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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 169-185 NOV.

2007

RECONHECIMENTO EM DEBATE:
OS MODELOS DE HONNETH E FRASER EM SUA RELAÇÃO
COM O LEGADO HABERMASIANO1

Ricardo Fabrino Mendonça

RESUMO

O presente artigo busca delinear o debate travado por Axel Honneth e Nancy Fraser acerca da noção de
reconhecimento, buscando compreender, especificamente, alguns dos aspectos que atravessam o projeto
habermasiano de teoria crítica. Se a proposta de Honneth (de uma teoria da justiça calcada na noção de
auto-realização) e a de Fraser (baseada no princípio da paridade de participação) parecem, à primeira vista,
inconciliáveis, alguns elementos comuns podem ser encontrados quando se tem em mente o pano de fundo
sobre o qual trabalham. Acreditamos que a possível produção de um modelo de reconhecimento capaz de
combinar proposições de Fraser e Honneth depende da explicitação de alguns pressupostos habermasianos
que permanecem implícitos nas perspectivas aqui em análise. O presente artigo traça comparações e
aproximações entre os três autores no que se refere, basicamente, a três aspectos: a importância das interações
ordinárias, a dimensão material das lutas sociais e as relações entre direito e moral.
PALAVRAS-CHAVE: reconhecimento; teoria crítica; Honneth; Fraser; Habermas.

I. INTRODUÇÃO mento mostra-se um instrumento heurístico bas-


tante promissor2.
A filosofia política vem assistindo a um acirra-
do debate em torno da noção de reconhecimento. Não há, contudo, homogeneidade em sua apli-
Um crescente número de pesquisadores, de di- cação, o que se faz evidente pelas sucessivas crí-
versas áreas das ciências sociais, debruça-se so- ticas dirigidas por Nancy Fraser a Taylor e
bre esse conceito desde que Charles Taylor (1994 Honneth. Partindo de premissas filosóficas dis-
[1992]) e Axel Honneth (2003a [1992]), cada um tintas das deles, Fraser propõe um paradigma de
à sua maneira, retomaram trabalhos de Hegel para reconhecimento assentado na acepção weberiana
ressaltar a importância do reconhecimento de status e assinala a importância da redistribuição
intersubjetivo na auto-realização de sujeitos e na de recursos materiais, defendendo que, em diver-
construção da justiça social. Seja para abordar os sos casos, desigualdades sociais não estão calca-
dilemas do multiculturalismo nas sociedades das em padrões simbólicos de não-reconhecimen-
hodiernas, para refletir sobre as lutas voltadas para to. Honneth, por sua vez, alega adotar uma visão
a construção da cidadania, para compreender os mais ampla de reconhecimento, que não se res-
possíveis efeitos de políticas públicas que se que-
rem inclusivas ou para diagnosticar padrões sim-
bólicos desrespeitosos, o conceito de reconheci- 2 Cabe mencionar, aqui, a realização de uma série de pes-
quisas no Brasil que se pautam pela discussão teórica e
empírica da idéia de reconhecimento. A título de exemplo,
1 O presente trabalho foi realizado com o apoio da Fapemig gostaríamos de citar os trabalhos de Souza (2006, 2003,
e do CNPq. Uma versão preliminar dele foi apresentada no 2000a, 2000b), Mattos (2006, 2004), Feres Júnior (2006),
Congresso Anual da Associação Brasileira de Pesquisado- Neves (2005), Bernardino (2002), Costa (2002), Lopes
res em Comunicação e Política (Salvador, 2006), contando, (2000), Marques (2003), Assis (2006), Cruz (2007), Men-
para tanto, com financiamentos do PPGCOM-UFMG e donça e Maia (2006). Não é nosso intuito, todavia, discor-
da Capes (Procad). Gostaria de registrar meus agradeci- rer neste artigo sobre os desdobramentos específicos da
mentos a Leonardo Avritzer, Ângela Marques, Mariana teoria do reconhecimento em pesquisas brasileiras. Salien-
Assis e aos pareceristas da Revista de Sociologia e Política tamos, entretanto, a proficuidade do olhar proposto nos
pelas sugestões e comentários feitos no desenvolvimento vários artigos que compõem a coletânea organizada por
deste artigo. Jessé Souza (2006).

Recebido em 6 de dezembro de 2006.


Aprovado em 15 de março de 2007.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 29, p. 169-185, nov. 2007
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RECONHECIMENTO EM DEBATE

tringiria à dimensão cultural da justiça, implícitos nas perspectivas aqui em questão.


encampando os aspectos econômicos. Essa di- II. RECONHECIMENTO COMO GARANTIA DA
vergência teórica estende-se desde a segunda AUTO-REALIZAÇÃO
metade da década de 1990, culminando com a
publicação conjunta de Redistribution or A teoria do reconhecimento, tal como inicial-
Recognition: a Political-Philosophical Exchange mente desenvolvida, pensa os conflitos sociais
(FRASER & HONNETH, 2003). como buscas interativas pela consideração
intersubjetiva de sujeitos e coletividades. Tendo
O objetivo do presente artigo é delinear os con- como alicerce a filosofia hegeliana, autores como
tornos de tal contenda filosófica, buscando apre- Charles Taylor (1994 [1992]) e Axel Honneth
ender, especialmente, a influência de Jürgen (2003a [1992]) ressaltam a construção relacional
Habermas tanto sobre as idéias de Honneth como da identidade, frisando que os sujeitos lutam o tem-
sobre as de Fraser. O interesse por Habermas deve- po todo por reconhecimento mútuo. Segundo es-
se não apenas ao fato de ambos os autores aqui ses autores, somente dessa maneira eles podem
em questão travarem longos diálogos com ele ao se desenvolver de maneiras saudáveis e autôno-
longo de suas respectivas trajetórias acadêmicas3. mas. A chave dessa perspectiva é, portanto, a
Ele se justifica, principalmente, porque a atualiza- compreensão da identidade como possibilidade de
ção habermasiana da teoria crítica constitui o pró- auto-realização.
prio pano de fundo a partir do qual Honneth e
Fraser desenvolvem seu debate. O acento colo- Em seu ensaio seminal sobre o
cado por Habermas na construção intersubjetiva multiculturalismo, Charles Taylor (1994, p. 26)
da política e da moral – bem como sua atenção afirma que o reconhecimento não é uma questão
aos processos dialógicos por meio dos quais os de cortesia, mas uma necessidade humana. Isso
sujeitos configuram identidades, padrões culturais porque pessoas e grupos podem sofrer danos re-
de interpretação e regras institucionalizadas de ais se a sociedade os representa com imagens res-
interação – atravessa a discussão Fraser X tritivas e depreciativas. Para Taylor (1997; 1994),
Honneth, sendo que diferentes dimensões do pro- os sujeitos são construções dialógicas e é por meio
jeto habermasiano são atualizadas por eles. Ao das interações intersubjetivas (sejam elas
mesmo tempo, por outro lado, importantes as- agonísticas ou amistosas) que eles podem realizar
pectos desse mesmo projeto são, ainda que impli- a tarefa de serem verdadeiros com suas próprias
citamente, criticados no mencionado diálogo. originalidades. Em um mundo que construiu uma
imagem individualizada de identidade, pautada pelo
No intuito de observar tais questões, começa- princípio de autonomia, “se eu não sou [verdadei-
remos com uma apresentação da noção de reco- ro comigo mesmo], eu perco o cerne da minha
nhecimento, tal como desenvolvida por Taylor e vida; eu perco o que o ser humano significa para
Honneth. Em seguida, discutiremos algumas res- mim” (TAYLOR, 1994, p. 30). Essa autonomia
salvas levantadas ao conceito, introduzindo a vi- só pode ser construída em diálogos – em parte,
são de Nancy Fraser e analisando as implicações externos e, em parte, internos – com os outros.
de seu modelo. Apontaremos, então, as linhas ge-
rais da defesa de Honneth e abordaremos, por fim, O projeto de Taylor está calcado em uma re-
alguns elementos do debate que são atravessados construção histórico-filosófica dos alicerces
pelo pensamento de Habermas. Acreditamos que valorativos que delineiam e estruturam a própria
a possível produção de um modelo de reconheci- existência da sociedade. Como lembra Souza
mento capaz de combinar as proposições de Fraser (2006), há hierarquias valorativas tácitas que per-
às de Honneth depende da explicitação de alguns passam as práticas cotidianas e instituições que
pressupostos habermasianos que permanecem se apresentam como neutras, tais como o merca-
do e o Estado. De acordo com o filósofo cana-
dense, a própria configuração dos sujeitos, natu-
ralizada no cotidiano, é guiada por princípios mo-
3 Basta lembrar que Honneth foi assistente de Habermas
rais, amarrados no que ele denomina configura-
em Frankfurt, entre 1984 e 1990, e que Fraser tem impor-
ções. Uma “configuração incorpora um conjunto
tante reflexão acerca da noção de esfera pública, sendo que
um de seus ensaios (FRASER, 1999) foi de suma relevân- crucial de distinções qualitativas. Pensar, sentir,
cia na revisão das posições que Habermas defendera em julgar no âmbito de tal configuração é funcionar
Mudança estrutural da esfera pública. com a sensação de que alguma ação ou modo de

