Você está na página 1de 4

A FILOSOFIA DA HISTÓRIA EM DE CIVITATE DEI DE

SANTO AGOSTINHO
Daniel Gomide da Silva
Bacharelando em Teologia

Resumo
Este artigo delineará a filosofia da história de uma perspectiva cristã, tendo como paradigma a
obra clássica de Santo Agostinho, De Civitate Dei. O objetivo do estudo é ressaltar a
importância de uma filosofia bíblica da história e explicar a proposta de Santo Agostinho, a
qual é de suma importância para o ensino de questões históricas. A metodologia adotada nesse
artigo é revisão bibliográfica e a conclusão é que a alternativa à filosofia cristã da história
redunda em ceticismo ou na adoção de uma estrutura secular.

Palavras-chave: Filosofia da história. História. Epistemologia. Antítese. Agostinho. Cidade


de Deus.

Introdução
O termo “filosofia da história” foi cunhado por Voltaire e o intuito de tal terminologia
é diferenciar a filosofia da teologia da história. Em virtude disso, alguns estudiosos têm dito
que Agostinho desenvolveu uma teologia da história ao invés de uma filosofia da história. Se
tomarmos como definição de filosofia da história a ideia de interpretação sistemática, então
não há óbice em falar de uma filosofia da história em De Civitate Dei. Nesse sentido, estamos
de acordo com Löwith: “Considerada nesta acepção, a filosofia da história está, no entanto, na
total dependência da teologia da história, em particular do conceito teológico da história como
uma história de realização e salvação”.1
A pergunta que perfaz a nossa problemática é: possui a história um sentido? A
hipótese levantada é que a interpretação da história depende de um arcabouço epistemológico
e, no caso de Agostinho, essa estrutura hermenêutica é revelacional.
Exploraremos os princípios contidos na filosofia da história agostiniana, a qual
expressa com maior aproximação a filosofia da história judaico-cristã, buscando elucidar sua
proposta.

1 Aspecto conceitais da História na cosmovisão cristã

No prólogo da obra De Civitate Dei Agostinho escreve:

1
LÖWITH, K. O Sentido da História. São Paulo: Edições 70, 1991, p. 15.
A gloriosa Cidade de Deus prossegue em seu peregrinar através da
impiedade e dos tempos, vivendo cá embaixo, pela fé, e com paciência
espera a firmeza da mansão eterna, enquanto a justiça não se converte em
juiz, o que há de conseguir por completo, depois, na vitória final e perfeita
paz.2

Enumeramos a seguir os aspectos conceituais na filosofia da história cristã de acordo


com Collingwood: 1) é universal, 2) é providencial, 3) é apocalíptico, 4) é periodizado.
Com relação ao primeiro aspecto, Collingwood acredita que “A história universal
cristã sofreu uma revolução copérnica, por meio da qual foi destruída a própria ideia de centro
de gravidade”. Seguindo o filósofo cristão Gordon Clark, enfatizamos que o oposto do que
Collingwood afirma é o que ocorre na filosofia da história cristã: o centro de gravidade não é
destruído, mas é transformado do geograficamente localizado para o geograficamente
disperso; e do espiritualmente diverso mudando para o espiritualmente unificado e constante.
O centro de gravidade, segundo Agostinho, deixa de ser geográfico e passa a ser espiritual: a
Igreja ou Cidade de Deus.
O segundo aspecto pode ser percebido no livro V, Capítulo I:
A causa da grandeza do Império Romano não é fortuita, nem fatal, segundo
o parecer ou opinião dos que dizem ser fortuito o que não tem causa ou, se a
tem, não procede de alguma ordem racional, e fatal o que sucede por
necessidade de certa ordem, à margem da vontade de Deus e dos homens.
Sem dúvida, a Divina Providência constitui os reinos humanos. Se alguém o
atribui à fatalidade precisamente, porque dá esse nome à vontade de Deus ou
a seu poder, pode conservar essa opinião, mas deve corrigir o vocabulário. 3

