de interrupções e alocá-lo em ocasiões apropriadas

aos alunos são preocupações significativas para professores.

Quando observamos nossas fitas de aulas de matemática,


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 361

mais dos processos de alocação de chão e troca de turno

pareceu ocorrer de acordo com o modelo de SACKS,

SHAGLOFF e JEFFERSON do que havia sido o caso com os

jantares de família. Mesmo nas lições práticas de matemática,

porém, parecia haver vezes nas quais muitas crianças e o

professor estavam falando simultaneamente, sem ninguém

apontando ninguém como culpado por "interromper". Falar

enquanto outra pessoa estava falando não parecia algumas

vezes nas aulas ser interromper e naqueles momentos o

professor invocaria a regra “oficial de sala de aula”, “um só

falante de cada vez”. Outras vezes nas aulas, falar enquanto

outros estavam falando parecia ser uma maneira aceitável de

ouvir. Imaginamos o que poderia ser responsável por estas

inconsistências aparentes; pela variação na estrutura de

participação dentro das aulas e jantares bem como através

deles.

Quando observamos as fitas mais cuidadosamente, pareceu

que as mudanças no padrão do chão conversacional e as

mudanças no que GUMPERZ e COOK-GUMPERZ chamaram


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 362

"atividades de fala" (GUMPERZ) estavam ocorrendo juntas.

As atividades de fala são unidades de discurso na conversa

que são maiores que uma sentença e podem consistir de um

tópico do discurso, ou podem consistir de um conjunto de

tópicos conectados e subtópicos.

A melhor maneira de caracterizar o que quero dizer por

"atividade de fala" é nomear algumas, usando frases

descritivas tais como "discutindo política", "falando sobre o

tempo", "tentando chamar a atenção de alguém" e "ensinando

lingüística". Tais descrições implicam certas expectativas

sobre a progressão temática , regras de tomada de turno,

forma e resultado da interação, bem como restrições no

conteúdo...

Em um sentido, as atividades de fala funcionam um pouco

como os "planos" ou "scripts" dos psicólogos. Note, porém,

que as frases descritivas que usamos contém um verbo e um

substantivo, o que sugere restrições de conteúdo. Os verbos

sozinhos ou nomes únicos como "discussão" ou "aula" não são

suficientes para caracterizar atividades...


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 363

As distinções entre tais atividades como conversar, discussão,

tomar parte em rituais religiosos existem em todas as culturas,

mas cada cultura tem suas próprias restrições não somente em

conteúdo, mas também nos modos nos quais as atividades

particulares são levadas a efeito e assinaladas. Mesmo dentro

de uma cultura , o que uma pessoa poderia identificar como

"ensinar" outra poderia interpretar como "conversar com uma

criança" e assim por diante.

Tais atividades de fala são realizadas em ação e já que sua

identificação é uma função da base étnica e comunicativa,

surgem problemas especiais porque a sociedade moderna é

feita de pessoas de origem comunicativa e cultural largamente

variada. Como podemos estar certos de que nossa

interpretação de qual atividade está sendo assinalada é a

mesma que a atividade que o interlocutor tem em mente, se

nossas origens comunicativas não são idênticas? (GUMPERZ,

1977: 205-206)

A noção de atividade de fala parecia útil ao pensar-se sobre as

diferenças entre o lar e a escola na organização dos "chãos"


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 364

conversacionais: nas relações recíprocas entre os papéis da

audiência e do falante na atuação dos chãos. A combinação

de um verbo atuante caracterizando a ação comunicativa do

momento (ex: conversando em contraste com ensinando)

juntos com nomes caracterizando o tópico de conversa nos

permitiu fazer distinções úteis entre "pedaços" de discurso nos

jantares e aulas. Em uma das fitas de jantares, por exemplo,

falar sobre quanto tudo custa nas lojas hoje em dia e explicar

por que e para onde o pai (um professor de artes manuais)

está saindo da cidade para uma oficina de serviço interno este

fim de semana são atividades de fala diferentes não somente

no conteúdo dos dois tópicos de conversa. Elas diferem na

estrutura de participação - nas relações entre os papéis dos

falantes e nas estratégias que são apropriadas. A primeira

atividade de fala é aquela na qual chãos conversacionais

múltiplos são apropriados e na qual sobrepor a fala é

apropriado. A segunda atividade de fala tem somente um

chão - os pais participando dele como falantes primários, e

todas as crianças, sem importar a idade, participam como


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 365

ouvintes primários da explicação. Interessantemente, porém,

sobrepor a fala pelas crianças ouvintes como um modo de

mostrar que estão escutando é ainda inteiramente apropriado

durante a (às vezes sobreposta) fala dos pais na explicação

sobre a oficina de serviço interno. Tal fala sobreposta pelos

ouvintes durante uma explicação por um adulto não é

geralmente apropriada nas salas de aula do jardim de infância

do primeiro ano freqüentada pela criança mais nova nesta

família. Ele e outras crianças ítalo-americanas naquela sala de

aula continuamente "interrompem" as explicações do

professor sobrepondo comentários quando ele está falando.

Descobrimos que nas aulas escolares práticas de matemática e

nos jantares familiares quando a atividade de fala muda,

assim o faz a estrutura de participação. Também descobrimos

este ser o caso mesmo na interação de duas pessoas, em um

estudo anterior de conversas entre conselheiros escolares e os

alunos, em combinações étnicas variadas (ERICKSON &

SHULTZ 1981). Porém, a noção de atividade de fala, por si

mesma, não é totalmente responsável pelo padrão total de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 366

mudanças ou nas aulas escolares ou nos jantares familiares.

Para entender o padrão total de variação na estrutura de

participação dentro destas ocasiões sociais, bem como entre

elas, é necessário ter uma visão mais compreensiva e

considerar a ação-forma ou evento-história total das ocasiões

do jantar e da aula como todos.

4. Um resumo dos resultados


Os eventos interacionais são geralmente observados e

experimentados como um fluxo contínuo inteiro de atividade.

Para identificar para análise as estruturas de participação que

constituem a ação social é necessário segmentar o fluxo de

atividade em suas unidades constituintes primárias. A Figura

1 mostra nossa segmentação dos eventos inteiros, jantar e aula

de matemática, em seus subeventos principais ou fases. Estas

fases foram inferidas por observação sistemática de vídeo

tapes e com base em nossa experiência como observadores

participativos.

As mudanças de fase na Figura 1 foram notadas quando um

participante relata explicitamente que "as coisas mudaram".


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 367

Quando tal informação não está disponível (ou quando os

comentários de sessão de assistência por participantes estão

disponíveis mas os participantes não são capazes de articular

aquela informação explicitamente), identificamos fases

através da observação de vídeo tapes de mudanças

comportamentais através de alguns canais comunicativos (ex:

mudanças posturais, mudanças no registro de tom vocal,

altura, contorno de entonação, tempo e outros aspectos de

prosódia da fala) e quando também vemos que após tais

mudanças comportamentais os padrões subseqüentes de

interação dos participantes são organizados diferentemente

da maneira de antes das mudanças em postura e prosódia da

fala.

Nas aulas e jantares, este tipo de segmentação revela

similaridades na organização seqüencial total dos dois

eventos, que parecem na superfície serem tais tipos diferentes

de ocasiões sociais (ver Figura 1). Por exemplo, cada evento

requer uma fase inicial de preparação supervisionada e

estabelecimento de deixas. Em seguida, cada evento inclui


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 368

uma fase central de foco instrumental - a atuação da razão de

ser do evento - "fazer a refeição" ou "ensinar e aprender" o

material acadêmico. Finalmente cada evento envolve um

envolvimento gradual do trabalho instrumental que foi feito -

apagar os quadros - antes que os participantes possam

apropriadamente sair de seu espaço de vida social/ecológico.

5. Figura 1 Ordem invariável das fases constituintes


Cena ou evento anterior - "Estabelecimento" Preparação -

"Atividade focalizada" - "Envolvimento" (inclusive) "Limpar" -

Cena ou evento subseqüente.

Na fase central focalizada, não somente a atividade

instrumental predomina, mas em alguns tipos de eventos

existem pontos de clímax instrumental para os quais a ação

tende, após o que o foco é levemente diminuído, em um

padrão de teia e fluxo. Assim o diagrama aponta não somente

para relações de adjacência em uma ordem seqüencial atuada

no e através do tempo real. O diagrama também aponta para

a teleologia da ordem seqüencial, ao nível das fases

constituintes primárias dentro do evento inteiro.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 369

A Figura 2 contém a ordem seqüencial invariável das fases

constituintes primárias através de ambos os tipos de cenas -

jantares e aulas de matemática.

6. Jantar
Cena anterior - preparação: “conversar" - curso principal
do foco: “comer" - Envolvimento: “conversar"
Opção 1: reciclar para a sobremesa
Opção 2: Tirar a mesa
Lição de matemática
Cena anterior: "Aula de leitura" - Preparação - Foco:
"ensino/aprendizagem instrumental" - Envolvimento:
elevação: "clímax instrucional" - limpar
Seguem duas narrativas que descrevem os tipos de
atividade que tem lugar durante cada uma das fases
constituintes primárias de jantares a aulas de
matemática.
6.1. Narrativa de cena de jantar
I. Preparação do curso principal. Durante esta fase, há mais

movimento do que fala enquanto a mãe põe a mesa e as

crianças tomam seus lugares uma a uma. A mãe "administra"

esta fase quando ela (1) prepara e delimita o espaço no qual a

interação ocorrerá; (2) estabelece as deixas que serão usadas

pelos membros da família para levar a efeito a atividade; e (3)


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 370

emite comandos e reprimendas pelas quais torna explicita

alguma coisa da etiqueta operante nos contextos que se

seguem. O nível de ruído é alto quando as pessoas começam a

se servirem e a fala é relacionada com a refeição.

II. Foco: Curso principal. Quando esta fase começa, o nível de

ruído cai. Os membros da família gastam mais tempo

comendo do que falando. As pessoas se posicionam em torno

da mesa em um "modo de carpinteiro" e seus olhos estão

focalizados em seus pratos. As vasilhas são passadas em

torno da beirada da mesa e as pessoas se inclinam através dela

para alcançar a comida. Estas ações servem à função de ligar

fisicamente o grupo. Durante esta fase, os tópicos

conversacionais são, em geral, não relacionados com a

refeição.

III. Envolvimento do curso principal e preparação da

sobremesa. Quando as pessoas acabam de comer o ruído

ambiente e as vozes dos membros da familia se tornam mais

altas. Há mais fala e diferentes tipos de fala. Os membros da

família se recostam nas cadeiras e se orientam para alguns dos


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 371

participantes e para longe de outros. Mais de uma conversa

está ocorrendo ao mesmo tempo. As pessoas fora da área da

mesa são chamadas, expandindo assim o espaço dentro do

qual a interação tem lugar. Dois ou três participantes falam

simultaneamente a maior parte do tempo. Durante esta fase,

a mãe tira a mesa enquanto o pai e as crianças permanecem

sentados. A mãe anda para cada lugar, em volta das beiradas

da mesa enquanto remove os pratos sujos e os substitui por

limpos. A conversa entre todos os membros da família

gradualmente diminui enquanto as pessoas mudam de lugar

e voltam para a posição focalizada para a sobremesa. A

conversa é novamente relacionada com a refeição enquanto a

mãe distribui a sobremesa.

IV. Foco: sobremesa. Enquanto a mãe se inclina sobre a mesa

servindo a sobremesa, outros membros da família estão

inclinados sobre sua comida. Eles não formam mais

subgrupos posturais mas ao invés disto estão orientados para

o centro da mesa. A conversa que ocorre não é relacionada

com a refeição.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 372

V. Retirada da sobremesa. Durante esta fase, quando as

pessoas terminam de comer, elas deixam a mesa. Porém,

enquanto isto está acontecendo, conversas múltiplas se

desenvolvem entre os membros da família. Elas são mais

exageradas que as conversas múltiplas que tem lugar durante

a retirada do prato principal, já que alguns membros da

família estão agora fisicamente separados da mesa. Alguns

membros da família realmente se levantam e ficam de pé

perto de seus parceiros conversacionais. As crianças saem

primeiro, deixando os adultos sentados na mesa.

6.2. Narrativa da cena aula prática de matemática


I. Preparação. Quando a atividade anterior (freqüentemente

uma aula de leitura) está terminando o professor vai para sua

mesa para pegar materiais para a próxima lição. Ela traz os

materiais em uma ou mais viagens para a "área circular" da

sala. Quando ela o faz, algumas crianças que terminaram seu

trabalho sentado da aula anterior já estão se sentando no chão

em uma formação de círculo parcial. Outros alunos ainda

estão em suas mesas terminando. Há considerável ruído


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 373

ambiente com pequenos grupos de crianças conversando

juntas em vários lugares da sala; nas mesas e no cão

(atapetado) na área do círculo. Então a professora começa a

chamar os alunos para o círculo. Geralmente há mais de uma

chamada, mas não mais que três.

II. Foco. Existem duas ou mais subfases constituintes dentro

desta fase: uma ou mais fases introdutórias e então uma fase

"clímax" para a qual as instruções introdutórias tendem. As

fases introdutórias são executadas por uma série de "rodadas

interrogativas" nas quais várias crianças são chamadas para

manipular os materiais (tais como blocos) e, com a direção

interrogativa do professor, demonstram para as outras

crianças os princípios e conceitos a serem aprendidos (tais

como o conceito "conjunto"). Durante cada rodada há um

espaço interrogatório, um espaço de demonstração e um

espaço de avaliação, que aparecem em uma ordem seqüencial

invariável (embora o espaço de avaliação possa ser

opcionalmente suprimido). Durante cada rodada o

falante/ouvintes primários são o professor e o aluno


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 374

selecionado para fazer a demonstração. Os outros alunos

participam de uma maneira secundária como "audiência".

(Após a última chamada para ordenar o círculo no final da

fase de preparação, esta organização geral persiste até a faze

de limpeza final). Se os membros da audiência falam se

sobrepondo com o professor e o aluno focalmente dirigido

que está demonstrando, o professor sanciona negativamente

os falantes que se sobrepões. Após ter começado a fase

clímax, porém, e o professor e as crianças terem se inclinado

para frente intencionalmente para o centro do círculo que seus

corpos delineiam enquanto sentam no chão, o professor não

mais sanciona negativamente sobrepor a fala. Nas fases

introdutórias anteriores, as crianças às vezes respondiam em

uníssono às perguntas feitas pelo professor. Na fase clímax

elas dão muito mais respostas corais em uníssono "rústico”,

que são intercaladas e sobrepostas com comentários

sobrepostos sobre a ação.

III. Terminar/Limpar. O professor e alunos sentam-se mais

eretamente quando o professor dá direções sobre a limpeza.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 375

Durante aqueles avisos o professor é o único foco de atenção e

o falante primário. Ele sanciona negativamente as

sobreposições de fala novamente. Então enquanto as crianças

começam a limpar, conversas múltiplas surgem, como na fase

de preparação.

7. Estruturas de participação
Para examinar as diferenças em como as atividades

interacionais foram executadas em casa e na escola, uma

tipologia de estruturas de participação pela qual as pessoas

coletivamente executaram a atividade interacional "conversar

durante o jantar" foi desenvolvida. Esta tipologia se segue.

Uma descrição narrativa curta de cada estrutura de

participação é apresentada, seguida por uma descrição dos

diferentes papéis que os membros da família podem ter na

atuação destas estruturas de participação.

Estrutura de Participação Tipo I. Chão conversacional único

com somente algumas das pessoas presentes participando no

"chão" como falantes e ouvintes primários. Os outros


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 376

presentes participam minimamente como ouvintes

secundários. Há pouca sobreposição de fala.

Uma conversa está ocorrendo entre um subgrupo do grupo

inteiro. As pessoas envolvidas nesta conversa são referidas

como "falantes/ouvintes primários". O restante do grupo está

sentado e ouvindo esta conversa. Aqueles não envolvidos

diretamente na conversa serão referidos como "ouvintes

secundários".

Alocação de direitos e obrigações interacionais (Papéis):

Falante primário: endereça frases a pequenos grupos de

outros (ouvintes primários) e então espera pelas frases ditas

por outros falantes primários: Ouvintes primários: prestam

atenção: não é requerida audição ativa. Porém atenção

suficiente é requerida para saber não interromper o falante

primário.

Estrutura de Participação tipo II. Chão conversacional único

com todas as pessoas presentes participando dele. Há

somente um falante primário, que está se dirigindo a todos os


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 377

presentes. Todos que são dirigidos participam de modos

similares como ouvintes. Há pouca fala sobreposta.

Uma conversa está ocorrendo, com um falante se dirigindo a

todo o grupo. Neste caso, não há distinção feita entre

ouvintes. Existem basicamente dois papéis que tem lugar:

falante e ouvinte.

Alocação de direitos e obrigações interacionais (Papéis) -

Falante: para falar com todo o grupo e para continuar a fazê-

lo enquanto um ou mais membros do grupo estão fornecendo

comportamento de escuta apropriado. Qualquer membro do

grupo pode fornecer a retroalimentação de ouvinte e pode ser

um membro diferente de cada vez; Ouvinte: mostra um modo

de atenção para o que o falante está dizendo e não o

interrompe. Também de vez em quando fornece

retroalimentação de escuta "de canal de volta" (ex: anuências,

mudanças de olhar, resmungos, etc.)