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vida ou modo de sentir é incomparavelmente su- testos públicos. Protestos esses que não buscam
perior aos outros” (TAYLOR, 1997, p. 35). A iden- a simples tolerância ou condescendência, mas o
tidade faz-se, portanto, inextricavelmente ligada a respeito e a valorização do diferente4. Para que
concepções de bem, que norteiam a vida dos su- isso ocorra, não deve haver uma generalizada va-
jeitos, garantindo-lhes o fundamento para juízos, lorização apriorística, mas uma profunda abertu-
intuições ou reações morais. “Taylor está interes- ra a comparações, capazes de encetar fusões de
sado, antes de tudo, no componente avaliativo da horizontes, para usar os termos de Gadamer5. Não
constituição da identidade humana, na medida em se trata, pois, de uma oposição de coletividades
que a auto-interpretação dos sujeitos passa a ser com seus próprios valores, mas da construção do
percebida como momento constitutivo para a respeito mútuo. Taylor não é, de modo algum,
construção desta” (SOUZA, 2000a, p. 99). São um defensor do relativismo (MATTOS, 2006).
as configurações que permitem ao sujeito situar-
As proposições de Axel Honneth (2003a) se-
se na trama social e orientar-se.
guem um rumo semelhante às de Taylor, já que
Em uma espécie de arqueologia das concep- também ressaltam a existência de um contexto
ções de bem, “Taylor pretende encontrar a normativo que alicerça as representações e práti-
autocompreensão dos atores na topografia moral cas sociais6. Honneth afirma que é por meio do
da época e na cultura em que esses atores se inse- reconhecimento intersubjetivo que os sujeitos po-
rem” (SOUZA, 2000b, p. 137). Ele assinala que, dem garantir a plena realização de suas capacida-
na contemporaneidade, “talvez o mais urgente e des e uma auto-relação marcada pela integridade.
poderoso conjunto de exigências que reconhece- Para o autor, os sujeitos são forjados em suas
mos como morais refira-se ao respeito à vida, à interações, sendo que eles só conseguirão formar
integridade, ao bem-estar e mesmo à prosperida- uma auto-relação positiva caso se vejam reconhe-
de dos outros” (1997, p. 17). Assim, ele coloca a cidos por seus parceiros de interação.
idéia de dignidade no cerne do pano de fundo
moral que rege as sociedades ocidentais hodiernas,
4 Amy Gutmann explica a distinção entre tolerância e
superestimando a capacidade destas de
implementar uma universalização de direitos que respeito à diferença, assinalando que “a tolerância se es-
tende a uma gama mais ampla de perspectivas, na medida
naturalize o valor da igualdade (MATTOS, 2004, em que cessam as ameaças ou outros danos diretos e
p. 157). De acordo com ele, na modernidade, discerníveis aos indivíduos. O respeito é bem mais especí-
houve um declínio da sociedade hierarquicamen- fico do que isso. Ainda que não precisemos concordar com
te predeterminada, o que levou a uma alteração da uma posição para respeitá-la, precisamos entendê-la como
honra estamental em direção à dignidade geral. Por refletindo um ponto de vista moral” (GUTMANN, 1994,
outro lado, o aludido desenvolvimento de uma p. 22).
acepção de self calcada nas noções de autentici- 5 De acordo com Taylor, a “fusão de horizontes opera por
dade e de interioridade suscita uma política da di- meio do desenvolvimento de novos vocabulários de com-
ferença. “Enquanto a política da dignidade uni- paração, através dos quais podemos articular esses con-
trastes” (1994, p. 67; sem grifos no original).
versal lutava por formas de não-discriminação que
6 Importante destacar, entretanto, que Honneth é bem
eram bastante “cegas” aos jeitos em que os cida-
dãos se diferem, a política da diferença, mais cauteloso do que Taylor ao abordar a universalização
da dignidade no Ocidente. Além disso, a divisão analítica de
freqüentemente, redefine a não-discriminação re-
três âmbitos do reconhecimento proposta por Honneth, da
querendo que façamos dessas distinções a base qual falaremos a seguir, oferece um quadro explicativo mais
do tratamento diferencial” (TAYLOR, 1994, p. 39). acurado que a divisão tayloriana entre as lutas íntimas e as
públicas. Os domínios do amor, do direito e da estima, bem
A proposta tayloriana de reconhecimento en- como a ligação destas últimas duas com a questão do traba-
volve esses dois tipos de política, estendendo a lho e das desigualdades econômicas, permitem uma leitura
consciência da igualdade de valor humano para mais complexa de conflitos sociais. Vale mencionar, por
compreender a valorização daquilo que cada um fim, que as entradas dos dois autores na teoria do reconhe-
fez a partir dessa igualdade. Para Taylor, por meio cimento são distintas: enquanto Taylor dá mais ênfase à
de lutas simbólicas, os sujeitos negociam identi- “tarefa de fundamentação filosófica e histórico-filosófica
da tese do reconhecimento social como vínculo mais básico
dades e buscam reconhecimento nos domínios e fundamental entre os indivíduos (MATTOS, 2006, p.
íntimo e social. Ele aponta, ainda, que as lutas por 16), Honneth “procura sociologizar a teoria hegeliana ori-
reconhecimento têm-se feito cada vez mais explí- ginal, destituindo-a de sua ganga metafísica por posturas
citas, ultrapassando o foro interno, por via de pro- abertas à investigação empírica” (ibidem).

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Buscando construir uma teoria social de cará- As primeiras se materializam por meio das re-
ter normativo, Honneth (2003a) parte do princí- lações de amor e seriam as mais fundamentais para
pio de que o conflito é intrínseco tanto à forma- a estruturação da personalidade dos sujeitos. Apoi-
ção da intersubjetividade como dos próprios su- ando-se na psicanálise de Donald Winnicott,
jeitos. Ele destaca que tal conflito não é conduzi- Honneth analisa as relações entre mãe e filho, in-
do apenas pela lógica da autoconservação dos in- dicando que elas passam por uma transformação
divíduos, como pensavam Maquiavel e Hobbes. que vai da fusão completa à dependência relati-
Trata-se, sobretudo, de uma luta moral, visto que va. Nessa dinâmica conflitiva, um aprende com o
a organização da sociedade é pautada por obriga- outro a se diferenciarem e verem-se como autô-
ções intersubjetivas. Nesse sentido, o autor adota nomos: ainda que dependentes, eles podem so-
a premissa de Hegel, para quem os indivíduos se breviver sozinhos. Disso advém a possibilidade
inserem em diversos embates por meio dos quais de uma autoconfiança. Para Honneth, em cada
não apenas constroem uma imagem coerente de relação amorosa se atualiza o jogo dependência/
si mesmos, mas também possibilitam a instaura- autonomia oriundo dessa fusão originária, dele
ção de um processo em que as relações éticas da dependendo a confiança básica do sujeito em si
sociedade seriam liberadas de unilateralizações e mesmo e no mundo.
particularismos. Esses embates dar-se-iam, na
As relações de direito, por sua vez, pautam-se
visão de Hegel, nos âmbitos da família, do direito
pelos princípios morais universalistas construídos
e da eticidade.
na modernidade. O sistema jurídico deve expres-
Honneth atualiza a idéia hegeliana por meio da sar interesses universalizáveis de todos os mem-
psicologia social de George H. Mead. Assim como bros da sociedade, não admitindo privilégios e
Hegel, o psicólogo norte-americano defende a gradações. Por meio do direito, os sujeitos reco-
gênese social da identidade e vê a evolução moral nhecem-se reciprocamente como seres humanos
da sociedade na luta por reconhecimento. Mead dotados de igualdade, que partilham as proprieda-
(1993) aprofunda o olhar intersubjetivista, defen- des para a participação em uma formação
dendo a existência de um diálogo interno (entre discursiva da vontade. As relações jurídicas ge-
impulsos individuais e a cultura internalizada), e ram o auto-respeito: “consciência de poder se res-
investiga a importância das normas morais nas peitar a si próprio, porque ele merece o respeito
relações humanas. De acordo com ele, nas de todos os outros” (idem, p. 195). Honneth assi-
interações sociais, ocorrem conflitos entre o “eu”, nala que o que caracteriza essa igualdade humana
a “cultura” e os “outros”, por meio dos quais in- é algo construído historicamente, sendo a
divíduos e sociedade desenvolver-se-iam moral- modernidade marcada pela extensão dos atribu-
mente. Mead também embasa a idéia de reconhe- tos universais. Recorrendo às clássicas proposi-
cimento em três tipos de relação: as primárias ções de T. H. Marshall, o autor demonstra as lu-
(guiadas pelo amor), as jurídicas (pautadas por tas por reconhecimento travadas para a constru-
leis) e a esfera do trabalho (na qual os indivíduos ção dos direitos civis, políticos e sociais, todos
poderiam mostrar-se valiosos para a coletivida- voltados para a configuração de cidadãos com igual
de). valor.
A partir da junção desses insights, Honneth sis- A terceira, e última, dimensão do reconheci-
tematiza uma teoria do reconhecimento, afirman- mento dá-se no domínio das relações de solidarie-
do que “são as lutas moralmente motivadas de dade, que propiciam algo além de um respeito
grupos sociais, sua tentativa coletiva de estabele- universal. Honneth afirma que, “para poderem
cer institucional e culturalmente formas amplia- chegar a uma auto-relação infrangível, os sujeitos
das de reconhecimento recíproco, aquilo por meio humanos precisam [...] além da experiência da
do qual vem a se realizar a transformação dedicação afetiva e do reconhecimento jurídico,
normativamente gerida das sociedades” de uma estima social que lhes permita referir-se
(HONNETH, 2003a, p. 156). Ele refina as cate- positivamente a suas propriedades e capacidades
gorias de relações apresentadas por Hegel e Mead, concretas” (idem, p. 198). Como explica Souza,
extraindo delas três princípios integradores: as li- o “espaço de positividade [dessa dimensão] é de-
gações emotivas fortes, a adjudicação de direitos finido como aquele onde a honra no sentido tradi-
e a orientação por valores. cional não se transformou em dignidade (direito),

