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0 – A ARTE INSTITUCIONALIZADA E CULTURA POPULAR

Os meios de comunicação integrados em nosso dia a dia influenciam em


nossos modos de nos conectarmos ao mundo e com o outro. A educação que
visa apenas o aperfeiçoamento de dons e competências não corresponde a
totalidade de pessoas inteiras integrando todas as suas dimensões reduzindo o
conhecimento ao racional. E as plataformas midiáticas com suas formas
multidimensionais de superposição de imagens e mensagens, operam
condicionando nossas ideias e personalidades em todos os âmbitos de nossas
vidas. De forma a nos familiarizar e manipular através de sentimentos e
opiniões a concordar ou discordar, deixando somente a religião em segundo
plano nas ideias de certo e errado em suas concepções de vida. O que nos
leva a refletir sobre o porquê da influência da Igreja na atividade intelectual da
escolástica medieval, da filosofia de santos teólogos e a forma de se escrever
História marcados na providência divina. Reflexo da dificuldade dos cidadãos
em manter uma disciplina em uma rotina de estudos e o porquê as escolas
ainda muito se assemelharem aos mosteiros; onde alunos se sentem presos
em uma obrigação de ter hábitos que expandam seu crescimento e
conhecimento.

O fenômeno da repressão e as motivações sociais através do qual se


conduziu pode ser encontrado através de Foucault, (1987) em suas
contribuições sobre as formas de punições daqueles que não seguiam as leis,
a ligação da Igreja com a prisão nos elementos da penitência da reclusão
inspirada nos monastérios, e da conjugação do reconhecimento da culpa e
princípios da moral cristã e o crime como um pecado. Verificando-se o corpo e
a alma como objetos da intervenção punitiva, em um ritual de controle exercido
na tentativa de tornar os detentos sujeitos obedientes e dóceis, em que o poder
e o saber nessa medida, tornam-se complementares nesse exercício do
controle dos indivíduos.

E todas as instituições como fábricas, escolas, hospitais psiquiátricos, e


a prisão tem como finalidade fixar os indivíduos em um aparelho de
normalização dos homens, ligando o indivíduo a um processo de produção, de
formação ou de correção dos produtores.
A representação de cultura de um povo baseia-se na representação que
um povo tem de si mesmo no interior de uma sociedade. Sendo assim a arte é
uma porta para a realização de uma democracia significativa. A contracultura e
os elementos que ainda restaram em nosso cotidiano, como forma de
resistência, são formas pelas quais a há a ruptura com a cultura hegemônica.

Observando-se então, esses movimentos contraculturais de caráter


libertário, como ressalta Pereira, (1986, p. 05), como um apelo das juventudes
das camadas médias urbanas que confrontavam os valores centrais da cultura
ocidental, em seus aspectos essenciais da racionalidade veiculada e
privilegiada por essa mesma cultura.

Favaretto em sua palestra gravada no Itaú Cultural em julho de 1999,


com o título “Isto é arte?”, explica o que é a arte moderna e contemporânea,
colocando em ponto uma imagem de arte ligada a uma tradição qual identifica
arte como obra-prima e relacionadas a formas de unicidade e harmonia. Ao
colocar em questão as imagens tanto das artes antigas quanto às mais
modernas mostra os simbolismos de vida que por elas são gerados e esse
estranhamento produzido. Estimula um outro modo de ver a arte e promove um
olhar que questiona, "Isso também é arte?" capacitando as possibilidades
variadas e, a ampliação do campo da arte para outros espaços.

Segundo Poggiani, (2011 p. 30), após a Primeira Guerra Mundial, o


panorama educacional brasileiro era conturbado e classificado por altas taxas
de analfabetismo. E em 1932 intelectuais se mobilizavam para os avanços no
campo da educação conduzindo a publicação do “Manifesto dos Pioneiros da
Educação”. Com esse ideal de educar o povo, a partir do final do século XIX,
instituições auxiliares começaram a colaborar interligadas à escola. Entre elas
o museu escolar desempenhando o papel de aumentar as habilidades da
criança, através do contato direto com os objetos que atribuíam valor as aulas,
substituindo o ensino repetitivo e livresco. A constituição do museu baseava-se
nos alicerces do movimento da Escola Nova e diferentemente das instituições
fundadas no final do século XIX, estimulava também a participação dos
educadores na formação de seu acervo museológico denotava a ação de
grande valor para educação.

