Você está na página 1de 287

GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E TERRORISMO

ERIC HOBSBAWM
COMPANHIA DAS LETRAS

Título original: Globalisation, democracy and terrorism


Tradução: José Viegas
Gênero: Sociologia e política Numeração: rodapé - 182
pags

Contracapa

Nos dez textos que compõem este livro, o renomado


historiador Eric Hobsbawm, autor do clássico Era dos
extremos, analisa a situação mundial no início do novo
milênio e trata dos problemas mais agudos que nos
confrontam. Nesta esclarecedora aula de história
contemporânea, Hobsbawm traça um painel do cenário
político internacional ao discorrer sobre temas como
guerra e paz, imperialismo, nacionalismo e hegemonia,
ordem pública e terrorismo, mercado e democracia, o
poder da mídia e até futebol.

"O mais importante historiador ainda em atuação." -


Sylvia Colombo,
Folha de S.Paulo

"Com grande lucidez e a concisão que lhe é natural,


Hobsbawm esboça o novo cenário do século XXI." - The
Guardian "Globalização, democracia e terrorismo dá uma
boa idéia do vigor e da paixão com que este grande
intelectual investiga o mundo contemporâneo." - Sunday
Telegraph Orelhas

Nesta coletânea de dez palestras e conferências, Eric


Hobsbawm, um dos maiores historiadores vivos, faz um
balanço dos principais
temas que compõem o cenário internacional
contemporâneo. Com a
profundidade que o caracteriza, o pensador inglês
examina a política atual adotada pelas grandes potências
e não se exime de fazer comentários afiados a respeito
das tendências que têm marcado a evolução da história
recente.
Em textos leves e elegantes, Hobsbawm discute a
democracia e a anarquia, o nacionalismo e o terrorismo, o
estado nacional e as organizações transnacionais, a
guerra e a paz, a violência e a ordem pública, o
poder da mídia, o futebol e a cultura contemporânea. Para
o autor, os efeitos nem sempre positivos da
globalização, as dúvidas e problemas que abalam a
democracia, e a tragédia ainda não superada
do terrorismo, não são tratados apenas como questões
teóricas, mas como assuntos concretos ligados
diretamente à vida cotidiana, influindo, por exemplo, no
aumento da violência urbana, no nível de empregos e nas
próximas eleições.
Longe de ser um otimista, Hobsbawm considera remotas
as perspectivas de uma paz mundial sólida no século XXI
e ressalta o forte crescimento das desigualdades
econômicas e sociais, acentuadas pela
globalização baseada no conceito de mercado livre.
Crítico impiedoso do atual governo dos Estados
Unidos, o historiador analisa as
impressionantes ações imperialistas desenvolvidas por
Washington desde o término da Guerra Fria, os erros
que tem cometido e a necessidade urgente de que
aprenda as lições da história e evite contribuir para que o
mundo se torne cada vez mais um lugar de desequilíbrio
político e ambiental, caracterizado pela desordem,
pelo conflito e pela barbárie.

Eric Hobsbawm nasceu em Alexandria, em 1917, e


educou-se na Áustria, na Alemanha e na Inglaterra.
Recebeu o título de doutor honoris causa de
universidades de diversos países. Lecionou até se
aposentar no Birkbeck College, da Universidade de
Londres, e posteriormente na New School for Social
Research, de Nova York. De sua autoria, a
Companhia das Letras publicou Era dos extremos (1995),
Ecos da MarseIhesa (1996), Sobre história (1998), O
novo século (2000) e Tempos interessantes (2002).

GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E TERRORISMO


COMPANHIA DAS LETRAS
GLOBALIZAÇÃO, DEMOCRACIA E TERRORISMO ERIC
HOBSBAWM
Globalização, democracia e terrorismo
Tradução José Viegas

2ª reimpressão OMPANHIA DAS LETRAS

Copyright (c) 2007 by Eric Hobsbawm Título original


Globalisation, democracy and terrorism

Capa
Hélio de Almeida

Foto de capa
A fachada sul da torre sul (World Trade Center, Nova
York), de Joel Meyerowitz. Cortesia da
Galeria Edwynn Houk.
Preparação
Cacilda Guerra

Revisão
Ana Maria Barbosa Valquíria Delia Pozza

índice remissivo Luciano Marchiori,


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Hobsbawm, Eric, 1917
Globalização, democracia e terrorismo / Eric Hobsbawm;
tradução José Viegas. - São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.

Título original: Globalisation, democracy and terrorism


ISBN 978-85-359-1130-5
1. Globalização - Aspectos sociais 2. Globalização -
Aspectos políticos 3. Mudança social 4. Terrorismo I.
Título.

07-8664 CDD-327.1
Índice para catálogo sistemático:
1. Globalização: Aspectos políticos: Ciência política
327.1
[2008]

Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA


SCHWARCZ LTDA.
Rua Bandeira Paulista 702 cj. 32
04532-002 - São Paulo - SP
Telefone (11) 3707-3500
Fax (11) 3707-3501
www.companhiadasletras.com.br

Sumário Prefácio............................................9
1. Guerra e paz no século XX........................21
2.Guerra, paz e hegemonia no início do século XXI...36
3.Por que a hegemonia dos Estados Unidos difere da do
Império Britânico................................ 54
4. Sobre o fim dos impérios...................... 77
5.As nações e o nacionalismo no novo século .....86
6.As perspectivas da democracia................. 97
7.A disseminação da democracia..................116
8.O terror......................................121
9.A ordem pública em uma era de violência.......138
10.O império se expande cada vez mais...........152
Notas...........................................165
Indice remissivo................................171

Prefácio
O século XX foi a era mais extraordinária da história da
humanidade, combinando catástrofes humanas de
dimensões inéditas, conquistas materiais substanciais e
um aumento sem precedentes da nossa capacidade de
transformar e talvez destruir o planeta - e até de penetrar
no espaço exterior. Qual é a melhor maneira de refletir
sobre essa "era dos extremos" e imaginar as perspectivas
da nova era que surge a partir da antiga? Esta coleção de
ensaios é a tentativa de um historiador de examinar,
analisar e compreender a situação do mundo no início do
terceiro milênio e alguns dos principais problemas
políticos que nos confrontam hoje. Eles suplementam e
atualizam o que escrevi em publicações anteriores,
sobretudo a minha história do "breve século XX", Era dos
extremos, a entrevista sobre O novo século com o
jornalista italiano Antônio Polito e Nações e nacionalismo
desde 1780. Essas tentativas são necessárias. Qual é a
contribuição dos historiadores para tal tarefa? Sua função
principal, além de relembrar o que outros esqueceram ou
querem esquecer, é tomar distância, tanto quanto
possível, dos registros da época
9
contemporânea e vê-los em um contexto mais amplo e
com uma perspectiva mais longa.
Nesta coleção de estudos, mais que nada sobre temas
políticos,
escolhi focalizar cinco conjuntos de questões que hoje
requerem um pensamento claro e bem informado: a
questão genérica da guerra e da paz
no século XXI, o passado e o futuro dos impérios globais,
a natureza e
o contexto cambiante do nacionalismo, o futuro da
democracia liberal
e a questão da violência política e do terror. Todas elas
têm lugar em um cenário mundial dominado por dois
desenvolvimentos correlatos: a aceleração enorme e
contínua da capacidade da espécie humana de modificar
o planeta por meio da tecnologia e da atividade
econômica e a globalização. O primeiro deles,
infelizmente, não produziu até aqui um impacto
significativo sobre os que tomam as decisões políticas. A
maximização do crescimento econômico continua a ser o
objetivo dos governos, e não existe ainda uma perspectiva
realista para que se dêem passos efetivos que nos
permitam enfrentar a crise do aquecimento global. Por
outro lado, desde a década de 1960, o avanço acelerado
da
globalização ou seja, o mundo visto como um conjunto
único de atividades interconectadas que não são
estorvadas pelas fronteiras locais-provocou um profundo
impacto político e cultural, sobretudo na sua forma
atualmente dominante de um mercado global livre e sem
controles. Estes ensaios não discutem esse ponto
especificamente, sobretudo porque a política é o principal
campo da atividade humana que praticamente não foi
afetado pela globalização. Tratando de realizar a duvidosa
tarefa de quantificá-la, o índice de Globalização KOF
(2007), da Suíça, não
teve dificuldades em encontrar indicadores de fluxos
econômicos
e de informação, contatos pessoais ou difusão cultural
(como o número de lanchonetes McDonald's e de lojas da
rede de móveis IKEA por habitante), mas não conseguiu
nenhuma medida melhor para a "globalização política" do
que o número de embaixadas em

10

determinado país e sua participação em organismos


internacionais e em missões do Conselho de Segurança
das Nações Unidas.
Uma discussão ampla sobre a globalização está fora
do escopo deste livro. Contudo, três observações de
ordem geral a respeito dela são particularmente
pertinentes para os temas aqui cobertos.
Primeiro, a globalização acompanhada de mercados
livres, atualmente tão em voga, trouxe consigo uma
dramática acentuação das desigualdades econômicas e
sociais no interior das nações e entre elas. Não há
indícios de que essa polarização não esteja prosseguindo
dentro dos países, apesar de uma diminuição geral da
pobreza extrema. Este surto de desigualdade,
especialmente em condições de extrema instabilidade
econômica como as que se criaram com os mercados
livres globais na
década de 1990, está na base das importantes tensões
sociais e políticas do novo século. Na medida em que as
desigualdades internacionais podem
também estar sofrendo pressões decorrentes da
ascensão das novas economias asiáticas, tanto a ameaça
aos níveis de vida relativamente astronômicos dos povos
do velho Norte quanto a impossibilidade prática de
alcançar algo parecido para as vastas populações de
países como a índia e a China produzirão suas próprias
tensões internas e internacionais.
Segundo, o impacto dessa globalização é mais sensível
para os que menos se beneficiam dela. Daí provém a
crescente polarização
de pontos de vista a seu respeito, entre os que estão
potencialmente protegidos contra seus efeitos negativos -
os empresários, que podem reduzir seus custos utilizando
mão-de-obra barata de
outros países, os profissionais da alta tecnologia e os
formados em cursos de educação superior, que podem
conseguir trabalho em qualquer economia de mercado de
alta renda e os que não estão.
É por isso que, para a maior parte daqueles que vivem
dos salários provenientes dos seus empregos nos velhos
"países desenvolvidos", 11
o começo do século XXI oferece um quadro sombrio, para
não dizer sinistro. O mercado livre global afetou a
capacidade de seus países e sistemas de bem-estar
social para proteger seu estilo de vida. Em uma economia
global, eles competem com homens e mulheres de
outros países que têm as mesmas qualificações, mas
recebem apenas uma fração dos salários vigentes no
Ocidente e sofrem nos seus próprios países as pressões
trazidas pela globalização do que Marx chamava
"o exército de reserva dos trabalhadores", representado
pelos imigrantes que chegam das aldeias das grandes
zonas globais de pobreza. Situações
desse tipo não antecipam uma era de estabilidade política
e social. Terceiro, embora a escala real da globalização
permaneça modesta, talvez com a exceção de alguns
países em geral pequenos e sobretudo na Europa, seu
impacto político e cultural é desproporcionalmente grande.
Assim, a
imigração é um problema político substancial na maior
parte das economias
desenvolvidas do Ocidente, ainda que a proporção dos
seres humanos que vivem em países diferentes daqueles
em que nasceram seja
de apenas 3%. No KOF de globalização econômica de
2007, os Estados Unidos estão em 39º lugar, a Alemanha
em 40º, a China em 55º, o Brasil em 60º, a Coréia do Sul
em 62º, o Japão em 67º e a índia em 105º lugar, embora
todos, menos o Brasil, ocupem lugares algo mais altos na
escala de "globalização social" (o Reino Unido é a única
grande economia que está entre as dez
primeiras tanto na globalização econômica quanto na
social). Conquanto, do ponto de vista histórico, esse
fenômeno possa ser temporário ou não, a curto prazo
esse impacto desproporcionalmente grande pode bem ter
sérias conseqüências políticas nacionais e internacionais.
Minha opinião é a de que, de um modo ou de outro, a
resistência política, embora provavelmente não logre
fazer reviver
12

O ranking é baseado em dados de 2004.

práticas protecionistas formais, tenderá a desacelerar o


progresso da globalização dos mercados livres nos
próximos dez ou vinte anos.
Espero que os capítulos sobre guerra e hegemonia,
impérios e imperialismo, o estado atual do nacionalismo e
as transformações da violência pública e do terrorismo
façam sentido para o leitor sem a necessidade de
comentários adicionais do autor. O mesmo espero dos
dois capítulos sobre democracia, embora o autor tenha
consciência de que tentar demonstrar que uma das
maiores vacas sagradas do discurso político vulgar do
Ocidente produz menos leite do que em geral se presume
é algo altamente controverso. No discurso público
ocidental de hoje falam-se mais bobagens e absurdos
sobre a democracia, e especificamente sobre as
qualidades milagrosas atribuídas aos governos eleitos por
maiorias aritméticas de votantes que escolhem entre
diferentes partidos, do que, praticamente, sobre qualquer
outra palavra ou conceito político. Na retórica recente dos
Estados Unidos, a palavra perdeu todo contato com a
realidade. Meus capítulos são uma pequena contribuição
à necessária tarefa de esfriar os ânimos por meio do uso
da razão e do bom senso, conservando, ao mesmo
tempo, o compromisso firme de um governo para o povo –
todo o povo, ricos e pobres, estúpidos e inteligentes,
informados e ignorantes -, mediante consulta a ele e com
seu consentimento.
Os artigos aqui reunidos, sobretudo a partir de
conferências diante de platéias variadas, tentam
enquadrar e explicar a situação em que o mundo, ou
grande parte dele, se encontra hoje. Pode ser que eles
ajudem a definir os problemas que nos confrontam no
começo do novo século, mas não propõem programas ou
soluções práticas. Eles foram escritos entre 2000 e 2006 e
refletem, portanto, as preocupações internacionais
específicas desse período, que foi dominado pela decisão
tomada pelo governo dos Estados Unidos
em 2001 de afirmar uma hegemonia unilateral sobre o
mundo,
condenando convenções internacionais até então aceitas,
reservando-se 13

o direito de fazer guerras de agressão ou outras


operações militares sempre que o desejasse e levando-as
à prática. Dada
a derrocada da Guerra do Iraque, já não é necessário
demonstrar que esse projeto era irrealista e a questão de
saber se teríamos
desejado seu êxito não é, portanto, totalmente acadêmica.
Não obstante, deve estar claro, e os leitores precisam ter
atenção para isso, que meus ensaios foram escritos por
um autor que tem críticas profundas a esse projeto. Isso
se deve em parte à força e à indestrutibilidade das minhas
convicções políticas, que incluem a hostilidade ao
imperialismo, seja
o das grandes potências que afirmam estar fazendo
um favor às suas vítimas ao conquistá-las, seja o do
homem branco que pressupõe, para si próprio e para os
arranjos que faz, uma superioridade automática sobre as
pessoas cuja pele tem outra cor. Deve-se também a uma
suspeita racionalmente justificável contra a megalomania,
que é a doença ocupacional dos países e dos
governantes que crêem que seu poder e seu êxito não
têm limites.
A maior parte dos argumentos e mentiras que justificaram
as ações tomadas pelos Estados Unidos desde 2001,
usados por políticos,
advogados remunerados ou não, articulistas,
propagandistas, lobistas e
ideólogos amadores, americanos e britânicos, já não
precisa tomar nosso tempo. Contudo, fez-se também uma
defesa, menos desabonadora, não tanto
da Guerra do Iraque, e sim da proposição genérica da
legitimidade e da eventual necessidade de intervenções
armadas internacionais para preservar ou impor os
direitos humanos em uma era de crescente barbárie,
violência e desordem. Para alguns, isso implica a
desejabilidade de uma hegemonia imperial mundial
especificamente exercida pela única potência capaz de
estabelecê-la, os Estados Unidos. Essa proposi ção, que
pode ser chamada de imperialismo dos direitos humanos,
passou a fazer parte do debate público no transcurso dos
conflitos balcânicos que derivaram da desintegração da
Iugoslávia comunista, especialmente na Bósnia, os quais
pareciam indicar que apenas o uso externo da força
armada poderia pôr fim a um massacre mútuo e infindável
e que somente os Estados Unidos tinham a capacidade e
a vontade de usar tal força. O fato de que os americanos
não tinham interesses particulares - históricos, políticos
ou econômicos - na região tornou a intervenção mais
vistosa e aparentemente
desinteressada. Tomei a devida nota disso
nos meus ensaios. Embora eles, especialmente o que se
intitula "A disseminação da democracia", contenham
razões para rejeitá-la, algumas observações adicionais a
respeito dessa posição podem ser cabíveis. Ela é
fundamentalmente errada porque as grandes potências
que buscam implementar seus pontos de vista na política
internacional podem fazer coisas que convém aos
defensores dos direitos humanos e têm consciência do
valor publicitário de fazê-lo, mas isso não faz
propriamente parte dos seus propósitos, os quais, quando
elas julgam necessário, são perseguidos com a crueza e a
barbárie que constituem a herança do século
XX. A relação entre aqueles para quem uma grande causa
da humanidade é essencial e as ações de qualquer
Estado pode ser de aliança ou de oposição, mas nunca de
identificação permanente. Mesmo os raros casos de
jovens Estados revolucionários que buscam
genuinamente difundir sua mensagem universal - a
França depois de 1792, a Rússia depois de
1917, mas não os Estados Unidos isolacionistas de
George Washington - têm duração curta. A posição típica
de qualquer Estado é defender seus interesses. Ademais,
a defesa da intervenção armada de caráter humanitário
nos assuntos dos Estados baseia-se em três premissas: o
surgimento de situações intoleráveis no mundo
contemporâneo - normalmente o massacre ou o genocídio
- que clamam por ela; a ausência de modos alternativos
para tratá-las; e a presunção de que os ganhos a
serem obtidos com a intervenção, são claramente
superiores aos seus custos. Todas essas premissas são
por vezes justificáveis,

15

embora, como o debate sobre o Iraque e o Irã comprova,


seja rara a existência de acordo universal a respeito do
que constitui precisamente uma "situação intolerável".
Provavelmente houve consenso nos dois casos mais
óbvios de intervenção justificada: a invasão do
Kampuchea pelo Vietnã, que deu fim ao regime estar
recedor dos "campos da morte" de PolPot (1978), e a
destruição do regime de terror de Idi Amin na Uganda,
pela Tanzânia (1979).
(Evidentemente, nem todas as intervenções armadas
estrangeiras rápidas e bem-sucedidas em situação de
crise local produziram resultados assim satisfatórios-para
outros exemplos duvidosos, considere-se a Libéria e o
Timor Leste.) Em ambos os casos, o êxito foi obtido por
meio de incursões breves, que produziram efeitos
positivos imediatos e provavelmente alguns
melhoramentos duradouros, sem implicar o abandono
sistemático do princípio consagrado da não-intervenção
nos assuntos internos dos Estados soberanos. Na
verdade, elas não tiveram implicações imperiais
nem envolveram os níveis mais amplos da política
internacional.
Com efeito, tanto os Estados Unidos quanto a China
continuaram
a apoiar o deposto Pol Pot. Essas intervenções adhoc não
são relevantes para quem queira defender a
desejabilidade de uma hegemonia mundial dos Estados
Unidos.
Não é esse o caso das intervenções armadas dos anos
recentes, que foram, aliás, seletivas e não tocaram
alguns dos casos de atrocidades mais cruéis, em termos
humanitários, notadamente o genocídio na África central.
Nos Bálcãs da década de 1990, as preocupações
humanitárias foram decerto um fator significativo, mas não
o único. Provavelmente, embora se tenha afirmado o
oposto, a intervenção externa na Bósnia ajudou a terminar
a carnificina antes do que teria ocorrido se se houvesse
permitido o prosseguimento da guerra entre sérvios,
croatas e bósnios muçulmanos até sua conclusão natural,
mas a região permanece instável. Não está claro, de
modo algum, se em 1999 a intervenção
16

armada era o único caminho para resolver os problemas


causados por uma rebelião contra a Sérvia por parte de
um grupo minoritário extremista de nacionalistas
albaneses no Kosovo nem, na verdade, se a verdadeira
razão para o fim da intransigência sérvia foi a ameaça de
invasão ou a
ação da diplomacia russa. A base humanitária da
intervenção era bem mais duvidosa do que na Bósnia, e a
própria situação humanitária pode ter piorado, uma vez
que a Sérvia se viu provocada a promover uma
expulsão em massa de albaneses do Kosovo e em
decorrência das baixas civis causadas pela própria guerra
e dos meses de bombardeios destrutivos sofridos pelo
país. As relações entre sérvios e albaneses tam pouco
se estabilizaram. Mas
as intervenções nos Bálcãs pelo menos foram rápidas
e decisivas a curto prazo, embora até aqui ninguém, além,
talvez, da Croácia, tenha razões para sentir-se satisfeito
com os resultados.
Por outro lado, as guerras do Afeganistão e do Iraque, a
partir de 2001, foram operações militares dos Estados
Unidos que não se realizaram por razões humanitárias,
embora tenham sido justificadas
perante a opinião pública humanitária com base na
destituição de regimes detestáveis. Mas, não fosse pelo
Onze de Setembro,
nem mesmo os Estados Unidos teriam considerado a
situação em qualquer dos dois países como merecedora
de uma invasão imediata. O Afeganistão era aceito por
outros Estados com base em um "realismo" já um pouco
antiquado; o Iraque, por sua vez, era condenado quase
universalmente. Ainda que os regimes do Talibã e de
Saddam Hussein tenham sido
rapidamente derrubados, nenhuma das duas guerras
levou à vitória, nem mesmo ao alcance dos objetivos
anunciados inicialmente - o
estabelecimento de regimes
democráticos consentâneos com os valores ocidentais e
um forte sinal para outras sociedades ainda não
democratizadas da região. Ambas, mas sobretudo a
catastrófica Guerra do Iraque, acabaram sendo longas,
sangrentas, profundamente destrutivas e ainda
17

prosseguem, ao tempo em que este texto está sendo


escrito, sem perspectivas de conclusão.
Em todos esses casos, a intervenção armada foi
executada por
países estrangeiros com poder militar e recursos
francamente superiores. Em nenhum deles a intervenção
gerou, até aqui, soluções estáveis. Em todos os países
assinalados, a ocupação militar e a supervisão estrangeira
prosseguem. No melhor dos casos, mas claramente não
no Afeganistão e no Iraque -, a intervenção pôs fim a
guerras sangrentas e produziu algum tipo de paz, porém
os resultados positivos, como nos Bálcãs, foram
desanimadores. No pior dos casos - o Iraque
-, nenhuma pessoa séria pode negar que a situação do
povo, cuja libertação foi a desculpa oficial para a guerra,
está pior do que antes. A história recente das intervenções
armadas nos assuntos de outros países, mesmo as das
superpotências, não é uma história de êxito.
Isso se deve, em parte, a uma premissa, que também está
subjacente ao imperialismo dos direitos humanos, de que
os regimes bárbaros e tiranos são imunes à mudança
interna, de modo que apenas a força
externa pode extingui-los e produzir a conseqüente
difusão dos nossos valores e instituições políticas e legais.
Essas premissas foram herdadas dos dias em que os
combatentes da Guerra Fria denunciavam o
"totalitarismo". Elas não deveriam ter sobrevivido ao fim da
União Soviética, ainda mais com o evidente processo de
democratização interna de alguns regimes não-
comunistas detestáveis, autoritários, militaristas e
ditatoriais da Ásia e da América do Sul, depois da década
de 1980.
Elas também se fundamentam na crença de que os atos
de força podem produzir instantaneamente grandes
transformações culturais. Mas isso não é verdade. A
difusão de valores e de instituições através de sua súbita
imposição por uma força estranha é tarefa quase
impossível, a menos que já estejam presentes no local
condições que os tornem adaptáveis e sua introdução,
aceitável. A democracia, os valores
18

ocidentais e os direitos humanos não são como produtos


tecnológicos de importação, cujos benefícios são óbvios
desde o início e que são adotados de uma mesma
maneira por todos os que têm condições de
usá-los, como uma pacífica bicicleta ou um mortífero AK
47, ou serviços técnicos, como os aeroportos. Se fossem,
haveria maior similaridade política entre os numerosos
Estados da Europa, da Ásia e da África, todos vivendo
(teoricamente) sob a égide de constituições
democráticas similares. Em uma palavra, a história tem
muito poucos atalhos: lição que o autor aprendeu, em boa
medida, por ter vivido durante grande parte do último
século e pensado a respeito.

Por fim, uma palavra de agradecimento aos que


proporcionaram a ocasião para a apresentação inicial
destes estudos. O capítulo 1 baseia-se em um texto
escrito para o colóquio comemorativo do Centenário do
Prêmio Nobel da Paz (Oslo, 2001); o
capítulo 2,
na Nikhil Chakravarty Memorial Lecture (Nova Délhi,
2004), conferência que dei como convidado pela
Indian Review of Books; o capítulo 3, em q uma das
conferências do ciclo Massey, na Universidade de
Harvard,
em 2005; o capítulo 4, como discurso inaugural na
cerimônia de outorgado título de doutor honoris causa na
Universidade de Tessalônica, Grécia,
em 2004; o capítulo 5 é uma considerável elaboração de
um prefácio escrito para uma nova edição alemã de
Nações e nacionalismo (Campus Verlag, Frankfurt, 2004);
o capítulo 6 foi originalmente apresentado e impresso
como uma conferência do Athenaeum, naquele clube, em
2000; o capítulo 7 foi publicado como contribuição a um
número de Foreign Policy dedicado às "idéias mais
perigosas do mundo" (setembro/outubro de 2004); o
capítulo 8 teve um ponto de partida remoto em algumas
notas para um seminário sobre o terrorismo, na
Universidade de Columbia, Nova York, no começo
19

da década de 1990; o capítulo 9 foi apresentado no


Birkbeck College como conferência pública, fazendo parte
de uma série sobre "Violência ",
em 2006; e o capítulo 10 foi escrito e publicado por Le
Monde Diplomatique em 2003. Gostaria também de
agradecer aos colegas e a outros que se deram ao
trabalho de me ouvir e discutir minhas apresentações,
sobretudo em Nova Délhi, Harvard e Nova York. Como
autor profissional, devo um agradecimento aos meus
editores
italianos, que foram os primeiros a sugerir que um
conjunto de textos como este tinha coerência suficiente
para compor um pequeno livro digno de ser publicado, e a
Bruce Hunter e Ania Corless, que lograram persuadir tanto
a mim quanto a outros editores.
Por outro lado, devo desculpar-me pela ocorrência de
duplicações, inevitáveis em um livro baseado em
diferentes palestras e conferências dadas em ocasiões
diversas. Eliminei algumas, mas eliminar todas teria
prejudicado a continuidade da argumentação em cada
capítulo - e talvez a própria sensação de que o livro forma
um todo coerente. É possível que elas também ajudem a
ilustrar a argumentação de alguns capítulos, por vezes
demasiado compacta. Além do mais, certa dose de
repetição faz parte do arsenal de um autor que não
consegue se libertar do hábito de
toda uma vida dedicada a ensinar, ou seja, a persuadir à
medida que expõe. Espero não ter exagerado na dose.
E. J. Hobsbawm, Londres, 2007
20

i. Guerra e paz no século XX.

O século XX foi o mais mortífero de toda a história


documen-tada.
O número total das mortes causadas pelas guerras do
século ou associadas a elas foi estimado em 187 milhões
de pessoas, o que eqüivale a mais
de 10% da população mundial em 1913.' Se consideramos
1914 como seu
início real, foi um século de guerras praticamente
ininterruptas, com poucos e breves períodos em que não
houve conflitos armados organizados em algum lugar. Ele
foi dominado por guerras mundiais: ou seja, guerras entre
Estados territoriais ou alianças de Estados. O período
entre 1914 e 1945 pode ser visto como uma única "Guerra
dos Trinta Anos", interrompida apenas por uma pausa na
década de 1920 - entre a retirada final dos japoneses do
Extremo Oriente soviético, em 1922, e o ataque
à Manchúria, em 1931. A isso seguiram-se, quase
imediatamente, uns quarenta anos de guerra fria, a qual é
compatível com a definição dada pelo grande filósofo
Thomas Hobbes à guerra, como algo que consiste "não
em batalhas apenas, ou no ato de lutar, mas em um lapso
de tempo em que a vontade de travar batalhas é
suficientemente conhecida". Até que ponto as ações em
que
21

as Forças Armadas dos Estados Unidos têm se envolvido


desde o fim da Guerra Fria em várias partes do mundo
constituem uma continuação da era da guerra mundial é
matéria de debate. Não há dúvida, contudo, de que a
década de 1990 se mostrou plena de conflitos militares
formais e informais na Europa, na África e na Ásia
ocidental e central. O mundo
como um todo não teve paz desde 1914 e não está em
paz agora.
Não obstante, o século não pode ser tratado como um
bloco único, seja do ponto de vista cronológico, seja do
geográfico. Cronologicamente ele se divide em três
períodos: a era da guerra mundial, centrada na Alemanha
(1914-45), a era da confrontação entre as duas
superpotências (1945-89) e a era posterior ao fim do
sistema clássico de poder internacional. Denominarei esse
períodos com as cifras i,
n e m. Geograficamente, o impacto das operações
militares
é altamente desigual. Com uma exceção (a Guerra do
Chaco, de 1932-35), não houve guerras significativas
entre países (diferentes, portanto, das guerras civis) no
hemisfério ocidental (as Américas) no século XX.
As operações militares conduzidas por forças inimigas mal
tocaram essas terras, razão por que os bombardeios das
Torres Gêmeas e do Pentágono no Onze de Setembro
foram tão chocantes. Desde 1945, as guerras entre países
desapareceram também da Europa, que fora, até então, a
região com mais campos de batalha. Embora a guerra
tenha retornado ao Sudeste da Europa no período m, é
muito pouco provável que ela ocorra de
novo no resto do continente. Por outro lado, durante o
período n, guerras entre países, não necessariamente
desvinculadas da confrontação global, permaneceram
endêmicas no Oriente Médio e no Sul da Ásia, e guerras
importantes diretamente derivadas dessa confrontação
ocorreram no Leste e no Sudeste da Ásia (Coréia,
Indochina). Ao mesmo tempo, áreas como a África
subsaariana, que ficara comparativamente a salvo da
guerra no período I (com exceção da Etiópia, tardiamente
submetida à conquista colonial
22

pela Itália em 1935-36), tornaram-se teatro de conflitos


armados durante o período 11, e sofreram fortes episódios
de carnificina e sofrimento no período m.
Duas outras características da guerra no século XX
sobressaem, embora a primeira seja menos óbvia do que
a segunda. No início do século XXI, encontramo-nos num
mundo em que as operações armadas já não estão
essencialmente nas mãos dos governos ou dos seus
agentes autorizados,
e as partes disputantes não têm características, status e
objetivos em comum, exceto quanto à vontade de utilizar a
violência. As guerras
entre países dominaram tanto a imagem da guerra nos
períodos I e 11 que as guerras
civis e outros conflitos armados dentro dos territórios dos
países e dos impérios existentes ficaram obscurecidos.
Até as guerras civis que ocorreram no Império Russo
depois da Revolução de
Outubro, assim como as que se verificaram após colapso
do Império Chinês, podem caber no marco dos conflitos
internacionais, na medida em que não podem ser
vistas como independentes deles. Por outro lado, a
América Latina pode não ter visto exércitos cruzando as
suas fronteiras no século XX, mas foi cenário de
importantes conflitos civis: no México depois de 1911, por
exemplo; na Colômbia desde 1948, e em vários países da
América Central durante o período n. Não tem sido objeto
de reconhecimento geral o fato de que o número de
guerras internacionais diminuiu de maneira praticamente
contínua desde meados da década de 1960, quando os
conflitos internos passaram a ser mais comuns
do que as guerras entre países. O número de conflitos
dentro das fronteiras nacionais continuou a subir
fortemente até se estabilizar na década de 1990.
Mais conhecida é a perda de nitidez da distinção entre
combatentes e não-combatentes. As duas guerras
mundiais da primeira metade do século
XX envolveram a totalidade das populações dos países
beligerantes; tanto os combatentes quanto os 23 não-
combatentes sofreram. No transcurso do século, no
entanto, o preço da guerra deslocou-se cada vez mais das
forças armadas para a população civil, não só como
vítima, mas, de maneira crescente, como objetivo de
operações militares ou político-militares. O contraste entre
as duas grandes guerras mundiais
é dramático: apenas 5% dos que morreram na Primeira
Guerra Mundial eram civis; na Segunda Guerra Mundial
esse número subiu para 66%.
Supõe-se geralmente que de 80% a 90% das pessoas
afetadas pelas
guerras atuais sejam civis. Essa proporção aumentou a
partir do fim da Guerra Fria porque a maioria das
operações militares desde então não foi conduzida por
exércitos regulares, e sim por grupos diminutos de
soldados, regulares ou não, operando, em muitos
casos, armas de alta tecnologia e protegidos contra o
risco de sofrer baixas. Se bem que seja verdade que o
armamento de alta tecnologia tornou possível, em certos
casos, o restabelecimento da distinção
entre objetivos militares e civis e, por conseqüência, entre
combatentes e não-combatentes, não há razão para
duvidar de que as principais vítimas das guerras
continuarão a ser os civis.
Além disso, o sofrimento dos civis não é proporcional à
intensidade das operações militares. Em termos
estritamente militares, a guerra de duas semanas entre a
índia e o Paquistão em torno da independência de
Bangladesh, em 1971, foi um conflito de dimensões
modestas, mas produziu milhões de refugiados. As lutas
entre unidades armadas na África na década de 1990 não
envolveram muito mais do que alguns milhares de
soldados, em sua maioria mal armados, mas produziu, no
seu auge, quase 7 milhões de refugiados - número muito
maior do que em qualquer período da Guerra Fria, quando
o continente africano era cenário de guerras por
procuração entre as superpotências. Esse fenômeno não
está restrito às áreas pobres e remotas. Em alguns
aspectos, o efeito da guerra sobre a vida civil é
amplificado pela globalização e pela crescente
dependência do mundo com
24

relação a um fluxo constante e ininterrupto de


comunicações, serviços, tecnologias, entregas e
suprimentos. Mesmo uma interrupção relativamente breve
desse fluxo - por exemplo, o fechamento do espaço aéreo
dos Estados Unidos por alguns dias após o Onze de
Setembro-pode ocasionar efeitos consideráveis e talvez
dura douros sobre a economia global.

Seria mais fácil escrever sobre o assunto da guerra e da


paz no século XX se a diferença entre ambas tivesse
permanecido tão clara quanto se esperava ao começar
aquele século, nos dias em que as Convenções de Haia
de 1899 e 1907 codificaram as regras da
guerra. Supunha-se então que os conflitos ocorreriam
sobretudo entre países soberanos, ou, se tivessem lugar
dentro do território de um Estado em particular, entre
partes opositoras suficientemente
bem organizadas para receber o status de beligerantes,
reconhecido por outros Estados soberanos. Supunha-se
que a guerra se distinguia flagrantemente da paz, através
de uma declaração de guerra no início
e de um tratado de paz ao final. Supunha-se que as
operações militares distinguiriam claramente entre
combatentes - reconhecíveis como tais pelos seus
uniformes, ou outros sinais de que pertenciam a forças
armadas organizadas - e civis não-combatentes. Estes
deveriam, na medida do possível, estar protegidos em
tempos de guerra. Sempre se entendeu que essas
convenções não cobriam todos os conflitos armados, civis
e internacionais, em especial aqueles que derivavam da
expansão imperial dos países ocidentais em regiões que
não estavam sob a jurisdição de países soberanos
reconhecidos internacionalmente,
ainda que alguns (mas claramente não todos) desses
conflitos fossem chamados de "guerras". Tampouco elas
cobriam grandes rebeliões contra Estados já
estabelecidos, como o chamado Motim Indiano; nem
as atividades armadas recorrentes que tinham lugar em
regiões que estavam fora do controle efetivo dos Estados
ou das autoridades imperiais que nominalmente os que
25
governavam, tais como os assaltos e as lutas entre grupos
rivais nas montanhas do Afeganistão e no Marrocos. Não
obstante, as Convenções de Haia serviram ainda como
linha de orientação na Primeira Guerra Mundial. No
transcurso do século XX, essa clareza relativa foi
substituída pela confusão. Em primeiro lugar, a linha que
separa os conflitos entre países e os conflitos no interior
dos países - ou seja, entre guerras internacionais e
guerras civis - tornou-se difusa porque o século
XX teve como característica não só guerras, mas
também revoluções e desmembramentos de impérios. As
revoluções ou as lutas de libertação no interior dos
Estados tinham implicações para a situação internacional,
particularmente durante a Guerra Fria. Reciprocamente,
depois da Revolução Russa, as intervenções dos Estados
nos assuntos internos de outros Estados tornaram-se
comuns, pelo menos onde elas pareciam não apresentar
maiores riscos. Assim continua a ser.

Em segundo lugar, a distinção clara entre guerra e paz


tornou-se obscura. Exceto em alguns poucos lugares, a
Segunda Guerra Mundial
não começou com declarações de guerra nem terminou
com tratados de paz. A ela seguiu-se um período tão difícil
de classificar, seja como guerra, seja como paz, no
sentido habitual, que o neologismo "guerra fria"
teve de ser inventado para descrevê-lo. O caráter obscuro
da situação posterior à Guerra Fria é
ilustrado pelo atual estado de coisas no Oriente Médio.
Antes da Guerra do Iraque, nem a palavra "paz" nem a
palavra "guerra" descreviam com exatidão o que ocorria
no Iraque a partir do encerramento formal da Guerra do
Golfo - o país continuava sofrendo bombardeios quase
diários por parte de potências estrangeiras -, tampouco se
aplicavam plenamente às relações entre palestinos e
israelenses, ou ainda entre Israel e seus vizinhos Líbano e
Síria.
Tudo isso constitui uma herança infeliz das guerras
mundiais do século XX, e também da maquinaria cada vez
mais poderosa e
26

maciça de propaganda de guerra e de um período de


confrontação entre ideologias incompatíveis e
apaixonantes que trouxeram às guerras elementos
próprios das cruzadas, por serem comparáveis aos que se
viram nos conflitos religiosos do passado. Esses conflitos,
ao contrário das guerras tradicionais sob a vigência do
sistema internacional de poder, foram conduzidos com
freqüência cada vez maior em torno de finalidades não
negociáveis, como a "rendição incondicional". Como tanto
as guerras quanto as vitórias eram vistas como totais,
quaisquer limitações à capacidade de ação dos
beligerantes que pudessem ser impostas pelas
convenções que regularam as guerras dos séculos XVIII
e XIX-inclusive as declarações formais de guerra foram
rejeitadas. O mesmo aconteceu com quaisquer limitações
ao poder dos vitoriosos para impor sua vontade.
A experiência já revelara que os acordos forjados pelos
tratados de
paz podiam ser facilmente desfeitos. Nos anos
recentes, a situação complicou-se ainda mais com a
tendência ao emprego do termo "guerra" nos discursos
políticos para designar o uso da força armada contra
diversas atividades nacionais ou internacionais vistas
como anti-sociais - a "guerra contra a máfia", por exemplo,
ou a "guerra contra os cartéis das drogas". A luta para
controlar, ou mesmo para eliminar, essas organizações ou
redes, o que inclui grupos terroristas de pequena escala, é
bem diferente das grandes operações de guerra. Essa
terminologia imprecisa também confunde as ações de dois
tipos distintos de força
armada. Uma - vamos chamá-la de "exército" - dirige-se
contra outras forças armadas com o objetivo de derrotá-
las. A outra - vamos chamá-la de
"polícia"-dedica-se a manter ou restabelecer o grau
requerido de respeito à lei e à ordem pública dentro de
uma entidade política preexistente, tipicamente um país. A
vitória,
que não tem necessariamente uma conotação moral, é o
objetivo de
uma força; a apresentação dos violadores da lei à justiça,
que, sim, tem uma conotação moral, é o objetivo da outra.
27

No entanto, essa distinção é mais fácil de se fazer na


teoria do que na prática. O homicídio cometido por um
soldado em batalha
não constitui, por si só, uma violação à lei, ao contrário do
que acontece com o homicídio em todos os Estados
territoriais que funcionam normalmente. Mas o que
acontece se um membro do Exército
Republicano Irlandês (IRA) considera a si próprio como
beligerante, ainda que a lei do Reino Unido o considere
um assassino?
As operações na Irlanda do Norte foram uma guerra,
como sustenta o IRA, ou uma tentativa de sustentar um
governo legítimo de uma província do Reino Unido diante
da ação de violadores da lei? Uma vez que, além de uma
formidável força policial local, também um Exército
nacional foi mobilizado contra o IRA durante mais ou
menos trinta anos, poderíamos concluir que se tratou de
uma guerra, a qual, contudo, foi conduzida
sistematicamente como uma operação policial, de maneira
a minimizar as baixas e os efeitos negativos sobre a vida
da província. Afinal, houve uma solução negociada-que,
como é típico, ainda não produziu a paz,
mas simplesmente o prosseguimento da ausência de luta.
Essas são
as complexidades e confusões das relações entre a paz e
a guerra ao iniciar-se o novo século. Elas são bem
ilustradas pelas operações, militares e outras, em que os
Estados Unidos e seus aliados estão engajados no
momento presente.