Estrutura de Participação Tipo III. Chão conversacional único

com todas as pessoas presentes participando dele. Há


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 378

sobreposição de fala considerável. Dois subtipos podem ser

distinguidos:

Chão único com níveis múltiplos de chão. Níveis primário e

secundário de participação, considerável fala sobreposta.

Uma conversa tipo I está ocorrendo entre falantes/ouvintes

primários.

Um ou mais dos ouvintes secundários diz alguma coisa

topicamente ligada com o que o falante/ouvintes primário está

dizendo. Estes comentários por participantes secundários

(que então se tornam falantes secundários) são "jogados" na

conversa do grupo e não requerem uma resposta ou

reconhecimento de ninguém. A conversa primária entre

falantes e ouvintes primários continua enquanto estão sendo

feitos comentários por falantes/ouvintes secundários.

Alocação de direitos e obrigações interacionais (Papéis) -

Falante/ouvinte primário: O mesmo que para o Tipo I. Porém

um aspecto adicional para os participantes primários é evitar

prestar atenção e responder ativamente aos comentários


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 379

sobrepostos que estão sendo jogados na conversa por

participantes secundários; Falante/ouvinte secundário: o

mesmo que para o Tipo I, com o direito adicional de fazer

comentários relacionados com a conversa primária. Porém

estes comentários podem não ser reconhecidos ou prestados

atenção pelos outros membros do grupo.

Tipo III-B. Chão único interpolado com nível único de chão.

Um comentário coletivo sobre a nota de um falante primário

anterior, durante o qual o chão conversacional anterior é

suspenso.

Uma conversa do Tipo II ou do Tipo I está ocorrendo e é

interrompida por um interlúdio ou “seqüência lateral”

durante a qual um ou mais dos participantes faz comentários

relacionados com o que o último falante estava dizendo. Estes

“comentários” se sobrepõem ao que os outros comentadores

estão dizendo e às vezes falam continuamente e

simultaneamente. A conversa que estava tendo lugar quando

os comentários começaram a serem feitos para seu progresso.

O falante primário na conversa que está tendo lugar pode ou


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 380

não deixar o chão anterior; em alguns casos aquele chão é

momentaneamente suspenso para comentários coletivos, nos

quais o falante primário pode participar também. Em outros

casos, a primeira conversa pode ser deixada inteiramente

quando uma nova conversa aparece.

8. Alocação de direitos e obrigações interacionais (Papéis) -

Falante: Joga comentários na conversa, com a compreensão de

que tal comentário pode não ser dado atenção ou reconhecido;

Ouvinte: O mesmo que para o Tipo II, exceto que no Tipo III-B

os ouvintes tem o direito de fazer comentários enquanto

outros estão comentando, sem ter tais comentários levados em

conta como ato de fala/interrupção.

Estrutura de Participação tipo IV. “Chãos” conversacionais

múltiplos, com subgrupos das pessoas presentes participando

de conversas simultâneas topicamente distintas. Muita fala

sobreposta através e dentro dos vários chãos.

Muitas conversas do Tipo I estão ocorrendo simultaneamente,

conduzidas por atos de falantes/ouvintes primários. Na


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 381

maioria dos casos observados, cada pessoa presente é um

participante primário em ao menos uma destas conversas. Se

uma pessoa presente não participa de modo primário, então

ele (ela) participa como um ouvinte secundário em um ou

mais dos conjuntos de falantes/ouvintes primários.

9. Alocação de direitos e obrigações - Dentro de cada uma

das conversas simultâneas, o mesmo que para o tipo I.

As estruturas de participação diferem ao longo de três

dimensões. Estas dimensões, que podem ser consideradas

como sendo análogas a distintos aspectos são, (a) número de

pessoas que falam de cada vez, uma ou mais que uma; (b)

tipos de papéis dos participantes; isto é, todos os participantes

têm papéis equivalentes, como nas conversas Tipo II e Tipo

III-B ou há uma distinção feita entre participantes primários e

secundários, como nas conversas Tipo I e Tipo III-A; e (c) o

número de chãos conversacionais, um ou mais que um. Cada

uma das dimensões tem duas possibilidades: há mais de uma

pessoa falando ao mesmo tempo, ou há somente uma pessoa

falando; todos os participantes têm papéis equivalentes ou


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 382

não; e há mais de um chão conversacional ou somente um. A

presença ou ausência de cada um destes aspectos é notada no

Quadro 1.

10.
Qua Estrutura Mais de Uma Todos os Mais de um
dro
1.
Aná
de Pessoa falando Participantes chão
lise
de Participação de cada vez têm papéis conversacional
Asp
ect equivalentes
os
dist
into Tipo I - - -
s de
Estr Tipo II - + -
utur
as
de Tipo III-A + - -
Part
icip
açã Tipo III-B + + -
o

Tipo IV + + ou - +
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 383

Nota: As conversas do Tipo IV são feitas de conversas do Tipo

I múltiplas. É possível que todos os participantes pudessem

ser participantes primários em ao menos uma das conversas.

Se este é o caso, então todos os participantes têm papéis

equivalentes. Se algum dos participantes é um participante

secundário em uma ou mais das conversas, então todos os

participantes não têm papéis equivalentes.

O método usado para se chegar a esta tipologia de estruturas

de participação é descrito em ERICKSON & SHULTZ (1977).

Primeiro, uma das fitas de hora do jantar foi examinada em

detalhes através de vistas repetidas e uma tipologia inicial de

estruturas de participação foi formulada.

Após a tipologia ter sido refinada através de mais vistas da

fita, a validade da tipologia foi testada examinando-se outras

fitas de hora do jantar para ver se os mesmos tipos de

estruturas de participação estavam presentes nestas. A hora

do jantar em casa de outro aluno foi estudada, além de outra


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 384

fita de hora do jantar na casa do aluno onde a fita foi

originalmente analisada foi feita. A tipologia foi encontrada

para manter-se verdadeira para ambas as horas de jantar em

outra casa, e para a hora de jantar adicional na casa original.

Ao todo, ao menos 60 horas de visão de vídeo tape estiveram

envolvidas na análise relatada aqui.

As evidencias para a validade da tipologia vieram de várias

fontes. A observação participativa nas duas casas e em sala

de aula nos forneceram intuições com relação a como os

jantares e aulas de matemática eram executados. Além disto

tivemos cada participante em vários jantares em nossas

próprias casas e ensinamos e fizemos pesquisa em outras salas

de aula. Estas fontes de observação pessoal foram chamadas à

cena enquanto observávamos os vídeo tapes de jantares e

aulas de matemática enquanto aplicamos nossos

procedimentos interpretativos para fazer sentido dos eventos

registrados. Neste processo de fazer sentido, confiamos

menos na observação pessoal e experiência do que é de

costume na etnografia tradicional, mas confiamos mais nestas


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 385

fontes de evidencia do que é comum na análise

etnometodológica de registros de comportamento.

Ao assistir aos vídeo tapes, tentamos usar as mesmas

evidencias comportamentais que os participantes pareciam

estar usando para fazer sentido da situação. Consideramos

várias formas de comportamento verbal e não verbal na

distinção entre as diferentes estruturas de participação. Por

exemplo, a principal diferença entre as estruturas de

participação Tipo I e tipo II é que as conversas Tipo I

envolvem dois níveis diferentes de participação entre

ouvintes, enquanto nas conversas Tipo II não é feita distinção

entre os ouvintes. As diferenças em participação entre

ouvintes nas conversas do Tipo I são manifestadas nestas

áreas: (a) postura e orientação do corpo; b) direção do olhar e

(c) retroalimentação da audição por canal de volta. Os

ouvintes primários nas conversas Tipo I são requeridos

orientar seus corpos para o falante primário, direcionar seu

olhar para aquela pessoa tanto quanto possível e fornecer

algum Tipo de resposta de audição de canal de volta. Os


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 386

ouvintes secundários, por outro lado, não são requeridos

fornecer o mesmo tipo de comportamento não verbal como os

ouvintes primários. Eles podem olhar para longe das pessoas

que levam a efeito a conversa, eles podem orientar seus

corpos para o centro da mesa ao invés de para os

falante/ouvintes primários, e não têm que fornecer

retroalimentação de audição. Nas conversas do Tipo II,

alguns dos ouvintes têm que fornecer retroalimentação de

escuta (de outro modo o falante iria provavelmente parar de

falar), mas seu comportamento de escuta não tem que ser tão

intenso como o do ouvinte primário nas conversas do Tipo I.

Em outras palavras, a quantidade de atenção fornecida pelos

ouvintes nas conversas do Tipo II caem em alguma parte

entre a quantidade de atenção esperada de ouvintes primários

nas conversas do Tipo I e a quantidade de atenção esperada

dos ouvintes secundários nas conversas do Tipo I. Tipos

similares de evidencias de diferenças em comportamento

verbal e não verbal foram usados para distinguir entre todos

os tipos de estruturas de participação.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 387

Uma segunda fonte de evidencias comportamentais com

relação à validade da tipologia apresentada está contida na

reação dos membros da família a violações de qualquer dos

padrões descritos. Dois tipos de violação foram notados: (a)

produção de comportamento não apropriado: o filho mais

novo em uma das famílias, durante duas conversas do Tipo I

nas quais era um ouvinte secundário, tentou chamar a atenção

de um dos falantes/ouvintes primários. Foi-lhe dito por um

dos irmãos mais velhos para ficar quieto porque "as pessoas

estavam falando". Tal reprimenda não faria sentido durante

uma conversa Tipo III (A ou B) ou Tipo IV durante as quais

mais de um falante pode ter a vez de falar ao mesmo tempo;

(b) ausência de comportamento apropriado: durante outra

conversa do Tipo I na qual o mesmo filho era suposto ser um

ouvinte primário, ele não forneceu o tipo de resposta de

escuta requerido de uma pessoa em tal papel. Seu pai, que

era o falante primário na ocasião, tornou a ausência desta

resposta de escuta computável (cf. MEHAN e WOOD, 1975:

132) dizendo o nome de seu filho seguido de "Estou falando


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 388

com você". Este tipo de reprimenda não faria sentido durante

uma conversa do Tipo II, porque nem todos os ouvintes são

requeridos fornecer retroalimentação ativa de escuta.

Estes quatro tipos de estruturas de participação ou

"arrumações conversacionais" empregados para executar a

atividade de fala "falar durante o jantar" são representados

esquematicamente na Figura 3, que mostra a arrumação física

da família em torno da mesa de jantar (representada pelo

retângulo), bem como suas orientações posturais e de olhar

nas várias estruturas de participação.

Como foi notado anteriormente, as estruturas de participação

mostradas na Figura 3 são aquelas usadas para executar a

atividade de fala "falar durante o jantar". Elas foram

desenvolvidas por cuidadosa observação dos vídeo tapes da

hora de jantar nas casas. Na escola, os tipos de estruturas de

participação encontradas em casa são também encontradas

em versões levemente diferentes de "semelhança familiar" que

parecem ser equivalentes funcionais daquelas usadas em casa.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 389

Existe algumas diferenças específicas entre as versões do lar e

da escola de atuação das estruturas de participação. Primeiro

de tudo, existe

11. Figura 3. Representação esquemática das Estruturas de


Participação
Tipo I Tipo II
falante primário falante
ouvinte primário ouvinte
ouvinte secundário
Tipo III-A Tipo III-B
falante primário falante
ouvinte primário ouvinte
falante secundário
ouvinte secundário
Tipo IV
falante primário
ouvinte primário
ouvinte secundário
Legenda:as setas e linhas indicam a orientação do olhar.
= orientação postural
um limiar de tolerância muito mais alto em casa para uma

entonação de fala de tom mais alto, fala mais alta, e elevação e

queda brusca de entonação do que na escola com o professor,

que não seja ítalo-americano. Segundo, dado o grande

número de participantes na sala de aula, particularmente


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 390

quando o professor e todos os alunos estão reunidos como um

grupo, a negociação e administração dos direitos e obrigações

interacionais se torna mais difícil. Muito mais orquestração e

administração é feita pelo adulto presente (o professor) e mais

direções específicas sobre como interagir são dadas. (Por

exemplo, Professor: Não falem agora, é minha vez. Joey, é a

vez de quem agora?). Embora tais reprimendas sejam

ocasionalmente emitidas em casa, direcionadas em sua maior

parte aos membros mais novos da família, elas são ouvidas

muito mais freqüentemente na sala de aula, onde o índice de

participantes jovens para velhos é muito mais alto. E

finalmente, dada a proximidade física dos membros da

família na mesa de jantar e o fato de que cada membro é capaz

de encarar qualquer outro membro com um mínimo de

esforço, é muito mais fácil para a família agir como um grupo,

focalizando posturalmente um ponto no centro da mesa. Na

sala de aula, quando o professor está reunido com todos os

alunos, nem todos podem encarar todos. E assim por

necessidade, alguns participantes têm suas costas para outros.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 391

Estas estruturas de participação são distribuídas

diferencialmente através das fases constituintes dos dois

eventos. (Rever Figura 1). O Quadro 2 mostra a distribuição

das estruturas de participação através das fases dos dois

eventos. Pode ser visto do Quadro 2 que as estruturas de

participação Tipo I, II e IV ocorreram na escola bem como em

casa. As estruturas de participação Tipo III ocorreram em

todas as três fases do jantar, mas ocorreram somente sem

freqüência durante a aula de matemática. Para a maior parte,

este modo de participar nas aulas é referido como "chamar" e

não é permissível em situações de aula.

As estruturas de participação Tipo III foram permitidas

durante a subfase de clímax instrucional da fase

instrumentalmente focalizada da aula de matemática.

Durante esta subfase, o foco do professor está no "ponto" da

aula e as regras sociais interacionais não parecem mais serem

o foco de sua atenção.

Mesmo se todas as quatro estruturas de participação ocorram

durante os jantares e aulas de matemática, elas são


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 392

distribuídas diferentemente através das fases constituintes

dos dois eventos. Ao nível do evento, então, os tipos de

estruturas de participação que ocorrem e os direitos e

obrigações dos participantes são essencialmente os mesmos.

É somente quando se olha ao nível de fases constituintes que

diferenças na atuação dos dois eventos aparecem.

O que é distintivo sobre cada uma das fases dos dois eventos

é o conjunto de estruturas de participação que ocorrem, e a

freqüência relativa com que cada uma das estruturas de

participação ocorre. A ordem seqüencial das estruturas de

participação dentro de uma dada fase não parece ser

obrigatória, exceto que as estruturas de participação Tipo III-

A e III-B devem sempre se originar das conversas do Tipo I ou

do Tipo II.

Nem todos as estruturas de participação ocorrem em cada

uma das fases; e as estruturas de participação que ocorrem

não o fazem com a mesma freqüência


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 393

Por exemplo, durante a fase focalizada de jantar, as estruturas

de participação Tipo I e Tipo II estão ocorrendo mais

freqüentemente, mas as estruturas de participação Tipo III-B,

quando ocorrem, são negativamente sancionadas pelo

professor. Isto pode ser visto no seguinte exemplo de texto da

aula. Este exemplo começa pelo final da fase de instrução

focalizada da aula. A organização do discurso daquela fase

envolveu uma série de rodadas interrogativas sucessivas (ver

BELLACK, KLIEBARD, HYMAN & SMITH 1966; MEHAN

1979 e MEHAN, este volume).

Fase Constituinte

Evento Preparação Foco Término

Jantar I, II, III-B I, II, III-A, III-B, IV, I

III-B

Aula de IV, I I, II I, III-A (durante

matemática clímax instrucional)


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 394

e II, IV (durante a

limpeza) 12.
Quad
ro 2. Distribuição das Estruturas de Participação Através das Fases
Constituintes Primárias dos Dois Eventos

Nota: Para cada fase constituinte, as estruturas de participação

são listadas de acordo com a freqüência de ocorrência.

Aquelas estruturas de participação que ocorrem mais

freqüentemente são listadas primeiro, enquanto aquelas que

ocorrem menos freqüentemente são listadas por último.

Em cada uma das rodadas um aluno foi designado o

"respondedor" e se envolveu com o professor em uma série de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 395

rodadas de perguntas-respostas. Esta é uma estrutura de

participação do Tipo I, de acordo com nossa tipologia - dois

falantes principais, aluno e professor, com outros membros do

grupo de interação nos papéis de assistentes ao invés de

falantes. (As crianças são ocasionalmente permitidas ecoar em

coro a resposta do respondedor designado, e rirem no final de

uma rodada, mas de outro modo tem que permanecer em

silêncio). Durante as rodadas interrogativas, e especialmente

no final delas, quando o professor está para se voltar para um

novo aluno como respondedor designado, as crianças que

foram ouvintes freqüentemente fazem coisas às quais o

professor reage como "interromper". Uma coisa reagida deste

modo foi quando uma criança individual que não é designada

como respondedor tenta obter vez de falar. Se isto fosse

permitido acontecer tornaria a arrumação conversacional uma

estrutura de participação do Tipo III-B (mais de dois

falantes/ouvintes primários). Outra coisa a qual o professor

reagiu como interrupção foi uma ou mais crianças que não

eram o respondedor designado fazerem comentários


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 396

sobrepostos sobre algo que um dos dois falantes primários

havia dito. Se isto fosse permitido acontecer faria a

arrumação conversacional que chamamos estrutura de

participação Tipo III-A (na qual existem falantes e ouvintes

secundários bem como primários, participando

simultaneamente em chãos conversacionais de camadas

múltiplas).

