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Instituição: FASFI- Faculdade São Fidélis

Pós-Graduação Lato
Especialização
Sensu Nível:

Curso

Psicopedagogia

Disciplina:
Aprendizagem e Contextos Sociais

Carga Horária: 15 horas/aula

Professor: Professor João Beauclair

Mestre em Educação, Psicopedagogo Associado Titular da ABPp


Associação Brasileira de Psicopedagogia.

Professor de cursos de pós-graduação, capacitação e formação


continuada de educadores e psicopedagogos. Mediador do PEI Programa
de Enriquecimento Instrumental ICELP, Israel. Autor e tutor de cursos
Titulação: em EAD. Membro do Conselho Mundial de Cidade Planetária

Homepage: www.profjoaobeauclair.net
E-mail: joaobeauclair@yahoo.com.br

Ementa:

Concepções. Contextos familiares e cultura social no século XXI. A organização e a


estrutura relacional. A comunicação familiar. Estilos familiares. Diversidades
familiares. O sofrimento relacional na família. A criança e o adolescente
sintomáticos. Principais disfunções familiares.

Objetivos:

Objetivo Geral:

 Levar o aluno a refletir sobre as dimensões da aprendizagem nos âmbitos


sociais da contemporaneidade, ocupando-se em ampliar perspectivas acerca
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das intervenções psicossocioeducativas focadas na Saúde e no Equilíbrio


Mental.

Objetivos Específicos:
 Definir e situar a importância das diferentes concepções dos contextos
familiares na contemporaneidade:
 Discutir aspectos referentes à cultura social global do século XXI;
 Conhecer e analisar as relações estabelecidas entre: a organização e a
estrutura relacional; a comunicação familiar e os diferentes estilos
familiares.
 Acessar informações acerca do sofrimento relacional na família,
compreendendo a criança e o adolescente sintomáticos inseridos nas
principais disfunções familiares.

PROGRAMA:

UNIDADE I: Concepções e contextos familiares na contemporaneidade:


 Família como relação de plena reciprocidade entre os gêneros;
 Família como relação de plena reciprocidade entre gerações,
 Variações nas diversas formulações.

UNIDADE II: Cultura social global do século XXI: aspectos emergentes.

UNIDADE III: Relações e disfunções


 A organização e a estrutura relacional;
 A comunicação familiar;
 Os diferentes estilos familiares;
 O sofrimento relacional na família;
 A criança e o adolescente sintomáticos;
 Principais disfunções familiares.

5. METODOLOGIA

A principal estratégia de intervenção deste módulo é a MOP Metodologia de Oficinas


Psicossocioeducativas, onde atividades individuais, dinâmicas de grupos, leitura e
discussão de textos e vivências de situações-problema são geradoras de possibilidades
de ampliação de horizontes e de níveis de consciência profissional no que concerne
aos processos internos de cada sujeito participante. A esta metodologia serão
acrescentadas aulas teóricas expositivas-dialógicas e discussão integrada após leitura
de textos de trabalho.

7. AVALIAÇÃO:

 A frequência mínima a ser cursada na disciplina: 75%.


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 A nota será atribuída através de conceitos: A, B, C, D, com equivalência,


respectivamente, 9.0 a 10.0; 8.0 a 8.9; 7.0 a 7.9; zero a 6.9. Dessa forma, o aluno
que obtiver, na média da disciplina, o conceito D, deverá passar por um novo
procedimento avaliativo.
 Cada cursista participante deverá acompanhar os seguintes processos de avaliação:
 Participação ativa nas atividades grupais e individuais.
 As reflexões, aportes e relações entre as teorias e as próprias práticas.
 Elaboração de síntese do trabalho realizado, a partir do exercício da autoria de
pensamento como registro da escrita (diários de bordo como registro de
aprendências).

8. REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
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Petrópolis, 2000.
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BAUMAN, Z. O mal-estar na modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1998.
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cotidiano escolar em Direitos Humanos. Revista PARADOXA - Projetivas Múltiplas em
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BEAUCLAIR, João. Vencer o Medo, Nutrir a Esperança, Cuidar da Vida, construir a Paz: a
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Janeiro: Edições Graal, 1986.
DUFOUR, D.R. A arte de reduzir cabeças: sobre a servidão na sociedade ultraliberal. Rio de
Janeiro: Companhia de Freud, 2005.
FAGALLI, Eloísa Quadros. A estética e o múltiplo na aprendizagem, à luz da abordagem
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FAUNDEZ, Antonio. O poder da participação. Cortez Editora, São Paulo, 1993.
FAZENDA, Ivani (org.). Dicionário em construção: interdisciplinaridade. Cortez Editora, São
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FERGUSON, Marilyn. A conspiração aquariana. Editora Nova Era, Rio de Janeiro, 2000.
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LACAN, J. Os complexos familiares. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2002.
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SIBÍLIA, P. O show do eu. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, p. 89-112.