Existe agora, como durante todo o transcurso do século


XX uma ausência total de qualquer autoridade global
efetiva que seja capaz de controlar ou resolver disputas
armadas. A globalização avançou em quase todos os
aspectos - econômico, tecnológico, cultural, até
lingüístico, menos um: do ponto de vista político e militar,
os Estados territoriais continuam a ser as únicas
autoridades efetivas. Existem oficialmente cerca de
duzentos países, mas na prática apenas um punhado
deles pesa na balança, e há um, os Estados Unidos, que
é esmagadoramente mais poderoso do que os demais.
Contudo, nunca nenhum país ou império foi grande, rico
28

ou poderoso o bastante para manter a hegemonia sobre o


mundo político e muito menos para estabelecer a
supremacia política e militar sobre todo o planeta. O
mundo é demasiado grande, complexo e plural. Não
existe nenhuma probabilidade de que os Estados Unidos,
ou qualquer outra potência singular, possam estabelecer
um controle duradouro, mesmo que o desejassem.
Uma única superpotência não pode contrabalançar a
ausência de autoridades globais, especialmente dada a
falta de convenções relativas, por exemplo, ao
desarmamento ou ao controle de armamentos, com força
suficiente para serem voluntariamente aceitas como
obrigatórias pelos países principais. Alguma autoridade
desse tipo existe, como as Nações Unidas, os diversos
órgãos técnicos e financeiros, como o Fundo Monetário
Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial
do Comércio, e certos tribunais internacionais. Mas
nenhum desses órgãos tem algum poder efetivo além
daquele que lhe é conferido voluntariamente pelos
Estados, ou por acordos entre eles, ou graças ao apoio de
países poderosos. Por mais que seja lamentável, essa
situação não deve sofrer modificações no futuro previsível.
Como apenas os Estados têm poder real, o risco é que as
instituições internacionais se mostrem ineficazes ou
carentes de legitimidade universal ao tentar lidar com
questões como os "crimes de guerra". Mesmo quando se
estabelecem tribunais por acordo geral
(como, por exemplo, o Tribunal Penal Internacional,
estabelecido pelas Nações Unidas no Estatuto de Roma
de 17 de julho de 1998), suas decisões não serão
necessariamente aceitas como legítimas e obrigatórias, ao
menos enquanto países poderosos tiverem condições de
ignorá-las. Um consórcio de Estados poderosos pode ter
força suficiente para conseguir que alguns violadores
nacionais de países fracos sejam levados a esses
tribunais, o que talvez contribua para diminuir a crueldade
dos conflitos armados em certas áreas. Mas este é um
exemplo do exercício tradicional do poder e 29

da influência em um sistema internacional de Estados, e


não da implementação do direito internacional.
Existe, no entanto, uma diferença marcante entre o século
XXI e o XX: a idéia de que a guerra acontece em um
mundo dividido em áreas territoriais que estão sob a
autoridade de governos efetivos que detêm o monopólio
dos meios de coerção e poder público deixou de ter
aplicação. Ela nunca foi aplicável a países em estado de
revolução nem aos fragmentos de impérios desintegrados,
mas até recentemente, em sua maior parte, os novos
regimes revolucionários ou pós-coloniais - com a
exceção principal da China entre 1911 e 1949 -
estabeleceram-se de maneira bastante rápida como
países e regimes sucessores mais ou menos
organizados e funcionais.
Nos últimos trinta anos, contudo, o Estado territorial
perdeu, por várias razões, o monopólio tradicional da
força armada, boa parte da sua própria estabilidade e do
poder que anteriormente tinha e, cada vez mais, o sentido
fundamental da legitimidade, ou, pelo menos, da
aceitação da sua permanência, que permite aos governos
impor obrigações
consensuais aos cidadãos, como o pagamento de
impostos e o serviço militar. O equipamento necessário à
guerra, assim como os meios para financiar guerras não-
estatais, está hoje amplamente disponível a entidades
privadas.
Nesse sentido, o equilíbrio entre os Estados e as
organizações não-estatais modificou-se. Os conflitos
armados dentro dos países tornaram-se mais sérios e
podem prosseguir durante décadas sem
perspectivas reais de vitória ou solução: Caxemira,
Angola, Sri Lanka, Chechênia, Colômbia. Em casos
extremos, como em algumas
* Esse é, também, por definição, o caso em que
determinados Estados aceitam o direito humanitário
internacional e afirmam unilateralmente o direito a aplicá-
los
a cidadãos de outros países em seus próprios tribunais
nacionais, como fizeram as cortes espanholas, apoiadas
pela Câmara dos Lordes da Grã-Bretanha, no caso do
general Pinochet.
30
regiões da África, o Estado pode virtualmente deixar de
existir; ou, como na Colômbia, deixar de exercer o poder
sobre uma parte do território do país. Mesmo em países
fortes e estáveis tem sido difícil eliminar grupos armados
não-oficiais, como o IRA, na
GrãBretanha, ou o grupo separatista basco ETA, na
Espanha. O caráter novo dessa situação está
demonstrado pelo fato de que o país mais poderoso do
mundo, após ter sofrido um ataque terrorista, viu-se
obrigado a engajar-se em operações formais contra uma
organização, ou uma rede internacional pequena e não-
governamental sem território próprio e sem um Exército
reconhecível como tal.

Como essas mudanças afetam o equilíbrio entre a guerra


e a paz nos próximos cem anos? Prefiro não fazer
previsões sobre as guerras que poderão ocorrer e sobre
seus possíveis desfechos.
Contudo, tanto a estrutura dos conflitos armados quanto
os métodos para sua resolução modificaram-se
profundamente com as transformações
sofridas pelo sistema internacional de Estados soberanos.
A dissolução
da União Soviética significa que o sistema de grandes
potências, que comandou as relações internacionais por
quase dois séculos e que, com óbvias exceções, exerceu
algum controle sobre os conflitos internacionais, já não
existe. Seu desaparecimento removeu um importante
entrave às guerras entre países e às intervenções
armadas de uns países nos assuntos de outros, enquanto
durante a Guerra Fria
as fronteiras territoriais internacionais permaneceram
basicamente invioladas. Mesmo então o sistema
internacional era potencialmente instável, no entanto,
graças à multiplicação de países pequenos e por vezes
demasiado débeis, que, contudo, eram oficialmente
membros "soberanos" das Nações Unidas. A
desintegração da União Soviética e dos regimes
comunistas europeus aumentou claramente essa
instabilidade.
31

Tendências separatistas de intensidade variada em


Estados nacionais até então estáveis, como Grã-
Bretanha, Espanha, Bélgica e Itália, podem bem ampliar-
se no futuro. Ao mesmo tempo, o número de atores
privados no cenário internacional multiplicou-se.
Nessas circunstâncias, não é surpreendente que as
guerras transfronteiriças e as intervenções armadas
tenham aumentado depois do fim da Guerra Fria.
Que mecanismos existem para controlar e resolver esses
conflitos?
Os cálculos não são promissores. Nenhum dos conflitos
armados da década de 1990 terminou com uma solução
estável. A sobrevivência de instituições, premissas e
retóricas da Guerra Fria manteve vivas velhas suspeitas,
exacerbando a desintegração pós-comunista do Sudeste
da Europa e tornando mais difíceis as soluções para a
área antes conhecida como Iugoslávia.
Essas premissas da Guerra Fria, tanto as ideológicas
quanto as relativas à política de poder, terão de ser
abandonadas se quisermos desenvolver algum meio de
controlar os conflitos armados. Também é evidente que os
Estados Unidos não conseguiram e inevitavelmente não
conseguirão impor uma nova ordem internacional
(qualquer que seja ela) por meio da força unilateral, por
mais que as relações de poder inclinem-se em seu favor
no presente e mesmo que o país tenha o apoio de uma
aliança (de duração inevitavelmente curta). O sistema
internacional permanecerá multilateral e seu equilíbrio
dependerá de que as diversas entidades relevantes
logrem concordar entre si, ainda que um dos Estados
goze de predominância militar. O grau de dependência
das ações militares internacionais tomadas pelos Estados
Unidos com relação a acordos negociados com outros
países já ficou claro. Também ficou claro que a solução
política para as guerras, mesmo aquelas
em que os Estados Unidos estão envolvidos, será dada
pela negociação, e não pela imposição unilateral. A era
das guerras que terminam
32

com a rendição incondicional não retornará no futuro


previsível.
* O papel dos organismos internacionais existentes,
sobretudo a Organização das Nações Unidas, tem de ser
repensado. Embora
esteja sempre presente e normalmente se recorra a ela,
sua atuação
na resolução de disputas não é clara. Sua estratégia e sua
operação estão sempre à mercê das instabilidades da
política de poder. A ausência de um intermediário
internacional considerado genui- namente
neutro e capaz de agir sem a autorização prévia do Con
selho de
Segurança constitui a carência mais óbvia do sistema de
solução de
controvérsias.
Desde o fim da Guerra Fria as decisões sobre a paz e a
guerra têm sido improvisadas. No melhor dos casos, como
nos Bálcãs, os conflitos armados tiveram fim graças à
intervenção armada
externa, e o status quo ao final das hostilidades foi
mantido pelos
exércitos de terceiras partes. Esse tipo de intervenção a
longo prazo foi aplicado por muitos anos pela ação de
países fortes nas suas esferas de influência (pela Síria no
Líbano, por exemplo). Como forma de ação coletiva, no
entanto, só foi usado pelos Estados
Unidos e seus aliados (às vezes com o beneplácito das
Nações Unidas, às vezes não). O resultado até aqui tem
sido insatisfatório para todas as partes. Obriga os
interventores a manter suas tropas
inde finidamente e a custos desproporcionais em áreas
nas quais não têm nenhum interesse particular e das
quais não podem extrair nenhum benefício. Torna-os
dependentes da passividade da
população ocupada, a qual não se pode garantir; se
houver
resis tência armada, forças relativamente reduzidas de
"manutenção da paz" dotadas de armamentos terão de
ser substituídas por forças muito maiores. Os países
pobres e fracos podem se ressentir com esse tipo de
intervenção, pela lembrança que lhes traz dos dias do
colonialismo e dos protetorados, especialmente quando
grande
parte da economia local se transforma em parasita das
33

necessidades das tropas de ocupação. Não está claro se


de tais intervenções pode resultar um modelo geral para o
controle futuro dos conflitos armados.
O equilíbrio entre a guerra e a paz no século XXI
dependerá muito mais da estabilidade interna dos países
e da capacidade de evitar os conflitos militares do que da
construção de mecanismos mais eficazes para a
negociação e a solução de controvérsias. Com algumas
poucas exceções, as rivalidades e fricções internacionais
que levaram a conflitos armados no passado têm menos
probabilidade de fazê-lo agora. Comparativamente, hoje
existem, por exemplo, menos disputas candentes a
respeito de fronteiras internacionais. Por outro lado, os
conflitos internos podem facilmente tornar-se violentos: o
maior perigo de guerra está no envolvimento de outros
países ou de outros agentes militares nesse tipo de
conflito.
Os países que têm economias pujantes e estáveis e uma
distribuição de renda relativamente eqüitativa entre seus
habitantes tendem a ser menos vulneráveis - social e
politicamente - do que os países pobres, economicamente
instáveis e com distribuição interna de riquezas
fortemente desigual. O aumento significativo da
desigualdade econômica e social dentro dos países ou
entre eles reduzirá as possibilidades de paz. Evitar ou
controlar a violência armada interna depende ainda mais
imediatamente, contudo, dos poderes e da efetividade do
desempenho dos governos nacionais e da sua
legitimidade perante a maioria dos habitantes dos
respectivos países. Nenhum governo pode, hoje, dar por
garantida a existência de uma população civil desarmada
ou o grau de ordem pública há tanto tempo vigente em
grande parte da Europa.
Nenhum governo está, hoje, em condições de ignorar ou
eliminar minorias internas armadas. No entanto, o mundo
está cada vez mais dividido em países capazes de
administrar seus territórios e seus cidadãos efetivamente -
mesmo quando afetados, como
34

estava o Reino Unido, durante décadas por ações


armadas efetuadas por um inimigo interno - e um número
crescente de territórios cujo entorno é demarcado por
fronteiras oficialmente reconhecidas com governos
nacionais que flutuam entre a debilidade, a corrupção e a
não-existência. Essas áreas produzem lutas internas
sangrentas e conflitos internacionais, como os que temos
visto na África central. Não há,
apesar de tudo, perspectivas imediatas de melhoras
duradouras nessas regiões, e a continuação do
enfraquecimento dos governos centrais
nos países instáveis, assim como o prosseguimento da
balcanização do mapa do mundo, sem dúvida provocarão
um aumento do perigo de conflitos
armados. Um prognóstico tentativo: no século XXI, as
guerras

provavelmente não serão tão mortíferas quanto foram no


século XX. Mas a violência armada, gerando sofrimentos
e perdas desproporcio nais, persistirá, onipresente e
endêmica-ocasionalmente epidêmica -, em grande parte
do mundo. A perspectiva de um século de paz é remota.
35

2. Guerra, paz e hegemonia no início do século XXI


O tema é a guerra, a paz e a hegemonia, mas
considerarei os problemas atuais na perspectiva do
passado, como é a prática entre
os historiadores. Não podemos falar sobre o futuro político
do mundo, a menos que
tenhamos em mente que estamos vivendo um período em
que a história, ou seja, o processo de mudanças na vida e
na sociedade humana e o impacto que os homens
impõem ao meio ambiente global, está se acelerando a
um ritmo estonteante. Neste momento, ela está evoluindo
a uma velocidade que põe em risco o futuro da raça
humana e do meio ambiente natural.
Quando caiu o muro de Berlim, um americano incauto
anunciou o fim da história. Evito, portanto, usar uma
expressão tão claramente desacreditada. Não obstante,
no meio do século passado entramos subitamente em
uma fase nova da história que acarretou o fim da história
como a conhecemos nos últimos 10 mil anos, isto é,
desde a invenção
da agricultura sedentária. Não sabemos para onde
estamos indo.
Tentei esboçar os contornos dessa quebra dramática e
súbita na história do mundo no meu livro sobre o "breve
século XX" (Era 36

dos extremos). As transformações tecnológicas e


produtivas são óbvias. Basta pensar na velocidade da
revolução das comunicações, que virtualmente aboliu o
tempo e a distância. Em 2004, a internet mal completou
dez anos. Também assinalei quatro aspectos sociais
desse processo, que são relevantes para o futuro das
nações. Refiro-me ao forte declínio do campesinato, que
até o século XIX formava a grande
base da raça humana e o alicerce da economia; à
correspondente ascensão de uma sociedade
predominantemente urbana e sobretudo ao aparecimento
das hipercidades, cuja população se mede em oito cifras;
à substituição de um mundo de comunicação oral por um
mundo baseado na leitura e na escrita universais, à mão
ou à máquina; e, finalmente, à transformação da situação
das mulheres.
O declínio do número de pessoas que trabalham no setor
agrícola da humanidade é óbvio no mundo desenvolvido.
Hoje, ele representa 4% da população ocupada nos
países da OCDE (Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico) e 2% nos Estados Unidos.
Mas isso também se faz notar em outras regiões. Em
meados da década de 1960, ainda havia cinco países
europeus com mais da metade da população ocupada
nessa área, onze nas Américas, dezoito na Ásia e, com
três exceções (Líbia, Tunísia e África do Sul), toda a
África. A situação
de hoje é inteiramente diferente. Praticamente já não
existe nenhum país com mais de 50% de agricultores na
Europa, nas Américas e inclusive
no mundo islâmico-até no Paquistão o número caiu para
menos de 50% e na Turquia a população camponesa caiu
de três quartos para um terço do total. Mesmo as grandes
fortalezas da agricultura camponesa do Sudeste Asiático
foram tomadas em diversos lugares - na Indonésia,
caíram de 67% para 44%, nas Filipinas, de 53% para
37%, na Tailândia,
de 82% para 46%, na Malásia, de 51% para 18%. Em
2006, até a China, cuja população tinha 85% de
camponeses em 1950, tem hoje cerca de 50%
nesse setor. Com
37
efeito, com exceção da maior parte da África subsaariana,
os únicos bastiões sólidos que restam da sociedade rural -
digamos, com mais de 60% da população ocupada em
2000 - estão nos antigos impérios britânico e francês no
Sul da Ásia - índia, Bangladesh, Mianmar e os países da
Indochina. Mas, em vista da aceleração da
industrialização, por quanto tempo mais? No final da
década de 1960, a população agrícola de Taiwan e da
Coréia do Sul era a metade da população total; hoje ela
representa 8% e 10%, respectivamente. Dentro de poucas
décadas, teremos deixado de ser o que a humanidade
sempre foi desde seu surgimento - uma espécie cujos
membros se dedicam sobretudo à coleta, à caça e à
produção de alimentos. Deixaremos também de ser
uma espécie essencialmente rural. Em 1900, apenas 16%
da população mundial vivia em
cidades. Em 1950, esse número já havia crescido para
quase 26%, e hoje ele está próximo da metade (48 %).1
Nos países desenvolvidos e em muitas outras regiões do
globo, as zonas rurais, mesmo nas áreas agrícolas
produtivas, são desertos verdes, em que praticamente
não se vêem seres humanos fora dos seus veículos ou de
pequenos ajuntamentos populacionais. Mas a
extrapolação aqui se torna
mais difícil. É verdade que os velhos países desenvolvidos
são fortemente urbanizados, mas eles já não tipificam a
urbanização atual, que toma a forma de uma fuga
desesperada do interior em direção ao que chamamos
hipercidades. O que está acontecendo com as cidades no
mundo desenvolvido - mesmo aquelas que crescem
nominalmente - é a suburbanização de áreas cada vez
maiores no entorno dos centros originais. Hoje, apenas
dez das cinqüenta maiores cidades e apenas
duas das dezoito cidades com mais de 10 milhões de
habitantes estão na Europa ou na América do Norte. As
cidades com mais de 1 milhão de habitantes que mais
crescem estão (com a única exceção do Porto, em
Portugal) na Ásia (vinte), na África (seis) e na América
Latina (cinco). Sem falar nas 3" outras conseqüências
dessa evolução, ela altera fortemente - e de maneiras
difíceis de prever, em especial nos países em que os
chefes de governo e os parlamentos são eleitos-o
equilíbrio político entre a população urbana, altamente
concentrada, e a população rural, geograficamente
dispersa.
Falarei pouco sobre a transformação educacional, uma
vez
que os efeitos sociais e culturais da alfabetização
generalizada não podem ser facilmente separados dos
efeitos sociais e culturais da revolução súbita e totalmente
sem precedentes nos meios de comunicação públicos e
pessoais, da qual estamos todos participando. Quero
mencionar apenas um fato significativo. Há hoje vinte
países em que mais de 55% dos grupos de idade mais
avançada continuam estudando depois da educação
secundária. Mas, com a única exceção da Coréia do Sul,
todos estão na Europa (tradicionalmente capitalista e ex-
socialista), América do Norte e Oceania. No que diz
respeito à capacidade de gerar capital humano, o velho
mundo desenvolvido ainda mantém uma
vantagem substancial sobre os principais países
emergentes do século XXI.
Com que velocidade a Ásia, e particularmente a China e a
índia, poderão aproximar-se dele?
Não quero dizer nada aqui sobre a maior de todas as
mudanças sociais do último século, a emancipação da
mulher, exceto quanto a uma
única observação que suplementa o que acabo de dizer. A
emancipação das mulheres encontra seu melhor indicador
no grau em que elas alcançaram, ou mesmo
ultrapassaram, a educação dos homens. Não é
necessário frisar, aqui na índia, que há certas partes do
mundo que ainda estão atrasadas a esse respeito.

Dentro desta nossa perspectiva ampla das


transformações inéditas que ocorreram nestes últimos
cinqüenta anos, vamos enfocar com maior detalhe os
fatores que afetam a guerra, a paz e
39

o poder no começo do século XXI. Aqui, as tendências


gerais não valem necessariamente como orientação para
o exame das realidades práticas. É evidente, por exemplo,
que no transcurso do século XX a população mundial (fora
das Américas) deixou de ser governada, como
quase toda ela o era, de cima para baixo, por monarcas
hereditários ou por agentes de potências estrangeiras. Ela
agora vive em uma série
de Estados tecnicamente independentes, cujos governos
reivindicam sua legitimidade fazendo referência ao "povo"
ou à "nação", na maioria
dos casos (o que inclui até os chamados regimes
totalitários), e buscam confirmá-la por meio de eleições ou
plebiscitos, reais ou espúrios, ou através de grandes
cerimônias públicas realizadas periodicamente para
simbolizar o vínculo entre a autoridade e "o povo". De uma
maneira ou de outra, o povo deixou de ser composto por
súditos, que se transformaram em cidadãos e que
passaram a incluir no século XX não só
os homens, mas também as mulheres. Até que ponto,
contudo, isso nos dá uma idéia da realidade, mesmo hoje,
quando a maior parte dos governos ostenta, tecnicamente
falando, variados tipos de Constituições liberal-
democráticas, com eleições plurais, embora algumas
vezes suspensas
por períodos de governos militares, que se proclamam
temporários mas muitas vezes duram longo tempo? Não
muito.
Não obstante, existe uma tendência geral que se observa
provavelmente em quase todo o planeta. Trata-se da
mudança da posição do próprio Estado territorial
independente, que, no transcurso do século XX, tornou-se
a unidade política e institucional básica na qual viviam os
seres humanos. Em seu berço original, na região do
Atlântico Norte, ele se baseava em várias inovações que
se implantaram a partir da Revolução Francesa. Tinha o
monopólio do poder e dos meios de coerção - armas,
homens armados e prisões - e exercia controle crescente,
por meio de uma autoridade central e de seus agentes,
sobre o que acontecia
no território 40

do país com base em uma capacidade cada vez maior de


reunir informações. O âmbito de suas atividades e seu
impacto sobre a vida diária dos cidadãos cresceu, assim
como sua capacidade de mobilizar os habitantes em
função da lealdade destes ao Estado e à nação. Essa fase
do desenvolvimento do Estado alcançou o auge cerca de
quarenta anos atrás.
Pense, por um lado, no sistema de "bem-estar
social" da Europa ocidental da década de 1970, no qual o
"consumo público"
- ou seja, a proporção do produto interno bruto usada
para propósitos públicos e não para consumo ou
investimento privados - chegava basicamente a 20% ou
30%. Pense, por outro lado, na disposição dos cidadãos
não apenas para deixar que as autoridades públicas lhes
cobrassem impostos que permitiam a arrecadação dessas
somas enormes, mas também para deixar-se recrutar aos
milhões para lutar e morrer
"pelo país", durante as grandes guerras do último século.
Por mais de duzentos anos, até a década de 1970, a
ascensão do Estado moderno
deu-se de forma contínua e independentemente da
ideologia e da
organização política - liberal, socialdemocrata, comunista
ou fascista.
Isso já não acontece. A tendência se reverteu. Temos
uma economia mundial em rápida globalização, baseada
em empresas privadas
transnacionais que se esforçam ao máximo para viver fora
do alcance das leis e dos impostos do Estado, o que limita
fortemente a capacidade
dos governos, mesmo os mais poderosos, de controlar as
economias nacionais. Com efeito, graças à prevalência da
teologia do mercado livre, os Estados estão, na verdade,
abandonando muitas das suas atividades diretas
tradicionais - serviços postais, polícia, prisões e mesmo
setores importantes das Forças Armadas - em favor de
empresas
privadas com fins lucrativos. Estima-se que atualmente
30 mil ou mais desses "contratados privados" armados
estejam atuando no Iraque.
Graças a esse desenvolvimento e à inundação do planeta
com armas leves mas
41

altamente efetivas durante a Guerra Fria, a força armada


já não é um monopólio dos Estados e de seus agentes.
Mesmo Estados fortes e estáveis, como a Grã-Bretanha, a
Espanha e a Índia, aprenderam a conviver por longos
períodos com organizações de dissidentes armados
efetivamente indestrutíveis e por vezes portadores de
ameaças diretas ao próprio Estado. Testemunhamos a
rápida desintegração, por diversas razões, de numerosos
Estados-membros das
Nações Unidas, na maior parte dos casos, mas não na
totalidade deles, produtos da desintegração dos impérios
do século XX nos quais os governos nominais são
incapazes de exercer controle real sobre boa parte do
território, da população e até de suas próprias instituições.
Impressiona muito, também, o declínio da aceitação da
legitimidade do Estado e da aceitação voluntária de
obrigações perante as autoridades governamentais
por parte dos habitantes, seja como cidadãos, seja como
súditos. Se não houvesse, por parte de vastas populações
e durante a maior parte do tempo, essa disposição de
aceitar como legítimo qualquer poder estatal efetivamente
estabelecido - mesmo o poder de um pequeno grupo de
estrangeiros -, a era do imperialismo dos séculos XIX e
XX teria sido impossível. As potências estrangeiras
tiveram dificuldades graves apenas nas raras áreas em
que tal disposição não estava presente, como o
Afeganistão e o Curdistão. Mas, como o Iraque
demonstra, a obediência natural das pessoas diante do
poder, mesmo um poder com superioridade militar
incontrastável, desapareceu, e com ela também os
impérios. E não é só a obediência dos súditos que está
erodindo rapidamente, mas também a dos cidadãos.
Duvido muito que qualquer país possa hoje empreender
grandes guerras com exércitos recrutados prontos para
lutar e morrer sem vacilação "pelo país". Poucos países
do
Ocidente ainda podem confiar, como a maior parte dos
chamados "países
desen- volvidos" antes podia fazê-lo, em uma população
que era ordeira e 42

imbuída do respeito à lei, exceto nos casos de criminosos


e outros marginais que sempre existem nos desvãos da
sociedade. A proliferação extraordinária de meios
tecnológicos, e outros, de manter os cidadãos sob
vigilância o tempo todo (com câmeras em locais
públicos, escuta
telefônica, acesso a dados pessoais e a computadores
etc.) não aumentou a efetividade do Estado e da lei, mas
tornou os cidadãos menos livres.
Tudo isso está ocorrendo na era de uma globalização
dramaticamente acelerada, que gera crescentes
disparidades regionais no nosso planeta. A globalização
produz, pela sua própria natureza, crescimentos
desequilibrados e assimétricos. Isso também põe em
destaque a
contradição entre os aspectos da vida contemporânea que
estão sujeitos à globalização e às pressões da
padronização global - a ciência, a tecnologia, a economia,
várias infra-estruturas técnicas e, em menor medida, as
instituições culturais - e os que não estão sujeitos a ela,
principalmente o Estado e a política. A globalização leva
logicamente, por exemplo, a um fluxo crescente de
trabalhadores migrantes das áreas pobres para as ricas,
mas isso produz tensões políticas e sociais
em diversos países afetados, sobretudo entre os países
ricos da velha região do Atlântico Norte, ainda que, em
termos globais, esse movimento
seja modesto: mesmo hoje, apenas 3% da população
mundial vive fora do país de nascimento. Ao contrário do
que acontece com as movimentações do
capital, das trocas comerciais e das comunicações, os
Estados e a política têm logrado, até aqui, impor
obstáculos eficazes às migrações dos trabalhadores.
O desequilíbrio novo e mais notável que a globalização
econômica criou, além da enorme desindustrialização da
economia soviética e das economias socialistas da
Europa oriental na década de 1990, é a progressiva
mudança do centro de gravidade da economia mundial
das regiões lindeiras do Atlântico Norte para regiões da
Ásia. Isso ainda está em seus estágios iniciais, mas vem
se
43

acelerando. Não há dúvida de que o crescimento da


economia mundial nos últimos dez anos foi puxado em
grande medida pelos dínamos asiáticos e, acima de tudo,
pela extraordinária taxa de crescimento da produção
industrial da China - 30% em 2003, em comparação com
3% para o mundo como um todo e 0,5% para a América
do Norte e Alemanha.
* É claro que isso ainda não modificou de maneira
mais profunda os
pesos relativos da Ásia e do velho Atlântico Norte - os
Estados Unidos, a União Européia e o Japão continuam a
representar entre si 70% do produto mundial -, mas o
simples tamanho da Ásia já está se fazendo sentir. Em
termos de poder de compra, o Sul, o Sudeste e o Leste da
Ásia já representam um mercado que é dois terços maior
do que o dos Estados Unidos.

Como essa mudança global afetará a força relativa da


economia americana é, naturalmente, uma questão vital
para as perspectivas
internacionais do século XXI. Retornarei a este ponto mais
adiante.

Aproximemo-nos ainda mais do problema da guerra, da


paz e da possibilidade de uma ordem internacional no
novo século. À primeira vista, pareceria que as
perspectivas de paz mundial devem ser superiores às do
século XX, com seu registro sem paralelos de guerras
mundiais e outras formas de morte em escala
astronômica. Contudo, uma pesquisa recente na Grã-
Bretanha, que compara as respostas dadas em 2004 a
perguntas formuladas inicialmente em 1954, revela que o
medo de uma
guerra mundial hoje é maior do que era então.3 Esse
medo se deve, em grande parte, ao fato cada vez mais
evidente de que vivemos em uma
era de conflitos armados endêmicos de extensão mundial,
que em geral se travam no interior dos países, mas que
são magnificados por

* Austrália, França, Itália, Reino Unido e Benelux


tiveram crescimento negativo (CIA World Facibook até 19
de outubro de 2004).
44

impervertçôCN estrangeiras. Embora a dimensão militar


desses conflitos Ifijit pequena, quando avaliada nos
termos do século XX, eles cauiHili um impacto
relativamente enorme e duradouro sobre a poptilucão civil,
que é, cada vez mais, sua maior vítima. Desde a qucdti do
muro de Berlim, voltamos a viver em uma era de
genocídio c de transferências compulsórias e maciças de
populações, como as que ocorreram em regiões da África,
do Sudeste da líuropa e da Ásia. Estima-se que ao final de
2003 havia cerca de 38 milhões de refugiados, dentro e
fora de seus próprios países, cifra que é comparável ao
vasto número de pessoas deslocadas ao final du Segunda
Guerra Mundial. Uma ilustração simples: em 2000, o
número de mortes relacionadas com a guerra em Mianmar
não ditava acima de quinhentos, mas o número de
"deslocados internamente", sobretudo devido às
atividades do Exército de Mianmar, era de cerca
de 1 milhão. A Guerra do Iraque confirma essa
característica: guerras menores, nos padrões do século
XX, provocam vastas catástrofes.
A forma típica de guerra do século XX, a guerra entre
países, está em forte declínio. Neste momento, nenhum
desses conflitos tradicionais está ocorrendo, embora eles
não possam ser excluídos em diversos cenários da África
e da Ásia, ou onde a estabilidade interna ou a coesão dos
países existentes esteja em risco. Por outro
lado, o perigo de uma grande guerra global,
provavelmente decorrente
da falta de vontade dos Estados Unidos de aceitar o
surgimento da China como superpotência rival, não
diminuiu, embora não seja imediato.
As possibilidades de evitar tal conflito são melhores do
que as de
evitar a Segunda Guerra Mundial depois de 1929. Não
obstante, essa
guerra permanece como uma possibilidade real dentro
das próximas décadas.
Mesmo sem as guerras tradicionais entre países,
pequenas ou grandes, atualmente poucos observadores
realistas esperam que o novo século nos traga um mundo
sem a presença constante de
45

armas e violência. No entanto, devemos resistir à retórica


do medo irracional com a qual governos como os do
presidente Bush e do primeiro-ministro Blair buscam
justificar uma política imperial para o mundo. Exceto como
metáfora, não pode haver algo como
a "guerra contra o terror", ou o "terrorismo", mas apenas
contra atores políticos particulares que o empregam como
tática, não
como programa. Como tática, o terror é indiscriminado e
moralmente inaceitável, quer seja usado por países, quer
por grupos não oficiais. A Cruz Vermelha Internacional
reconhece a maré montante da barbárie ao condenar
ambos os lados na Guerra do Iraque. Há também muito
medo
de que pequenos grupos terroristas possam empregar
agentes biológicos letais; mas, infelizmente, há muito
menos medo com relação aos perigos maiores e
imprevisíveis que surgirão se e quando a nova e
crescente capacidade científica de manipular os
processos vitais, inclusive a vida humana, escapar ao
controle, o que certamente ocorrerá. Contudo, são
irrisórios os perigos reais para a estabilidade do mundo,
ou para
qualquer país estável, que decorrem das atividades das
redes terroristas pan-islâmicas contra as quais os Estados
Unidos proclamaram sua
guerra global, ou mesmo da soma de todos os
movimentos terroristas
que atuam hoje, qualquer que seja o lugar. Embora eles
matem muito mais gente do que seus predecessores -
mas muito menos do que os Estados -, o risco de vida que
causam é mínimo do ponto de vista estatístico.
E, do ponto de vista da agressão militar, eles praticamente
não contam. A menos que esses grupos ganhassem
acesso a armas nucleares - o que não é impensável, mas
não chega a ser uma perspectiva imediata
q-, o terrorismo pede cabeça fria, e não histeria.

E, no entanto, a desordem mundial é real, assim como a


perspectiva de outro século de conflitos armados e de
calamidades
46

humanas. Será possível colocar essas tendências


novamente sob algum tipo de controle global, como
aconteceu, salvo por um período de trinta anos, durante
os 175 anos que transcorreram entre Waterloo e o
colapso da União Soviética?
O problema é hoje mais difícil por duas razões. Primeiro,
as desigualdades geradas pela globalização
descontrolada dos mercados livres, que crescem muito
rápido, são incubadoras naturais de descontentamentos e
instabilidades. Recentemente observou-se
que "não se pode esperar que nem mesmo as instituições
militares mais avançadas sejam capazes de superar uma
situação de colapso
geral da ordem jurídica",5 e a crise dos Estados a que me
referi torna essa possibilidade mais plausível do que no
passado. E, segundo, já não existe um sistema
internacional plural de grandes potências
como o que logrou evitar que um colapso geral se
transformasse
em guerra mundial, exceto na era das catástrofes, de
1914 a 1945. Esse sistema baseava-se na presunção,
que vem desde os tratados que encerraram a Guerra dos
Trinta Anos, no século XV, de um mundo constituído por
Estados cujas relações se pautavam por regras,
especialmente a não-intervenção nos assuntos internos
de cada um, e em uma clara distinção entre guerra e paz.
Nenhum
desses dois pontos mantém-se válido em nossos dias. Ele
baseava-se também na realidade de um mundo de poder
plural, mesmo na pequena "primeira divisão" dos países, o
punhado de "grandes potências" que se reduziu após
1945 a duas superpotências. Ninguém podia prevalecer
de maneira absoluta, e mesmo as hegemonias regionais
(com exceção de uma boa parte do continente americano)
mostravam-se apenas temporárias.
O fim da União Soviética e a superioridade militar
incontrastável dos Estados Uni-dos puseram termo a esse
sistema de poder. Por outro lado, a ação política dos
Estados Unidos a partir de 2002 levou à condenação das
obrigações contraídas em tratados e também das próprias
convenções que compunham a arquitetura do sistema
internacional,
47

em função de uma supremacia supostamente duradoura


na
guerra ofensiva de alta tecnologia que fez desse país o
único capaz de empreender ações militares importantes e
com rapidez em
qualquer parte do mundo.
Os ideólogos americanos e os que os apoiam vêem esses
desdobramentos como o início de uma nova era de paz
mundial e de crescimento econômico sob o comando de
um império americano global e benevolente, que eles
comparam, erroneamente, kpaxbritannica do século XIX.
Erroneamente porque, do ponto de vista histórico, os
impérios não criam paz e estabilidade no mundo à sua
volta, ao contrário de seus próprios territórios.
Inversamente, era sobretudo a ausência de conflitos
internacionais de grande porte o que os mantinha em
existência, como aconteceu no caso do Império Britânico.
Quanto às boas intenções dos conquistadores e às suas
realizações positivas, isso pertence à esfera da retórica
imperial. Os impérios sempre se justificam, e às vezes
com grande sinceridade, em termos morais - seja
afirmando que promovem a disseminação (na versão
deles) da civilização ou da religião entre
os bárbaros, seja (na versão deles) da liberdade entre as
vítimas da opressão (alheia), ou como campeões dos
direitos humanos. Claro que os impérios alcançaram
alguns resultados positivos. A afirmação de que o
imperialismo levou idéias modernas a um mundo
atrasado, que não tem validade hoje, não era inteiramente
espúria no século XIX. Por outro lado, a afirmação de que
ele acelerou significativamente o crescimento econômico
dos clientes imperiais não resiste à análise, pelo menos
fora das áreas em que os próprios europeus se
estabeleceram no ultramar.
Entre 1820 e 1950, o produto per capita médio de doze
países da Europa ocidental multiplicou-se por 4,5,
enquanto na índia e no Egito ele mal chegou a crescer.6
Quanto à democracia, todos sabemos que os impérios
fortes a mantêm em casa; só os impérios em declínio a
concederam, e
na menor dose possível. 48

Mas a verdadeira questão refere-se a saber se o projeto,


sem precedentes históricos, de dominação do mundo por
um único
país é possível e se a superioridade militar admitidamente
incon trastável dos Estados Unidos é adequada para
estabelecê-la e mantê-la.
A resposta em ambos os casos é não. Com freqüência
armas criam impérios, mas é preciso mais do que armas
para mantê-los, como diz o velho ditado do tempo de
Napoleão: "Você pode fazer qualquer coisa
com baionetas, menos sentar em cima delas".
Especialmente hoje, quando até uma força militar
esmagadora não consegue produzir por si só a
aquiescência tácita. Na verdade, a maioria dos impérios
da história governou indiretamente, por meio das elites
nativas que muitas vezes operavam as instituições locais.
Quando se perde a capacidade de conseguir amigos e
colaboradores suficientes entre os súditos, as armas por si
sós não bastam. Os franceses aprenderam que nem
mesmo 1 milhão de colonizadores brancos, um exército
de ocupação de 800 mil homens e a derrota militar dos
insurgentes, mediante o massacre e a
tortura sistemáticas, não lograram manter a Argélia
francesa. Mas p or
que temos de fazer essas perguntas? Isso nos traz ao
enigma com
o qual quero concluir minha conferência. Por que os
Estados Unidos
abandonaram as políticas que mantiveram uma
hegemonia real sobre a maior parte do globo, ou seja, as
partes não-comunistas e não- neutralistas, depois de
1945? A capacidade americana de exercer essa
hegemonia não estava baseada na destruição dos
inimigos nem em forçar seus dependentes a alinhar-se
devido à aplicação da força militar.
O uso desse instrumento estava então limitado pelo medo
do suicídio nuclear. O poder militar dos Estados Unidos
era relevante para a hegemonia apenas na medida em
que era preferível a outros poderes militares, ou seja, na
Guerra Fria, a Europa da OTAN (Organização do Tratado
do Atlântico Norte) desejava seu apoio contra o poderio
militar da União Soviética.
A hegemonia americana na segunda metade do século
XX não
49

se deveu às bombas, e sim à sua enorme riqueza e ao


papel crucial que sua gigantesca economia desempenhou
no mundo, especialmente nas
décadas posteriores a 1945. Além disso, do ponto de vista
político, ela se deveu a um consenso geral dos países
ricos do Norte no sentido de que suas sociedades eram
preferíveis às dos regimes comunistas. E onde esse
consenso não existia, como na América Latina, resultou
de uma aliança com as elites governantes e os exércitos
locais, que temiam
a revolução social. Do ponto de vista cultural, ela teve por
base a atração exercida pela afluente sociedade de
consumo, vivenciada e propagada pelos Estados Unidos,
que foram seus pioneiros, e pelas conquistas mundiais de
Hollywood. Do ponto de vista ideológico, o país sem
dúvida se beneficiou da reputação de defensor exemplar
da "liberdade" con-tra a "tirania", exceto nas regiões em
que sua aliança com os inimigos da liberdade era
demasiado óbvia.
Tudo isso poderia sobreviver facilmente ao fim da Guerra
Fria
- como de fato ocorreu. Por que os demais não
buscariam a liderança da superpotência que representava
o que a maioria dos outros países já adotava - a
democracia eleitoral - e que era a maior de todas as
potências econômicas comprometidas com a ideologia
neoliberal que se impunha em todo o mundo? A influência
dos Estados Unidos e dos seus
ideólogos e executivos era imensa. Sua economia,
embora perdesse pouco a pouco o papel central que tinha
no mundo e a dominância que exercia na
indústria e mesmo no campo dos investimentos diretos,
desde a
década de 1980,* continuava a ser enorme e a gerar
riquezas prodigiosas.