13. Exemplo de aula de matemática


No texto que se segue, a conexão de linhas com parênteses (I)

indica a fala sobreposta, a conexão de linhas por parênteses

com "bandeiras" nas direções opostas (Z) indica que a fala do

segundo falante começa abruptamente exatamente no final da

palavra do falante anterior. Marcadamente a fala lenta é

indicada pelo espaçamento entre sílabas. Dois pontos

múltiplos indicam alongamento de uma sílaba. Uma pausa

terminal de sentença completa de aproximadamente um

segundo é indicada por duas diagonais (//) e uma meia pausa

de aproximadamente meio segundo é indicada por uma

diagonal única (/). (Estes são equivalentes a grosso modo ao


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 397

período e vírgula). A enfatização (altura) é indicada pelas

letras maiúsculas na sílaba enfatizada ou por marcas verticais

que precedem a sílaba enfatizada. Se o tom da sílaba

enfatizada é alto, a marca vertical aparece acima da linha, ex:

'BOM. Se o tom da sílaba enfatizada é baixo, a marca vertical

aparece abaixo da linha, ex: BOM. Estas marcas são

responsáveis pela enfatização e tom na ausência de uma

mudança de tom. Quando a enfatização é combinada com

uma mudança de tom, marcas diagonais são usadas. Se o

lado esquerdo da diagonal é alto isto indica uma mudança de

tom mais alto para mais baixo, ex: BOM. Se o lado direito da

diagonal é alto isto indica uma mudança de tom mais baixo

para mais alto, ex: BOM.

(Cena: Aula prática de matemática em uma sala de aula de

jardim de infância do primeiro ano. A professora, Senhorita

Wright, e 14 alunos do primeiro ano estão sentados no chão

em uma formação de círculo. Eles se orientam para objetos no

centro da área do círculo que foi definida por seus corpos. No

chão estão dois anéis de corda que circulam conjuntos de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 398

blocos de madeira. Em um dos conjuntos todos os blocos são

de formatos diferentes, mas tem a mesma cor (amarelo). A

professora esteve introduzindo as crianças ao conceito de

"propriedade de conjunto". Neste ponto da aula ela vai rever

o que as crianças aprenderam na aula até agora.)

(a) P: O.K. (A senhorita Wright fala mais alto e mantém


o dedo indicador em seus lábios. Há um contorno de
intonação que cai abrupta no "K" de "O.K.")
Agora vamos olhar (o riso para) (O riso geral das
crianças é suspenso e a professora fala , e para em
sincronia exata com o " k" do final da palavra dela , "
look")
O que decidimos foi (o riso começa - - -decidimos QUE -
- - para]
(No " THAT" enfatizado, todas as crianças param
instantaneamente de rir e algumas se sentam mais eretas)
Estes blocos todos tem a propriedade da mesma ,what//
(A professora aponta para o anel de forma e seus blocos)
(b) T: SHA:::PE (A turma responde em coro com duas
respostas individuais em " eco")
Shape
Shape
(c) P: Forma/ assim eles pertencem aqui mesmo se
(risadinhas começam - - - - - )
cores [ diferentes S//::://SH']
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 399

GS: [e são da mesma forma ]


(os risos continuam - - - - -param)
(Durante o riso geral um garoto se sobrepões a fala da
professora.
(d) (Alice pega um bloco)
(e) P:a'right// (muito rapidamente)
coloque isto no chão (gentilmente, em um lado de
Alice)

Estes conjuntos todos tem a propriedade da mesma


[O QUE? (alto, com registro de tom mais alto durante
toda a fala)
[ B= amarelo (Bobby sobrepõe)
Sh ( a professora diz isto gentilmente a Bobby)
(f) Es: Forma
C: forma
FORMA
(g) B: Forma (alunos individuais dizem " forma" , um
coro diz " forma" e então Bobby o faz)
h) P: Cor Z (Para Bobby e para toda a turma)
(i) C: cor (resposta em coro, volume diminuido)
(j) Eles não são todos da mesma forma// (volume baixo,
registro de tom)
Este não é da mesma forma// (segura um bloco)
Eles são da mesma COR// (levanta o bloco mais alto)
(k) B: Veja este não é - - (Bobby se dirige a Vito)
(l) P: ' CERTO// (as crianças estão rindo) (mais alto,
registro de tom mais alto)
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 400

AGORA// ' ESPEREM (todas as crianças caladas)


FA«AM ESTES BLOCOS AQUI TEREM
(o riso começa - - - -
A PROPRIEDADE DE//
- - - - - - - - - -para) (na pausa a professora põe o
dedo nos lábios)
(barulho de carro de entrega no corredor)
[ COR?// // (pausa de dois segundos)
(segundo barulho)
(Bobby olha para a porta)
(C olha para a porta)
(V olha para a porta)
(m) Vamos ver aqui // // // (mais gentil, registro de tom
mais baixo) (pausa de três segundos)
wwht (meio assobio endereçado a Bobby)
(Bobby olha de volta para a área do círculo)
Vito/ Vamos olhar aqui// Isto é importante (registro de
tom baixo, ainda mais intensamente)
( o foco postural do círculo é reestabelecido)
Estes blocos aqui tem a (rapidamente para Bobby)
propriedade de cor E a propriedade da forma ?//
Eles pertencem aos DOIS conjuntos ?
(n) R: Não
(outros): não, não
coro N√O:::::::::::::::::
P: Por que não? ] (Para Bobby)
B: (Vira para a criança a sua esquerda e diz algo
inintelegível)
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 401

P: Sh] (para toda a classe)


(p) Estes são ' AMArelos
(q) (duas crianças dão respostas inintelegíveis)
(r) P: Eu sei, mas neste CONJUNTO/ tudo que me
importa é a cor
(duas crianças opostas a professora escorregam sobre
seus estomagos, tocando uma à outra , olhando para os
blocos)
Vamos, sentem-se//
Este conjunto, tudo que me importa é a cor.
Estes blocos/ Eu quero blocos amarelos aqui// (dirigida a
Carol) Eles pertencem a este conjunto ?
(s) C: Sim z
P: Sim, ' porque eles são'AMArelos
tudo o que eu queria aqui são blocos em triangulo eles
pertencem aqui?// (mais rápido)
(t) N√O [::::::
Por que não// Eles são' TRIANgulos (registro de tom
mais alto)
Mas eles não são th/
(v) L:
você dev
Eu não me ' IMPORTO de que cor eles são aqui//
Se eles são ' TRIANGULOS é o que quero saber//
(x) C: Sim::::::::
sim sim
sim sim
assim eles podem pertencer a este / conjunto?//
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 402

sim sim sim não:::::::::::::


sim não não não
não
eles podem pertencer a ambos os conjuntos?//
(aa) C: N√O ::::::::
(gentilmente) não
P: Pare com isto (dirigindo-se a uma criança que se
balança para frente e para trás sentada na formação do
círculo)
(bb) D: SIM: (resposta errada)
(cc) P: VAMOS ' A: PREN: ER!/ (dirige-se à criança que
esteve se balançando para a frente e para trás. O balanço
para)
C: Eles pertencem a ' AMBOS os conjuntos ?// (dirige-se a
D)
(dd) sim sim
sim:::::::::a::::::::hN√O:// (mudança final para N√O: é a
resposta correta)
(ee) P: Por que não?// (dirige-se a Bobby e a todo o
grupo)
(ff) B: Poque eles também poderiam pertencer aqui
(Bobby toma um triangulo amarelo do conjunto de "
triangulos" e o coloca no conjunto " cor")
(gg) P:// ( A professora pega o triangulo amarelo e o
coloca de volta no conjunto de " triangulos")
Mas eles também poderiam pertenter 'aqui porque são
,triangulos (dirige-se a Bobby e a todo o grupo, caindo a
intonação em " triangulos")
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 403

(hh) C: S::IM (coro)


sim sim (falantes múltiplos começam a introduzir novos
comentários - - -[ o comentário para)
[ Alri// A-/ (levantam o dedo para responder)
(ii) P: Está bem é o suficiente//
Voltaremos a isto amanhã// (mais rápido, menos volume)
Estes blocos tem duas propriedades
(mais lentamente, mais alto, manuseando os blocos)
Eles pertencem a [ AMBOS os conjuntos//
B: [ Um::
Assim os intrelaçamos// (coloca a beirada de uma corda
sobre a outra)
e os colocamos aqui//
e esta é uma nova palavra/
É chamado uma IN
TER
SE
«√O
de conjuntos// ( ainda mais baixo, larga queda de
intonação)
e falaremos sobre isto mais tarde
…está quase na hora de ir para casa.
A fase de término começa (aqui uma mudança marcante de

postura ocorre. A professora que estava sentada inclinada

para frente até este ponto se senta com as costas para trás e

simultaneamente as crianças se movem para trás um pouco


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 404

para alargar a formação de círculo e se sentam. Falando mais

rapidamente a professora explica a "interseção de conjuntos"

novamente para outra criança que não Bobby).

Então ela esclarece a partir das respostas de Bobby sobre a

"interseção" em um cruzamento de trafego , demonstra a

analogia entre aquele tipo de interseção e os anéis

entrelaçados no chão (durante qual demonstração todas as

crianças olham novamente para os anéis), então diz as

crianças para colocarem os blocos em sua bolsa e coloca suas

cadeiras nas mesa. As crianças se dispersam, limpam e então

deixam a sala).

14. Discussão: Quando este exemplo começa a turma ainda está

em uma estrutura de participação do Tipo I. Porque um

falante falar enquanto outro está falando é uma "interrupção",

como é evidenciado pelas reações da professora à fala

sobreposta pelas crianças. Ela reage implicitamente e

explicitamente à fala sobreposta. No turno (a) a reação é

implícita. Quando a professora enfatizou a palavra "QUE" na

frase "o que decidimos, decidimos QUE", as crianças param


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 405

com a fala sobreposta instantaneamente. A enfatização em

QUE parece funcionar como uma dica implícita para as

crianças pararem de interromper. No turno (c) , porém, as

dicas da professora são explícitas. "Sh:::/SH!". Novamente, os

alunos param instantaneamente de sobrepor a fala. No turno

(e) a professora dirige um "Sh" a Bobby após ele ter

sobreposto sua fala. No turno (l) a professora emprega uma

dica não verbal para sancionar negativamente a ocorrência de

fala sobreposta - no instante em que o dedo da professora é

levado aos lábios as crianças param de falar. Dos turnos (a)

até (l) a professora tem estado consistentemente reforçando

uma arrumação conversacional do Tipo I como a estrutura de

participação pela qual o discurso da aula está sendo

conduzido.

Nas próximas poucas rodadas interrogativas a professora

continua a reforçar o princípio aparente "somente dois

falantes designados de cada vez".Então, exatamente antes do

ponto de clímax instrucional da aula (que chega logo antes da

transição para a fase final de término/limpeza), a professora


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 406

faz algo diferente do que vinha fazendo anteriormente

durante a fase de instrução focalizada. Agora (turnos n - hh) a

professora não mais reforça o princípio de "dois falantes

primários".

O clímax instrucional da aula - sua "linha" conceitual -

envolve a noção de "interseção de conjuntos" que é anunciada

com ênfase pela professora no final do turno (ii) no exemplo: "

e isto é uma nova palavra// É chamado uma in

ter
seção
de
conjuntos
(em uma entrevista, a professora disse que o propósito da

aula era introduzir este novo conceito. Nas rodadas

interrogativas que levavam ao clímax a professora revê as

noções de conjunto e propriedade dos conjuntos colocando

blocos dentro de dois anéis de corda no chão. Um conjunto

consiste de blocos de formatos variados que são todos

amarelos [a propriedade de conjunto de cor]. Outro conjunto

consiste de triângulos. A maioria dos blocos triangulares é


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 407

verde, mas alguns triângulos são amarelos. Eles pertencem ao

conjunto triângulos de acordo com a propriedade de forma,

mas pertencem ao conjunto amarelo de acordo com a

propriedade de cor. Os triângulos amarelos que parecem

anômalos podem ser computados sobrepondo-se as beiradas

dos dois anéis de corda uma sobre a outra e colocando os

triângulos amarelos neste recém criado espaço, que é uma

interseção de conjuntos; uma abstração lógica concretamente

manifestada em uma arrumação de blocos e cordas.)

No início do turno no qual ela dá a linha conceitual (turno ii),

a professora começa a reforçar novamente o princípio de

"somente dois falantes designados de cada vez", como ela

havia feito durante a primeira parte da fase de instrução

focalizada. Mas nos 20 turnos imediatamente anteriores a este

ponto do clímax instrucional, a professora não reforça o

princípio "dois falantes designados de cada vez". Isto pode

ser visto nos conjuntos de turnos adjacentes (t-u-v), (w-x-y),

(y,z) e (aa-bb). No primeiro destes casos (t-u-v) a professora

se sobrepões à turma e então responde a uma pergunta


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 408

iniciada por um falante não designado. A professora

responde à pergunta da criança e o faz sobrepondo a fala do

que pergunta. A criança que faz a pergunta é a mesma cuja

tentativa de fazer uma pergunta alguns momentos antes no

turno (b) foi sancionada negativamente pela professora com

um "SH::::". Aparentemente no ponto dos turnos (t-u-v), o

princípio de alocação de turno anteriormente invocado havia

sido temporariamente suspenso. Nos próximos turnos a fala

da professora é sobreposta pela das crianças (turnos x-y-z) e a

fala das crianças é sobreposta pela da professora, ainda que a

professora não reaja à sobreposição como se fosse interrupção.

Isto também pode ser visto nos turnos (cc-dd). Ali a pergunta

da professora é sobreposta pela resposta, dita por vários

indivíduos e por um coro, enquanto a professora está

engajada em dirigir a pergunta a um único indivíduo, Carol,

que é designada como respondedora pelo olhar da professora

e pelo aceno de sua cabeça em direção a Carol. Não somente

a professora não sanciona negativamente a fala sobreposta

das crianças dando a resposta à pergunta dirigida a Carol,


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 409

mas o comportamento da criança que a professora sanciona

negativamente no mesmo turno (dizendo VAMOS

APRENDER) é o comportamento cinético (balançar-se para a

frente e para trás) ao invés do comportamento de fala. O

"VAMOS APRENDER" diretivo pode ser interpretado como

evidencia de que a professora ainda está reforçando alguns

padrões de adequação na participação das crianças - ainda

existem para a professora alguns limiares de atividade além

dos quais as crianças estão fazendo demais - mas os limiares

mantidos são aqueles que envolvem comportamento não

verbal. Os limiares para o comportamento de sobrepor a fala

além dos quais as crianças estão interrompendo verbalmente

não parecem mais se aplicar.

Em resumo, neste ponto da aula, a professora age como se o

que chamamos estruturas de participação de Tipos III-A e III-

B fossem modos legítimos de alocar turnos, através de chãos

conversacionais de camadas múltiplas. Momentaneamente,

algumas das restrições sobre a fala sobreposta foram

afrouxadas. Então elas estão de volta ao lugar. Quando a


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 410

professora começa o turno (ii) ela leva o dedo aos lábios e

repete as primeiras sílabas da primeira palavra da próxima

frase "Alri-//A-//Certo, isto é tudo." Quando ela diz isto, as

crianças (que estiveram se sobrepondo uma à outra e à

professora no turno anterior) param de salpicar sobreposições

a partir daquele turno. Daí até a fase de limpeza começar,

quando as crianças começam a sobrepor a fala a professora as

pára dizendo "SH::" levantando seu dedo aos lábios ou

usando enfatização e pausa antes de continuar o que ela

estava dizendo, como no turno (a), durante uma fase anterior

da aula:

P: O que decidimos, decidimos QUE] // estes blocos


(Começa o riso - - - - - - -para]
Todos têm a propriedade...
Um problema constante de administração de grupo para a

professora no início do ano é as crianças "entrando" como

falantes/ouvintes secundários enquanto um diálogo está

sendo conduzido durante uma aula por dois falantes/ouvintes

primários. Esta "entrada" ocorreu não somente em aulas de

matemática, mas em outros contextos instrucionais de grupos


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 411

grandes. Em contraste, a participação por "entrada" era

freqüentemente apropriada para aquelas crianças em casa,

como pode ser visto pela transcrição de uma das conversas de

jantar gravadas em vídeo tape na casa de Bobby, que foi um

dos respondedores designados na transcrição da aula acabada

de apresentar.

15. Exemplo de conversa durante o jantar


Cena: Hora do jantar em uma cozinha em um lar ítalo-
americano. Os quatro filhos, a filha, a mãe e um dos
pesquisadores estão sentados na mesa de jantar
colocando a comida nos pratos. O pai está na pia da
cozinha lavando as mãos.
(a) Filho mais velho: O que há além de galinha e...
cenouras...para a refeição..
(b) Filha: Sobremesa? (A mãe se levanta para começar
a servir a comida a suas crianças. Quando o filho mais
velho faz sua pergunta, a filha interrompe em uma voz
alta, de tom alto para perguntar sobre a sobremesa. Ela
olha para a mãe que está andando a volta da mesa.
Todos os outros estão olhando para seus pratos.)
(c) Mãe: (Ininteligível)
(d) ALGUMA SOBREMESA? (Não obtendo resposta
para sua pergunta inicial, a filha a repete novamente,
elevando o volume de sua voz quando o faz.)
(e) Mãe: Sim
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 412

(f) Filha: Oh.