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mas antes na noção subjetivada de integridade” cetados por situações desrespeitosas vivenciadas
(2000b, p. 155). É no interior de uma comunida- cotidianamente, são fundamentais para o desen-
de de valores, com seus quadros partilhados de volvimento moral da sociedade e dos indivíduos.
significação, que os sujeitos podem encontrar a Essa é a base de sua concepção formal de boa
valorização de suas idiossincrasias. E vários con- vida, a qual “tem de conter todos os pressupos-
flitos buscam, exatamente, a reconfiguração de tos intersubjetivos que hoje precisam estar preen-
tais quadros dada a revisibilidade destes: “Nas so- chidos para que os sujeitos se possam saber pro-
ciedades modernas, as relações de estima social tegidos nas condições de sua auto-realização”
estão sujeitas a uma luta permanente na qual os (idem, p. 270). Tal eticidade formal – alicerçada
diversos grupos procuram elevar, com os meios no amor, no direito e na estima social – só poderia
da força simbólica e em referência às finalidades ser construída na interação social.
gerais, o valor das capacidades associadas à sua
III. CRÍTICAS E REVISÕES: O MODELO DE
forma de vida” (HONNETH, 2003a, p. 207).
NANCY FRASER
Aos três reinos do reconhecimento, Honneth
As idéias de Honneth e Taylor desencadearam
associa, respectivamente, três formas de desres-
um grande debate acerca da noção de reconheci-
peito: 1) aquelas que afetam a integridade corpo-
mento, explicitando seu potencial para a compre-
ral dos sujeitos e, assim, sua autoconfiança bási-
ensão de conflitos sociais e para uma renovação
ca; 2) a denegação de direitos, que mina a possi-
da teoria crítica. É importante perceber, contudo,
bilidade de auto-respeito, à medida que inflige ao
que as formulações originais desses autores vêm
sujeito o sentimento de não possuir o status de
sendo confrontadas e atualizadas desde meados
igualdade; e 3) a referência negativa ao valor de
dos anos 1990. Um dos aspectos mais controver-
certos indivíduos e grupos, que afeta a auto-esti-
sos diz respeito a uma certa negligência teórica de
ma dos sujeitos. Para Honneth, todas essas for-
Honneth e Taylor em relação às injustiças econô-
mas de desrespeito impedem a realização do indi-
micas, cabendo citar, também, o temor de que as
víduo em sua integridade.
proposições deles reconduzam a visões de identi-
Mas se, por um lado, o rebaixamento e a hu- dades autênticas essencializadas (TULLY, 2000;
milhação ameaçam identidades, por outro, eles MARKELL, 2000; EMCKE, 2000; MCBRIDE,
estão na própria base da constituição de lutas por 2005).
reconhecimento. O desrespeito pode tornar-se
Buscando construir um paradigma alternativo
impulso motivacional para lutas sociais, à medida
do reconhecimento, Nancy Fraser compartilha
que torna evidente que outros atores impedem a
esse temor de que as proposições de Taylor e
realização daquilo que se entende por bem viver.
Honneth reconduzam a essencializações
Esse é o ponto defendido por Honneth, quando,
identitárias e sectarismos. No entanto, ela só sis-
recorrendo a Dewey, afirma que os obstáculos
tematiza sua posição de forma clara e consistente
que surgem ao longo das atividades dos sujeitos
depois de um longo percurso que a conduz de
podem se converter em indignação e sentimentos
suas raízes neomarxistas ao campo da teoria crí-
que permitiriam um deslocamento da atenção dos
tica mais contemporânea.
atores para a própria ação, para o contexto em
que ela ocorre e para as expectativas ali presen- Essa trajetória tem início em instigante ensaio,
tes. Disso poderiam advir impulsos para um con- no qual Fraser (1997 [1995]) aponta que a justiça
flito, desde que o ambiente político e cultural fos- requer tanto a redistribuição como o reconheci-
se propício para tanto. A idéia é que “toda reação mento. Ela chama a atenção para o campo da eco-
emocional negativa que vai de par com a experi- nomia na construção de conflitos emancipatórios,
ência de um desrespeito de pretensões de reco- defendendo a centralidade da esfera da produção
nhecimento contém novamente em si a possibili- na construção de uma sociedade mais justa. De
dade de que a injustiça infligida ao sujeito se lhe maneira distinta de Taylor (1994), que não trata
revele em termos cognitivos e se torne o motivo do problema, e de Honneth (2003a), que defende
da resistência política” (HONNETH, 2003a, p. que a redistribuição faz parte do reconhecimento,
224). Fraser aponta que essas lutas têm lógicas muito
distintas, ainda que surjam quase sempre
O que Honneth defende, em suma, é que os
imbricadas. A redistribuição buscaria o fim do fa-
conflitos intersubjetivos por reconhecimento, en-
tor de diferenciação grupal, enquanto o reconhe-

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RECONHECIMENTO EM DEBATE

cimento estaria calcado naquilo que é particular a Como alternativa, ela propõe um modelo de
um grupo. Para Fraser (1997), isso gera uma reconhecimento calcado na idéia weberiana de
esquizofrenia filosófica, já que as pessoas afeta- status. Nessa perspectiva, o não-reconhecimento
das por injustiças materiais e culturais teriam que não é explicado em termos de depreciação da iden-
negar e afirmar sua especificidade ao mesmo tem- tidade, mas como subordinação social: “o que re-
po 7. quer reconhecimento não é a identidade específi-
ca do grupo, mas o status de seus membros indi-
Buscando resolver esse dilema, Fraser dá con-
viduais como parceiros por completo na interação
tinuidade a seu percurso em alguns ensaios (2000;
social” (idem, p. 113). Assim, a análise do desres-
2001; 2003), nos quais se afasta, pouco a pouco,
peito adquire um objeto empiricamente palpável:
da justificativa marxista da economia, construin-
padrões institucionalizados de desvalorização
do um modelo que tem como categoria central a
cultural, que constroem certas categorias de ato-
idéia de paridade de participação. Nesses textos,
res sociais como normativas e outras como infe-
a autora critica, sistematicamente, o que chama
riores. Estejam tais padrões instituídos em leis
de paradigma identitário do reconhecimento, cujos
formais ou em sentidos informais, seu resultado é
expoentes seriam Taylor e Honneth. Fraser (2000;
a configuração de atores que são menos do que
2003) julga que pensar o reconhecimento a partir
membros efetivos da sociedade. Não há necessi-
da perspectiva de uma autenticidade identitária é
dade, pois, de investigar sentimentos de não-re-
um equívoco não apenas teórico, mas também
conhecimento interiores aos sujeitos. Além disso,
político.
não é preciso se ater aos casos em que os própri-
Ela acredita que tal viés geraria dificuldades os grupos percebem-se como desvalorizados.
para a observação empírica e conduziria à
Nota-se, que, sob esse viés, a luta por reco-
reificação de identidades e a uma incapacidade de
nhecimento não procura a valorização de identi-
discernir reivindicações justificáveis das não jus-
dades, mas a superação da subordinação. Para
tificáveis. “Enfatizando a necessidade de elaborar
tanto, faz-se necessário mudar valores e institui-
e exibir uma identidade coletiva autêntica, auto-
ções reguladores de interações, o que varia em
afirmativa e autogerada, ele [o viés] coloca uma
cada situação. O “modelo de status não está com-
pressão moral nos indivíduos para que se confor-
prometido a priori com nenhum tipo de solução
mem a uma dada cultura grupal” (FRASER, 2000,
específica para o não reconhecimento” (ibidem).
p. 112). Podem surgir, assim, formas repressivas
As soluções só podem ser elaboradas
de comunitarismo que reforçam dominações
contextualmente.
intragrupais, bem como sectarismos que condu-
zem ao separativismo social8. Fraser (2001; 2003) busca embasar, filosofi-
camente, esse projeto ao propor uma guinada da
ética para a moral. De acordo com a autora, a
7 Nesse ensaio, Fraser propõe que a solução seria adotar
primeira remonta ao conceito hegeliano de
políticas transformativas, que buscam corrigir desigualda-
Sittlichkeit e diz respeito a valores historicamente
des a partir dos pressupostos que as embasam. A autora
aponta que é somente por meio delas que se pode combinar configurados em horizontes específicos que não
redistribuição e reconhecimento sem gerar estratégias podem ser universalizáveis. A ética trata do bem
conflitantes. Em seus trabalhos mais recentes, todavia, viver. Já a moral está calcada no conceito kantiano
Fraser (2000; 2003) deixa de recomendar remédios especí- de Moralität e se refere a questões de justiça,
ficos e propõe um olhar contextualizado. pautando-se pelo correto e não pelo bom. As nor-
8 Concordamos com Fraser no que se refere à afirmação de mas da justiça seriam, para Fraser, universalmen-
que a visão de identidades autênticas leva a sectarismos e a te vinculantes, não sendo tão contingentes como
formas de dominação. Não percebemos, todavia, essa ten- as da ética. Ao mover-se nessa direção, a autora
dência nas obras de Taylor e Honneth. O primeiro não
nega a perspectiva defendida por Honneth e Taylor
defende comunitarismos separativistas, como muito se
apregoa, o que fica claro em sua proposta de uma fusão de de que o reconhecimento seria uma questão de
horizontes. Honneth também tem um olhar intersubjetivista auto-relização. Assim, ela “liberta a força normativa
longe da reificação. Zurn (2003, p. 531) é bastante de reivindicações de reconhecimento da depen-
esclarecedor quando afirma que um modelo de reconheci- dência direta de um horizonte substantivo especí-
mento baseado na noção de identidade não necessariamen- fico de valor” (2001, p. 25).
te conduz à intolerância, ao separativismo intergrupal e ao
conformismo intragrupal. De acordo com ela, essa guinada teria quatro

