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OS

UM E OS
OUTROS 1
OS
UM E OS OUTROS
LIVRE RECRIAÇÃO DE
“OS HORÁCIOS E OS CURIÁCIOS” DE BERTOLT BRECHT

CONCEPÇÃO POR CORO DE CRIADORES


DA
CIA.LIVRE E DA CIA. OITO NOVA DANÇA

5 A 22 DE
SETEMBRO DE
2019

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RESISTÊNCIA,
O recurso ao combate sugere um aspecto comum, guardadas as des-
proporções, entre as culturas indígenas e ocidentais. Contudo, se desde
o período colonial os poderes representativos das últimas sobrepõem-se
e aniquilam as primeiras, as batalhas indígenas têm sido mobilizadas em

SOBRE-
função da busca pela sobrevivência. Mais que isso, em defesa do direito de
existir e manter vivas suas cosmologias e práticas culturais – missão que
exige barrar a ânsia expansionista e espoliadora da civilização branca.
Os um e os outros, opereta musical da Cia.Livre em parceria com a Cia.
Oito Nova Dança, intervém em termos simbólicos nessa relação historica-
mente assimétrica e violenta. Partindo de Os Horácios e os Curiácios,

VIVÊNCIA,
peça do dramaturgo e encenador alemão Bertolt Brecht, a opereta articula
a narrativa brechtiana com a resistência dos povos ameríndios no Brasil
contemporâneo – marcado por ações inconstitucionais e crimes contra as
populações originárias. Comprometido com os princípios da cidadania, o
Sesc procura desenvolver um tipo de ação sociocultural voltado ao reco-

EXISTÊNCIA
nhecimento da diversidade e ao exercício da alteridade, disposições in-
contornáveis num país de origem multiétnica.

SESC SÃO PAULO

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CIA.LIVRE E
CIA. OITO NOVA DANÇA
OS UM E OS OUTROS, POR CIBELE FORJAZ E LU FAVORETO
O encontro entre a Cia.Livre e a Cia. Oito Nova Dança co-
meçou antes mesmo de nos conhecermos pessoalmente; lá atrás, no
caminho trilhado pelas nossas pesquisas desde o início, em uma
aproximação com a antropologia brasileira e, mais especificamen-
te, a tentativa de devorar o conceito de “perspectivismo ame-
ríndio”, proposto por Eduardo Viveiros de Castro e Tânia Stolze
Lima, traduzindo-o para a linguagem do teatro e da dança. Desde
então, a antropofagia tornou-se nosso tema e modus operandi.

Em 2006, a Cia.Livre realiza o projeto de estudo público


Mitos de morte e renascimento [povos ameríndios], que resultou
nos espetáculos Vem vai – O Caminho dos mortos, Raptada pelo raio
e Cia Livre canta Kaná Kawã.

APRESENTAÇÃO
Paralelamente, a Cia. Oito Nova Dança vem desde 2010 pes-
quisando, através da dança contemporânea e da música, princípios
e matrizes de movimento referentes a esse mesmo universo e en-
contra, nessa trajetória, um corpo em constante transformação,
numa presença à espreita de outros mundos, outras possibilidades
no aqui-agora. Esse corpo tem como referência princípios fun-
damentais da vida individual e coletiva dos seres. Desde 2015,
a pesquisa afunilou-se no universo Guarani M’bya, habitantes da
cidade de São Paulo, e as aproximações possíveis a este univer-
so, ao mesmo tempo tão próximo e tão desconhecido. O estudo de
campo em aldeias Guarani gerou a intervenção urbana Esquiva e o
espetáculo Juruá. Ambos norteados e fundamentados no movimento
de esquivar-se, presente no Xondaro, que é uma manifestação ca-
racterística dessa cultura que se refere não só a uma dança, mas
também ao treinamento do guerreiro e a um modo de ser Guarani.

Em 2017, a Cia.Livre estuda a atuação épica dialética de


Bertolt Brecht e arrisca uma aproximação com o “perspectivismo
ameríndio”, em busca de um épico brasileiro. Como estudo de caso,
realizou a leitura encenada de Os Horácios e os Curiácios, junto
com a Cia. Oito Nova Dança. Encontramos nessa peça de aprendi-
zagem um paralelo entre a “voracidade” da nossa sociedade de
consumo e a luta pela posse da terra e pela posse das minas dos
Curiácios, assim como entre a “esquiva” do guerreiro Guarani e a
estratégia de “fuga” do escudeiro Horácio, na última batalha da

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peça. Essa pista e a atual conjuntura do país nos moveu para uma vida? Como dar conta da totalidade de uma experiência que tem a
nova criação: OS UM E OS OUTROS. ver com modos de existência tão diversos e singulares?

Buscamos unir o estudo realizado sobre o Teatro Épico, particu- Essas considerações nos levaram a desejar uma aproxima-
larmente as técnicas narrativas, com a pesquisa continuada dos ção maior com o campo da experiência que com o da representação.
conteúdos e formas das cosmologias ameríndias, realizada pelas Experiência que seria atravessada por nós, num primeiro momento,
duas companhias. Percorrendo a estrutura da peça de Bertolt para depois ser oferecida também ao público.
Brecht, propusemos uma justaposição da luta entre “Horácios” e
“Curiácios” e as múltiplas formas de resistência dos povos indí- Outra provocação que surgiu nesses primeiros encontros
genas no Brasil contemporâneo: tanto em uma camada documental, foi: por que cada um de nós está neste trabalho? E a primeira
através de depoimentos e registros realizados em uma viagem à constatação, talvez, compartilhada por nós tenha sido a de que
região do Rio Xingu, quanto pela transposição dessas estratégias não é somente por eles que estamos fazendo esse trabalho. É, an-
para os corpos dos intérpretes. tes de tudo, pela relação, pelo difícil e necessário aprendizado
com a alteridade. E também é por nós mesmos (o povo dos UM, com
Como Os Horácios e os Curiácios faz parte das “peças de todas as suas contradições), para que possamos, na aproximação
aprendizagem” de Bertolt Brecht, que têm como principal objetivo com experiências distintas de existência, repensar as nossas pró-
levantar questões para uma reflexão continuada, buscamos apren- prias escolhas e práticas. Essa ideia, inclusive, já vem contida
der, com a experiência dos povos ameríndios, outros modos de ver no bojo da obra do autor que nos guia nesta jornada: pois, para
a nossa própria sociedade e seu contexto, de modo a refletir em Brecht, nada é impossível de ser transformado.
cena, junto com o público, novas estratégias de ação da cultura
e da arte. Além disso, uma discussão muito em voga atualmente atra-
vessa o nosso trabalho. Sobre os lugares de fala: como tratar de
uma guerra que tem dois lados, sendo que nossa identidade nos
situa de um desses lados, e talvez esse nem seja o lado onde gos-

O PROCESSO taríamos de estar? Como expandir as questões que cada um desses


lados levanta para encontrar em nós as possibilidades, no campo da
experiência e não da representação, daquilo que cada lado simboli-
FEVEREIRO A SETEMBRO DE 2019, POR MARCOS DAMIGO za hoje no mundo? Ao mesmo tempo, a percepção da importância e da
urgência de tratar desses assuntos nos dá a coragem para adentrar
Os ensaios começaram no início de fevereiro. Como o elenco
nesse território delicado e perigoso, guiados pela convicção de
reúne atores/atrizes e bailarinas/bailarinos de diferentes pro-
que o que está em jogo talvez seja algo tão fundamental quanto a
cedências, históricos e experiências, a primeira questão coloca-
nossa própria existência enquanto espécie que habita este planeta.
da foi: como chegar juntos a algumas bases comuns sobre as quais
pudéssemos trabalhar? Para começar a tratar disso, outra pergunta
E, por fim, a reafirmação de que as nossas armas nessa
emergiu: como cada um de nós se via naquele momento em relação
guerra, enquanto artistas, são o corpo, o canto, o rito, a festa,
aos temas propostos pela obra?
a alegria.

Um ponto que também se apresentou logo de cara diz res-


Armados, então, para o combate, partimos para a batalha
peito à complexidade das questões que envolvem atualmente a
dos ensaios diários.
ideia de “representação”. Ainda mais quando envolve o encontro e
os desencontros entre culturas tão diversas: Como fortalecer o
Já no primeiro fim de semana tivemos a oportunidade de
protagonismo das guerreiras e guerreiros Guarani M’Bya, Kamayu-
participar de um ritual conduzido por Cris Takúa e Papá Mirim
rá, Yudjá ou Araweté e, ao mesmo tempo, não se omitir sobre uma
Poty, na Aldeia Guarani do Rio Silveira, em Bertioga. Nesse ritu-
guerra que a maioria da nossa sociedade “branca” finge não ver,
al, de passagem do tempo novo para o tempo antigo, houve a consa-
enclausurada em caixas, nas grandes cidades do país? Como “pôr em
gração da erva-mate, planta sagrada, numa noite inteira dentro da
cena” a luta dos povos indígenas, se não existe “O ÍNDIO”, mas
Casa de Reza, ao som de instrumentos e cantos sagrados Guarani.
305 povos indígenas diferentes vivendo no Brasil, cada qual com
A oportunidade de já começar os estudos da peça com essa imersão
sua cultura, língua, história, cosmologia, ciência(s) e modos de
nos trouxe, ao mesmo tempo, a percepção da potência desse uni-

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verso do qual estávamos querendo nos aproximar e nossa distância oportunidade de vivenciar por duas semanas um modo de vida radi-
em relação a ele, com nossos corpos, vozes e identidades cons- calmente diferente do nosso e de participar de um ritual como o
tituídos no ambiente urbano, destituído de rituais como aquele Kwaryp, a viagem foi também uma oportunidade de amadurecer aspec-
que estávamos vivenciando com tanta generosidade. Como despir as tos da encenação, uma vez que grande parte da equipe de direção
muitas camadas desta “civilização” adoecida e perdida para chegar de Arte estava lá.
a um mínimo de contato com aquele tipo de experiência?
Retomados os ensaios em agosto, o número de horas de tra-
A partir de então, iniciou-se uma etapa do trabalho onde balho por dia precisou aumentar, para darmos conta de aprontar
cada intérprete, provocado pelas discussões, práticas e treina- a peça para essa nova fase, dos encontros com o público no Sesc
mentos que estávamos começando a investigar, propusesse experi- Pompeia. Após tantos meses de intenso convívio, treinamentos vo-
mentos coletivos que explorassem aspectos da obra. Algumas dessas cais, corporais, estudos de cena, leituras e discussões, a obra
propostas permaneceram mais explicitamente nisso que agora com- toma forma. Sim, ela existe!
partilhamos com o público; outras serviram como fonte de inspi-
ração para que novas possibilidades e caminhos se abrissem.

Foi então que, convidados a realizar uma abertura de


processo no Museu do Ipiranga, dentro de um projeto de ocupação
organizado pelo Sesc Ipiranga, começamos a nos debruçar mais
concretamente sobre aspectos da encenação e das relações e fric-
ções entre o texto de Brecht e o nosso mundo. Durante os fins
de semana de abril, habitar aquele espaço, com suas estátuas e
pinturas que reforçam as narrativas de dominação do homem branco
europeu em detrimento da perspectiva dos povos que habitavam es-
tas terras antes de nossa chegada, foi uma oportunidade de cavar
novas potências da obra, justamente nesse confronto e na presença
de um público muito generoso ao nos acolher num momento ainda
tão inicial do trabalho e nos ajudar a entender o que estávamos
querendo realizar. Foi no Museu também que pudemos experimentar,
pela primeira vez, a parceria com os Guarani da Terra Indígena
Tenondé-Porã, no extremo sul da cidade de São Paulo.

Passada essa experiência, recolhemo-nos novamente na sala


de ensaios da Casa Livre, na Barra Funda, para gestar um próximo
encontro, desta vez lá na casa dos Guarani que estiveram conosco,
a Tenondé-Porã. Ficamos hospedados na aldeia Kaipety por qua-
tro dias no fim de junho, onde pudemos apresentar uma versão da
peça criada especialmente para aquele contexto. Uma versão que,
na verdade, foi se transformando ao longo das apresentações que
fizemos lá, nas Casas de Reza das Tekoá Kalipety, Krukutu e Te-
nondé. Para além da oportunidade de compartilhar o trabalho com
eles e reinterpretar a obra à luz desse encontro, foram dias de
convívio, intenso trabalho e muito aprendizado.

Desde o início do processo, já havíamos determinado que


julho seria um mês de recesso, pois havia um convite do povo
Kamaiurá, que mora na aldeia Ipavu, no Alto Xingu, feito para
Cibele e Clara e estendido a todas e todos da equipe, de parti-
cipar de um ritual chamado Kwaryp, o rito do fim do luto. Além da

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TRAJETÓRIAS E procurar, juntos, uma possibilidade de identidade mais múltipla.