(g) Mãe: Você não tem que gritar. (A mãe continua a
servir a comida nos pratos a suas crianças enquanto anda
em torno da mesa. O resto da família está concentrado
em seus pratos.)
(h) Filha: Sim, eu tenho.
(i) Filho: (Ininteligível)
(j) Filha: Sim, você é (dirigida a filho)
(k) Pesquisador: É uma sobremesa fantasia feita pela
criança Julia
Filho: (Ininteligível) (O pai fecha a água e enxuga suas
mãos enquanto anda para a mesa. O pesquisador esfrega
suas mãos e sorri enquanto faz seu comentário.)
(l) Mãe: Feita por...
(m) Pai: Onde ela está , onde ela está? (O pai fica de pé
junto da mesa enxugando suas mãos e se junta à
conversa pela primeira vez.)
(n) Mãe: O que não é ela?
(o) Pesquisador: Julia Grown up. (enquanto enrola suas
mangas da camisa)
(p) Filho mais velho: A melhor//
(q) Mãe: Barulhento? (?)
(r) Filho mais velho: As melhores sobremesas são feitas
por minha mãe.
(s) Pesquisador: (ri) Pai: Alguma, alguma sobremesa?
Toda noite
a mesma coisa.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 413

(t) Mãe: (ininteligível) (Várias pessoas estão agora


falando ao mesmo tempo. O pai repete a pergunta de
sua filha, imitando sua entonação e volume alto.
Quando ele faz isto a filha e o pesquisador levantam seus
olhos e o seguem com o olhar enquanto ele anda de volta
para a pia para colocar de volta o pano de pratos.)
(u) Filho mais velho: As melhores sobremesas são feitas
por minha mãe. (O pesquisador se volta para olhar para
o filho mais velho e a mãe volta para seu lugar do outro
lado da mesa mas ainda não se senta. Ela continua a
servir a comida nos pratos.)
(v) Pesquisador: Eu vejo.
(w) Filho: Certo.
(x) Mãe: Oooh.
(y) Filho: Você faria melhor em experimentar algumas
cenouras. (O pai volta da pia para a mesa)
(z) Filho mais novo: E as me:lhores sobremesas são...
(aa) Pesquisador: Um comercial (referindo-se ao elogio
do filho à sobremesa da mãe)
(bb) Mãe: (nome da filha) você não vai comer cenouras?
(A mãe se senta e olha para a filha quanto lhe pergunta
sobre as cenouras.)
(cc) Filha: Mm, mm. (O ruído no aposento caiu
significativamente. Somente uma pessoa está falando de
cada vez.)
(dd) Mãe: N√ããO?
(ee) Uh, uh, uh. (O pai se senta e a filha se volta para a
camera de video.)
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 414

(dois segundos e meio de silencio)


(ff) Pai: O que ela não quer ? (O pai que acabou de se
sentar se junta à conversa entre a mãe e a filha.)
(gg) Mãe: Cenouras.
16. Discussão: O exemplo do jantar ocorrido na fase de

preparação estava terminando e a fase de foco estava

começando. Quando a comida estava sendo servida em torno

da mesa, a filho mais velho fez uma pergunta em relação à

refeição (linha a). A filha entrou com uma pergunta própria

sobre a sobremesa (linha b). A mãe respondeu à pergunta da

filha e a conversa até então era do Tipo I. Na linha (j) o

pesquisador, que se juntou à família para o jantar , trouxe

novamente o tópico da sobremesa e neste momento abriu as

portas do fluxo que levaram a uma conversa do Tipo III-B. Da

linha (k) até a linha (aa) os membros da família entraram com

comentários com relação à qualidade das sobremesas feitas

pela mãe e comentários sobre Julia Child. Esta entrada, com

várias pessoas falando ao mesmo tempo (como na linha (n)

até a linha (t)) é característica das conversas do Tipo III-B.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 415

Na linha (bb), a mãe perguntou à filha se ela ia comer

cenouras. Quando ela fez isto, os outros participantes no

jantar ser envolveram no ato de comer e a característica de

entradas da conversa anterior parou. O nível de ruído no

aposento caiu consideravelmente, e de fato, houve dois

segundos e meio de silencio que ocorreram entre a linha (ee) e

a linha (ff). Esta foi a primeira vez desde o início do jantar em

que ninguém estava falando. O padrão uma pessoa falando

de cada vez, entremeado por momentos de silencio , como é

encontrado na linha (bb) até a linha (gg) é característico das

conversas do Tipo I. As conversas nas quais somente uma

pessoa estava falando de cada vez continuaram na maior

parte do restante da parte focalizada do jantar.

Como pode ser visto da transcrição, a transição de uma

conversa do Tipo I para uma conversa do Tipo III-B e de volta

a uma conversa do Tipo I foi feita suavemente e sem nenhuma

influencia pelos participantes no jantar. Não houve menção

explicita de que mais de uma pessoa estava falando ao mesmo

tempo, e o único tipo de comportamento verbal que foi


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 416

negativamente sancionado foi o volume das perguntas da

filha nas linhas (b) e (d). A conversa durante o jantar incluiu

muitas mudanças de um tipo de conversa para outro, sem

muito trabalho de administração conversacional sendo feito

explicitamente por nenhum dos participantes. Isto está em

contraste direto com o exemplo de transcrição da aula de

matemática apresentado anteriormente, onde a professora faz

muito mais administração, como conduzindo uma orquestra,

para indicar o tipo de conversa que é permissível no

momento.

17. Conhecimento interacional de crianças e professores em casa e na


escola
Um aluno em uma aula de matemática, na transição entre a

fase preparatória da aula e a fase instrucional focalizada, pode

interpretar o que está acontecendo em termos das normas de

interação que ele ou ela usa em casa e pode decidir o tipo de

comportamento que é provável ser considerado apropriado

em casa. Porém, durante a aula de matemática, é percebida

uma quebra da etiqueta interacional e é negativamente

sancionada pela professora.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 417

Assim não é suficiente para uma criança na sala de aula saber

qual fase constituinte de um evento ele ou ela está e como se

comportar adequadamente de acordo com as normas de sala

de aula para interação. O estágio preparatório do jantar

coloca questões interacionais sobre a criança diferentes das do

estágio preparatório da aula de matemática. Uma criança que

vai à escola pela primeira vez pode cometer erros relativos às

normas de sala de aula para interação por que as estruturas de

participação e fases constituintes estão combinadas na sala de

aula quando contrastadas com a maneira que são combinadas

em casa. Uma situação em casa na qual mais de uma

conversa é permitida pode aparecer como uma situação na

sala de aula na qual somente uma conversa com o professor

como o foco é a norma. Mas exceções a este princípio geral

podem ocorrer também.

Durante certas atividades, o professor pode permitir que os

alunos usem a escala total de estruturas de participação que

usam em casa. Isto foi especialmente verdade para a subfase

de clímax da aula. É durante tais ocasiões que aos alunos é


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 418

permitido usar as estruturas de participação do Tipo III -

aquelas que são mais como de casa e menos como de escola de

todos os modos de levar a efeito conversas. Permitir o uso de

uma larga escala de estruturas de participação pode ser

adaptativo para o professor. No lugar mais crucial do

ambiente de tarefa cognitiva da aula ele "abre" a estrutura

organizacional da aula a modos de agir que são culturalmente

congruentes com os modos de agir aceitáveis em casa. Ao

contrário, a "abertura" pelo professor da ordem social em

direção da relatividade cultural em tais momentos pode

causar má adaptação. As crianças novas na sala de aulas

podem ficar confusas por esta semelhança de inconsistência e

isto pode ser porque elas tentam usar as estruturas de

participação Tipo III em outras ocasiões durante o dia escolar

quando tal comportamento é reagido como inadequado pelo

professor. É necessária mais pesquisa para desenvolver esta

idéia. Existe, porém, considerável evidencia emergindo de

nosso próprio trabalho com professores nativos americanos e

alunos (VAN NESS 1977; ERICKSON & MOHATT 1982) e o


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 419

do Programa de Educação Elementar de Kamehameha no

Havaí (AU 1979; AU & JORDAN 1981) sugerindo que

adaptações mínimas pelos professores na direção de

estruturas de participação que sejam culturalmente

congruentes com as tradições comunicativas que governam a

interação das crianças em casa podem não somente não

interferir com a aprendizagem das crianças em sala de aula,

mas podem facilitar tal aprendizagem. Tal adaptação cultural

pelos professores não é ao nível de conteúdo acadêmico - isto

é, ensinar sobre cultura formal, herança cultural e heróis do

grupo cultural - mas ao nível do processo interacional e sua

consciência exterior informal, estrutura de regra "

transparente" - ao nível da "cultura invisível" como PHILLIPS

(1975) o colocou tão habilmente.

17. Implicações para os professores


Estudar a interface entre o lar e a escola como é manifestada

nas demandas interacionais diferentes de estruturas de

participação tem muito a dizer aos professores preocupados

com o estruturamento dos ambientes escolares para


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 420

aprendizagem e com a obtenção da atuação dos alunos.

Nossas descobertas preliminares sugerem um paradoxo

interessante. As diferenças em etiqueta interacional obtidas

entre o lar e a escola criam uma situação na qual a

escolaridade de qualidade parece estar diretamente

relacionada com o reconhecimento pela escola de que não é a

única força educativa na vida da criança. O reconhecimento

da existência e legitimidade de sistemas de aprendizagem

diferentes de etiqueta interacional leva à aceitação da

existência e legitimidade das culturas não escolares nas quais

alguns daqueles sistemas são aprendidos. Tal

reconhecimento também leva a um desejo por parte dos

educadores de pensar em termos de tipos de competência

diferentes que mudam sistematicamente de situação para

situação, ao invés de pensar em "incompetência” ou

"deficiência".

Praticamente falando, pode acontecer ser o caso em que

professores podem se tornar bem diretamente e

comportalmentalmente envolvidos em facilitar as


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 421

dificuldades que resultam de diferenças em contextos

interacionais em casa e na escola. Certamente os exemplos

mencionados aqui para o estudo de Odawa e para o Projeto

de Educação Elementar de Kamehameha atestam que o

processo interacional pode ser renegociado nas salas de aula,

ou para acomodar os estilos que as crianças trazem com elas

para a escola ou para comunicarem com maior consistência e

clareza as demandas interacionais de tarefas de aprendizagem

às crianças quando contrastadas com tarefas mais familiares e

aparentemente similares executadas em ambientes de

aprendizagem menos formais. Foi ainda sugerido que tal

sensibilidade e clareza, vindo da análise cuidadosa das

interações que constituem tipos diferentes de tarefas de

aprendizagem, poderiam ser aplicadas à empresa de

avaliação - assim tornando as situações de testagem escolar

mais "ecologicamente válidas" também (COLE, HOOD &

MCDERMOTT 1978).

Porém, seria temerário simplificar as implicações deste tipo de

pesquisa ou generalizar de tais estudos de caso único


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 422

inadequadamente para muitas salas de aula do mesmo ano,

muitas crianças da mesma idade ou muitas famílias do

mesmo grupo étnico. Como foi mencionado anteriormente, as

diferenças estilísticas culturais de interesse obtidas aqui, não

somente nos níveis "macro-culturais" de grupo étnico ou

vizinhança, mas existem também diferenças importantes e

sistemáticas na etiqueta interacional aos níveis mais "micro-

culturais" também - de sala de aula para sala de aula dentro

da mesma escola, de família para família dentro da mesma

vizinhança.

Os professores bem intencionados que reconhecem e

valorizam as diferenças estilísticas como parte da riqueza e

diversidade da vida americana ainda se encontram

diariamente tendo que organizar grupos para o propósito de

aprendizagem acadêmica. Até contra uma escala de variações

estilísticas trazidas de casa pelas crianças, os professores

podem não estar em uma posição de decidir - particularmente

na atividade de sala de aula de momento a momento - que


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 423

diferenças mínimas no comportamento interacional vão

facilitar a participação para quais crianças.

Se pensamos sobre os tipos de atividades em que os

professores se engajam como parte de seu papel, porém,

começamos a ver os modos de conhecimento sobre tais

variações culturais de estilo (e o requisito competência

interacional subjacente a elas) pode enriquecer a prática do

ensino e pode enriquecer também a consecução a auto-

conceito do aluno. De suas observações eles desenvolvem

hipóteses sobre as crianças - hipóteses sobre a competência da

criança e sobre os tipos de atenção especial que elas podem

necessitar. Os professores são assim planejadores. Eles

pensam sobre o que acontecerá amanhã à luz do que

aconteceu hoje. Os professores pensam sobre indivíduos, eles

pensam sobre montes de indivíduos em grupos de atividade e

pensam sobre os ambientes de tarefa cognitiva nos quais

aqueles indivíduos e grupos irão trabalhar. Em resumo, os

professores são clínicos no sentido que estão continuamente

observando, fazendo julgamentos sobre o que foi observado e


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 424

planejando e agindo de acordo com aqueles julgamentos.

Assim a atividade de ensino segue de um modo enraizado e

interativo.

Os insights sobre o fazer sentido interacional dos alunos e

sobre os possíveis conflitos entre aqueles modos de fazer

sentido e os modos de fazer sentido usados pelo professor

podem contribuir para um tipo de teoria clínica sobre ensino e

aprendizagem que é potencialmente mais compreensiva que a

que se obtém no estado atual da arte. Quando os professores

têm a oportunidade de pensar mais largamente sobre seus

alunos como aprendizes eles logo descobrem que a

aprendizagem ocorre em outros locais que não a escola, e que

o grupo social é uma força educativa poderosa na maior parte

das situações de aprendizagem na vida de uma criança. Estes

insights podem enriquecer a tomada de decisões do professor

sobre os alunos e seu progresso bem como sobre a

organização das tarefas de aprendizagem na escola. Quando

não se está ligado a ou uma teoria sobre a atuação da criança

na escola que repousa inteiramente na "personalidade"


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 425

hipotética da criança ou em uma teoria sobre currículo e

administração dentro da sala de aula, se começa a ver que o

que está realmente em questão é a interseção de tais fatores

como diferença individual (física, psíquica, cultural), a

estrutura das tarefas acadêmicas e do ambiente social no qual

elas são executadas, e o aspecto muito especial do "ambiente

de tarefa sócio-cognitivo" que é criado quando as pessoas que

diferem em experiências de vida e padrões culturalmente

aprendidos de expectativas são juntadas em grupos face a face

para o propósito de execução de tarefas.

Tal visão compreensiva dos processos e forças que operam me

qualquer interação de sala de aula assegura ao professor que

ele ou ela não é inteiramente responsável pelas coisas que

saem errado para crianças individuais e para grupos de

crianças. Simultaneamente, porém, a identificação da escala e

diversidade de influencias que agem na experiência escolar

das crianças coloca em grande relevo os tipos de coisas pelas

quais um professor pode ser responsável quando ele/ela

planeja a vida de sala de aula das crianças. O reconhecimento,


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 426

por exemplo, que uma fonte de inferências poderosa e

freqüentemente tácita sobre a competência intelectual das

crianças, sua atuação interacional, pode não apontar

diretamente para mudanças no comportamento de ensino que

tornaria mais fácil para as crianças "atuar" de modos mais

apropriados à escola. O que é realmente de interesse e

potencialmente mutáveis são os critérios dos professores para

decidir o que constitui atuação "competente" e em que

terrenos pode ser inferido pelo professor que a atuação das

crianças "faz sentido". O simples reconhecimento de que

algumas crianças "interrompem" não por teimosia ou

permissibilidade, mas por causa da incongruência entre

professor e alunos em tradições comunicativas que definem os

modos apropriados de organizar a troca de termos de fala nas

conversas, pode introduzir um ingrediente extra importante

na lógica prática do professor para o estabelecimento informal

- como o professor decide se os interruptores são de fato

"crianças problema" ou não.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 427

Similarmente, o reconhecimento da complexidade interacional

da interação de grupo - particularmente quando aquela

interação é complicada por diferenças culturalmente

estilísticas entre interatores - introduz uma dimensão

acrescentada à concepção do professor de tarefa de

aprendizagem escolar. Repentinamente a carga cognitiva é

vista como muito mais pesada para as crianças - obedecer a

turnos, por exemplo, envolve monitoramento contínuo da

situação de aula e formação de estratégia sobre a atuação

interacional pelas crianças e pelo professor. Estas atividades

acontecem além da agenda acadêmica estabelecida do grupo,

tal como maestria de fatos matemáticos ou leitura de uma

história pela primeira vez.