* Em 1980, a participação dos Estados Unidos


correspondia a cerca de 40% dos investimentos
estrangeiros diretos; entre 1994 e 2005, alcançava a
média de apenas 14%, contra uma média de 43% para a
União Européia (UNCTAD - Conferência das Nações
Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, World
Economic Outlook [Genebra, 2006]," Overview", p. 19). 50

Os condutores da sua política imperial sempre haviam tido


o cuidado de cobrir a realidade da supremacia americana
sobre seus aliados com o bálsamo de uma "coalizão
consensual" autêntica. Eles sabiam que, mesmo depois
do fim da União Soviética, os Estados Unidos não
estavam sós
no planeta. Mas também sabiam que atuavam no jogo
global com as cartas
que eles mesmos haviam distribuído, com regras que lhes
eram favoráveis,
e que não era provável o surgimento de nenhum país rival
com força comparável e com interesses globais. A
primeira Guerra do Golfo, genuinamente apoiada pelas
Nações Unidas e pela comunidade internacional, assim
como a reação imediata ao Onze de Setembro
demonstravam a força da posição dos Estados Unidos na
era
pós-soviética.
Foi a política megalomaníaca dos Estados Unidos, a partir
do
Onze de Setembro, que destruiu quase por completo as
bases políticas e ideológicas da sua influência
hegemônica anterior e deixou o país com poucos
elementos, além de um poder militar francamente
atemorizante, que pudessem reforçar a herança da era da
Guerra Fria. Não há uma lógica para isso. Provavelmente
pela primeira vez na sua história, os Estados Unidos se
vêem praticamente isolados no cenário internacional e
impopulares junto à maior parte dos governos e dos
povos. A força militar dá relevo
à vulnerabilidade econômica do país, cujo enorme déficit
comercial é compensado pelos investidores asiáticos,
que têm, no entanto, interesse
cada vez menor em apoiar um dólar enfraquecido. Dá
relevo também ao poderio econômico relativo da União
Européia, do Japão, daÁsia oriental e mesmo do bloco
organizado de produtores primários do Terceiro Mundo.
Na OMC (Organização Mundial do Comércio), os Estados
Unidos já não podem negociar com os clientes. Com
efeito, não será a própria retórica agressiva, justificada por
implausíveis "ameaças à América", que
5i

indica um sentimento básico de insegurança com respeito


ao futuro global do país?
Francamente, não consigo entender como o que ocorreu a
partir do Onze de Setembro nos Estados Unidos pôde
permitir a um grupo de alucinados políticos pôr em
execução planos há
muito acalentados de uma atuação unilateral em busca da
supremacia mundial. Creio que isso indica uma crise
crescente na sociedade americana, que encontra
expressão na divisão política e cul tural mais profunda
ocorrida naquele país desde a guerra civil e numa aguda
divisão geográfica entre a economia globalizada das duas
costas marítimas e
o interior, vasto e ressentido; entre as grandes cidades,
culturalmente abertas, e o resto. Hoje, um regime de
direita radical busca mobilizar os "verdadeiros
americanos" contra alguma força externa malévola e
contra um mundo que não reconhece a singularidade, a
superioridade e o destino manifesto dos Estados Unidos.
O que temos de compreender é
que a política global americana não é voltada para fora, e
sim para dentro, por mais que seu impacto sobre o resto
do mundo tenha sido grande e desastroso. Ela não foi
concebida para produzir um império ou uma hegemonia
efetiva. Tampouco a doutrina de Donald Rums feld-
guerras rápidas contra adversários fracos, seguidas por
retiradas também rápidas - foi concebida para produzir
uma conquista global efetiva.
Isso não a faz menos perigosa. Ao contrário. Como já
ficou evidente, ela destila instabilidade, imprevisibilidade e
agressão e terá conseqüências não desejadas e quase
certamente desastrosas. Com efeito,
o perigo de guerra mais óbvio que existe hoje deriva
das ambições globais do governo incontrolável e
aparentemente irracional que está em Washington.
Como haveremos de viver neste mundo perigoso,
desequili brado e explosivo, em meio a grandes
deslizamentos das placas tectônicas nacionais e
internacionais, sociais e políticas? Se estivéssemos
conversando em Londres, eu alertaria os pensadores
liberais
52.

do Ocidente, profundamente abalados pelos problemas de


direitos humanos em diversas partes do mundo, para que
não se deixem iludir pela crença de que a intervenção
armada americana em outros países tem motivação igual
à deles ou tem boas possibilidades de produzir os
resultados
que eles desejariam ver. Espero que isso não seja
necessário aqui em Nova Délhi. Quanto aos outros
governos, o melhor que podem fazer é demonstrar o
isolamento e, por conseguinte, os limites do atual poder
mundial dos Estados Unidos, recusando-se, firme e
polidamente, a somar-se a novas iniciativas propostas por
Washington que possam levar a ações militares,
particularmente no Oriente Médio e na Ásia oriental.
Dar aos Estados Unidos a melhor chance de voltar da
megalomania para
uma política externa racional é a tarefa mais imediata e
urgente da política internacional. Pois, queiramos ou não,
eles continuarão a ser uma superpotência, na verdade
uma potência imperial, mesmo em uma era que indica seu
evidente declínio econômico relativo. Esperamos,
contudo,
que seja uma superpotência menos perigosa. 53
Por que a hegemonia dos Estados Unidos difere da do
Império Britânico Diz-se que a história são os discursos.
Não há como entender
essa expressão a menos que entendamos a linguagem
em que as
pessoas pensam, conversam e tomam decisões. Entre os
são as idéias e os conceitos expressos
historiadores, que se sentemexplicam tentados
o que pelo que se
denomina "a virada lingüística", há mesmo alguns que
argumentam que
nas palavras características do período que
aconteceu e minha
por que aconteceu.
Os tempos em que vivemos e o tema desta
conferência no ciclo de Massey são o bastante para
deixar-nos céticos quanto a essas proposições. Ambas
estão saturadas com o que o filósofo Thomas Hobbes
chamou de "discurso insignificante", discurso sem sentido,
e suas subvariedades, o "eufemismo" e a "novilíngua" de
George Orwell, ou seja, o discurso que tem o propósito
deliberado de falsear e desorientar. Mas, a menos que os
fatos mudem, mudar as palavras tampouco os muda.
Os debates atuais a respeito do tema do "império" são
bons exemplos, mesmo que deixemos de lado o elemento
da propaganda e a simples hipocrisia literária. Eles se
referem às implicações
54

da reivindicação de hegemonia global por parte do atual governo dos

Estados Unidos.
Os que favorecem essa idéia tendem a
os impériosargumentar
são que bons e os que se opõem a ela
tendem a mobilizar a longa
tradição dos argumentos antiimperialistas. Mas esses
argumentos e contra-argumentos, na verdade, não se
Os debates atuais são particularmente
nebulosos porque a analogia mais próxima à supremacia mundial pela qual
relacionam
luta o atual com
governo a história
americano real dos
é um conjunto impérios. Eles tentam
de palavras-"império",
"imperialismo", que estão em franca contradição com a autode- finição
adaptar
política palavras
tradicional dosvelhas a desenvolvimentos
Estados Unidos e que adquiriram impopularidadehistóricos
quase universal no século XX.
que não necessariamente se ajustam às realidades
antigas. Isso faz pouco sentido histórico.

Elas também estão em franco conflito


com certos aspectos valorizados e ardentemente
altamente defendidos no
sistema de valores políticos do país, como
"autodeterminação" e "lei", seja a interna, seja a
internacional. Não nos esqueçamos de que tanto
Também são
preocupantes os fatos de que não há precedentes históricos para a

a Liga das Nações quanto as Nações Unidas foram


essencialmente projetos lançados e articulados por
presidentes dos Estados Unidos.
supremacia que o governo americano está tratando de estabelecer e de
que qualquer bom historiador e todos os observadores racionais d
cenário mundial percebem com grande clareza que esse projeto

o
. O mais inteligente
está quase que inevitavelmente destinado ao fracasso

dos integrantes da escola neo-imperial, o excelente histo


riador Niall Ferguson, não tem dúvidas a respeito desse
provável fracasso, embora
o lamente, ao contrário de pessoas como eu Quatro
primeiro é a extraordinária aceleração da
desenvolvimentosdaestão década depor
1960 detrás das tentativas atuais

de reviver o império mundial como modelo para o século


XXI. O
globalização partir
a , acompanhada das tensões que
surgiram, por 55
conseqüência, entre os aspectos econômicos,
A globalização,
tecnológicos, culturais
na forma atualmente dominante do e outros
capitalismo desse
de mercado livre,processo
também um aumento espetacular e potencialmente explosivo das
trouxe e o
desigualdades sociais e econômicas, tanto no interior dos países quanto
principal campo da atividade humana que até aqui tem se
internacionalmente.

mostrado impermeável a ela - a política.

O segundo é o colapso do equilíbrio internacional de


poder existente desde a Segunda Guerra Mundial, que
manteve ao largo tanto o perigo de uma guerra global
quanto a desintegração de grandes áreas do mundo no
rumo da desordem e da anarquia. O fim da União
Soviética destruiu esse equilíbrio, mas penso
que ele já começava a fraquejar a partir do final da década
de 1970. As regras básicas desse sistema, estabelecido
no século XVI, foram formalmente condenadas pelo
presidente Bush em 2002, em especial
o princípio de que os Estados soberanos, agindo
oficialmente, respeitavam as respectivas fronteiras e não
se envolviam nos respectivos assuntos
internos.
omoCfimdoequilíbrio
estável
entre
assuperpotências
como
,
sepoderia
assegurar
a estabilidade
política
doplaneta?
Emtermos
mais
gerais,
qualseriaa estrutura
deum
sistema
internacional
destinado
a uma
pluralidade
depoderes,
mas
noqual,aofinaldoséculo,
sórestava
um?
O terceiro desenvolvimento é a crise dos chamados
Estados nacionais soberanos, que haviam se tornado, na
segunda metade
do século XX, uma forma de governo quase universal para
a população mundial, e que tiveram reduzida a sua
capacidade de desempenhar as funções básicas relativas
à manutenção do controle sobre o que acontece nos seus
territórios. O mundo entrou na era dos Estados incapazes
e,
em muitos casos, a era dos Estados falidos ou
fracassados. Essa crise também se tornou aguda a partir
de 1970, aproximadamente, quando mesmo Estados
fortes e estáveis, como o Reino Unido, a Espanha e a
França, tiveram de aprender a
56

viver durante décadas, em seus próprios territórios, com


grupos armados, como o IRA, o ETA e os separatistas
corsos, sem ter o poder de eliminá-los. O banco de dados
da Universidade de Uppsala registrou incidentes de guerra
civil armada no período de 2001 a 2004 em 31 Estados
soberanos.
quarto desenvolvimento é o regresso das catástrofes humanas
maciças, que incluem a expulsão de populações e o genocídio, e, com

O
elas, a v olta do medo generalizado . Assistimos também ao
reaparecimento de algo como a peste negra da Idade
Média, com a pandemia da aids, ao nervosismo global
ante a possível extensão de uma "gripe aviaria", que até
aqui não matou mais do que algumas dezenas de seres
humanos, e uma espécie de histeria escatológica
presente no tom de boa parte das discussões públicas
sobre os efeitos do aquecimento global. A guerra e a
guerra civil voltaram à Europa - houve mais conflitos
desde a queda do muro de Berlim do que durante
todo o período da Guerra Fria-com um impacto pequeno
em termos dos soldados envolvidos e das baixas em
combate, em comparação com as guerras de massa do
século XX, mas desproporcionalmente vasto sobre a
população não-combatente.
No final de 2004, estimava-se que havia quase 40 milhões
de refugiados fora dos seus países e muitos outros, cada
vez mais, dentro deles,'
o que é similar ao número de "pessoas deslocadas"
em conseqüência da Segunda Guerra Mundial. Essas
imagens desoladoras, concentradas
que estão em algumas poucas áreas do globo e visíveis
nas telas das nossas casas quase ao mesmo tempo em
que ocorrem, exercem sobre o público dos países ricos
um impacto imediato e muito maior do que antes. Pense
apenas nas guerras dos Bálcãs na década de 1990. É
evidente que as pessoas nos países ricos sentiram que
algo precisava ser feito a
respeito da situação terrível em que muitas das áreas
mais pobres aparentavam estar mergulhando.
Em síntese, o mundo parecia clamar, com progressiva
intensidade
57

por soluções supranacionais para os problemas


supranacionais ou transnacionais, mas não havia
nenhuma autoridade global com a capacidade de tomar
decisões políticas, para não falar do poder de executá-las.
A globalização sai de cena quando se trata de política,
seja interna, seja internacional. As Nações Unidas não
têm poder ou autoridade próprios, dependem da decisão
coletiva dos Estados e podem ser bloqueadas pelo poder
absoluto de veto que pode ser exercido por cinco
membros. Mesmo as demais organizações internacionais
e financeiras do mundo pós-1945, como o Fundo
Monetário Internacional (FMI) e o Banco
Mundial, só podem desenvolver ações efetivas com o
patrocínio das grandes potências (o chamado"Consenso
de Washington"). O único órgão
que não sofre essa limitação, o GATT (Acordo Geral sobre
Tarifas e Comércio, desde 1995 Organização Mundial do
Comércio -
OMC), tem encontrado obstáculos reais na oposição dos
países à conclusão de acordos. Os únicos atores efetivos
são os Estados. E, em termos de poder militar capaz de
executar ações importantes
em escala global, só existe hoje um Estado que pode
desenvolvê-las, os Estados Unidos.

"A melhor defesa da idéia de império é a defesa da idéia


de ordem." Em um mundo crescentemente desordenado e
instável, é natural que se sonhe com algum poder capaz
de estabelecer a ordem e a estabilidade. Esse sonho se
chama império. É um mito histórico. O império americano,
com suas esperanças de uma pax americana, tem como
imagem a assumida pax britannica, período
de globalização e de paz mundial no século XIX associado
à assumida hegemonia do Império Britânico, paz que, por
sua vez, tinha como imagem e razão do seu próprio nome
a pax romana do antigo Império Romano.
Mas isso é conversa mole. Se a palavra paxtem algum
sentido nesse contexto, é por referir-se ao
estabelecimento
58

da paz dentro de um império, e não internacionalmente. E


mesmo assim a referência é em grande parte falsa. Os
impérios da história raramente deixaram de conduzir
operações militares nos seus próprios territórios e com
certeza o fizeram nas suas fronteiras em todos os tempos.
Simplesmente essas operações não afetavam a vida civil
de suas metrópoles. Na era do imperialismo dos séculos
XIX e XX, as guerras contra os não-brancos ou outras
coletividades inferiores, as "raças inferiores e sem lei" de
Rudyard Kipling, normalmente não se contavam entre as
guerras propriamente ditas, às quais as regras usuais se
aplicavam. Hew Strachan com razão pergunta: "Que
acontecia com os prisioneiros tomados nos conflitos
coloniais britânicos, fora os da Guerra dos Bôeres [que
era vista como uma guerra entre brancos]?
Que processos jurídicos foram aplicados com
regularidade?". Os "combatentes ilegais" do presidente
Bush no Afeganistão e no Iraque, aos quais não se
aplicam nem a lei nacional nem a Convenção de Genebra,
têm seus precedentes imperialistas.
A paz mundial e mesmo a paz regional têm ficado fora do
alcance do poder de todos os impérios até aqui
conhecidos pela história e certamente estão fora do
alcance de todas as grandes potências dos tempos
modernos. Se a América Latina é a única parte do mundo
que tem estado basicamente imune às guerras
internacionais significativas por quase duzentos anos, isso
não se deve à Doutrina Monroe, que foi "por décadas [...]
pouco mais do
que um blefe ianque", nem ao poder militar dos Estados
Unidos, que nunca esteve em condições de coagir
diretamente nenhum país da América do Sul. Até o
momento em que este texto está sendo escrito, esse
poder foi empregado habitualmente apenas
contra os países anões da América Central e das ilhas do
Caribe, e mesmo aí nem sempre de maneira direta. A
intervenção militar, incluindo as tentativas de impor
"mudanças de regime", foi praticada no México (ou no que
restou dele depois da guerra de 1848),
59

entre 1913 e 1915, ao tempo do presidente Wilson. O que


foi defi-nido como seu "programa de imperialismo moral",
que "colocou o poder dos Estados Unidos para apoiar um
esforço contínuo e por vezes errático de forçar a nação
mexicana a atender às suas próprias e mal concebidas
especificações",* resultou em desastre. Contudo, depois
de Wilson, Washington decidiu, sabiamente, não fazer
jogos de guerra com o único país grande do seu quintal
caribenho. Não foi o poder militar que propiciou a
dominação dos Estados Unidos sobre o continente
americano.
A Grã-Bretanha, é claro, como sugere a expressão
"esplêndido isolamento", sempre teve consciência de que
não podia controlar o sistema de poder internacional do
qual fazia parte e não manteve presença militar
significativa no continente europeu. O Império Britânico
beneficiou-se enormemente do século de paz entre as
potências, mas não o criou. Eu resumiria as relações entre
os impérios, as guerras e a paz do seguinte modo: os
impérios, como o Império Britânico, por exemplo,
formaram-se principalmente pelas agressões e pelas
guerras. E foram também as guerras-normalmente, como
bem observa Niall Ferguson, as guerras entre impérios
rivais - que os desfizeram.
Ganhar grandes guerras mostrou ser tão fatal para os
impérios quanto perdê-las: essa é uma lição da história do
Império Britânico que
Washington deveria aprender. A paz internacional não é
criação dos impérios, e sim o que lhes dá a chance de
sobreviver. O excelente livro Forgotten armies [Exércitos
esquecidos] nos dá um quadro vivido de como o poder e a
hegemonia européia no Sudeste Asiático, que pareciam
tão esplêndidos e seguros, entraram "em colapso em
questão de semanas, em 1941-42.

Deixando de lado a Espanha do século XVI e talvez a Holanda


do século XVI, a Grã-Bretanha, de meados do século XVIII a meados
do século XX, e os Estados Unidos, a partir de então, são os únicos
exemplos de impérios genuinamente globais com horizontes políticos
gfobais, e não meramente regionais, o mesmo valendo para seus recursos
de poder - a supremacia naval para a Grã-Bretanha do século XIX e a
supremacia aérea para os Estados Unidos do século XXI, ambos apoiados por
uma forte rede mundial de bases operacionais.
Isso não era e não é suficiente, uma vez que os impérios
dependem não apenas de vitórias
militares e de segurança, mas também de um controle
duradouro.
Por outro lado, a Grã-Bretanha do século XIX e os
Estados Unidos do século XX também usufruíram de um
recurso que nenhum império anterior tivera
ao seu alcance, nem poderia ter tido, na ausência da
globalização
moderna: odomínio da economia industrial do mundo.
Assim o fizeram não só pelo tamanho dos seus aparatos
produtivos,
como verdadeiras "usinas do mundo" - os Estados Unidos,
no seu auge da década de 1920 e novamente depois da
Segunda Guerra Mundial, representavam cerca de 40%
da produção industrial (manufatureira) do mundo10 e em
2005 ainda eram o maior produtor, embora apenas com
22,4% do "valor industrial agregado"." Também ambos
dominaram como modelos econômicos, como pioneiros
técnicos e organizacionais, como indicadores de
tendências e ainda como os centros do sistema mundial
de fluxos financeiros e de produtos comerciais e como os
países cujas políticas
financeiras e comerciais determinavam em grande medida
as características desses fluxos. Ambos, é evidente,
exerceram também uma influência cultural
desproporcional, que se deve, principalmente, à
globalização
da língua inglesa. Mas a hegemonia cultural não é um
indicador de poder imperial nem depende muito dele. Se
assim fosse, a Itália,
desunida, pobre e sem poderes, nunca teria dominado a
vida internacional artística e musical do século XV ao XVI.
Além disso, quando o poder cultural sobrevive ao declínio
do poder material e do prestígio dos países que antes o
propagavam, como o Império Romano ou a monarquia
absoluta francesa, torna-se mera relíquia do passado, a
exemplo da
nomenclatura militar derivada da França ou o sistema
métrico decimal.
É lógico que devemos distinguir entre os efeitos culturais
diretos da dominação imperial direta e os efeitos da
hegemonia econômica, assim como entre ambos e os
desenvolvimentos pós imperiais
independentes. A disseminação do beisebol e do críquete
foi realmente um fenômeno imperial, pois esses jogos só
se implantaram nos lugares onde estiveram baseados
soldados britânicos ou americanos. Mas isso não explica o
triunfo dos esportes verdadeiramente globais, como o
futebol, o tênis ou, para os executivos, o golfe. Todos eles
foram inovações britânicas do século XIX, como quase
todos os esportes praticados internacionalmente, inclusive
o montanhismo e o esqui. Alguns, como as corridas de
cavalos, provavelmente devem sua organização ao
prestígio internacional da classe dominante inglesa do
século XIX, que também impôs ao mundo o estilo de vestir
dos homens das
classes altas, assim como o prestígio de Paris impôs a
moda às mulheres das classes altas. Outros, sobretudo o
futebol, tiveram suas raízes na diáspora mundial dos
britânicos contratados no século XIX pelas suas firmas no
exterior e outros mais (golfe) talvez se devam à
participação mais do que proporcional dos escoceses no
desenvolvimento do império e da economia. O certo é que
eles superaram em muito suas origens históricas. Seria
absurdo ver a Copa do Mundo de futebol como um
exemplo do "poder de persuasão" da Grã-Bretanha.

Volto-me agora para as diferenças cruciais que existem


entre os dois países. A primeira grande diferença é o
tamanho potencial da metrópole. As ilhas têm fronteiras
fixas e a Grã-Bretanha, por 62

tanto, não tem fronteiras terrestres e vivas como os


Estados Unidos. Em ocasiões pretéritas, ela fez parte de
impérios continentais europeus
- nos tempos romanos, depois da conquista normanda e,
por um momento, quando Maria Tudor se casou com
Filipe da Espanha -, mas nunca foi a base de tais
impérios. Quando os países que integram a Grã-Bretanha
geraram excessos populacionais, esses excedentes
migraram para formar colônias no ultramar e as ilhas
britânicas tornaram-se uma grande fonte
de emigrantes. Já os Estados Unidos foram e continuam a
ser essencialmente receptores, e não emissores de
populações. Seus espaços vazios foram preenchidos com
o crescimento da sua própria população e com
imigrantes, que até a década de 1880 vinham
principalmente das regiões setentrionais e centrais da
Europa ocidental. Juntamente com a Rússia (sem contar o
êxodo dos judeus russos para Israel),
os Estados Unidos são o único grande império que nunca
desenvolveu uma diáspora significativa de emigrantes. Ao
contrário da Rússia desde sua fragmentação, em 1991, os
Estados Unidos ainda não a tiveram.
Os americanos expatriados constituem uma porcentagem
menor da população de qualquer país da OCDE
(Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Econômico) do que os expatriados de qualquer outro país
da mesma OCDE, com exceção do Japão.13
O império americano, ao que me parece, é a
conseqüência
lógica dessa forma de expansão através do continente. Na
sua juventude, os Estados Unidos viam sua república
como aberta a toda a América do Norte. Aos colonos que
trouxeram consigo para a América formas de convivência
de populações densas, a nova
terra parecia não ter nem dono nem fim. Com efeito, dado
o rápido e não-deliberado quase genocídio da população
indígena, devido ao impacto das doenças européias, isso
lhes pareceu ainda mais verdadeiro. Mesmo assim, hoje
ficamos surpresos com o fato de
que a famosa"tese da fronteira" de Frederick Jackson
Turner, sobre 63

o desenvolvimento da história americana, não


encontrou nenhum
lugar para os nativos americanos, que, afinal, tinham
estado obviamente presentes na América de Fenimore
Cooper. A América do Norte não era, de modo algum,
uma"terra virgem", mas a implan-tação de formas
européias de economia e o uso extensivo do território
implicavam o afastamento dos nativos, mesmo que não
levemos em conta a convicção dos colonos de que Deus
lhes dera a exclusividade do uso daquelas terras. Afinal
de contas, a Constituição americana excluía
especificamente os nativos da comunidade política das
"pessoas que usufruíam do direito natural" às "benesses
da liberdade". Evidentemente, a eliminação completa só
era possível nos lugares em que a população original era
relativamente pequena, como na América do Norte e na
Austrália. Onde isso não ocorria, como na Argélia, na
África do Sul, no México e, como se
viu depois, na Palestina, mesmo as grandes populações
colonizadoras tiveram de viver junto com as grandes
populações nativas, ou melhor, em cima delas.
Frisemos novamente que, ao contrário da Grã-Bretanha e
de todos os demais países da Europa, os Estados Unidos
nunca se viram como parte integrante de um sistema
internacional de
potências políticas que rivalizam entre si. Esse era,
precisamente, o sistema que a Doutrina Monroe buscava
excluir do continente americano. Nesse hemisfério de
dependências descolonizadas, os Estados Unidos não
tinham rival. Tampouco tinham o conceito de dependência
colonial, uma vez que todas as áreas da América do
Norte deviam ser integradas, mais cedo ou mais tarde,
como parte dos Estados Unidos, inclusive o Canadá, que
eles tentaram sem êxito separar do Império Britânico. Ao
país parecia, portanto, problemático tomar territórios
adjacentes que não se enquadrassem nesse modelo,
principalmente por não terem sido colonizados,
nem serem colonizáveis, por brancos ingleses - por
exemplo,
Porto Rico, Cuba e as dependências do Pacífico. Entre
esses territórios, 64

somente o Havaí chegou à condição de estado. O Sul dos


Estados Unidos, caso se tornasse uma nação
escravocrata independente, por estar acostumado às
diferenças entre uma população livre e uma massa
populacional não-livre e à integração com o sistema global
britânico de comércio, bem poderia ter se transformado
em algo mais similar a um império europeu, mas foi o
Norte que prevaleceu: livre, protecionista e tendo por base
do seu desenvolvimento um mercado interno ilimitado.
O resultado foi que a forma característica do império
americano fora da sua base continental não se
assemelharia nem à Comunidade Britânica
nem ao Império Britânico. Não podia conceber "domínios",
isto é, a separação gradual de áreas de colonização
branca, com ou sem nativos circundantes (Canadá,
Austrália, Nova Zelândia e mesmo África
do Sul), uma vez que não mandava colonos ao exterior.
Em todo caso, como o Norte ganhou a guerra civil, a
secessão de qualquer parte da União já não era possível
nem do ponto de vista legal nem do político e não
constava mais da agenda ideológica. A forma
característica de poder dos Estados Unidos fora do seu
próprio
territórionão correspondia nem à colonial nem à de um
governo indireto dentro de um esquema colonial de
controle direto, mas sim a um sistema de Estados satélites
e solícitos. Isso era essencial, sobretudo porque o poder
imperial dos Estados Unidos até a Segunda Guerra
Mundial não era global, e sim regional - confinado
efetivamente ao Caribe e ao Pacífico. Assim, ele nunca
logrou ter uma rede de bases militares próprias e
exclusivas que fosse comparável à do Império Britânico,
que ainda conserva muitas dessas bases, embora elas
tenham perdido todo o seu
antigo significado. Nos nossos dias, diversas bases
cruciais para o
poder dos Estados Unidos no exterior estão
tecnicamente no território de algum outro Estado, que,
como o Uzbequistão, pode lhe retirar a autorização de
uso.
Segundo, os Estados Unidos são filhos de uma revolução
-
65

talvez, como argumentou Hannah Arendt, a mais


duradoura das revoluções da história das revoluções
modernas, as que tiveram impulso nas esperanças
seculares do Iluminismo do século XVIn. Se os Estados
Unidos desenvolvessem uma missão imperial, ela teria
por base a implicação messiânica da convicção
fundamental
de que sua sociedade livre é superior a todas as demais e
está destinada a tornar-se o modelo global. Como
observou Tocqueville, sua política seria inevitavelmente
populista e antielitista. Na Grã-Bretanha, tanto a Inglaterra
quanto a Escócia fizeram suas revoluções nos séculos
XVI
e xvti, mas elas não perduraram, e seus efeitos foram
reabsorvidos em um regime capitalista modernizador,
porém socialmente hierarquizado, governado até boa
parte do século XX pelas redes de parentesco de uma
classe dominante baseada na propriedade rural. Um
império colonial pode facilmente inserir-se nesse
esquema, como ocorreu com a Irlanda.
A Grã-Bretanha com certeza tinha plena convicção da sua
superioridade com relação a outras sociedades, mas
absolutamente nenhuma crença messiânica na conversão
de outros povos à maneira britânica de governar, nem
nenhum desejo de operá-la, nem sequer no campo mais
próximo da sua tradição ideológica nacional, ou seja, o
protestantismo anticatólico.
O Império Britânico não foi construído por missionários
nem foi feito para eles. Com efeito, o império
desencorajou fortemente a atividade missionária em sua
principal possessão, a índia.
Terceiro, desde o Domesday book* o reino da Inglaterra, e
depois de 1707 a Grã- Bretanha, construiu-se em torno de
um centro
seguro de estabilidade jurídica e governamental na
condução do Estado nacional mais antigo da Europa. A
liberdade, a lei e a hierarquia social se harmonizavam com
uma autoridade estatal soberana
* Domesday book levantamento das terras inglesas,
executado por ordem de Gui lherme, o Conquistador, em
1086. (N. E.)
66

singular, "o rei no Parlamento". Note que em 1707 a


Inglaterra estabeleceu uma união com a Escócia, sob um
governo central único,
e não em um pacto federativo, embora a Escócia
permanecesse separada da Inglaterra em todos os
demais aspectos - lei, religião, estrutura
administrativa, educação e até o som da sua língua. Nos
Estados Unidos,
a liberdade é a adversária do governo central, ou mesmo
de qualquer autoridade estatal, que, além disso, já é
deliberadamente limitada
pela separação dos poderes. Compare a história da
fronteira dos Estados Unidos com a própria história
britânica, ou com a canadense. Os heróis do velho Oeste
americano são pistoleiros que fazem a própria lei ao estilo
de John Wayne em um território sem lei. Os heróis do
Oeste canadense são os Mounties, a polícia montada
federal, fundada em 1873, que mantinha a lei e a ordem
no país. Afinal, a lei de 1867 (o British
North America Act), que criou o Domínio do Canadá,
declara como seus objetivos "a paz, a ordem e o bom
governo", e não "a vida, a liberdade e
a busca da felicidade".
Permita-me fazer uma breve menção a uma outra
diferença entre os dois países considerados como
nações: a idade. Assim
como precisam de uma bandeira e de um hino, os
Estados nacionais também precisam, para estabelecer-se
como nações modernas, de um mito fundador, que é
geralmente proporcionado pela história dos ancestrais.
Mas os Estados Unidos não podiam usar a história
ancestral como mito fundador, ao contrário da Inglaterra,
ou mesmo da França e da Rússia revolucionárias, veja
que o próprio Stálin pôde usar Alexandre Nevski para
mobilizar o patriotismo russo contra os alemães. Os
Estados Unidos não dispunham de ancestrais anteriores à
chegada dos primeiros ingleses
no seu território que pudessem ser utilizados para esse
fim, uma vez que os puritanos definiam-se precisamente
como não sendo índios, e estes, como os escravos,
estavam, por definição, fora do conceito de "povo"
utilizado pelos pioneiros da nova nação. Ao contrário dos
67

criollos da América espanhola, eles não podiam mobilizar


memórias de impérios indígenas-astecas ou incas-em
suas lutas pela independência. Não puderam, tampouco,
integrar as tradições heróicas dos povos guerreiros
nativos, embora seus intelectuais os admirassem, quando
mais não seja porque a política seguida pelos colonos
levou os que seriam os candidatos mais óbvios à
cooptação com base em uma ideologia americana, a
Confederação Iroquesa, a uma aliança com os britânicos.
O único povo que vinculou sua identidade nacional aos
índios norte-americanos era europeu-os galeses,
escassos e isolados, cujos românticos exploradores
acreditavam que os índios eram descendentes do príncipe
Madoc, que, segundo sua crença profunda, havia
descoberto a América antes de

Colombo, e formaram a comunidade de fala galesa dos


mandans, no rio Missouri. E, como os Estados Unidos
foram fundados por uma revolução contra a Grã-Bretanha,
a única continuidade com o velho país que não foi
interrompida foi a cultural, ou, mais precisamente, a
lingüística. Observe, contudo, que mesmo nesse campo
Noah Webster tentou quebrar a continuidade ao insistir
em uma ortografia separada.
Assim, a identidade nacional dos Estados Unidos não
pôde ser construída a partir de um passado comum com
os colonizadores, mesmo antes da imigração maciça dos
não anglo-saxões. Ela teve de ser construída
principalmente com base na sua ideologia
revolucionária e nas novas instituições republicanas. A
maior parte das nações européias tem o que se denomina
"estrangeiros hereditários",
vizinhos permanentes, por vezes com memórias de
séculos de conflitos, em contraste com os quais elas se
definem. Os Estados
Unidos, cuja existência nunca foi ameaçada por nenhuma
guerra além da civil, só têm inimigos que se definem
ideologicamente: os
que rejeitam o estilo de vida americano, quem quer que
sejam eles. 68

O que vale para os países vale para os impérios. Também


sob esse ângulo, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos
são bem diferentes. O império-formal ou informal-foi um
elemento essencial tanto para o desenvolvimento
econômico quanto para o poderio internacional da
Grã-Bretanha. Mas isso não ocorreu com os Estados
Unidos. Crucial para o país foi sua decisão inicial de não
ser um Estado entre Estados, e sim um gigante
continental, a caminho de ter uma população continental.
A terra, e não o mar, foi decisiva para seu
desenvolvimento. Ele foi expansionista desde o começo,
mas não no mesmo sentido dos impérios
ultramarinos, como o castelhano e o português do século
XVI, ou o holandês do século
XV, ou mesmo o britânico, que podiam ter por base, e
normalmente era
assim, países de dimensões e populações modestas.
Parecia-se mais com a Rússia, expandindo-se pelas
planícies a partir do núcleo central de Moscou, até se
estender "do brilho de um mar
ao de outro", ou seja, do Báltico ao mar Negro e ao
Pacífico. Os
Estados Unidos sem um império continuariam a ser o país
com a maior população do hemisfério ocidental e a
terceira maior do mundo. Mesmo a Rússia, hoje reduzida
ao que era antes de Pedro,
o Grande, continua a ser um gigante em termos
relativos, sobretudo pelos recursos naturais que seu vasto
território abriga. A GrãBretanha sem seu império foi e é
apenas uma economia de porte médio entre muitas e
sabia que assim era, mesmo quando governava a quarta
parte da terra e da população do planeta.
Mais relevante ainda é o fato de que, como a economia
britânica tinha uma ligação essencial com as transações
econômicas globais, o Império Britânico foi, sob diversos
pontos de vista, um elemento central no desenvolvimento
da economia mundial no século XIX. Isso não se deve ao
fato de que ele era um império formal. Não há territórios
coloniais britânicos significativos na América Latina fora
da área do Caribe, e
a Grã-Bretanha nunca se dispôs a empregar força militar
ou naval, embora pudesse tê-lo feito
69

com facilidade. E, no entanto, até a Primeira Guerra a


América Latina era muito mais ligada à economia mundial
coordenada
pelos britânicos do que à dos americanos: os
investimentos britâ-nicos eram mais de duas vezes
maiores do que os dos Estados Unidos em 1914,'9e eram
fortes mesmo no México e em Cuba, onde se
concentravam os capitais americanos. Com efeito, a Grã-
Breta-nha do século XIX era uma economia complementar
à do mundo em desenvolvimento. Até a década de 1950,
pelo menos três quartos dos enormes investimentos
britânicos estavam nos países em desenvolvimento.
Mesmo no entreguerras, bem mais do que a metade das
exportações britânicas dirigia-se a regiões formal ou
informalmente britânicas. Por isso, a ligação do Cone Sul
da América Latina com a Grã-Bretanha o fez prosperar
enquanto ela durou e, em comparação, a ligação dos
Estados Unidos com o México produziu basicamente uma
fonte de mão-de-obra barata para o vizinho do Norte.
Com a industrialização da Europa continental e dos
Estados Unidos,
a Grã-Bretanha logo deixou de ser a fábrica do mundo,
salvo no que toca à construção da estrutura dos
transportes internacionais, mas continuou a exercer os
papéis de comerciante, banqueiro e exportador de capital
em nível mundial.
Tampouco devemos nos esquecer de que no auge da sua
supremacia econômica a Grã-Bretanha constituía de fato
o mercado munqdial de produtos
primários , alimentos e matérias-primas. Apesar da
modéstia do seu território e da sua população, até a
década de 1880 ela comprava a maior parte do algodão
cru e 35% da lã nas transações internacionais e consumia
algo como a metade de todo o trigo e de toda a carne e a
maior parte do chá vendidos no comércio internacional.
A economia americana não teve e não tem essa
vinculação orgânica com a economia mundial. Ela é, de
longe, a maior econo-mia
industrial do planeta, e o impacto que causou e causa no
mundo deve-se às dimensões continentais e à
originalidade ianque
70

em termos de tecnologia e organização empresarial, que a


transformou em modelo para o resto do mundo desde a
década de 1870 e especialmente no século XX, quando o
país despontou como a primeira sociedade de consumo
de
massas. Até o período de entreguerras, sob forte
protecionismo, ela dependia quase que totalmente dos
recursos e dos mercados internos. Ao contrário da Grã-
Bretanha, o país foi, até o último período do século XX,
um importador relativamente modesto de produtos de
base e um exportador desproporcionalmente pequeno de
bens e de capitais.
No auge do seu poder industrial, em 1929, a economia
americana exportava cerca de 5% do seu produto interno
bruto (a preços de 1990), contra 12,8% da Alemanha,
13,3% do Reino Unido, 17,2%
da Holanda e 15,8% do Canadá." Com efeito, apesar de
ter a prima-zia industrial global desde a década de 1870,
com 29% da produção industrial mundial, a fatia
americana das exportações globais manteve-se menor do
que a da Grã-Bretanha até as vésperas da crise de 1929.
Ela continua
a ser uma das economias menos dependentes do
comércio internacional em todo o mundo - muito menos do
que a própria área do euro. Embora
a partir da Primeira Guerra Mundial o governo dos
Estados Unidos tenha incentivado os exportadores
americanos com isenções fiscais e facilidades na lei
antimonopólio, as empresas do país não contemplaram
seriamente penetrar nas economias européias até
meados da década de 1920, e também esse avanço foi
afetado pela Grande Depressão.
Em termos gerais, a conquista econômica do Velho
Mundo pelo
Novo Mundo é algo que ocorreu durante a Guerra Fria.
Não há garantia de que dure muito.
Diferentemente dos avanços globais da Grã-Bretanha no
século XIX, essa conquista resultou apenas parcialmente
do que se poderia denominar a divisão global do trabalho
entre os países industrializados e os países em
desenvolvimento (produtores primários). O grande salto
dado a partir da Segunda Guerra Mundial 71

baseou-se nas trocas cada vez mais globalizadas entre as


economias, complementares e rivais, dos países
desenvolvidos industrializados, o que constitui a razão por
que o hiato entre o mundo pobre e o mundo desenvolvido
ampliou-se notavelmente. Mas é também a razão por que
o mergulho na globalização à base de mercados livres
torna até a mais forte das economias nacionais
dependente de forças que ela não pode controlar.
Este não é o lugar para analisarmos as mudanças
recentes na distribuição geográfica do poder econômico
dos antigos centros localizados em ambos os lados do
Atlântico para as regiões dos oceanos Índico e Pacífico,
nem a conseqüente vulnerabilidade daqueles. Os dois
aspectos são evidentes. As vantagens históricas que
permitiram à maior parte dos habitantes da América do
Norte, das partes favorecidas da Europa, do Japão e da
Oceania desfrutar, no início deste novo século, de um
produto interno bruto per capita pelo menos cinco vezes
maior do que a média mundial 7 e de um
nível de vida principesco em comparação com o de 1900,
em condições inigualadas de seguridade social, estão
erodindo. Os que no passado beneficiaram-se
desproporcionalmente de uma economia de mercado
globalizada podem deixar de fazê-lo, e os pioneiros da
globalização podem tornar-se suas vítimas. Amaior das
agências de publicidade americanas, que no século XX
abriu o mundo para a nova maneira de vender, a J. Walter
Thompson, foi comprada em 1987 por um serviço de
propaganda britânico que agora opera quarenta
companhias em 83 países.
Diante da industrialização da Europa e dos Estados
Unidos, a Grã-Bretanha vitoriana, ainda maciçamente
industrial, ainda o maior comerciante e o maior investidor
do mundo, transferiu
seus mercados e investimentos de capital para seu
império formal
e informal. Os Estados Unidos do começo do século XXI
não têm essa opção. E, além do mais, nem poderiam tê-
la, porque já não são um grande exportador de bens e
capitais e pagam pela alta
72