Comecei lançando perguntas ao meu próprio corpo, procu-
rando possíveis estratégias de descolonização. Ainda busco as
respostas…
VANESSA MEDEIROS

Filha de uma mãe branca criada na religião evangélica e
de um pai Terena, minha relação com a arte e a vida foi concebida ROBERTO ALENCAR
dentro desse choque cultural, étnico e social que vivo em meu
corpo há 25 anos. Há pouco mais de um ano eu me tornei um “juruá”.

Meu pai foi preso quando eu era ainda muito nova e, então, Juruá é a palavra usada pelo povo guarani para se referir
fui criada pela minha mãe, que criou sozinha os três filhos. E aos não indígenas, o homem branco. Eu só me tornei um juruá ao
eu, acreditando ser branca, como meus irmãos, apesar de parecer entrar pela primeira vez numa aldeia guarani, e foi nessa aproxi-
fisicamente muito mais com meu pai. mação que conheci a palavra que me nomeava, que me diferenciava
do povo deles e me colocava imediatamente como o adversário. A
Era inconcebível ligar a minha imagem ou a imagem de meu partir da percepção do fato de que eu era visto como um inimigo de
pai à de um Xinguano, tamanha a romantização daquilo que seria um uma causa tão importante e urgente - como é a luta e a resistência
“Índio”. Quando criança, eu achava que povos indígenas eram pessoas dos povos originários desta terra - eu me senti provocado a me
do passado. Como assim? Dá pra ser indígena sem cocar e pintura? deslocar das conotações pejorativas que o termo juruá carrega, e
Assim, de calça jeans? Com celular na mão? Eu achava que não. estou trabalhando para me tornar um juruá aliado.

Conheci um lado da fronteira quando comecei a ocupar espa-
ços realmente destinados à branquitude e me vi estrangeira dentro ADRIANO SALHAB
da minha própria terra.
Salve, salve, comunidade! Quem vos fala é Adriano Salhab,
Observei que a linguagem era outra, o tratamento, os gestos, natural de Recife e habitante da Pauliceia há mais de quinze
o modo de pensar era outro; que o corpo era outro, a música, a comi- anos. Filho de pai franco/libanês e mãe anglo/indígena, meus
da, a festa, nada parecido com o quintal de casa. E que, sobretudo, parentes apontam pelo menos duas etnias na nossa árvore genealó-
o preconceito de classe era tão sutil quanto uma agulha no olho. gica: Tupinambás e Xucurus.

Histórias como a minha são tão abafadas, que quando você Com muito entusiasmo, aceitei o convite da Cia.Livre pra
tem a oportunidade de contar a si mesma, de estar no palco e com integrar o elenco de Os um e os outros (Os Horácios & os Curi-
o microfone ligado, o corpo sua, chega a tremer gerações silen- ácios), onde, através dessa sucinta peça didática de Bertolt
ciadas. Você duvida de sua potência, quase crê que é uma farsa e Brecht, temos a missão urgente de denunciar a nefasta e des-
por vezes se esquece de si, de tanto que teve que imitar branco proporcional luta de resistência dos povos ameríndios que, ao
para ocupar espaço de visibilidade. contrário das previsões históricas, não desapareceram, estão em
plena revolução e retomada de suas identidades e seus direitos,
É tempo de desobedecer! e que, neste momento são o baluarte, a salvaguarda da floresta
amazônica, em plena era de ascensão ao poder federal da bancada
Nossa história não é nosso destino, ou não deveria ser. E BBB, onde o desmonte institucional generalizado e o incentivo às
estamos aqui justamente para tratar do PRESENTE desses povos. invasões ruralistas dos assentamentos já são mais que o prelúdio
de mais um genocídio para pormos em nossa conta de “civilização”.
Observei, então, que branco não era cor, mas sim posição
política. E então precisei me posicionar, e quis conhecer a outra A missão especialíssima de musicalizar o difícil texto
parte da fronteira, a mais esquecida. Aproveitando que é uma peça original da peça e trazer pelo menos um pouco da vasta musica-
didática, para, junto com minhas parceiras e parceiros, aprender!

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lidade indígena, que sempre esteve tão próxima, mas oculta, às não dá pra terminar o ensino médio. faz acreditar que se quiser
canções, foi dada a mim e a Gui Calz! O resultado são cerca de uma faculdade, paga dois mil reais. acorda às cinco da manhã, vai
vinte canções originais, que compõem essa opereta cantada/inter- pra cidade e depois trabalha 8h pra ganhar trinta reais. mal sa-
pretada e dançada pela Cia.Livre e Cia. Oito Nova Dança. bem eles que só de passagem é vintão. e a duração dentro do busão?
duas/três horas, tá bom? entre uma coisa e outra, você consegue
A alegria é a prova dos nove! Cantemos o nosso martírio comer um pão. com manteiga. e depois da meia-noite, chegando em
para resistir sem esmorecer! casa, tem arroz e feijão.

...nosso país tem fome! tem urgência. a MORTE, não tem!
muita fome, tem! deixem-nos viver! nós resistiremos!
FERNANDA HAUCKE
...durante este processo de criação, tenho me perguntado a
que povo eu pertenço: povo brasileiro? branco? cristão? paulista? LU FAVORETO

o sentimento que tenho em relação a esses “povos” - que Eu sou Lu Favoreto e poderia ser tantos outros...
prefiro chamar de antipovos, impovos, despovos - é de repulsa e
profunda vergonha! não concordo nem me identifico absolutamente Artista da dança, vinda do Paraná, lugar de terra roxa e
com o modo como estes se estabelecem em sociedade, como cultivam agricultores. Chão de fertilidade. Pai agricultor e mãe benze-
seus alimentos, como constroem suas moradias e constituem suas deira. Faz tempo que me interesso pela consciência profunda do
cidades, como tratam seus corpos, suas crianças, adolescentes e corpo em movimento, em transformação. Nesta pesquisa, muitos bons
velhos, como reverenciam seus ancestrais, como se relacionam com encontros. Parceiros de trabalho e de vida.
os seres minerais, vegetais e animais, como encaram os ciclos da
vida - nascimento, puberdade, maturidade, morte, e como lidam com Até meus vinte anos, achava que indígena no Brasil era coisa
o invisível..... do passado. Nunca me falaram o contrário. Na escola, na minha casa,
na televisão... Alguma coisa me dizia que algo não estava sendo
não me identifico e não quero pertencer a esse “antipovo” dito.
que me foi imposto pelo lugar e o momento histórico em que nasci
e que está se autodestruindo e levando para a destruição tudo e Desde então, venho pesquisando e me informando sobre a
todos ao seu redor presença indígena em São Paulo, no Brasil e no mundo. A questão
dos povos originários toca meu coração e me conduz à percepção
sinto que tenho que aprender outros modos de vida ....e das diferenças entre os seres viventes, humanos e extra-humanos.
então descobri que existem 305 povos indígenas no brasil.... Todos potentes e em movimento...

acho que estou aqui para tentar aprender outros modos Nos últimos anos, com nascimentos e mortes de entes que-
de vida... ridos, tenho me interessado pelos ritos de passagem dos povos,
tão precários e fragilizados em nossa sociedade. Tem me chamado
atenção o quanto somos destituídos de instrumentos para realizar
a celebração do nascimento e o luto, tanto no âmbito individual
JACK SANTOS quanto na coletividade. Momentos tão importantes na existência
são banalizados e pouco, ou nada, compartilhados.
Entretanto, por que temer a morte e não a fome?


Que buraco é esse? Quanto ele nos abisma? Como vivermos
é preciso falar sobre branquitude. mas sem seu protago-
essas intensidades com suporte e espontaneidade na coletividade?
nismo, tudo bem? sobre esse sistema condicional-capital que há
Questões que permeiam meus pensamentos e que me conduzem numa
séculos vem destruindo diversas outras possibilidades de exis-
reflexão artística.
tência. a fome é uma tortura devastadora! faz acreditar que,

somente um arroz e um feijão são o suficiente. faz acreditar que
Isso me move até aqui, na construção deste trabalho.

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CIBELE FORJAZ GISELE CALAZANS
Em 2018, eu fiz um pós-doutorado na FFLCH USP, na linha Sou brasiliense, filha de um pai carioca, que é filho de
de pesquisa da antropologia das formas expressivas, chamado A russa e um português. E de uma mãe capixaba descendente de espa-
morte e as mortes do Rio Xingu – Estudo da morte como forma de nhol e uma mãe que contava que sua mãe tinha sido pega no laço.
resistência e transformação da relação entre Gente e Rio. Reali- Expressão que foi naturalizada na formação das famílias brasi-
zei, então, junto com Clara Mor, uma travessia de nove meses pelo leiras. “PEGA NO LAÇO”? Eu me dou conta de que carrego comigo
Rio Xingu, da barragem de Belo Monte até o Território Indígena as marcas de uma mulher estuprada, violentada, retirada de seus
do Xingu (T.I.X.), com estudo de campo junto aos povos Araweté, parentes, de sua cultura. As marcas também de um homem branco
Yudjá (Juruna) e Kamayurá. abusador, estuprador, meu bisavô.

No dia 1O de janeiro de 2019, estávamos na aldeia Tuba-


tuba, do povo Yudjá, quando recebemos a notícia da MP 870, que
transferiu a Funai para o Ministério da Mulher, da Família e
FREDY ALLAN
dos Direitos Humanos e colocou a demarcação de terras indígenas
Antes da chegada dos estrangeiros brancos colonizadores
sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura, Pecuária e
e os negros escravizados, os povos indígenas das Regiões Nor-
Abastecimento, controlado pelo Agronegócio. Essa ação violenta,
te e Nordeste faziam um ritual em torno de uma árvore, Mimosa
no primeiro dia do novo governo, não apenas busca desmontar as
Hostilis, popularmente conhecida como jurema-preta. Considerada
políticas indigenistas em vigor, como indica uma clara ameaça à
sagrada, a árvore representa a morada dos ancestrais, e o acesso
autonomia dos territórios indígenas, assim como à sobrevivência
a ela se dá através da bebida e da fumaça do cachimbo. A bebida
das vidas e culturas dos 305 povos indígenas, originários destas
com o fumo do cachimbo são misturas feitas a partir das cascas
terras, antes mesmo da existência do Brasil.
de árvore jurema, assim como suas raízes e folhas. Estou aqui por

causa do cachimbo, e todas as suas histórias, dos moradores das
As lideranças do povo Yudjá, então, pediram que gravásse-
cidades encantadas.
mos mensagens deles para os Karaí, os “brancos” ou não indígenas,
como nós. Essas mensagens e a responsabilidade de transmiti-las
da melhor forma possível, para o máximo de pessoas, foi o meu
primeiro motor, neste processo de criação. LUCIA ROMANO

As palavras de Tinini Juruna, Yabá Yudjá, Marcello Kamayu- A urgência do Brasil de hoje nos conduz à revisão de to-
rá, Sonia Guajajara, Ailton Krenak, Cris Takuá, Jerá Miri Poty, das as nossas ações. A grande dificuldade, no meu entendimento:
Tiago Guarani... e tantos outros intelectuais indígenas que con- encontrar a melhor forma de dialogar sobre o que vivemos, sem
tribuíram com esse processo, falam por si. A nós cabe encontrar que haja um consenso. Por isso, Brecht se tornou premente. Mas a
maneiras de escutar. tarefa não é fácil: é preciso também refazer a cabeça. Refazer o
coração. Como atriz, neste espetáculo, desejo estar em cena sem
representar os povos da floresta, mas somando minha voz às deles

MARCOS DAMIGO e delas. Sou atriz-plateia, preparando-me para aprender a ser


gente de outro jeito. Outro jeito.

Por que estou fazendo este trabalho? Porque viver de tea-


tro é gostar de desafios, e esta é uma das obras mais complexas e
desafiadoras que já fiz. Porque ele me dá a oportunidade de estar
em contato com uma das questões mais importantes e urgentes que
estamos vivendo hoje. Porque, através dele, eu tenho a possibi-
lidade de experimentar, a cada dia, o exercício de ser outro, no
convívio com meus colegas e no confronto com tudo aquilo que, em
mim, resiste em aceitar que mudar não é apenas necessário: é a
condição de estar vivo.

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CIA.LIVRE, CIA. OITO NOVA DANÇA Queriam que fizéssemos exames, que conseguíssemos um diploma?