Os insights da pesquisa nas interfaces entre o lar e a escola

ressaltam que (a) as crianças são potencialmente mais

sensíveis do que se poderia pensar se observadas somente em

suas atuações interacionais em situações limitadas de sala de

aula; (b) as tarefas de aprendizagem de sala de aula são

eventos mais complicados e exigentes do que se poderia


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 428

pensar, com um "consenso de trabalho" de padrões de

comportamento adequado que mudam através e dentro das

estruturas de participação como uma parte de se obter

atividade acadêmica executada; e (c) as mudanças no

pensamento do professor sobre a competência da criança e a

complexidade interacional dos ambientes de tarefa pode

informar o planejamento e estabelecimento - talvez a um

nível ultimamente mais significativo do que meras mudanças

em "comportamentos de ensino" analiticamente isolados

hipotetizados como associados com mudanças em

comportamentos ou resultados isolados do aluno. Finalmente

tal teoria cultural/interacional sobre o ensino e tal método

para a análise situacional da ação dos pontos de ensino real

para as muito poucas mas potencialmente poderosas áreas

nas quais os professores podem efetuar mudanças nas vidas

dos alunos. Praticamente falando, dentro de uma escola, ou

em uma sala de aula, não muito pode ser feito para mudar a

raça ou etnicidade de uma criança ou sua primeira língua

(nem se pode discutir em terrenos éticos, se tais atributos das


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 429

crianças devem ser mudados ou ignorados). Dentro da sala

de aula, não se pode fazer muito para mudar um estado

neurológico de uma criança ou mudar o tipo de vida de

família que ele ou ela tem. Estes são alguns dos dados com os

quais as crianças entram na sala de aula. Algumas destas

coisas podem e devem ser mudadas, mas isto que deve ter

lugar na "sociedade maior”, que não é onde as crianças e

professores estão a cada manhã de Segunda-feira. Mas de vez

em quando, os professores podem fazer muito sobre

estruturar a vida de sala de aula e sobre monitorar a atuação

de indivíduos e grupos daí. Além disto, os professores

podem enriquecer a prática convencional de observação da

atuação da criança procurando evidencias do fazer sentido da

criança, que irá mudar os modos de pensar do professor sobre

o que a criança sabe e faz, e como ela o faz. Focalizando o

"como" da interação bem como o "que" dela, quando a vida

diária está acontecendo na sala de aula, os professores podem

aprender a pensar de maneiras enriquecidas sobre as crianças

com quem trabalham apesar - quase em virtude de - as


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 430

variações estilísticas possíveis nas atuações interacionais das

crianças dentro da riqueza e diversidade de suas vidas reais

fora e dentro das escolas.

18. Notas
1. Por causa de suas conotações infelizes no uso científico de

outras pessoas evitaremos daqui em diante usar o termo

"competência". Porém, porque "competência comunicativa"

ser tão importante como conceito em nosso campo

especializado de estudo, achamos melhor definí-la em alguma

extensão de modo que a maneira que a interpretamos não seja

mal interpretada.

2. Algumas vezes os vídeo tapes foram vistos junto com

alguns dos participantes das cenas que foram gravadas.

Observamos as fitas de aulas com o professor de classe em

sessões de visão e as discutimos com ele. Não fizemos isto

com os pais e crianças nas duas famílias cujos jantares foram

gravados (teria sido desejável fazer isto, mas o tempo e

restrições financeiras nos impediram de fazê-lo). Fomos

observadores participativos na escola e no lar, e em dois dos


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 431

três jantares gravados e analisados, dois de nós (FLORIO &

ERICKSON) foram participantes ativos nas refeições (um de

nós comia enquanto o outro operava a câmera e então na

metade do jantar mudamos os papéis). Além disto, um

membro do grupo de pesquisa (FLORIO) é um ítalo-

americano e foi criado em uma comunidade de fala similar

àquela que as famílias que estudamos pertenciam.

3. Existem oito combinações possíveis dos aspectos

distintivos. Seis delas são apresentadas na figura 3. As únicas

duas que não são (- + e -++) seriam os casos nos quais não

mais de uma pessoa estava falando e havia mais de um chão

conversacional. Embora esta combinação de aspectos

distintivos seja teoricamente possível não é logicamente

possível já que seria difícil dizer que havia de fato dois chãos

conversacionais quando somente uma pessoa estava falando.

As únicas vezes em que isto ocorreu seria em uma pausa em

uma das conversas e estas pausas, se a conversa fosse

continuar, tenderiam a ser de muito curta duração. As


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 432

estruturas de participação descritas nesta tipologia assim

exaurem todas as combinações lógicas destes aspectos.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 433

Capítulo 9

Transformação e sucesso escolar: a política e cultura do êxodo


educacional
Frederick Erickson

Entre as várias explicações para o baixo resultado dos alunos

provenientes de grupos minoritários encontram-se as

relacionadas à diferença cultural entre professor e aluno e à

baixa motivação dos alunos, que decorre do cinismo com que

vêem suas oportunidades no mercado de trabalho. Tais

explicações são comparadas, criticadas e reconsideradas em

termos da teoria social crítica, mais especificamente, em

termos da teoria da resistência. O artigo considera a

legitimidade reconhecida da escola e dos seus professores e o

desenvolvimento da cultura de oposição pelos alunos. A

transformação da prática educacional rotineira é necessária, e

a pedagogia culturalmente sensível é um meio de

transformação.
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 434

Palavras-chave: pedagogia culturalmente sensível, êxito dos

alunos provenientes de grupos minoritários, teoria da

resistência, cultura de oposição.

Há numerosas explicações para o resultado escolar

geralmente baixo dos alunos provenientes de grupos

minoritários e de classes trabalhadoras nas escolas nos

Estados Unidos e em outras sociedades desenvolvidas. Uma

explicação comum tem sido a do déficit genético -- crianças

pobres de cor ou de base cultural lingüística minoritária têm

sido consideradas como inerentemente inferiores, intelectual e

moralmente, a crianças de classe média. Nos anos sessenta,

entre os educadores profissionais, as explicações de déficit

genético começaram a ser substituídas por explicações de

déficit cultural. A nutrição substituiu a natureza como a

principal razão para o fracasso escolar. Argumentava-se que

as crianças provenientes de grupos minoritários não obtinham

bons resultados porque não viviam num ambiente

cognitivamente estimulante (BEREITER & ENGELMAN 1966;

DEUTSCH et al. 1967; HESS & SHIPMAN 1965). Sua língua e


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 435

estilo de vida eram intelectualmente empobrecidos. Elas eram

consideradas " culturalmente.

À medida que a antropologia da educação tornava-se um

campo independente, em meados dos anos sessenta, os

pesquisadores desta área iam ficando geralmente estarrecidos

com o etnocentrismo da explicação do déficit cultural. Ela não

é literalmente racista, como a explicação do déficit genético.

Porém parecia culturalmente preconceituosa. As crianças

pobres continuavam a ser caracterizadas ofensivamente não

só como carentes, mas também como corrompidas. A

explicação do déficit cultural parecia especialmente

repreensível a muitos porque seu etnocentrismo estava

encoberto pela legitimidade de ciência social. Várias críticas

foram apresentadas (e.g. BARATZ & BARATZ 1970;

VALENTINE 1968). Elas não receberam muita atenção na

comunidade de educadores profissionais, talvez porque a

explicação do déficit cultural era muito atraente, pois permitia

que os educadores, frustrados pelas dificuldades com crianças


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 436

provenientes de grupos minoritários, colocassem a

responsabilidade pelo

No final dos anos sessenta, antropólogos de orientação

sociolingüística identificaram no interior da escola um fator

que desempenhava papel importante no baixo rendimento

escolar e no ânimo dos alunos provenientes de grupos

minoritários. Este fator consistia na diferença no estilo de

comunicação entre professores e seus alunos. Esta era uma

posição culturalmente relativista. Não colocava a culpa nem

nas crianças pobres nem no estafe escolar. Antes, fornecia um

modo de encarar as dificuldades de sala de aula como falhas

inadvertidas de compreensão-- professores e alunos lidando

mutuamente com seus "buracos negros" culturais.

Em meados dos anos setenta, a posição sociolingüística

começou a ser fortemente criticada por OGBU (1978a, 1982).

Ele identificava a causa do fracasso escolar fora da própria

escola. Injustiças no acesso a emprego, ele argumentava, ao

longo de muitas gerações, tornaram os grupos minoritários

cínicos a respeito de suas oportunidades de vida na sociedade


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 437

americana. Eles transmitem este cinismo às suas crianças e

isto colabora para o fracasso escolar destas.

Neste artigo revejo a posição de orientação sociolingüística e a

de OGBU. Vou caracterizar a posição sociolingüística como

"Explicação do processo comunicativo" e a posição de OGBU

como "Explicação da percepção do mercado de trabalho".

Discutirei ambas as posições em termos de um quadro

referencial mais abrangente, no qual as duas linhas de

explicação podem ser consideradas complementares em

alguns aspectos, ainda que contraditórias em outros.

Considerarei também a natureza do fracasso e sucesso

escolares. Fracasso escolar nesta discussão será usado em dois

sentidos. Refere-se as maneiras reflexivas com as quais a

escola "trabalha" para reprovar seus alunos e as formas como

os alunos "trabalham" para não obter rendimento na escola.

Sucesso escolar é usado num sentido igualmente reflexivo,

como algo que tanto a escola como alunos fazem. Vou

concluir, argumentando que, sejam quais forem as razões do

fracasso escolar nas escolas, é necessário que os educadores


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 438

transformem as práticas rotineiras e os sistemas simbólicos

em suas próprias escolas, bem como trabalhem para modificar

a sociedade mais ampla. Mudar a sociedade é um objetivo

muito vasto, mudar as sociedades escolares é também um

objetivo amplo, pois envolve uma reorientação nas lutas

diárias da prática escolar de um trabalho coletivo que visa ao

fracasso para um trabalho coletivo que visa ao sucesso.

1. Tese: A explicação do processo comunicativo


Esta posição enfatiza o papel dos estilos comunicativos

verbais e não-verbais, culturalmente adquiridos, na explicação

dos altos índices de fracasso escolar dos alunos de status

socioeconômico baixo e base étnica e cultural minoritária. O

argumento consiste em que, especialmente nas séries iniciais,

se os professores e alunos diferem nas expectativas implícitas

com relação ao comportamento apropriado, eles se

comportam de tal maneira que cada um deles comete falhas

de interpretação. Suas expectativas são derivadas das

experiências fora da escola, naquilo que os sociolingüistas

denominam comunidades de fala (GUMPERZ 1972) ou, mais


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 439

recentemente, redes de fala. As redes são conjuntos de pessoas

que se associam estreitamente e que passam a compartilhar

suposições comuns sobre os estilos e usos apropriados de

comunicação. Modos de falar (HYMES 1974) culturalmente

distintos diferem de uma rede de fala para outra. As

fronteiras entre redes tendem a correr paralelas as linhas das

principais divisões sociais nas modernas sociedades de massa,

tais como classe, raça, etnicidade e base de língua materna.

Assim, muitas pessoas nos Estados Unidos pertencem à

mesma comunidade de língua, (i.e., conhecem o sistema

sonoro, a gramática e o vocabulário do inglês), mas são

membros de diferentes redes de fala (i.e.mantêm diferentes

suposições sobre as formas de se comunicar que demonstram

intenções funcionais, tais como ironia, sinceridade, aprovação,

preocupação positiva, atenção arrebatada, desinteresse,

desaprovação, etc. Ademais, outras diferenças culturais sutis

existem de uma rede para outra _ diferenças nas expectativas

em relação a quanto de emoção pode ser manifestado ou

sentido,ou quanto controle social exercido. Há diferenças na


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 440

arrumação preferida de uma sala, nos ornamentos pessoais,

nos estilos de roupas. Entretanto,como são os aspectos verbais

e não verbais do estilo interacional que têm sido mais

intensivamente estudantes na antropologia.

Diferenças culturais nos modos de falar e de escutar entre a

rede de fala da criança e a do professor, de acordo com a

explicação do processo comunicativo, levam a sistemáticas e

recorrentes falhas de comunicação na sala de aula. (HYMES

1972:xix-xxv). Por exemplo, se uma criança vem de uma rede

de fala na qual as perguntas diretas são evitadas porque são

consideradas intrometidas, quando o professor faz

rotineiramente perguntas diretas na sala de aula, a criança

pode ficar perplexa com o comportamento estranho do

professor e supor que ele está zangado. Se o professor vem de

uma rede de fala na qual espera-se que os ouvintes

demonstrem atenção por meio de contato direto de olhos e se

a criança vem de uma rede na qual é considerado impolido

olhar diretamente para o falante, o professor pode inferir que


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 441

a criança que o está escutando com o olhar desviado esteja

aborrecida, confusa ou zangada.

Na medida em que o comportamento de ambos os

participantes nestas interações rotineiras se reflete sobre a

situação, explicações culturais para o que está acontecendo

não ocorrem a eles. O professor tende a usar rótulos clínicos e

a atribuir traços internos ao aluno (ex. "desmotivado") em vez

de perceber o que está acontecendo em termos de diferenças

culturais invisíveis. Tampouco o professor vê o

comportamento do aluno como sendo interacionalmente

produzido - uma relação dialética na qual o professor está

produzindo, juntamente com os alunos, o próprio

comportamento que ele ou ela está considerando como

evidência de uma característica individual do aluno.

Considerando-se a diferença de poder entre professor e

estudantes, o que poderia ser visto como um fenômeno

interacional, para o qual tanto o professor quanto o aluno

contribuem, termina por ser institucionalizado como um


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 442

diagnóstico oficial da deficiência do aluno (MEHAN 1978,

1980, 1987.).

A explicação do processo de comunicação conta com

considerável apoio empírico. Estudos numerosos têm

documentado dificuldade interacional na escola primária

relacionada a diferenças culturais no estilo de comunicação

(e.g., BARNHARDT 1982, ERICKSON & MOHATT 1982 e

PHILIPS 1982, que relatam estudos sobre índios americanos

no Alasca, Norte de Ontário e Oregon; e Heath 1983,

MICHAELS & COLLINS 1984; PIESTRUP 1973, que relatam

estudos sobre americanos negros urbanos e rurais). Além

desses, BARNHARDT & HEATH, entre outros, foram além da

documentação da existência de dificuldade relacionada com

diferenças culturais. Eles também afirmam que a pedagogia

culturalmente sensível resultou em melhor aproveitamento

escolar e ânimo mais elevado do que o aproveitamento e o

ânimo típicos entre os alunos índios e negros na maioria das

escolas americanas. Deve-se enfatizar, entretanto, que a

relação entre diferença cultural na comunicação e


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 443

aproveitamento escolar real não está clara, pois a maioria das

pesquisas sobre diferenças culturais no estilo comunicativo

entre o lar e a escola não foi delineada para testar diretamente

uma relação de causa e efeito com aproveitamento escolar.

(Muitos etnógrafos argumentariam sem dúvida que tal

inferência não é possível em ciências sociais.).

Um conjunto de estudos (AU & MASON 1981) chegou o mais

perto possível da demonstração de uma conexão causal entre

os padrões de comunicação no discurso de sala de aula e

aproveitamento acadêmico. Este trabalho é parte de uma

pesquisa e esforços de aperfeiçoamento no Projeto

Kamehameha de Educação Elementar no Havaí (para

discussão, ver JORDAN 1985). Em experimentos controlados,

dois modos de ensino de leitura culturalmente distintos foram

realizados com havaianos nativos na primeira série. Numa

modalidade os alunos seguiram padrões anglos da cultura

dominante para a conduta de tomada de turno enquanto

discutiam estórias lidas. Estes padrões exigem que somente

uma criança fale de cada vez. Na outra modalidade permitia-


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 444

se aos alunos a sobreposição de turnos, isto é, que falassem

quando outros estavam falando. Isto permitia que os alunos

comentassem e desenvolvessem os comentários alheios. Fala

sobreposta desse tipo era característica de certas situações de

fala comuns na experiência dos alunos na vida da família e

comunidade, especialmente no evento denominado "conversa

sobre estórias”. A forma de ensinar que incorporava este

modo de falar pode ser considerada pedagogia culturalmente

sensível porque acomoda normas culturais comunitárias de

conversação.

Quando a conversa na aula de leitura era organizada na forma

de conversa sobre estórias, a participação dos alunos era

manifestamente mais entusiástica do que quando a

sobreposição de turnos de fala era proibida. Ademais, a

compreensão dos textos lidos, medida por testes aplicados

imediatamente após cada aula, foi marcadamente maior

quando o formato conversacional de conversa sobre estórias

foi usado pelos professores.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 445

Por que uma adaptação aparentemente tão simples, qual seja

a alteração da estrutura da mudança de turno na aula pode

melhorar o rendimento escolar de alunos provenientes de

grupos minoritários? Uma linha de explicação provém da

antropologia - a adaptação cultural pode reduzir o choque

cultural na sala de aula, permitindo que os alunos sintam-se

verbalmente competentes em modos de falar que lhes são

familiares, mesmo num ambiente estranho. Além disso, a

aceitação pela escola de maneiras de atuar que as crianças

usam numa modalidade de interação que é avaliada

positivamente em sua comunidade pode ser percebido

mesmo por crianças pequenas, em algum nível, como uma

afirmação simbólica delas próprias e de seu grupo pela escola.

Surge então a oportunidade de sentirem-se um pouco como

em casa, sentir que sabem o que estão fazendo e o que faz

sentido para os outros. Pode-se sentir assim que há segurança

na escola e que se é querido pela professora.

Outra linha de explicação vem da psicologia cognitiva e de

teorias de instrução de leitura cognitivamente orientadas.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 446

Usando-se uma organização conversacional familiar para

abordar a prática de conceitos e habilidades que não são

familiares (a leitura de um texto), a estrutura da tarefa

cognitiva como um todo se torna mais simples do que quando

tanto os aspectos organizacionais da tarefa quanto os aspectos

organizacionais do conteúdo acadêmico da tarefa não são

familiares. Desta forma os alunos podem concentrar o esforço

mental na leitura e não na leitura e na fala simultaneamente.