demanda de bens que já não podem produzir, contraindo


dívidas com os novos centros da indústria mundial. É o
único caso de um grande império que também é um
grande devedor. Com efeito,
com a exceção dos setenta anos transcorridos entre a
Primeira
Guerra Mundial e 1988, o fenômeno global é que sua
economia sempre esteve em débito. 28 O acervo de
capitais, visíveis e
invisíveis, acumulado pela economia americana desde
1945 é vultoso e
não está sujeito a uma erosão rápida. Contudo, a
supremacia dos Estados Unidos não pode deixar de ser
agudamente vulnerável ao seu declínio relativo e à
transferência do poderio industrial, do capital e da alta
tecnologia para a Ásia. Em um mundo globalizado,
o "poder de persuasão" do mercado e da
americanização da cultura já não adicionam vigor à
superioridade econômica americana. Os Estados Unidos
foram os pioneiros dos supermercados, mas na América
Latina e na China quem está na vanguarda é a cadeia
francesa Carrefour.
O império americano, ao contrário do britânico, é
constantemente forçado a apelar para sua própria força
política. A empresa global americana esteve mesclada
com a política desde o início, ou pelo menos desde o
momento em que o presidente Wilson se dirigiu a uma
convenção de vendedores em Detroit, em 1916, e disse
que a filosofia americana da "democracia dos negócios"
devia tomar a liderança na "luta pela conquista
pacífica do mundo".
Sem dúvida, sua influência sobre o mundo dependia tanto
de ser um modelo para as empresas quanto do seu
próprio tamanho,
mas ela também se deveu à sorte de ter ficado imune às
catástrofes de
duas guerras mundiais que exauriram as economias da
Europa e do Extremo Oriente, enquanto a sua própria
economia prosperava. Os governos americanos tampouco
ignoravam o enorme poder que essas circunstâncias
davam à diplomacia do dólar. "Temos de financiar o
mundo em uma escala importante", pensava Woodrow
Wilson, "e os que financiam o mundo têm de 73

compreendê-lo e governá-lo com o espírito e com a


mente."30 Durante a Segunda Guerra Mundial e após seu
desfecho, da Lei de
Empréstimo e Arrendamento de 1940 ao empréstimo à
Grã-Bretanha de 1946,
a política de Washington não escondia que o seu objetivo
era tanto o de derrotar o Eixo quanto o de enfraquecer o
Império Britânico.
Durante a Guerra Fria, o crescimento global das
companhias americanas deu-se sob o patrocínio do
projeto político dos Estados Unidos, com o qual a maioria
dos dirigentes empresariais, assim como a maioria dos
americanos, estava identificada. Em troca, dado seu poder
mundial, a convicção do governo de que as leis do país
deveriam prevalecer nos negócios feitos pelos americanos
em qualquer parte do mundo deu às companhias
americanas uma considerável força política,
o que se vê na frase de 1950 (muitas vezes citada
erroneamente): "O que é bom para o país é bom para a
General Motors, e vice-versa".
Evidentemente, a primeira economia de consumo de
massa beneficiou-se muitíssimo da ascensão das
afluentes sociedades de consumo de massa da Europa
nas décadas douradas de 1950 e 1960. Afinal, ela havia
desenvolvido a capacidade produtiva, as grandes
corporações, as
instituições, as técnicas e até a linguagem desse tipo de
sociedade. Como disse um novelista francês, ainda em
1930, a propaganda vendia
não apenas os produtos, mas também os adjetivos
usados para descrevê-los. Essa é a essência da
hegemonia cultural americana,
muito mais do que a sorte de que o inglês, graças ao
Império Britânico, tenha tomado as feições de uma língua
global. Não obstante, além do seu efeito de
demonstração, as principais contribuições dos Estados
Unidos para o desenvolvimento econômico mundial no
século XX tiveram razões políticas: o plano Marshall na
Europa, a reforma agrária no Japão

ocupado, os gastos militares com as guerras da Coréia e


do Vietnã. Sem a supremacia política sobre o "mundo
livre" na Guerra Fria, será que o simples
tamanho da economia dos Estados Unidos bastaria para
impor
74
o estilo americano de fazer negócios, suas agências de
avaliação de crédito, suas firmas de auditoria e suas
práticas contratuais, para
não falar do "Consenso de Washington" para as finanças
internacionais,
como padrão global de comportamento? Pode-se duvidar.
É por essas razões que o Império Britânico não é e não
pode ser o modelo para o projeto americano de
supremacia mundial, exceto quanto a um aspecto. Os
britânicos conheciam seus limites
e especialmente os limites, presentes e futuros, do seu
poder militar. Como país de peso médio que sabia ser
impossível manter para sempre a coroa dos pesos
pesados, a Grã-Bretanha escapou da megalomania
provocada pela doença ocupacional dos candidatos a
conquistadores do mundo.
Ela ocupou e governou mais áreas e mais populações em
todo o mundo do que qualquer outro Estado jamais fez ou
parece capaz de fazer, mas sabia que não mandava nem
podia mandar no mundo inteiro e não tentou fazê-lo. Sua
Marinha, que gozou de supremacia efetiva nos oceanos
por longo tempo, não era uma força adequada a esse
propósito. Uma vez estabelecida sua posição global, por
meio de guerras e agressões
bem-sucedidas, a Grã-Bretanha manteve-se o mais
possível à margem da política dos países do continente
europeu e completamente à margem do continente
americano. Ela tratou de manter o resto do mundo em
bases suficientemente estáveis para continuar fazendo
seus negócios, mas não dizia o que cada um tem de
fazer. Quando a era dos
impérios ultramarinos ocidentais chegou ao fim, em
meados do século XX, a Grã-Bretanha reconheceu "os
ares de mudança" antes de outros países colonizadores.
E, como sua posição econômica não dependia do poder
imperial, e sim do comércio, ela se ajustou mais
facilmente à perda política, como já o fizera na sua derrota
mais dramática-a perda das colônias americanas.
Os Estados Unidos aprenderão essa
lição? Ou serão tentados a manter sua posição global,
que está em processo de erosão, com
75

base na força político-militar? Se assim procederem,


poderão promover não a ordem, mas a desordem global;
não a paz, mas o conflito global; não o progresso da
civilização, mas o da barbárie?
Como dizia Hamlet, eis a questão. Só o futuro dirá. Como
os historiadores
- ainda bem - não são profetas, não tenho a obrigação
profissional de dar-lhes uma resposta.
76

4- Sobre o fim dos impérios


Permitam-me agradecer-lhes por me outorgarem o título
de doutor honoris causa nesta ilustre universidade.
Tessalônica é um nome que tem grande significado para
mim, não apenas como judeu, que não pode deixar de
relembrar as glórias e a tragédia da maior comunidade
judaica do Mediterrâneo, mas também como socialista e
historiador do trabalho humano. O socialismo da Grécia
uniu-se pela primeira vez à Segunda Internacional por
meio da Federação dos Trabalhadores de Salônica.
Como Salônica foi, por tanto tempo, uma cidade
multinacional, seu movimento trabalhista teve, e não podia
deixar de ter, o sentido do internacionalismo. Cito um dos
seus primeiros líderes, que disse que esse era um
movimento "ao qual todas as nacionalidades podem aderir
sem ter de abandonar sua língua e sua cultura". Salônica
foi a cidade que se levantou contra o governo de Metaxas
em 1936 e foi a vítima da sua ditadura. É uma honra
receber este título da sua universidade e
também recebê-lo em uma cidade como esta. Por favor,
aceitem meus agradecimentos.
77

Espera-se que os novos doutores façam uma palestra


inaugural.
Proponho-lhes algumas observações sobre o fim dos
impérios. Quando eu
nasci, todos os europeus viviam em países que faziam
parte de impérios, no sentido tradicional das monarquias
ou no sentido colonial que a palavra tinha no século XIX,
exceto os cidadãos da Suíça, dos três países
escandinavos e das antigas dependências do Império
Otomano nos Bálcãs.
E alguns destes, como, por exemplo, os habitantes de
Tessalônica, tinham acabado de sair do Império
Otomano, logo antes da Primeira Guerra Mundial. Os
habitantes da África, quase sem exceção, viviam em
impérios, assim como os habitantes das ilhas do Pacífico e
do Sudeste
Asiático, grandes e pequenas. Não fosse pelo fato de que
o velho Império Chinês deixou de existir uns seis anos
antes do meu nascimento, seria possível dizer que todos
os países da Ásia faziam parte de impérios, novos ou
antigos, com exceção, talvez, da Tai lândia
(então conhecida como Sião) e do Afeganistão, que
mantinham algum tipo de independência entre potências
européias rivais. Apenas as Américas, ao sul dos Estados
Unidos, consistiam essencialmente em países que nem
eram nem tinham dependências coloniais,
embora certamente fossem dependentes do ponto de
vista econômico e cultural.
No transcurso da minha vida tudo isso mudou. A
Primeira
Guerra Mundial reduziu a cacos o império dos Habsburgo
e completou a desintegração do Império Otomano. Não
fosse pela Revolução de Outubro, esse também teria
sido o destino do império do czar da Rússia, já
muito enfraquecido, como foi o do império alemão, que
perdeu tanto a
Coroa quanto as colônias. A Segunda Guerra
Mundial destruiu o potencial imperial da Alemanha, que
alcançara breve realização com Adolf Hitler, e destruiu
também os impérios coloniais da era imperial, grandes e
pequenos: o britânico, o francês, o japonês, o holandês, o
português
e o belga, assim como o que restava do espanhol. (Diga-
se de passagem que ela
78

também pôs fim à incursão relativamente breve dos


Estados Unidos no terreno do colonialismo formal de
modelo europeu, nas Filipinas e alguns outros territórios.)
Por fim, ao final do século passado, o
colapso dos regimes comunistas europeus determinou o
fim da Rússia, tanto como a entidade multinacional que
era no tempo dos czares quanto no império soviético, que
existiu, mais brevemente, na Europa central e oriental. As
metrópoles perderam seu poder, assim como suas
dependências. Só uma possível potência imperial persiste.
Trinta anos atrás, a maioria de nós aplaudiu essa
mudança impressionante no cenário político do mundo, e
muitos continuam a aplaudir. Mas hoje a contemplamos a
partir da perspectiva de um novo século confuso, ao qual
parecem faltar a ordem e a previsibilidade relativas da era
da Guerra Fria. A era dos impérios terminou, mas até aqui
nada tomou efetivamente seu lugar. O número de países
independentes quadruplicou desde 1913, alimentado
pelos remanescentes dos antigos impérios. Mas, se, em
teoria, vivemos hoje no mundo de Estados nacionais livres
que, segundo os presidentes Wilson e F. D. Roosevelt,
devia substituir o mundo dos impérios, na prática vivemos
no que já se
percebe como uma forma altamente instável de desordem
global, tanto no contexto internacional quanto no interior
dos países. Um bom
número-provavelmente um número crescente-de tais
entidades políticas parece incapaz de exercer as funções
essenciais dos Estados territoriais ou sofre ameaças de
desintegração por parte de movimentos secessionistas. E,
pior, desde o fim da Guerra Fria vivemos em uma era em
que os conflitos armados, incontroláveis ou quase
incontroláveis, tornaram-se endêmicos em grandes áreas
da Ásia, da África, da Europa e em partes do Pacífico.
Voltam a ocorrer massacres em nível de genocídio e
expulsões
em massa de populações ("limpezas étnicas") em escalas
que já não víamos desde os anos que se seguiram à
Segunda Guerra Mundial. Quem
79
pode se surpreender com o fato de que em alguns países
os sobreviventes dos impérios hoje lamentam seu fim?
De que forma esses impérios devem ser recordados? A
natureza da memória, a oficial e a popular, depende, até
certo ponto, da quantidade do tempo transcorrido desde o
desaparecimento do império e de se ele deixou herdeiros.
O Império Romano, tanto o do Ocidente quanto o do
Oriente, foi destruído de forma tão completa e há tanto
tempo que não tem herdeiros, apesar de que a marca que
deixou no mundo, mesmo fora da área ocupada por ele, é
gigantesca. O império de Alexandre acabou para sempre,
assim como o de Gêngis Khan e o de Timur Lang, e tal
como o dos umaiadas e o dos abássidas. Em época mais
recente, o império dos Habsburgo foi destruído de
maneira radical em 1918 e tinha uma estrutura não-
nacional, de modo que não chegou a haver uma
continuidade
efetiva entre ele e o pequeno Estado-nação que hoje
chamamos de Áustria. Com freqüência, no entanto,
alguma continuidade existe, sobretudo porque o fim de
tantos impérios é ainda muito recente e tantas vezes é
acompanhado, nos antigos Estados metropolitanos, por
períodos de considerável tensão política e psicológica. É
verdade que hoje nenhum país que já deteve um império
colonial tem a intenção ou a esperança
de uma restauração; mas, quando as metrópoles dos
antigos impérios sobrevivem como países efetivos,
normalmente como Estados-nações, ocorre entre elas a
tendência a ver os tempos passados de grandeza com
orgulho e nostalgia. Existe também uma compreensível
tentação de
exagerar os benefícios que os impérios alegadamente
teriam oferecido aos seus súditos enquanto existiam,
como a manutenção da lei e da ordem
nos seus territórios e, com mais justificação, o fato de que
vários - embora não todos - impérios desaparecidos eram
mais tolerantes com a multiplicidade étnica, lingüística e
religiosa do que os Estados nacionais que lhes
sucederam. Contudo, como uma vez assinalou um
estudioso dos impérios
80

ao analisar a notável história social que o professor


Mazower escreveu a respeito de Salônica, "essa teoria
sobre os impérios é boa demais para ser verdadeira".1 A
realidade dos impérios não deve ficar à mercê da
nostalgia seletiva.
Há apenas uma forma coletiva de memória imperial que
tem implicações práticas nos nossos dias. Trata-se do
sentimento de que o poder superior dos impérios, de
conquistar e governar o mundo, baseava-se em uma
civilização também superior, facilmente
identificável com uma superioridade moral ou mesmo
racial. No século XIX, ambas as premissas tinham curso,
mas a experiência histórica da Alemanha nazista eliminou
as reivindicações de superioridade étnico- raciais do
discurso político educado.
No entanto, permanece, mais tácita do que abertamente
articulada, a reivindicação ocidental de superioridade
moral. Ela encontra expressão na convicção de que
nossos valores e instituições são superiores aos dos
demais e podem, e até devem, lhes ser impostos, para
seu próprio benefício, pela força das armas, se necessário
for. A afirmação de
que historicamente os impérios e o imperialismo levaram a
civilização aos povos atrasados e substituíram a anarquia
pela ordem é duvidosa, embora não de todo espúria. Do
século III ao VI da nossa era, os impérios foram, na
maioria, produto de conquista militar por parte de tribos
guerreiras procedentes dos confins das civilizações da
Ásia e do Mediterrâneo. Dado seu atraso cultural, pouco
aportaram aos
conquistados, freqüentemente mais avançados do que
elas, limitando-se à força das suas espadas, e, nos casos
em que permaneceram nas terras dos povos derrotados,
ao propósito de valer-se da sua infra-estrutura e dos seus
conhecimentos. Apenas os árabes, que levaram consigo
sua
língua escrita e sua nova religião, acrescentaram algo de
novo. Os
europeus que colonizaram as Américas, a Ásia e o
Pacífico tinham efetivamente uma superioridade
tecnológica sobre as sociedades locais, mas não a
tinham, até o século XIX, com relação às sociedades 81

asiáticas e a algumas islâmicas. Com o tempo, os


territórios coloniais foram se integrando em uma economia
mundial centrada no Ocidente. Mas pode-se perfeitamente
perguntar quão positivo terá sido o balanço da era colonial
para os habitantes das Américas que não sejam
descendentes dos imigrantes europeus que ali se
estabeleceram. A mesma pergunta pode ser feita com
relação aos habitantes da África subsaariana.
Entre seus antigos súditos, a memória dos impérios é
mais ambígua. Em sua maioria, as colônias e demais
dependências dos antigos impérios transformaram-se em
países independentes, que necessitam, como todos os
demais, por mais novo e inédito que
seja seu surgimento, uma história e uma bandeira. Assim,
a memória que têm do antigo império é quase sempre
dominada pela história da criação do novo país, que tende
a tomar a forma de um mito fundador de luta e libertação.
Como é natural, esses povos tendem também a
desenvolver uma visão uniformemente negativa da era do
domínio colonial.
Em grande parte dos casos, isso
pede uma dose de ceticismo histórico. Essas narrativas
costumam exagerar o papel independente das forças de
libertação, subestimar as forças locais que não se
envolveram nos movimentos de libertação e
supersimplificar o relacionamento entre o império e a
população subjugada. Mesmo nos países que têm uma
longa tradição de lutas de libertação, a separação do
império foi, normalmente, um processo mais
complexo do que a história oficial nacionalista conta. A
verdade é que raramente a revolta dos povos subjugados
foi o único fator causador do fim dos impérios.
O relacionamento entre os impérios e seus súditos é
complexo porque as bases do poder dos impérios
duradouros também são complexas. O poder militar e a
decisão de empregar a coerção e o terror podem permitir
breves períodos de ocupação estrangeira, mas não uma
dominação duradoura, especialmente quando essa
dominação é exercida, como quase sempre aconteceu,
por um
82

número muito reduzido de estrangeiros, tanto em termos


relativos quanto absolutos, na generalidade dos casos.
Lembremo-nos de que o número de civis britânicos que
se ocupavam em governar os
400 milhões de indianos do império nunca foi superior a
uns 10 mil. Historicamente, os impérios podem ter sido
formados pela
força militar e consolidados pelo terror - "choque e
perplexidade",
na expressão do Pentágono dos Estados Unidos -, mas,
para perdurar, eles careciam de dois instrumentos
principais: a cooperação com os interesses locais e a
legitimidade do poder efetivo, em conjugação com a
exploração da desunião dos adversários e dos súditos
(divide et impera). A situação atual no Iraque ilustra as
dificuldades que até o mais poderoso dos ocupantes
enfrenta quando esses fatores não estão presentes.
Mas, por essa mesma razão, a era dos impérios não pode
ser revivida, e menos ainda por uma única superpotência.
Um dos maiores trunfos do imperialismo ocidental, formal
ou informal, era o de que, na sua primeira acepção, a
"ocidentalização" era a única forma pela qual as
economias atrasadas podiam modernizar-se e os países
fracos podiam fortalecer-se. Isso dava aos impérios
ocidentais e às metrópoles modernizantes dos impérios
tradicionais a boa vontade implícita das elites locais que
se interessavam em superar o atraso. E isso acontecia
mesmo quando os modernizadores nativos voltavam-se
contra os governantes estrangeiros, como na índia e no
Egito. Paradoxalmente, o hino nacional
indiano foi escrito por um
antigo funcionário civil nativo do Raj britânico. Contudo, a
globalização da economia industrial internacionalizou a
modernização. A Coréia do
Sul tem pouco a aprender dos Estados Unidos, que
importa seus técnicos
em computação da índia e exporta os trabalhos feitos por
eles para o Sri Lanka, enquanto o Brasil produz não só
café, mas também jatos
executivos. Os asiáticos podem acreditar ainda na
utilidade de mandar seus filhos para estudar no Ocidente,
onde com freqüência têm
83

como professores acadêmicos asiáticos emigrados, mas a


presença dos ocidentais nos seus países, para não falar
do exercício da influência e do poder político local, já não
é necessária para a modernização das suas sociedades.
No entanto, os candidatos à constituição de novos
impérios enfrentam um obstáculo ainda maior. Já não
podem contar com
a obediência dos súditos. E, graças à herança da Guerra
Fria, os que se recusam a obedecer têm agora acesso a
armas suficientemente poderosas para manter à distância
os países fortes. No passado, os países podiam ser
administrados por um número comparativamente mínimo
de estrangeiros porque a dominação de qualquer regime
com poder
efetivo era aceita pelos povos que estavam acostumados
a ser governados hierarquicamente, ou por nativos, ou por
estrangeiros. O governo imperial, uma vez estabelecido,
normalmente só encontrava resistência por parte de
pessoas que rejeitavam todo tipo de poder central, nativo
ou estrangeiro, e que em geral viviam em áreas
montanhosas, como os berberes, afegãos ou curdos, fora
do controle das capitais. E mesmo
eles sabiam também que tinham de coexistir com o poder
superior do sultão, do czar ou do rajá. Hoje, como se vê
nos antigos territórios franceses da África, a presença das
tropas francesas, por si só, não pode garantir a
manutenção dos regimes locais, como aconteceu
nas décadas posteriores à descolonização formal. Hoje,
até o emprego total do poder armado dos governos tem se
mostrado insuficiente para manter o controle do território
sem desafio durante décadas - no Sri Lanka, na Caxemira
indiana, na Colômbia, na
Faixa de Gaza e na margem ocidental do Jordão, assim
como em certas áreas de Belfast. Existe, na verdade, uma
crise geral do poder e da legitimidade do Estado, mesmo
nos territórios de países europeus antigos e estáveis,
como a Espanha e o Reino Unido.
Nessas circunstâncias, não há perspectivas para um
retorno
84

ao mundo imperial do passado e muito menos para uma


hegemonia imperial global, que não tem precedentes na
história, por parte de um único país, os Estados Unidos,
por maior que seja sua força militar. A era dos impérios
está morta. Teremos de encontrar outras maneiras de
organizar o mundo globalizado do século XXI."
85
elias

5. As nações e o nacionalismo no novo século


Atualmente existe uma ampla literatura acadêmica a
respeito da natureza e da história das nações e do
nacionalismo, produzida sobretudo desde a publicação de
diversos textos seminais, na
década de 1980.1 A partir daí, o debate sobre o tema tem
sido con- tínuo. Contudo, como estamos na entrada do
século XXI, uma
breve pausa pode ser útil para considerarmos as notáveis
mudanças históricas que ocorreram nas últimas décadas
e que provavelmente o afetarão. A principal delas é o
surgimento de uma era de instabilidade internacional
iniciada em 1989, cujo fim ainda não se pode prever.
Esse é o propósito da presente nota.
Hoje é mais fácil avaliar as conseqüências duradouras do
fim da Guerra Fria, assim como da União Soviética e da
sua esfera de influência, ambas as quais podem ser
vistas, retrospectivamente,
como forças politicamente estabilizadoras. Desde 1989, e
pela primeira vez na história européia desde o século XV,
deixou de existir um sistema
de poder internacional. As tentativas unilaterais em prol do
estabelecimento de uma ordem global até aqui não
tiveram êxito. Enquanto isso, a década de 1990 viu uma
notável balcanização
86

de grandes regiões do Velho Mundo, sobretudo por meio


da desintegração da União Soviética e dos regimes
comunistas nos Bálcãs, o que provocou a maior
ampliação no número de Estados soberanos
internacionalmente reconhecidos desde a descolonização
dos impérios europeus entre o fim
da Segunda Guerra Mundial e a década de 1970. A
composição das Nações Unidas aumentou em 33 países
(mais de 20%) desde 1988. Esse período viu também o
aumento dos chamados "Estados falidos", onde ocorre o
virtual colapso da efetividade dos governos centrais, ou
uma situaçãoendêmica de conflito armado interno, em
diversos Estados nominalmente independentes em certas
regiões, notadamente a África e a região dos Estados ex-
comunistas, mas também em pelo menos uma área da
América Latina. Com efeito, durante alguns anos, depois
do fim da União Soviética, mesmo seu principal Estado
sucessor, a Federação Russa, parecia prestes a somar-se
ao grupo dos "Estados falidos", mas os esforços do
governo do presidente Putin em favor da restauração de
um poder governamental efetivo sobre todo o território do
país parecem ter tido êxito, exceto no que se refere à
Chechênia. Não obstante, grandes áreas do planeta
permanecem instáveis, tanto interna quanto
internacionalmente.
Essa instabilidade é dramaticamente acentuada pelo
declínio do monopólio da força armada, que já não está
nas mãos dos governos. A Guerra Fria deixou em todo o
mundo um enorme suprimento de armas pequenas, mas
muito potentes, e outros ins- trumentos de destruição para
usos não-governamentais, que
podem ser facilmente adquiridos com os recursos
financeiros disponíveis no gigantesco e incontrolável setor
paralegal da economia capitalista gglobal, em fantástica
expansão. A chamada "guerra assimétrica" que aparece
nos debates estratégicos atuais dos Estados Unidos
consiste precisamente na capacidade desses grupos
armados não-estatais de sustentar-se quase que
indefinidamente em luta contra o poder do Estado,
nacional ou estrangeiro.
87

Um resultado perturbador desses desenvolvimentos foi


uma recaída global em uma das maiores epidemias de
massacres, genocídios e "limpeza étnica" desde os anos
que se seguiram imediatamente à Segunda Guerra
Mundial. As 800 mil pessoas mortas emRuanda, em 1994,
constituem apenas o maior de uma série de assassinatos
em massa e de
expulsões em massa, estas ainda mais freqüentes, na
década de 1990 - na África ocidental e central, no Sudão,
nas ruínas do que antes fora a Iugoslávia comunista, na
Transcaucásia, no Oriente Médio. O número de mortos e
mutilados, inflacionado pela série praticamente
ininterrupta de guerras e guerras civis daquela década,
ainda pode ser difícil de
estimar, mas o fluxo decorrente de refugiados e de
deslocados certamente teve, nesse período terrível, a
mesma ordem de grandeza, com relação às populações
envolvidas, que alcançara na Segunda Guerra Mundial e
no período subseqüente. Em 2005, o Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados estimou que a
organização se preocupava com um total de 20,8 milhões
de pessoas, fortissimamente concentradas em certas
regiões do Oeste e do Centro-Sul da Ásia, da África e do
Sudeste da Europa, ou provenientes delas; mas a
Statistics of Uprooted People [Estatística de
Pessoas Deslocadas], do Church World Service
(dezembro de 2005), registra 33 milhões de pessoas e
outras estimativas ainda acrescentam mais 2 milhões.
Durante a Guerra Fria, o duopólio das superpotências
havia mantido, como regra, a integridade das fronteiras
nacionais contra ameaças internas e externas. Desde
1989 essas defesas a priori dissolveram-se com a
desintegração do poder central em muitos dos
países nominalmente independentes e soberanos que se
estabeleceram entre 1945 e 2000 e mesmo em outros
mais tradicionais, como a Colômbia,
por exemplo. Amplas áreas do mundo viram- se, portanto,
revertidas a uma situação em que, por várias razões ou
com vários pretextos, países efetivamente fortes e
estáveis inter
88

vêm pela força das armas em regiões que já não estão


devidamente protegidas pela estabilidade internacional
nem controladas pelos seus próprios governos. Em
regiões importantes como o mundo islâmico, o
ressentimento contra invasores e ocupantes ocidentais,
depois de um período relativamente breve de
emancipação dos controles imperiais, voltou a ser um
fator politicamente poderoso.
O segundo elemento novo que afeta o problema das
nações e do nacionalismo é a aceleração extraordinária
do processo de
globalização nas décadas recentes e seu efeito sobre o
movimento e a mobilidade dos seres humanos. Ela afeta
tanto os movimentos transfronteiriços temporários quanto
os duradouros, e a escala em ambos os casos não tem
precedentes. Assim, ao findar o século,
cerca de 2,6 bilhões de pessoas foram transportadas
anualmente pelas linhas aéreas de todo o mundo, o que
corresponde a uma
média de quase uma viagem de avião por ano para cada
dois habitantes
do planeta. Quanto à globalização das migrações
internacionais em massa, sobretudo, como é normal, das
economias pobres para as ricas, a escala
é grande, particularmente em casos como os dos Estados
Unidos, Canadá
e Austrália, que não impuseram limites mais estritos à
imigração. Esses três países receberam quase 22
milhões de imigrantes provenientes de todas as partes do
mundo entre 1974 e 1998, total superior ao da grande era
da imigração anterior a 1914 e duas vezes maior do que a
taxa de influxo anual daquele período.2 Nos anos
transcorridos entre 1998 e 2001, esses três países
receberam um influxo de 3,6 milhões de pessoas.
Mas mesmo a Europa ocidental, que há muito tempo é
uma região de emigração em massa, recebeu quase 11
milhões de estrangeiros durante esse período. O influxo
acelerou-se na entrada do novo
século. De 1999 a 2001, um total de cerca de 4,5 milhões
de pessoas entrou nos quinze países da União Européia.
Para citarmos apenas
um exemplo, o número de estrangeiros que vivem
legalmente na Espanha mais do que triplicou entre 1996 e
2003, passando de meio 89

milhão para 1,6 milhão e dois terços destes provêm de


fora da
União Européia, sobretudo da África e da América do
Sul.3 A fantástica cosmopolitização das grandes cidades
dos países ricos é uma conseqüência visível. Em resumo,
na Europa, a pátria original do nacionalismo,
as transformações da economia mundial estão
desfazendo o que as guerras
do século XX, com seus genocídios e transferências em
massa de populações, pareciam produzir, ou seja, um
mosaico de Estados nacionais etnicamente homogêneos.
Graças à revolução tecnológica no custo e na velocidade
dos transportes e comunicações, os emigrantes de longo
prazo do
século XXI, ao contrário dos do século XIX, já não estão
efetivamente separados das suas comunidades de
origem, como antes estavam,
a não ser por cartas, visitas ocasionais ou, no máximo,
através do
"nacionalismo de longa distância" das organizações de
emigrantes que financiavam organismos políticos dos
seus países de nascimento.
Prósperos emigrantes hoje circulam entre suas casas,
ou mesmo seus
trabalhos e negócios, no país antigo e no novo. Os
aeroportos da América do Norte ficam inundados nos
feriados por centro-americanos que se dirigem a alguma
cidadezinha de El Sal vador ou da Guatemala, levando
presentes eletrônicos. As festas familiares em um país - o
antigo ou
o novo - são freqüentadas por amigos e parentes de três
continentes.
Mesmo os mais pobres podem fazer telefonemas baratos
para Bangladesh
ou para o Senegal e enviar remessas regulares, cujo valor
duplicou entre 2001 e 2006 e que hoje sustentam as
economias dos seus países,
proporcionando algo como 10% do produto interno bruto
do Norte da
África e das Filipinas, 10% a 16% da América Central e do
Caribe e mais ainda com relação às tristes economias de
países como a
Jordânia, o Líbano e o Haiti.4 O número de países que
permitem dupla nacionalidade dobrou de 1995 a 2004,
quando chegou a 93 Estados.5
Com efeito, a emigração já não implica uma escolha
duradoura entre os países. 90
Ainda não é possível julgar os efeitos dessa extraordinária
mobilidade transfronteiriça sobre os conceitos mais
antigos de
nação e nacionalismo, mas não há dúvida de que eles
serão substanciais.
Como Benedict Anderson observou com acuidade, o
documento crucial de identidade do século XXI não é a
certidão de nascimento do Estado nacional, e sim o
documento internacional de identidade - o passaporte.
Qual é a profundidade com que a nacionalidade plural,
real ou potencial
- por exemplo, a origem americana de políticos de antigos
países comunistas, a identificação de judeus dos Estados
Unidos com os governos israelenses - tem afetado ou
pode vir a afetar a lealdade de um cidadão a um Estado
nacional?6 Qual é o significado dos direitos e obrigações
de "cidadania" nos Estados em que uma proporção
substancial dos
seus habitantes, em qualquer momento que se escolha,
está
ausente do território nacional ou em que uma proporção
substancial dos residentes permanentes tem direitos
inferiores aos dos cidadãos nacionais? Dada a escala dos
movimentos, legais e clandestinos, qual é o efeito do
declínio do poder do Estado para controlar o que acontece
no seu território, ou mesmo - como a recente falta de
confiabilidade dos censos nos Estados Unidos e na Grã-
Bretanha parece indicar-para saber quem nele reside?
Essas são perguntas que temos de formular, mas que
ainda não podemos responder.
O terceiro elemento, a xenofobia, não é novo, porém sua
escala e suas implicações foram subestimadas nos meus
próprios trabalhos sobre o nacionalismo moderno. Mesmo
na Europa, berço histórico das nações e
do nacionalismo, e, em menor grau, em países como os
Estados Unidos, formados em grande parte pela
imigração em massa, a nova globalização de movimentos
reforçou a longa tradição popular de hostilidade
econômica à imigração em massa e de resistência ao que
se vê como ameaças à identidade cultural coletiva. A força
real da xenofobia é percebida no 91

fato de que a ideologia do capitalismo globalizado dos


mercados livres, que se implantou nos principais governos
nacionais e instituições internacionais, fracassou
redondamente no estabelecimento da livre movimentação
internacional da força de trabalho, ao contrário do que
ocorreu com o capital e o comércio. Não há governo
democrático que tenha condições de apoiá-la. Contudo,
esse avanço evidente da xenofobia reflete os cataclismos
sociais e a desintegração moral do final do século XX e da
época atual, assim como os grandes movimentos
internacionais de população. A combinação é
naturalmente explosiva, em especial em países e regiões
étnica, confessional e culturalmente homogêneos e
desacostumados a grandes influxos de estrangeiros. Por
essas razões, propostas de transformação de capelas
protestantes que já não são utilizadas em mesquitas para
uma florescente religião de imigrantes causaram
recentemente um rápido clamor em países tranqüi-los e
tolerantes como a Noruega, reação que, ademais, será
com certeza bem compreendida por todos os leitores
deste livro nas velhas pátrias européias do nacionalismo.
A dialética das relações entre a globalização, a identidade
nacional e a xenofobia é enfaticamente demonstrada pela
atividade pública que combina esses três elementos: o
futebol. Graças à televisão global, esse esporte
universalmente popular transformou-se em um complexo
industrial capitalista de categoria mundial (embora de
tamanho modesto, em comparação com outras atividades
de negócios globais).
Como já se disse, e muito bem: "Dessa dicotomia entre,
por um lado, o 'nacional', último refúgio das paixões do
mundo antigo, e, por outro, o 'transnacional', trampolim do
ultraliberalismo do mundo novo, resulta, para os amantes
do futebol, assim como para os meios que gravitam em
torno desse esporte, uma verdadeira esquizofrenia,
extremamente complexa [...] que ilustra perfeitamente o
mundo ambivalente no qual
todos nós vivemos".7 92

Praticamente desde que adquiriu um público de massa,


esse
esporte tem sido o catalisador de duas formas de
identificação grupai:
a focai (com o clube) e a nacional (com a seleção
nacional, composta com os jogadores dos clubes). No
passado, elas eram complementares, mas
a transformação do futebol em um negócio mundial e
sobretudo o surgimento extraordinariamente rápido de um
mercado global de jogadores nas décadas de 1980 e 1990
(especialmente depois da decisão tomada em decorrência
do "caso Bosman", em 1995, pela Corte Européia de
Justiça)
criaram uma crescente incompatibilidade entre os
interesses empresariais, políticos e econômicos, nacionais
e globalizados, e o sentimento
popular. Essencialmente, o negócio global do futebol é
dominado pelo
imperialismo de umas poucas empresas capitalistas com
nomes de marcas também globais - um pequeno número
de superclubes baseados em alguns países da Europa,
que competem entre si
tanto nas ligas nacionais quanto, preferivelmente, nas
internacionais. Seus jogadores são recrutados em todo o
mundo. Com freqüência apenas uma minoria-e, por vezes,
uma pequena minoria - dos jogadores tem a nacionalidade
do país onde se situa o clube. A partir da década de 1980,
eles provêm cada vez mais de países não-europeus,
especialmente da África, que tinha cerca de 3 mil
jogadores atuando nas ligas européias em 2002. Esses
desenvolvimentos tiveram um efeito triplo. Do ponto de
vista dos clubes, provocaram um considerável
enfraquecimento da posição de todos aqueles que não
estão no circuito das superligas internacionais e dos
supertorneios e em especial nos clubes dos países
exportadores de jogadores, notadamente nas

* Os dezoito clubes que buscaram estabelecer uma


"superliga" européia constituem-se de três clubes de cada
um dos seguintes países: Inglaterra, Itália, Espanha,
Alemanha e França; dois da Holanda; e um de Portugal.
Note-se que houve um movimento similar, feito por clubes
das ligas européias menores, em favor de uma "Liga
Atlântica".
93

Américas e na África. A crise dos outrora altivos clubes de


futebol do Brasil e da Argentina o comprova.9Na Europa,
os clubes menores mantêm-se em competição com os
gigantes em grande medida comprando jogadores baratos
(por exemplo, iniciantes estrangeiros talentosos), na
esperança de revendê-los como estrelas já descobertas
aos superclubes. Jovens da Namíbia jogam na Bulgária;
da Nigéria, em
Luxemburgo e na Polônia; do Sudão, na Hungria; do
Zimbábue, na Polônia
etc. O segundo efeito está em que a lógica
transnacional da empresa de negócios entrou em conflito
com o futebol como expressão de identidade nacional,
tanto pela tendência a favorecer torneios
internacionais entre superclubes, em detrimento dos
torneios tradicionais das copas e dos campeonatos
nacionais, quanto porque os interesses dos superclubes
competem com os das seleções nacionais,
que são as portadoras de toda a carga política e
emocional da identidade nacional
e que têm de ser formadas por jogadores que tenham o
passaporte do país. Ao contrário dos superclubes, que, na
verdade, podem por vezes sermais fortes do que as
próprias seleções dos seus países, estas não são
permanentes. Hoje elas tendem a ser conjuntos de
jogadores, muitos dos quais - a maioria, em casos
extremos como o do Brasil-jogam em clubes estrangeiros,
que perdem dinheiro a cada dia em que eles se ausentam,
durante os períodos mínimos necessários para que
treinem e joguem com suas seleções. Do ponto de vista
dos superclubes e dos superjogadores, o clube tende a
ser mais importante do que o país.
No entanto, os imperativos não-econômicos da identidade
nacional têm tido força suficiente para afirmar-se no
contexto do jogo e mesmo para impor o torneio
internacional de seleções, a Copa do Mundo, como o
elemento principal e mais poderoso da presença
econômica global do futebol. Com efeito, para muitos dos
países africanos e para alguns dos países asiáticos cujos
jogadores se tornaram famosos (e ricos) na economia dos
grandes clubes, a existência
94

da seleção nacional de futebol estabeleceu, em alguns


casos pela primeira vez, uma identidade nacional
independente das identidades locais, tribais ou religiosas.
Pois "a comunidade abs-trata de milhões aparece com
mais realismo em um grupo de onze pessoas do mesmo
país".10 Na verdade, até o nacionalismo inglês,
recentemente revivido, encontrou sua primeira expressão
pública com a exibição da bandeira da Inglaterra (diferente
das da Escócia, do País de Gales e da Irlanda do Norte)
nos jogos da seleção inglesa de futebol.
O terceiro efeito pode ser visto na crescente proeminência
do comportamento xenofóbico e racista entre os
torcedores (esmagadoramente masculinos), sobretudo os
dos países imperiais. Eles ficam divididos entre o orgulho
que sentem pelos superclubes e pelas seleções nacionais
(o que inclui seus jogadores estrangeiros ou negros) e a
crescente importância que competidores provenientes de
povos há tanto tempo considerados inferiores alcançam
nos seus cenários nacionais. Os
periódicos surtos racistas que acometem os estádios de
países sem história anterior de racismo - Espanha,
Holanda - e a associação do "hooliganismo" com a
extrema direita política são expressões dessas tensões.
Não obstante, como já observamos, a xenofobia também
reflete a crise de uma identidade nacional culturalmente
definida
no contexto dos Estados nacionais, nas condições de
acesso universal à educação e à informação e em uma
época em que a política das identidades coletivas
exclusivas, sejam étnicas, religiosas ou de gênero e estilo
de vida, busca expressamente a regeneração de uma
Gemeinschaft [comunidade] em uma Gesellschaft
[sociedade]
cada vez mais remota. O processo que transformou
camponeses em franceses e imigrantes em cidadãos
americanos está sendo revertido e dissolve as grandes
identidades, como a do Estado
nacional, convertendo-as em identidades grupais auto-
referentes, ou mesmo em identidades particulares não-
nacionais, sob o lema 95

ubi bene ibi pátria [onde existe o bem, aí está a pátria]. E


isso, por sua vez, reflete, em grande medida, a diminuição
da legitimidade
do Estado nacional para os que vivem no seu território,
assim
como das exigências que esse Estado pode fazer aos
seus cidadãos.
Se os Estados do século XXI agora preferem fazer suas
guerras com exércitos profissionais, ou mesmo através da
terceirização de serviços bélicos, não é apenas por razões
técnicas, mas porque já não se pode confiar em que os
cidadãos se deixem ser recrutados, aos milhões, para
morrer no campo de batalha em nome dos seus países.
Homens e mulheres podem estar preparados para morrer
(mais provavelmente para matar) por dinheiro, ou por algo
menor, ou por algo maior, mas, nos lugares onde se
originou o conceito de nação, não mais pelo Estado
nacional.
Qual será seu substituto, se é que haverá algum, como
modelo geral de governo popular no século XXI? Não
sabemos.
96