E BERTOLT BRECHT
É voz corrente que existe uma diferença marcante entre
aprender e divertir-se. É possível que aprender seja útil, mas só
divertir-se é agradável. É preciso defender o Teatro Épico contra
qualquer possível suspeita de se tratar de um teatro profundamen-
Aqui, agora, a Cia.Livre e a Cia. Oito Nova Dança contam
te desagradável, tristonho e fatigante.
OS UM E OS OUTROS, uma livre adaptação de OS HORÁCIOS E CURIÁ-

CIOS, PEÇA DE APRENDIZAGEM de Bertolt Brecht.
O que podemos dizer é que a oposição entre aprender e

divertir-se não é uma oposição necessária, por natureza, uma opo-
Essa peça é como um livro, que uma pessoa abre para trans-
sição que sempre existiu e sempre terá de existir. (...)
mitir seu conteúdo ao público que, através do coro, examina minu-
ciosamente os participantes dessa história e suas ações. É como
A instrução desempenha para as diferentes camadas da po-
um jogo, em que o público participa ativamente. Nós vamos obser-
pulação um papel muito diverso. Há camadas que são incapazes de
var o mecanismo de um acontecimento, como se fosse a desmontagem
conceber uma melhoria de situação; a situação em que se encontram
de um motor de um carro.
parece-lhes suficientemente boa para si. Aconteça o que acontecer
ao petróleo, dele recebem lucros.(...) Mas há outras camadas da
Para nós, aqui e agora, os “Curiácios” são o povo dos UM,
população “que ainda não tiveram a sua vez”, que estão descon-
que acredita que a sua Cultura é UNIVERSAL. Os “Horácios” são
tentes com a situação, que têm um grande interesse prático pela
todos os “OUTROS”, povos múltiplos e suas diferentes culturas e
instrução, que querem se orientar a todo custo, que sabem que sem
formas de vida.
instrução estão perdidas – estes estudantes são os melhores e os
mais sequiosos de saber. É possível, também, encontrar diferenças
“MERDA!”
entre os diversos países e populações. O gosto pela instrução
depende, então, de muitos e variados fatores. Mas, não obstante,
há uma forma de instrução que causa prazer, que é alegre e com-

A PEÇA DE APRENDIZAGEM
bativa. (...) O teatro não deixa de ser teatro, mesmo quando é
de aprendizagem; e, desde que seja bom teatro, diverte.

BERTOLT BRECHT
O palco principiou a ter uma ação de aprendizagem.

O petróleo, a inflação, a guerra, as lutas sociais, a


família, a religião, o trigo, o comércio de gado de consumo
passaram a fazer parte dos temas do teatro. Coros elucidavam o
espectador acerca dos fatos para ele desconhecidos. Por meio de
montagens cinematográficas, mostravam-se acontecimentos de todo
o mundo. As projeções forneceriam material estatístico. Pelo des-
locamento dos fundos para primeiro plano, a ação dos homens era
submetida a uma crítica. Havia uma forma certa e uma forma errada
de agir. Apareciam os homens que sabiam o que faziam e os que não
sabiam. O teatro passou a oferecer aos filósofos uma excelente
oportunidade; oportunidade, aliás, aberta apenas a todos aque-
les que desejavam não só explicar, mas também modificar o mundo.
Fazia-se filosofia: ensinava-se, portanto. E, com tudo isso, o
teatro perdia sua função de entretenimento? Acaso nos empurravam
de novo para os bancos da escola e nos tratavam como analfabetos?

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FRAGMENTO SOBRE A PESQUISA
DA CIA.LIVRE NA CRIAÇÃO DE
UMA LINGUAGEM CÊNICA
EPICIZANTE
LUCIA ROMANO

As diferentes aproximações da Cia.Livre para a interação ontologia do humano (em suas práticas sociais), com destaque para
entre a criação teatral e os povos ori-ginários do Brasil foram a polifonia da pessoa humana e o pensamento canibal. Esse prisma
constituindo as dimensões envolvidas nesse trânsito, desde Vem contrasta com a abordagem hegemônica do sujei-to iluminista, em
Vai, O Ca-minho dos Mortos (2007). Primeiro, foi necessário des- suas implicações para axiomas fundadores do fenômeno teatral no
naturalizar acepções sobre o espaço próprio dos artistas da Cia. Ocidente, entre eles, os princípios de drama, ficção, mimese e
Livre, qual seja, o asfalto ou a própria cidade, com seus limites representação.
urbanos e sua gen-te (onde os artistas do grupo se incluem), além
de seu mundo imaginário singular – saberes, símbolos e estere- Os espetáculos da Cia.Livre, desde Vem Vai, exemplificam
ótipos da experiência citadina, diretamente vivida, observada e também a pesquisa do grupo, no que tange à criação de uma lingua-
re-apresentada na cena pelos componentes deste coletivo teatral. gem epicizante, que se baseia numa apropriação singular do teatro
O mato, por sua vez, concentra uma outra matéria de observação, épico brechtiano a partir de sua tradução brasileira, cujas bases
análise e interpretação, num contexto que não pode ser chamado de remontam à releitura do encenador e teórico alemão pelo teatro de
“regional”, uma vez que atravessa regiões diferentes do país, mas grupo brasileiro a partir dos anos 1960, mais especificamente,
que se diferencia substancialmente dos processos urbanos, confi- nos exem-plos do Teatro de Arena e do Teatro Oficina, influen-
gu-rando-se como um manancial próprio, que desafia e tensiona as ciais na produção cênica deste coletivo. Através de sua prática
fronteiras do chamado “mundo glo-bal”. Então, o olhar da Cia.Li- teatral, a Cia.Livre vem se apropriando da “tradição brechtiana”
vre precisou ser orientado a esse universo pouco conhecido, mesmo recriada pelos dois gru-pos paulistanos, que tiveram, em suas
para os brasileiros, que é o espaço da floresta, suas sociedades, práticas diversas, o interesse comum de experimentação sobre os
seus habitantes (humanos e não humanos – animais, plantas e “en- princípios do teatro épico dialético. O que se preservou desde
cantados”) e as formas de pensar e agir que praticam. Efetuou-se, 1960, portanto, foi a preocupação com o destino estético-políti-
assim, uma observação cruzada, entre a aldeia e o fluxo instável co da criação teatral, ao lado de inflexões sobre uma cena não
da metrópole, enriquecida pela perspectiva das culturas nativas. ilusionista e consciente das determinantes do comportamento de
classe social; em que proliferam explorações em torno da persona-
O deslocamento entre asfalto e o mato permitiu que a gem não psicológica e da atuação coral; a importância do gestus;
Cia.Livre observasse a questão da alteri-dade, permeada pelos o rompimento com o flu-xo dramático por meio da música e outros
pressupostos de “diferença e igualdade”, dilema já esboçado em recursos de estrangeirização, e a historicização.
seus trabalhos anteriores. A abordagem atravessa os territórios
etnográficos tradicionais, ainda que reflita os campos da antro- Ainda que se assumindo como herdeira dessas propostas, a
pologia e da etnologia; ao mesmo passo que provoca revisões no Cia.Livre enfrentou seus próprios impasses diante das ideias e
campo das artes da cena, a partir do desafio de compreender as práticas brechtianas. De fato, o contexto teatral brasileiro foi
populações não urbanas e, por fim, as comunidades que Philippe tão profun-damente afetado pela extinção do estado de direito
Descola denominou animistas, sobre as quais conclui não haver (que se perpetuou de 1964 até o distensionamento político, em
precedência das categorias da prá-tica social sobre as que orde- 1985), que a produção teatral pós-anos 1980 necessitou rever seu
nam as relações com os não humanos. Entrou em quadro o trato da contexto histórico sin-gular (na economia e na política, assim
dis-tância e proximidade entre sujeitos e culturas, assim como como nas artes), a fim de reconstruir laços com processos esté-
questões em torno da separação entre natu-reza e cultura e da -ticos anteriores, em especial, com as formas teatrais preocu-

20 21
padas com a ação político-social. No caso da Cia.Livre, foi por
meio da montagem de Arena Conta Danton (2004), espetáculo criado
e apresentado na antiga sede do Teatro de Arena, que o grupo
se voltou para a leitura aprofundada de Brecht, encontrando ali
suporte para a tentativa de contar a história da Revolução Fran-
cesa, ao mesmo tempo que para entender seu próprio tempo-espaço
no teatro e na sociedade.

A experiência do grupo no Teatro de Arena conduziu ao


tratamento do tema da formação nacional por meio das narrativas
dos povos das florestas: partindo da ideia do Arena de que “para
estar-mos presentes no aqui-agora, temos que remontar nossos
clássicos”, a Cia.Livre radicalizou este objetivo, indo na dire-
ção do que está além do cânone ocidental - fontes orais, perten-
centes a epistemologias não ocidentais. A construção de paralelos
poéticos com a cosmovisão ameríndia aliou-se, assim, à práxis
epicizante de Brecht, indo ao encontro da posição do grupo sobre
o sentido revolucionário da cena.

A epicização garante o espaço de intersecção entre a lin-


guagem e a cultura, ao mesmo passo que preserva o lugar do outro,
sem solapá-lo. O partido da epicização tem sido, portanto, fun-
damental para o esclarecimento dos pontos de vista dos artistas
deste grupo de São Paulo, explicitamente enun-ciados na cena, e
o respeito ao “lugar de fala” dos povos da floresta. A cultura
ameríndia, dessa forma, não entra nas relações de uso, comuns na
experiência contemporânea, sendo respeitada enquanto uma visão
de mundo não-ocidental e consagrada em seu valor singular, não-
-cooptado pela voz ocidentalizada do nosso teatro.

Ao mesmo tempo que o épico dá maior visibilidade ao pen-


samento ameríndio, explicita a razão de sua invisibilidade, qual
seja, a perspectiva de dominação das formas sócio-culturais, po-
líticas e econômicas hegemônicas. Esse impulso de dominação, que
corre no sangue do Brasil europeizado, sabemos, tem como reação
as lutas continuadas que os povos da floresta travam hoje, acir-
rando a ne-cessidade de resistir que vem enfrentando nas chamadas
terras brasileiras desde o século XVI, em de-fesa de sua existên-
cia legítima. A forma de enunciação épica, cultivada e lapidada
por um Brecht já devorado pela Cia.Livre, ajuda a apresentar essa
disputa de discursos; assim como a somar a voz do grupo às vozes
dos e das resistentes, mas sem falar por eles e elas.

22 23
DA COMUNIDADE DOS OUTROS, FALA CRIS TAKUÁ SOBRE A CIDADE DOS UM
Muita gente me pergunta: “como podemos ajudar os
povos indígenas?” Para além do movimento ideológico, dos
papéis, manifestos, há uma coisa que todo mundo tem que
pensar. A luta dos povos indígenas é a defesa da floresta.
A cotia, a paca, a lontra, estão lá, querendo água limpa,
equilíbrio, tranquilidade. Então “ajudar” na luta dos povos

A
indígenas é pensar que a existência da floresta significa a
existência de todo mundo aqui. Então uma forma de “ajudar”
seria pensar o seu próprio modo de existência, seus padrões
de consumo. Precisa todo mundo comer tanto boi? Precisa todo
mundo usar tantas joias? Alianças de ouro quando vai casar,

CIDADE
pra selar a relação de amor? Que amor é esse, que passa por
uma mineração que estupra a terra? Que alimentação é essa
de um churrasquinho de festa que acaba com todos os terri-
tórios, por causa da soja que alimenta o boi, e que termi-
na com a morte de lideranças indígenas? Então uma forma de
“ajudar” é repensar os padrões de consumo de cada um no dia

DOS
a dia. Porque existem muitos encontros, assembleias, confe-
rências, mas depois vai todo mundo pra casa e continua con-
sumindo boi. E continua não pensando no que ele mesmo faz,
o que cada um faz no dia a dia. Então acho que essa grande
luta pela demarcação dos territórios, é pela proteção das

UM
florestas. E todo mundo pode fortalecer, pensando no modo
de vida que tem. Eu sei que na cidade não dá pra todo mun-
do plantar o que come. Mas justamente no momento em que se
entra no supermercado, aí está o ato político de cada um.
Será que eu preciso comprar tanta coisa? Essa reflexão tem
me vindo muito nos últimos tempos, de tanto ouvir as pessoas
falarem “como vamos enfrentar a situação atual do país?”,
“como vamos ajudar os povos indígenas?”. Temos que pensar o
que estamos fazendo todo dia quando levantamos. Como estamos
educando nossas crianças? Aí, sim, está essa união de for-
ças. Parar de privilegiar tanto a ideologia, os papéis, as
cartas, os manifestos e deixar de cometer sempre os mesmos
erros que alimentam a mineração e o agronegócio no Brasil.