Além disso, a natureza da conversa sobre estórias, na qual os

participantes repetem e ampliam as idéias uns dos outros

torna apropriado o ambiente conversacional para o tipo de

leitura que está sendo solicitado das crianças - "compreensão"

de sentenças completas e até de unidades do discurso maiores

no texto escrito, o que contrasta com a "decodificação" de

unidades textuais menores, tais como as combinações

letra/som, morfemas e palavras. Quando os alunos falam

simultaneamente sobre o sentido da estória, ecoando uns aos

outros e acrescentando idéias na conversa tipo dagwood

sandwich de muitas camadas, podem, pela própria repetição e


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 447

sobreposição de sua fala, fornecer mutuamente um apoio

cognitivo construído um para o outro. Esta forma de

conversação pode tornar mais fácil para os alunos captar a

idéia da estória do que se essas idéias fossem desfiadas um a

um, numa maneira mais linear com menos repetições.

Em suma, a explicação do processo comunicativo parece

razoável. É garantida pela teoria antropológica e psicológica e

por evidência empírica. Voltemo-nos agora para o que tem

sido apresentado como uma explicação competitiva para o

sucesso e o fracasso escolares.

2. Antítese: a explicação da percepção do mercado de trabalho


Esta posição, articulada por seu principal proponente, John

OGBU (1974, 1978a, 1982, 1987b) defende que a principal

razão para o baixo rendimento de muitos alunos provenientes

de minorias nos Estados Unidos é que esses alunos (bem

como seus pais e companheiros) estão convencidos de que o

sucesso escolar não vai ajudá-los a quebrar o ciclo de pobreza

que atribuem ao racismo endêmico na sociedade americana.

Tais alunos fazem parte do que OGBU chama de grupos


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 448

minoritários que formam castas (e.g. negros, chicanos, porto-

riquenhos) que há gerações vivem nos Estados Unidos em

situação de opressão. Esses grupos distinguem-se de grupos

imigrantes minoritários que não têm sofrido opressão ao

longo de muitas gerações (punjabis e asiáticos do sudeste). Os

membros dos grupos minoritários que formam castas, de

acordo com OGBU, partilham uma perspectiva fatalista -

jamais haverá empregos (por causa do racismo), então por

que se esforçar para ter êxito na escola? OGBU considera os

membros de grupos minoritários imigrantes mais otimistas a

respeito de suas chances na sociedade americana. As coisas

podem ser ruins ali, mas não tão ruins como na velha pátria.

As pessoas de grupos imigrantes minoritários nos Estados

Unidos podem ainda estar comprometidas com sua herança

étnica, no entanto vêem os Estados Unidos com uma luz

basicamente positiva. Já que as condições nos Estados Unidos

são melhores que as condições extremamente negativas que

deixaram ao partir de seus países de origem, os imigrantes

vêem a América, apesar de suas deficiências, como sendo a


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 449

terra da oportunidade para eles. Em conseqüência os alunos

oriundos de minorias imigrantes e seus pais acreditam que o

esforço devotado ao sucesso escolar será recompensado com

um emprego futuro, Os alunos persistem em seu trabalho

escolar, encorajados por seus pais, e esta persistência explica

seu sucesso na escola.

A explicação do mercado de trabalho é bem fundamentada.

Em primeiro lugar, parece haver apoio empírico que a

sustenta. Dados demográficos sobre rendimento escolar em

comunidades mistas (OGBU 1987b) indicam que os

estudantes provenientes de minorias domésticas têm

desempenho inferior àquele dos alunos de minorias

imigrantes. De fato, alunos dessas minorias, que provêm de

grupos domésticos minoritários, em seu país de origem, em

alguns casos parecem ter melhor desempenho escolar nos

Estados Unidos que alunos nas mesmas condições no país de

origem.

Parece haver também evidência que vai além da pesquisa

formal. O recente e espetacular sucesso em escolas americanas


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 450

de muitos alunos que foram refugiados do Sudeste Asiático

tem sido mencionado na imprensa e no debate político como

evidência que alunos culturalmente diferentes, cuja primeira

língua não é o inglês, podem ser bem sucedidos na escola sem

auxílio especial de programas educacionais bilíngües ou

multiculturais. Estudantes asiático-americanos representam

uma proporção sempre crescente da população graduada nas

universidades americanas. Isto também tem sido apontado

como evidência de que a diferença cultural não é

necessariamente uma barreira para o sucesso escolar.

A evidência demográfica apresentada por OGBU parece ter

sustentação em estudos etnográficos de caso de grupos

imigrantes minoritários. Por exemplo, um estudo de

imigrantes punjabis numa pequena cidade na Califórnia

(GIBSON 1987b) relata que, a despeito das diferenças

lingüísticas e culturais entre o lar e a escola, e do estigma

aberto que sofrem os alunos punjabis na escola secundária,

esses alunos tiveram notas mais altas, aferidas na formatura e

melhor desempenho acadêmico que os alunos provenientes


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 451

de minorias domésticas no mesmo sistema escolar. Estudos

análogos de caso foram conduzidos em outras comunidades

étnicas imigrantes.

A explicação do mercado de trabalho pode também ser

justificada por sua força teórica. É abrangente em seu alcance,

reunindo fenômenos em diversos níveis de organização social.

A análise de OGBU mostra como as condições de mercado de

trabalho podem ser relacionadas com as decisões locais de

indivíduos na vida diária, mediadas por percepções

socialmente partilhadas e derivadas da experiência de

membros de um grupo social que constitui um grupo

doméstico ou uma comunidade étnica minoritária imigrante.

A explicação relaciona a ação e o pensamento coletivos com a

situação de indivíduos no nível da escola e comunidade

locais, a sociedade mais ampla e a economia política.

Em suma, tanto no campo teórico como no empírico, parece

que a explicação da percepção do mercado de trabalho para o

fracasso escolar tem sustentação. Porém também o tem a

explicação do processo comunicativo. As duas posições não


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 452

são mutuamente exclusivas. OGBU, entretanto, tem

repetidamente sustentado que elas o são, argumentando que a

explicação do mercado de trabalho é fator bem mais poderoso

(OGBU 1982). O autor distingue diferenças culturais primárias

de secundárias – que caracterizam, respectivamente, grupos

minoritários domésticos e imigrantes. Usando tal distinção,

argumenta que as diferenças entre redes de fala numa

sociedade de massa são tão tênues que chegam a ser triviais

(OGBU 1982, 1987b: 276). Esta posição parece ser muito

extremada. É necessário que reexaminemos as duas posições,

uma em relação à outra.

3. Síntese: a política e cultura do fracasso e sucesso escolar


Uma forma de se conciliarem as duas posições é considerar a

motivação e o rendimento escolares como um processo

político no qual questões de legitimidade institucional e

pessoal, identidade e interesse econômico são centrais. Para

fazer isto, temos que considerar também a natureza do

discurso simbólico por meio do qual questões de

legitimidade, identidade e interesse são apreendidas e


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 453

entendidas pelos alunos e professores individualmente nas

comunidades locais e escolas. A teoria social relacionada à

teoria pedagógica – mais especificamente, implicações da

teoria da resistência _ fornece o quadro no qual as explicações

alternativas podem ser reconsideradas (ver GIROUX 1983; ver

também APPLE & WEISS 1983; EVERHART 1983). Inicio a

síntese com uma crítica negativa das duas posições como

originalmente enunciadas. Nessa crítica, algumas facetas da

teoria da resistência serão mencionadas. Estas serão

elaboradas mais tarde na discussão.

Tanto a explicação do processo comunicativo quanto a do

mercado de trabalho têm inadequações. O primeiro tipo de

inadequação envolve a falta de explicação para certos tipos de

sucesso escolar. Os tipos de sucesso escolar que deixam de ser

explicados diferem nas duas propostas. Vou considerar

primeiro a do processo comunicativo. Esta pode explicar o

sucesso de estratégias de ensino de alunos de castas

minoritárias que envolvem pedagogia culturalmente sensível.

Mas algumas estratégias que não envolvem a pedagogia


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 454

culturalmente sensível têm sido bem sucedidas - ou pelo

menos as que não envolvem o uso de estilos comunicativos

encontrados nos lares das crianças.

Podemos encontrar exemplos de ensino a alunos de minorias

domésticas (alunos de castas minoritárias, segundo OGBU)

nos quais os professores esforçam-se para que a interação em

sala de aula não se assemelhe aos padrões interativos

encontrados nas casas e comunidades dos alunos. Pode-se

pensar imediatamente nas escolas muçulmanas negras, nas

escolas paroquiais católicas romanas de professores brancos,

em escolas especiais não-sectárias, tal como a Marva

COLLINS em Chicago (na qual o currículo baseia-se na

literatura clássica da Europa ocidental) e em programas

especiais elaborados para populações minoritárias, tais como

as sessões de intenso exercício e prática conduzidas de acordo

com os scripts no modelo DISTAR para educação elementar.

Pensa-se também nos incontáveis casos de professores

individuais que são excepcionalmente eficientes com alunos

minoritários domésticos, mas que sabem muito pouco dos


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 455

padrões culturais de comunicação das casas dos alunos e que

não lecionam fazendo uso desses padrões instrucionalmente.

Há casos, já discutidos, de estudantes imigrantes minoritários,

que têm êxito na escola sem que sejam submetidos a

instrução bilíngüe especial ou a pedagogia culturalmente

sensível. Esses exemplos são muito distintos entre si. Num

determinado nível, contudo, em cada um deles os alunos são

despertados para o desafio, empreendem esforço, e parecem

estar saindo-se bem academicamente, em termos do

rendimento medido por testes padronizados. (O fato de que

tais testes podem ser criticados por serem uma forma muito

estreita e literal de se definir rendimento escolar é uma

questão que vai além do alcance deste artigo.). Como pode ser

possível esse êxito escolar se os processos instrucionais violam

as expectativas dos alunos em relação às normas e rotinas

comunicativas? A explicação do processo comunicativo, como

apresentado acima, não justifica o rendimento escolar exceto

aquele atribuído à pedagogia culturalmente sensível. Isto faz

da explicação do processo comunicativo, tomada literalmente


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 456

ou lida de forma estreita, uma posição implicitamente

determinista em termos culturais, segundo a qual a diferença

cultural é vista necessariamente como causadora de

dificuldade e conflito e a semelhança cultural como

necessariamente garantia de boa relação e ausência de

conflito.

A explicação da percepção do mercado de trabalho dá conta

do rendimento escolar dos alunos de minorias imigrantes.

Não explica, porém o êxito dos alunos das minorias

domésticas, nem nos casos em que as condições desse êxito

envolvem a pedagogia culturalmente sensível nem nos

demais casos. Contudo, casos de êxito de alunos de minorias

domésticas e de seus professores ocorrem. Ainda que, na

maioria dos casos, os alunos dessas minorias não obtenham

taxas altas de rendimento escolar, muitas exceções ao padrão

geral podem ser encontradas, de modo a levantar sérias

questões sobre a adequação da explicação da percepção do

mercado de trabalho, da forma que vem sendo articulada.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 457

Este argumento apresenta duas fragilidades principais na

minha opinião. Primeiro e fundamentalmente, se tomado

literalmente e interpretado de maneira estreita, é um

argumento econômico determinista. Parece pressupor uma

teoria social estritamente funcionalista a maneira de COMTE e

DURKHEIM ou dos últimos escritos de MARX ou

ALTHUSSER - uma visão orgânica ou mecânica da sociedade

na qual existem conexões causais intrincadas e invariantes

entre os subsistemas, de tal forma que a estrutura social geral

conduz as ações, percepções e sentimentos dos atores

específicos no cenário local da ação. Nesta visão, não há

espaço para a iniciativa humana.Tal teoria social, quando

aplicada a educação, implica que nem os alunos das minorias

domésticas nem os seus professores podem fazer qualquer

coisa positiva no campo educacional.

A segunda fragilidade na explicação do mercado de trabalho é

menos fundamental, mas igualmente séria. Tem a ver com a

validade empírica do trabalho. A própria abrangência do

argumento causal, ainda que seja satisfatória teoricamente,


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 458

torna o argumento muito frágil em nível empírico. Nos

modelos que OGBU tem publicado há referência a relações

causais entre níveis do sistema. Tais relações causais, porém,

são meramente mencionadas, nunca demonstradas

diretamente. Nos casos em que evidência quantitativa

empírica relaciona-se às asserções esta é inteiramente

correlacional e evidência correlacional não pode demonstrar

causa. Nos casos em que evidência etnográfica empírica é

apresentada, como nos estudos de caso de alunos de minorias

imigrantes com alto rendimento escolar, não se demonstram

também relações causais. Ademais, estes estudos de caso não

nos revelam como estes alunos de minorias imigrantes se

sairiam em ambientes escolares culturalmente menos

estranhos do que os que eles encontram nos Estados Unidos.

É possível que os estudantes de minorias imigrantes tivessem

ainda melhor desempenho do que já têm, se fossem educados

em ambiente de aprendizagem culturalmente sensível.

Parece necessário considerar-se a natureza do sucesso e

fracasso escolares de pontos de vista não diretamente cobertos


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 459

por qualquer das explicações alternativas como eu as

apresentei sumariamente. Falar de sucesso ou fracasso escolar

é falar de aprendizagem ou falta de aprendizagem daquilo

que é deliberadamente ensinado na escola. A aprendizagem é

ubíqua na experiência humana ao longo do ciclo vital e os

humanos são muito bons nisso. Eles também são bons para

desenvolver aprendizagem através de instrução deliberada.

Entretanto nas escolas a aprendizagem do que é

deliberadamente ensinado parece ser um problema e é

diferentemente distribuída de acordo com classe, raça,

etnicidade e base lingüística.

Os alunos na escola, como os outros seres humanos,

aprendem constantemente. Quando dizemos que eles "não

estão aprendendo" o que queremos dizer é que eles não estão

aprendendo o que as autoridades escolares, professores e

administradores querem que eles aprendam como resultado

da instrução intencional. O aprendizado do que é

deliberadamente ensinado pode ser encarado como uma


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 460

forma de assentimento político. A não-aprendizagem, como

uma forma de resistência política.

O assentimento ao exercício da autoridade envolve a

confiança de que este exercício será benigno. Isto envolve um

salto de fé - confiança na legitimidade da autoridade e nas

boas intenções daqueles que a exercem, confiança em que a

própria identidade da pessoa será mantida positivamente em

relação à autoridade, e confiança de que os próprios interesses

da pessoa serão atendidos com o exercício da autoridade. Ao

dar este salto de fé, o indivíduo enfrenta risco. Se não

houvesse risco, a confiança seria desnecessária. (Devo

observar a esta altura que não pretendo nesta discussão

afirmar que as escolhas existenciais que fazemos são feitas

necessariamente ao nível da consciência refletida. Elas podem

ser feitas intuitivamente. Mas de uma forma ou de outra, um

sentido de confiança implica um sentido de risco).

Em pedagogia é essencial que professor e alunos estabeleçam

e mantenham confiança mútua no limiar do risco (HOWARD

van NESS, comunicação pessoal). Aprender é correr risco,


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 461

pois a aprendizagem envolve ir além do nível de competência

já dominado até a região mais próxima de incompetência que

ainda não se domina. À medida que a aprendizagem ocorre, o

limite frontal da região de incompetência está continuamente

movendo-se. Uma analogia útil é de um surfista - quando está

aprendendo a surfar, ele tem de inclinar-se para frente numa

relação com a crista da onda que está em permanente

mudança. Na interação professor/aprendiz, este se coloca no

limite frontal da incompetência e é puxado para frente com a

assistência do professor e/ou de outros alunos.VYGOTSKY

(1978:84-91) refere-se a isto como a “zona de desenvolvimento

proximal" - aquela região na qual o aprendiz pode funcionar

com o auxílio de outro parceiro mais competente. À medida

que o limite inferior da competência do aprendiz se eleva

(aquele nível em que ele pode funcionar sem assistência)

também se eleva o limite superior (o nível além do qual o

aluno não pode funcionar efetivamente mesmo com a ajuda

de um professor). Assim vemos a zona de desenvolvimento

proximal em constante movimento ascensional. Porém, no


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 462

momento em que ocorre nova aprendizagem com o professor,

o estudante novamente se envolve em risco, pois entra de

novo na zona na qual não pode funcionar com êxito sozinho.

Se o professor não for confiável, o aluno não poderá contar

com o seu efetivo auxílio; há então um alto risco de revelar-se

(a si próprio e aos outros) como incompetente. Existe risco

também para o professor. Se este se envolve com o aluno com

a genuína intenção de desenvolver-lhe a aprendizagem, e o

aluno deixa de aprender, o que o professor pretendeu ensinar-

lhe, este se revela, na melhor das hipóteses, como

pedagogicamente incompetente.

O risco é interessante, contudo perigoso. Tanto para o aluno

quanto para o professor, o risco, na forma de uma ameaça

potencial a identidade social positiva, parece inerente ao

processo de aprendizagem. Conseqüentemente, a

legitimidade da escola e dos professores, afirmada no nível

existencial pela confiança que se lhes depositam os alunos, é

essencial ao êxito da instrução deliberada. O sucesso escolar

deve ser atingido pelo estafe da escola bem como pelos alunos
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 463

num processo de retórica política por meio do qual os

subordinados na instituição são persuadidos a assentir na

autoridade de seus superiores.