6. As perspectivas da democracia
Há palavras com as quais ninguém gosta de se ver
associado em público, como racismo e imperialismo. Há
outras, por outro lado, pelas quais todos anseiam por
demonstrar entusiasmo, como mãee meio ambiente.
Democracia é uma delas. Você se lembrará de que, nos
dias do que normalmente se conhecia como "socialismo
real", mesmo os regimes mais implausíveis ostentavam-
na em seus
títulos oficiais, como a Coréia do Norte, o Camboja de Pol
Pot e o Iêmen. Hoje, é claro, é impossível encontrar, com
a exclusão de algumas teocracias islâmicas e monarquias
hereditárias asiáticas, qualquer regime que não renda
homenagens oficiais, constitucionais e editoriais a
assembléias e presidentes pluralmente eleitos. Qualquer
Estado que possua esses atributos é oficialmente
considerado superior a qualquer outro que não os possua,
como, por exemplo, a Geórgia pós-
soviética com relação à Geórgia soviética e um regime
civil corrupto no Paquistão com relação ao regime
militar. Independentemente da história e da cultura, os
aspectos constitucionais comuns à Suécia, Papua-Nova
Guiné e Serra Leoa (quando aí exista algum presidente
eleito) colocam oficialmente
97

esses países em uma classe e o Paquistão e Cuba na


outra. Por isso,
a discussão pública e racional da democracia é
necessária e singularmente difícil.
Além disso, desprezando toda retórica, como hoje
assinala o professor John Dunn, ainda que de maneira
breve, "pela primeira vez na história humana há uma única
forma de Estado claramente
dominante - a república democrática, constitucional,
representativa e moderna",1 embora também seja
necessário assinalar que a maior
proporção de sistemas políticos estáveis que seriam vistos
como democráticos por observadores imparciais está hoje
em monarquias, as quais parecem ter sobrevivido melhor
nesse ambiente político, ou seja, na União Européia e no
Japão.
Com efeito, na oratória política do nosso tempo, que em
sua quase totalidade pode ser descrita, nas palavras do
grande Leviatã
de Thomas Hobbes, como "discurso insignificante", o
termo "democracia" tem como significado esse modelo-
padrão de Estado; e isso significa um Estado
constitucional, que oferece a garantia do império da lei e
de vários direitos e liberdades civis e políticas e é
governado por autoridades, que devem necessariamente
incluir assembléias representativas, eleitas por sufrágio
universal e por maiorias numéricas entre todos os
cidadãos, em eleições realizadas a intervalos regulares
entre candidatos e/ou organizações que competem entre
si. Os historiadores e os cientistas políticos podem
recordar-nos, e com razão, de que esse não é o
significado original de democracia e de que
com certeza não é o único. Mas, para meus propósitos
aqui, isso não é relevante. A democracia liberal é o que
nos confronta hoje, e suas perspectivas são o tema da
minha exposição.
Será algo mais pertinente lembrar que não há uma
conexão necessária ou lógica entre os vários fatores do
conglomerado que compõe a "democracia liberal".
Estados não-democráticos podem ser construídos com
base no princípio do Rechtstaat, ou estado de 98

direito, como eram, sem dúvida, a Prússia e a Alemanha


imperial. As constituições, mesmo as que são efetivas e
operacionais, não têm de ser democráticas. Sabemos,
desde Tocqueville e John Stuart
Mill, que a liberdade e a tolerância para com as minorias
freqüentemente são mais ameaçadas do que protegidas
pela democracia.
Sabemos também, desde Napoleão m, que regimes que
chegam ao poder por
meio de golpes de Estado podem continuar a receber
apoio majoritário genuíno mediante o apelo sucessivo ao
sufrágio universal (masculino).
E-para escolher apenas alguns exemplos recentes - nem
a Coréia do Sul nem o Chile das décadas de 1970 e 1980
sugerem um vínculo orgânico entre capitalismo e
democracia, ainda que ambos sejam tratados quase como
gêmeos siameses na retórica política dos Estados Unidos.
De toda maneira, como aqui estamos lidando com a
prática política e social dos nossos dias, e não com
teorias, essas questões podem ser vistas como nuances
acadêmicas, salvo na medida em que sugerem que
grande parte da
defesa que se faz da democracia liberal baseia-se mais
em seu componente constitucional liberal do que em seu
componente democrático ou, mais precisamente, eleitoral.
A defesa do voto livre não se faz porque ele garante os
direitos, mas porque permite ao povo (em teoria) livrar-se
de governos impopulares.
Contudo, há três observações críticas que têm relevância
mais imediata.
A primeira é óbvia, mas seu significado não é sempre
reconhecido.
A democracia liberal, como qualquer outra forma de
regime político, requer uma entidade política no interior da
qual possa ser exercida, normalmente o tipo de Estado
conhecido como "Estado nacional". Não é aplicável a
campos em que tal entidade não exista ou não pareça em
processo de vir a existir, o que se observa principalmente
nos assuntos globais, por mais urgentes que sejam
nossas preocupações nesse sentido. Qualquer que seja a
maneira pela qual a descrevamos, a política das Nações
Unidas
99

não pode ser inserida no marco da democracia liberal,


exceto como figura de linguagem. E está por ver-se se a
da União Européia como um todo pode sê-lo. Essa é uma
ressalva de grande substância.
A segunda observação lança dúvidas sobre a proposição
amplamente aceita - e universalmente incorporada ao
discurso público americano - de que o governo liberal-
democrático é sempre, ipsofacto, superior, ou pelo menos
preferível ao governo não-democrático. Isso é, sem
dúvida, verdadeiro, fazendo-se tabula rasa de todos os
demais fatores, mas nem sempre se pode fazer tabula
rasa de todos os demais fatores. Não
pedirei que se considere o caso da empobrecida Ucrânia,
que incorporou a política democrática (mais ou menos) ao
preço de perder dois terços do modesto produto nacional
bruto que gerava nos tempos soviéticos.
Veja antes o caso da Colômbia, uma república que, para
os padrões latino-
americanos - o critério hoje aceito universalmente -, tem
um passado quase único de governo democrático,
constitucional e representativo virtualmente contínuo. Dois
partidos que rivalizam nas eleições, o Liberal e o
Conservador, têm se mantido em competição, como
requer a teoria. A Colômbia nunca esteve sob o poder de
militares ou de caudillos populistas por mais do que
breves momentos. E, no entanto, embora o país não
tenha se envolvido em guerras internacionais, o número
de pessoas assassinadas, mutiladas e expulsas de
suas casas nos últimos cinqüenta anos chega a milhões.
Esses números são, por certo,
incomparavelmente superiores aos de qualquer outro país
desse continente notoriamente infestado de ditaduras
militares. Não estou
sugerindo que os regimes não-democráticos sejam
melhores do
que os democráticos. Simplesmente recordo o fato, tantas
vezes ignorado, de que o bem-estar dos países não
depende da presença ou da ausência de um tipo de
arranjo institucional, por mais recomendável que este seja,
do ponto de vista moral.
A terceira observação foi expressa na frase clássica de
Winston
100

Churchill: "A democracia é o pior de todos os governos,


com a exceção
de todos os demais". Embora a frase seja normalmente
considerada como um argumento a favor da democracia
representativa liberal, ela é, na verdade, a expressão de
um profundo ceticismo. Qualquer que seja a retórica nas
campanhas eleitorais, os analistas políticos e os próprios
participantes mantêm-se extremamente céticos a respeito
da democracia representativa de massas como maneira
de governar, ou como qualquer outra coisa. A folha de
serviços da democracia é essencialmente negativa.
Mesmo como alternativa a outros sistemas, ela só pode
ser defendida com um suspiro de resignação. Isso não
importou muito durante a maior parte do século XX, uma
vez que os sistemas políticos que a desafiaram - tanto a
direita como a esquerda autoritárias até o fim da Segunda
Guerra Mundial e principalmente a esquerda autoritária
até o fim da guerra fria - eram patentemente horríveis, ou
pelo menos
assim pareciam à maioria dos liberais. Antes que a
democracia representativa liberal passasse a sofrer esses
desafios, seus defeitos intrínsecos como sistema de
governo eram evidentes para a maior
parte dos pensadores sérios, assim como para os que se
dedicavam
à sátira. Com efeito, isso era discutido ampla e
francamente mesmo entre os políticos, até que se tornou
desaconselhável para eles dizer em público o que
realmente pensavam a respeito da massa de votantes de
quem dependia sua própria eleição. Nos países onde a
tradição dos governos representativos estava estabelecida
havia muito tempo, ela era aceita não só porque os
sistemas alternativos pareciam ser piores, mas também
porque, ao contrário do que ocorrera na terrível era das
guerras e das catástrofes econômicas mundiais, muito
poucas pessoas
sentiam a necessidade de um sistema alternativo -
particularmente em uma era de prosperidade geral, que
melhorou as condições de vida até dos pobres, e de
sistemas robustos de bem-estar social. Não é de modo
algum certo que muitas partes
101
do planeta que hoje têm governos nominalmente
representativos desfrutem efetivamente desse estado de
felicidade.
É e sempre foi muito fácil criticar a retórica de campanha
da democracia liberal como maneira de governar. No
entanto, uma
coisa é inegável: "o povo" (qualquer que seja o grupo
humano definido como tal) é hoje a base e o ponto comum
de referência de todos os governos nacionais, exceto os
teocráticos. E isso não só é inevitável como está certo,
pois, se o governo tem algum propósito, este tem de ser o
de falar em nome de todos os cidadãos e zelar pelo bem-
estar deles. Na era do homem comum, todos os governos
são do povo e para o povo, embora seja evidente que, do
ponto de vista operacional, eles não podem ser governos
feitos pelo povo. Esse era um terreno comum a
democratas liberais, comunistas, fascistas e nacionalistas
de todos os tipos, ainda que suas idéias diferissem quanto
à maneira de formular, expressar e influenciar a "vontade
do povo". É a herança comum que o século XX, o século
das guerras totais e das economias coordenadas, deixou
para o século XXI. Tem por base não só o igualitarismo de
povos, que já não querem aceitar uma posição de
inferioridade em uma escala social governada por
"superiores", mas também o fato de que até aqui as
economias, os sistemas sociais e os Estados nacionais
modernos não conseguem funcionar sem o apoio passivo
e mesmo a mobilização e a participação ativa de muitos
de seus cidadãos. A propaganda de massas foi um
elemento essencial mesmo em regimes que estavam
prontos para aplicar coerção ilimitada sobre seus povos.
Nem as
ditaduras logram sobreviver por muito tempo quando seus
súditos perdem a disposição de aceitar o regime. Essa foi
a razão pela qual, quando
chegou o momento, os regimes chamados "totalitários" da
Europa oriental, juntamente com os que lhe permaneciam
fiéis no aparelho estatal e com seus mecanismos de
repressão, que mantinham boas condições de
organização, desapareceram rapidamente e em silêncio.
102

É a herança do século XX. Continuará ela a ser a base do


governo popular, inclusive da democracia liberal, no
século XXI? O argumento desta palestra é que a fase
atual do desenvolvimento
capitalista globalizado a está afetando e que isso terá e já
está tendo sérias implicações para a democracia liberal,
tal como é atualmente entendida. A política democrática
baseia-se em duas premissas, uma moral, ou, se você
preferir, teórica, e outra de ordem prática.
Moralmente falando, ela requer que a maior parte dos
cidadãos, o que
se presume ser a maior parte dos habitantes do país,
apoie expressamente o regime. Apesar de sua natureza
internamente democrática, os arranjos adotados pelos
brancos da África do Sul no tempo do apartheid, regime
que excluiu permanentemente da política a maior parte da
população,
não podem ser considerados democráticos. O ato de
expressar assentimento à legitimidade do sistema político,
por meio do voto periódico nas eleições, por exemplo,
pode ter importância pouco mais do que simbólica, e,
com efeito, é um lugar-comum entre os cientistas
políticos reconhecer que, em países com cidadania de
massas, apenas
uma minoria modesta participa constante e ativamente
dos assuntos do Estado ou das suas organizações de
massas. Isso é útil para os dirigentes e, na verdade,
políticos e pensadores moderados há muito tempo
mostram preferência por certo grau de apatia política.2
Mas esses
atos são importantes. Hoje nos defrontamos com um
divórcio bastante óbvio dos cidadãos com relação à esfera
da política. A participação nas eleições parece estar
caindo na maior parte dos países de democracia liberal.
Se a eleição popular é o critério principal da democracia
representativa, até que ponto se pode falar da
legitimidade democrática de uma autoridade eleita pela
terça parte do eleitorado potencial, como
é o caso do Congresso dos Estados Unidos, ou, como no
caso de governos locais na Grã-Bretanha ou do
Parlamento europeu, por algo como
10% ou 20% do eleitorado? Ou até de um presidente dos
Estados 103

Unidos eleito por pouco mais da metade dos 50% dos


americanos com direito a voto?
Do lado prático, os governos dos Estados-nações, ou dos
Estados territoriais modernos - quaisquer governos -,
apóiam-se em três presunções: primeiro, que eles têm
mais poder do que qualquer outra unidade que opere em
seus territórios; segundo, que os habitantes dos seus
territórios aceitam mais ou menos de bom grado sua
autoridade;
e terceiro, que eles podem proporcionar aos habitantes
serviços que de outra maneira não poderiam ser
prestados com efetividade, como é o caso da manutenção
da lei e da ordem. Nos últimos trinta ou quarenta anos,
essas presunções têm perdido cada vez mais a validade.
Em primeiro lugar, mesmo sendo consideravelmente mais
fortes do que quaisquer rivais internos, como os últimos
trinta
anos na Irlanda do Norte bem revelam, até os Estados
mais fortes, estáveis e efetivos perderam o monopólio
absoluto da força coercitiva. Isso é facilitado em grande
parte pela inundação de instrumentos de
destruição novos e portáteis, agora facilmente acessíveis
a pequenos grupos dissidentes, e pela extrema
vulnerabilidade da vida moderna a atos de
desorganização súbita, embora tênue. Em segundo lugar,
os dois pilares mais fortes do governo estável começaram
a fragilizar-se, notadamente (nos países com legitimidade
popular) a lealdade voluntária e a prestação de serviços
dos cidadãos ao Estado, e (nos países que não a têm) a
disposição de obedecer ao poder estatal estabelecido e
esmagador. Sem o primeiro pilar, as guerras totais
baseadas no serviço
militar obrigatório e na mobilização nacional teriam sido
tão impossíveis quanto aumentar a renda do Estado até
seu nível atual, que, permita-me lembrar, ultrapassa 40%
do produto interno bruto em alguns países e
chega a algo como 20% mesmo nos Estados Unidos e na
Suíça.
Sem o segundo, como revela a história da África e de
grandes regiões da Ásia, pequenos grupos de europeus
não teriam conseguido 104

manter o domínio colonial por gerações e a um custo


relativamente modesto.
A terceira presunção vem sendo afetada não só pelo
enfraquecimento
do poder do Estado, mas também, desde a década de
1970, pelo retorno, por parte de políticos e ideólogos, a
um laissezfaire ultra- radical, que critica o Estado e
sustenta que seu papel tem de ser reduzido a qualquer
preço. Essa linha argumenta, mais por convicção teórica
do que por evidência histórica, que todo e qualquer
serviço que as autoridades públicas podem proporcionar
ou são indesejáveis ou podem ser fornecidos pelo
"mercado" de maneira melhor, mais eficiente e mais
barata. Desde então, a substituição dos serviços públicos
(e, aliás, também os serviços cooperativos) por serviços
privados ou privatizados tem sido maciça.
Atividades características dos governos nacionais ou
locais, como as dos correios, prisões, escolas,
fornecimento de água e mesmo serviços sociais, têm sido
transformadas em empresas de negócios ou entregues a
elas; e os funcionários públicos, transferidos para
agências independentes ou substituídos por contratistas
comerciais. Até segmentos da atividade bélica têm sido
terceirizados. E, evidentemente, o modus operandi da
empresa privada com fim lucrativo tornou-se o modelo ao
qual até o governo aspira. Na
medida em que isso acontece, o Estado tende a confiar
nos mecanismos econômicos privados para substituir a
mobilização ativa e passiva dos seus cidadãos. Ao
mesmo tempo, não se pode negar que, nos países ricos
do mundo, os triunfes
extraordinários da economia põem à
disposição da maioria dos consumidores mais do que o
governo ou qualquer ação coletiva jamais prometeu ou
propiciou em tempos menos ricos.
Mas aí está precisamente o problema. O ideal da
soberania do mercado não é um complemento à
democracia liberal, e sim uma
alternativa a ela. É, na verdade, uma alternativa a todos os
tipos de política, pois nega a necessidade de decisões
políticas, que 105

são justamente aquelas relativas aos interesses comuns


ou grupais que se distinguem da soma das escolhas,
racionais ou não, dos indivíduos que buscam suas
preferências pessoais. Em todos os casos, ela sustenta
que o processo seletivo contínuo de descobrir o que as
pessoas desejam, que o mercado (e as pesquisas de
mercado)
proporciona, é necessariamente mais eficiente do que o
recurso ocasional ao método tosco de contar votos em
eleições. A participação no mercado substitui a
participação na política. O consumidor toma o lugar do
cidadão. Francis Fukuyama chega a argumentar que a
escolha de não
votar, assim como a escolha de ir a um supermercado e
não à lojinha da esquina, "reflete uma escolha
democrática que as populações fazem.
Elas querem a soberania do consumidor".3 Sem dúvida,
querem. Mas essa escolha é compatível com o que tem
sido visto como um sistema político liberal-democrático?
Assim, o Estado territorial soberano, que é o elemento
essencial
da política, democrática ou qualquer outra, está hoje mais
fraco do que nos períodos anteriores. O alcance e a
efetividade das suas atividades são menores do que nos
períodos anteriores. Seu controle sobre a obediência
passiva e sobre os serviços ativos dos seus súditos ou
cidadãos é declinante. Os dois séculos e meio de
crescimento ininterrupto do poder, do alcance, das
ambições e da capacidade de mobilizar os habitantes dos
Estados territoriais modernos, qualquer que seja a
natureza ou a ideologia dos seus regimes, parecem ter
chegado ao fim.
A integridade territorial dos Estados modernos (o que os
franceses chamam de "República una e indivisível") já não
é tida como inquestionável. Dentro de trinta anos haverá
uma Espanha, ou uma Itália, ou uma Grã-Bretanha una e
indivisível, como fulcro primordial da lealdade dos seus
cidadãos? Pela primeira vez em um século e meio, essa
pergunta pode ser realisticamente formulada. E todas
essas coisas não podem deixar de afetar as perspectivas
da democracia.

106

Em primeiro lugar, a relação entre os cidadãos e as


autoridades públicas torna-se mais remota e seus
vínculos, mais atenuados.
Houve um declínio acentuado daquele "caráter divino que
destaca" não só
os reis shakespearianos, mas também os símbolos
públicos de coesão nacional e de lealdade do cidadão em
qualquer sistema político legítimo, especialmente o
democrático: a presidência, a monarquia e, talvez de
maneira mais intensa na Grã-Bretanha, o Parlamento. O
que reflete melhor esse declínio do que o simples fato de
que a imagem oficial do Parlamento britânico que aparece
nas nossas telas de televisão mal tenta disfarçar
o grande número de cadeiras verdes vazias entre as
poucas figuras humanas presentes? Seus anais já não
são publicados, nem mesmo em folhas
soltas, exceto para servir como confrontações teatrais ou
anedotas.
Houve um declínio acentuado dos movimentos ou
mecanismos políticos que mobilizam os pobres
coletivamente e que davam algum significado real à
palavra "democracia".
Em conseqüência, houve um declínio na vontade dos
cidadãos de participar da política, assim como na
efetividade da maneira clássica - a única
legítima, segundo a teoria convencional - de exercer a
cidadania, ou seja, a eleição, por sufrágio universal, dos
que representam "o povo" e estão por isso mesmo
autorizados a governar
em seu nome. Entre as eleições - ou seja, por vários anos,
normalmente
-, a democracia existe apenas como ameaça potencial à
sua reeleição
ou à dos seus partidos. Mas isso é claramente irrealista,
tanto do ponto de vista dos cidadãos quanto do dos
governos. Daí a crescente vulgaridade intelectual da
retórica pública dos políticos democráticos, especialmente
em confronto com dois elementos do processo real da
política
democrática que se vêm tornando cada vez mais cruciais:
o papel da
imprensa moderna e a expressão da opinião pública por
ação (ou inação) direta.
Pois esses são os meios através dos quais algum controle
é
107

exercido sobre as ações dos governos entre as eleições.


Seu desenvolvimento também compensa o declínio na
participação cidadã
e na efetividade do processo tradicional do governo
representativo. As manchetes e, mais ainda, as
irresistíveis imagens de televisão são o objetivo imediato
de todas as campanhas políticas, porque são muito mais
efetivas do que a mobilização de dezenas de
milhares de pessoas. E evidentemente muito mais fáceis
de obter.
Já vão longe os dias em que todo o trabalho do gabinete
de um ministro se paralisava para que se desse resposta
a um questionamento crítico do Parlamento. É a
perspectiva da publicação das
investigações nos jornais que consome as atenções nas
salas dos
políticos e até dos chefes de governo. E não são os
debates parlamentares nem mesmo as políticas
editoriais que provocam as expressões de
descontentamento público, tão patentes que até os
governos que contam com as mais seguras maiorias têm
de dar-lhes atenção nos períodos não eleitorais - como as
que se referem ao imposto de renda, aos impostos sobre
os combustíveis e aos alimentos transgênicos. (Não estou
discutindo aqui se esses descontentamentos são
justificados.) E, quando essas questões surgem, não
adianta minimizá-las como manifestações de minorias
atípicas e não-eleitas, embora muitas vezes seja esse o
caso.
O papel central da grande imprensa na política moderna é
flagrante.
Graças a ela, a opinião pública é mais poderosa do que
em qualquer período anterior, o que explica a ascensão
ininterrupta das profissões que se especializam em
influenciá-la. Menos compreendido é o vínculo crucial que
existe entre a política de imprensa e a ação direta, ou
seja, a ação vinda de baixo e que influencia diretamente
os principais tomadores de decisões, ignorando os níveis
intermediários da representação governamental oficial.
Isso é particularmente óbvio quando tais níveis
intermediários não existem, isto é, nos assuntos
transnacionais. Estamos todos familiarizados com o
chamado efeito CNN:
O sentimento 108

politicamente poderoso, mas totalmente desestruturado,


de que
"algo precisa ser feito" em função das imagens televisivas
de terríveis atrocidades cometidas - no Curdistão, no
Timor ou onde quer que seja
-, cuja força é tão grande que gera em resposta ações
governamentais mais ou menos improvisadas. Mais
recentemente, as demonstrações em Seattle e em Praga
mostraram a efetividade que têm as ações diretas
bem enfocadas, realizadas por pequenos grupos atentos
às câmeras, mesmo sobre organizações construídas para
serem imunes aos processos políticos democrá ticos,
como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.
Se hoje aparecem editoriais como "Líderes financeiros do
mundo escutam advertências",4 isso se deve, pelo menos
em parte, aos fotogênicos combates havidos entre grupos
violentos de manifestantes com balaclavas negras e
policiais antidistúrbio armados com capacetes e escudos,
como nas batalhas medievais, que apareceram na maior
parte das manchetes e destaques da imprensa.
Tudo isso revela o que talvez seja o problema mais
imediato e sério para a democracia liberal. Em um mundo
transnacional e
cada vez mais globalizado, os governos nacionais
coexistem com
forças que têm pelo menos o mesmo impacto sobre a vida
diária
dos cidadãos e que estão, em diferentes graus, fora do
seu controle. E, no entanto, eles não têm a opção política
de abdicar ante as forças que lhe escapam ao controle,
ainda que quisessem fazê-lo. Declarações de impotência
a respeito das tendências históricas dos preços do
petróleo não são tema de política porque, quando algo
não sai bem,
os cidadãos, inclusive executivos de empresas, têm a
convicção, não destituída de fundamento, de que o
governo pode
e deve fazer algo a respeito, mesmo em países como a
Itália, onde praticamente nada se espera do Estado, ou os
Estados Unidos,
onde grande parte do eleitorado não acredita no Estado.
Afinal, é para essas coisas que o governo existe.
Mas o que é que o governo pode e deve fazer? Mais do
que no
109

passado, ele vive sob uma incessante pressão da opinião


pública e
é sensível a ela - e por isso a monitora continuamente.
Isso restringe suas escolhas. Não obstante, os governos
não podem parar de governar.
Na verdade, seus peritos em relações públicas insistem
em que eles têm
de aparecer constantemente aos olhos do público como
entidades que estão
governando, o que, como bem reflete a história britânica
recente, significa uma multiplicação de gestos, anúncios e,
por vezes, projetos de lei desnecessários. Contudo,
mesmo sem o imperativo das relações públicas e ao
contrário dos sonhos dos que desejariam ver um mundo
inteiramente (e benignamente) governado pela "mão
invisível" de Adam Smith, as autoridades públicas de hoje
vêem-se constantemente às voltas com a tomada de
decisões a respeito de interesses comuns que são
ao mesmo tempo técnicos e políticos. E, nesses casos, os
votos democráticos (assim como as escolhas dos
consumidores no mercado) não oferecem nenhuma
orientação. No máximo, eles serão
um freio ou um acelerador. As conseqüências ambientais
do crescimento ilimitado dos meios de transporte e as
melhores maneiras de tratar dessa questão não se
descobrem simplesmente fazendo
um plebiscito. Além disso, tais maneiras podem bem ser
impopulares. E em uma democracia não é bom dizer ao
eleitorado o que ele não quer ouvir. Como se podem
organizar racionalmente as finanças do Estado,
se os governos estão convencidos de que qualquer
proposta de aumento da carga tributária em qualquer
parte significa um suicídio eleitoral? Ou se as campanhas
eleitorais se tornam, por isso mesmo, concursos de
perjúrios fiscais e se os orçamentos governamentais são
exercícios de encobrimento? Em síntese, a "vontade do
povo", ainda que expressa, não pode determinar as
tarefas efetivas e específicas do governo. Tal como
observado pelos pouco lembrados teóricos da democracia
Sydney e BeatriceWebb, a propósito dos sindicatos, ela, a
"vontade do povo", não julga os projetos, e sim o
resultado deles. E as conseqüências
110

são imensuravelmente superiores quando ela se expressa


contra, e não a favor. E, quando alcança vitórias negativas
maiúsculas, como o fim de cinqüenta anos de governos
corruptos na Itália e no Japão, não é capaz de discernir
por si mesma uma alternativa. Vejamos se conseguirá
fazê-lo na Sérvia.
No entanto, o governo é para o povo. Seus efeitos devem
ser julgados em função do que ele faz para o povo. Ainda
que desinformada, ignorante ou mesmo estúpida, a
"vontade do povo" é indispensável, por mais que sejam
inadequados os métodos para
revelá-la. De que outro modo poderíamos avaliar a
maneira pela
qual as soluções técnico-políticas para os problemas da
humanidade, mesmo aquelas que são tecnicamente
corretas e satisfatórias de outros pontos
de vista, afetam a vida de seres humanos reais? Os
sistemas soviéticos fracassaram porque não havia trânsito
de mão dupla entre os que tomavam as decisões "no
interesse do povo" e os que as recebiam como imposição.
A globalização de estilo laissezfaire dos últimos vinte anos
cometeu o mesmo erro. Ela foi obra de governos
que sistematicamente removeram todos os obstáculos
que se lhe antepunham, seguindo os conselhos dos
economistas
mais influentes, autorizados e tecnicamente competentes.
Depois de vinte anos sem prestar atenção nas
conseqüências sociais e humanas de um capitalismo
global incontido, o presidente do
Banco Mundial chegou à conclusão de que, para a maior
parte da população mundial, a palavra "globalização"
sugere "medo e insegurança" em vez de "oportunidade e
inclusão".5 Até Alan Greens pan e o secretário do Tesouro
dos Estados Unidos, Larry Summers, concordam em que
"a antipatia à globalização é tão profunda" que o recuo
das políticas de mercado e o retorno ao protecionismo
"são possibilidades reais".
E, no entanto, é inegável que na democracia liberal
dar atenção à vontade do povo torna mais difícil o ato de
governar. As soluções ideais praticamente já não estão à
disposição dos governos.
111

Sfto aquelas nas quais os médicos e os pilotos de avião


confiavam
no passado e ainda tentam confiar hoje, em um mundo
cada vez mais desconfiado. Elas tinham por base a
convicção popular de
que nós e eles compartilhamos os mesmos interesses.
Não dizíamos a
eles como servir-nos, pois como não somos peritos não
poderíamos fazê-lo, mas, até que algo de errado
acontecesse, nós lhes dávamos nossa confiança. Poucos
governos - o que não se aplica aos regimes políticos -
gozam hoje dessa fundamental confiança antecipada. Nas
democracias liberais, isto é, multipartidárias, eles
raramente contam com a maioria real dos votos, para não
dizer do eleitorado. (No Reino
Unido, desde 1931 nenhum partido obteve mais de 50%
dos votos; e, desde a coalizão do tempo da guerra,
nenhum governo representou uma maioria clara.) As
velhas escolas e os velhos dínamos da democracia, os
partidos e organizações de massas, que no passado
proporcionaram aos
"seus"
governos essa confiança apriorística e apoio constante,
esfa- celaram-se. Na imprensa, onipresente e todo-
poderosa, co-pilotos sem volante nas mãos proclamam
uma competência rival à do governo e comentam
ininterruptamente seu desempenho.
Nessas circunstâncias, para os governos democráticos a
solução mais conveniente, e em muitos casos a única, é
manter a tomada das
decisões o mais afastada possível do alcance da
publicidade e da própria política, ou pelo menos contornar
o processo da governança

representativa, o que significa, em última análise, o


eleitorado e as atividades das assembléias e outras
agências eleitas por ele. (Os Estados Unidos -
reconhecidamente um caso extremo - só conseguem
funcionar como um Estado governado com coerência
porque os presidentes por vezes encontram maneiras de
contornar os rituais do Congresso
democraticamente eleito.) Mesmo na Grã-Bretanha, a
notável centralização de um poder decisório que já era
forte veio acompanhada da diminuição das atribuições da
Câmara dos Comuns e de uma transferência
112

maciça de funções para instituições não-eleitas, públicas e


privadas, tanto durante os governos conservadores
quanto durante os trabalhistas. Boa parte das decisões
políticas é negociada nos bastidores. Isso aumentará a
desconfiança dos cidadãos com relação aos governos e o
mau
conceito que eles têm dos políticos. Os governos se
empenharão em uma guerra de guerrilha permanente
contra a coalizão formada entre a imprensa
e os interesses de campanha, minoritários e bem
organizados. A imprensa verá cada vez mais como sua
função a publicação daquilo que os governos prefeririam
manter em silêncio, ao mesmo tempo em que depende
dos propagandistas das instituições que ela deve criticar
para preencher suas telas e páginas. Aí está a ironia de
uma sociedade baseada em um fluxo ilimitado de
informações e lazer.
Qual é, então, o futuro da democracia liberal nesta
situação?
No papel, ele não parece muito desanimador. Exceto a
teocracia islâmica, já não há movimentos políticos
poderosos que desafiem, em princípio, essa forma de
governo e nada indica que isso venha a ocorrer no futuro
imediato. A segunda metade do século XX foi a idade
do ouro das ditaduras militares, que constituíram,
para os regimes eleitorais do Ocidente e das ex-colônias,
uma ameaça
muito mais forte do que o comunismo. O século não
parece tão favorável a elas-nenhum dos numerosos
Estados ex-comunistas escolheu esse caminho
- e, de qualquer maneira, praticamente todos esses
regimes carecem da coragem das convicções
antidemocráticas e se proclamam simplesmente
defensores da Constituição até a data (não especificada)
do retorno ao regime civil. Isso não quer dizer que
estejamos testemunhando o fim dos governos instalados
por soldados e tanques nas esquinas das cidades,
sobretudo nas muitas regiões em que prevalecem a
pobreza e a inquietação social.
Enfim, quaisquer que fossem as expectativas antes dos
terremotos
econômicos de 1997-98, já está claro, agora, que a utopia
de

"3

um mercado de tipo laissez-faire, global e anárquico não


aconte cerá.
A maior parte da população mundial, e com certeza os
que vivem em regimes de democracia liberal que
merecem o nome,
continuará, portanto, a viver em Estados
operacionalmente efeti vos, embora, ao mesmo tempo,
em algumas regiões menos felizes, o poder e a
capacidade administrativa do Estado tenham virtualmente
se desintegrado. A maior parte dos membros das Nações
Unidas tratará de tirar o melhor proveito possível de um
sistema político novo, ou (como em grandes áreas da
América Latina) de um sistema que lhes é, ainda que
intermitentemente,
familiar. Não dará certo sempre, mas algumas vezes pode
ser que sim. A política, por conseguinte, continuará. Como
continuaremos a viver em um mundo populista, em que os
governos têm de levar em conta "o
povo", e o povo não pode viver sem os governos, as
eleições democráticas também continuarão. Hoje existe
um reconhecimento praticamente universal de que elas
dão legitimidade e proporcionam aos governos,
paralelamente, um modo conveniente de consultar "o
povo" sem necessariamente assumir qualquer
compromisso muito concreto.
Em resumo, enfrentaremos os problemas do século XXI
com um conjunto de mecanismos políticos flagrantemente
inadequados para resolvê-los.
Esses mecanismos estão efetivamente confinados no
interior das fronteiras dos Estados nacionais, cujo número
está em crescimento, e se defrontam com um mundo
global que está fora do seu alcance operacional. Nem
sequer está claro até que ponto eles podem ser aplicados
em territórios vastos e heterogêneos que têm esquemas
políticos comuns, como a União
Européia. Eles se defrontam e competem com uma
economia
mundial que opera efetivamente por meio de instâncias
bem distintas, para as quais considerações de
legitimidade política e de comunidade de interesses não
são aplicáveis - as empresas transnacionais. Essas
empresas contornam a política na medida das
114

possibilidades, que são muitas. Acima de tudo, os


mecanismos políticos enfrentam os problemas
fundamentais do futuro do mundo em uma era em que o
impacto das ações humanas sobre a natureza e o próprio
planeta como um todo tornou-se uma força
de proporções geológicas. A solução, ou a mitigação,
desses problemas requererá - tem de requerer - medidas
que, com quase toda a certeza, não encontrarão apoio na
contagem de votos nem na determinação das preferências
dos consumidores. Esta não é uma perspectiva
encorajadora, seja para a democracia a longo prazo, seja
para o planeta.
Enfrentamos o terceiro milênio como o irlandês anônimo
que, perguntado sobre o caminho para Ballynahinch,
refletiu e disse: "Se eu fosse você, não começaria por
aqui".
Mas é por aqui que temos de começar.
115

7. A disseminação da democracia
Estamos atualmente engajados no que pretende ser um
reordenamento planejado do mundo, protagonizado pelos
países poderosos. As guerras do Iraque e do Afeganistão
são apenas uma parte de um esforço supostamente
universal de criação de uma nova ordem mundial por meio
da "disseminação da democracia".
Essa idéia não é apenas quixotesca: é perigosa. A retórica
que envolve essa cruzada implica que tal sistema é
aplicável de forma padronizada (ocidental), que pode ter
êxito em todos os lugares, que pode remediar os dilemas
transnacionais do presente e que
pode trazer a paz, em vez de semear a desordem. Não é
verdade.
Com justiça, a democracia é popular. Em 1647, os
Levellers divulgaram, na Inglaterra, a poderosa idéia de
que "todo governo depende do livre assentimento do
povo". Eles se referiam ao voto para todos.
Evidentemente, o sufrágio universal não assegura
nenhum resultado político particular, e as eleições não
podem nem sequer assegurar sua própria perpetuação -
do que dá testemunho a
República de Weimar. Tampouco é provável que a
democracia eleitoral produza resultados convenientes às
potências hegemônicas
116

ou imperiais. (Se a Guerra do Iraque dependesse da livre


expressão do assentimento da "comunidade
internacional", ela
não teria ocorrido.) Mas essas incertezas não diminuem a
atração exercida pelas eleições democráticas.
Além dessa popularidade da democracia, vários outros
fatores explicam a crença, ilusória e perigosa, de que sua
propagação
por parte de exércitos estrangeiros é factível. A
globalização sugere que os assuntos de interesse humano
geral estão se encaminhando
para um patamar universal. Se os postos de gasolina, os
iPods e os fanáticos da informática são iguais em todo o
mundo, por que as instituições políticas não podem sê-lo?
Essa visão subestima a complexidade do mundo. A
recaída na carnificina e na anarquia
que ocorreu de maneira tão visível em boa parte do
planeta tam- bém contribuiu para tornar mais atraente a
idéia da disseminação de uma nova ordem. Os Bálcãs
pareceram demonstrar que áreas de
conflitos e catástrofes humanas requerem, se necessário,
a intervenção militar de países fortes e estáveis. Na
ausência de uma governança internacional efetiva, alguns
interesses humanitários continuam dispostos
a apoiar uma ordem mundial imposta pelo poder dos
Estados Unidos. Contudo, é sempre bom suspeitar
quando as potências militares afirmam estar fazendo
favores às suas vítimas e ao mundo ao derrotar e ocupar
países mais fracos.
Mas pode ser que outro fator seja o mais importante: os
Estados Unidos mantêm-se prontos, com a necessária
combinação de megalomania e messianismo derivada das
suas origens revolucionárias. Hoje, eles
são inexpugnáveis em sua supremacia tecnomilitar, estão
convencidos da superioridade do seu sistema social e,
desde 1989, carentes de uma
percepção concreta-que nunca faltou nem mesmo aos
grandes impérios conquistadores - de que seu poder
material tem limites. Tal como o presidente Woodrow
Wilson, um caso espetacular de fracasso internacional à
sua época, os ideólogos de hoje vêem nos Estados
Unidos o funcionamento 117

de uma sociedade-modelo: uma combinação de estado


de direito, liberdade, empresas privadas competitivas e
eleições regulares e disputadas em sufrágio universal. Só
falta refazer o mundo à imagem e semelhança dessa
"sociedade livre". Essa idéia está sendo
perigosamente subestimada. Embora a ação das grandes
potências possa
ter conseqüências moral ou politicamente desejáveis, uma
identificação com ela é perigosa porque a lógica e os
métodos da ação do Estado não são iguais aos dos
direitos universais. Todos os países existentes põem seus
próprios interesses em primeiro lugar. Se eles têm o poder
necessário e se o objetivo é considerado suficientemente
importante, os países encontram maneiras de justificá-lo e
os meios para alcançá-lo ( embora raramente em público)
- em particular quando crêem que Deus está do seu lado.
Tanto os impérios bons quanto os maus produziram os
aspectos bárbaros da nossa época, aos quais agora se
soma a
"guerra contra o terrorismo".
Além de ameaçar a integridade dos valores universais, a
campanha para disseminar a democracia não terá êxito. O
século XX demonstrou
que os países não conseguem simplesmente refazer o
mundo ou abreviar as transformações históricas.
Tampouco podem produzir mudanças sociais com o
simples transplante de instituições através das fronteiras.
Mesmo no interior dos Estados nacionais territoriais, as
condições para um governo efetivamente democrático são
raras: um país real, que goze de
legitimidade, assentimento e capacidade de mediar
conflitos entre grupos internos.
Sem esse consenso, não há um povo que seja o soberano
único e, por conseguinte, não há legitimidade para as
maiorias aritméticas.
Quando falta esse consenso-seja religioso, étnico ou
ambas as coisas
-, a democracia fica suspensa (como no caso das
instituições democráticas da Irlanda do Norte), o país se
divide (como na Tche coslováquia), ou a sociedade cai em
guerra civil permanente (como no Sri Lanka). A
"disseminação da democracia" agravou conflitos 118

étnicos e produziu a desintegração de países em regiões


multinacionaispu multicomunitárias, tanto depois de 1918
quanto depois de
1989, o que nos dá uma perspectiva desanimadora.
Além de ter possibilidades muito baixas de êxito, o esforço
de disseminar a democracia ocidental padronizada sofre
também de
um paradoxo fundamental. Em grande medida, ela é
concebida
como solução para os perigosos problemas transnacionais
dos nossos dias. Uma parcela crescente da vida humana
ocorre atualmente fora do âmbito de influência dos
eleitores - em entidades transnacionais públicas e
privadas que não têm eleitorados, ou pelo menos
eleitorados democráticos. Uma democracia eleitoral não
pode funcionar efetivamente fora de unidades políticas
como os Estados nacionais. Os países poderosos estão,
portanto, tratando de disseminar um sistema que até eles
próprios consideram
inadequado para enfrentar os desafios da nossa época. A
Europa o comprova. Um organismo como a União
Européia pôde evoluir no rumo de uma estrutura poderosa
e efetiva precisamente porque não tem um eleitorado
maior do que o reduzido número (ainda que crescente) de
Estados-membros. Não fosse pelo seu "déficit
democrático", a União
Européia não iria para nenhum lugar, e não pode haver
nenhum futuro para seu Parlamento porque não existe um
"povo europeu", e sim um conjunto de"povos-membros",
dos quais menos da metade se deu ao trabalho de votar
nas eleições parlamentares da União Européia em
2004. A "Europa" é, hoje, uma entidade que funciona,
mas, ao contrário dos Estados-membros, ela não goza de
legitimidade popular nem de autoridade eleitoral. Não
surpreende, assim, que os problemas tenham surgido logo
que a União Européia foi além das negociações entre os
governos e se tornou tema de campanha eleitoral nos
Estados-membros.
Por mais desejável que seja, a democracia não é um
instrumento eficaz para resolver os problemas globais ou
transnacionais.
119

O esforço de disseminar a democracia também é perigoso


por um motivo mais indireto: dá às pessoas que não
usufruem dessa forma de governo a ilusão de que ela
realmente governa os que
vivem sob sua vigência. Mas será verdade? Hoje
sabemos algo a res- peito da maneira pela qual foram
tomadas as decisões de ir à guerra contra o Iraque em
pelo menos dois países de inquestionáveis cre- denciais
de boa-fé democrática: os Estados Unidos e o Reino
Unido. Sem mencionar seu envolvimento com problemas
com- plexos de ocultamentos e enganos, a democracia
eleitoral e as
assembléias participativas tiveram pouco a ver com esse
processo. As decisões foram tomadas em privado por
pequenos grupos de pessoas, de um modo que não é
muito diferente do que teria ocor- rido em países não-
democráticos. Por sorte, a autonomia da imprensa
não pôde ser tão facilmente posta de lado no Reino Unido.
Mas não é a democracia eleitoral que necessariamente
assegura a liberdade da imprensa, os direitos dos
cidadãos e um poder judiciário independente.
120

8.0 terror
A natureza do terror político mudou no final do século XX?
Comecemos com o inesperado aumento da violência em
uma ilha até então pacífica, Sri Lanka, compartilhada por
uma maioria de
cingaleses budistas (cuja religião e cuja ideologia são
altamente hostis à violência) e uma minoria tâmil, cujos
membros migraram
a partir do Sul da índia séculos atrás e também acorreram
à ilha como mão-de-obra para os cultivos de exportação
no final do século XIX. (O hinduísmo que eles professam
tampouco é propenso à violência.) O movimento
antiimperialista no Sri Lanka não tinha
grande militância nem era particularmente efetivo e o país
conquistou a liberdade mansamente-na verdade, como
um subproduto da independência da índia. No seu tempo
de colônia, o Sri Lanka tinha um Partido Comunista
diminuto e, curiosamente, um Partido Trotskista muito
mais forte, ambos liderados por pessoas cultas e afáveis,
membros da elite ocidentalizada e ambos, como bons
marxistas, avessos ao terrorismo.
Não havia tentativas de insurreição. Após a
independência, o país tomou um rumo moderadamente
socialista, que trouxe excelentes resultados
121

para o bem-estar e a expectativa de vida da população.


