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VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA Ai seu foguista você que faz versos, Em verdade temos medo.

(Manuel Bandeira) Bota fogo que ama, protesta? Nascemos escuro. Tenhamos o maior pavor, Pecai com malandros
Na fornalha e agora, José? As existências são poucas: Os mais velhos compreendem. Pecai com sargentos
Vou-me embora pra Pasárgada Que eu preciso Carteiro, ditador, soldado. O medo cristalizou-os. Pecai com fuzileiros navais
Lá sou amigo do rei Muita força Está sem mulher, Nosso destino, incompleto. Estátuas sábias, adeus. Pecai de todas as maneiras
Lá tenho a mulher que eu quero Muita força está sem discurso, Com os gregos e com os troianos
Na cama que escolherei Muita força está sem carinho, E fomos educados para o medo. Adeus: vamos para a frente, Com o padre e o sacristão
já não pode beber, Cheiramos flores de medo. recuando de olhos acesos. Com o leproso de Pouso Alto
Vou-me embora pra Pasárgada Oô... já não pode fumar, Vestimos panos de medo. Nossos filhos tão felizes... Depois comigo
Vou-me embora pra Pasárgada Foge, bicho cuspir já não pode, De medo, vermelhos rios Fiéis herdeiros do medo,
Aqui eu não sou feliz Foge, povo a noite esfriou, vadeamos. Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
Lá a existência é uma aventura Passa ponte o dia não veio, eles povoam a cidade. [comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
De tal modo inconseqüente Passa poste o bonde não veio, Somos apenas uns homens Depois da cidade, o mundo. Que tu desfalecerás
Que Joana a Louca de Espanha Passa pasto o riso não veio, e a natureza traiu-nos. Depois do mundo, as estrelas,
Rainha e falsa demente Passa boi não veio a utopia Há as árvores, as fábricas, dançando o baile do medo. Procurem por toda à parte
Vem a ser contraparente Passa boiada e tudo acabou Doenças galopantes, fomes. Pura ou degradada até a última baixeza
Da nora que nunca tive Passa galho e tudo fugiu ÁPORO Eu quero a estrela da manhã.
De ingazeira e tudo mofou, Refugiamo-nos no amor,
E como farei ginástica Debruçada e agora, José? este célebre sentimento, Um inseto cava OS SINOS
Andarei de bicicleta No riacho e o amor faltou: chovia, cava sem alarme
Montarei em burro brabo Que vontade E agora, José? ventava, fazia frio em São Paulo. perfurando a terra Sino de Belém,
Subirei no pau-de-sebo De cantar! Sua doce palavra, sem achar escape. Sino da paixão…
Tomarei banhos de mar! seu instante de febre, Fazia frio em São Paulo... Sino de Belém,
E quando estiver cansado Oô... sua gula e jejum, Nevava. Que fazer, exausto, Sino da paixão…
Deito na beira do rio Quando me prendero sua biblioteca, O medo, com sua capa, em país bloqueado, Sino do Bonfim!…
Mando chamar a mãe-d'água No canaviá sua lavra de ouro, nos dissimula e nos berça. enlace de noite Sino do Bonfim!…
Pra me contar as histórias Cada pé de cana seu terno de vidro, raiz e minério?
Que no tempo de eu menino Era um oficiá sua incoerência, Fiquei com medo de ti, Sino de Belém, pelos que ainda vêm!
Rosa vinha me contar seu ódio — e agora? meu companheiro moreno, Eis que o labirinto Sino de Belém, bate bem-bem-bem.
Vou-me embora pra Pasárgada Oô... De nós, de vós: e de tudo. (oh razão, mistério) Sino da paixão, pelos que ainda vão!
Menina bonita Com a chave na mão Estou com medo da honra. presto se desata: Sino da paixão, bate bão-bão-bão.
Em Pasárgada tem tudo Do vestido verde quer abrir a porta,
É outra civilização Me dá tua boca não existe porta; Assim nos criam burgueses, em verde, sozinha, Sino do Bonfim, por que chora assim?…
Tem um processo seguro Pra matá minha sede quer morrer no mar, Nosso caminho: traçado. antieuclidiana, Sino de Belém, que graça ele tem!
De impedir a concepção Oô... mas o mar secou; Por que morrer em conjunto? uma orquídea forma-se. Sino de Belém bate bem-bem-bem.
Tem telefone automático Vou mimbora vou mimbora quer ir para Minas, E se todos nós vivêssemos? Sino da paixão. – pela minha irmã!
Tem alcalóide à vontade Não gosto daqui Minas não há mais. ESTRELA DA MANHA Sino da paixão. – pela minha mãe!
Tem prostitutas bonitas Nasci no Sertão José, e agora? Vem, harmonia do medo, (Manuel Bandeira)
Para a gente namorar Sou de Ouricuri vem, ó terror das estradas, Sino do Bonfim, que vai ser de mim?…
Oô... Se você gritasse, susto na noite, receio Eu queria a estrela da manhã
E quando eu estiver mais triste se você gemesse, de águas poluídas. Muletas Onde está a estrela da manhã? Sino de Belém, como soa bem!
Mas triste de não ter jeito Vou depressa se você tocasse Meus amigos meus inimigos Sino de Belém bate bem-bem-bem.
Quando de noite me der Vou correndo a valsa vienense, do homem só. Ajudai-nos, Procurem a estrela da manhã Sino da paixão… Por meu pai?…- Não! Não!
Vontade de me matar Vou na toda se você dormisse, lentos poderes do láudano. Sino da paixão bate bão-bão-bão.
- Lá sou amigo do rei - Que só levo se você cansasse, Até a canção medrosa Ela desapareceu ia nua Sino do Bonfim, baterás por mim?…
Terei a mulher que eu quero Pouca gente se você morresse... se parte, se transe e cala-se. Desapareceu com quem?
Pouca gente Mas você não morre, Procurem por toda à parte Sino de Belém,
Na cama que escolherei Pouca gente... você é duro, José! Faremos casas de medo, Sino da paixão…
Vou-me embora pra Pasárgada. duros tijolos de medo, Digam que sou um homem sem orgulho Sino da paixão, pelo meu irmão…
JOSÉ Sozinho no escuro medrosos caules, repuxos, Um homem que aceita tudo Sino da paixão,
TREM DE FERRO (C.D.A) qual bicho-do-mato, ruas só de medo e calma. Que me importa? Sino do Bonfim…
Café com pão sem teogonia, Eu quero a estrela da manhã Sino do Bonfim, ai de mim, por mim!
Café com pão E agora, José? sem parede nua E com asas de prudência,
Café com pão A festa acabou, para se encostar, com resplendores covardes, Três dias e três noite Sino de Belém, que graça ele tem!
Virge Maria que foi isto maquinista? a luz apagou, sem cavalo preto atingiremos o cimo Fui assassino e suicida
o povo sumiu, que fuja a galope, de nossa cauta subida. Ladrão, pulha, falsário CERÂMICA
Agora sim a noite esfriou, você marcha, José!
Café com pão e agora, José? José, para onde? O medo, com sua física, Virgem mal-sexuada Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara.
Agora sim e agora, você? tanto produz: carcereiros, Atribuladora dos aflitos
Voa, fumaça você que é sem nome, O MEDO edifícios, escritores, Girafa de duas cabeças Sem uso,
Corre, cerca que zomba dos outros, este poema; outras vidas. Pecai por todos pecai com todos ela nos espia do aparador.

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