Legitimidade, confiança e interesse são fenômenos tanto

institucionais quanto existenciais. Como fenômenos

institucionais, localizam-se na estrutura social e nos padrões

de relações de papel que recorrem em longos intervalos de

tempo e são diferentemente alocados de acordo com o acesso

ao capital monetário e cultural. Mas legitimidade, confiança e

interesse são também fenômenos existenciais e emergentes,

continuamente negociados no âmbito das circunstâncias

íntimas e da escala de curto tempo dos encontros diários entre

professores, alunos e pais. A legitimidade institucional da

escola afirma-se existencialmente na forma de confiança nos

encontros face a face entre o estafe escolar e os alunos e seus

pais.

As injustiças do mercado de trabalho, da forma como são

percebidas pelos membros de uma comunidade minoritária

doméstica, e a interação conflitiva entre professor e aluno, que


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 464

deriva em parte de estilos comunicativos culturalmente

distintos, ambos podem ser percebidos como impedimentos à

confiança que constitui uma fundação existencial da

legitimidade da escola. É apropriado, portanto, olhar para

fora da escola, para a comunidade local e a ordem social mais

abrangente, bem como para dentro da escola, para a interação

da sala de aula, a fim de identificar-se as raízes do fracasso ou

sucesso educacionais, confiança ou desconfiança,

assentimento ou dissentimento.

Desejo agora alterar a discussão prévia da explicação do

processo comunicativo. Podemos aplicar a noção de

resistência _ suspensão do assentimento - ao desenvolvimento

progressivo que ocorre entre professores e alguns alunos de

minoria doméstica. Ao considerar as relações entre as culturas

de grupos minoritários e a resistência dos alunos em

ambientes de aprendizagem interculturais, podemos fazer

uma distinção bastante útil. Trata-se da distinção entre

fronteiras culturais e barreiras culturais.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 465

Fronteiras culturais podem ser consideradas como evidência

comportamental de padrões distintos de comportamentos

apropriados _ por exemplo, duas maneiras subculturalmente

distintas de se pronunciar consoantes finais. Fronteiras _ a

presença manifesta de diferenças culturais - são fenômenos

politicamente neutros; nenhuma diferença em direitos e

obrigações é atribuída a pessoas que se comportam de um ou

de outro modo culturalmente distinto. Em situações de

conflito intergrupal, entretanto, fronteiras culturais podem ser

tratadas como barreiras culturais, isto é, os traços de

diferenças de cultura deixam de ser fenômenos politicamente

neutros; direitos e obrigações são distribuídos diferentemente,

dependendo de a pessoa revelar-se como portadora de um

tipo de conhecimento cultural e não de outro.

Grupos diferentes com diferentes interesses em questão

podem tratar politicamente a existência de itens

comportamentalmente similares como oportunidades para

ação de fronteira cultural ou de barreira cultural. Isto ficou

dramaticamente aparente em minhas próprias primeiras


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 466

pesquisas sobre diferenças culturais, étnicas e raciais, no estilo

de comunicação dos Estados Unidos (ERICKSON 1975;

ERICKSON & SHULTZ 1982). Em análise detalhada de

entrevistas filmadas entre conselheiros universitários ou

entrevistadores para emprego e alunos ou candidatos a

emprego, ficou claro que algumas vezes diferenças culturais

sutis fazem um grande diferença para o bom relacionamento e

a compreensão; outras vezes diferenças culturais não parecem

prejudicar nem o bom relacionamento nem a compreensão.

Na ausência de motivação especial positiva para se

comunicar, a diferença cultural aparentemente não tornou a

interação difícil. Mas este nem sempre foi o caso, e variou de

ocasião para ocasião para o mesmo indivíduo. A distinção

entre fronteiras e barreiras culturais permite que se considere

significante a diferença cultural nas relações intergrupais sem

que se caia na armadilha de um argumento cultural

determinista. Como BEKKER e eu observamos recentemente,

“diferenças culturais podem ser consideradas como um fator

de risco na experiência escolar de alunos e professores; elas


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 467

não têm necessariamente de causar problemas, mas

freqüentemente fornecem as oportunidades para os

problemas… estas oportunidades podem servir de fomento

para a escalada do conflito que pode já existir por outras

razões, tais como conflito entre grupos sociais, sexos ou raças”

(ERICKSON & BEKKER 1986:175, 177).

Para se compreender este argumento bastante abstrato mais

completamente, voltemo-nos para um exemplo de pesquisa

em sala de aula feita por PIESTRUP (1973). Ela estudou salas

desagregadas de primeira série nas quais crianças

predominantemente negras e de classe operária estudavam

juntamente com crianças predominantemente brancas e de

classe média. Veremos primeiramente um único momento no

ano escolar: uma aula de leitura. Em seguida vamos

considerar o que PIESTRUP relata como padrões de

resistência que se desenvolveram ao longo do curso de todo o

ano.

Podemos considerar um exemplo do estudo de PIESTRUP

com as crianças negras de classe operárias e crianças branca


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 468

de classe média e seus professores. Neste exemplo, de uma

aula de leitura do primeiro ano, todas as crianças são negras.

(CC na transcrição significa crianças lendo alto em coro):

1 T: All right, class, read that and remember your

endings.

Certo, turma, leia e lembre seus finais.

2 CC: "What did Little Duck see?" (final t of "what"

deleted)

“O que o pequeno pato viu?” (final de “what” com t

omitido.

3 T: What.

O que

4 CC: What (final t deleted, as in turn 2)

O que (final t omitido, como no turno 2).

5 T: I still don't hear this sad little "t"

Eu ainda não ouço este pequeno e triste “t”.

6 CC: "What did - What did - What (final t's deleted)


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 469

O que-O que-O que – (final “t” é omitido)

7 T: What

O que

8 T&CC: "What did Little Duck see? " (final t spoken)

O que o pequeno pato viu? (final t é pronunciado)

9 T: OK, very good.

Ok, muito bom.

Ao dizer "what" (linha 3) dando ênfase especial ao /t/ final a

professora adotou uma correção a meio curso a fim de

enfatizar e corrigir um detalhe específico da performance oral.

Ao fazer isto, a professora abandonou o objetivo da pergunta

inicial, que focalizava o conteúdo geral do enunciado que

estava sendo lido. Implementar a pronúncia do inglês padrão

na leitura em voz alta é um objetivo pedagógico; implementar

a compreensão do texto que estava sendo lido é outro objetivo

pedagógico. O que afinal o Litle Duck (pequeno pato) viu?

Não sabemos. Se a transcrição continuasse poderíamos

confirmar ou não se o ponto de compreensão perdeu-se


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 470

inteiramente quando a professora continuou depois de ter

desviado os alunos em função de seu estilo de pronúncia não

padrão.

A ênfase da professora no /t/ final não é necessária em termos

do objetivo do ensino da compreensão. Podemos inferir que

isso não foi apenas um problema de simples dificuldade de

comunicação _ a professora não compreendendo as respostas

das crianças. Podemos inferir que ela ouviu as crianças

dizendo "wha" (nos turnos 2 e 4) como equivalente a "what",

com o /t/ final pronunciado. Antes, podemos ver isto como

uma lição deliberada de pronúncia (no turno 1 a professora

dissera “...e lembre de seus finais”). Com isso chamava a

atenção para o estilo cultural de comunicação das crianças

negras e o fazia de forma negativa.

Este trabalho de barreira cultural _ tornar o estilo cultural

comunicativo um fenômeno negativo em sala de aula _ parece

ter estimulado a resistência dos alunos manifestada

lingüisticamente. Em algumas das classes a professora era

branca, em outras era negra. PIESTRUP monitorou o estilo de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 471

fala das crianças negras de classe operária durante todo o ano

escolar. Nas classes onde o/a professor/a, fosse negro ou

branco, sancionava negativamente o uso pelas crianças do

vernáculo inglês negro, ao final do ano as crianças falavam

uma forma mais exagerada desse dialeto do que o faziam no

começo do ano. O oposto ocorreu nas classes em que o/a

professor/a fosse negro ou branco, não sancionava

negativamente o vernáculo inglês negro falado pelos alunos

negros. Nessas classes, ao final do ano, as crianças negras

estavam usando em sala de aula modos de falar mais

aproximados do inglês padrão do que seus modos de falar no

começo do ano. Consideremos as implicações disso. O

desempenho oral culturalmente distintivo das crianças negras

de classe operária estava inicialmente presente em ambos os

tipos de classes. Neste último tipo de classe, o estilo de fala

dos alunos não se tornou um pretexto para estigma e

resistência. No primeiro tipo de classe, entretanto, o uso do

vernáculo inglês negro tornou-se uma ocasião para um

estigmatizante trabalho de barreira para professores e de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 472

resistência para as crianças. Tendo ocorrido isto, à medida que

o ano corria, o estilo de fala das crianças tornou-se mais e

mais diferente do estilo dos professores. Isto significava que a

diferença cultural estava crescendo numa situação de contato

transcultural. Este é um exemplo de um fenômeno mais geral

- progressiva diferenciação cultural ao longo do tempo como

meio de distanciamento simbólico entre grupos competidores

que são subsistemas de um sistema maior. Este fenômeno foi

denominado desavença complementar por BATESON (1975),

que o viu como um processo básico de mudança cultural.

Ao complementar a explicação de processo de comunicação

sociolingüístico para o fracasso escolar e ao considerar o caso

de uma aula de leitura podemos ver que a diferença cultural

pode, por um conjunto de razões, ser uma fonte inicial de

dificuldade entre professores e alunos. Mas aparentemente a

estória não termina aí. O que pode ter começado como uma

simples falha de interpretação da intenção e do significado

literal pode desenvolver-se ao longo do tempo em conflito

enraizado e emocionalmente intenso entre professor e alunos.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 473

O ciclo pode repetir-se de ano para ano durante a escola

primária.

Professores e alunos em tais relações regressivas não

estabelecem vínculos uns com os outros. A confiança mútua é

sacrificada. Com o passar do tempo os alunos tornam-se

crescentemente alienados da escola. Já não é uma questão de

diferença entre professor e aluno que deriva das tradições

comunicativas transmitidas inter-geracionalmente. É também

uma questão de invenção cultural como um meio de

resistência numa situação de conflito político. À medida que

os alunos se tornam mais velhos e experimentam fracassos

repetidos e repetidos encontros negativos com professores,

desenvolvem padrões culturais oposicionais como um

símbolo de sua desafiliação daquilo que eles percebem (não

necessariamente com plena consciência reflexiva) como um

sistema ilegítimo e opressivo. Quanto mais alienados tornam-

se os alunos, tanto menos persistem no trabalho escolar.

Assim declinam mais e mais no rendimento acadêmico. O

aluno ou se torna ativamente resistente - visto como saliente


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 474

ou incorrigível - ou passivamente resistente - obscurecido

num quadro como um bem comportado e anônimo aluno de

baixo rendimento. BEKKER e eu observamos:

Por que deveria ser ofensa passível de punição um jovem

negro numa escola secundária urbana americana usar uma

jaqueta de couro preta no hall da escola?… Se um diretor

pode suspender um adolescente por usar um casaco de couro,

algum tipo de processo interacional de avaliação está

ocorrendo no qual julgamentos da identidade social mudam

em direções negativas. Se os alunos estão se vestindo dessa

forma, então talvez o problema não seja simplesmente uma

questão de padrões culturais que não se ajustam. Antes,

parece que uma luta está em curso - luta que é mutuamente

construída por professores e alunos que, à medida que o

conflito aumenta e sua tolerância mútua decresce, encerram-

se em relações sociais regressivas para as quais todos os

componentes no sistema social local contribuem como em

sistemas de interação patológicos em famílias. MCDERMOTT

& TYLBOR (1983) usam o termo cooperação fraudulenta


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 475

quando descrevem este ciclo de conflito progressivamente

intenso. (ERICKSON & BEKKER 1986:177)

Algumas das pesquisas recentes de OGBU sugerem que

quando os alunos negros americanos chegam à idade da

escola secundária, a diferenciação cultural por meio da

resistência já se desenvolveu a um ponto que uma aguda

distinção se estabelece entre "comportar-se como negro" e

"comportar-se como branco". A definição política da instrução

escolar como legítima ou ilegítima encerra-se nesta oposição

simbólica.

Em um capítulo recente, OGBU notou este fenômeno, citando

DEVOS (1982) no desenvolvimento da identidade oposicional

pó estudantes minoritariamente domésticos. OGBU observa

que:

Estudantes minoritários que adotam o estilo da escola na comunicação,


interação, ou aprendizagem, podem ser acusados de “agir como brancos”. Até
um problema maior é o que estudantes de castas minoritárias podem definir
esforço acadêmico ou sucesso como uma parte de uma moldura cultural
branca de referência ou forma branca de comportamento. (1987b: 268)

OGBU se refere aqui à pesquisa de Signithia FORDHAM

(FORDHAM & OGBU 1986). Suas descobertas descritas no


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 476

Rádio Público Nacional (“Todas as coisas consideradas”, 12

de junho de 1987). Phyllis CROCKETT, um repórter do Rádio

Público Nacional, entrevistou duas adolescentes negras de

ensino médio:

Repórter: Estudantes (de ensino médio) negras que passam

boa parte do tempo estudando e que falam um inglês

avançado podem ser acusados de agir como brancos... Este

estudante, nós iremos chamá-lo de Eric, estuda em uma escola

do centro de Washington, D.C.

Eric: As pessoas têm medo de mostrar que elas podem falar o

inglês gramaticalmente correto. Quando eu o faço, meus

amigos de minha vizinhança dizem “seu nerd!” ou “Fale

inglês! Fale conosco na língua em que falamos com você.”

Repórter: Estudantes de ensino médio, como esta estudante

que nós chamaremos de Paula, que estuda em cursos

preparatórios para a faculdade, às vezes é chamada de

“oreos” – como o biscoito, preto por fora e branco por dentro.


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 477

Paula: Tenho sido eu mesma chamada de oreo porque sendo

negra como sou, e brilhante, todos acham que sou muito

correta e falo como branca....e as pessoas implicam comigo.

Note que os amigos de Eric e Paula focam em seus estilos de

fala como distintivos de identificação do grupo. Dois pontos

são relevantes aqui – os detalhes dos julgamentos culturais

envolvidos e o processo de identidade oposicional que é

revelado. Conforme evidenciado pelo seu discurso gravado

pelo repórter da Rádio Pública Nacional, Eric e Paula não

falam, de fato, inglês completamente avançado. Sua gramática

é avançada, mas na pronúncia, em tom e em tonicidade

padrões, e na escolha de palavras. (por exemplo, Paula usa

um termo desnecessário, eu mesma), o discurso de Eric e

Paula é característico de um não-avançado inglês negro.

Portanto, a atenção de Eric e Paula está gerando um grande

problema de pequena divergência da norma cultural.

Pequenas nuances de performance cultural estão sendo vistas

como salientes, não como largas diferenças culturais, como as

existentes entre estudantes imigrantes e estudantes


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 478

americanos. Estas são diferenças culturais secundarias, de

acordo com a taxonomia de OGBU (1982). As diferenças

culturais são pequenas, mas não são triviais como OGBU

afirmou (1987b) porque elas não estão sendo tratadas como

triviais pelos atores. Pelo contrário, os amigos de Eric e Paula

parecem estar tratando diferenças culturais como um símbolo

político poderoso.

Os amigos dos estudantes de ensino médio usam fortes

sanções para forçar um avanço do nível cultural que simboliza

ser membro do grupo. Isto é trabalho de manutenção de

limite. É interessante que os estudantes não invocam a

injustiça do mercado de trabalho. Eles não dizem: “Você não

consegue um emprego na América branca”. Em vez disso,

suas mensagens são muito mais indiretas. Seu foco imediato

está na manutenção da identidade oposicional dentro da vida

diária dentro da escola.

No exemplo de Eric e Paula, a veemência do exercício de

sanção e o foco em importâncias pouco notáveis de distinção

cultural lembram o exemplo de sala de aula anterior no qual o


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 479

professor fez de uma consoante final um grande dilema

(“What did Little Duck see?” “O que o pequeno pato vê?”). O

professor de primeira série estava forçando em aula crianças

negras a falarem um bom nível de inglês. Na visão invertida

de um espelho, os amigos de turma adolescentes e negros de

Eric e Paula os estavam forçando a falar um inglês de um

nível não muito bom. Definição de identidade está presente

nos dois casos. É a voz e o foco de autoridade e definição que

mudaram, da voz do professor como um indivíduo oficial

institucional fazendo um trabalho de limite de cultura branca

às vozes dos alunos fazendo coletivamente e

institucionalmente ilegítimo trabalho de limite de cultura

negra. Nos dois exemplos a performance cultural do discurso

entre parceiros se torna um símbolo médio dentro do qual um

estudante é forcado e escolher os lados entre “nós” e “eles”.

A situação contada pelos estudantes Americanos negros é

remanescente da resistência ao alcance escolar entre meninos

de ensino médio ingleses, conforme diz Willis (1977). Também

é remanescente a especulação de SCOLLON & SCOLLON


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 480

(1981) que muitos alunos de escolas nativas americanas nas

vilas de Koyukon Athabascan do interior do Alasca associam

o letramento à traição da identidade étnica. Como os

estudantes vêem tantos membros da comunidade não

letrados (inclusive seus pais), aprender a ler e escrever

fluentemente poderia parecer metaforicamente estar deixando

a comunidade e não ser mais um Koyukon.