Agostinho segue dizendo que as eventualidades temporais não dependem do


posicionamento dos astros e Collingwood acrescenta que a filosofia cristã da história
“atribuirá os acontecimentos não à sabedoria dos agentes humanos mas a actuação da
Providência, que pré-estabelece seu curso”.4 A passagem de Daniel 4:35 pode ser citada como
exemplo desse aspecto e daí deduzimos que a história não é resultado de agência humana,
nem das forças sociológicas, nem do materialismo dialético ou de quaisquer outras
combinações, mas da Providência agindo através de causas secundárias ou poderes
intermediários. Talvez o comentário de Girolamo Zanchi seja necessário para evitar
confusões: “[...] o homem, mesmo em seu estado caído, é dotado de uma liberdade natural da
vontade, mas age, desde o primeiro até o último momento da sua vida, em absoluta

2
AGOSTINHO, S. A Cidade de Deus. 2ª. ed. Petrópolis: Vozes de bolso, 2014, p. 39.
3
AGOSTINHO, S. A Cidade de Deus. 2ª. ed. Petrópolis: Vozes de bolso, 2014, p. 245.
4
COLLINGWOOD, R. G. A Ideia de História. Lisboa: Editorial Presença, 1972, p. 87.
subserviência (embora, talvez, ele não o saiba ou o intencione) aos propósitos e decretos de
Deus concernentes a ele [...]”.5
Em relação ao aspecto apocalíptico, Collingwood acertadamente faz da morte e
ressurreição de Cristo eventos centrais da história. Todavia, ele parece restringir esses
eventos, dando a eles uma conotação prospectiva e retrospectiva: “a primeira... consistindo
numa preparação cega para um acontecimento ainda não revelado; a segunda... dependente do
facto de a revelação se realizar agora”.6 Mas Agostinho, quando comenta a invasão dos
bárbaros, ressalta que apenas Jesus é quem protegeu as pessoas, sendo que os deuses dos
romanos para nada serviram. Ou seja, os eventos apocalípticos da morte e ressurreição de
Cristo têm detalhes futuros significativos que foram ignorados por Collingwood.
O quarto aspecto não requer muitos comentários, senão que reflete a divisão da
história em períodos.

2 Revelação como princípio metodológico


Gordon Clark sugere, além dos princípios delineados por Collingwood, a revelação
como princípio metodológico. Aqui também ele aponta para Agostinho, que diz que devemos
estabelecer as Escrituras como fundamento da nossa estrutura.7 Baseado na metodologia
revelacional e fazendo eco à Cidade de Deus, Clark chega às seguintes afirmações inter-
relacionadas: 1) Deus controla a história; 2) Ele levará a história a seu fim e ápice; 3) O
próprio Deus atua na história. 8

Considerações Finais
Nesse artigo percebemos que a filosofia da história de Santo Agostinho é distinta
daquela dos estoicos, com sua ideia circular, pois para Agostinho a história controlada por
Deus é linear. Outro aspecto subjacente à sua filosofia da história é a teleologia. A
metodologia secular recusa essa estrutura, mas sua epistemologia é internamente
contraditória.

5
ZANCHI, G. A sabedoria e presciência de Deus.. Disponivel em:
<http://voltemosaoevangelho.com/blog/2017/01/girolamo-zanchi-sabedoria-e-presciencia-de-deus-
reforma500/>. Acesso em: 2017 fevereiro 17.
6
COLLINGWOOD, R. G. A Ideia de História. Lisboa: Editorial Presença, 1972, p. 88.
7
HTTP://ANOTHERREADERSREVIEW.BLOGSPOT.COM.BR/2013/06/HISTORY-
HISTORIOGRAPHY.HTML.
8
CLARK, G. Uma Visão Cristã dos Homens e do Mundo. Brasília: Monergismo, 2013, p. 93-94.
Referências
CLARK, G. Historiography Secular and Religious. Disponivel em:
<http://anotherreadersreview.blogspot.com.br/2013/06/history-historiography.html>. Acesso
em: 17 fevereiro 2017.

ZANCHI, G. A sabedoria e presciência de Deus. Disponivel em:


<http://voltemosaoevangelho.com/blog/2017/01/girolamo-zanchi-sabedoria-e-presciencia-de-
deus-reforma500/>. Acesso em: 17 fevereiro 2017.

Referências bibliográficas
AGOSTINHO, S. A Cidade de Deus. 2ª. ed. São Paulo: Vozes de bolso, 2014.

CLARK, G. Uma visão cristã dos homens e do mundo. Brasília: Monergismo, 2013.

COLLINGWOOD, R. G. A Ideia de História. Lisboa: Editorial Presença, 1972.

LÖWITH, K. O Sentido da História. São Paulo: Edições 70, 1991.

Você também pode gostar