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conseqüências imediatas. Em primeiro lugar, não A chave da guinada de Fraser está, portanto,
se opta por uma concepção específica de bem em na idéia de paridade de participação. Este seria o
detrimento de outras: “o modelo de status é padrão normativo que deveria reger tanto as lutas
deontológico e não-sectário” (FRASER, 2003, p. sociais como as análises de tais conflitos, e não a
30). Em segundo lugar, o problema do desrespei- noção de auto-realização propagada por Taylor e
to é situado em relações sociais e não em estrutu- Honneth. A visão desses autores permitiria, se-
ras internas dos sujeitos, o que poderia culpabilizar gundo ela, a valorização de identidades opresso-
as vítimas pela absorção da opressão ou levar à ras, por exemplo. No modelo de Fraser, só são
prática autoritária de policiamento de valores. Em justificáveis as reivindicações de reconhecimento
terceiro lugar, ela “evita a visão de que todos têm que sejam moralmente vinculantes, fomentando a
igual direito à estima social” (idem, p. 32). Dife- paridade de participação, sem gerar formas al-
rentemente de Honneth, ela diz que o que é preci- ternativas de subordinação. Como já dito, isso varia
so é que todos possam buscar estima. em cada situação, não sendo possível, por exem-
plo, predefinir se o reconhecimento deve se diri-
A quarta conseqüência diz respeito à questão
gir às especificidades de um grupo ou à conside-
que motivou Fraser a construir todo o seu mode-
ração de uma humanidade comum. O importante
lo: a guinada moral resolve a esquizofrenia filosó-
é que as próprias pessoas afetadas participem, em
fica causada por tentativas de atrelar as lógicas
processos dialógicos, da construção de soluções
da redistribuição e do reconhecimento. Segundo
para superar quadros de subordinação.
Fraser, trata-se de duas dimensões da justiça, cuja
integração não pode se dar pela redução de uma a Em sua proposta de uma teoria política, Fraser
outra. Uma vez que o objetivo é remover impedi- (2003) busca pensar os requisitos mínimos que tais
mentos à formação de relações simétricas, é pos- soluções deveriam respeitar para atentar para as
sível pensar o imbricamento de ambas as lutas. A duas dimensões da justiça. Ela sugere que é preci-
questão distributiva – que, curiosamente, ela atri- so pensar nos “efeitos colaterais” dos “remédios”
bui à tradição liberal em sua preocupação com as adotados, levando-se em conta que, muitas vezes,
condições para a liberdade e não a Marx – alicerça soluções de um problema desencadeiam outros. Ela
as condições objetivas para a realização da pari- defende, uma vez mais, que soluções
dade de participação. Os recursos materiais de- transformativas (preocupadas com as raízes dos
vem assegurar independência e voz aos partici- problemas) tendem a ser mais eficazes e aptas a
pantes da interação social. Já a questão do reco- conciliar a dimensão econômica à cultural. Mas
nhecimento estaria no cerne das condições como nem sempre essas soluções são exeqüíveis
intersubjetivas da paridade. “Padrões ou desejadas, pode-se pensar em reformas não re-
institucionalizados de valor cultural devem expres- formistas: mudanças mais pontuais, capazes de gerar
sar igual respeito a todos os participantes e garan- efeitos profundamente transformadores a longo
tir oportunidades iguais para a obtenção da esti- prazo. Ela assinala, ainda, a importância de que
ma” (idem, p. 36)9. decisões sejam revisáveis e do uso cruzado de so-
luções que, endereçadas a uma das dimensões da
9 Para se referir a obstáculos às condições objetivas e justiça, resolvam problemas da outra.
intersubjetivas da paridade, Fraser usa, respectivamente, os IV. RECONHECIMENTO COMO CATEGORIA
termos classe e status. Enquanto “classe é uma ordem de
subordinação objetiva derivada de arranjos econômicos”
AMPLIADA: A RESPOSTA DE HONNETH
(FRASER, 2003, p. 49), “status representa uma ordem de Procurando contestar as críticas de Nancy
subordinação intersubjetiva derivada de padrões
Fraser, Honneth (2001; 2003b) defende a
institucionalizados de valor cultural” (ibidem). Status e clas-
se correspondem a dimensões analiticamente distintas: ain- implausibilidade filosófica da distinção entre
da que se imbriquem em jogos de influência recíproca, há, redistribuição e reconhecimento. Ele diz que Fraser
nas sociedades contemporâneas, um desacoplamento parci- está equivocada ao associar o reconhecimento à
al dos mecanismos econômicos das estruturas de prestígio. cultura. Nesse aspecto, ela seria a verdadeira
Por isso, ela julga não serem adequadas nem as explicações reducionista, ao restringir a justiça à economia e à
economicistas (como as do marxismo ortodoxo), nem as
cultura. Para Honneth (2003b), a clivagem pro-
culturalistas (como a que, na visão dela, Honneth defende-
ria), nem as desconstrucionistas (como as de Butler e Young). posta por Fraser é arbitrária, desconsiderando
Fraser propõe um dualismo perspectivo em que qualquer múltiplas dimensões da justiça e negligenciando
prática pode ser pensada a partir das duas dimensões. aspectos relevantes para o combate ao desrespei-

175
RECONHECIMENTO EM DEBATE

to. Ele afirma que um paradigma do reconheci- do terceiro domínio do reconhecimento (o da co-
mento, suficientemente diferenciado, seria mais munidade de valores) do que no segundo (o das
adequado para atualizar a teoria crítica, cunhando relações igualitárias). Ele diz que grupos devem lu-
uma matriz atenta à construção intersubjetiva de tar para que suas realizações sejam passíveis de
sujeitos, da sociedade e da emancipação. E deixa valorização, construindo novos horizontes de va-
claro que reconhecimento não é a simples valori- lor. Mas, ao tratar a distribuição em termos de “re-
zação de grupos culturais. alização” e “mérito”, pode acabar conduzindo ao
equívoco de justificar disparidades inadmissíveis12.
Observa-se que Honneth frisa não negar a im-
portância da distribuição de recursos materiais. Ele Outro aspecto marcante da resposta de
trata o reconhecimento como categoria ampla ca- Honneth (2003b) é sua acusação a Fraser por res-
paz de abrigar reivindicações de vários tipos. As- tringir os conflitos sociais a lutas organizadas e
sim, demandas por redistribuição material caberi- visíveis na esfera pública, negligenciando toda uma
am em sua proposta de duas maneiras: 1) nas im- ampla gama de injustiças que afetam e depreciam
plicações normativas de igualdade diante da lei, que identidades sem serem tematizadas. Para ele,
promete tratamento equânime a todos os membros Fraser generaliza a experiência dos conflitos nor-
de uma comunidade política; e 2) na idéia de que te-americanos, abordando apenas as lutas de ato-
cada membro de uma sociedade democrática deve res que ultrapassaram a barreira da invisibilidade
ter a chance de ser socialmente estimado por suas pública. Ela desconsideraria que formas de sofri-
realizações pessoais (HONNETH, 2001, p. 53). De mento e desrespeito profundamente enraizadas
acordo com Honneth, nem mesmo Marx conside- “também incluem aquelas que existem antes, e
rava a distribuição material como um fim último. O independentemente, da articulação política de
importante é que ela garanta a instauração de for- movimentos sociais” (idem, p. 117).
mas de relação mais justas e respeitosas entre su-
Honneth critica, ainda, um certo
jeitos. “Conflitos por distribuição [...] são sempre
procedimentalismo de Fraser e diz que a justiça
lutas simbólicas sobre a legitimidade do dispositivo
não pode se ver inteiramente despida da ética. Para
sociocultural que determina o valor de atividades,
ele, “sem antecipar uma concepção de boa vida é
atributos e contribuições” (idem, p. 54)10.
impossível criticar quaisquer das injustiças con-
Nesse sentido, Honneth diz se afastar de temporâneas” (idem, p. 114). Mas ele não propõe
Luhmann e Habermas, que pensariam o capitalis- um simples relativismo em que as definições de
mo como um sistema econômico não regido uma comunidade decidiriam sobre o justo e o in-
normativamente11. Ele afirma que valores definem justo. Com razão, ele afirma que Fraser interpre-
como serão distribuídos os recursos, fazendo-se tou equivocadamente suas proposições, deixando
necessário reconstruir o conceito de lutas de observar sua preocupação como uma eticidade
distributivas por meio do reavivamento de sua di- formal, a qual seria a medida para justificar (ou
mensão moral. Nesse sentido, “A postura de Fraser criticar) reivindicações sociais. Segundo ele, “uma
equivale a retirar da perspectiva teórica do reco- concepção formal de ética contém as condições
nhecimento precisamente seu principal mérito, que qualitativas para a auto-realização e difere da
é haver contribuído para re-significar tudo aquilo pluralidade de formas específicas de vida ao cons-
que o alto capitalismo em sua atual fase de tituir as pré-condições gerais para a integridade
triunfalismo sem oposição tem tornado pessoal de sujeitos” (HONNETH, 2001, p. 51)13.
crescentemente naturalizado, muito especialmente
Ainda que essa definição de eticidade formal seja
na ordem econômica” (MATTOS, 2006, p. 157).
O grande problema do argumento de Honneth é 12 Curiosamente, o próprio Honneth (2003a) negara a
que ele situa as lutas distributivas mais no âmbito idéia de Mead de que o trabalho seria o âmbito privilegiado
para a conquista da estima em processos de luta por reco-
nhecimento.
10 Para uma boa análise dessa perspectiva de Honneth e
13 No que concerne a esse aspecto, Cristopher Zurn (2003)
de seu enraizamento na teoria de Dewey, ver Zurn (2005).
corrobora a posição de Honneth, questionando a possibili-
11 Souza (2006) e Mattos (2006) também apontam que dade de uma justiça totalmente despida da ética e destacan-
“Habermas não contempla uma perspectiva que permita do que o projeto de Honneth “tenta apresentar uma teoria
uma análise dos aspectos simbólico e cultural das institui- normativa não-sectária que pode justificar reivindicações
ções, especialmente, Estado e mercado” (idem, p. 140). normativas que vinculem todas as pessoas” (idem, p. 528).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 169-185 NOV. 2007