As questões que se abrem neste dado momento da pesquisa são: A


serviço da preservação da história patrimonial e da memória de qual cultura
estão os museus? Quem é o público alvo e quem são os que visitam esses
espaços culturais? Quais das Sete Artes estão inseridas no dia a dia da
sociedade brasileira, e que tipo de incentivo à interpretação e reflexão sobre a
arte, conforme a camada social qual se está inserido traz a sua percepção de
vida?

Gell, (1998 p. 03) no primeiro capítulo “The problem defined: The need
for an anthropology of art”, do livro Art and agency: an anthropological theory,
considera que existe uma analogia óbvia entre “estética específica de uma
cultura” e “estética específica de um período” e a antropologia da arte tem um
objetivo semelhante a das tarefas do historiador da arte que é ajudar nesse
processo, fornecendo o contexto histórico, elucidando a “maneira de ver” de um
sistema cultural e não de um período histórico que tem de ser explicado.

Os juízos estéticos são apenas atos mentais interiores; já


os objetos de arte são produzidos e entram em circulação
no mundo físico e social exterior. Essa produção e essa
circulação têm de ser mantidas por certos processos
sociais de natureza objetiva, que estão ligados a outros
processos sociais (troca, política, religião, parentesco
etc.). (GELL, Alfred, 1988 p. 04)

O autor evidencia que os antropólogos não podem ignorar as instituições


afirmando que a antropologia da arte deve levar em conta a base institucional
da produção e circulação das obras de arte, na medida em que as instituições
existam. Podendo-se afirmar que há muitas sociedades em que as instituições
que fornecem a produção e a circulação da arte não são especializadas em
arte, e sim instituições de âmbito mais geral como cultos, sistemas de trocas
etc.

A arte como uma dimensão estética da vida, proporciona ao indivíduo


uma compreensão sobre a existência, potencializando a dimensão do
sentimento e compreendendo os sentidos culturais qual está a sua volta.
“Esses contextos locais, em que a arte é produzida não como
função da existência de instituições de “arte” específicas, e sim
como subproduto da mediação da vida social e da existência
de instituições de tipo mais genérico, justificam afirmar ao
menos uma autonomia relativa de uma antropologia da arte
que não seja circunscrita pela presença de instituições de
qualquer tipo especificamente relacionadas à arte.” (GELL,
Alfred, 1988 p. 13)
Dentro da perspectiva educacional, esse assunto pode ser
compreendido como exemplo: nas produções artísticas fora do espaço
instituído da arte; através de recursos pedagógicos específicos; bem como na
prática da terapia ocupacional, no qual, por meio de transtornos específicos de
aprendizagem percebidos pelo corpo docente, familiares e unidade escolar, o
discente passa por uma investigação, sendo encaminhado posteriormente a
um especialista.

Em “Por uma arte menor: ressonâncias entre arte, clínica e loucura na


contemporaneidade”, Lima (2006) acentua a problemática através do
questionamento das produções exteriores ao mundo da arte. Através de
desenhos e pinturas produzidas em espaços clínicos, levanta a questão de
inserção das representações como objetos que possuem algum valor no
campo das artes, bem como, se esse tipo de indagação os declara ou não,
imediatamente artísticos. Questiona também se os espaços em que foram
produzidos as manifestações estéticas marginais e de exclusão, estaão
incluídos no sistema da arte. Sobre este questionamento afirma:

“[...] Criamos uma mistificação em torno da


figura do louco, que bastante romantizada torna-se o
emblema do artista por excelência aquele que, livre
das amarras sociais, pode criar livremente.” (Lima,
p.03)

Dessa forma, a arte do louco é julgada não como arte, mas como falta
de consciência de si próprio. Há assim uma ligação da arte com a loucura. Da
mesma forma pode-se entender o artista, como alguém que necessita da
loucura para produzir a arte, sendo o “louco” um artista ou todo artista, meio
louco.
No que tange a arte institucionalizada e seus aspectos considerados
significativos, não é difícil percebê-la no espaço social qual estamos inseridos
no nosso dia a dia, bem como sua influência e forma de nos levar a reflexão
crítica. Mas o tipo de arte a que estamos expostos não é apenas aquela em
que os objetos figuram com valor dentro dos espaços artísticos. A publicidade,
o televisor, que não estão inseridos nas categorias de arte pertencem a um
sistema eletrônico de reprodução de imagens, que através da mídia
audiovisual, substitui a “obra-prima”, bem como as telenovelas substituem os
teatros e a literatura.