24 25
AILTON KRENAK FALA SOBRE A VIOLÊNCIA DOS UM
E A RESISTÊNCIA DOS OUTROS
Aqui, no continente americano, há uma longa história no mundo, aí sim, não haverá lugar pra mais ninguém. Porque
de desaparecimentos, de negação da vida e da experiência de enquanto houver lugar para os seres humanos, esse concerto
povos que têm uma maneira de estar aqui na Terra que não de humanidade vai ter que conviver com essa gente chamada de
pressupõe a extinção dos outros. Eu me lembrei desse jeito “índios”, que somos os continuadores da memória dos nossos
de estar no mundo, diante da pergunta de um jornalista que avós e dos nossos pais, que sabemos a linguagem dessa ter-
me disse: Krenak, quando os europeus chegaram aqui na praia ra e nos identificamos com ela de uma maneira que às vezes
de vocês, vocês eram milhares de índios, e a canoa que chegou entendemos que nós somos os filhos dessa terra. E isso dá
na praia tinha algumas dezenas de homens, por que vocês eram uma potência e uma determinação pra essas novas gerações
tantos e simplesmente não jogaram eles de volta no mar? Eu a seguir a memória dos seus ancestrais. Um verso que diz:
disse: na nossa mentalidade, era inconcebível uma potência cantando/ dançando/ passando sobre o fogo/ num contínuo/ se-
externa chegar na nossa casa pra nos exterminar. Nenhuma das guimos os rastros dos nossos ancestrais. Essa convocação pra
nossas tribos imaginava que pudesse chegar alguém pra cau- cada geração cantar, dançar, passar sobre o fogo no rastro
sar um dano tão grande. Então, pegaram aqueles homens que dos ancestrais é a convocação da nossa memória. A memória é
chegaram de canoa, alguns cansados, doentes, que ficavam esse grande rio por onde nós seguimos.
muito tempo sem comida, e curaram eles. Levaram eles pra
casa, deram comida pra eles. Assim que eles ficaram fortes,
botaram fogo nas nossas casas e mataram as nossas famílias.
Então, mesmo assim, os nossos parentes diziam: “mas será que UM DILEMA ESPIRITUAL
eles estão doidos?”. E tentavam acalmar aquela gente dando AILTON KRENAK
comida, dando abrigo. Acontece que trinta ou quarenta anos
depois eles já tinham ocupado uma grande faixa do território Muita gente tem problema com a palavra “sagrado” e
e já estavam determinados a acabar com as nossas aldeias. acha que aplicar esse termo à natureza é um exagero, como
Foi só então que alguns dos nossos velhos disseram: eles são se fosse uma tentativa equivocada de estender à natureza
muito diferentes da gente. A vida pra eles não tem o mesmo conceitos que são só da cultura. É difícil, muita gente tem
sentido. Eles estão determinados a acabar com a gente. Então vergonha do sagrado ou de demonstrar alguma sensibilidade
aquele levante que começou em cerca de 1540, 1560 foi um dos que não tenha a ver apenas com seu umbigo. Se reproduzir
primeiros levantes que aconteceram por aqui, mas nós já es- e se bancar com o máximo de consumo, qualquer idiota pode
távamos em uma situação em que os próprios visitantes tinham fazer, mas não é qualquer idiota que consegue transcender à
tomado conta deste território de uma maneira irreversível. fissura de si mesmo e ter uma percepção de que somos mais do
E nós tivemos que aprender a conviver com as levas de gente que animais que se reproduzem e dominam territórios. Somos
que vieram pra cá a cada século. Até o ponto de nós chegar- capazes de ideias, percepções e sentimentos que restabelecem
mos no século XX com quase uma constatação de que os índios para nós mesmos o sentido de sagrado. E sagrado pode ser tudo
tinham acabado. Ou eles tinham sido assimilados, integrados, aquilo em que botamos os olhos, a depender dos olhos com que
ou tinham fisicamente sido extintos. Havia uma narrativa enxergamos o mundo. Se vemos uma montanha como toneladas de
impregnada nos livros, na literatura, que fazia com que mui- minério a serem transformadas em carros e outras bugigangas,
tos meninos fossem pra escola pra ouvir “os índios eram”, então ela não pode ser sagrada. Se olhamos uma floresta e
“os índios foram”. E essa mentalidade estava disseminada na não conseguimos vê-la com algum significado transcendente,
consciência dos brasileiros. Só na década de 1970 e 80, a então ela vira só um estoque de recursos naturais. É quase o
minha geração decidiu que nós tínhamos que abrir essa cor- que acontece no Brasil hoje em relação à energia, todos nos-
tina da história e mostrar que nós nunca fomos extintos. sos rios estão sendo calculados em quilowatts. Então, alguém
Que algumas das famílias foram mesmo vítimas desse genocídio olha um rio e só pensa em quanta energia pode ser retirada
americano, mas que nós estamos vivos e estamos determinados dali. São verdadeiros vampiros que olham a natureza com as
a fazer parte desse convívio com todos os outros povos e com presas de fora.
a convicção de que se não houver lugar para essa diferença

26 27
O DESPERTAR DOS XONDARO
JERA POTY MIRI (GISELDA PIRES DE LIMA)

Mesmo quando o sentido de ser guarani, o espírito, a alma


guarani está um pouco dormindo, quando é chamado, ele acorda
muito rápido. A gente começou um projeto de fortalecimento do

A
xondaro na Tenondé-Porã em 2010, quando ele estava muito, mui-
to adormecido. Xondaro, que são os guardiões, era uma coisa que
sempre me emocionava bastante quando eu era criança. Quando os
xondaro dançavam, eu ficava sentadinha e sentindo o chão embaixo
de mim tremendo. Era uma vibração muito forte, uma coisa linda,

COMUNIDADE
magnífica. Os homens dançavam com muita seriedade, porque faz
parte do mundo espiritual guarani, que tem uma concepção muito
ampla, grandiosa.

Depois eu fui crescendo e a dança do xondaro foi se enfra-


quecendo na aldeia. Eu falava para os meus parentes de Tenondé-

DOS
-Porã que a gente precisava fortalecer, trazer de volta o xondaro
que estava dormindo. O xondaro está muito voltado para o contexto
espiritual, de ter seu valor como Guarani, mas também é uma prá-
tica de dança que mexe muito com a força física. Algumas lutas,
por exemplo, o karatê, têm movimentos que você tem que ficar com

OUTROS
os músculos muito tensos pra você atacar bem, pra você derrubar
o seu inimigo. Já no xondaro é ensinado a ter a leveza no corpo.
Eu posso jogar alguém a quilômetros de distância com a leveza do
meu corpo, mesmo que a pessoa esteja enrijecida, na defensiva.

Ser xondaro ou xondaria não significa só circular, dan-


çar, pular e rodar… Significa você incorporar o espírito guarani
e, a partir daí, saber o que você pode fazer e o que não pode, se
você é xondaro ou xondaria de quem, de quem você tem que cuidar
dentro da sua aldeia e como você tem que cuidar. Também saber
como vão ser seus passos no futuro, dentro da comunidade em que
você vive, pra que você seja o xondaro que você tenta ser quando
você entra no círculo da dança. A beleza do xondaro, toda sua
concepção, você só entende se você for na aldeia e vir algumas
danças, ou se você dançar.

28 29
VIOLAÇÕES
A) RESUMO EXECUTIVO
1. UMA POLÍTICA DE ESTADO DE AÇÃO E OMISSÃO
Os povos indígenas no Brasil sofreram graves violações

DE DIREITOS
de seus direitos humanos no período entre 1946 e 1988. O que se
apresenta neste capítulo é o resultado de casos documentados, uma
pequena parcela do que se perpetrou contra os índios. Por eles, é
possível apenas entrever a extensão real desses crimes, avaliar
o quanto ainda não se sabe e a necessidade de se continuar as in-
vestigações. Não são esporádicas nem acidentais essas violações:

HUMANOS
elas são sistêmicas, na medida em que resultam diretamente de po-
líticas estruturais de Estado, que respondem por elas, tanto por
suas ações diretas quanto pelas suas omissões. Omissão e violên-
cia direta do Estado sempre conviveram na política indigenista,
mas seus pesos respectivos sofreram variações. Poder-se-ia assim

DOS POVOS
distinguir dois períodos entre 1946 e 1988, o primeiro em que a
União estabeleceu condições propícias ao esbulho de terras indí-
genas e se caracterizou majoritariamente (mas não exclusivamen-
te) pela omissão, acobertando o poder local, interesses privados
e deixando de fiscalizar a corrupção em seus quadros; no segundo

INDÍGENAS
período, o protagonismo da União nas graves violações de direitos
dos índios fica patente, sem que omissões letais, particularmente
na área de saúde e no controle da corrupção, deixem de existir.
Na esteira do Plano de Integração Nacional, grandes interesses
privados são favorecidos diretamente pela União, atropelando di-
reitos dos índios. A transição entre os dois períodos pode ser
datada: é aquela que se inicia em dezembro de 1968, com o AI-5.
Como resultados dessas políticas de Estado, foi possível esti-

GRUPO DE TRABALHO mar ao menos 8.350 indígenas mortos no período de investigação


da CNV, em decorrência da ação direta de agentes governamentais

DA COMISSÃO NACIONAL
ou da sua omissão. Essa cifra inclui apenas aqueles casos aqui
estudados em relação aos quais foi possível desenhar uma esti-
mativa. O número real de indígenas mortos no período deve ser

DA VERDADE SOBRE GRAVES exponencialmente maior, uma vez que apenas uma parcela muito
restrita dos povos indígenas afetados foi analisada e que há

VIOLAÇÕES DE DIREITOS casos em que a quantidade de mortos é alta o bastante para


desencorajar estimativas.

HUMANOS NO CAMPO OU
CONTRA INDÍGENAS

30 31
O ABRAÇO DA MORTE e rios afluentes para a calha do Rio Xingu, localizada
no centro do Parque. Essas alterações comprometem as condições
físico-químicas para a reprodução dos peixes, que constituem
ALMANAQUE SOCIOAMBIENTAL PARQUE INDÍGENA DO XINGU 50 ANOS a principal fonte de proteína na dieta tradicional dos povos
xinguanos. O assoreamento deixa os rios mais rasos, o que afeta a
O Parque Indígena do Xingu (PIX)1 foi a primeira grande 1
O PARQUE navegação, e a turbidez da água dificultando a pesca. A presença
terra indígena reconhecida no país e também a abrigar várias INDÍGENA de fazendas ao redor das nascentes e rios que formam o Xingu
etnias indígenas (atualmente, são dezesseis povos). Sua locali- DO XINGU também aumenta o risco de contaminação da água por pestici-
zação praticamente no centro geográfico do país, na região de (PIX) HOJE das utilizados nas lavouras. Nas fazendas de pecuária, o manejo
transição dos biomas Cerrado e Amazônia, associa de forma CHAMA -SE incorreto do gado agrava ainda mais o processo de assoreamento
original sociodiversidade a uma riquíssima biodiversidade. A TERRITÓRIO das nascentes e cursos de água.
história de contato e convívio de seus povos com o restante INDÍGENA DO
da sociedade brasileira traduz e representa a longa saga, ainda XINGU (TIX)
em curso, de ocupação desse imenso território chamado Brasil.
Criado há sessenta anos (em 1961) pelo então presidente
Jânio Quadros, visto como cartão de visita da política indi-
genista oficial durante muitos anos, o PIX localiza-se na região
nordeste do estado do Mato Grosso, na parte sul da Amazônia bra-
sileira, e está totalmente inserido na bacia do Rio Xingu. (...)
Seus limites foram contestados na época por interesses econômicos
ligados ao mercado mato-grossense de especulação de terras e,
posteriormente, por vários povos indígenas que tiveram parcelas
significativas de seus territórios tradicionais excluídos da sua
demarcação. (...)

O Parque Indígena do Xingu é hoje uma ilha de florestas
cercada por fazendas de soja e gado. (...) Mas a substituição do
Cerrado por imensas áreas de cultivo ainda avança, o que
compromete a preservação da biodiversidade, a saúde do Rio
Xingu e, consequentemente, a sustentabilidade do PIX e suas
comunidades. Esse verdadeiro “abraço de morte” que chega
ao Parque do Xingu por todos os lados foi pontuado ao longo do
tempo por uma tensão de interesses e disputa territorial
que marcou as relações entre os povos indígenas e a sociedade
envolvente durante muitos anos. Entretanto, esse cenário vem
mudando. (...)