apresentada de forma por demais abstrata, indicando ma de racionalidade única (a instrumental) que
poucos critérios para a avaliação empírica de lutas, levaria à naturalização da dominação e à supres-
seria injusto atribuir a Honneth um solipsismo sem são do esclarecimento (cf. ADORNO &
parâmetros. Mesmo porque também a visão de HORKHEIMER, 1985). A transformação social
paridade de participação de Fraser parece pouco adviria, de acordo com esse viés, de alterações no
delineada. Ambos buscam definir quais conflitos próprio mundo da produção e da técnica.
seriam justificáveis, mas, enquanto ela se pauta pelo
A atualização habermasiana da teoria crítica
bem da participação, ele prefere o bem da auto-
nega tanto esse diagnóstico como o caminho para
realização pessoal. Trata-se, no fundo, de concep-
sua superação. Habermas (1980a; 1983; 1987)
ções diferentes de justiça (HONNETH, 2003b, p.
defende que, por maior que seja a ubiqüidade da
176). Em Honneth, a justiça seria conseqüência do
racionalidade instrumental, ela não esgota o pro-
progresso moral da sociedade, avaliado em termos
jeto moderno de racionalização. Em diálogo com
do reconhecimento de novas partes da personali-
Marcuse, ele alega que a teoria crítica não pode
dade ou da inclusão de outras pessoas nas relações
operar apenas no interior do paradigma da pro-
de reconhecimento.
dução, preocupado com as relações que condu-
Cabe citar, por fim, duas últimas acusações zem à transformação da natureza. Habermas
que Honneth dirige a Fraser, a nosso ver, (1980a) afirma a importância de se olhar para a
indevidamente. Ele afirma que: 1) ela não trata o linguagem: é na racionalidade comunicativa –
problema das identidades agressivas; e 2) voltada para o entendimento mútuo – que os su-
historiciza a mudança da economia para a cultura jeitos atualizam e reconfiguram o mundo (em suas
por meio de um enfoque similar ao de Taylor e dimensões objetiva, social e subjetiva), residindo
também ao das chamadas teorias dos novos mo- aí o cerne do potencial emancipatório do projeto
vimentos sociais. No que concerne à primeira crí- da modernidade. O próprio questionamento da
tica, Fraser (2003) busca, claramente, negar a le- lógica do mundo da produção depende, assim, de
gitimidade de identidades agressivas ao declarar um tipo de ação distinto das ações instrumentais e
que somente reivindicações que promovam a pa- estratégicas que visam ao sucesso e operam nos
ridade de participação são justificáveis. No tocan- quadros dos modelos vigentes. Diferentemente dos
te à segunda, vale lembrar, como o faz Zurn primeiros frankfurtianos, a normatividade busca-
(2005), que a autora procura, justamente, con- da por Habermas é construída linguageiramente,
testar a perspectiva historicista, evidenciando que por meio da discussão pública sem restrições14.
praticamente todo conflito passa tanto pela dimen-
Na perspectiva de Habermas (1987; 1997), a
são cultural quanto pela econômica.
sociedade deve ser compreendida a partir de uma
V. TEORIA CRÍTICA EM FOCO: UM DEBATE divisão analítica entre sistemas funcionais e o
QUE ATRAVESSAA OBRA HABERMASIANA mundo da vida. Enquanto aqueles são regidos por
códigos e procedimentos específicos cuja valida-
Apresentado o debate entre Honneth e Fraser,
de só pode ser avaliada no interior de cada siste-
interessa-nos, agora, observar sua relação com a
ma, o mundo da vida compõe a trama de signifi-
obra de Jürgen Habermas. Isso porque ambas as
cados tácitos e tidos como certos, atualizada no
propostas de reconhecimento procuram atualizar
uso comunicativo da linguagem15. O mundo da
a teoria crítica, entrando em diálogo com as tri-
lhas abertas pelo projeto habermasiano a partir do
referencial frankfurtiano. Cabe lembrar que a pro- 14 Não se deseja sugerir, aqui, que Habermas vê como
posta inicial dos pensadores do Institut für negativas as ações estratégicas e as instrumentais, nem que
Sozialforschung era construir uma teoria que “não ele negue a importância do trabalho e do mundo da produ-
se limita a descrever o funcionamento da socie- ção na emancipação do homem. O que ressaltamos é a
importância dos acordos normativos comunicativamente
dade, mas pretende compreendê-la à luz de uma
construídos até para que as estruturas do mercado possam
emancipação ao mesmo tempo possível e bloque- ser repensadas e alteradas.
ada pela lógica própria da organização social vi- 15 Amplamente explorado pela fenomenologia, sobretudo
gente” (NOBRE, 2003, p. 9). A partir da discus-
por Husserl e Schütz, o conceito de mundo da vida
são dos processos de racionalização engendrados (Lebenswelt) refere-se ao contexto preliminar que marca a
pela modernidade, os autores da primeira geração experiência cotidiana do mundo. “O que o caracteriza, em
de Frankfurt defendem que o mundo do trabalho, primeiro lugar, é o modo de uma certeza imediata”
da técnica e da produção conduziram a uma for- (HABERMAS, 1990, p. 92).

177
RECONHECIMENTO EM DEBATE

vida serve de pano de fundo às ações comunica- delo de ação da interação lingüisticamente media-
tivas: interações simbolicamente mediadas que da” (HONNETH, 2003c, p. 246). De acordo com
visam ao entendimento mútuo. Habermas, os sujeitos podem, reflexiva e
dialogicamente, reconfigurar aspectos do mundo,
Nesse tipo de interação, os interlocutores “não
das relações sociais e das próprias identidades ao
utilizam a linguagem ‘perlocutoriamente’, isto é,
se posicionarem diante de pretensões de validade
visando instigar outros sujeitos para um compor-
reciprocamente levantadas. É na ação comunica-
tamento desejado, mas ‘ilocutoriamente’, isto é,
tiva – na livre troca de argumentos voltados para
com vistas ao estabelecimento não-coercitivo de
o entendimento – que se atualizam e se alteram
relações intersubjetivas” (HABERMAS, 1980b, p.
sentidos sobre o mundo em suas múltiplas dimen-
103). Isso se dá por meio do levantamento recí-
sões, podendo a realidade ser reconstruída de for-
proco de pretensões de validade criticáveis16, di-
ma não opressora.
ante das quais os sujeitos assumem
posicionamentos em termos de sim/não. Dessa Importante destacar que, no viés
forma, eles podem alterar ou sustentar fragmen- habermasiano, a dominação e a subordinação não
tos dessa rede simbólica que os precede, já que o são meros reflexos da lógica instrumental-estra-
poder-dizer-não instaura uma fratura deontológica tégica. Esta não seria, por si só, negativa, sendo
(HABERMAS, 1997, v. 2, p. 53). As normas so- mesmo necessária no campo do trabalho. O pro-
ciais se mantêm ou são questionadas na troca blema é quando as formas estratégicas de ação
intersubjetiva. começam a interferir em âmbitos que devem ser
regidos pelo medium da linguagem, tecnificando-
É justamente no uso da racionalidade comuni-
os. Nesses casos, dar-se-iam os processos de
cativa que Habermas deposita suas esperanças17.
colonização do mundo da vida: “mecanismos
Como atesta Honneth, “Habermas deu uma gui-
sistêmicos suprimem formas de integração soci-
nada na tradição da teoria social crítica, na medi-
al, mesmo nas áreas em que a coordenação de-
da em que transferiu o potencial emancipatório,
pendente do consenso não pode ser substituída,
transcendente, da prática do trabalho para o mo-
ou seja, onde a reprodução simbólica do mundo
da vida está em questão” (HABERMAS, 1987, p.
16 Habermas (1983; 1987; 1990) propõe que o uso públi- 196). Para impedi-la, Habermas aposta na dimen-
co da linguagem visando ao entendimento mútuo mobiliza são moral da política, proveniente da troca comu-
uma forma de racionalidade, que dialoga com as dimensões nicativa intersubjetiva. Honneth (2003c, p. 242)
objetiva, social e subjetiva do mundo. Recorrendo às idéias salienta esse aspecto quando coloca que, na obra
de Bühler e Austin, ele lembra que proferimentos usados de Habermas, “o potencial moral da comunicação
comunicativamente expressam intenções de um falante, re- é o motor do progresso social, indicando, ao mes-
presentam estados de coisas e estabelecem relações com
um destinatário (HABERMAS, 1990, p. 78). Nessa tríplice
mo tempo, sua direção”.
relação, os enunciados envolvem, além de uma sempre pre- A inscrição dos teóricos do reconhecimento no
sente pretensão de compreensibilidade, pretensões de ver-
campo da teoria crítica também se apóia sobre a
dade, de correção e de veracidade. Qualquer uma dessas
pretensões é passível de questionamento. dimensão moral e intersubjetiva da política18. Re-
fletindo sobre a questão da dominação e da eman-
17 Como apontado por um dos pareceristas anônimos da
cipação nas sociedades hodiernas, eles buscam
Revista de Sociologia e Política, reconhecemos que em The
Theory of Communicative Action, o autor adota uma pers-
diagnosticar as mazelas contemporâneas –
pectiva bastante pessimista ao tratar a questão da coloni-
zação do mundo da vida. Para Habermas (1987, p. 283)
“o padrão capitalista de modernização é marcado por uma 18 É interessante perceber, aqui, que nos referimos à di-
deformação, uma reificação das estruturas simbólicas do mensão moral da política e não do sistema político admi-
mundo da vida sob os imperativos de subsistemas diferen- nistrativo, já que Habermas entende este último como um
ciados via dinheiro e poder e tornados auto-suficientes”. sistema social que usa a racionalidade estratégica orientada
Não se pode, todavia, negligenciar o potencial pelo medium do poder. Pensada sob uma acepção alargada,
emancipatório depositado por Habermas na ação comuni- como veremos a seguir, a política não se restringe às insti-
cativa nem defender que seu diagnóstico é o de uma sub- tuições administrativas do Estado, configurando-se como
missão completa da racionalidade comunicativa à estratégi- uma prática mais ampla, como já defendiam Aristóteles e
ca. Seu olhar ambivalente fica claro nos desdobramentos Arendt. É essa percepção que leva Habermas a formular
posteriores de sua teoria, sobretudo na conformação do seu modelo de política deliberativa calcado na idéia de cir-
modelo deliberacionista de democracia. culação de poder.