Em síntese, para os padrões asiáticos, o Sri Lanka era,
antes da década de 1970, uma rara ilha de civilidade,
como a Costa Rica e (também até a década de 1970) o
Uruguai na América Latina. Hoje, o país se afoga em
sangue.
Os tâmeis, minoria de 25% da população, sobre-
representada nas profissões mais intelectuais,
desenvolveram um ressentimento compreensível contra
um regime cingalês que, na década de 1950, decidiu
trocar o inglês pelo cingalês como língua oficial
do governo. Na década de 1970, um movimento
separatista tâmil, não sem o apoio de um estado do Sul da
índia, desenvolveu organizações armadas, antecessoras
do atual grupo de libertação Tigres
Tâmeis, que vem conduzindo uma guerra civil efetiva
desde meados da década de 1980. Eles são mais
conhecidos como os grandes
pioneiros - e provavelmente os maiores operadores - dos
homens-bombas.
Apropósito, sua ideologia é secularista, sem a usual
motivação religiosa.
Os tâmeis não têm força suficiente para fazer a secessão
e o Exército do Sri Lanka é demasiado fraco para derrotá-
los em termos militares. A
intransigência de parte a parte ensejou a continuação
da guerra, apesar de várias tentativas (índia, Noruega) de
promover um acordo.
Enquanto isso, duas coisas aconteceram na sociedade
cingalesa majoritária. Tensões etnolingüísticas criaram
uma forte rea ção cingalesa, que tomou a forma de uma
ideologia baseada no budismo e em um conceito de
superioridade racial, uma vez que a língua cingalesa é
indoeuropéia ("ariana"). Curiosamente, esse racismo está
na tradição da índia hinduísta e, na verdade, no Sri Lanka,
como no Paquistão, o
velho sistema de castas ainda pode ser observado por
baixo da superfície igualitária oficial. Ao mesmo tempo, no
início da década de 1970, o Front de Liberação do Povo
[Janatha Vimukthi Peramuna - JVP], um grupo de
esquerda baseado principalmente na juventude cingalesa
culta que não
122

encontrava empregos convenientes e em idéias castristas


com
toques de maoísmo, além de um grande ressentimento
contra a velha elite sociopolítica, organizou uma
importante insurreição, a qual foi
derrotada com certa dureza, o que levou muitos jovens à
prisão por algum tempo. A partir dos vestígios dessa
rebelião juvenil, ao estilo de maio de 1968, surgiu uma
organização militante e terrorista baseada sobretudo no
campo e que modulava o maoísmo original com um
apaixonado chauvinismo cingalês racista e budista. Na
década de 1980, o JVP organizou uma campanha de
assassinatos sistemáticos contra adversários
políticos, que transformou a política em uma atividade de
alto risco.
(A recém-saída presidente do Sri Lanka viu seu pai,
exprimeiro-ministro, seu marido serem assassinados na
sua frente e perdeu um olho em tentativas similares de
assassinato contra ela própria.) O terror também foi usado
sistematicamente para impor o controle sobre as
aldeias e vilas do interior.
Tal como no caso do movimento maoísta Sendero
Luminoso,
no Peru, na década de 1980, é impossível saber até que
ponto o JVP tinha apoio popular inicial, até que ponto esse
apoio se esvaiu por causa do terror e até que ponto, por
outro lado, o terror foi contrabalançado pelo ressentimento
contra a repressão governamental e gerou ceticismo a
respeito dos revolucionários. Duas coisas
são claras. O JVP tinha apoio de massa em setores da
população trabalhadora
rural cingalesa, cujos membros cultos propiciavam-lhe os
quadros; e o jvp praticava muitos assassinatos, na
maior parte das vezes protagonizados por um conjunto de
pessoas que na América Latina seriam chamados
sicários, ou assassinos de encomenda. O assalto do JVP
ao poder foi derrotado da mesma maneira, ou seja, em
processo equivalente às "guerras sujas" latino-
americanas, que visavam à eliminação dos chefes e dos
quadros rebeldes. Estima-se que, até meados da
década de 1990, cerca de 60 mil pessoas tenham perdido
a vida nesses conflitos. Desde suas origens, no final da
123

década de 1960, o JVP tem estado ora dentro, ora fora do


esquema da política oficial no país.
Parece evidente que o Sri Lanka é apenas um exemplo do
notável aumento da violência política na última parte do
século XX, assim como da sua mutação. Outro exemplo,
ainda mais importante, é a ascensão e a justificação
teórica dos assassinatos indiscriminados como uma forma
de terrorismo de grupos
pequenos. Com raras exceções, essa prática fora
condenada pelos movimentos terroristas mais antigos e
evitada por movimentos recentes, como o ETA, na
Espanha, e o IRA Provisório, na Irlanda do Norte. No
mundo muçulmano, as justificativas teológicas - por
exemplo, a permissão de matar como "apóstata" qualquer
pessoa
que viva fora de uma forma de ortodoxia altamente
restritiva - parecem ter sido revividas no começo da
década de 1970 por um grupo
extremista pré-Al-Qaeda que se separou da já tradicional
Irmandade Muçulmana, no Egito. O decreto religioso da
assessoria
religiosa de Osama bin Laden que autorizou o assassinato
de inocentes só foi emitido em 1992.1
A questão do "porquê" é demasiado ampla para este
ensaio, além de ser difícil desemaranhá-la de um aumento
generalizado,
nas sociedades ocidentais, dos níveis de aceitação da
violência e da
ação não-institucional, tanto em imagens quanto na
realidade. Isso se segue a um longo período em que, na
maior parte dessas sociedades, a expectativa era de que
a civilização propiciasse o declínio permanente dessas
manifestações.
Seria tentador dizer que a violência social generalizada e
a violência política não têm nada a ver uma com a outra,
uma vez que alguns dos piores surtos de violência política
podem ocorrer em países com notável tradição de não-
violência política e social, como
Sri Lanka e Uruguai. Todavia, as duas não podem manter-
se separadas em países de tradição liberal, quando mais
não seja porque
esses são os países em que a violência política não oficial
destacou-se 124

no terço final do século XX, assim como, em


conseqüência, a contraviolência do Estado, usualmente
maior. Países ditatoriais ou autoritários deixam pouca
margem para isso enquanto permane-
cem no poder, do mesmo modo que oferecem pouco
campo de
ação para atividades políticas não-oficiais e não-violentas.
O aumento da violência em geral faz parte do processo de
barbarização que tomou força no mundo desde a Primeira
Guerra Mundial e que focalizei em outros trabalhos. Seu
progresso é particularmente notável nos países com
Estados fortes e estáveis e
instituições políticas liberais (em teoria), em que o
discurso público e as instituições políticas distinguem
apenas dois valores absolutos
e mutuamente excludentes - a "violência" e a "não-
violência".
Essa foi uma outra forma de estabelecer a legitimidade do
monopólio da força coercitiva por parte do Estado
nacional, que acom-panhou o
desarmamento da população civil nos países
desenvolvidos no século XIX, com exceção
dos Estados Unidos, que, por conseguinte, toleraram um
grau maior de violência na prática, embora não em teoria.
Desde o final da década de 1960, os Estados perderam
em parte esse monopólio de
poder
e de recursos e perderam também algo mais do sentido
de legitimidade que faz com que os cidadãos respeitem a
lei. Isso basta para explicar em grande medida o aumento
da violência.
A retórica liberal nunca foi capaz de reconhecer que
nenhuma sociedade opera sem alguma violência na
política-ainda que na forma quase simbólica de piquetes
de greve ou de demonstrações de massa-e que
a violência tem graus e regras, como todos sabem em
sociedades onde ela faz parte do tecido das relações
sociais e como a Cruz Vermelha Internacional tenta
constantemente fazer recordar aos
barbarizados beligerantes do século XXI.
A casuística teológica ou legal da Al-Qaeda e dos
defensores da "rendição" é necessária precisamente
porque as regras tradicionais que eles quebram - as
restrições do Corão ao assassinato e a
125

repulsa à tortura - têm raízes muito profundas. Mas,


quando as sociedades ou grupos sociais que não estão
acostumados a um grau elevado de violência social vêem-
se envolvidos por ela, ou quando as regras da
normalidade se rompem nas sociedades
tradicionalmente violentas, os limites estabelecidos para o
emprego ou para o grau da violência podem desaparecer.
É minha impressão, por
exemplo, que as rebeliões camponesas tradicionais, se se
leva em conta o caráter relativamente brutal da vida e do
comportamento rural, normalmente não são
particularmente sangrentas
e em geral são menos sangrentas do que a repressão que
sofrem. Nas ocasiões em que elas derivaram em
massacres ou atrocidades,
quase sempre essa atitude foi dirigida contra pessoas
específicas, ou categorias de pessoas e propriedades-por
exemplo, contra casas
de pessoas abastadas -, enquanto outras eram
especificamente poupadas por terem boa reputação. Os
atos de violência não eram arbitrários, pois quase se pode
dizer que faziam parte de um ritual determinado pela
ocasião. Não foi a revolução de 1917, e sim a guerra civil
na Rússia que gerou os massacres rurais naquele país.
Mas, quando os freios ao comportamento costumeiro
falham, os resultados podem ser terríveis. Uma das
razões pelas quais os narcobandidos colombianos tiveram
tanto êxito nos Estados Unidos,
creio eu, foi o fato de que em sua luta contra os rivais eles
deixaram de seguir a velha convenção machista de não
matar as mulheres e
os filhos dos adversários.
Essa degeneração patológica da violência política
aplicase tanto a
forças insurgentes quanto às do Estado. Ela resulta tanto
da anomia crescente da vida dos centros urbanos,
especialmente entre os jovens, quanto da disseminação
da cultura da droga e da posse privada de armas. Ao
mesmo tempo, o declínio da velha instituição do
recrutamento militar e o surgimento de soldados
profissionais em tempo integral - em particular das forças
especiais de elite-anulam as inibições de homens que
permanecem essencialmente
126

civis e não têm o espírito corporativo dos agentes do


Estado dedicados apenas ao uso da força. Enquanto isso,
ocorreu uma abolição virtual dos limites convencionais
que se aplicavam ao que pode ser mostrado, dito e escrito
em uma imprensa onipresente e onienvolvente. As
imagens, os sons e as palavras que descrevem a
violência em suas formas extremas fazem parte da vida
cotidiana, e os controles sociais que se antepunham à
prática dessa violência ficaram, em conseqüência,
enfraquecidos.
Na Rússia soviética - ou pelo menos nas cidades que
dispunham de dados criminológicos adequados -, algo
entre 80% e 85% dos homicídios eram praticados sob
influência do álcool. Hoje já não se precisa desse
supressor de inibições.
Existe, no entanto, um fator mais perigoso na geração da
violência sem limites. É a convicção ideológica, que desde
1914
domina tanto os conflitos internos quanto os
internacionais, de que a causa que se defende é tão justa,
e a do adversário é tão
terrível, que todos os meios para conquistar a vitória e
evitar a derrota não só são válidos como necessários. Isso
significa que tanto os
Estados quanto os insurgentes sentem ter uma
justificativa moral para o barbarismo. Viu-se na década de
1980 que jovens militantes do Sendero Luminoso podiam
perfeitamente matar dezenas e dezenas de
camponeses sem nenhum problema de consciência:
afinal, eles não estavam se comportando como indivíduos
que agissem com base em sentimentos pessoais a
respeito do que ocorria, mas como soldados dedicados a
uma causa.2 Tampouco os homens do Exército ou da
Marinha que treinavam recrutas na prática de técnicas de
tortura nos corpos de prisioneiros políticos eram
necessariamente sádicos e embrutecidos em sua vida
privada. Tal como os ss, que eram efetivamente punidos
em casos de assassinatos particulares, ao mesmo tempo
que eram treinados para
cometer assassinatos em massa com toda a calma,3 isso
tornou suas atividades mais, e não menos, condenáveis.
A ascensão do
127

megaterror no século passado não reflete "a banalidade


do mal", e sim a substituição dos conceitos morais por
imperativos superiores. No entanto, pelo menos
inicialmente, o caráter imoral desses procedimentos pode
ser reconhecido, como nos regimes militares
da América Latina, quando podia acontecer de todos os
militares argentinos de uma unidade serem obrigados a
tomar parte em sessões de tortura, para que entre eles se
criasse um vínculo de cumplicidade em torno do que já
então era considerado uma infâmia coletiva.
Pode-se temer que a aceitação da tortura tenha se
tornado tão rotineira que essas medidas já não precisem
ser tomadas no
século XXI.
A ascensão da barbárie tem sido contínua, mas não
uniforme. Ela atingiu o nível máximo de desumanidade
entre 1914 e o final da década de 1940, a era das duas
guerras mundiais e de suas
conseqüências revolucionárias, e a de Hitler e Stálin. A
Guerra Fria trouxe uma clara melhoria no Primeiro e no
Segundo Mundo - os países desenvolvidos capitalistas e a
área soviética, - mas não no Terceiro Mundo. Isso não
significa que a barbárie tenha na verdade diminuído. No
Ocidente, esse foi o período (aproximada-mente 1960-85)
em que se produziu o surto de torturadores treinados
oficialmente e ocorreu uma
onda sem precedentes de regimes militares na América
Latina e no Mediterrâneo, que faziam a "guerra suja"
contra seus próprios cidadãos. Todavia, muitos tinham a
esperança de que após a grande mudança de 1989 o
nevoeiro de guerras religiosas que saturou o século se
disper- saria, dissipando, assim, uma das fontes principais
do barbarismo.
Infelizmente isso não aconteceu. Por um lado, a escala
dos sofrimentos humanos aumentou terrivelmente na
década de 1990 e, por outro lado, as guerras religiosas
que eram alimentadas por ideologias seculares
expandiram-se com o retorno a várias formas de
fundamentalismo religioso que se manifestam em
cruzadas e contracruzadas.
128

Além do sangue derramado e da destruição causada


pelas
guerras entre países ou por eles apoiadas (por exemplo, a
Guerra do Vietnã, as confrontações indiretas entre as
superpotências na
década de 1970 na África e no Afeganistão, as guerras
indo-paquistanesas e entre Irã e Iraque), houve três
grandes episódios ou surtos
de violência e contraviolência política desde a década de
1960.
O primeiro foi um renascer do que se pode chamar
apropriadamente de "neoblanquismo", nas décadas de
1960 e 1970, que consistiu em tentativas por parte de
certos grupos de elite, em geral pequenos e
autoproclamados, empenhados em derrubar regimes ou
em alcançar objetivos nacionalistas-separatistas por meio
da ação armada. Esse tipo de violência limitou-se
basicamente à Europa ocidental, onde tais grupos,
compostos sobretudo por integrantes da classe média e
em geral carentes de apoio popular fora das universidades
(exceto na Irlanda do
Norte), valiam-se muito de atos terroristas capazes de
atrair a atenção da imprensa (a Fração do Exército
Vermelho na Alemanha Ocidental) e também de golpes
bem focalizados e capazes de desestabilizar a alta política
de seus países, como o assassinato do suposto
sucessor do general Franco em 1973 (pelo ETA) e o
seqüestro e a morte do primeiro- ministro da Itália, Aldo
Moro, em 1978 (pelas Brigadas Vermelhas). Na América
Latina, esses grupos tentaram sobretudo iniciar guerrilhas
e operações armadas com unidades maiores
normalmente em áreas rurais, mas, em alguns casos
(Venezuela, Uruguai), também nas cidades.
Algumas dessas operações foram bastante sérias - nos
três anos da insurreição dos Montoneros, na Argentina, as
forças regulares e irregulares sofreram 1642 baixas (entre
mortos e feridos) ."As limitações desses grupos ficaram
particularmente claras nas guerrilhas rurais, em que é
necessário um grau substancial de apoio popular, não só
para o êxito, mas para a própria sobrevivência dos
guerrilheiros.
As tentativas, feitas por organizações estranhas ao
ambiente local, de implantar movimentos
129

guerrilheiros segundo o modelo cubano sofreram derrotas


espetaculares em toda a América do Sul, exceto na
Colômbia, onde amplas áreas do país estavam fora do
controle do governo central e das Forças Armadas.
O segundo, que só tomou forma já pelo final da década de
1980 e expandiu-se enormemente com as agitações civis
e o colapso dos Estados na década de 1990, é
principalmente étnico e
religioso. A África, as áreas ocidentais do islã, o Sul e o
Sudeste da Ásia e o Sul da Europa foram as regiões mais
afetadas. A América Latina permaneceu imune aos
conflitos étnicos e religiosos, a Ásia oriental e a Federação
Russa (exceto pela Chechênia) quase não
foram afetadas, a União Européia envolveu-se apenas
através de uma xenofobia crescente, mas não sangrenta.
Em outras áreas, a
onda de violência política produziu massacres em escalas
desconhecidas desde a Segunda Guerra Mundial e trilhou
os caminhos que mais depressa levaram à volta do
genocídio sistemático. Ao contrário dos neoblanquistas
europeus, aos quais em geral faltava apoio popular, os
grupos ativistas desse período (Al Fatah, Hamas, Jihad
Islâmica da Palestina, Hezbollah, Tigres Tâmeis, Partido
dos Trabalhadores do Curdistão etc.) contavam com o
apoio maciço do público e com uma fonte permanente
de recrutamento. Por essa razão, os atos de terror
individuais não eram praticados por esses movimentos,
exceto quando essa era a única
resposta possível ao poder militar esmagador do Estado
ocupante (como na Palestina), ou em guerras civis, como
resposta ao armamento amplamente superior dos
adversários (como no Sri Lanka).
Nesse período surgiu uma importante inovação que se
mostrou singularmente terrível: o homem-bomba. Ele tem
origem como uma derivação da revolução iraniana de
1979, impregnado da poderosa ideologia islâmica xiita,
que idealiza o martírio, e foi empregado pela primeira vez
com
o objetivo de produzir efeitos decisivos em 1983,
contra os americanos, pelo Hezbollah, no
130

Líbano. Sua eficácia foi tão clara que a prática se


estendeu aos Tigres Tâmeis em 1987, ao Hamas, na
Palestina, em 1993, e à AlQaeda e
outros extremistas islâmicos, na Caxemira e na
Chechênia, em 1998-2000. O outro desenvolvimento mais
notável do terrorismo individual e de pequenos grupos
desse período foi a clara retomada do assassinato
político. Se a época de 1881 a 1914 foi a primeira idade
do ouro do homicídio político de alto nível, entre os
meados das décadas de 1970 e de 1990 deu-se a
segunda: Sadat no Egito, Rabin em Israel, Rajiv Gandhi e
Indira Gandhi na índia, uma série de líderes no Sri Lanka,
o suposto sucessor de Franco na Espanha e os primeiros-
ministros da Itália e da Suécia - embora a motivação
política seja duvidosa neste último caso.
Ocorreram também tentativas de assassinato contra o
papa João Paulo II e o presidente Reagan em 1981. As
conseqüências desses atos não foram revolucionárias,
ainda que eles, por vezes, tenham produzido efeitos
políticos específicos - como em Israel, na Itália e talvez na
Espanha.
No entanto, o alcance universal da televisão desde então
fez com que as ações politicamente mais efetivas não
mais fossem as
que visavam diretamente os dirigentes políticos, e sim as
que buscavam o máximo impacto na divulgação. Afinal,
atos assim puseram fim à presença militar formal dos
Estados Unidos no Líbano na década de 1980, na
Somália na década de 1990 e, com efeito, na Arábia
Saudita depois de 2001. Um dos sinais infelizes de
barbarização está na descoberta, pelos terroristas, de
que, sempre que
tenha vulto suficiente para aparecer nas telas do mundo, o
assassinato em massa de homens e mulheres em lugares
públicos tem mais valor como provocador de manchetes
do que todos os outros alvos das bombas, com exceção
dos mais célebres e simbólicos.
Na terceira fase, que parece predominar no início do
século atual, a violência política tornou-se
sistematicamente global, seja por causa das políticas
adotadas pelos Estados Unidos no governo 131

do presidente George W. Bush, seja pelo


estabelecimento, talvez pela primeira vez desde o
anarquismo do fim do século XIX, de um movimento
terrorista que opera conscientemente de maneira
transnacional. Nesse caso, o apoio popular voltou a ser
irrelevante.
A estrutura inicial da Al-Qaeda parece ter sido a de uma
organização de elite, mas sua operação se dá por meio de
um movimento descentralizado, no qual células pequenas
e isoladas são criadas para atuar sem nenhum apoio da
população ou de qualquer outro tipo, e sem necessitar de
base territorial. Com isso, ela, ou uma rede difusa de
células islâmicas por ela inspiradas, conseguiu sobreviver
à perda de uma base no Afeganistão e à marginalização
da liderança de Osamabin Laden. É característico desse
período o fato de que as guerras civis ou outros conflitos
que não
se inserem no contexto global, como os conflitos que
prosseguem no
Sri Lanka, na Colômbia ou no Nepal, ou ainda os
problemas do colapso dos Estados na África, despertam
um interesse apenas intermitente no Ocidente.
Dois aspectos caracterizavam esses novos movimentos.
Eles consistiam em pequenas minorias, mesmo quando
essas minorias
gozavam da simpatia passiva das massas em cujo nome
pretendiam atuar, e seu modus operandi típico era a ação
de pequenos grupos. As chamadas "unidades de serviço
ativo" do IRA Provisório não contavam, segundo consta,
com mais do que duzentos ou trezentos indivíduos em
momento algum, e eu duvido que as Brigadas Vermelhas
na Itália ou o ETA basco fossem maiores. O mais terrível
dos movimentos terroristas internacionais, a Al-Qaeda,
provavelmente não tinha mais do que 4 mil indivíduos nos
seus dias de Afeganistão.6 A segunda
característica (com raras exceções, como a Irlanda do
Norte) era a de que seus integrantes "eram em média
mais cultos e de condição social mais alta do que outros
membros da comunidade à qual pertenciam".7 Os
candidatos a recrutas da Al-Qaeda que receberam
treinamento no Afeganistão
132

na década de 1990 eram, segundo a descrição, "das


classes média e alta, quase todos de famílias bem
estruturadas [...] com educação universitária e forte
inclinação pelas ciências naturais e pela engenharia [...]
poucos procedentes de escolas religiosas". Mesmo na
Palestina, onde eles representam os diversos segmentos
da população
dos territórios ocupados, inclusive uma proporção alta dos
que vivem em campos de refugiados, 57% dos homens-
bombas têm instrução superior à do nível secundário, em
comparação com apenas 15% da população de idade
similar.
Apesar de pequenos, esses grupos têm mostrado
capacidade suficiente para que os governos mobilizem
forças enormes, em ter mos relativos ou mesmo
absolutos, para combatê-los. Mas aqui ocorre uma
divergência interessante entre o Primeiro e o Terceiro
Mundo (enquanto durou, o Segundo Mundo, dos regimes
comunistas, ficou totalmente
imune a esses movimentos, mesmo quando à beira do
colapso). Na Europa como um todo, pelo menos durante
os dois primeiros períodos considerados, a nova violência
política foi enfrentada com força limitada e sem maiores
alterações nos governos constitucionais, apesar da
ocorrência de momentos de histeria e de alguns sérios
excessos no uso do poder, especialmente por parte da
polícia e das Forças Armadas formais ou informais. Terá
sido assim porque os movimentos europeus não
apresentavam riscos maiores para os regimes nacionais?
Isso era e continua a ser verdadeiro, embora os
movimentos separatistas na
Irlanda do Norte e no País Basco tenham chegado perto
de conseguir seus objetivos políticos, com a ajuda da
pressão armada do IRA e do ETA. Provavelmente
também é verdade que as polícias e os serviços secretos
europeus tinham e têm eficiência suficiente para infiltrar-
se em muitos desses movimentos, sobretudo o IRA e
provavelmente as Brigadas Vermelhas da Itália. Contudo,
é significativo que, apesar de certos episódios de
crueldade na luta antiterrorista por parte de "entidades
oficiais desconhecidas", nem na
133

Irlanda do Norte nem na Espanha ocorreram "guerras


sujas" na mesma escala e com o mesmo grau sistemático
de tortura e terror que vimos na América Latina, onde o
combate ao terrorismo superou em muito a violência
política dos revoltosos, mesmo
quando estes se dedicavam a cometer atrocidades, como
os senderistas do Peru.
Essas famigeradas "guerras sujas" dirigiam-se
essencialmente contra esses grupos e muitas vezes eram
conduzidas por pequenas forças de profissionais
especializados, correspondentes às dos terroristas
minoritários. Assim, na América Latina, o objetivo dos
regimes torturadores, na medida em que não constituíam
uma degeneração patológica da política, não era,
normalmente, impedir o aumento do número de
participantes nas atividades subversivas, mas,
mais concretamente, obter informações dos ativistas a
respeito dos seus grupos. O objetivo dos esquadrões da
morte tampouco era a prevenção,
e sim, acima de tudo, livrar-se de pessoas por eles
consideradas culpadas sem correr os riscos dos atrasos
legais e das absolvições. O terror contra populações
inteiras, vistas como dissidentes, como na África do Sul ao
tempo do apartheid e na Palestina, é quase sempre brutal,
mas mais episódico e pontual.
O número de pessoas mortas na Palestina antes da
segunda intifada foi quase certamente menor do que o
dos que "desapareceram" no Chile de Pinochet. Pode-se
dizer que o avanço da barbarização foi tal que as
campanhas repressivas que produzem apenas um
cadáver ou dois por dia são hoje consideradas como de
nível inferior ao dos massacres, que automaticamente
produzem manchetes. Mesmo assim, as autoridades de
países como a Colômbia e o Peru lutaram suas guerras
contra as guerrilhas rurais com ferocidade incomum.
A globalização da "guerra contra o terror", desde setembro
de 2001, e a retomada das intervenções armadas
estrangeiras por parte de uma grande potência que
condenou formalmente em
134
2002 as regras e convenções até então aceitas para os
conflitos internacionais pioraram a situação. O perigo real
das novas redes terroristas internacionais para os regimes
dos países estáveis do mundo desenvolvido, assim como
da Ásia, continua a ser desprezível. As dezenas ou
centenas de vítimas de bombas nos sistemas de
transporte público em Londres e em Madri não são
capazes de interromper a capacidade operacional de uma
cidade grande além de algumas horas.
Por mais horripilante que tenha sido a carnificina de 11 de
setembro de 2001 em Nova York, o poder internacional
dos Estados Unidos e suas estruturas internas não foram
afetados em nada. Se ocorreram efeitos negativos
posteriores, eles não se deveram à ação dos terroristas, e
sim à do governo americano. A índia, a maior
democracia do mundo, é um bom exemplo da capacidade
de resistência de um país estável. Apesar de ter perdido
dois chefes de governo nos últimos vinte anos pela ação
de assassinos, o país convive com uma situação de
guerra de baixa intensidade na Caxemira, com uma ampla
gama de movimentos guerrilheiros nas províncias do
Nordeste e com uma insurreição marxista-leninista
(naxalita) em certas áreas tribais - e ninguém sequer
sonharia em dizer que ela não é um país estável e em
perfeita ordem operacional.
Isso ressalta a fraqueza relativa e absoluta dos
movimentos terroristas da fase atual. Eles são sintomas, e
não agentes históricos significativos. E isso não deixa de
ser válido nem em razão de que, graças às mudanças nos
armamentos e nas táticas, pequenos grupos e até
indivíduos agora podem causar muito mais dano per
capita do que antes, nem em função dos objetivos
utópicos sustentados por alguns grupos terroristas ou a
eles atribuídos. Operando em países estáveis, com
regimes estáveis e sem o apoio de setores relevantes da
população, eles são um problema policial, e não militar.
Mesmo quando o terrorismo
de pequenos grupos faz parte de um movimento geral de
dissidência, como são os rebentos da Al
135

Qaeda na resistência iraquiana, eles não são a parte mais


importante nem a parte militarmente mais efetiva do
movimento, e sim adendos marginais.
Quanto às operações conduzidas fora do
ambiente de uma população simpatizante, como os
homens-bombas palestinos em Israel ou um punhado de
jovens muçulmaqqnos fanáticos em Londres,
pouco valor elas têm além da propaganda. Nada disso
significa que não sejam necessárias importantes medidas
policiais internacionais para combater o terrorismo de
pequenos grupos, especialmente do tipo transnacional,
quando mais não seja pelo perigo que existe de que no
futuro esses grupos logrem adquirir um artefato nuclear e
a capacidade de usá-lo. Seu potencial político, que é
sobretudo destrutivo, é claramente muito maior em países
instáveis ou em decomposição, em particular no mundo
muçulmano no Oeste da índia, mas não deve ser
confundido com o potencial político de uma mobilização
religiosa maciça.
É compreensível que esses movimentos criem grande
nervosismo entre as pessoas comuns, sobretudo nas
metrópoles do Ocidente e especialmente quando os
governos e a imprensa se empenham em gerar um clima
de medo, para alcançar seus próprios propósitos, e dão
publicidade máxima às ações. (É difícil lembrar que antes
de 2001 a atitude-padrão, inteiramente racional, dos
governos diante desses movimentos - ETA, Brigadas
Vermelhas, IRA-visava "negar-lhes o oxigênio da
publicidade" tanto quanto possível.) Trata-se de um clima
de medo irracional. A política atual dos Estados Unidos
tenta reviver os terrores apocalípticos da Guerra Fria,
quando já não lhe é plausível inventar "inimigos" para
legitimar a expansão e o emprego do seu poder global.
Repito aqui que os perigos da"guerra contra o terror" não
provêm dos homens-bombas muçulmanos.
Todas essas coisas em nada diminuem a dimensão da
crise global verdadeira que se expressa nas
transformações por que 136

passa a violência política. Elas parecem refletir os


profundos desequilíbrios sociais causados em todos os
níveis da sociedade pelas alterações mais rápidas e
intensas jamais experimentadas pela humanidade, social
e individualmente, dentro do período de vida
de um ser humano. Elas parecem refletir uma crise dos
sistemas tradicionais de autoridade, hegemonia e
legitimidade do Ocidente e sua dissolução no Oriente e no
Sul, assim como uma crise dos
movimentos tradicionais que pretendiam proporcionar
alternativas a eles. Elas têm sido exacerbadas pelos
fracassos da descolonização em certas regiões do mundo
e pelo fim de um sistema internacional estável - na
verdade, de qualquer sistema internacional - desde o
colapso da União Soviética. E elas se revelarão estar
além dos poderes utópicos dos neoconservadores e
neoliberais que acreditam na exportação dos valores
liberais do Ocidente por meio da expansão dos mercados
e das intervenções militares.
137

9. A ordem pública em uma era de violência


Um dia, na década de 1970, a Associação dos Chefes de
Polícia disse ao governo britânico que já não havia
condições de impedir desordens públicas nas ruas, como
antes, sem uma nova lei de segurança pública.
Poucos anos depois, creio que no começo da década de
1980, fui convidado a um colóquio em um lugar da
Noruega e notei que o folheto de propaganda do hotel em
que se realizava o evento - um centro de convenções
normal em um lugar turístico de belas paisagens -
proclamava que as janelas do edifício eram à prova de
balas. Na Noruega? Sim, na Noruega.
Quero começar esta conferência com esses dois
incidentes. Nossa era tornou-se mais violenta, inclusive
nas imagens. Não há dúvida a respeito. Esta conferência
é sobre o que isso significa e sobre
como os governos podem proporcionar proteção à vida
normal
dos cidadãos. Ela se refere sobretudo à Grã-Bretanha,
onde o
aumento da violência pública (revelada nos índices de
criminalidade) é particularmente expressivo. Mas o
problema não se limita a um único país. Nem se refere
apenas ao terrorismo. O tema é muito mais amplo.
Inclui, por exemplo, a violência nos campos de 138

futebol, outro fenômeno historicamente novo que surgiu


na década de 1970.
Como sugere minha lembrança da Noruega, é patente
que grande parte dessa violência é possibilitada pela
extraordinária explosão da oferta e disponibilidade global
de armas destrutivas poderosas que estão ao alcance de
pessoas e grupos privados.
Armas baratas e portáteis, que podem ser manuseadas
por qualquer um. Originalmente, isso era uma
conseqüência da Guerra Fria, mas, como esse é um
negócio lucrativo, a produção continuou a aumentar. Em
todas as décadas desde a de 1960, o número de
empresas que produzem essas armas
vem aumentan do, especialmente na Europa ocidental e
na América do Norte.
Em 1994, havia trezentas companhias em 52 países no
negócio das armas pequenas, 25% mais do que em
meados da década de 1980. Em 2001, a estimativa já era
de quinhentas empresas. Em
outras palavras, os Kalashnikovs, rifles de assalto AK 47,
desen- volvidos originalmente na União Soviética durante
a Segunda Guerra Mundial, são uma forma absolutamente
terrível de arma
leve e, de acordo com o Bulletin ofthe Atomic Scientists,
algo como 125 milhões deles circulam hoje pelo mundo.
Podem ser encomendados pela internet, pelo menos nos
Estados Unidos, em
Kalashnikov USA. Quanto aos revólveres e às facas,
quem é que sabe?
Mas é evidente que a desordem pública, mesmo na forma
extrema do terrorismo, não depende de equipamentos
caros e de alta tecnologia, como ficou demonstrado em 11
de setembro de
2001. Os seqüestradores dos aviões que destruíram as
Torres Gêmeas só estavam armados com facas
pequenas. Os grupos armados mais duradouros, como o
IRA e o ETA, utilizam sobretudo explosivos, alguns dos
quais podem ser feitos em casa. Os perpetradores do
atentado de 7 de julho de 2005 em Londres produzi-ram
seu próprio explosivo. E, se os informes mais recentes
forem
139

corretos, esse massacre custou aos seus autores apenas


umas centenas de libras no total. Além das suas vidas,
naturalmente. Assim,
ainda que saibamos que o mundo de hoje está mais cheio
de coisas
que matam e mutilam do que em qualquer outro período
da história, esse é apenas um dos dados do problema.
Está mais difícil manter a ordem pública?
Claramente, os governos e os dirigentes empresariais
pensam que sim. O tamanho das forças policiais na Grã-
Bretanha aumentou em 35% desde 1971. Para cada 10
mil cidadãos havia, ao final do século, 34 agentes de
polícia, em comparação com 24, trinta anos antes (um
aumento de mais do que 40%). E não estou sequer
contando o meio milhão de pessoas que se estima
estarem empregadas nos ofícios de segurança,
como guardas e profissões semelhantes - setor da
economia que se multiplicou nos últimos trinta anos,
desde que a Securicor sentiu-se suficientemente grande
para ter suas ações cotadas na Bolsa, em 1971. No ano
passado já havia umas 2500 firmas nessa área. Como se
sabe, a desindustrialização da Grã-Bretanha gerou um
grande número de pessoas sadias para as quais
conseguir um emprego como guarda de segurança é uma
das poucas oportunidades de trabalho disponíveis. Pode-
se dizer que a economia, em vez de basear-se no
princípio de que "um ajuda o outro", pode um dia basear-
se na oferta maciça de empregos em que "um
vigia o outro".
Não é só o emprego de mão-de-obra que aumenta.
Também
aumenta o emprego da força. Os especialistas em
controle de massas dispõem hoje de quatro tipos
principais de instrumentos para enfrentar manifestações
violentas: químicos (por exemplo, gás
lacrimogêneo); "cinéticos", como armas de dispersão,
balas de borracha
etc; jatos de água; e tecnologias de atordoamento. Aqui
está
uma lista de países que ilustra as variações entre o
enfoque tradicional e o moderno no campo real do
controle de massas. A Noruega não emprega nenhum dos
quatro; Finlândia, Holanda, índia e
140

