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1. INTRODUÇÃO
A sociedade hoje vive um momento demasiado complexo, onde as
antagônicas interpretações do mundo tornam-se cada vez mais obsoletas.
Cada vez mais perdemos a capacidade de previsibilidade das
dinâmicas de (re)produção espaços-temporais. Novas "leis" são criadas -
conseqüência das morfologias no paradigma social, a qual a sociedade vem
enfrentando - expressando relações complexas que se negam a
desvendarem-se sobre a ótica dos antigos conceitos, exigem o novo.
A meu ver, a geografia, através de sua capacidade analítica e sua
metodologia de interpretação do mundo, é uma das chaves para
compreendermos a "nova" realidade.
Tendo em vista isto, objetivamos fazer uma breve análise da atual
tendência de distribuição espacial dos centros espíritas2 no espaço urbano da
cidade de Niterói/RJ, através do estudo de caso feito no Grupo Espírita
Messe de Amor (G.E.M.A)3, que figura a tendente mudança, proposta por
nós, da distribuição espacial da doutrina kardecista, ao localizar-se no núcleo
de uma “comunidade carente”4, o que foge da tendência clássica de
1
Graduando do curso de geografia da Universidade Federal Fluminense.
2
É importante ressaltar a diferenciação dos termos “espiritismo” e “espiritualismo”, sendo o termo
“espiritismo” exclusivo da doutrina kardecista, e, o termo “espiritualismo” designado às demais
religiões, crenças, ou doutrinas, que cultuem os espíritos.
3
c.f. Honorato (et alli.), A Geografia do Espiritismo, 2010.
4
"Subconjunto da sociedade que a integra em um espaço restrito por dimensões bem definidas, este
organização espacial dos centros espíritas, antes limitada as fronteiras das
áreas periféricas citadina.
O presente trabalho estrutura-se em quatro tempos: primeiro serão
apresentados os principais fundamentos da religião espírita, como também,
seu processo de fundamentação no território brasileiro; segundo,
apresentarei as mudanças sociais ocorridas na sociedade contemporânea - à
luz dos princípios básicos do espiritismo - e o processo de adaptação da
religião espírita a este novo contexto global; terceiro, analisarei, de maneira
breve, o papel do homem no espaço e na sociedade urbana contemporânea,
através da análise do processo globalizante na ótica da alienação dos modos
de vida pela apropriação e controle dos usos do espaço; no quarto momento,
abordarei as conclusões obtidas no estudo de caso do Grupo Espírita Messe
de Amor, embasado em discussões anteriores.
6
Esta se deu em grande parte pela religião espírita estruturar-se como uma religião científica, bem ao
gosto do cientificismo dominante, tanto na Europa, quanto no Brasil. Este fato a distanciou do
espiritualismo das religiões afro-descendentes, ameríndias e pagãs, mas, ao mesmo tempo excluiu a
possibilidade da prática às minorias, que, por não ter acesso à escolaridade, tornavam-se
“incapacitadas”, o que possibilitou a penetração do espiritismo nos círculos intelectuais (médicos,
advogados e engenheiros e etc.), além dos jovens militares profissionais.
7
“Recortes de reação contrários à ordem espacial do bloco histórico, formados dentro da
territorialidade do espaço da ordem." (Moreira, 2002)
8
Espaço sagrado, no caso, pode ser entendido como "[o espaço onde] um campo de forças e de
valores que eleva o homem religioso acima de si, transpondo-o para o lugar distinto daquele no qual
conforme a proposta de Allan Kardec.
3.1. DA POBREZA
Na chamada “modernidade”9, o fenômeno da pobreza era visto como a
recusa do indivíduo em vender sua força de trabalho, o que configurava –
para a sociedade da época – dificuldades em respeitar as regras do salariado
[sujeito vadio], sendo uma responsabilidade individual, na qual se é pobre em
virtude de suas fraquezas morais (Valladares, 2005).