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traduzidas em termos de desrespeito (Honneth) ou a esfera pública forma uma estrutura intermediá-
de injustiça (Fraser) – e propõem uma gramática ria que faz a mediação entre o sistema político, de
moral para a superação delas. Tal como Habermas, um lado, e os setores privados do mundo da vida
e antes dele Hegel, Honneth e Fraser percebem e sistemas de ação especializados em termos de
que a política não se restringe a uma luta de inte- funções, de outro lado” (HABERMAS, 1997, v.
resses (à ação estratégica) 19. Há horizontes 2, p. 107).
normativos, coletiva e simbolicamente atualizados,
A noção de esfera pública é a base da proposta
sobre os quais os sujeitos se apóiam. Tais hori-
habermasiana de uma política deliberativa que
zontes estão na base de reivindicações levantadas
“obtém sua força legitimadora da estrutura
contra formas de opressão ou desrespeito, o que
discursiva de uma formação da opinião e da von-
explicita a permanente tensão entre a facticidade
tade, a qual preenche sua função social e
da vida social e sua normatividade de que fala
integradora graças à expectativa de uma qualida-
Habermas (1997).
de racional de seus resultados” (idem, p. 28)21.
V.1. A importância das interações ordinárias Recorrendo a Joshua Cohen, Habermas (idem)
afirma que as deliberações estão baseadas em tro-
A força da noção de intersubjetividade, pre-
cas públicas de argumentos por todos os interes-
sente nos três autores aqui em tela, acaba por
sados por um determinado assunto. Os partici-
conduzi-los a uma compreensão ampliada da po-
pantes seriam livres de coerções externas e inter-
lítica, chamando a atenção para a participação dos
nas, considerando que as tomadas de posição são
cidadãos em suas vidas cotidianas. Diferentemente
regidas pelo princípio do melhor argumento.
da tradição que remonta a Weber e Luhmann, que
Passíveis de tratar quaisquer questões tematizadas
vêem a política como um campo especializado e
como publicamente relevantes e mantendo-se sem-
autopoiético (cf. HABERMAS, 1997, v. 2),
pre abertas a revisões, as deliberações buscam
Habermas, Honneth e Fraser enfocam a práxis
acordos racionalmente motivados, dependendo
ordinária dos cidadãos, evidenciando sua
das mudanças de preferências dos sujeitos parti-
centralidade para a política. Eles buscam com-
cipantes. Como se vê, trata-se de um jeito de pen-
preender os processos de produção de decisões
sar a política de forma inclusiva e participativa.
coletivas na perspectiva dos participantes e não
apenas na do observador. Nancy Fraser (2000; 2003) parece bastante
ligada à proposta de Habermas, quando chama a
Habermas (1992; 1997) fá-lo ressaltando o
atenção para o fato de que políticas eficazes, ca-
potencial do uso corriqueiro da linguagem natu-
pazes de combinar distribuição econômica e re-
ral por cidadãos comuns. Segundo ele, os
conhecimento cultural, não podem ser cunhadas
proferimentos desses sujeitos ganham concretude
sem a participação das pessoas em processos
e visibilidade em uma multiplicidade de arenas
dialógicos. Nesse ponto, ela mobiliza o princípio
intersubjetivas, cuja trama configura uma esfera
pública, capaz não apenas de reconfigurar enten-
dimentos coletivos e padrões culturais, mas tam- idéia é a de que o sistema político tem um núcleo adminis-
bém de gerar um poder comunicativo que pode trativo responsável pelas tomadas de decisão e periferias
influenciar as instâncias formais de decisão polí- com distintos poderes de influência. Nesse modelo, os ci-
tica20. Isso porque, “em sociedades complexas, dadãos comuns podem iniciar fluxos comunicativos capa-
zes de pressionar os centros do sistema no sentido da trans-
formação. Tais fluxos passam por sucessivas comportas,
19 Honneth reconhece, explicitamente, que Habermas foi defendendo-se publicamente e formando um poder comu-
um dos poucos teóricos a colocar as expectativas normativas nicativo, capaz de forçar modos extraordinários de solução
no cerne da política (HONNETH, 2003b, p. 128-9). Vale de problemas.
ressaltar que Habermas parte da “premissa, segundo a qual 21 De acordo com Habermas, uma das razões pelas quais
o modo de operar de um sistema político, constituído pelo
seu projeto difere, de um lado, das visões liberais e, de
Estado de Direito, não pode ser descrito adequadamente,
outro, das republicanas, está na função atribuída à forma-
nem mesmo em nível empírico, quando não se leva em
ção democrática da vontade. Ele afirma que, para os libe-
conta a dimensão de validade do direito e a força
rais, essa formação teria o papel de legitimação do poder,
legitimadora da gênese democrática do direito”
enquanto que, para os republicanos, ela constituiria a pró-
(HABERMAS, 1997, v. 2, p. 9).
pria sociedade. “Racionalização significa mais do que sim-
20 Habermas (1997, v. 2) desenvolve essa perspectiva a ples legitimação, porém menos do que a constituição do
partir do modelo de circulação de poder de B. Peters. A poder” (HABERMAS, 1997, v. 2, p. 23).

