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Explanação
O autor da carta aos hebreus escreve aos seus destinatários, cristãos judeus e talvez
até cristãos gentios, encorajando-os a correr, com perseverança, rumo à carreira que
lhes está proposta. Note você que o próprio autor se inclui nestas palavras de
encorajamento, dizendo que não somente os seus leitores deveriam correr e
perseverar na vida cristã, mas que ele, sobretudo, deveria também fazer o
mesmo. Todavia, de maneira proposital, o autor utiliza uma analogia para ensinar e
encorajar não somente os seus destinatários históricos, mas também os de todos os
tempos acerca da necessidade de perseverar. O autor aqui tem em mente as
competições esportivas que aconteciam nos estádios gregos, no caso em pauta,
especificamente as maratonas (Hb 10.36-39). Esse tipo de analogia também foi
usado por Paulo em algumas de suas cartas (veja 1 Cor 9.24-27; Fp 2.16; 2Tm 2.5;
4.7-8).
Estes cristãos conheciam os esportes que eram praticados pelos gregos na época
bem como as competições que se davam nos estádios. Portanto, o autor utiliza um
exemplo simples, mas, sobretudo, preciso e bem conhecido por estes cristãos a fim
de ensiná-los e encorajá-los a perseverança na vida cristã.
A palavra perseverança, no grego υπμονή (hupomnesis), pode ser traduzida como
uma paciência que resiste; denota firmeza e persistência. Esta palavra traz a ideia
de uma pessoa que tem a capacidade de persistir em suportar com firmeza inúmeras
dificuldades em diferentes circunstâncias da vida sem entregar-se ao desânimo e a
derrota. John Macarthur define perseverança como a constante determinação de
seguir em frente, independentemente da tentação de diminuir o ritmo ou desistir. 1
O termo paciência não implica aquela pessoa que senta e aceita as coisas; a
paciência que, cansada e cabisbaixa, se senta com as mãos cruzadas e,
conformada com os problemas e derrotas que a assolam, vai levando a vida
superando tudo. Antes, paciência aqui, se trata da paciência que domina as
coisas. Os obstáculos não a intimidam, a demora às vezes em ver as coisas
melhorarem não a deprimem; o desânimo não lhe tira a esperança.
Porventura se o desânimo que provêm de dentro e a oposição de fora
tentarem contra esta pessoa, nada disso irá fazê-la desistir. Paciência aqui é
a firme persistência que não retrocede até obter a vitória.2
Aplicação
Além de persistirmos firmes na corrida da vida cristã, o autor da carta aos hebreus
escreve que não corremos em vão, sem um objetivo, mas que corremos rumo à
carreira que nos está proposta. A expressão carreira que nos esta
proposta... (ARA), significa o percurso delimitado para o atleta onde ele deve seguir
correndo com perseverança até o fim da maratona.
Aplicação
Calvino ressalta que as virtudes dos santos do Antigo Testamento são como que
testemunhos a confirmar-nos para que, confiando neles, como nossos guias e
associados, sigamos avante rumo a Deus com mais entusiasmo.6 Em vista disso, os
cristãos deveriam olhar como motivação para a vida de perseverança na fé destes
crentes e seguirem o exemplo deles, isto é, deveriam perseverar firmes na fé na
maratona da vida cristã.
Aplicação
A motivação que temos para perseverarmos na maratona da vida cristã está centrada
no exemplo de vida que os crentes do Antigo Testamento deram durante a vida.
Estes crentes que estão no céu não são os nossos espectadores em si, mas a vida
deles no passado é testemunho para nos encorajar a viver como eles viveram.
Devemos procurar viver como Abel, Enoque, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, José, Moisés,
Davi, dentre outros viveram (11.2, 4-5, 7-10, 17-29, 33, 39). Devemos também nos
pautar na vida dos primeiros mártires cristãos e dos reformadores.
Depois de mostrar aos destinatários que eles deveriam ter como motivação para
perseverarem na maratona da vida cristã o exemplo de vida dos crentes do Antigo
Testamento, o autor da carta aos hebreus continua dizendo que esta motivação,
também, era oportuna devido às dificuldades e obstáculos que há na maratona da
vida cristã. Estes cristãos deveriam olhar para a vida que viveram os crentes do
Antigo Testamento em meio às muitas dificuldades e obstáculos que enfrentaram e
continuarem perseverantes assim como eles perseveraram, não desistindo, assim,
da maratona da vida com Deus.