Esta visão simplista da pobreza institui-se no período onde a ascensão
e a expansão do capitalismo deram-se de maneira gradual, mascarando as
contradições do capital. A partir dos anos 1960, a capitalização de tudo e de
todos chega ao auge, de forma que as contradições, antes mascaradas pela
“ilusão capitalista”, vêm à tona, tornando o - agora antigo - conceito de
pobreza obsoleto, dada sua superficialidade. O conceito de pobreza
transloca-se então do âmbito puramente individual, ao do espaço-tempo
social- econômico-culturais históricos singulares de cada modo de produção.
Hoje, a pobreza é determinada, segundo Milton Santos (1987), “pelos
objetivos que a sociedade determinou para si”, ou segundo Isabel Piva
(2007), caracterizada quando “o ser [é] privado de ação ou representação”
por não inserir-se no modo de vida predominante da sociedade.
Para Milton Santos, os objetivos que a sociedade determina para si,
são definidos pela influência hierarquizada [porém recíproca] dos fatores
econômicos e sociais peculiares de cada país, de cada cidade 10, que
compõem o sistema globalizante.
Trata-se de uma leitura da pobreza que pretende romper com a visão
da hegemonia de uma racionalidade de ordem global que impõe aos
lugares11. A ruptura do pensar a pobreza em termos puramente
superestruturais, nos leva a considerar as formas com que as peculiaridades
3.2. DA CARIDADE
A mudança na concepção da pobreza levou os espíritas à reverem
suas formas de prestação da caridade.
A historiadora Isabel Piva13 faz uma leitura interessante do também
historiadores Le Goff14 e Mollat15 ao teorizar sobre a justificativa ideológica
para a exclusão social na época moderna16. Avalia que os abastados
mantinham os desvalidos próximos o suficiente para a prática da caridade,
buscando a salvação individual, pouco importando a salvação do corpo ou da
alma do desvalido17. O pobre era o objeto ideal à filantropia.
Hoje, com a sofisticação do conceito de pobreza, o conceito de
caridade se desloca gradualmente da filantropia pura ao plano da discussão
filosófica do sentido da caridade em si. O conceito de proteção social vem a
tona, baseado na prática da caridade através da luta por políticas públicas
mais adequadas à realidade dos desvalidos. Parte-se do pressuposto de que
a ação focal direta atual sanando as necessidades superficiais dos
indivíduos, pouco influenciando nas demandas estruturais das minorias.
Tomando para si a práxis da caridade, o conceito de proteção social
vem promovendo, de maneira mais efetiva, a inclusão das minorias na
sociedade.
12
"Para Foucalt, o que conta é a diferença do presente e do atual. O novo, o interessante, é o atual. O
atual não é o que somos, mas antes o que nos tornamos, o que estamos nos tornando, isto é, o Outro,
nosso devir-outro. O presente, ao contrário, é o que somos e, por isso mesmo, o que já deixamos de
ser." (Deleuze, 1992)
13
c.f. Piva, Sob o estigma da pobreza: a ação da Santa Casa de Misericórdia. 2007.
14
c.f. Le Goff, A civilização do ocidente medieval. 1984.
15
c.f. Mollat, Os pobres na Idade Média. 1989.
16
c.f. nota 8.
17 “Por meio dos necessitados os abastados praticavam atos caritativos e, ao mesmo tempo,
concentravam nesses infelizes todo o mal que queria ver afastado de si.” (Piva, 2007).
4. ALIENAÇÃO, HOMOGENEIDADE, RELIGIÃO E PLURALIDADE: A
EXPERIMENTAÇÃO COMO COMPLITUDE EXISTENCIAL.
Einstein foi realmente feliz ao afirmar: “Um problema não pode ser
resolvido pelo mesmo raciocínio que o gerou”.
O “homem-contemporâneo”, ao longo de todo o seu fazer-se histórico,
consolidou-se como "o ser da razão científica", do tempo rápido, sedento por
informação. É o homem do meio técnico-científico-informacional de Milton
Santos, erguido sob pilares escusos e vieses, em muitos momentos,
contraditórios.
Em nome de um desenvolvimento utópico e paradoxal, a sociedade
capitalista vem optado por estratégias e seguindo por trajetórias, no mínimo
contraditórias.