179
RECONHECIMENTO EM DEBATE

D habermasiano, segundo o qual “são válidas as foco no potencial emancipatório das relações co-
normas de ação às quais todos os possíveis atin- tidianas e a visão de que a intersubjetividade é
gidos poderiam dar o seu assentimento, na quali- constitutiva dos sujeitos, da cultura e das regras
dade de participantes de discursos racionais” sociais são reconhecidas heranças do projeto de
(HABERMAS, 1997, v. 1, p. 142)22. É na prática Habermas.
argumentativa, no give-and-take de razões, que
Honneth apóia seu projeto nas interações do
os sujeitos pesam escolhas, avaliam propostas e
mundo da vida, enfocando, especificamente, um
constroem soluções coletivas para problemas com-
de seus componentes: a estrutura pessoal23. O
plexos. Somente com a participação deles – que
próprio Habermas já defendia o potencial da ação
deve ser paritária, vale frisar –, as soluções
comunicativa no desenvolvimento moral da soci-
direcionadas à subordinação poderiam conciliar a
edade ao discorrer sobre seu impacto na forma-
dimensão econômica da justiça à cultural, de for-
ção identitária. Para ele, a “racionalização das nor-
ma a amenizar “efeitos colaterais”.
mas sociais seria caracterizada precisamente por
A proposta de Fraser caminha no sentido de um grau reduzido de regressividade (o que no pla-
um ciclo virtuoso da participação: por meio dela, no da estrutura da personalidade, deveria fazer
os sujeitos construiriam quadros interacionais mais crescer a média de tolerância, face ao conflito entre
propícios à inclusão de todos como pares por in- os papéis)” (HABERMAS, 1980a, p. 331). Mas
teiro em interações sociais. Uma vez mais, apon- Habermas não coloca a formação de sujeitos do-
tamos a forte relação dessa idéia com a visão de tados de uma auto-realização positiva no centro
Habermas, para quem “a esfera pública política de seu projeto. O objetivo da justiça, em sua vi-
tem que se estabilizar, num certo sentido, por si são, é mais amplo, sendo que há critérios morais
mesma” (HABERMAS, 1997, v. 2, p. 102). É no que não passam pela construção da autoconfiança,
próprio ato da participação comunicativa que esta do auto-respeito e da auto-estima.
se estabelece e se aprimora. Em Fraser, a partici-
V.2. A dimensão material das lutas sociais
pação paritária, moralmente construída e
justificada, é o eixo que deveria guiar a teoria crí- Outro aspecto a ser discutido em relação aos
tica. três projetos de teoria crítica aqui em análise diz
respeito à forma como concebem a questão
Por fim, ainda no que concerne à relevância
redistributiva. Em nossa compreensão, todos eles
das práticas ordinárias, nota-se que Honneth
reconhecem a relevância dela, embora lhe atribu-
(2003a; 2003b) também destaca o papel das lutas
am diferentes acentos. Cabe ressaltar, antes de
intersubjetivas cotidianamente travadas. Ele aponta
tudo, que os três realizam um progressivo afasta-
que, por meio de relações afetivas, jurídicas e so-
mento do legado marxista. Habermas, Honneth e
ciais, o sujeito constrói-se interacionalmente, e esse
Fraser demonstram-se críticos da dualidade infra
processo de construção é profundamente políti-
X superestrutura, depositando um peso bem mai-
co. É por meio das lutas (individuais ou coletivas)
or na cultura e nas interações linguageiras do que
para fazerem-se reconhecidos – como pessoas
Marx, mesmo em uma leitura pouco ortodoxa,
carentes, como seres humanos dotados de igual-
poderia admitir. Observa-se, também, um
dade e como indivíduos passíveis de estima – que
distanciamento de categorias caras ao marxismo
os sujeitos promovem o progresso moral da soci-
como ideologia e luta de classes. Ainda que Fraser
edade, construindo padrões de interação mais jus-
(2003) adote o termo classe para se referir a for-
tos e favoráveis à auto-realização. Ainda que
mas de dominação econômica, ela não defende
Honneth não defenda a troca argumentativa como
tratar-se de uma identidade coletiva coesa, volta-
forma privilegiada de transformação política, o
da para a tomada e supressão do Estado. Os três
autores indicam o papel político (e emancipatório)
22 Embora Honneth afirme que, nesse aspecto, a visão de
Fraser descende diretamente da obra habermasiana, ele jul-
ga tratar-se de uma apropriação pouco adequada. Para ele, 23 Habermas (1987; 1990) assinala que o lebenswelt é
Fraser sobrecarrega um conceito que se pretendia pura- composto de três dimensões que se imbricam: a) cultura
mente procedimental: “A formação democrática da vonta- (estoque de conhecimento que abastece as interpretações
de que Habermas tem em mente com seu conceito de ‘sobe- dos sujeitos); b) sociedade (ordens legitimadas que regulam
rania popular’ engloba muito menos do que as intuições afiliações) e c) estrutura pessoal (biografia e experiência do
normativas de Fraser” (HONNETH, 2003b, p. 178). indivíduo).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 169-185 NOV. 2007

dos indivíduos em suas relações sociais, e não de pode ser resolvido no plano da construção de sig-
uma classe ou coletividade específica. Honneth nificações. Se a comunicação intersubjetiva é fun-
(2003b, p. 124) explicita esse aspecto ao declarar damental para a alteração de regras e para a cons-
que um dos equívocos de Marx foi pensar o pro- trução de padrões paritários de interação, sem uma
letariado como o representante dos descontentes. igualdade de recursos materiais não há condições
Habermas também diz não ser possível localizar objetivas para que isso ocorra. Nesse sentido,
as injustiças sociais em uma única classe. Fraser busca marcar sua entrada no campo da
teoria crítica, por uma reconsideração de aspec-
Na obra de Habermas, a questão redistributiva
tos que estavam em suas origens, mas que foram
aparece como que no pano de fundo. Ele reco-
pouco a pouco saindo de foco.
nhece a importância dos bens materiais e de for-
mas mais equânimes de distribuição para que os V.3. Direito e moral: justiça sem ética?
sujeitos possam participar da vida social e dos
Um terceiro aspecto a ser pontuado no cruza-
processos de decisão política. Ele afirma, por
mento das obras de Honneth e Fraser com o lega-
exemplo, que, em Estados democráticos, o siste-
do habermasiano refere-se à noção de direito.
ma dos direitos não pode fechar os olhos para as
Ambos colocam a idéia de direitos no cerne de
condições de vida desiguais (HABERMAS, 2002,
suas propostas para uma teoria da justiça, enten-
p. 243). Mas, como já dito, não é no reino da
dendo que eles não são simplesmente o reflexo de
economia e dos recursos materiais que ele depo-
interesses de grupos dominantes, mas constru-
sita suas esperanças emancipatórias. Um dos pon-
ções intersubjetivas dotadas de uma carga moral.
tos centrais do projeto habermasiano é demons-
Nesse aspecto, eles dão seqüência à trilha desen-
trar, em debate com seus antecessores
volvida por Habermas, para quem “o Direito é um
frankfurtianos, que a transformação da sociedade
medium que possibilita o translado das estruturas
deve ser guiada pela ação comunicativa voltada
de reconhecimento recíproco – que reconhece-
para o entendimento. É por meio do uso racional
mos nas interações simples e nas relações de soli-
e intersubjetivo da linguagem que os sujeitos po-
dariedade natural – para os complexos e cada vez
dem buscar construir outros mundos possíveis,
mais anônimos domínios de ação de uma socie-
sedimentando novos padrões culturais, regras
dade diferenciada funcionalmente, onde aquelas
sociais e práticas de socialização no mundo da
estruturas simples assumem uma forma abstrata,
vida e influenciando decisões formais.
porém impositiva” (HABERMAS, 1997, v. 2, p.
Honneth acompanha Habermas de perto nessa 46).
empreitada, defendendo a tese de que o mundo
Ainda de acordo com Habermas, em condi-
transforma-se (e evolui moralmente) por meio das
ções pós-metafísicas, “as ordens jurídicas só po-
lutas intersubjetivas por reconhecimento mútuo.
dem ser construídas e desenvolvidas à luz de prin-
É no mundo da vida que se naturalizam e se ques-
cípios justificados racionalmente, portanto
tionam enraizados padrões de desrespeito, sendo
universalistas” (HABERMAS, 1997, v. 1, p. 101).
que os indivíduos buscam, diariamente, fazer-se
Tanto Honneth como Fraser partilham dessa vi-
reconhecidos para se auto-realizarem. A questão
são, ancorando a construção das relações jurídi-
da distribuição é pensada por Honneth (2003b) a
cas na intersubjetividade mobilizada na comuni-
partir de um modelo diferenciado de reconheci-
cação. Ambos assumem a visão de que o “que
mento. Como já abordado, ele alega que os sujei-
associa os parceiros do direito é, em última ins-
tos lutam por bens materiais tanto para se verem
tância, o laço lingüístico que mantém a coesão de
considerados seres humanos de igual valor, como
qualquer comunidade comunicacional”
para verem reconhecidos seus méritos e realiza-
(HABERMAS, 1997, v. 2, p. 31).
ções distintivos. É a partir da lógica do reconhe-
cimento, e não simplesmente visando ao aumento Apesar desse eixo comum, o uso que Honneth
de bens materiais, que os sujeitos aspirariam a e Fraser fazem da noção de direitos é distinto.
práticas redistributivas. Nota-se que Honneth (2003a) os concebe como
expectativas morais recíprocas (instituídas ou
Fraser, por sua vez, representa como que uma
não), ao passo que Fraser busca trabalhar com
ruptura nessa perspectiva centrada no mundo da
uma acepção mais institucionalizada de direito. O
vida. Ela redirige a atenção da teoria crítica para o
próprio Habermas já assinalava que se fala em di-
campo da economia, argumentando que nem tudo