O impacto do desmatamento e da degradação flores-
tal do entorno do PIX é potencializado porque as nascentes
dos rios que formam o Xingu – vital para as populações
indígenas que dele dependem – estão do lado de fora
do Parque. Assim, o desmatamento das matas ciliares dos
afluentes do Xingu cujo curso está fora dos limites do PIX
provoca assoreamento e alteração nas características natu-
rais das águas, com o aumento da turbidez e da temperatura, cujas
consequências já são fortemente sentidas pela população
indígena. O Parque do Xingu funciona como uma espécie de
ralo regional, na medida em que tudo flui pelos córregos

32 33
CORO DOS CURIÁCIOS:
MUNDÉU DO MUNDO
CURIÁCIOS, VALÉRIA MACEDO
RURALISTAS ,
“A história que os Guarani Mbya mais gostam de contar é
POR QUE DILACERAR-NOS UNS AOS OUTROS?
de um tempo em que ainda não havia juruá, e uma gente-onça ori-
MAIS UM INVERNO É PASSADO, ginária andava pela terra. Nhanderu Papa Tenonde vivia aqui, mas
E DENTRO DE NOSSOS MUROS se desentendeu com sua esposa e partiu para uma morada celeste.
CONTINUA RUGINDO FURIOSA Ela estava grávida e foi atrás do marido, seguindo as orientações
A LUTA PELA POSSE DA TERRA E PELA POSSE DAS MINAS. do caminho dadas por seu filho dentro da barriga. Mas eles também
se desentenderam e ela pegou o caminho errado, indo parar na casa
ASSIM DECIDIMOS das onças, que a devoraram. As onças não conseguiram comer seu
PEGAR EM ARMAS filho Kuaray, o Sol, que foi então adotado pela onça mais velha.
E, EM TRÊS CORPOS DE TROPAS, Mais tarde Kuaray fez um irmão, Jaxy, a Lua, para fazer-lhe com-
panhia. Ambos caçavam borboletas e, certa vez, desobedeceram a
INVESTIR SOBRE A TERRA DOS OUTROS,
avó-onça, que lhes havia proibido de ir a uma certa região. Ali
A FIM DE SUBJUGÁ-LOS E APOSSAR-NOS
estavam prestes a flechar um papagaio, quando este lhe contou o
DE TUDO O QUE ELES TÊM EM CIMA E EMBAIXO DO SOLO.
que se passara com sua mãe. Os irmãos resolveram então se vingar
ENTREGUEM SUAS MINAS, CAMPOS E FERRAMENTAS, SENÃO da avó e de seus tios onças, buscando acabar com essa espécie de
IREMOS ATACÁ-LOS COM FORÇAS TÃO POTENTES gente. Fizeram mundéus para capturá-las e depois uma falsa ponte
QUE NENHUM DE VOCÊS HÁ DE ESCAPAR! para afogar as que restaram. Contudo, Jaxy, fez um sinal antes
RENDAM-SE! da hora, e eles viraram a ponte sem que uma onça grávida tivesse
iniciado a travessia. Ela sobreviveu e teve filhos com o filho,
de modo que a predação seguiu imperando no mundo. (...)

Uma outra história que ouvi conta o porquê de os brancos
serem muitos. Diz-se que Nhanderu, pediu para o primeiro juruá e
CORO DOS HORÁCIOS, RESPONDE: o primeiro guarani escolherem entre o petygua e um saco de di-
nheiro. O guarani ficou com o petygua para poder se comunicar com
Nhanderu, e o juruá ficou com o dinheiro para possuir, consumir
LÁ VEM, e acumular coisas. Por isso os brancos são tão poderosos e nume-
LÁ VEM, OS ASSALTANTES! rosos nesta terra, mas seu domínio está restrito a ela, já que
não têm acesso às aldeias celestes dos imortais, como aqueles que
COM POSSANTES
escolheram o petygua.”
EXÉRCITOS ATACAM NOSSA TERRA.
POUPARÃO NOSSAS VIDAS, SE ENTREGARMOS
TUDO DE QUE, PARA VIVER, NECESSITAMOS.
ENTRETANTO, POR QUE TEMER A MORTE

E NÃO A FOME?
NÃO, NÃO, NÃO NOS RENDEREMOS!
NÃO, NÃO, NÃO NOS RENDEREMOS!

NÓS RESISTIREMOS, NÓS EXISTIREMOS SIM


NÓS NÃO NOS RENDEMOS NÃO
NÃO NOS RENDEMOS ASSIM!

34 35
POVOS DA
MEGADIVERSIDADE
O QUE MUDOU NA POLÍTICA
INDIGENISTA NO ÚLTIMO
MEIO SÉCULO

A
MANUELA CARNEIRO DA CUNHA
Em 1967, o ministro do Interior, general Afonso Augusto de
Albuquerque Lima, ordenou a realização de uma comissão de inqué-
rito administrativo para apurar os delitos praticados pelo Serviço

BATALHA
de Proteção aos Índios (SPI). Queria punir funcionários e morali-
zar o órgão. Nomeou para presidir a comissão o procurador federal
Jáder de Figueiredo Correia. A iniciativa havia tardado quatro
anos e derivava das graves denúncias de desmandos administrativos
e financeiros no relatório de uma Comissão Parlamentar de Inqué-

DOS
rito (CPI), de 1963. Figueiredo fez valer que a CPI havia apenas
examinado os anos 1962 e 1963 e, ainda assim, só três inspetorias
do SPI, uma no Amazonas e duas no Mato Grosso. O ministro foi le-
vado a estender o âmbito do inquérito a todo o Brasil.

A Comissão Figueiredo percorreu uns cem postos indígenas

ARQUEIROS
dos cerca de 130 existentes, em cinco inspetorias regionais do SPI,
e apresentou um relatório de quase 7 mil páginas datilografadas.
Incluía uma síntese em que descrevia muito mais do que problemas
administrativos e os corriqueiros desvios financeiros. Denuncia-
va, com indignação, crimes e violações de direitos humanos contra
os indígenas. Dava nomes, detalhes e provas. Havia conluio de fun-
cionários do SPI com fazendeiros, políticos locais, arrendatários,
mineradoras; havia corrupção e desvio de dinheiro, apropriação de
recursos, usurpação do trabalho dos índios; dilapidação do pa-
trimônio dos índios, com venda de gado, de madeira, de castanha
e outros produtos extrativistas, exploração de minérios, doação
criminosa de terras; havia trabalho obrigatório ou escravo, venda
de crianças, maus-tratos, espancamentos, prostituição, cárcere
privado, seviciamento, torturas, suplício no tronco que esmagava
os tornozelos, mortes por deixar faltar remédios, assassinatos,
em suma, um vasto rol de “crimes contra a pessoa e o patrimônio
do índio”. Em termos estatísticos, os crimes por ganância eram os
mais comuns, mas os crimes contra a pessoa, mais hediondos.

36 37
Figueiredo salientou também a omissão na assistência Civil de 1916 passou a classificá-los como “incapazes relativamen-
devida pelo SPI aos índios, “a mais eficiente maneira de pra- te a certos atos ou à maneira de os exercer”, o mesmo status que
ticar o assassinato”. E, por fim, explicitamente, mencionou a tinham as mulheres casadas (essa situação perdurou até 1962) e os
omissão institucional do SPI diante de massacres de extermínio. jovens entre 16 e 21 anos. Assim enquadrados no Código Civil, os
Citou o massacre por fazendeiros no Maranhão de toda uma “nação” índios passaram a merecer a proteção de um tutor, papel que foi
indígena sem que o SPI se interessasse. Mencionou denúncias, atribuído ao Estado e que este delegou ao SPI e depois à Funai.
nunca apuradas pelo SPI, de inoculação de vírus da varíola que
provocou a “extinção da tribo localizada em Itabuna, na Bahia, O Relatório Figueiredo causou grande indignação na opi-
para que se pudesse distribuir suas terras entre figurões do nião pública e repercutiu amplamente na imprensa do país e do ex-
governo”. Falou do que passou a ser chamado de “Massacre do terior. Chegou a ser assunto da primeira página do New York Times
Paralelo 11”, quando os cintas largas em Mato Grosso, atacados no dia seguinte à sua divulgação. Assinado por Paul L. Montgomery
por dinamite jogada de avião, foram envenenados por açúcar com e usando excertos do Relatório Figueiredo, a reportagem mencio-
estricnina, abatidos por metralhadora, pendurados e cortados ao nava uma escandalosa série de assassinatos, estupros e roubos
meio, de cima a baixo, com um facão, sem que ninguém incomodasse cometidos contra os índios no Brasil nos últimos vinte anos.
os perpetradores do crime.
A palavra “genocídio” foi criada em 1944 para designar a
Esse relatório foi divulgado oficialmente em 1968. O pró- política nazista de extermínio de judeus e ciganos. Uma Convenção
prio ministro Albuquerque Lima, diga-se em sua honra, deu uma para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, organizada
entrevista coletiva para a imprensa em 20 de março e consta que pela ONU em 1948, caracterizou o crime e definiu as punições a
o Diário Oficial publicou o relatório conclusivo em setembro ele. Desde então, “genocídio” foi o termo empregado para se refe-
de 1968. O ministro do Interior continuou a divulgar massacres rir ao que os turcos praticaram contra os armênios, em 1915, ou
dos krahôs, dos canelas, dos maxakalis, dos nhambiquaras, dos os hutus aos tutsis, em Ruanda, em 1994.
tapayunas. Em dezembro de 1968, com o Ato Institucional no 5, a
situação mudou e aparentemente os documentos foram arquivados. O A lei brasileira no 2889, de 1o de outubro de 1956, seguin-
paradeiro do Relatório Figueiredo ficou ignorado durante mais de do a formulação da ONU, definiu como genocídio o crime praticado
quatro décadas, e o documento só reapareceu em 2012, graças ao com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacio-
pesquisador Marcelo Zelic, que o identificou no Museu do Índio, nal, étnico, racial ou religioso. São eles: “a) matar membros do
no Rio de Janeiro. Tornou-se imediatamente uma fonte essencial grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de
para o capítulo sobre os povos indígenas na Comissão Nacional da membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condi-
Verdade que investigou crimes do Estado contra os índios de 1946 ções de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física
a 1988. total ou parcial; d) adotar medidas destinadas a impedir os nas-
cimentos no seio do grupo; e) efetuar a transferência forçada de
O Relatório Figueiredo levou à criação e funcionamento crianças do grupo para outro grupo”.
efêmero de uma nova CPI do Índio em 1968, encerrada por ocasião
do AI-5, com a cassação de alguns de seus membros; e ensejou a Embora as denúncias da comissão de inquérito presidida
extinção do SPI e a criação da Funai (Fundação Nacional do Índio) por Figueiredo se encaixassem na definição acima, a palavra “ge-
para substituí-lo. nocídio” não constava no relatório final do procurador federal.
Diante do risco de o tema entrar na pauta da primeira Conferência
O SPI havia sido fundado em 1910, em decorrência de outra Internacional sobre Direitos Humanos, em Teerã, e pressionado
acusação de chacinas de índios nos estados do Paraná e Santa Ca- pelo Itamaraty, o Ministério do Interior tentou minimizar a si-
tarina para dar lugar nas terras aos imigrantes europeus. A de- tuação, declarando: “Os pretensos crimes de genocídio praticados
núncia foi feita no 16o Congresso Internacional de Americanistas, contra índios brasileiros não passam de conflitos muito mais vio-
em Viena, em 1908, e provocou, no Brasil, forte reação de cunho lentos na história de outros povos entre a cobiça da civilização
nacionalista. Acabou desaguando, com a participação de Cândido sem humanismo e a propriedade do silvícola, desequipado mental e
Mariano da Silva Rondon e do movimento positivista, na criação do materialmente para defendê-la”. (Jornal do Brasil, 10/4/1968)
Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Na-
cionais. No intuito de proteger negocialmente os índios, o Código (...)