Segundo Souza, (2005, p.20):

“A arte popular é definida em contraste com a arte produzida


pelas elites culturais, a partir de valores que não foram aqueles
que nortearam sua criação. [...] Não é possível, contudo,
traçarmos uma cisão radical, absoluta entre cultura popular e
cultura de elite, sob pena de rebaixarmos a cultura popular
apenas à condição de cultura dos outros, ou seja, a uma
alteridade vista de cima. Ambas vivem em um jogo de
espelhos, de reflexos, de intercomunicação permanente.”
(SOUZA,2005, p.20/21)

Peter Burke, em seu livro Cultura Popular na Idade Moderna (1989, p.


09), adverte que “quanto à cultura popular, talvez seja melhor de início defini-la
negativamente como uma cultura não oficial, a cultura da não elite, das ‘classes
subalternas’ ”. No início da Europa moderna os povos que não faziam parte da
elite, eram os “mais ou menos definidos”, como sendo compostos pelos
artesãos e os camponeses. Para adentrar a história da cultura, Peter Burke
ressalta que os valores e atitudes dos artesãos necessitam de serem alterados
para permitir uma abordagem da história cultural. Assim, , aprofundam-se
métodos que possibilitem o estudo das tradições orais e rituais do “povo” (the
folk), como a disciplina do folclore.

A compreensão de cultura não advém do reflexo e do caráter de um


povo, é formatada conforme o sentido de valor que lhe é atribuída, a exemplo
da dissensão do valor que é cominado de mercado a arte elitizada, em razão
ao artesanato passando a ser seu valor regente.
O cotidiano precário é criador da cultura popular pois designa uma
ruptura fantasiosa aos interditos sociais. Conforme a cultura popular integra-se
à cultura erudita, criam-se historicamente, espaços autônomos de crítica e
resistência. Assim, temos por exemplo, os espaços festivos e de
entretenimento que são incorporados às elites, que funcionam como
demarcaores de territórios e também como exclusão de outros grupos sociais.

Guy Debord (1967), intelectual francês que também foi um dos


responsáveis teóricos pelos eventos de Paris do maio de 1968, em sua obra A
Sociedade do Espetáculo, analisa o conceito de “espetáculo” como um se
fosse ocasionado pelo capitalismo através da publicidade, televisão, cinema e
celebridades. Denuncia assim, um sistema de controle social que significa
também uma falsa realidade ao se consolidar na sociedade, através dos meios
de comunicação de massa. Por meio de uma pequena minoria consciente,
nossa racionalidade e desejos são desenvolvidos através de uma identidade
constituída a partir dessas imagens da ideologia do consumo.

A relação social mediatizada por imagens é o espetáculo tornando-se


parte da sociedade e instrumento de unificação da mesma. A realidade surge
no espetáculo e o espetáculo no real, como afirmação da aparência. Assim a
vida humana fica reduzida a uma simples aparência. Neste processo a
produção de uma falsa consciência passa a ser a essência que sustenta a
alienação, e se torna uma negação nítida da vida e da vida visível.

Depreende-se então, que a base institucional da circulação das artes


institui-se em âmbitos envoltos de juízos estéticos ligados a processos sociais
políticos, religiosos e de sistemas de trocas. Atribui-se ao indivíduo uma
compreensão da vida, sustentadas nas ideias de unicidade advindas das
mitologias tradicionais. Formula uma imagem do universo paralelas à ciência
de sua época, no qual todas as coisas são reconhecidas como um único e
grande quadro sagrado. Dessa forma evidencia-se também pelo mito edênico,
originado ainda nas fases iniciais das expedições de colonização do Novo
Mundo. Essa repetição do mito que na sociedade brasileira sempre se
reatualiza como ufania nacional.

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