181
RECONHECIMENTO EM DEBATE

reitos tanto do ponto de vista moral como do jurí- v. 2, p. 35). De acordo com ele, a neutralidade
dico (HABERMAS, 1997, v. 1, p. 110). Na adviria do argumentar; do ato de tornar-se com-
acepção habermasiana, o direito está diretamente preensível ao outro. “É o procedimento que pos-
ligado à moral, e ambos participam dos proces- sui um caráter moral, portanto, universal”
sos de integração social. Apesar dessa (MATTOS, 2006, p. 138). Ao regular uma comu-
complementaridade, Habermas faz questão de dis- nidade concreta, discursos jurídicos devem abrir-
tingui-los. “Em primeiro lugar, o direito não leva se não apenas para o uso moral da razão prática,
em conta a capacidade dos destinatários em ligar mas também para sua utilização pragmática e éti-
a sua vontade, contando apenas com sua arbitra- co-política.
riedade. Além disso, o direito abstrai da comple-
Interessa-nos frisar aqui, exatamente, a impor-
xidade dos planos de ação a nível do mundo da
tância desse uso ético. Segundo Habermas, os
vida, limitando-se à relação externa da atuação
discursos ético-políticos são expressões de auto-
interativa e recíproca de determinados agentes
entendimento, conduzindo à definição de projetos
sociais típicos. Finalmente, o direito não conside-
identitários específicos. Isso implica que “toda
ra, conforme vimos, o tipo de motivação, conten-
ordem jurídica é também expressão de uma for-
tando-se em enfocar o agir sob o ponto de vista
ma de vida em particular, e não apenas o
de sua conformidade à regra” (idem, p. 147).
espelhamento do teor universal dos direitos fun-
Além dessas diferenças, Habermas ressalta que damentais” (HABERMAS, 2002, p. 253). A justi-
a formação da moral está limitada à comunicação ça, instituída no direito, não se rege por uma mo-
que se processa no mundo da vida, ao passo que ral completamente isenta de valores, mesmo por-
o direito se constitui como um subsistema social que até as normas morais incorporam valores,
que, ancorando-se nas práticas comunicativas desde que sejam generalizáveis (HABERMAS,
ordinárias, precisa traduzi-las em linguagens es- 1997, v. 1, p. 193). Para Habermas, a teoria dos
pecíficas passíveis de regular e integrar outros direitos não proíbe que os cidadãos validem uma
sistemas. Para Habermas, o direito atua como meio concepção de bem. O que ela proíbe é “que se
de transformação do poder comunicativo em po- privilegie uma forma de vida em detrimento de
der administrativo. Ele funciona como um elemen- outra” (HABERMAS, 2002, p. 256).
to intermediário entre mundo da vida e sistemas,
Esses apontamentos atravessam o debate em
possibilitando a existência de trânsitos entre a lin-
torno da definição do reconhecimento. Se Honneth
guagem ordinária e a formal.
parece mais fiel à proposta de Habermas ao de-
A necessidade de converter-se em poder ad- fender uma justiça perpassada por concepções
ministrativo evidencia que o direito não pode ser éticas, sua concepção de direito permanece bas-
pensado como algo tão abstrato como a moral. tante aquém da cuidadosa separação que Habermas
“O direito não regula contextos interacionais em delineia em relação à moral. Fraser, por outro lado,
geral, como é o caso da moral; mas serve como trata o direito como regras normatizadas com pre-
medium para a auto-organização de comunidades tensão à fundamentação sistemática e universal,
jurídicas que se afirmam, num ambiente social, aproximando-se de Habermas. Ela, no entanto,
sob determinadas condições históricas” (idem, p. esvazia sua concepção ao defender uma moral que
191). se quer justa sem eleger definições sobre o bem
viver. Aliás, ela defende um valor específico – a
Isso quer dizer que, para Habermas, o direito
sociedade em que há paridade de participação –,
não pode ver-se inteiramente despido da ética. A
mas insiste em dizer que tal definição é moldada
ordem jurídica, em Habermas, “expressa os ide-
apenas pelos parâmetros procedimentais da cor-
ais de uma cultura política que propaga determi-
reção e não por uma concepção de bem.
nados valores e difunde concepções de bem”
(MATTOS, 2006, p. 139). Ele concorda que o VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS
direito deve ser neutro, mas “se a neutralidade in-
O presente artigo buscou mapear o debate tra-
cluísse também a exclusão de questões éticas do
vado em torno da teoria do reconhecimento, apoi-
discurso político em geral, este perderia sua força
ando-se, sobretudo, no diálogo entre Axel Honneth
em termos de transformação racional de enfoques
e Nancy Fraser. Procuramos demonstrar as cate-
pré-políticos, de interpretações de necessidades e
gorias que norteiam os modelos de cada um de-
de orientações valorativas” (HABERMAS, 1997,
les, bem como as críticas reciprocamente

182
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 169-185 NOV. 2007

endereçadas. Abordamos, ainda, a inscrição de tal ração essa em que se fazem presentes argumen-
debate no campo da teoria crítica, evidenciando a tos pragmáticos, éticos e morais, como aponta
forte ligação (bem como os pontos de afastamen- Habermas.
to e crítica) dos dois autores com Jürgen
Outro aspecto central a esse modelo seria a
Habermas.
atenção sistemática às desigualdades materiais,
Em nossa compreensão, um modelo analítico que não podem permanecer como pano de fundo.
bastante rico para a análise de conflitos sociais e Como lembra Zurn, a agenda da teoria crítica pa-
lutas emancipatórias pode emergir do atrito entre rece, em vários momentos, mais pautada pela re-
essas três perspectivas. A partir da junção de ele- levância filosófica das questões do que pela pro-
mentos indicados pelos três projetos de renova- moção de relações mais justas: “uma teoria que
ção da teoria crítica, pode-se compor um modelo mantém a esperança de um retorno da justiça eco-
complexo de justiça, mais apto a compreender as nômica para o primeiro plano da teoria crítica pro-
tramas relacionais por meio das quais a sociedade mete uma volta a questões tradicionais adiadas por
se repensa e se transforma. Esse modelo deve muito tempo” (ZURN, 2005, p. 90). Mesmo que
atentar, como o faz Honneth, para a importância a economia não possa ser pensada de forma ab-
das lutas intersubjetivas travadas quase que de solutamente desligada de valores, ela possui uma
forma subterrânea no cotidiano. É por meio delas certa autonomia, como indica Fraser. A justiça
que os sujeitos se auto-realizam e, por mais que a social deve incluir uma atenção permanente a essa
justiça não se resuma à auto-realização, não pode dimensão, fazendo-se necessário pensar formas
ser pensada sem ela. Como lembra Habermas, de associação dela com os conflitos morais em
“uma teoria dos direitos entendida de maneira cor- torno de padrões simbólicos. Esse esforço é, jus-
reta vem exigir exatamente a política do reconhe- tamente, a maior contribuição de Fraser, como
cimento que preserva a integridade do indivíduo, bem assinala Zurn (2003). Seu dualismo
até nos contextos vitais que conformam sua iden- perspectivo é bastante enriquecedor, desde que
tidade” (HABERMAS, 2002, p. 243). permaneça aberto à incorporação de outras dimen-
sões da justiça.
Mas o modelo também deve explicitar, seguin-
do Fraser e Habermas, a importância de lutas co- Ainda que não possamos desenvolver, neste
letivas travadas argumentativamente em uma es- artigo, o modelo aqui esboçado, nossa intenção é
fera pública que permite a alteração de padrões evidenciar que as perspectivas de Honneth e Fraser
interacionais instituídos e a revisão de regras in- podem ser combinadas em um viés, simultanea-
formais de convivência. A participação paritária mente, atento à auto-realização de sujeitos e à par-
em tal esfera é fundamental, pois somente por meio ticipação paritária deles em interações sociais.
dela a sociedade pode se reconstruir reflexivamen- Afinal, se é só por meio da participação interativa
te. Ainda que outras práticas comunicativas se- que a auto-realização pode ser pensada de manei-
jam importantes para as lutas sociais, como deixa ra moral, é apenas através de uma socialização
a entender Honneth, a livre troca de razões tem minimamente saudável que os indivíduos podem
um papel não negligenciável que possibilita a afirmar-se como sujeitos e participar
formalização do direito e sua ligação com a moral. (HABERMAS, 1997, v. 1, p. 111). Com base nes-
Moral essa que não pode ser pensada como ses dois pilares, pode-se conceber uma sociedade
desencarnada de concepções sobre o bem viver. que se constrói justa, por meio da troca livre e
O que é necessário é que as concepções éticas permanente de pretensões de validade criticáveis.
encarnadas no direito não sejam sectáticas ou re- Um tal modelo combinado poderia arejar a teoria
pressivas, o que só pode ser alcançado por meio crítica, reagrupando ética e moral, cultura e eco-
de uma livre e irrestrita deliberação entre os mem- nomia, lutas invisíveis e lutas públicas, Honneth e
bros de uma sociedade de jurisconsortes. Delibe- Fraser.

Ricardo Fabrino Mendonça (ricardofabrino@hotmail.com) é doutorando pelo Programa de Pós-Gradu-


ação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), bolsista da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e pesquisador do Grupo de Pesquisa em
Mídia e Espaço Público (EME).

183
RECONHECIMENTO EM DEBATE

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185
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 227-230 NOV. 2007

* * *
RECOGNITION IN DEBATE: HONNETH’S AND FRASER’S MODELS AND THEIR
RELATIONSHIP TO THE HABERMASIAN LEGACY
Ricardo Fabrino Mendonça
This article presents a sketch of the debate between Axel Honneth and Nancy Fraser over the
notion of recognition, seeking specifically to understand some of the aspects that run through the
Habermasian project of critical theory. If at a first glimpse, Honneth’s proposal (a theory of justice
based on the notion of self-fulfillment) and that of Fraser (based on the principle of parity of
participation) appear to be unreconcilable, some common elements can be identified when we keep
the background in which these theories operate in mind. We believe that the possible production of
a model of recognition that is capable of combining Fraser’s and Honneth’s proposals depends upon
making explicit some of the Habermasian premises that remain implicit within the perspectives we
are analyzing here. This article sketches out comparisons and approximations between the three
authors with particular regard to three aspects: the importance of ordinary interaction, the material
dimension of social struggles and the relationships between law and morality.
KEYWORDS: recognition; critical theory; Honneth; Fraser; Habermas.
* * *

228
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 233-236 NOV. 2007

* * *
RECONNAISSANCE EN DEBAT: LES MODELES DE HONNETH ET FRASER DANS LEUR
RAPPORT AVEC LE LEGS HABERMASIEN
Ricardo Fabrino Mendonça
Cet article cherche à tracer le débat entre Axel Honneth et Nancy Fraser autour de la notion de
reconnaissance, et essaye de comprendre certains des aspects qui passent au travers du projet
habermasien de la théorie critique. Si la proposition de Honneth (d’une théorie de la justice appuyée
sur la notion d’autoréalisation) et celle de Fraser (fondée sur le principe de la parité de la participation)
semblent, de prime abord, inconciliables, certains éléments comuns sont identifiés lorsqu’on prend
en compte le fond sur lequel ils travaillent. Nous croyons que la production éventuelle d’un modèle
de reconnaissance associant les propositions de Fraser et Honneth dépend de l’explicitation de
quelques postulats habermasiens qui sont implicites aux perspectives de notre analyse. Le présent
article fait des comparaisons et des rapprochements entre les trois auteurs en ce qui concerne trois
aspects: l’importance des interactions ordinaires, la dimension matérielle des luttes sociales et les
rapports entre le droit et la morale.
MOTS-CLÉS: reconnaissance; théorie critique; Honneth; Fraser; Habermas.
* * *

234

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