38 39
O que mudou meio século depois do Relatório Figueiredo? entre as quais a batata-doce, a mandioca, o cará, a abóbora, o
Na prática, pouca coisa. Os índios continuam sendo mortos a bala amendoim e o cacau. Um artigo publicado recentemente mostra que
e resistindo como podem à espoliação de suas terras. (...) até mesmo o milho, originário do México, passou por uma segunda
domesticação na Amazônia.
À falta de mudanças nas velhas práticas, o que mudou, e
muito, foi a teoria. A ideia de “integração” deixou de ser si- Os povos indígenas e comunidades tradicionais são tam-
nônimo de assimilação. A missão do Estado não é mais entendida bém provedores da diversidade das plantas agrícolas, a chamada
como sendo a de descaracterizar sociedades indígenas para tra- agrobiodiversidade, fundamental para a segurança alimentar. A
zê-las ao regaço da civilização, até porque elas só têm a perder Revolução Verde do pós-guerra, que investiu nas variedades mais
nesse regaço. Integrar não é mais tentar eliminar diferenças, produtivas de cada espécie agrícola, teve grande sucesso no vo-
mas sim articular com justiça as diferenças que existem. Assim, lume das colheitas, mas produziu danos colaterais. Um deles foi a
a Constituição de 1988, no caput do artigo 231, declara algo, perda maciça de variedades agrícolas, como as de arroz, na Índia,
isso sim, muito novo: “São reconhecidos aos índios sua orga- e de milho, no México.
nização social, costumes, línguas, crenças e tradições…”, E no
parágrafo 1o do mesmo artigo, ao caracterizar o que são terras Foi a falta de diversidade das variedades cultivadas de
indígenas, inclui todas aquelas necessárias à reprodução física batata que levou à Grande Fome da Irlanda, entre 1845 e 1849.
e cultural dos índios. Domesticada nos Andes, onde existem até hoje mais de 4 mil va-
riedades com diferentes propriedades e resistência a doenças, a
A diversidade biológica e social deixou de ser vista como batata tornou-se no século XVIII, a base da alimentação de boa
um passivo: é um ativo, como enfatizou recentemente a Sociedade parte da Europa, onde só poucas variedades, entretanto, foram se-
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Foi-se o tempo lecionadas. Quando um fungo destruiu por vários anos seguidos as
em que derrubar a mata significava fazer uma benfeitoria, em que batatas plantadas na Irlanda, a fome causou a morte de um milhão
massacrar índios era “desinfestar os sertões”. Na era da biomi- de pessoas e a emigração de outras tantas.
mética e da busca por novos princípios ativos, a floresta em pé e
seus melhores conhecedores, que são as populações tradicionais, A consciência do risco criado pela perda da diversidade
tornam o Brasil um campo de imenso potencial para a inovação de levou o próprio pai da Revolução Verde, Norman Borlaug, a propor
ponta. E consta que se conhecem até agora apenas uns 10% dos su- a criação dos chamados bancos de germoplasma pelo mundo afora,
postos 2 milhões de espécies de fauna, flora e micro-organismos para a conservação das variedades de plantas. Mas não basta: as
da nossa biodiversidade. plantas e seus inimigos, como os fungos, encontram-se em uma
perpétua corrida armamentista. A cada novo ataque, as plantas
Hoje, o Brasil se orgulha internacionalmente de sua me- desenvolvem novas defesas, num processo de coevolução, que também
gadiversidade socioambiental. No Censo do IBGE de 2010, conta- ocorre função de mudanças de outra natureza, como as climáticas.
ram-se 305 etnias e 274 línguas diferentes, inclusive de troncos
linguísticos completamente distintos. E, pela sua diversidade Essa coevolução não se dá em bancos de germoplasma, onde
biológica, o Brasil figura com grande destaque no seleto grupo de as variedades estão depositadas para se conservarem sem mudan-
dezessete países megadiversos. ças. Por isso é essencial que elas continuem a ser cultivadas.
Órgãos científicos cuidam disso mediante pesados investimentos.
Os conhecimentos e práticas dos povos indígenas têm sido Mas povos indígenas e comunidades tradicionais também mantêm por
reconhecidos em foros internacionais, como ficou patente no Pai- conta própria, por gosto e tradição, as variedades em cultivo
nel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla e observam as novidades. É por isso que no Alto Rio Negro há
em inglês), criado em 1988, e na Plataforma Intergovernamental mais de 100 variedades de mandioca; nos kayapós, 56 variedades
sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla de batata-doce; nos canelas, 52 de favas; nos kawaiwetes, 27 de
em inglês), de 2012. A arqueologia brasileira tem posto em evi- amendoim; nos wajãpis, 17 de algodão; nos baniwas, 78 de pimenta
dência que o enriquecimento da cobertura e dos solos da floresta – sem falar na diversidade de espécies em cada roçado e quintal.
– as fertilíssimas “terras pretas” – é fruto das práticas de po- Para os kayapós, bonito é um roçado com muita diversidade, pois
pulações indígenas desde a era pré-colombiana até hoje. E sabe- os povos indígenas são mais do que selecionadores de variedades
-se agora que na Amazônia foram domesticadas dezenas de plantas, de uma mesma espécie. Eles são, de fato, colecionadores.

40 41
A tragédia irlandesa das batatas tornou-se uma história Quais são os mais eficientes blocos políticos com que o
exemplar. Mostrou que se deve dosar a produtividade e a diversi- Brasil poderia se alinhar na defesa do interesse nacional? O Mi-
dade. É coisa que o mercado financeiro tanto quanto a ecologia nistério do Meio Ambiente publicou que o valor da biodiversidade
ensinam: a homogeneidade é perigo sério. A quem pergunta o que brasileira é incalculável e que os serviços ambientais que ofere-
produzem os povos indígenas, pode-se responder que eles são e ce, “enquanto base da indústria de biotecnologia e de atividades
produzem justamente a diversidade. De graça. agrícolas, pecuárias, pesqueiras e florestais”, são estimados em
trilhões de dólares anuais. Dada a importante atuação do Brasil
O chamado “interesse nacional” é um coringa muito utiliza- no bloco dos países megadiversos, é favorável ao interesse na-
do, mas pouco analisado. Onde exatamente reside o interesse nacio- cional abandonar esse grupo?
nal no caso dos indígenas? Um exemplo interessante é o da mineração
em suas terras. A partir da década de 1970, o projeto Radam (Radar Perguntaram-me há alguns dias o que eu esperava da polí-
da Amazônia) começou a fazer o mapeamento aéreo da região e criou tica do novo governo. Minha resposta é esta: espero que cumpra a
grande expectativa para as companhias de mineração. Rapidamente, o Constituição de 1988.
mapa da Amazônia ficou coberto de pedidos de pesquisa e de lavra.

Na Constituinte de 1988, as mineradoras, em sua maioria
de capital estrangeiro, combateram com afinco as restrições à
lavra em terras indígenas. Tinham o apoio do economista Roberto
Campos, então senador. Foi a Coordenação Nacional dos Geólogos,
a Conage, que defendeu essas restrições. Lembrou que, na explo-
ração mineral, não existe segunda safra, e que era de interesse
nacional manter reservas minerais em terras indígenas. Nesse
embate, o interesse nacional foi defendido pela Conage contra as
mineradoras. O que mudou agora?

O mapa das terras indígenas do Brasil é eloquente: as


maiores estão em áreas que até há pouco tempo não interessavam
a ninguém, e são extensas justamente por isso. Povos indígenas,
como os macuxis, foram levados ou atraídos pelo próprio Estado
no século XVIII para as fronteiras mais sensíveis do país, com
o objetivo de lá constituir uma fronteira viva, “uma muralha do
sertão”. Hoje, são os ashaninkas do Acre que, por conta própria,
rechaçam invasores madeireiros do Peru. Seja como for, foi sábia
a Carta de 1988 ao ter mantido a tradição constitucional brasi-
leira de definir as terras indígenas como propriedade da União,
embora de posse exclusiva permanente dos índios. O Estado pode e
deve estar presente nas fronteiras. Inclusive para defender os
índios e para ser defendido por eles, quando necessário.

Se continuarmos a olhar o mapa das terras indígenas, ve-


remos que, não por acaso, nas áreas de colonização antiga, as
terras indígenas são diminutas. E nas que foram ocupadas por
fazendas nos anos 1940, durante a “marcha para o oeste” (sul de
Mato Grosso e oeste do Paraná), o conflito é permanente. Esses
conflitos incessantes são, aliás, um bom motivo para manter a
Funai na alçada do Ministério da Justiça, que teria maior agi-
lidade, já que coordena a Polícia Federal, para intervir quando
necessário.

42 43
COM A FALA, TININI (JURUNA) YUDJÁ
Esse povo branco, principalmente o governo, tanto os an-
teriores como este, já fizeram o maior estrago dentro desse pais
em que estamos vivendo, já destruíram tudo. E além desse estrago,
eles querem também destruir os povos indígenas. Para que tudo
isso? Isso não existe para nós. E eu nunca aceitei isso.

Talvez... esses recursos que o governo traz do estrangei-


ro, muitas vezes em nosso nome, dos povos indígenas, não são usa-
dos para o bem da sociedade brasileira. O governo está usando esse
recurso mais para destruir. Eu não aceito esse tipo de governo que
fica só maltratando o povo. Falo isso porque quero que os outros

A
governantes dos outros países entendam que esse governo não está
usando os recursos tomados em nosso nome, dos povos indígenas,
para o que eles foram projetados, com uma boa finalidade.

Como todas essas coisas são ruins para nós, eu não aceito.

BATALHA
Em vez de usar o dinheiro para alguma coisa que pode ajudar a po-
pulação no Brasil, ele usa para destruir o povo. Estão destruindo
o povo com o mau uso desse dinheiro.

Porque o novo governo mudou muita coisa, mas não fez uma
consulta para nós, ele poderia ter consultado o povo destas ter-

DOS
ras, o que esse povo pensa, o que ele quer e o que ele precisa
fazer dentro dessa terra, com isso, nós poderíamos dar uma res-
posta para ele. Quem pode decidir isso somos nós. Não é uma só
pessoa que pode decidir isso.

LANCEIROS
Estão querendo acabar com a gente. Falam que o índio não
existe mais, porque os índios se vestem igual ao branco e que,
então, somos todos iguais. Mas vêem de longe, ficam falando de
longe, fechados em um lugar onde ninguém os avista.

Se estão falando isso, será que vão entender esta minha
mensagem, na língua Yudjá? Se nos vissem e ouvissem, saberiam que
nós somos diferentes, porque cada povo tem a sua cultura, nós nos
vestimos da forma que o nosso Deus fez pra nós: com a nossa cultu-
ra, as nossas pinturas corporais, a nossa arte e o nosso jeito de
viver. Se ele visse isso, ele poderia perceber que nós não somos
iguais. Ele acha que os índios acabaram, perderam a cultura, não
falam mais a língua... mas NÃO, isso é mentira, é falta de saber
ver, falta de entender e de enxergar isso. De ver a gente como
a gente é de verdade. Ele (o homem branco) sabe o que o Criador
fez para ele? Ele sabe que o Criador fez ele? Ele entende sobre
isso? Eu acho que ele não entende. Ele ainda se lembra disso? As
palavras do Deus dele? Ele não sabe, mas eu sei.

44 45
Então, por isso, antigamente, a gente ouvia as palavras COM A FALA, YABÁ (JURUNA) YUDJÁ
do Criador falando para a humanidade, e é o que a gente sabe da
palavra dele. Quando Ele, o Criador, ouve os brancos falando to- Não precisa assustar, se posicione e faça sua reflexão,
das essas palavras de ameaça, essas palavras de destruição, eu me e tome sua posição. Só assim, nós venceremos e vai dar tudo cer-
lembro de uma fala do Criador que diz assim: “o que os brancos to, vai dar tudo certo. Toda essa tempestade, essa escuridão que
querem com isso? Se os brancos acabarem com vocês, se eles acaba- está se movimentando contra a gente, vai descer água abaixo. Nós
rem com esse povo (Yudjá), não vai ter nada para acabar com eles, temos que somar, aqui, com cada um que está aqui, presente neste
brancos?” Mas o Criador deixou uma mensagem que quando os brancos exato momento e vamos dar as mãos, que a gente vai segurar a paz,
acabarem com os Yudjá, Ele vai acabar com os brancos, vai aca- a gente vai segurar o amor, a gente vai segurar o respeito. Isso
bar com o mundo. Ele disse: “Então eu vou desfazer o céu e o céu que nós temos que exigir.
cairá para acabar com o mundo”. Será que é isso que eles querem?
Então, quando eu ouço essas palavras do Criador, eu me sinto bem Porque esse... é... eu sempre falo assim na língua, que
com isso, porque para mim é um ensinamento que traz força, por tem uma pessoa que tá praticamente fora do corpo, fora da alma,
isso me deixa feliz. É bom, pra mim (no sentido de minha opinião, que ele não tá conseguindo entender o mundo. Até de consciência
explica Tawá), porque Ele que fez tudo, Ele que construiu tudo da vida. Como é vida? Ele não enxerga isso, ele não sente isso,
pra nós, então o que adianta nós ficarmos brincando com as coisas ele não tem esse sentimento no coração. Infelizmente.
dele?
Mas se nós sabemos que o amor existe, então que esse amor
permaneça dentro de cada um de nós. E a gente vai formando esse
globo de amor, de paz e de felicidade. Então isso é nossa espe-
COM A FALA, KARIN (JURUNA) YUDJÁ rança, nossa expectativa, e nosso sonho. E pra isso tem a meta.
Nós vamos atingir essa meta.
Primeiramente, gostaria de falar meu nome. Meu nome é
Karin Juruna, sou daqui da aldeia Tuba Tuba. Sou representante Então a gente vai continuar a se posicionar na torcida. A
legal do meu povo Yudjá. gente vai ter que segurar essa barra até desmanchar tudo... esse
algo que não é felicidade para nós. Vamos cantar, dançar, vamos
Então, os não indígenas que vieram, que atravessaram o fazer nossas festas e a gente vai ter que plantar essa alegria,
oceano, que chegaram até aqui, neste território, o Brasil, têm essa paz e vamos jogar fora tudo isso que está ao nosso redor.
que respeitar o nosso direito. Têm que respeitar quem é o pri-
meiro habitante do Brasil. Se o governo falou, antes de sentar O que tem sentido para nós, o que faz o sentido da vida é
na sua cadeira, disse o seguinte: o deus é maior de tudo, deus é a gente plantar, e a gente ter no coração o motivo de felicidade.
tudo, porque ele, se ele falou, não está trabalhando ou não está Esse é o principal instrumento da vida. O ser da vida, que pode
respeitando sua própria fala. E o governo atual que está tentando atravessar toda tempestade e atravessa. Ela abre o caminho de uma
mudar, querendo derrubar o nosso direito, ele não está entenden- vez por todas. Então vamos ter esses sentimentos no coração, nos
do, ele realmente está perdido nesse mundo, o mundo é maior, o nossos corações. Então é isso que eu quero dizer aqui para vocês,
deus é maior, se nós falamos da importância da nossa terra, da trazendo essa mensagem.
natureza. Então vamos todos juntos, irmãos, irmãs, os parentes,
vamos à luta, assim nós vamos vencer essa coisa que está vindo Acima de tudo, existe o nosso pai superior, que nós cha-
para nós, nós não podemos baixar a cabeça, vamos cada vez mais mamos de Sanãa. Sanãa tem um significado muito forte, muito alto
ter essa força e eu conto com todo mundo. e muito grande. Sanãa é o ser espiritual, grande espírito, que
criou todo o universo. Que criou o ser humano, que criou a flo-
Então assim eu deixo minha mensagem, espero que quem resta, que criou a terra, que criou as águas, que criou a monta-
for assistir, espero que goste dessa luta que estamos juntando, nha, que criou animais, que criou aves, que criou a estrela, que
e vamos levar mais para a frente e não vai ter fim, assim é a criou a lua e criou a luz maior de tudo, que é o nosso rei sol.
vida, a vida é dessa gente, o mundo é assim, o mundo precisa Grande luz. As estrelas, a lua e o sol e o céu, vai nos escutar,
dessa organização. Então é isso, eu deixo minha mensagem. vai nos ouvir e vai dar a resposta pra nós. Uma resposta positi-
va. Uma resposta de alegria.