Não obstante, o autor enfatiza dois tipos de obstáculos aqui. Ele diz aos seus leitores
que eles deveriam se desembaraçar de todo peso e de todo o pecado que
tenazmente assedia a todos. Senão vejamos estas duas expressões.
i. Desembaraçando-nos de todo o peso. A palavra desembaraçando-nos, no
grego άποθέμενοι (apothemenoi), é mais bem traduzida por “deixemos de lado”
(ARC, NTLH) ou “livremo-nos”. (NVI) No grego, esta palavra traz a ideia de uma
roupa longa e pesada que o atleta deveria “rejeitar ou abandonar”, pois seria um
obstáculo para ele na maratona. Em vista disso, poderíamos traduzir o texto desse
modo: “tirando de nós mesmos tudo o que nos atrapalha”.
O autor da carta aos hebreus tem em mente aqui a condição física e as roupas de
um atleta. Para estar apto para disputar uma maratona esportiva, o atleta precisa
estar em boa forma física.
Todavia, quando o atleta vai disputar uma maratona esportiva, ele não se veste com
qualquer tipo de roupa, antes, ele se veste com uma roupa apropriada e que não
seja pesada, isto é, uma roupa leve para se sentir confortável durante a corrida, que
consiste numa camiseta, shorts e tênis, que juntos pesam cerca de meio quilo
apenas.
ii. ... e do pecado que tenazmente nos assedia. A expressão “tenazmente nos
assedia” ευπεριοτατον (efperiotaton), é um adjetivo verbal grego que pode ser
traduzido por “que nos cerca tão de perto” ou “que tão de perto nos rodeia”.
(ARC) O pecado que nos cerca tão de perto aqui é o nosso próprio pecado, as nossas
inclinações pecaminosas oriundas da nossa natureza pecaminosa (Mt 15.19; Gl 5.19-
21; Ef 4.22-31). Portanto, em outras palavras, “livrem-se destes obstáculos”, diz o
autor.
Aplicação
Concordo com John Stott quando diz que, na maratona da vida cristã, tirar de nós
todo o peso, significa abandonar o peso do pecado e também outros pesos que podem
não ser pecaminosos em si, mas que atrapalham o nosso desempenho na corrida. 7 Na
pista da fé, observa Simon Kistemaker, nós somos desafiados a ir longe. Portanto,
devemos correr leves.8
Que deixemos de lado até mesmo aquele obstáculo que não seja pecado em si.
Entretanto, se algum obstáculo que não é pecado e também não edifica têm sido um
peso para nós corrermos e tem produzido em nós desânimo, chegando ao ponto de
pensarmos em desistir da maratona, todavia, este obstáculo que não era pecado se
tornou pecado e, portanto, deve ser deixado (2Tm 2.4).
Que deixemos tudo aquilo que nos atrapalha ou nos torne lentos na maratona
da vida cristã, em adição, aqueles pecados que são como uma roupa longa e
pesada que prendem e embaraçam os nossos pés, nos fazendo tropeçar e
cair!
2. O foco na perseverança na vida cristã (12.2)
O autor da carta aos hebreus, agora, enfatiza o alvo primário da maratona da vida
cristã, que é a obra, perseverança e a posição de Cristo Jesus. Vejamos então:
O termo consumador τελειωτής (teleiotes), por sua vez, significa alguém que conclui
algo. Aquele que completa uma obra (Hb 2.10). Sendo assim, era como se o autor
da carta aos hebreus dissesse: “Mantendo os olhos fixos naquele que deu origem e
completou a nossa fé, Jesus”! Parafraseando:
Aplicação
Como corredores empenhados na maratona da vida cristã não podemos olhar para
os lados. Olhar para os lados implica distração; significa desviar o nosso olhar de
Jesus, o objeto da nossa fé, o nosso alvo, e olhar para coisas que não são
importantes. Não devemos nos distrair olhando para o estado lastimável em que a
igreja evangélica, na sua maioria esmagadora, se encontra. Não devemos olhar para
os pastores corruptos, para os falsos crentes, para a suposta “prosperidade” destes
assim como a prosperidade dos falsos pastores e para as adversidades da vida.