A unicidade humana, do pensamento ecológico-complexo,
historicamente corroída pela filosofia cartesiana, negada pela ciência
newtoniana e subjugada pelo cientificismo, cada vez mais tende a ser
resgatada. Não se trata de retroceder e negar os avanços científicos e as
regalias proporcionadas. Significa aceitar a realidade atual e tencioná-la, no
sentido de pluralizar a forma de conhecimento hegemônica, rompendo com o
poder regulador e exclusivo do cientificismo na produção de “verdades”.
Desde a ruptura ecológica do conhecimento, com a dicotomização
cartesiana da estruturas do ser – res extensa (“coisa extensa”) e a res
cogitans (“coisa pensante”) – e a metodologia de fragmentação do objeto
newtoniana, instituida como forma empírica e efetiva de compreensão da
mecânica da estrutura de um objeto conhecido, a ciência e a sociedade
vieram, gradativamente, transformando diferenças de gênero entre as formas
de conhecimento, em diferenças de grau. A hierarquia sobre a "verdade” se
consolidou, tendo no cientificismo o poder regulador, soberano sobre as
outras formas de conhecimento, pela experimentação sensível (senso
comum?) ou pela poética, por exemplo.
No contexto atual, contudo, a incontrolável complexidade das inter-
relações entre os indivíduos, os inimagináveis avanços técnicos, científicos e
informacionais e o expressivo nível de refino científico à qual chegamos, faz
na sociedade urgir a necessidade de pluralização das formas de
conhecimento. A pretensão cientificista nos deu verdades absolutas e
estáveis, mas não nos trouxe a felicidade. Nos tornou sedentos por
felicidades; não nos libertou, nos tomou como escravos para si e de si. O
“homem-contemporâneo”, fragmentado, hoje grita por si e consigo. Hoje,
enquanto as “verdades” o acorrentam em nome de uma pseudo-liberdade,
não respondem mais nenhuma pergunta, são obsoletas. O “homem-
contemporâneo” já não quer mais ser livre para infinitas possibilidades dentro
de uma única estrutura. A utopia não mais chama o infinito, clama por
infinitos. Não basta a possibilidade de incontáveis experenciações, se estas
forem estruturalmente condicionadas.
Os constantes distanciamentos dialéticos das "dualidades" do ato de
conhecer, fez do conceito a ferramenta ótima de explicação da realidade,
contudo, este tem distanciado progressivamente o indivíduo da realidade
concreta, da experimentação pura, condicionando, com base nas mesmas
“verdades”, as formas como deve experimentar.
O ser humano, enfim, vê-se complexo e condicionado em sua forma
de experienciação, sem, contudo, deter uma estrutura bem definida e
sistematizada que subsidie a compreensão dessa complexidade, muito
menos, forjou métodos/ferramentas que neutralizem o condicionamento da
experiência, rumo à experimentação incondicionada, espontânea, e
verdadeiramente empírica, esquecida ao longo do desenvolvimento de um
pensamento científico baseado na derivação dos conceitos.
A busca pela retomada da experimentação pura, espontânea e
incondicionada, então, se torna intrinsecamente necessária em toda revisão
das “verdades”. Não basta compreender as mazelas da racionalização de
tudo e de todos, através do condicionamento implicado pela própria
racionalidade que as criou.
A "busca pela existência" do "homem-contemporâneo", em primeira
instância, fundamenta-se, então, na busca pela retomada da experimentação
pura, espontânea e incondicionada. Resta-nos primar pelo resgate da
cognição através dessa, como base de revisão e proposição de novos
paradigmas de compreensão do mundo. Descondicionando-nos, nos
tornando efetivamente livres para nos apreendermos em nossa
complexidade.