46 47
PARECIDOS COM OS PEIXES
TÂNIA STOLZE LIMA
“Os Juruna da TI Paquiçamba consideram como o seu terri- tume (como as pessoas dizem) ou entre o rio e a cultura (como
tório um trecho do Xingu que não se restringe ao reduzido períme- eu mesma prefiro dizer). Essa reciprocidade de perspectivas e
tro desta Terra Indígena, mas à região da Volta Grande que é sua essa imanência, em meu entendimento, são como que os pilares ou
área de ocupação imemorial. Manuela Carneiro da Cunha certa vez as faces da autodefinição dos Juruna como uma humanidade singu-
afirmou o seguinte: lar. Enquanto tal, esse povo corre o risco de ser drasticamente
esmagado em sua própria humanidade, pela concepção e política
Embora não tenham a noção da propriedade individual da terra, redutoras do rio a fonte de recursos naturais; da sua cultura, a
sociedades indígenas souberam complicar os direitos sobre o um mero modo de subsistência que é garantido pela exploração de
intangível muito além da nossa imaginação recursos naturais oferecidos pelo rio, recursos que, com a morte
do rio, supostamente poderiam ser substituídos ou “compensados”
Segundo entendo, o que a antropóloga está apontando con- por outros derivados de projetos de geração de renda financiados
templa algo mais do que nos diz nossa compreensão sobre a dis- e vigiados, direta ou indiretamente, pelo chamado Empreendedor.
tinção entre o caráter individual ou coletivo da propriedade da
terra. Pois, com efeito, o povo Juruna se atribui a propriedade Durante a abertura do seminário fluvial, Bel nos disse que
imaterial de todo o trecho do rio que desde várias décadas foi tinham necessidade que nós pesquisadores e pesquisadoras colabo-
ocupado pelas comunidades de ribeirinhos recentemente expropria- rássemos com os conhecimentos de nossas diferentes áreas, e nos
das e destroçadas nas ilhas e outros marcos geográficos em toda afirmou que os Juruna sabiam o que está acontecendo com o rio,
a área alagada pela usina Belo Monte. Não estou dizendo que o seus peixes, tracajás e sarobais, pois estão acompanhando a vida
estado nacional deveria reconhecer os direitos dos Juruna sobre dos peixes, seu estado de saúde, a restrição de suas migrações
essa área, mas sim que este povo considera toda a Volta Grande do e seus habitats de alimentação e desova. E seu temor de que os
Xingu como seu patrimônio intangível, e inalienável, pois se tra- igapós virem um cemitério de árvores, enquanto estão querendo
ta menos de entender que eles dispõem do rio como sua propriedade obrigar os Juruna a aprender a trabalhar na terra, a se tornarem
coletiva, do que de se conceberem como sendo do rio, pertencen- plantadores de cacau.
tes ao rio, quer dizer, é o rio que os têm. E os Juruna seriam,
nesse sentido, arrisco-me a dizer, uma propriedade do rio. Um A gente fala que o nosso costume é o rio, mas a gente não
signo disso que estou afirmando, muitas pessoas aqui devem já ter é ouvido.
percebido: quando se põem a falar do rio, frequentemente os Juru-
na oferecem indícios de que entendem seu vínculo com o rio como E Bel vinculou a vida dos Juruna ao rio e a vida do rio
recíproco. É nesse sentido também que é preciso compreender a aos Juruna:
caracterização desse vínculo por meio da metáfora da procriação;
dizer-se que o rio é o pai ou a mãe, ou seja, o entendimento de O rio sem os Juruna não tem vida.
que se tem um vínculo de parentesco com o rio, ou de companhei-
rismo, é uma metáfora poderosa, plena de consequências na cultu- Acredito que seja nesse quadro que é preciso compreender
ra-território Juruna, e ela não merece, sem grande injustiça da o estatuto de donos do rio afirmado entre si e reivindicado pe-
nossa parte, ser reduzida a uma mera figura de linguagem. rante os outros. É da existência da vida orgânica e não orgânica,
humana e não humana que o rio arrasta em seu fluxo, percorre em
Não sei se vocês embarcariam comigo nessa canoa, mas é sua paisagem, e atrai para a sua vizinhança, é dessa existência
esse o lado fascinante do pensamento indígena que é preciso pôr que os Juruna são os donos, isto é, os guardiões.”
em destaque para termos em conta a violência que cometeríamos
a esse pensamento se nos recusássemos a levar em conta que se
dá e se tem como uma relação de imanência o vínculo entre o rio
e os Juruna, o rio e a identidade Juruna, o rio e o nosso cos-

48 49
UM MODO DE ESTAR EM DOIS LUGARES
AO MESMO TEMPO
LUCAS KEESE DOS SANTOS
Entre os povos Guarani há um movimento muito presente em
seu mundo e que podemos entender como um operador nas relações de
alteridade, isto é, nas relações com outros marcadas pela dife-

A
rença: a esquiva.

No caso de danças-lutas, como é a dança do xondaro guarani


mbya, que ocorre numa roda com diversos desafios corporais marca-
dos por um jogo de tentativas de capturas e desvios, esquivar-se

BATALHA
dos ataques (-jeavy uka, “fazer com que erre, com que se engane”)
é a habilidade mais enaltecida dos xondaro, como são chamados os
guardiões e auxiliares mbya. Por meio de leveza e agilidade, os
xondaro, com suas esquivas. parecem dizer continuamente ao seu
rival: “não estou aqui, estou ali; não estou mais ali, estou aqui

DOS
novamente...”.

Na dança do xondaro, o movimento de esquiva é claro ao de-


monstrar sua eficácia na medida em que consegue antecipar o movi-
mento de um ataque e, assim, incorporá-lo virtualmente. Ou seja,
ao antecipar o golpe, seu movimento pode ser subvertido antes de

ESCUDEIROS
ser concretizado. Desse modo, aquele que é alvo do ataque, para não
sofrer a coerção do mesmo, incorpora, de forma controlada, o movi-
mento agressor, antecipando e utilizando-o a favor de si próprio.

Em geral, me parece que a palavra “esquiva” na língua


portuguesa é mobilizada mais para significar noções negativas,
expressando principalmente ideias de: furtar-se a algo, fugir,

ESQUIVA
escapar, negligenciar, desviar de uma responsabilidade. Ou seja,
trata-se de um uso que contrasta com a expressão positiva do gua-
rani (-jeavy uka), de provocar erro ou engano em outrem por meio
do movimento corporal. Entretanto, não só na dança do xondaro,
mas também na capoeira, os movimentos denominados como esquiva
possuem positividade e não podem ser restritos à ideia de fuga
ou defesa. As esquivas na capoeira são antecipações precisas de
movimentos de ataque, que são incorporados como forma de neutra-
lizar ou até subverter seus efeitos, deixando o adversário vul-
nerável a um contragolpe. Na capoeira é enaltecida a dimensão do
segredo relacionada aos saberes e práticas conhecidos por man-
dinga, espécie de sabedoria astuciosa repleta de truques, gingas
variadas e ludibriações que aponta para a grande importância da
ação de produzir engano no rival como estratégia de luta. Es-
ses aspectos estão profundamente relacionados à constituição da

50 51
capoeira dentro de um conjunto de práticas dos povos de matriz Portanto, nestes diversos âmbitos – que mais que inter-
africana no contexto de opressão do sistema escravocrata e o que -relacionados, estão sobrepostos – na dinâmica territorial, na
dele foi perpetuado na sociedade brasileira. Ou seja, nos dois cosmologia, nas narrativas mitológicas e no movimento e trans-
casos, dos Guarani e dos povos de matriz africana, o componente formação dos corpos, a potência da esquiva está justamente na
de engano que fundamenta o movimento de esquiva está relacionado capacidade de promover uma implosão de temporalidades lineares,
à resistência contra um rival de poder agressor superlativo. um estar em dois lugares – ou ser duas coisas – ao mesmo tempo,
“fazendo com que errem” (-jeavy uka) os ataques da colonização
Desse modo, a dança do xondaro nos revela um princípio à medida que os incorpora para se diferenciar deles.
que pode ser extrapolado para além de sua encarnação mais ex-
plícita na dança. Assim, a esquiva se desdobra também em outras
práticas guarani, como nas narrativas mitológicas protagonizadas
por personagens enganadores, como o célebre Peru Rimã, que usa a
linguagem do humor e do engano como modo de subverter movimentos
de agressão, utilizando, como combustível do engano, a própria CRIAÇÕES ARTÍSTICAS A PARTIR DA
PRESENÇA GUARANI NA CIDADE
ganância e soberba de seus algozes não indígenas. Mas passa tam-
bém pelas dinâmicas territoriais e cosmológicas, na variedade de

DE SÃO PAULO
movimentos dos grupos guarani eficazes em não se submeter não só
às forças materiais, mas também às forças simbólicas da coloni-
zação. Tanto a visceral crítica dos xamãs guarani ao cristianis-
mo, como as célebres migrações proféticas para transformar seus RENATO SZTUTMAN E CIA. OITO NOVA DANÇA
corpos em imperecíveis, atravessando com eles ao mundo celeste,
não são, portanto, resquícios ou reações mecânicas à evangeliza-
ção cristã, mas antes um notável exemplo de como seu xamanismo Esquiva é o jeito que o povo Guarani (espalhado pela vasta
consegue ser eficaz em sua resistência, em como consegue utilizar região que vai da bacia do Prata aos limites da Amazônia e dos
os movimentos dos agressores para não se subordinar a eles. Andes) encontrou para habitar essa urbe imensa e tensa que é São
Paulo. Cidade marcada, desde a sua origem, em 1554, quando cha-
Por meio das migrações e de outros vetores em sua mobi- mada Piratininga, pela presença de povos Tupi e Guarani – povos
lidade espacial, os Guarani realizam uma mediação entre a cosmo- que já habitavam o Planalto ou que eram trazidos para cá à força,
logia e a dinâmica sobre o território, conjugando a resistência seja para serem aldeados e catequizados pelos jesuítas, seja para
no território e no corpo, e sugerindo ainda uma dissolução das serem feitos mão de obra escrava pelos desbravadores dos sertões,
fronteiras entre essas categorias de território, cosmologia e os tão afamados bandeirantes paulistas.
corporalidade: o que eles parecem dizer é que cada corpo tem
sua perspectiva porque, de certa forma, cada corpo possui – ou é Para além da subjugação, jamais deixou de haver resistên-
possuído – por um “lugar”. Cada ser, animal, planta etc. tem seu cia. Resistência que mimetiza o movimento da esquiva no xondaro.
lugar, assim como seus “espírito-donos” protetores. Os juruá (não Não se deixar capturar, fixar, controlar, definhar. Não se dei-
indígenas) têm seus lugares (tetã, as cidades), assim como os xar confinar na metrópole, mas tomá-la como espaço de passagem,
diferentes povos indígenas. No entanto, mais do que espaços deli- travessia. Enquanto grupos guarani fugiam de padres e colonos,
mitados e estanques, trata-se de condições de produção corporal: outros por aqui passavam ansiando alcançar o mar, tantas vezes
viver na cidade produz corpos de juruá, e viver como juruá produz associado à terra em que nada perece, “terra sem mal”. Em meio a
cidades. Assim, podemos entender que o processo de produção de tantas andanças, traçavam-se caminhos, erguiam-se novas aldeias.
distâncias territoriais (o caminhar, -guata) é equivalente ao de
produção e transformação corporal, ambos catalisados no xamanis- Hoje em dia vivem em São Paulo cerca de 2 mil índios gua-
mo guarani e também na dança do xondaro, que é, a um só tempo uma rani, distribuídos entre nove aldeias e duas terras indígenas –
produção corporal que visa à leveza e à imperecibilidade do corpo uma delas localizada no noroeste, ao lado do Parque Estadual do
e um movimento de esquiva no espaço. Jaraguá, a outra no extremo sul (distritos de Parelheiros e Mar-
silac). Boa parte dessas terras, reconhecidas como territórios
tradicionais, ainda não está assegurada e oficialmente reconhe-
cida pela União. Ao que os seus habitantes, revertendo sua con-