Itália, apenas um, a saber, do tipo químico. Dinamarca,


Irlanda, Rússia, Espanha, Canadá e Austrália usam dois;
a Bélgica e os pesos pesados Estados Unidos, Alemanha,
França, Reino Unido e mais a pequena Áustria têm os
quatro tipos prontos para a ação. É evidente
que a Grã-Bretanha, que antes se orgulhava de que sua
polícia andava completamente desarmada, já não vive no
mesmo mundo ordeiro da Noruega ou da Finlândia.
Como ocorreram esses desenvolvimentos? Acho que
duas
coisas estão acontecendo. A primeira é a reversão do que
Norbert Elias analisou em uma obra chamada O processo
civilizador, a transformação do comportamento público no
Ocidente a partir
da Idade Média. Ele se tornou menos violento, mais
"educado",
mais atencioso; inicialmente no seio de uma elite restrita e
depois em escalas mais amplas. Mas hoje isso já não é
verdade. Já nos acostumamos tanto a ouvir xingamentos
em público e ao uso coletivo de linguagem
deliberadamente rude e ofensiva que quase não nos
lembramos de quão recente é essa alteração, em termos
compara-tivos. Porra e merda há muito tempo são
expressões comuns entre homens especializados em
atividades rudes, como soldados - embora eu não
conheça nenhum Exército ocidental que tenha o mesmo
repertório de obscenidades dos russos. De toda maneira,
depois da guerra, quando deixei o Exército, onde me
familiarizei com essa prática, voltei para um mundo de
palavras mais doces.
Com certeza, nenhuma mulher usava esse tipo de
linguagem, que
só começou a surgir como prática social ampla na década
de 1960. Lembrem-se de que antes dessa década a
palavra "puta" ainda não fazia parte da cultura impressa. A
palavra "fuck", por exemplo, só
foi incorporada a um dicionário britânico em 1965, e a um
americano em 1969.1 Ao mesmo tempo, as regras e
convenções tradicionais enfraqueceram-se. Parece claro,
por exemplo, que a delinqüência juvenil
-entre catorze e vinte anos de idade-começou a crescer
des 141

proporcionalmente na segunda metade da década de


1960. Jovens
do gênero masculino, estimulados pela testosterona e
pela afirmação sexual, sempre foram turbulentos,
sobretudo quando se organizam em grupos, algo que
supostamente se mantinha dentro de limites por ser
tolerado em ocasiões especiais. Isso se aplicava também
aos jovens bem- educados, como os membros do "Clube
dos Vagabundos", dos livros de P.
G. Wodehouse. Lembrem-se de que a propensão que eles
tinham para derrubar o capacete da cabeça dos policiais
nas noites de corrida de barco levou Bertie Wooster para
a cadeia de Vine Street. Mas não é apenas a erosão das
regras e das convenções sociais, e sim também a erosão
das convenções e das relações no seio da família que
transformaram os rapazes no que os vitorianos chamavam
de "classes perigosas". Não vou mais falar sobre isso nem
sobre o processo
mais longo de barbarização do século XX, que levou até a
situações de escândalo, quando alguns ideólogos do
Ocidente chegaram a
oferecer justificativas intelectuais para a prática da tortura,
mas é claro
que ele pesa na balança.
O segundo fenômeno, mais direto, também teve início na
década de 1960. Trata-se da crise do tipo de Estado em
que todos nos acostumamos a viver no século
passado - o Estado nacional territorial. Antes desse ponto
de inflexão, durante 250 anos o
Estado vinha ampliando seus poderes, recursos, espectro
de atividades, conhecimento e controle sobre o que
acontece no seu território. Esse desenvolvimento ocorreu
independentemente da política e da ideologia: ocorreu nos
Estados liberais, conservadores, comunistas e fascistas.
Alcançou o auge nos anos dourados do "estado de bem-
estar" e da economia mista depois da Segunda Guerra
Mundial. Mas tudo isso estava baseado
na premissa ante-rior do monopólio da lei e da justiça
estatal sobre outras leis (por exemplo, o direito religioso
ou o direito costumeiro). O mesmo é válido para o
monopólio do uso da força armada. No transcurso 142

do século XIX, a maior parte dos Estados do Ocidente


eliminou a posse e o uso de armas (salvo para o uso
desportivo) por parte de todos os cidadãos, exceto seus
próprios agentes, e mesmo a prática dos duelos no seio
da nobreza. (Os Estados Unidos têm uma posição de
flagrante exceção nesse campo, entre os países
desenvolvidos, pois tem uma taxa crescente de
homicídios nos últimos dois séculos, contra uma taxa
decrescente na Europa.)2Na GrãBretanha, as convenções
chegaram
a proibir o uso de facas e adagas em lutas, por ser
"antiinglês", e criaram regras para as lutas de boxe e
assemelhadas-as Regras de Queensberry. Em condições
de estabilidade social, até o poder oficial passou a
sair desarmado em público. No Reino Unido,
os policiais só andavam armados na Irlanda do Norte,
conhecida pelo seu potencial insurrecional, mas não na
ilha maior. As revoltas públicas, arruaças e marchas foram
institucionalizadas, ou seja, reduzidas ou transformadas
em manifestações cada vez mais pré-negociadas com a
polícia. O prefeito de Londres, Ken Livingstone, acaba de
recordar aos chineses que isso
é o que acontecia no Hyde Park e na Trafalgar Square
desde a época vitoriana. Isso era verdadeiro mesmo em
países que consideramos propensos à violência urbana,
como a França, independentemente
das palavras de ordem incendiárias das manifestações de
massa.3 Por isso a grande revolta estudantil de 1968 em
Paris não causou
praticamente nenhuma morte em nenhum dos dois lados.
O mesmo vale para as mobilizações recentes que
derrubaram a nova lei de empregos para
a juventude francesa.
Mas há outro elemento no enfraquecimento do Estado:
alealdade que os cidadãos lhe devotam, assim como sua
disponibilidade para fazer o que o Estado lhes pede, estão
erodindo. As duas guerras mundiais foram lutadas por
exércitos de recrutas - ou seja, por soldados cidadãos
preparados para matar e morrer aos milhões "por seu
país", como se diz. Isso já não acontece. Duvido que
qualquer governo que dê algum direito de
escolha aos seus
143
cidadãos nessa matéria - e mesmo vários dos que não
dão -
possa fazê-lo. Esse é, certamente, o caso dos Estados
Unidos, que aboliram o serviço militar depois da Guerra do
Vietnã. Mas, de maneira mais discreta, isso também se
aplica à disposição dos cidadãos a cumprir a lei - ou seja,
o senso de que a lei tem uma justificação moral. Se
sentimos que uma lei é legítima, ela é logo acatada. Nós
acreditamos que os jogos de futebol realmente precisam
de árbitros e bandeirinhas e confiamos a eles o exercício
de uma função legítima. Se não o fizéssemos, quanta
força seria necessária para manter o jogo em ordem?
Muitos motoristas não aceitam a justificação moral das
câmeras de controle de velocidade e por isso não hesitam
em
burlá-las. E, se vocês conseguirem trazer para casa algum
contrabando, ninguém vai pensar mal de vocês. Quando a
lei carece de legitimidade e o respeito a ela depende
sobretudo do medo de ser apanhado e punido, é muito
mais difícil mantê-la vigente, além de ser mais caro. Acho
que há pouca dúvida de que hoje, por várias razões, os
cidadãos têm menos propensão a respeitar a lei e as
convenções informais do comportamento
social do que antes.
Além disso, a globalização, a vasta ampliação da
mobilidade
das pessoas e a eliminação em grande escala dos
controles fronteiriços na Europa e em outras partes do
mundo tornam cada vez mais difícil para os governos
controlar o que entra e sai dos seus territórios e o que
ocorre neles. É tecnicamente impossível controlar mais do
que uma fração mínima do conteúdo dos contêineres que
transitam pelos portos sem reduzir o ritmo da vida
econômica diária quase pela metade. Os traficantes e os
comerciantes ilegais valem-se amplamente dessa
facilidade, assim como da incapacidade dos Estados de
controlar ou mesmo
monitorar as transações financeiras internacionais. O
estudo mais recente desse fenômeno, o livro Ilícito, de
Moisés Naim, diz com franqueza que "na luta contra o
comércio ilícito global os governos estão fracassando[...].
144

Não há simplesmente nada no horizonte que aponte para


uma
rápida reversão dessa situação para as miríades de redes
[...] do comércio ilícito".
Todas essas coisas têm causado uma forte diminuição
nos poderes dos Estados e dos governos nos últimos
trinta anos. Em casos extremos, eles podem até perder o
controle de partes dos
seus territórios. A Agência Central de Inteligência (CIA)
identificou em 2004, cinqüenta regiões do mundo sobre as
quais os
governos nacionais exercem pouco ou nenhum controle.
"Mas", citando novamente o livro de Naim sobre a
economia ilegal, "na verdade é raro encontrar-se hoje um
país que não tenha bolsões de ilegalidade que, por sua
vez, estão bem integrados em redes globais mais
amplas."4Em casos menos extremos, é possível para
os Estados estáveis e florescentes, como o Reino Unido e
a Espanha, conviver durante décadas com pequenos
grupos armados em seus territórios, como o IRA e o ETA,
que os governos não são capazes de eliminar por
completo. E isso apesar do fato evidente de que as
informações de que dispomos sobre os países e as
populações são hoje muito maiores do que no passado.
Embora a capacidade tecnológica das autoridades
públicas para observar os habitantes, escutar suas
conversas, ler seus e-mails e, como na Grã-Bretanha,
vigiá-los com inumeráveis câmeras de TV de circuito
fechado supere a de qualquer governo no passado, é
provável que eles tenham menos conhecimento do que
seus predecessores a respeito de quem são e até quantas
são as pessoas que estão nos seus territórios em
qualquer momento determinado,
onde elas vivem e o que fazem. Os organizadores dos
censos atuais têm muito menos confiança nas suas
informações do que tinham até a primeira metade do
século XX - e com boas razões.
Esses fatores explicam por que mesmo Estados que
funcionam bem tiveram de ajustar-se, em certa medida, a
um grau muito mais alto de violência não-oficial do que no
passado. Pensem
145

na Irlanda do Norte nos últimos trinta anos. Graças a uma


combinação da força com arranjos tácitos, a governança
efetiva e a vida normal, o
que inclui os movimentos de entrada e de saída da
província, tiveram prosseguimento apesar de uma
situação de quase guerra civil. Em todo o mundo os ricos
ajustam-se à ameaça dos pobres violentos formando
condomínios fechados, mais visíveis em áreas de
expansão imobiliária recente. Estima-se que existem cem
deles na Inglaterra, pequenos na maior parte dos casos, o
que não é nada em comparação com os 7 milhões de
famílias que vivem nessas verdadeiras fortalezas nos
Estados Unidos, mais da metade das quais são
comunidades "em que o
acesso é controlado com portões, códigos, cartões
magnéticos e guardas".5 Com o aumento da violência,
essa tendência vem crescendo
rapidamente, o que pode ser confirmado por qualquer
pessoa que tenha estado no Rio de Janeiro ou na Cidade
do México ao longo destes anos. Há algo que se possa
fazer para controlar essa situação?
Duas perguntas surgem. Primeira: os problemas de ordem
pública podem ser controlados em uma era de violência?
A resposta tem de ser afirmativa, embora não se saiba
ainda em que medida. A violência nos campos de futebol
é um exemplo de como isso pode e vem sendo feito. Ela
surgiu como fenômeno de massas recorrente na Grã-
Bretanha na década de 1960 e foi amplamente copiada
em outros países. Chegou ao ponto máximo na década de
1980, com os terríveis incidentes de Bradford e as
39 mortes no estádio Heysel, em Bruxelas, durante a final
da Copa da Europa entre o Liverpool e a Juventus. Falou-
se muito na necessidade de medidas extremas, como
cartões de identidade compulsórios,
mas, na verdade, desde então o "hooliganismo" reduziu-
se muito na Grã-Bretanha com o emprego de métodos
mais moderados,
que incluem modificações técnicas, como a venda de
ingressos exclusivamente para lugares sentados, circuitos
fechados de televisão, 146

melhor inteligência e coordenação, táticas policiais mais


seletivas o isolamento dos hooligansjá conhecidos além,
ou melhor, em vez da
"contenção" geral dos torcedores visitantes tanto dentro
quanto fora do
estádio. Paralelamente, a polícia desenvolveu a
capacidade de concentrar-se em incidentes mais sérios,
uma vez que o controle da ordem dentro dos estádios foi
transferido para os funcionários dos clubes locais. Todas
essas coisas são mais caras, muito mais caras, tanto em
termos de dinheiro quanto de trabalho. Foram necessários
10 mil homens
para policiar o Euro 96 na Grã-Bretanha. Não vi as
estimativas de gasto em dinheiro e trabalho para Copa do
Mundo da Alemanha, no verão de
2006. Mas o fato é que a melhoria foi obtida sem as
medidas extremas inicialmente sugeridas. Nova York
também é um lugar bem mais seguro do que era, como
podem atestar todos os que se lembram de
como a cidade era perigosa e suja nas décadas de 1970 e
1980. Na medida em que isso se deve ao prefeito Rudy
Giuliani, pode ser atribuído muito mais a mudanças nas
táticas da polícia (tolerância zero) do que aos acréscimos
feitos ao seu armamento, que já era impressionante.
Isso nos leva à segunda pergunta: qual deve ser a
proporção entre força e persuasão, ou confiança pública,
no controle da ordem pública? A manutenção da ordem
em uma era de violência tem sido mais difícil e mais
perigosa, inclusive para os policiais, que usam armas e
tecnologias cada vez mais robustas, destinadas a repelir
os
ataques físicos, e se assemelham a cavaleiros medievais
com escu dos e armaduras. A polícia sofre a tentação de
ver-se como um corpo de " guardiães", com
conhecimentos profissionais especializados, separada dos
políticos, dos tribunais e da imprensa liberal, e criticada,
com ignorância, por todos eles. O mundo de hoje-e não
apenas fora da Europa
- está cheio de aparelhos policiais e serviços de
segurança que estão convencidos de que,
independentemente do que os governos e a imprensa
digam em público, não é o
147

estado de direito e sim a força (e, se necessário for, a


violência) o que assegura a manutenção da ordem, e
também de que essa atitude
tem o apoio pelo menos tácito tanto dos governos quanto
da opinião pública. No Reino Unido, depois da
tranqüilidade das décadas de 1950 e 1960, a reação inicial
à nova situação, com o IRA, as greves dos mineiros e os
distúrbios raciais, foi a de aumentar a hostilidade
e levar as confrontações a um nível quase militar, mesmo
na ilha principal. O enfrentamento com os terroristas
promoveu a militarização
da polícia. A orientação de "atirar para matar" provocou
diversas vítimas inocentes e, diga-se, evitáveis-a mais
recente das quais foi o
brasileiro Jean Charles de Menezes. No entanto,
felizmente a Grã-Bretanha
ainda não chegou, como é a tendência no continente
europeu, ao ponto de dotar-se de esquadrões especiais
antidistúrbios, como o CRS da França.
Por outro lado, duas coisas fazem parte da sabedoria
básica da polícia. A primeira é que os policiais não são
utópicos e não pensam em eliminar o crime de uma vez
por todas; ele tem de ser reduzido
e controlado para que a população civil viva em paz. Isso
faz com que os policiais vejam com ceticismo as cruzadas
políticas e, por outro lado, também pode tentar alguns
para o caminho da corrupção.
A segunda, ainda mais pertinente, é que as pessoas que
compõem a ordem pública devem ser protegidas, e não
antagonizadas enquanto os policiais isolam e perseguem
os "baderneiros". A força ostensiva ou excessiva, em
especial quando dirigida contra grupos, pode antagonizar,
se não o público como um todo, os grandes grupos que
supostamente podem conter uma proporção maior de
maus elementos: negros, adolescentes de áreas
degradadas, asiáticos, ou quem quer que seja. Se assim
for feito, os riscos para a ordem pública se multiplicarão.
Um bom exemplo desse tipo
de situação ocorreu nos distúrbios do Carnaval de Notting
Hill, na década de 1970, desencadeados por uma
operação policial de revistas pessoais
destinada a deter punguistas, que afetou um número
excessivo de 148

pessoas e foi tomada pelos circunstantes como um ataque


racial dirigido contra negros. Esse é um perigo real.
Durante o tumulto de Brixton, em 1981, ninguém duvida
de que a polícia agiu como se todos os negros fossem
arruaceiros potenciais, o que exacerbou as relações com
o público local. Felizmente, durante os problemas da
Irlanda do Norte, as forças policiais britânicas resistiram à
tentação de considerar todos os irlandeses da Grã-
Bretanha como membros potenciais do IRA. A
manutenção da ordem pública, seja em uma era
de violência ou não, depende do equilíbrio entre a força, a
confiança e a inteligência.
Na Grã-Bretanha, em circunstâncias normais,
descontados os descontroles ocasionais, pode-se ter
confiança, grosso modo, no equilíbrio estabelecido pelo
governo e pela força pública. Mas, desde o Onze de
Setembro, as circunstâncias já não são normais. Estamos
nos afogando em uma onda de retórica política a respeito
dos perigos terríveis e desconhecidos que vêm do
estrangeiro - a histeria das armas de destruição em
massa, a inadequadamente chamada "guerra contra o
terrorismo" e a "defesa do nosso estilo de
vida" e contra inimigos externos mal definidos e seus
agentes terroristas internos. Trata-se de uma retórica que
visa mais arrepiar os cabelos
dos cidadãos do que enfrentar o terror - com objetivos que
deixo a vocês a tarefa de identificar, pois arrepiar os
cabelos e criar o pânico é exatamente o que os terroristas
querem fazer. O objetivo político deles não é atingido pelo
ato de matar, e sim pela publicidade dada aos seus atos,
que quebra a moral dos cidadãos.
Na época em que a Grã- Bretanha tinha um problema
terrorista real
e contínuo, ou seja, as operações do IRA, a regra
fundamental seguida pelas autoridades encarregadas da
luta contra o terror era, tanto quanto possível, não dar
nenhuma publicidade aos atos de terror e não anunciar as
contramedidas a serem tomadas.
Vamos então livrar-nos dessa balela. A chamada "guerra
contra o terror" não é uma guerra, exceto no sentido
metafórico, assim
149

como quando se fala da "guerra contra as drogas" ou da


"guerra entre os sexos". O "inimigo" não tem condições de
derrotar-nos
nem de causar-nos danos volumosos. Recente estudo
sobre o terrorismo global, feito pelo Departamento de
Estado americano em 2005, enumera -
sem contar o Iraque, que é uma guerra de verdade - 7500
ataques terroristas no
mundo inteiro, com 6600
vítimas, o que sugere que a maioria dos ataques falhou.
Estamos enfrentando terroristas articulados em pequenos
grupos, semelhantes àqueles aos quais já estamos
acostumados há muito tempo - mas com duas inovações
significativas. Ao contrário dos terroristas antigos,
eles estão dispostos a perpetrar massacres
indiscriminados e podem mesmo tê-los como objetivo
predeterminado.
Com efeito, já praticaram um massacre com milhares de
mortos, alguns com centenas de mortos cada um e muitos
com dezenas de vítimas fatais. A outra é a arrepiante
inovação histórica do homem-bomba.
Essas mudanças são sérias, especialmente na era da
internet e do acesso generalizado a armas portáteis muito
destrutivas.
Não nego que esta ameaça seja mais séria do que a do
terrorismo
antigo e justifique medidas excepcionais por parte dos que
se ocupam de enfrentá-la. Mas devo repetir que isso não
é nem pode ser uma guerra.
É basicamente um problema muito sério de ordem
pública.
Mas a segurança pública, que as pessoas chamam de "lei
e
ordem", tem como salvaguarda essencial as instituições e
as autoridades da vida civil em tempo de paz, o que inclui
a polícia. As instituições de guerra-ou sej a, sobretudo as
Forças Armadas-são mobilizadas apenas em situações de
guerra e nas raríssimas ocasiões em que os serviços
públicos entram em colapso. Mesmo em situações
parciais de guerra,
como na Irlanda do Norte, uma longa experiência
mostrou-nos os perigos políticos a que nos expomos
quando a manutenção da ordem é feita por soldados, sem
uma força policial regular e separada do Exército.
Apesar de tudo o que 150

se tem falado sobre o terrorismo, nenhum país da União


Européia está em guerra nem é provável que venha a
estar, e suas estruturas sociais e políticas não são frágeis
a ponto de se desestabilizarem seriamente pela ação de
pequenos grupos de ativistas. A fase atual do terrorismo
internacional é mais séria do que no passado pela
possibilidade de massacres deliberadamente
indiscriminados,
mas não pela sua ação política ou estratégica. Eu diria
que ele é menos perigoso do que a epidemia de
assassinatos políticos que começou na década de 1970 e
que não despertou a atenção da grande imprensa porque
não afetou a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. O
próprio Onze de Setembro não logrou interromper a
vida de Nova York por mais do que algumas horas, e suas
conseqüências físicas foram equacionadas com rapidez e
eficiência pelos serviços civis normais.
O terrorismo requer esforços especiais, mas é importante
não perdermos a cabeça ao desenvolvê-los.
Teoricamente, um país que nunca perdeu a calma durante
trinta anos de tumultos irlandeses
não deveria perdê-la agora. Na prática, o perigo real do
terrorismo não está no risco causado por alguns punhados
de fanáticos anônimos, e sim no medo irracional que suas
atividades provocam e que hoje é
encorajado tanto pela imprensa quanto por governos
insensatos. Esse é um dos maiores perigos do nosso
tempo, certamente maior do que o dos pequenos grupos
terroristas.
151

io. O império se expande cada vez mais


A situação atual do mundo não tem precedentes. Os
grandes
impérios globais que conhecemos, como o espanhol, nos
séculos
XVI e XVII, e principalmente o britânico, nos séculos XIX e
XX, têm pouca similaridade com o que vemos hoje no
império americano.
Vivemos em um mundo tão integrado, no qual as
operações cotidianas
são tão interligadas, que qualquer interrupção - como a
Síndrome Respiratória Aguda Severa (SARS), por
exemplo - provoca conseqüências que, em questão de
dias, expandem-se a partir de fontes desconhecidas, na
China, para transformar-se em fenômenos mundiais. Os
efeitos negativos sobre o sistema de transporte
internacional, sobre as reuniões internacionais e as
organizações que os realizam, sobre os mercados globais
e mesmo sobre as economias dos países desdobraram-se
com uma velocidade impensável em qualquer período
anterior.
É enorme o poder da tecnologia, em constante revolução
na economia e sobretudo na força militar, onde esse fator
é hoje
mais decisivo do que em qualquer outro momento. O
poder político em escala global requer, nos nossos dias,
um país extremamente
152

grande que detenha o domínio dessa tecnologia. Antes, a


questão do tamanho não era pertinente: a Grã-Bretanha,
que dirigiu o maior
império do seu tempo, era apenas um país de tamanho
médio, mesmo para os padrões dos séculos XVII e XIX.
No século XVII, a Holanda, que tem as mesmas
dimensões da Suíça,
tornou-se um ator mundial. Hoje seria inconcebível que
um país que não seja um gigante em termos relativos-por
mais rico e tecnologicamente
avançado que seja - pudesse tornar-se uma potência
global.
A política da nossa época é de natureza complexa. Os
Estados nacionais ainda são dominantes - o único aspecto
da globalização em que a própria globalização não
funciona, mas trata-se de uma forma peculiar de Estado,
no qual quase todos os habitantes comuns têm papéis
importantes. No passado, os que tomavam as decisões
geriam os países com muita independência em relação ao
que pensava o grosso da população,
e no final do século XIX e no início do XX os governos
podiam mobilizar o povo, o que hoje, em comparação, é
praticamente impensável.
Por outro lado, o que a população pensa ou está disposta
a fazer é atualmente mais relevante para eles do que no
passado.
A grande novidade do projeto imperial americano está em
que todas as demais grandes potências e impérios sabiam
que não
eram os únicos e nenhum deles visou a dominação global.
Nenhum se acreditava invulnerável, mesmo os que se se
viam como o centro do mundo
- como a China, ou o Império Romano no seu auge. A
dominação regional era o perigo maior para o sistema de
relações internacionais em cuja
vigência vivemos até o fim da Guerra Fria. Não se deve
confundir o alcance global, que se tornou possível desde
1492, com a dominação global.
O Império Britânico do século XIX foi o único
verdadeiramente global, no sentido de que operava em
todo o planeta. Nessa medida, ele é um possível
precedente do império americano. Os
153

russos sonharam, no período comunista, com um mundo


transformado, mas sabiam bem, mesmo no zênite do
poder da União Soviética, que a dominação mundial
estava fora de alcance e, ao contrário da retórica da
Guerra Fria, nunca tentaram seriamente atingi-la.
Mas as diferenças entre as ambições atuais dos Estados
Unidos e as daGrã-Bretanha de um ou dois séculos atrás
são flagrantes. Os Estados Unidos são um país
fisicamente vasto, com uma das maiores populações do
mundo e que, ao contrário do que ocorre na União
Européia, ainda está em crescimento devido a uma
imigração quase ilimitada. Há também diferenças de
estilo. O Império Britânico no seu auge ocupava e
administrava a quarta parte da superfície do globo. Os
Estados Unidos nunca praticaram um verdadeiro
colonialismo, exceto durante um breve
período em que o colonialismo imperial esteve em moda,
no final do século XIX e no início do XX. Os Estados
Unidos operavam com países dependentes e satélites,
sobretudo no continente americano, onde praticamente
não tinham competidores. Ao contrário da Grã-Bretanha,
desenvolveram, no século XX, uma política de
intervenções armadas nesses países.
Como o instrumento decisivo dos impérios mundiais
anteriores era a Marinha, o Império Britânico tomou bases
marítimas e postos de abastecimento estrategicamente
importantes por todo o mundo. É por isso que a bandeira
britânica tremula, até hoje, de Gibraltar a Santa Helena e
às ilhas Malvinas. Fora do Pacífico, os Estados Unidos só
começaram a sentir necessidade desse tipo de base
depois de 1941, e as obtiveram
por meio de acordos com o que na época podia chamar-
se legitimamente uma coalizão consensual. Hoje a
situação é diferente. Os Estados Unidos perceberam a
necessidade de controlar, direta ou indiretamente, um
número muito grande de bases militares.
Há diferenças importantes quanto à estrutura interna do
país
154

e à sua ideologia. O Império Britânico tinha um propósito


que era britânico, mas não universal, embora a
propaganda naturalmente também indicasse motivações
altruísticas. Desse modo, a abolição do tráfico de
escravos foi usada como justificativa para o poder naval
britânico, assim como os direitos humanos são hoje
utilizados com freqüência para justificar o poder militar dos
Estados Unidos.
Por outro lado, os Estados Unidos, como a França e a
Rússia revolucionárias, são uma grande potência que tem
por base uma revolução universalista - e, por conseguinte,
crê que o resto do mundo deveria seguir seu exemplo e
que deve até aj udar a libertar o resto do mundo. Poucas
coisas pode haver que sejam tão perigosas quanto os
impérios que buscam satisfazer seus próprios fins
acreditando que estão fazendo um favor à humanidade.
A diferença básica está em que o Império Britânico,
embora global (em certos sentidos ainda mais global do
que o império americano de hoje, uma vez que tinha o
controle exclusivo dos mares numa proporção que
nenhum país atualmente consegue
ter do espaço aéreo), não visava o poder global, nem
mesmo o
poder territorial, militar e político em regiões como a
Europa e a América. O império buscava defender os
interesses básicos da
Grã-Bretanha, que eram interesses econômicos, com o
mínimo de interferência possível. Sempre teve
consciência das limitações do tamanho do seu território e
dos seus recursos e, após 1918, tornou-se agudamente
consciente do seu declínio como império.
Mas o império global da Grã-Bretanha, a primeira nação
industrial, operava juntamente com a globalização, que o
desenvolvimento da economia britânica tanto fez avançar.
O Império Britânico era um sistema de comércio
internacional no qual a indústria que se desenvolvia na
metrópole contava essencialmente com a exportação das
manufaturas para os países menos desenvolvidos. Em
troca, a Grã-Bretanha tornou-se o maior mercado
importador de produtos primários de todo o planeta e,
ao deixar 155

de ser a fábrica do mundo, transformou-se no centro do


sistema financeiro global.
Não foi assim com a economia dos Estados Unidos. Ela
tinha por base o protecionismo das suas indústrias
nascentes contra a competição externa no seu mercado
potencialmente gigantesco, o
que continua a ser um elemento significativo da política
americana.
Quando a indústria do país se tornou globalmente
dominante, o
livre-comércio passou a ser-lhe conveniente, como havia
sido para os britânicos. Mas uma das fraquezas do império
americano do século XXI
está em que, no mundo industrializado de hoje, a
economia dos Estados Unidos já não é dominante como
antes. O que o país importa em quantidades enormes são
as manufaturas
do resto do mundo, e por causa disso a reação dos
interesses econômicos e dos eleitores continua a ser
protecionista. Há uma contradição entre a ideologia de um
mundo regido pelo livre-comércio controlado pelos
Estados Unidos e os interesses políticos de elementos
significativos que, dentro dos Estados Unidos, sentem-se
enfraquecidos por ela.
Uma das poucas maneiras pelas quais essa fraqueza
pode ser superada é a expansão da produção e venda de
armas. Essa é outra diferença entre o Império Britânico e
o americano. Especialmente
a partir da Segunda Guerra Mundial, a quantidade de
armamentos nos Estados Unidos em tempo de paz tem se
mantido com constância em níveis extraordinários, que
não encontram precedente na história moderna.
Essa pode ser a razão para a permanência do que o
presidente Dwight Eisenhower denominou o "complexo
industrial militar". Durante os quarenta anos da Guerra
Fria, os dois lados falavam e agiam como se uma guerra
estivesse em curso ou a ponto de começar. O Império
Britânico alcançou o apogeu no transcurso de um século
(1815-1914) sem grandes conflitos internacionais. Além
disso, apesar da desproporção evidente entre o poderio
dos Estados Unidos e da União Soviética, o ímpeto
156

de crescimento da indústria bélica americana tornou-se


muito mais forte desde antes do fim da Guerra Fria, e
prosseguiu sem se abater até agora.
A Guerra Fria deu aos Estados Unidos a hegemonia sobre
o Ocidente. Mas isso se dava sob a forma da chefia de
uma aliança. Não havia ilusões a respeito da correlação
de forças. O poder estava em Washington e em nenhum
outro lugar. Nesse sentido, a Europa reconhecia, já então,
a lógica de um império global dos Estados Unidos. Porém,
hoje, o governo americano reage contra o fato de
que o império americano e seus objetivos já não são
genuinamente aceitos. A coalizão consensual já não
existe. Na verdade, a política atual dos Estados Unidos é
mais impopular do que a de qualquer
governo americano no passado e provavelmente do que a
de qualquer outra grande potência em todos os tempos.
Os americanos lideravam a aliança ocidental com um
toque
de cortesia tradicional nos assuntos internacionais,
quando mais não seja porque os europeus estavam na
linha de frente da luta contra o Exército soviético, mas
eles insistiam em que a aliança devia estar
permanentemente atada aos Estados Unidos em razão
da dependência da tecnologia militar americana; e
persistiram em
sua oposição sistemática a que a Europa tivesse um
potencial militar independente. As raízes da fricção
duradoura entre os americanos e os franceses, que existe
desde os tempos de De Gaulle, estão na recusa francesa
em aceitar como eterna uma aliança entre Estados e na
sua insistência em conservar um potencial independente
para a produção de equipamentos militares de alta
tecnologia.
Mas, apesar de todas as suas tensões, a aliança era uma
coalizão consensual autêntica.
O colapso da União Soviética deixou os Estados Unidos
na condição efetiva de única superpotência, que nenhum
outro
poder podia, ou sequer queria, desafiar. Não é fácil
compreender por que os americanos começaram de
repente a alardear seu poder 157

de maneira tão extraordinária, cruel e antagonística, ainda


mais quando isso não corresponde nem às políticas
imperiais comprovadamente eficazes que foram
desenvolvidas durante a Guerra Fria nem aos interesses
da própria economia dos Estados Unidos. As políticas que
têm
prevalecido ultimamente em Washington parecem tão
loucas para quem as olha de fora que é difícil entender
quais seriam suas verdadeiras intenções. Mas é evidente
que a afirmação pública da supremacia global por meio da
força militar é o que está na mente das pessoas que
atualmente têm o domínio, ou pelo menos um
semidomínio, das decisões políticas em Washing-ton.
Seus propósitos permanecem obscuros.
É possível que tenham êxito? O mundo é demasiado
complexo para que um único país possa dominá-lo. E,
com exceção da sua superioridade militar em armamentos
de alta tecnologia, os Estados Unidos contam
com trunfos decrescentes, ou potencialmente
decrescentes. Sua economia, embora grande, representa
uma proporção decrescente da economia global
e é vulnerável tanto no curto quanto no longo prazo.
Imagine se amanhã a
Organização dos Países Exportadores de Petróleo
resolver trabalhar suas contas em euros e não em
dólares.
Ainda que os Estados Unidos conservem algumas
vantagens políticas, a maioria delas foi jogada pela janela
nos últimos dezoito meses. O país dispõe dos trunfos
menores resultantes da dominação da cultura mundial
pela cultura americana e pela língua inglesa. Mas o trunfo
principal para os projetos imperiais, no momento, é o
militar. O império americano não tem competidores no
setor militar e isso deve prosseguir no futuro previsível.
Tal situação não significa que essa vantagem será
absolutamente decisiva, só porque ela é decisiva em
guerras localizadas. Mas na prática ninguém, nem mesmo
os chineses, tem condições de competir com o nível
tecnológico dos americanos.
Impõem e aqui considerações cuidadosas sobre os limites
da superioridade tecnológica.
158

É claro que os americanos, teoricamente, não querem


ocupar
o mundo inteiro. O que eles querem é ir à guerra,
colocar governos amigos no poder e voltar para casa. Mas
isso não vai funcionar. Em termos puramente militares, a
Guerra do Iraque foi um grande êxito. Mas, como esse
êxito foi puramente militar, negligenciaram-se os aspectos
relativos ao que se deve fazer quando se ocupa um país:
governá-lo, supri-lo e conservá-lo, como os britânicos
fizeram no modelo colonial clássico da índia. O modelo de
"democracia" que os americanos querem oferecer ao
mundo através do Iraque é um não-modelo e não tem
relação com o fim proposto. A crença de que os Estados
Unidos não precisam de aliados autênticos entre os
demais países nem de apoio popular autêntico nos países
que seus soldados conquistam (mas não conseguem
governar) é uma fantasia.
A Guerra do Iraque é um exemplo da frivolidade do
processo de tomada de decisões dos Estados Unidos. O
Iraque é um país
que foi derrotado pelos americanos e se recusou a
prostrar-se. Um país tão enfraquecido que podia ser
derrotado com facilidade. Ele possui algo de valor - o
petróleo -, mas a guerra foi basicamente um projeto para
mostrar poder perante o mundo. A política de que estão
falando os malucos de Washington, uma reformulação
completa de todo o Oriente Médio, não faz sentido. Se
eles planejam derrubar o reino saudita, o que é que vão
pôr no lugar? Se realmente querem mudar o Oriente
Médio, sabemos que o que mais precisam fazer é
pressionar Israel.
O pai de Bush estava disposto a fazê-lo, mas o atual
ocupante da Casa Branca não está. Em vez disso, seu
governo destruiu um dos dois Estados garantidamente
seculares do Oriente Médio e se prepara para agir
contra o outro, a Síria.
A vacuidade dessa política fica clara pela maneira como
os objetivos foram descritos em termos de relações
públicas. Expressões como "eixo do mal" ou "mapa do
caminho" não constituem
159
linhas políticas, e sim simples sons que encerram seu
próprio potencial político. A linguagem artificial
onipresente que tem inundado o mundo nos últimos
dezoito meses é uma indicação da ausência de uma
política efetiva. Bush não faz política, e sim uma
apresentação de palco. Dirigentes como Richard Perle e
Paul Wblfowitz
falam como Rambo, tanto em público quanto em privado.
A única coisa que importa é o poder avassalador dos
Estados Unidos. Em termos reais, eles querem dizer que
os Estados Unidos podem invadir qualquer país
suficientemente pequeno para conquistar vitórias rápidas.
Isso não é uma política. Nem vai funcionar. As
conseqüências dessa situação para os Estados Unidos
serão muito perigosas. Internamente, o perigo real que
corre um país que se lança ao controle do mundo por
meios essencialmente militares é sua própria
militarização. Esse perigo tem sido seriamente
subestimado.
Do ponto de vista internacional, o perigo é a
desestabilização do mundo. O Oriente Médio é apenas
um exemplo disso: muito
mais instável agora do que dez ou mesmo cinco anos
atrás. A ação dos Estados Unidos enfraquece todos os
arranjos alternativos, formais e informais, para a
manutenção da ordem. Na Europa, ela afundou a
Organização do Tratado do Atlântico Norte, o que não
chega a ser uma grande perda. Mas tratar de transformar
a OTAN
no agente policial global em prol dos Estados Unidos é
uma desfaçatez. A ação americana sabotou
deliberadamente a União Européia e visa
sistematicamente arruinar outra das grandes conquistas
mundiais dos últimos sessenta anos - os sistemas de
bem-estar social, prósperos
e democráticos. A crise amplamente noticiada em torno da
credibilidade das Nações Unidas é muito menos dramática
do que parece, uma vez que a ONU nunca foi capaz de
operar de maneira mais do que marginal, devido à sua
total dependência do Conselho de Segurança e do poder
de veto
dos Estados Unidos.
160

Como pode o mundo confrontar - ou conter - os Estados


Unidos? Alguns, acreditando não ter poder para
confrontá-los, preferiram aderir. Mais perigosos ainda são
os que detestam a
ideologia do Pentágono, mas apoiam o projeto americano
acreditando que seu avanço eliminará injustiças locais e
regionais. Isso pode ser chamado de imperialismo dos
direitos humanos e foi alimentado pelo fracasso da Europa
nos Bálcãs, na década de 1990.
A divisão da opinião pública quanto à Guerra do Iraque
mostrou que existe uma minoria de intelectuais influentes,
que inclui Michael Ignatieff nos Estados Unidos e Bernard
Kouchner na
França, que estava disposta a apoiar a intervenção
americana porque acreditava ser necessário o uso da
força para remediar os males do mundo.
é perfeitamente possível afirmar que existem governos tão
ruins que seu desaparecimento será um benefício para o
mundo. Mas isso nunca poderá justificar o perigo global
trazido pela criação de um poder mundial que
basicamente não tem interesses específicos em um
mundo que não chega a compreender, mas tem a
capacidade de intervir militarmente de maneira decisiva
onde quer que alguém faça algo que Washington não
aprecie.
Contra esse pano de fundo, pode-se ver
a pressão crescente sobre a imprensa, porque,
em um mundo em que a opinião pública conta tanto, ela
também sofre enormes manipulações. Durante a
Guerra do Golfo, em 1990-91, fizeram-se tentativas de
evitar a situação criada na Guerra do Vietnã, impedindo a
presença da imprensa nas proximidades da ação bélica.
Mas elas não tiveram êxito porque a imprensa, como a
CNN, por exemplo, já estava em Bagdá, relatando
histórias que não se enquadravam nos cenários que
Washington queria divulgar. Desta vez, na Guerra do
Iraque, o controle novamente não funcionou, razão pela
qual a tendência será buscar maneiras mais
efetivas de agir. Elas podem tomar a forma de um controle
direto, e até o último recurso do controle
161

tecnológico, mas a ação conjugada dos governos e dos


donos monopolistas dos meios de difusão será
empregada para produzir efeitos ainda maiores do que os
obtidos com a Fox News, ou por Silvio Berlusconi na Itália.
É impossível prever a duração da atual superioridade
ameri cana.
A única coisa da qual temos certeza absoluta é que se
trata de um fenômeno historicamente temporário, como
ocorreu com todos os impérios. No período de nossa vida
vimos o fim de todos os impérios coloniais, o fim do
chamado império dos mil anos dos alemães - que durou
apenas
doze - e o fim do sonho da União Soviética de liderar uma
revolução mundial.
Existem razões internas pelas quais o império americano
pode não ser duradouro, e a mais imediata delas é que a
maioria
dos americanos não está interessada no imperialismo e
na domi nação mundial no sentido de governar o mundo.
O que interessa a eles é o que lhes acontece dentro dos
Estados Unidos. A fragilidade da economia americana é
tal que em algum momento tanto o governo quanto os
eleitores americanos chegarão à conclusão de que é
muito mais importante concentrar os esforços na
economia do que continuar a fazer aventuras militares no
exterior. Ainda mais porque essas intervenções militares
terão de ser pagas sobre-tudo pelos contribuintes
americanos, o que não ocorreu na Guerra do Golfo nem,
em grande medida, na Guerra Fria.
Desde 1997-98 estamos vivendo uma crise da economia
capitalista mundial. Ela não entrará em colapso, mas,
apesar disso, não é provável que os Estados Unidos
consigam prosseguir com seus ambiciosos projetos
internacionais e lidar, ao mesmo tempo, com sérios
problemas internos. Inclusive para os padrões dos
pequenos negócios locais, Bush não tem uma política
econômica adequada para os Estados Unidos. E a atual
política internacional do seu governo não é
particularmente racional
nem para os interesses imperiais americanos, nem para
os interesses globais, nem, com
162

certeza, para os interesses do capitalismo americano. Daí


vêm as divergências de opinião no seio do governo dos
Estados Unidos.
A questão-chave do momento é: o que vão fazer os
americanos agora e como os outros países vão reagir?
Alguns deles - como a Grã-Bretanha, o único membro
autêntico da coalizão dominante
-continuarão a apoiar tudo o que os Estados Unidos
planejarem? Essencialmente, seus governos devem
indicar que há limites para o que os americanos podem
fazer com seu poderio. A contribuição
mais positiva até agora foi feita pelos turcos, que
simplesmente disseram que há coisas que eles não estão
dispostos a fazer, mesmo sabendo que valeria a pena.
Mas, neste momento, a preocupação maior é, se não a de
conter, pelo menos a de educar, ou reeducar, os Estados
Unidos. Houve
um tempo em que o império americano reconhecia a
existência de limitações, ou pelo menos a conveniência de
comportar-se como se tivesse limitações. Isso se devia
basicamente ao fato de que tinha medo de alguém mais, a
União Soviética. Na ausência desse tipo de medo, é
preciso que o interesse próprio esclarecido e a cultura
tomem seu lugar. 163

Notas
1. GUERRA E PAZ NO SÉCULO XX [pp. 21-35]

1. Estimativa de Z. Brzezinski, Out ofcontrol: Global


turmoil on the eve
ofthe
21" century (Nova York, 1993); estimativa populacional de
Angus Maddison, The world economy: A millenial
perspective (OCDE, Paris, 2001), p. 241.
2. Veja StiftungEntwicklung und Frieden, Globale
Trends 2000: Fakten,
Analysen, Prognosen (Frankfurt a/M, 1999), p. 420,
Schaubild 1.
3. Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Refugiados, The state of the world's refugees
2000: Fiftyyears of humanitarian action (Oxford, 2000).
4.0 melhor guia neste tema é de Roy Gutman e David
Rieff (eds.), Crimes ofwar: What the public should know
(Nova York e Londres, 1999).