Resumindo, padrões consistentes de recusa de aprendizagem

na escola podem ser vistos como uma forma de resistência a

uma identidade étnica ou de classe social estigmatizada que

esta sendo atribuída pela escola. Os alunos podem recusar-se

a aceitar essa identidade negativa, recusando-se a aprender.

Entretanto a sensibilidade e a saliência da identidade étnica

estigmatizada entre adolescentes que são membros de grupos

domésticos minoritários (e de identidade de classe baixa mais

genericamente) não é um fenômeno que deriva

exclusivamente do interior de uma escola. As experiências dos

alunos na escola podem contribuir para sua necessidade de

resistir a aceitação de uma identidade estigmatizada, mas as


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 481

fontes de tal identidade estão em parte fora da escola, nas

condições de acesso ao mercado de trabalho e nas suposições

gerais que os membros não estigmatizados da sociedade têm

em relação aos grupos estigmatizados.

É por isso que, dentro da perspectiva da teoria da resistência,

as explicações do processo comunicativo e do mercado de

trabalho para o fracasso escolar podem ser vistos como

complementares. É importante que se levem em conta as

influências externas à experiência escolar imediata de alunos e

professores, inclusive as oportunidades no mercado de

trabalho da forma como são percebidas pelos pais e outros

membros a comunidade minoritária , especialmente entre os

alunos mais velhos para quem as questões de um emprego

futuro tornam-se mais e mais salientes.Mas é também

importante que se considere a experiência escolar imediata de

alunos e professores, inclusive os estilos de comunicação

culturalmente distintos, especialmente quando as crianças

mais novas encontram a escola inicialmente nas primeiras

séries e continuam pela escola secundária. A percepção do


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 482

mercado de trabalho e a diferença de estilo cultural parecem

estar ambas envolvidas no desenvolvimento de uma

identidade oposicional pelos estudantes das minorias

domésticas na escola.

Eu argumentei neste texto que tanto a explicação da

percepção do mercado de trabalho quanto a do processo

comunicativo tem sérias limitações. Cada uma delas pode ser

vista ao menos como implicitamente determinista, deixando

pouco espaço para a ação humana. Cada uma delas tem

dificuldade para dar conta de certos tipos de sucesso escolar.

É, portanto apropriado acrescentar uma coda que considere

algumas das razões por que o sucesso escolar pode ocorrer

com populações de alunos para quem tal sucesso parece

demograficamente improvável. Digamos que desejamos

tentar transformar a luta da escola de um trabalho voltado

para o fracasso para algo mais produtivo. Por onde então

deveríamos começar?

4. Coda
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 483

Se a educação for não mais que um epifenômeno ligado

diretamente às exigências de uma economia, então pouco

pode ser feito no âmbito da própria educação. Ela é uma

instituição totalmente determinada. Entretanto, se as escolas

(e as pessoas) não forem espelhos passivos de uma economia

mas, ao contrário, agentes ativos nos processos de reprodução

e contestação das relações sociais dominantes, então a

compreensão do que eles fazem e a ação sobre eles tornam-se

importantes. Pois,se as escolas são parte de um "terreno

contestado" ,…então a luta dura e contínua do dia a dia ao

nível do currículo e prática de ensino é parte desses conflitos

mais amplos também Uma chave está ligando estas lutas do

dia a dia no interior da escola à outra ação para uma

sociedade mais progressiva numa arena mais ampla. (APPLE

& WEISS 1983:22)

Como um educador, não posso aceitar a premissa que não há

nada que nos possamos fazer para melhorar a situação

educacional da minoria dos estudantes domésticos dos

Estados Unidos. Eu não desejo simplesmente esperar por uma


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 484

revolução na sociedade em geral. Como APPLE & WEISS

apontaram, existem progressivas escolhas que as pessoas

podem fazer em suas circunstancias imediatas enquanto elas

trabalham também por uma mudança social na ampla

sociedade. A tarefa não é apenas analisar as condições

estruturais pela qual a injustiça é reproduzida na sociedade,

mas buscar em todos os lugares possibilidades na luta por

transformação progressiva onde elas possam estar.

A escola é uma das arenas na qual pessoas podem trabalhar

para mudar as existentes distribuições de poder e

conhecimento em nossa sociedade. Quando a prática da

escola é conduzida de acordo com o conselho convencional

existente, estudantes minoritários – especialmente estudantes

domésticos minoritários – geralmente não se dão bem. O

conselho convencional envolve a crença de que é parte da

hegemonia cultural das classes estabelecidas na sociedade. A

hegemonia se refere à onipresença e um status tido como

verdadeiro de uma cultura dominante dentro de uma

sociedade culturalmente plural e estratificada como os


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 485

Estados Unidos. Devido à onipresença da cultura dominante e

os planos institucionais que são consoantes com suas crenças,

não é necessário para grupos dominantes usar meios claros,

como forca nua, para manter suas posições de vantagem.

Como membros da sociedade, dominantes e subordinados

agem rotineiramente em concerto com as crenças culturais e

interesses do grupo dominante, relações de poder existentes

podem ser mantidas, como foi, por uma mão invisível. Este é

o elemento essencial da noção de hegemonia de Gramsci

(BLUCI-GLUCKSMANN 1982), Através da influencia,

liderança, e pelo consentimento das massas, a dominação vem

aparecer como razoável.

Práticas hegemônicas são ações rotineiras e crenças

infundadas que são consoantes com o sistema cultural de

significado e ontologia dentro dos quais faz sentido ter certas

ações, totalmente sem intenção malevolente, que apesar deste

fato limita sistematicamente as chances da vida dos membros

de grupos estigmatizados. Não fosse pela regularização das

práticas hegemônicas, a resistência pelos estigmatizados não


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 486

seria necessária. Não fosse pela capacidade do estabelecido

julgar as praticas hegemônicas como razoáveis e justas, a

resistência seria mais clara. A resistência poderia ser

informada por uma explicita análise social que desmascarasse

as práticas opressivas. Já atualmente nem o opressor nem o

oprimido encaram exatamente o caráter de sua situação, a

resistência é freqüentemente não desenvolvida como a

opressão não é deliberadamente intencionada.

As práticas hegemônicas não são somente ramificadas através

da sociedade e na comunidade local fora da escola, como

também estão vivas dentro da sala de aula. Elas permeiam e

molduram a experiência escolar dos estudantes que são

membros de grupos sociais estigmatizados. Estas práticas são

praticadas por atores sociais particulares. Dominação e

alienação dos oprimidos não acontece simplesmente por

trabalhos anônimos das forcas estruturais sociais. Pessoas

fazem isso. É o resultado da escolha (não necessariamente

deliberada) cooperar com as definições ideológicas reinantes


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 487

do que os estudantes minoritários são, o que o currículo é, o

que o bom ensino é.

Se as práticas hegemônicas são o resultado de uma escolha

humana, elas não são inevitáveis. Indivíduos particulares

podem examinar as opções animadas pela convencional

experiência da prática. Eles podem decidir quais aspectos da

experiência prática adotar e quais rejeitar, criando ambientes

de aprendizagem que não somente não estigmatizam

estudantes minoritários, mas os estimulam a alcançar

objetivos.

Reconsidere o que a professora de PIESTRUP fez na lição de

leitura. Ela insistiu que as crianças pronunciassem o final /t/

na palavra “What” (O que), quando lia a frase, “O que o

pequeno pato viu?”. Isto pode ser visto como uma instância

da prática hegemônica (James COLLINS, comunicação

pessoal). O que isso faz para que o exercício do professor de

uma opção pedagógica particular em um certo ponto da lição

é consoante com uma teoria amplamente utilizada ou filosofia

de instrução de leitura. De acordo com uma visão bem


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 488

estabelecida de bom ensino de leitura, repetição em uma

isolada subcategoria, como reconhecimento e pronunciação de

um /t/ final, e mestrado nesta subcategoria deve

necessariamente preceder movendo o mestrado o tão

chamado mais alta ordem de habilidade de compreensão.

De acordo com outra visão bem estabelecida, a compreensão

próxima da “linguagem inteira” ou “experiência em

linguagem” de unidades semânticas mais largas no discurso

escrito toma procedência nas repetições isoladas em

subcategorias. A professora em seu exemplo não estava,

podemos inferir, deliberadamente escolhendo fazer saliente

de um modo negativo a pronuncia culturalmente padrão que

as crianças haviam aprendido em suas casas. Em vez disso, a

professora estava agindo com uma crença fortemente apoiada

sobre bom ensino de leitura. Envolvida na escolha de uma

estratégia pedagógica em vez de outra é a oportunidade de

fazer uma cultura com traços negativamente salientes ou não.

Se a professora enfatizou o significado do texto, focando no

que o pequeno pato viu, o estilo da pronúncia das crianças


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 489

não teria se tornado visível na interação da lição como uma

bagagem estigmatizante de identidade social e racial.

Nós poderíamos simplesmente escrever o exemplo da lição de

leitura como um em que o professor produziu contradição e

confusão cognitiva começando de um modo e depois partindo

para uma outra direção de instrução. Mas eu acho que o

exemplo mostra mais do que isso, já que a nova opção que

foi seguida – correção da pronúncia – fez saliente o estilo

cultural dos lares das crianças e avaliou negativamente aquele

estilo. Portanto nós não poderíamos somente dizer para esta

professora, “Seja consistente”. Nós gostaríamos que a

professora aprendesse a refletir em sua prática e dizer, “Quais

são as conseqüências de meu ser consistente em seguir um

padrão pedagógico em vez de outro?” Do ponto de vista de

uma pedagogia culturalmente sensível como informada pela

teoria de resistência, a professora............concluir que escolher

lutar e temporariamente vencer uma pequena batalha sobre a

pronúncia de uma consoante final é arriscar perder a guerra,

por começar um processo longo de conflito cultural de


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 490

controvérsia genética. O trato de confiança inerente ao

compromisso na batalha da pronúncia pode simplesmente

não ser válido na longa jornada.

Na cultura política da pedagogia nas primeiras series um

caminho para manter a confiança e ganhar a credibilidade do

aluno para aprender é adaptar instrução na direção do estilo

da comunicação cultural do lar do aluno. Nós vimos isto na

adaptação do padrão de turno de fala de conversação

havaiano, e nós consideramos uma estratégia hipotética para

evitar o conflito sobre a pronúncia das crianças negras

americanas enquanto liam em voz alta.

A pedagogia culturalmente sensível não é o único caminho

para estabelecer e manter a confiança e a legitimidade entre

professores e alunos, no entanto. Se crianças e seus pais

acreditam firmemente na legitimidade da equipe da escola e

nos conteúdos e nos padrões do programa escolar, como no

caso da escola muçulmana (ou no caso de alguns estudantes

imigrantes minoritários e seus pais como eles encontraram

uma escola pública americana arbitrária), então mesmo se o


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 491

estilo cultural da interação da sala de aula é muito

descontínua com a experiência da criança do início de sua

infância, eles podem bem aprender novos estilos culturais

sem começar uma reação de resistência e controvérsia

genética cultural. O mesmo poderia valer para os modelos de

“instrução direta” correntemente proposta. Se padrões

instrucionais são muito claros e resistentes (diferente da lição

de leitura sobre o pequeno pato), a professora acredita

firmemente no que ela está fazendo, e crianças e pais podem

reconhecer o estilo autoritário e não ambivalente do professor

como uma atenção sincera para a aprendizagem de crianças

minoritárias, então a criança pode confiar no professor e

aprender, mesmo que o estilo interativo de instrução viole as

normas da comunidade minoritária atentando o estilo de

comunicação apropriada.

Para concluir, as políticas de legitimidade, confiança, e

concordância parecem ser os fatores fundamentais no sucesso

escolar. Para estudantes de cultura minoritária, sejam

imigrantes ou domésticos, o papel da cultura e da diferença


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 492

cultural varia em relação ao sucesso escolar. Em algumas

circunstâncias excepcionais, devido a alta motivação para o

sucesso na escola, a diferença cultural não parece prevenir

estudantes de persistirem e alcançarem objetivos. Um outro

padrão muito mais prevalente, eu argumentei, é para

diferenças culturais fazerem diferença negativa, (1) porque

eles contribuem para o desentendimento na comunicação nas

primeiras series e (2) porque estes problemas iniciais de

desentendimento na comunicação contribuíram para a

desconfiança dos alunos e resistência em séries posteriores.

Além do mais, é importante notar que para escolas públicas

típicas (distintas de escolas especiais com programas

alternativos), aparece que ao lidar com a maioria dos

estudantes minoritários domésticos, os trabalhadores da

escola não podem contar em serem percebidos como

altamente legítimos, nem podem contar com alta motivação

para aprender quando eles tentam ensinar em ambientes de

aprendizagem que são culturalmente alienados para os

alunos. Se a escola pública comum deve ser percebida como


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 493

legítima, a escola deve ganhar esta percepção por sua

comunidade minoritária local. Isto envolve um profundo

movimento na direção da prática diária e seu simbolismo, fora

da prática hegemônica e com uma prática transformadora. Na

ausência de um esforço especial da escola, a profunda

desconfiança em sua legitimidade cresce entre os alunos com

o passar dos anos e os recursos de resistência através do

desenvolvimento de identidade oposicional que a escola

providencia (na hegemonia cultural que está envolvida em

seus meios rotineiros para fazer tarefas diárias) cria um sério

acordo para a legitimidade percebida da escola. Por outro

lado, parece que estudantes imigrantes minoritários podem

tender a confiar na legitimidade da escola como

correntemente existe e esperar se beneficiar participando do

mercado de trabalho americano.

A pedagogia culturalmente sensível é um tipo de empenho

especial da escola que pode reduzir desentendimento na

comunicação entre estudantes e professores, confiança, e

prevenir as gênesis de conflito que se movem rapidamente


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 494

através de desentendimento intercultural para grandes

batalhas de identidade negativa trocada entre alguns

estudantes e seus professores. Na luz da discussão

precedente, a pedagogia culturalmente sensível parece mais

apropriada e mais importante nas séries iniciais. Pode ser

especialmente importante para estudantes minoritários

domésticos e menos importante para a primeira geração de

estudantes imigrantes minoritários. É somente uma pequena

peca de um quebra cabeça, isto nos dá uma opção positiva

para educadores que desejam, através de uma pratica

reflexiva, aumentar as chances para um aprendizado pelos

seus alunos e melhorar seus próprios afazeres da vida

também. A pedagogia culturalmente sensível não é a solução

total. Ela pode, no entanto, ser vista como uma parte de uma

solução total que também inclui trabalho para transformar a

sociedade geral dentro da qual a escola tem seu lugar.

5. Notas
Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 495

Agradecimentos – Desejo agradecer Cathie Jordan, Evelyn

Jacob, Rosemary Henze, e Marge Murray por sugestões

editoriais. As contribuições de Howard van Ness e James

Collins são agredecimentos no próprio texto. Defeitos na

interpretação apresentada são de minha própria

responsabilidade.

Admitidamente também é importante para o sucesso escolar

que os alunos aprendam, ou pelo menos pareçam concordar

com, o que é não deliberadamente ensinado (isto é, o

“currículo oculto”). O que me parece crucial para o sucesso

escolar é que estudantes pareçam concordar com o que os

trabalhadores da escola pensam que eles estão tentando

ensinar (isto é, o currículo acadêmico e habilidades sociais e

conhecimento que se manifestam).

A distinção entre aspectos institucionais e existenciais de

legitimidade, e a distinção e conexão entre os longos e curtos

termos padrões pelos quais podemos ver conexões entre

história geral e ordem social e específica, história concreta e

ordem social, é feito em um recente escrito de teoria social por


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 496

GIDDENS (1984). Uma noção relatada na aproximação com a

historia intelectual dada por FOUCAULt (1979), e na teoria de

literatura de BAKHTIN (1981).

A distinção entre bordas culturais e limites foi feito

inicialmente por BARTH (1969), e tem sido elaborada em

termos de suas implicações para educação por MCDERMOTT

& GOSPODINOFF (1979) e por ERICKSON & BEKKER (1986).

O estudo de PIESTRUP é um estudo singular, para ser exato, e

alguns podem argumentar que muito peso não deve estar

sobre a linha de explicação dada por aqui. Mas o fenômeno

PIESTRUP reportado foi encontrado mais geralmente. O

fenômeno é o crescimento do estilo do discurso e a

diferenciação entre falantes através do tempo em situações de

conflito. Isto foi reportado em tempo mais curto e mais longo

de duração que um único ano escolar estudado por

PIESTRUP. GILES e POWESLAND (1975) mostraram que

classe social e estilos de dialetos regionais divergiram através

meia hora de conversas em que o conflito foi

experimentalmente induzido. Ao reportar pesquisa


Etnografia na Educação..................MATTOS (Org..) 2004__ 497

naturalista, LABOV (1963) mostrou como, através de uma

geração, algumas características do dialeto dos imigrantes de

ilhas se tornaram progressivamente mais e mais distintas

daquelas de turistas que visitam a ilha no verão.

Para o significado da natureza coletiva das ações dos

estudantes, ver EVERHART 1983: 186-187.

Considerado nesta luz, GRAMSCI parece um antropólogo. Ele

pode ser visto como um apresentador da análise cultural da

plausibilidade da dominação.

Para profunda discussão, ver GIROUX 1983).

Poderíamos argumentar que tais batalhas de pronuncia

sempre fazem um mau sentido em instrução de escrita – claro,

que ler em voz alta por si só é desnecessário em lições de

leitura – mas estas são questões de dentro das discussões

deste artigo.

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