Diversos autores tem trabalhado nesta linha de re-conversão das
diferenças de grau em diferenças de gênero, no tocante da apropriação da
realidade no “vê a si” e no “vê o mundo”. Em sua palestra A constituição do
comum (2005), Negri diferencia a individualidade da singularidade. Escreve:
"Individualidade significa algo que está inserido em uma
realidade substancial, algo que tem uma alma, uma consistência,
por separação em relação à totalidade, em relação ao conjunto. É
algo que tem uma potência centrípeta. O conceito de indivíduo é de
fato um conceito que é colocado a partir da transcendência em que
relação não é algo entre eu, tu e ele, mas uma relação de indivíduo
de uma realidade transcendente, absoluta, o que dá a essa
persona a consistência de uma identidade irredutível. A multidão
não é assim, vivemos com os outros, a multidão é o
reconhecimento do outro. A singularidade é o homem que vive na
relação com o outro, que se define na relação com o outro.
Sem o outro ele não existe em sí.".
Compreendemos que a chave para as "algemas" consista na
retomada do fluxo de coexistência entre o pensar e o experimentar. Na
retomada dialética do fenômeno movimento desterritorializante-
reterritorializante do fenômeno do pensar18. Este deve fluir de forma que o
pensar estruture-se em um continuum, onde, em um primeiro momento, dê-
se a experimentação pura, espotânea e incondicionada [territorializante]; em
um segundo momento, a conjunturação da "realidade primeira", através da
generalização, sistematização e direcionamento daquela experimentação,
pela intelecção e criação de conceitos [desterritorializante]; e, em um terceiro
momento, a retomada à "realidade primeira" sob a ótica daquela mesma
experimentação inicial, agora intelectualizada, acarretando a transmutação
da "primeira realidade" em uma "nova realidade" segunda [reterritorializante],
que, por sua vez, deve ser apreendida pela experimentação pura,
espontânea e incondicionada - primeiro momento -, de forma a manter o
continuum e um constante estranhamento.
Julgamos que a retomata deste fluxo experimentação-racionalização
18
Compreende-se aqui o conceito filosófico de desterritorialização e reterritorialização; c.f. Deleuze e
espontâneo seja o pilar da compreensão da realidade em seu devir e da
supressão das “hierarquias das verdades”. Pois o conhecimento deve
consistir na cognição do devir19, do "tornar-se", do dinâmico, e não do factual,
do pontual. É o compreender de uma realidade complexa, conforme o novo
dinâmico. Significa não pensar através dos conceitos em si e por si. Pensar
os conceitos através dos próprios é dessignificar os mesmos pelo
distanciamento de sua matriz, e, com isto, dessignificar o próprio pensar. É o
pensar alienado, desenvolvido sob à égide da virtualização da experiência, e
não da experiência concreta.
É o espaço o campo que dota de materialidade o pensar. O espaço é
a base de experienciação do indivído. É o locus do pensar.
Podemos concluir que o controle da (re)produção dos espaços, e o
condicionamento de seus usos, em uma sociedade extremamente
racionalista e de desiguais acessos a (re)produção dos espaços, condiciona
o pensar no indivíduo, controlando-o. Ao supervalorizar o conceito,
distanciando o indivíduo da experiênciação espontânea e da estrutura
ecológica do conhecimento (subvalorizada), rompe o continuum e outorga o
pensar os conceitos por derivação de conceitos pré-existentes controlados,
produzidos, centralizados, impostos exclusivamente por setores sociais
hegemônicos na “produção das verdades”.
Como falamos anteriormente, a forma com que a imposição da
racionalidade científica, a titulo de “verdade”, acabou por cercear a
possibilidade de aceitação de outras formas de conhecimento, condicionou
diretamente o desenvolvimento de uma [pseudo] autonomia crítica.
Digo “[pseudo] autonomia crítica”, pois o indivíduo é dotado de
liberdade para pensar, sentindo-se pleno controlador de suas reflexões,
porém, essa liberdade tem se dado em um forte campo de forças de
controle/imposição que condicionam o “como se pode conhecer, para que se
tenha validez”. Ao mesmo tempo em que aquela “[pseudo] autonomia crítica”
prolonga as possibilidades de agenciamento dos conceitos/reflexões
6. CONCLUSÃO
7. AGRADECIMENTOS
7. BIBLIOGRAFIA