2. GUERRA, PAZ E HEGEMONIA NO INÍCIO DO


SÉCULO XXI [pp. 36-53]

1. Paul Bairoch, De Jérichoà México: Villes


etéconomies dans Vhistoire (Paris,
1985), p. 634.
2. Patrick Radden Keefe, "Irak, America's private
armies" New York Review ofBooks, 12/8/2004, pp. 48-50.
3. Daily Mail (Londres), 22/11/2004, p. 19.
4. Margareta Sollenberg (ed.), States in armed
conflict2000 (Uppsala, 2001);
165
Internai displacement: A global overview of trends and
developments in 2003
(http://www.idpproject.org/global_overview.htm).
5. John Steinbrunner e Nancy Gallagher, "An
alternative vision of global security", Daedalus, verão de
2004, p. 84.
6. Angus Maddison, Véconomie mondiale 1820-
1992. Analyse et statistique (OCDE, Paris, 1995), pp. 20-
1. Os dados sobre o Egito começam a partir de 1900.

3. POR QUE A HEGEMONIA DOS ESTADOS


UNIDOS DIFERE DA DO IMPÉRIO BRITÂNICO [pp. 54-
76]

1. Niall Ferguson, Colossus: The rise and fali of the


American empire (Lon- dres, 2005).
2. Uppsala, Uppsala conflict data project (Armed
conflicts 1945-2004), prio.no/cwp/ArmedConflict.
Consultado em 17/6/2006.
3. Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Refugiados, The state ofthe world's refugees:
Human displacement in the new millennium (Oxford,
2006), cap. 7,fig.7.1.
4. Ferguson, op. cit., p. XXviii. 5. TLS (Londres),
29/7/2005.
6. Ferguson, op. cit, p. 42.
7. Friedrich Katz, The secret war in México: Europe,
the United States and
the
Mexican Revolution (Chicago e Londres, 1981).
8. Howard F. Cline, México, revolution to evolution
(Oxford, Nova York e Toronto, 1962), p. 141.
9. Christopher Bayly e Tim Harper, Forgotten
armies: The fali ofBritish
Asia
1941-1945 (Londres, 2004).
10. Liga das Nações, Industrialisation andforeign
trade (Genebra, 1943), p. 13.
11. UNIDO Research UpdateNal (Viena, janeiro de
2006), tabela, p. 5.
l2.AnneHo\hnáer,Sexandsuits:Theevolutionofmoderndres
sCNovaYork,
1994).
13. Jean-Christophe Dumont e Georges Lemaitre,
"Counting immigrants
and expatriates in OECD countries: A new perspective",
OECD Social Employment and Migration WorkingPapers
AP 25 (OCDE, Paris, 2003/2006).
14. F. J. Turner, "Western state-making in the
revolutionary era", American
HistoricalReviewI, 1/10/1895, pp. 70 ss.
15. Henry Nash Smith, Virgin land: The American
west as symbol and myth (Nova York, 1957).
166

16. Eric Foner, The story of American freedom (Londres,


Basingstoke e Oxford, 1998), p. 38.
* 17. Hannah Arendt, On revolution (Nova York e Londres,
1963).
18. Gwyn A. Williams, Madoc: The makingofa myth
(Oxford, 1987).
19. Angus Maddison, Véconomie mondiale 1820-
1992. Analyse et statisti- ques (OCDE, Paris, 1995), tabela
3.3.
20. Calculado a partir de Herbert Feis, Europe,
theworld's banker 1870-1914
(New Haven e Londres, 1930), p. 23, e Cleona Lewis,
America's stake in internatio-
nal investiments (Washington, D. C, 1938), ap. D, p. 606. A
taxa de câmbio dólar/libra foi estimada em 4,5:1.
21. Eric J. Hobsbawm, com Christopher Wrigley,
Inàustry and empire (Lon- dres, 1999, nova edição),
tabela n32a.
22. Dr. F. X. von Neumann-Spallart, Uebersichten
der Weltwirthschaft von Dr.F.X. von Neumann-Spallart
Jahrgangl883-84 (Stuttgart, 1887),pp. 189,226- 7,352-
3,364-6.
23. Angus Maddison, The world economy: A
millennial perspective (OCDE, Development Centre, Paris,
2001), ap. F 5.
24. W. W. Rostow, The world economy: History
and prospect (Londres e Basingstoke, 1978), pp. 72-3,75.
25. The Economist, Pocket World in Figures, edição
de 2004 (Londres, 2003), p. 32.
26. Victoria de Grazia, Irresistible empire: America's
advance through
twen-
tieth-century Europe (Cambridge, Mass., e Londres,
2005), p. 213.
27. Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento-PNUD (United Nations Program for
Development - UNDP), World Report on Human Develop-
ment {Bruxelas, 1999), tabela 11.
28. Jeffry A. Frieden, Global capitalism (Nova York e
Londres, 2006), pp. 132,381.
29. De Grazia, op. cit., p. 1.
30. Frieden, op. cit., p. 133.
31. E. D. Hirsch Jr., Joseph F. Kett e James Trefil,
The new dictionary of cultu-
ral literacy (Boston e Nova York, 2002).

4. SOBRE O FIM DOS IMPÉRIOS [pp. 77-85]

1. Jan Morris,"Islam's Lost Grandeur", The


Guardian, 18/9/2004, p. 9-crí- tica sobre Salônica, city of
ghosts: Christians, Muslims and Jews 1430-1950, de
MarkMazower (Londres, 2004).
167

5. AS NAÇÕES E O NACIONALISMO NO NOVO


SÉCULO [pp. 86-96]

1. Principalmente Ernest Gellner, Nations and


nationalism (Oxford, 1983), Bcnedict Anderson,
Imaginedcommunities: Reflexionson theorigins and
spreadof Nationalism (Londres, 1983), e A. D. Smith,
Theories of nationalism (Londres, 1983). Veja também
Eric Hobsbawm, Nations and nationalism since 1780
(Cam- bridge, 1990).
2. Angus Maddison, The world economy: A
millennial perspective (OCDE, Development Centre, Paris,
2001),p. 128.
i.ElPais, 13/1/2004, p. 11.
4. Stalker's Guide to International Migration, tabela
5,"Developing country
remittance receivers"
(2001);(http://pstalker.com/migration/mg_stats_5.htm).
5. (http://money.cnn.com/2004/10/08/real_estate/mi
l_life/twopassports/).
6. Benedict Anderson, The spectre of comparisons:
Nationalism, Southeast Asia and the world (Londres e
Nova York, 1998) pp. 69-71.
7. Pierre Brochand, "Economie, diplomatie et
football", em Pascal Boniface (ed.), Géopolitique du
Football (Bruxelas, 1998), p. 78.
8. University of Leicester, Centre for the Sociology
of Sport, Fact Sheet
16:
The Bosman ruling: Football transfers
andforeignfootballers (Leicester, 2002).
9. Cf. David Goldblatt, The bali is round: A global
history of football
(Lon-
dres, 2006),pp. 777-9. Vejatambém"Futbol, futebol,
soccer: Football in the Amé- ricas", Institute of Latin
American Studies Conference, 30-31/10/2003, Londres
(http://www.sas.ac.uk/ilas/sem_football.htm).
10. Eric J. Hobsbawm, Nations and nationalism
(edição Canto), p. 142.

6. AS PERSPECTIVAS DA DEMOCRACIA [pp. 97-II5]


1. John Dunn, The cunning ofunreason: Making
sense ofpolitics (Londres, 2000), p. 210.
2. Herbert Tingsten, Political behaviour: Studies on
election statistics
(Lon-
dres, 1937), pp. 225-6; Seymour Martin Lipset, Political
man: The social bases of
politics (edição de capa mole, Nova York, 1963), pp. 227-
9.
3. Prospect, agosto-setembro de 1999, p. 57.
4. International Herald Tribune, 2/10/2000, p. 13.
5.1bid.
168

8. O TERROR [pp. 121-37]


# 1. Sigo o relato de Lawrence Wright, The looming tower
(Londres, 2006),
pp.
123-5,174-5.
2. Carlos Ivan Degregori et cã, Tiempos de ira y
amor: Nuevos actorespara viejos problemas (Lima, 1990)
é excelente a respeito do fenômeno do Sendero
Luminoso.
3. Martin Pollack, The dead man in the bunker
(Londres, 2006), sobre a vida e a carreira de um
proeminente oficial da ss.
4. Juan Carlos Marín, Los hechos armados:
Argentina 1973-76(Buenos Aires
1996), p. 106, quadro 8.
5. Sigo a linha de argumentação de Diego
Gambetta, com base no material de Diego Gambetta (ed.),
Makingsense of suicide missions (Oxford, 2005).
6. Gambetta, op. cit., p. 260.
7. Gambetta, op. cit., p. 270.
8. Wright, op. cit., pp. 327-8.
9. Gambetta, op. cit., pp. 327-8.

9. A ORDEM PÚBLICA EM UMA ERA DE VIOLÊNCIA


[pp. I38-51]

1. Online etymological dictionary.


2. Eric Monkkonen, "Explaining American
exceptionalism", American His- tórica/ Review III, n" 1,
fevereiro de 2006.
3. Danielle Tartakowsky, Lepouvoir estdans la rue:
Crisespolitiques et
mani-
festations en France (Paris, 1998), "Conclusion",
especialmente p. 228.
4. Moisés Naim, Illicit (Nova York, 2005).
5. Chris E. McGooey,"Gated communities: Acces
control issues" (www.crimedoctor.com/gated.htm).
169

índice remissivo
11 de setembro de 2001, ataques de, 17,
25,51,52,135,139,149,151
7 de julho de 2005, atentado a bomba de (Londres), 139

abássidas, 80
ação direta, 108
Afeganistão, 17,18,26,42,78,129,132;
AlQaedano, 132
Afeganistão, guerra no: "combatentes ilegais", 59; e
democracia, 116
África: agricultura, 37; antigos territó- rios franceses, 84;
cidades, 38; con- flito étnico e religioso, 130,132; e
futebol, 93,94; emigração, 90; Esta- dos falidos, 87;
experiência do im- pério, 78,82,104; genocídio e trans-
ferências de populações, 45, 88;
guerras, 22,24,45,129
África central, 16,35
África do Sul, 64, 65,103,134; apar-
theid, 103,134
África subsaariana, 22,38 África, oeste da, 88 agricultura,
36,37
água, fornecimento de, 105 aids, 57
AlFatah,130
AlQaeda, 124,125,131,132,135
Alemanha, 22; "império dos mil anos", 162; Alemanha
imperial, 99; Ale- manha nazista, 81; campeonatos de
futebol, 147; clubes de futebol, 93; crescimento industrial,
44; econo- mia, 71; globalização, 12; império alemão, 78;
métodos de controle de massas, 141; violência política,
129
Alexandre, o Grande, 80 alfabetização, 39
algodão, 70
Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados, 88,165,166
América Central, 23,59,90
América do Norte: cidades, 38; cresci 171

mento industrial, 44; e o império americano, 63, 64;


economia, 72; educação, 39; indústria de armas, 139
América do Sul ver América Latina América Latina
(América do Sul), 50,
59,70,114,122,123,128,129,130,
134; cidades, 38; ditaduras, 18,100; e democracia,
100,114; emigração, 90; Estados falidos, 87; guerras, 23;
influência da economia britânica,
69, 70; supermercados, 73; violên-
cia política, 123, 129,134
Américas, 22,37,40,78,81,94
Amin, Idi, 16
anarquismo, 132
Anderson, Benedict, 91,168
Angola, 30
anomia, 126
aquecimento global, 10,57
árabes, 81
Arábia Saudita, 131 Arendt, Hannah,66,167 Argélia, 49,64
Argentina, 94,169; violência política, 129
armas: biológicas, 46; controle de ar- mas, 29; de alta
tecnologia, 24,157; de destruição em massa, 149; dis-
ponibilidade de, 41, 84, 87, 104,
139,150; venda de, 156
armas nucleares, 46,49; e terrorismo, 136
Ásia, 122,135; agricultura, 37; cidades,
38; ditaduras, 18; e futebol, 94; eco-
nomias, 43, 73; educação, 38; ex- periência do império,
78,81,104; gastos militares, 74; genocídio e transferências
de populações, 45; guerras, 45,79; monarquias here-
ditárias, 97
Ásia central, 22
Ásia ocidental, 22,88
Ásia oriental, 53,130 Ásia, Centro-Sul da, 88
Ásia, Leste da, 22,44,51,52,130 Ásia, Sudeste da,
22,37,60,78,130 Ásia, Sul da, 22,38,44,130
Associação dos Chefes de Polícia (Rei- no Unido), 138
astecas, 68
"atirar para matar", política do, 148 Atlântico Norte, região
do, 40,43 Austrália, 44,64,65,89,141
Áustria, 80,141

Bagdá, 161
Bálcãs, 16,18,33,57,78,87,117,161
Báltico, mar, 69
Banco Mundial, 29,58,109,111
Bangladesh, 24,38,90
beisebol, 62 Belfast,84
Bélgica, 32,141; império belga, 78
Benelux, 44
berberes, 84
Berlusconi, Silvio, 162 Bin Laden, Osama, 124,132 Blair,
Tony, 46
Bósnia, 15,16
Bradford, incêndio no estádio em, 146 Brasil, 12,83,94; e
futebol, 94
Brigadas Vermelhas, 129,132,133,136 British North
America Act, 67 Brixton, tumulto de, 149
budismo, 122
Bulgária, 94
Bush.George (pai), 159
172

Bush, George W., 46, 56, 59,132,160,


162
*
Câmara dos Lordes, 30 Camboja (Kampuchea), 16,97
câmeras de controle de velocidade, 144 camponeses:
assassinato de, 127; declí-
nio do campesinato, 37; rebeliões de, 126
Canadá, 64,65,67,71,89,141
Caribe, 59,65,69,90
Carnaval de Notting Hill, distúrbios no, 148
cartões de identidade, 146
Caxemira, 30,84,131,135
censos, 91,145
Chechênia, 30,87,130,131
Chile, 99,134
China, 11,30,45,152; apoio a Pol Pot, 16; campesinato,
37; crescimento
industrial, 44; educação, 39; globa-
lização, 12; Império Chinês, 23,78,
153; supermercados, 73
Churchill.Winston, 100
CIA (Agência Central de Inteligência), 145
cidadãos, 40,41,42; falta de confiança no governo, 113;
lealdade dos, 91,
95,96,104,106,143; participação
na política, 103,107 Cidade do México, 146 cingaleses,
121
CNN, 161; efeito CNN, 108
Colômbia, 23,30,84,88,100,130,132,
134; e democracia, 100; narcoban-
didos colombianos, 126
Colombo, Cristóvão, 68
"combatentes ilegais", 59
comércio ilícito, 144
complexo industrial militar, 156 comunicações,
25,37,43,90
Comunidade Britânica, 65
condomínios fechados, 146
Confederação Iroquesa, 68 Congresso dos Estados
Unidos, 103,
112
conquista normanda, 63
Conselho de Segurança das Nações Uni- das, 11,33,160
"Consenso de Washington", 58,75 Constituição dos
Estados Unidos, 64 contrabando, 144
controle de massas, 140
Convenção de Genebra, 59 Convenções de Haia, 25,26
Cooper, James Fenimore, 64 Corão, 125
Coréia do Norte, 97
Coréia do Sul, 12,38,39,83,99 cosmopolitização, 90
Costa Rica, 122 crimes de guerra, 29 criollos, 68
críquete, 62
Croácia, 17
CRS (França), 148
Cruz Vermelha Intenacional, 46,125 Cuba, 64,70,98
Curdistão,42,109,130

De Gaulle, Charles, 157 delinqüência juvenil, 141


democracia, 13, 18, 50; "democracia dos negócios", 73;
democratização interna, 18; disseminação da, 116,
117,118, 120; e capitalismo, 98; e
Estados nacionais, 99, 103, 104,
105,106, 115,118; e ideologia do
173

mercado, 105; e imperialismo, 48; e Iraque, 159; e


participação em elei- ções, 103, 107, 119; e partidos de
massas, 112; e sátira, 100; mídia e, 107,108,112,113;
perspectivas da,
97,98,99,100,101, 102,103,104,
105, 106, 107, 108, 109, 110, 111,
112,113,114,115
Departamento de Estado americano, 150
desarmamento, 29,125
descolonização, 84,87,137 desigualdade econômica e
social, 11,
34,56
desindustrialização, 43,140 Detroit,73
Dinamarca, 141 diplomacia do dólar, 73
direito internacional, 30
direitos humanos, 53,155; imperialis- mo dos, 14,18,161
distúrbios raciais, 148
dólar, 51,73,167
Domesday book, 66,67
Doutrina Monroe, 59,64 droga, cultura da, 126
Dunn,John,98,168
dupla nacionalidade, 90

educação, 39,95; escolas, 105


Egito, 48,83,124,131,166
Eisenhower, Dwight D., 156 "eixo do mal", 159
El Salvador, 90
eleições, participação em, 103, 107,
119
Elias, Norbert, 141
empresas transnacionais, 41,114

174
empréstimo à Grã-Bretanha (1946), 74
Escócia, 66,67,95
Espanha, 106; clubes de futebol, 93; e conflito basco, 31,
42, 56, 84, 145; imigração, 89; império espanhol,
60,78,152; métodos de controle de massas, 141; racismo
e futebol, 95;
separatismo, 32; tribunais, 30; vio-
lência política, 131,134
esportes, 62
Estados falidos e fracassados, 56,87 Estados nacionais:
aumento em nú-
mero, 79, 87, 114; diminuição do papel do Estado, 105; e
democracia, 98, 99, 104, 105, 106, 114, 118; e
experiência do império, 80, 82; e globalização, 28,58,153;
e lealdade dos cidadãos, 91,95,96; e monopó- lio da força
armada, 30,42,87,104, 106,125,143; e nacionalismo, 86,
87,88,89,90,91,92,93,94,95,96; e
ordem pública, 142, 143, 144,145; mitos fundadores, 67;
renda do Estado, 104
Estados Unidos: "ameaças à América", 51; "imperialismo
moral", 60; abo- lição do serviço militar, 144; apoio a Pol
Pot, 16; autodefinição políti- ca, 55; bases militares, 61,65,
154; condomínios fechados, 146; desti-
no manifesto, 52; divisões internas, 51,162; e "guerra
contra o terror", 45,46; e ameaça de guerra mundial, 45; e
democracia, 13,49,99,159; e economia da América Latina,
69,
70; e Guerra do Iraque, 120; e reso- lução de disputas,
32,33,117; eco- nomias^, 50,51,52,61,70,71,

72, 73, 74, 156, 157, 162; eleições


presidenciais, 103; em comparação oím a Grã-Bretanha,
63,64,65,66, 67, 68; êxito dos narcobandidos
colombianos, 126; expansão cultu- ral, 49,73,74,158;
expansionismo,
69; falta de confiabilidade dos cen- sos, 91; fechamento
do espaço aéreo após o 11 de Setembro, 25; frontei- ras,
63,67; funções do Estado, 67,
109,112; globalização, 12; hegemo-
nia, 13, 14, 15,28,47-75,85, 117,
118,152-63; imigração, 63,68,89,
91, 154; impopularidade, 51, 53,
157; industrialização, 70, 71, 72;
inimigos ideologicamente defini- dos, 68; intervenções na
América do Sul, 59; isolacionismo, 15; mé- todos de
controle de massas, 141; militarização, 156,160; mito fun-
dador, 67,68; origens revolucioná- rias, 66, 117; posse de
arma, 125,
139,143; práticas colonialistas, 79,
154; protecionismo, 65, 71, 111;
reações ao terrorismo, 131, 135,
136; renda do Estado, 104; superio-
ridade militar, 47,48,49,50,58,85,
117,157,158; supremacia aérea, 61; tamanho da
população, 68,69,154; taxa de homicídios, 143; tolerância
para com a violência, 125
ETA.31,57,124,129,132,133,136,139, 145
Etiópia, 22
euro: área do euro, 71
Europa, 155; "estrangeiros hereditá- rios", 68;
abolição de controles de fronteiras, 144; agricultura,
37; ci-
dades, 38; clubes de futebol, 93; colapso dos regimes
comunistas, 32,79,102;eaOTAN,49,160; econo-
mias, 71, 72, 73, 74; educação, 38; escala da
globalização, 12; fabrica- ção de armas, 139; fracasso nos
Bál- cãs, 160; guerras, 22,57,79; imigra-
ção, 90; industrialização, 70, 72; ordem pública, 34; plano
Marshall, 74; taxa de homicídios, 143; tecno- logia militar,
157; violência políti- ca, 133
Europa ocidental, 41; economias, 48; imigração, 89;
violência política, 129
Europa, Sudeste da, 22,45,88 expulsão de populações, 57
Extremo Oriente, 73; soviético, 21

Faixa de Gaza, 84 Federação Russa, 87,130


Ferguson, Niall, 55,60,166 Filipe da Espanha, 63 Filipinas,
37,79,90
Finlândia, 140
forças especiais de elite, 126 FoxNews, 162
Fração do Exército Vermelho, 129
França, 38, 44; clubes de futebol, 93; esquadrão policial
antidistúrbios, 148; fricção com Estados Unidos, 157;
império francês, 38, 78; mé- todos de controle de massas,
141; monarquia absoluta, 62; perda da Argélia, 49;
república, 106; revolu-
cionária, 15,67,155; separatismo
corso, 56; violência urbana, 143 Franco, sucessor do
general, 129
fronteiras internacionais, 34
Fukuyama, Francis, 106
175

Fundo Monetário Internacional, 29, 58,109


futebol, 62, 92, 93,94, 138,144, 146,
168; policiamento no, 147

galeses, 68
Gandhi, Indira, 131 Gandhi,Rajiv,131
GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), 58
Gêngis Khan, 80
genocídio, 15,16,45,57,63,79,130
Geórgia, 97 Gibraltar,154 Giuliani, Rudy, 147
globalização, 24,41,42,43,61, 72,73,
83, 144,155; antipatia pela, 111; e debilitação da
democracia, 102,109; e mercado livre, 10,11,12, 47, 55,
72; e universalidade dos assuntos de interesse humano,
117; globali- zação do movimento, 89,91; limi- tações
políticas, 28,58,153
golfe, 62
Grã-Bretanha (Reino Unido), 106,163; aumento das forças
policiais, 140; bases militares, 61,154; campeona- tos de
futebol, 146; centralização da política, 112; classe
dominante, 62; comparação com os Estados Uni-
dos, 62,63,64,65,66,67,68; condo-
mínios fechados, 146; descoloniza- ção, 75; e conflito com
Irlanda do Norte, 28, 31,42, 56, 84,145, 149,
150; e fundação dos Estados Uni- dos, 68,75; e Guerra do
Iraque, 120; economia, 44,61,68,69,70,71,72,
140, 155; emigração, 63; falta de confiabilidade dos
censos, 91,146; globalização, 12; medo da guerra, 44;
métodos de controle de mas- sas, 141; Parlamento, 106;
resulta- dos eleitorais, 112; separatismo, 32; supremacia
naval, 61, 75,154;
tamanho e fronteiras, 62, 63, 69, 153,155; ver também
Império Bri- tânico
Grande Depressão, 71
grandes potências, 14,15,31,47,58,
59,118,153
Greenspan, Alan, 111
gripe aviaria, 57
Guatemala, 90
"guerra assimétrica", 87
guerra civil americana, 52,65,68 Guerra da Coréia, 22,74
Guerra do Chaco, 22
Guerra do Golfo, 26,51,161,162 Guerra do Iraque,
14,17,45, 46,117,
159; "combatentes ilegais", 59; con-
trole da mídia, 161; decisão de ir à guerra, 120; divisão de
opiniões so- bre, 161; e democracia, 116, 117;
objetivos, 159; sucesso militar, 159 Guerra do Vietnã, 144
Guerra dos Bôeres, 59
Guerra dos Trinta Anos, 21,47
guerra fria, 18,21,26,32,33,50,51,57,
74, 79, 154, 157, 158, 162; conse-
qüências econômicas, 71,74; e de- clínio na violência,
128; e disponi- bilidade de armas, 42,84,87,139; e
integridade das fronteiras nacio- nais, 88; fim da, 22, 24,
31,32, 49,
79, 86, 101, 153, 156; guerras por procuração durante a,
24; invenção do neologismo, 26; premissas e
176

retórica, 31,32,153,156; tentativa americana de revivê-la,


136
Guéf ra Irã-Iraque, 129
guerras: "guerras sujas", 123,134;acor- dos de paz, 32,33;
civis e não-com- batentes, 24,25,45,57; convenções,
25, 26,135; doutrina de Rumsfeld,
52; e impérios, 60; guerras civis, 22,
23,26, 88,130, 132; guerras mun-
diais, 21, 23, 26, 44, 73, 101, 128,
143; guerras religiosas, 128; guerras totais, 102,104;
instituições deguer- ra, 150; medo da guerra, 44; perigo
de guerra global, 46,52,56; reação
às guerras nos Bálcãs, 57; retórica de guerra,
26,27,45,149; século XX, 21,22,23,24,25,26,27,28,29, 30,
44,57,90,128; século XXI, 30,31,32,
33,34,35,44,45,46
guerras indo-paquistanesas, 129

Habsburgo, império dos, 78,80 Haiti, 90


Hamas, 130,131
Havaí, 65
Heysel, estádio, 146
Hezbollah, 130
hinduísmo, 121
hipercidades, 37,38
história, 54; fim da, 36 Hitler,Adolf,78,128 Hobbes,
Thomas, 21,54,98
Holanda: clubes de futebol, 93; impé- rio holandês,
60,69,78,153; méto- dos de controle de massas, 140; ra-
cismo e futebol, 95
Hollywood, 50
homens-bombas, 122,136
homicídio, 28.127; político, IS11 tUUI
de, 143
"hooliganismo", 95,146
Hungria, 94
Hussein, Saddam, 17
Hyde Parle, 143

Idade Média, 57,141


Iêmen, 97
Ignatieff, Michael, 161
IKEA, 10
Iluminismo, 66
imperialismo, 13,14,18,42,48,55,59,
60,81,83,93,97,161,162; "moral",
60; fim da era do, 78; ver também impérios
Império Britânico, 48, 54, 60, 65,66,
69,74,75,153,154,155,156; declí-
nio, 155; e descolonização, 75; e dis- seminação da língua
inglesa, 61,74;
e economia mundial, 60,64,65,69, 70, 72,155; e
precedentes para os
Estados Unidos, 58, 60, 61,64, 65,
66,68,69, 70,72,74,152,153, 154,
155, 156; tentativas dos Estados Unidos de
enfraquecê-lo, 74
Império Otomano, 78
Império Romano, 58,62,80,153
impérios: alemão, 78; americano, 48,
58,59,73,74,75,152,153,154,155,
156, 157, 158, 159, 160, 161, 162,
163; aquiescência local em, 42,82,
83, 104; belga, 78; chinês, 23, 78, 153; conseqüências
culturais dos, 61,62; debates atuais sobre, 54,55; e
democracia, 48; e descolonização, 75, 87; e mitos
fundadores, 82;
espanhol, 60, 78,152; fim dos, 77,
78,79,80,81,82,83,84; francês, 38,
177

78; holandês, 60,69,78,153; japo-


nês, 78; nostalgia dos, 80; português,
69, 78; russo, 63,69, 78; soviético, 79; ver também
Habsburgo, impé-
rio dos; Império Britânico; Império Otomano; Império
Romano
impostos, 30,41,81,108; e eleições, 110;
isenções fiscais, 71
incas, 68
Índia, 11,136,159; campesinato, 38; e
Caxemira, 84, 135; e dissidência
armada, 42,135; e Sri Lanka, 121;
economia, 48; educação, 39; expe- riência do império, 83;
globaliza- ção, 12; hino nacional, 83; métodos de controle
de massas, 140; mis- sionários na, 66; posição das mu-
lheres, 39
Indochina, 22,38
Indonésia, 37
Inglaterra, 66,67,116; clubes de fute-
bol, 93; condomínios fechados, 146; futebol e
nacionalismo, 95
insurreição dos Montoneros, 129
insurreição naxalita, 135
internet, 37,139,150
intervenções humanitárias, 14,15,16,
17,117
Irã, 16,129; revolução, 130
IRA (Exército Republicano Irlandês), 28,31,57,124,132,
133, 136, 139,
145,148,149,169; IRA Provisório,
124,132
Iraque, 16,26,41,42, 83; insurgência,
136; modelo de "democracia", 159
Irlanda, 66,141
Irlanda do Norte, 28,95,104,118,124,
129,132,133,143,146,149,150
Irmandade Muçulmana, 124 Israel,26,63,131,136,159
Itália: clubes de futebol, 93; conquista da Etiópia, 23;
crescimento econô- mico negativo, 44; e democracia,
109,110; métodos de controle de massas, 141;
separatismo, 32; vio-
lência política, 129,131,133
Iugoslávia, 14,32,88

Japão, 21, 63; e democracia, 98, 111;


economia, 44,51,72; globalização,
12; império japonês, 78; reforma
agrária, 74
Jihad Islâmica, 130 João Paulo ii, papa, 131 Jordânia, 90
Jordão, rio, 84
judeus, 63,91
JVP (Front de Liberação do Povo), 122, 123,124

Kalashnikovs (AK47S), 139 Kampuchea ver Camboja


Kipling, Rudyard, 59
Kosovo, 17
Kouchner, Bernard, 161

lã, 70
Lei de Empréstimo e Arrendamento, 74
leis americanas, 74
Levellers, 116
Líbano, 26,33,90,131
Libéria, 16
Líbia, 37
Liga das Nações, 55,166 limpeza étnica, 88
língua inglesa, 61,158
linguagem ofensiva, 141
178

linhas aéreas, 89
Livingstone, Ken, 143
Londres, 52; atentado a bomba, 135
Luxemburgo, 94

Madoc, príncipe, 68,167


Madri, atentado a bomba em, 135 Malásia, 37
Malvinas, ilhas, 154 Manchúria,21 mandans,68
"manutenção da paz", forças de, 33 maoísmo, 123
"mapa do caminho", 159
Marrocos, 26
martírio, 130
Marx.Karl, 12
Mazower, Mark, 81,167
McDonald's, 10
Mediterrâneo, região do, 77,81,128 Menezes, Jean
Charles de, 148 mercados: como alternativa à demo-
cracia, 105; e desigualdade, 11,56;
e globalização, 10,11,12,47,56,72; fracasso dos, 114;
ideologia dos, 92,105
Metaxas, Yanni, 77
México, 23,59,64,70
Mianmar,38,45
mídia: e democracia, 108,112,113; e polícia, 148; e
terrorismo, 131,135,
136,151; e violência crescente, 127;
pressão americana, 161
migração de trabalhadores, 12,43; ver também
movimentos populacio-
nais Mill,JohnStuart,99 mineiros, greves de, 148 Missouri,
rio, 68
moda, 62 monarquia", 78,97"M Moro.Aldo, 12"* Motim
Indiano, 25
Mounties, 67
movimentos populacional", HV, ver também migração dc
traba- lhadores
mulheres, 141; emancipação das, 37,
39
mundo islâmico, 37,89
Muro de Berlim, queda do, 36,45,57

nacionalismo, 9,10,13,19,86,89,90,
91,95,168
Nações Unidas, 11, 29, 33, 50, 51, 55,
58,88,99,160,165,166,167;ereso-
lução de disputas, 33; países-mem- bros, 31,42, 87,114
Naim, Moisés, 144,145,169
Namíbia, 94
não-combatentes, 23,25
Napoleão Bonaparte, 49 Napoleão in, imperador, 99
nativos americanos, 64
Negro, mar, 69
neoblanquismo, 129
Nepal, 132
Nevski, Alexandre, 67
Nigéria, 94
Norte da África, 90
Noruega, 92,122,138,139,140,141
NovaDélhi,19,20,53 NovaYork.135,147,151 Nova
Zelândia, 65

OCDE (Organização para a Cooperação e o


Desenvolvimento Econômico), 37,63
Oceania, 39,72
179

opinião pública, 17,107,108,110,161;


e polícia, 148
ordem pública, 27,34,138, 140, 146,
147,148,150,169
Organização dos Países Exportadores de Petróleo, 158
Organização Mundial do Comércio, 29,51,58
Oriente Médio, 22,26,53,88,159,160
Orwell, George, 54
OTAN (OrganizaçãodoTratadodo Atlân- tico Norte),
49,160

Pacífico, oceano, 64,69,78,154 Pacífico, região do,


65,72,79,81 País Basco, 133
Pais Fundadores, 67
Palestina, 64,130,131,133,134
palestinos, 26; homens-bombas, 133,
136
Papua-Nova Guiné, 97
Paquistão, 24,37, 98,122; e democra-
cia, 97
Paris, 62; revolta estudantil, 143
Parlamento Europeu, 103
Partido dos Trabalhadores do Curdis- tão, 130
passaportes, 91,94
pax americana, 58
pax britannica, 48,58
pax romana, 58 Pedro, o Grande, 69 Pentágono,
22,83,161 Perle,Richard,160 Peru, 123,134
petróleo, 159; preços, 109 Pinochet, general Augusto,
30,134 plano Marshall, 74
pobreza, 11,12,113 • PolPot,16,97
polícia, 27,41; aumento no tamanho
das forças da, 140; desarmada, 143; e futebol, 147; e
ordem pública,
138,140,143,147,148,150;reações
ao terrorismo, 133
Polônia, 94
Porto (Portugal), 38
Porto Rico, 64
Portugal, 38; clubes de futebol, 93;
império português, 69,78
Praga, 109
Primeira Guerra Mundial, 24, 26,70,
71,73,78,125
prisioneiros, 59,127
prisões, 40,41,105
privatização, 105
produtores primários do Terceiro Mun- do, 51
produtos primários, 70,155
propaganda, 27, 74, 102; agências de
publicidade, 72
protecionismo, 71,111,156
protestantismo, 66
Prússia, 99
puritanos, 67 Putin,Vladimir,87

Rabin,Yitzhak,131 racismo, 95,97,122


Reagan, Ronald, 131
recrutamento, 126,130
refugiados, 24,45,57,88,133 Regras de Queensberry, 143
Reino Unido ver Grã-Bretanha relações familiares, 142
rendição incondicional, 27,125 República de Weimar, 116
Revolução Francesa, 40
180

Revolução Russa, 26
revoluções, 26,66 Rio de Janeiro, 146
Roosevelt, Franklin Delano, 79
Ruanda, 88
Rumsfeld, Donald, 52
Rússia: guerra civil, 23, 126; Império
Russo, 23, 63, 69, 78; métodos de controle de massas,
141; papel no Kosovo, 17; recursos naturais, 69;
revolucionária, 15, 155; ver tam- bém União Soviética

Sadat,Anwar, 131
Santa Helena, ilha de, 154
SARS (Síndrome Respiratória Aguda Severa), 152
Seattle, 109
Segunda Guerra Mundial, 24,45, 56,
61,65,71,87,88,101,139,142,156;
baixas, 24,130; e desenvolvimento do AK 47, 139; e o fim
da era dos impérios, 78; e pessoas deslocadas,
45,57,79,88; e política americana,
74; início e fim, 26
Segunda Internacional, 77 segurança, indústria da, 140
Sendero Luminoso, 123,127,169
Senegal, 90
Serra Leoa, 97
Sérvia, 17,111
serviços postais, 41
sindicatos, 110
Síria, 26,33,159
sistema métrico, 62
sistemas de bem-estar social, 12,160 Smith, Adam, 110
soldados, 24,57,62,113,126,127,141,
143,150,159
Somália, 131 SriLanka,30,83,84,118,121,122,123,
124,130,131,132
ss, 127,169
Stálin, Joseph, 67,128
Strachan, Hew, 59
Sudão, 88,94
Suécia, 97,131
sufrágio universal, 98,99,107,116,118
Suíça, 10,78,104,153
Summers, Larry, 111
supermercados, 73

Tailândia, 37,78
Taiwan, 38 Talibã,17 tâmeis, 122
Tanzânia, 16
Tchecoslováquia, 118
tecnologia militar, 157
televisão, 92,107,108,131
teocracias, 97,113
terrorismo: "guerra contra o terror",
46,118,134,136,149,150; e assas-
sinatos indiscriminados, 124,149;
e assassinatos políticos, 131,151; e mídia, 131,135, 136;
estatísticas, 150; fragilidade dos movimentos, 135;
mudança na natureza do, 121,
122, 123, 124, 125, 126, 127,128,
129, 130, 131, 132, 133, 134,135,
136
Tessalônica, 19,77,78
Tigres Tâmeis, 122,130,131
Timor Leste, 16
Timur Lang, 80
Tocqueville, Alexis de, 66,99 tolerância zero, 147
tortura,49,126,127,134,142
"totalitarismo", 18
Trafalgar Square, 143
181

tráfico de escravos, abolição do, 155 Transcaucásia, 88


Tribunal Penal Internacional, 29
Tudor, Maria, 63
Tunísia, 37
Turner, Frederick Jackson, 63 Turquia, 37

Ucrânia, 100
Uganda, 16
umaiadas, 80
União Européia, 51,90,119,151,154; e democracia,
98,100,114,119; eco-
nomia, 44, 50, 51; imigração, 89; sabotagem dos Estados
Unidos, 160; xenofobia crescente, 130
União Soviética, 31, 47, 49, 87, 139,
154,156, 162,163; colapso da, 18,
31,47, 51,56,86,87,137,157; fra-
casso do sistema, 111; homicídios na, 127; império
soviético, 79
urbanização, 38
Uruguai, 122,124,129
Uzbequistão, 65
velho Oeste americano, 67 Venezuela, 129
Vietnã, 16
vigilância, 43
violência: aumento da, 124,125,126, 138; e convicção
religiosa, 127; po-
lítica, 129,130,131, 132,133, 134,
135,136; redução da, 141

Washington, George, 15 Waterloo, batalha de, 47 Webb,


Sidney e Beatrice, 110 Webster, Noah, 68
Wilson, Woodrow, 60,73,79,117 Wodehouse, Pelham
Grenville, 142 Wolfowitz, Paul, 160
World Trade Center (Torres Gêmeas), 22,139

xenofobia, 91,92,95,130
xiitas, 130
xingamentos, 141

Zimbábue, 94
182

1ª EDIÇÃO [2007] 2 reimpressões


ESTA OBRA FOI COMPOSTA PELA SPRESS EM
MINION E IMPRESSA EM OFSETE PELA GRÁFICA
BARTIRA SOBRE PAPEL PÓLEN SOFT DA SUZANO
PAPEL E CELULOSE PARA A EDITORA SCHWARCZ
EM JANEIRO DE 2008

Você também pode gostar