52 53
dição de invisibilidade, têm protestado veementemente, ganhando,

“PARA SERMOS
não sem a ajuda de parceiros juruá, espaço nas mídias sociais,
nos fóruns jurídicos e nas ruas, com repetidas manifestações nas
quais se faz notar a centralidade da figura do xondaro, a um tem-
po só dançarino e guerreiro.

Esquiva – o canto e a dança como luta, a luta como canto


e dança – é um modo de viver na cidade sem se deixar capturar
por ela. É assim que a Cia. Oito e a Cia.Livre se permitem afe- CAPAZES
DE RESISTIR,
tar pela esquiva Guarani para criar a sua própria esquiva, o seu
próprio modo de habitar a Pauliceia. Redescobrir uma São Paulo
indígena, Guarani, tanto no passado como no presente. Dançar e
cantar sobre antigas ocupações indígenas! Debaixo do asfalto

NÓS PRECISAMOS
ainda há rios e nas bordas da metrópole ainda há resquícios da
Mata Atlântica, onde os índios fazem a retomada de suas terras!
Imaginar, com apoio em tudo isso, que um outro mundo é possível,
mesmo nos limites deste nosso tão duro mundo. Dançar conforme uma

NOS TORNAR
outra música!

FLORESTA
— E RESISTIR COMO FLORESTA.
COMO FLORESTA QUE SABE QUE CARREGA CONSIGO AS RUÍNAS,
QUE CARREGA CONSIGO TANTO O QUE É QUANTO O QUE DEIX-
OU DE SER. ME PARECE QUE É A ESSE SENTIMENTO POLÍTI-
CO-AFETIVO QUE PRECISAMOS DAR FORMA PARA DAR SENTIDO
À NOSSA AÇÃO. PARA ISSO, TEMOS QUE DESLOCAR ALGUMAS
PLACAS TECTÔNICAS DE NOSSO PRÓPRIO PENSAMENTO. TEMOS
QUE DESCOLONIZAR A NÓS MESMOS.”

ELIANE BRUM
54 55
CORO DE CRIADORES AGRADECIMENTOS

ADONIRAN KNUSTON GALEMBECK, AILTON KRENAK, ALDEIA JURUÃTI DO POVO ARAWETÉ, NA T.I. ARAWETÉ,
livre recriação de OS HORÁCIOS E CURIÁCIOS , DE BERTOLT BRECHT ALDEIA RIO SILVEIRA DO POVO GUARANI M’BYA, ALDEIA TUBA TUBA DO POVO YUDJÁ [TIX], ALDEIA YPAVU
DO POVO KAMAYURÁ, NA TERRA INDÍGENA DO XINGU [TIX], ALDEIAS MURATU, FURO SECO E PAQUIÇAMBA
concepção CORO DE CRIADORES DA CIA.LIVRE E DA CIA. OITO NOVA DANÇA
DO POVO JURUNA [YUDJÁ] DA VOLTA GRANDE, NA T.I. PAQUIÇAMBA, ALESSANDRA DOMINGUES, ALEX DA
jogadorxs ADRIANO SALHAB, CIBELE FORJAZ, FERNANDA HAUCKE, FREDY ALLAN, GISELE CALAZANS, LU
SILVA, ALINE JAXUKA, ALMANAQUE SOCIOAMBIENTAL PARQUE INDÍGENA DO XINGU 50 ANOS, ANA PAULA
FAVORETO, LUCIA ROMANO, MARCOS DAMIGO, ROBERTO ALENCAR E VANESSA MEDEIROS
MARTINS, ANITA VILLAPOUCA CAMPOS, ANNA JULIA DIETZSCH, ANTÔNIA MELLO, ANTÔNIO ARAÚJO, APA-
contrarregra em cena JACK SANTOS
RECIDA KEREXU DE LIMA MARTIM, APIB, ARNALDO LEONEL, AUAKAMU KAMAYURÁ, AURY PORTO [MUNDANA
músicos em cena ADRIANO SALHAB, GABRIEL MÁXIMO E IVAN GARRO
COMPANHIA], AYRON DA SILVA, BARBARA CUNHA, BEATRIZ CANEPA, CAMILA VENTURELLI, CAMPANHA
composições de trilha original, direção musical e arranjos ADRIANO SALHAB E
SANGUE INDÍGENA NENHUMA GOTA A MAIS, CARLOS NADER, CASA DO POVO, CECÍLIA GUARANI, CIMI -
GUILHERME CALZAVARA
CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO, CLAUDIA SCHAPIRA, COLETIVO 28 PATAS FURIOSAS, CONSELHO
desenho de som e sonoplastia IVAN GARRO
RIBEIRINHO, CRIS TAKÚA, DEBORAH LOBO, DOM ERWIN [PRELAZIA DO XINGU], DONA VERINHA, DONIZETI
direção de arte CLA MOR, MARÍLIA DE OLIVEIRA CAVALHEIRO E VALENTINA SOARES
MAZONAS, DOUGLAS VENDRAMINI, EDGAR CASTRO, EDNA XIPAIA, ELIANE BRUM, ERIK ROCHA, ERIKA PEL-
arquitetura cênica e objetos MARÍLIA DE OLIVEIRA CAVALHEIRO
LEGRINO, ESCOLA DA CIDADE, ESTÚDIO OITO NOVA DANÇA, FELIPE MACHADO, FERNANDA GUSSO, FLÁVIA
figurino e objetos VALENTINA SOARES
COELHO, GABRIELA CARNEIRO DA CUNHA, GIOVANI SOARES, GRUPO DE TRABALHO DA COMISSÃO NACIO-
ateliê de costura MARINIL ATELIÊ
NAL DA VERDADE SOBRE GRAVES VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NO CAMPO OU CONTRA INDÍGENAS,
cortinas SALETE ANDRÉ
GUARANY M’BYA RESIDENTES NA TI TENONDÉ-PORÃ NAS ALDEIAS: KALIPETY, KRUKUTU E TENONDÉ-PORÃ,
cenotecnia CASA MALAGUETA [ALÍCIO SILVA]
HELENA BASTOS, HENRIQUE CASAS, ISA - INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, JAN FJELDER, JAYNE RENOLD /
serralheiro MAURÍCIO BATISTA DA SILVA
IF NOT US THEN WHO, JERÔNIMO FAVARETTO RAMOS, JOÃO MARCELO IGLESIAS, JORGE FORJAZ DA MATA
aderecista DIEGO DAC
MACHADO, JÚLIA RIBEIRO, JULIETA VILLAPOUCA CAMPOS, KARAI DOS SANTOS, KARAI GABRIEL, KARAI HO-
video ANNICK MATALON, CLA MOR, FÁBIO RIFF, LUCAS BRANDÃO E MARIANA CALDAS
NÓRIO DOS SANTOS, KARAI ODAIR CASTRO, KARIN [JURUNA] YUDJÁ, KEREXU CLEONICE, KEREXU GABRIEL,
operação de vídeo CLA MOR
KEREXU GUARANI, KEREXU LOIDE, KEREXU MARTIM, KEREXU PALOMA, LEIDIANE DE LIMA GABRIEL, LETÍCIA
vídeo-arte dos iPads CECÍLIA LUCCHESI
CANNAVALE, LETÍCIA CARNEIRO, LÍGIA MACEDO CAMPOS, LUAA GABANINI, LUCAS KARAI XONDARO, LUCAS
câmera em cena ANNICK MATALON
KEESE DOS SANTOS, LUCIANA PORTA, LUCIANO DE ALMEIDA SALIM, LUIS FERNANDO RAMOS, LUIS OTÁVIO
vídeo mapping FÁBIO RIFF E MARIANA CALDAS [VAPOR 324]
DE FARIA E SILVA, LUISA VALENTINI, MAIARU KAMAYURÁ, MANUELA CARNEIRO DA CUNHA, MARAT DESCAR-
luz CIBELE FORJAZ E MATHEUS BRANT
TES, MARCELO SALAZAR, MARCELLO KAMAYURÁ, MARCUS GARCIA, MARIA RAIMUNDA GOMES, MARLENE
operação de luz MATHEUS BRANT E NARA ZOCHER
SALGADO, MARQUINHO DA SILVA, MÍDIA ÍNDIA, NÁ OZZETTI, NEY PIACENTINI, NICOLAU DA CONCEIÇÃO,
identidade visual e projeto gráfico JULIA VALIENGO
NUNO PESSOA, PAPA MIRĪ POTY, PAPA VIDAL, PAULO CALDAS, PAULO MATTOS, PEDRO CESARINO, POTY
assistência de direção GABRIEL MÁXIMO E JACK SANTOS
JUSTINA, PRISCILA POTY SILVA, RAIMUNDA GOMES, RAONI GARCIA, RASHID EL BAKRI, ROBERT VICENTE
preparação e direção vocal LUCIA GAYOTTO
PIRES DE LIMA, ROGERIO PORTA, ROKA ALEX, SERGIO SIVIERO, SÔNIA BONE GUAJAJARA, SONIA SOBRAL,
preparação corporal e direção de movimento LU FAVORETO
SR. LUIS DA VAN E ESPOSA, TÂNIA STOLZE LIMA, THAIS SANTI, TEATRO OFICINA UZYNA UZONA, THAIS
orientação RENATO SZTUTMAN
MANTOVANELLI, THAIS SANTI, TININI [JURUNA] YUDJÁ, TL TRANSPORTES - TIAGO E VITOR, TON LIGHT
assessoria de imprensa MÁRCIA MARQUES [CANAL ABERTO]
E ELÉTRICA CÊNICA, TUPÃ LIMA, TUPÃ MIRIM, TUPÃ SILVA, VALÉRIA MACEDO, VERA LIMA, VERA PIRES,
assistente de produção ISABELLA MELO
WAGNER ANTÔNIO, WESLEY DE LIMA GABRIEL, YABÁ YUDJÁ, ZECA BITTENCOURT E ZERNESTO PESSOA
produtoras BIA FONSECA E IZA MARIE MICELI [NÓS 2 PRODUTORAS ASSOCIADAS]
produção CIA.LIVRE agradecimentos especiais A TODA A EQUIPE DO SESC IPIRANGA, EQUIPE DO SESC POMPEIA
direção geral e encenação CIBELE FORJAZ E A TODAS AS PESSOAS QUE ASSISTIRAM AOS NOSSOS ENSAIOS.
coro convidado do povo Guarani M’Bya [em revezamento] CLAUDIO KARAI, CLEONICE
KEREXU MIRIM, GERMANO NHAMANDU, JERÁ POTY MIRI, JUSTINA KEREXU E TIAGO KARAI
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ciaoitonovadanca.com.br/cadernovirtual-esquiva/textos-depoimentos/an-
tropologos/>, acesso em: 14 ago.2019.
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ponível em: <http://www.buala.org/pt/a-ler/retomar-a-terra-ou-como-re-
sistir-no-antropoceno-projeto-antropocenas>, acesso em 14 ago. 2019. ESTE PROJETO FOI REALIZADO COM APOIO DO PRÊMIO CLEYDE YÁCONIS - SECRETARIA MUNICIPAL DE CULTURA

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