Devemos manter os nossos olhos focados em Cristo Jesus!
i. ... em troca da alegria. Esta expressão não significa que Jesus preferiu trocar a
alegria celestial que outrora tinha antes da encarnação pela morte de cruz, conforme
acreditam alguns teólogos. Antes, “pela a alegria”, e não “em troca da alegria”, e
para obtê-la, na qual foi planejada na eternidade por Deus Pai, por ele mesmo e pelo
Deus Espírito Santo no conselho trinitariano, Jesus, o Deus filho encarnado, de forma
voluntária, “sofreu na cruz em antecipação da alegria de ser o salvador do seu
povo”.12 Semelhante a Moisés, que olhava para o seu galardão futuro (Hb 11.26),
Jesus também olhava para o seu galardão que iria receber das mãos do Pai após a
conclusão de sua obra redentora (Ap 5.9-10).
ii. ... que lhe estava proposta. Esta expressão aponta para um tempo futuro, e
descreve que, depois da morte de cruz, Jesus foi glorificado e exaltado pelo Pai. Deus
predeterminou o sofrimento para Jesus (Hb 9.26; 1 Pe 1.20; Is 53.4-6) bem como
uma alegria indizível por ver a sua obra de redenção consumada. Jesus perseverou
para que pudesse receber a alegria de cumprir a vontade do Pai e exaltá-lo13 (Is
53.11; Sl 16.9-11; Lc 10.21-24; At 2.28).
O termo cruz, junto com o verbo suportar, reflete toda a narrativa do sofrimento do
julgamento e da morte de Jesus. Ele ficou sozinho durante seu julgamento perante
o sumo sacerdote e perante Pilatos. Jesus suportou a agonia do Getsemâni sozinho.
Ele carregou sozinho também a ira de Deus no calvário. Em seu sofrimento, Jesus
demonstrou visivelmente sua fé em Deus. Em obediência, ele suportou a angustia da
morte na cruz.14
iiii. .... não fazendo caso da ignomínia. A palavra ignomínia significa “afronta”. Jesus
não levou em conta a afronta dos judeus incrédulos e dos líderes religiosos contra si,
que planejaram e conseguiram com que ele fosse crucificado e morto, uma vez que
estes homens o tinham como um homem maldito e herege (Dt 21.23; Gl 3.13). Jesus
não desceu da cruz conforme muitos queriam que ele descesse tentando-o a isso (Mt
27.40; Mc 15.30). Jesus suportou a afronta para que o Pai fosse glorificado e os
pecadores eleitos fossem redimidos, por isso ele está assentado à destra do trono de
Deus, que indica a sua posição de glória, autoridade e poder (Mt 28.18).
O verbo considerar significa comparar, calcular, reputar. O autor, aqui, salienta aos
seus leitores que eles deveriam considerar o que aconteceu com Jesus, que, logo que
acabará de nascer, já enfrentou perseguição por parte de Herodes (Mt 2.13-18). Mais
tarde, quando iniciou o seu ministério, Jesus suportou afrontas, oposição e rejeição
por parte dos seus conterrâneos, os judeus incrédulos (Jo 1.11). Foi maltratado,
perseguido, espancado e morto pelas mãos destes pecadores (At 2.22-23) para que,
pelo seu exemplo de vida de fé e perseverança em Deus, os hebreus não viessem a
fatigar-se, desmaiando na maratona da vida cristã.
As palavras fatigar-se e desmaiar significam, em outras
palavras, desanimar e desistir. James Moffatt diz que aparentemente, segundo
Aristóteles, estas palavras eram comumente usadas no mundo dos esportes nessa
época, onde ele próprio (Aristóteles) descrevia os corredores que desanimavam e
caiam no final da maratona depois de alcançarem a meta.15
Conclusão
Aplicação
Numa maratona, sabemos que nenhum atleta, por melhor que seja a sua forma física,
não consegue manter o ritmo acelerado o tempo todo devido ao cansaço. No entanto,
como estratégia para conseguir vencer e chegar até o fim, o atleta se intercala
correndo em períodos rápidos e lentos. Assim é na vida cristã.
Pedro, quando negou Jesus, por um momento desanimou da fé, mas logo foi
restaurado e animado pelo Senhor Jesus após a sua ressurreição no mar de
Tiberíades (Jo 21.15-17). Contudo, a questão não é desanimar ou correr mais
lentamente devido ao cansaço das adversidades da vida, mas se entregar ao
desânimo, que significa parar de correr. São muitos os que, em vista do desânimo,
desistiram. Apostataram da fé!
Quando não mantemos o nosso olhar em Cristo, mas para o mundo ao nosso redor,
para as pessoas, para as dificuldades da vida, e para nós mesmos, o desânimo
sobrevém e ficamos tentados a desistir de continuar correndo perseverantes na
maratona da vida cristã. Porém, quando mantemos o nosso olhar “fixo” em Cristo,
não nos entregamos ao desânimo, antes, somos fortalecidos diariamente pelo
Espírito Santo que habita em nós. Quando entendemos e olhamos para a vida e o
sofrimento que Jesus experimentou, isso nos motiva celeremente a continuarmos
firmes e perseverantes na maratona da vida cristã assim como ele perseverou até o
fim (Jo 16.33; 1Cor 9.24-25).