TEXTOS

Aprendizagem e Contextos Sociais

Texto I:

A contemporaneidade e seu impacto nas relações familiares

LINO, Michelle Villaça. A contemporaneidade e seu impacto nas relações familiares.Revista


IGT na Rede, v.6, nº 10, 2009, p. 2-13. ISSN 1807-2526

Disponível em http://www.igt.psc.br/ojs/

Resumo
Nas últimas décadas, várias mudanças ocorridas no plano socioeconômico - cultural pautadas
no processo de globalização da economia capitalista, vêm interferindo na dinâmica, na
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organização e na estrutura familiar contemporânea. Nesse sentido e tendo como base o


contexto sócio-histórico em que essa família foi concebida é possível dizer que no mundo
contemporâneo a família passou a se constituir sob a ótica do ‘mercado’ e do ‘consumo’. Nesse
contexto o presente estudo tem como objetivo refletir acerca do impacto da
contemporaneidade nas relações familiares tendo como base as várias mudanças sócio-
econômicas provenientes do advento do capitalismo. Para isso propõe uma análise crítica da
construção sócio-histórica da família a partir de autores como Áries, Debord, Sennett e outros.
Palavras-chaves: família, contemporaneidade, globalização, falta.
Abstract
In the last decade various moves occur in the plane social, economic and cultural due to
economic global interfere in the dynamics, in the organization and in the family structure. In
that perspective and with base in the social and historic context where family was conceived is
possible say than in the contemporany world the family if form toward ‘market’ and
‘consumption’. In that context the object of the study is think about of the impact of the
contemporany in the family relations due to various movies social and economic product of the
capitalism advent. So have proposition review analyze of the social and historic construction of
the family by authors as Aries, Debord, Sennett and others.
Keywords: family, contemporany, globalization, lack.
Introdução
O presente trabalho tem como propósito repensar as transformações e o processo de
construção da família – considerada principal responsável pelo desenvolvimento da infância e
da adolescência – frente à sociedade contemporânea bem como oferecer uma reflexão crítica
sobre as relações familiares.
Desde as últimas décadas se vive mudanças sociais importantes nos diversos contextos sociais:
vive-se o regime de acumulação de capital flexível; vive-se a globalização em suas dimensões
sócio-econômicos, culturais e tecnológicos. Tudo isso atrelado à fluidez, à novidade, ao
efêmero e ao fugido passam a ser valorizados e a fazer parte das práticas que se constituem na
contemporaneidade.
Tendo como base o mundo de hoje é possível dizer que mudanças avassaladoras e profundas
de valores, de comportamentos e de identidades vêm acontecendo. Desta forma as
modificações ocorridas ao longo do tempo possibilitaram o desencadeamento, na
contemporaneidade, de novos tipos de relacionamentos muito mais efêmeros, frágeis e
superficiais.
Nessa perspectiva a complexidade da dinâmica familiar traduz-se de forma inquestionável na
maneira com que seus membros interagem. Com todo esse aparato de diversidade, o amor, o
afeto, enfim, os sentimentos passam a ser também um desafio tendo em vista que aprender a
respeitar e a entender as diferenças, aprender a educar os filhos, dentro de suas limitações e
dificuldades é algo que exige um esforço cada vez maior por parte de todos os membros da
família contemporânea. Por tudo isso os novos arranjos familiares trazem consigo novos
processos de adaptação.
Verifica-se, com isso, que no âmbito dessa família estão se constituindo novas relações, com o
relaxamento do comportamento dos cônjuges, o deslocamento da importância do grupo
familiar para a importância de seus membros, a idéia de que o “amor” constitui uma condição
para a permanência da conjugalidade e a substituição de uma educação conservadora,
modeladora e corretiva das crianças, por uma prática pedagógica de negociação. Vê-se, com
tudo isso, a ‘plasticidade’ que incide nestas novas relações sociais e familiares e que permeiam
esta nova realidade.
Partindo desse conteúdo analítico, o presente estudo almeja propor uma breve reflexão, acerca
do impacto das transformações socioeconômicas e culturais, sobre a família, tendo como base
as mudanças proporcionadas principalmente pós-advento do capitalismo.
A família frente ao mal-estar contemporâneo
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Em se tratando da família, Costa (2005) nos fala que esta a fim de cumprir as exigências sociais
passou a operar duplamente como formadora de cidadãos iguais, mas por meio de pessoas
desiguais e formar sujeitos realizados, por meio de consciências infelizes. A dignidade da
mesma constituiu-se por meio de alicerces precários que possibilitaram o desencadeamento
do mal-estar contemporâneo.
Já para Birman (1999), esse mal-estar se justifica pela nossa vivência em mundo perturbado e
conturbado diante do qual nossos instrumentos interiores interpretativos ficam bem aquém da
agudeza e da rapidez dos acontecimentos.
Partindo do conceito atual denominado por Debord (1967) de ‘sociedade do espetáculo’,
verifica-se, hoje, uma diminuição do espaço para reflexão sobre si, sobre os outros e sobre o
mundo, mas sim o que rege a cultura do nosso tempo é o consumo desenfreado, o
individualismo e a busca pelo bem-estar a curto prazo. Para o autor: “O espetáculo se
apresenta como uma enorme positividade indiscutível, pois seus meios são ao mesmo tempo
seus fins e sua justificativa é tautológica: “O que aparece é bom, e o que é bom aparece”.
Nesse monopólio da aparência, tudo o que fica do lado de fora simplesmente não é” (1967,
apud SIBÍLIA, 2008, p. 112).
De acordo com Sibília (2008):
Nesta cultura das aparências, do espetáculo e da visibilidade, já não parece mais haver motivos
para mergulhar naquelas sondagens em busca dos sentidos abissais perdidos dentro de si
mesmo. Em lugar disso, tendências exibicionistas e performáticas alimentam a procura de um
efeito: o reconhecimento nos olhos alheios e, sobretudo, o cobiçado troféu de ser visto. Cada
vez mais, é preciso aparecer para ser. Pois tudo aquilo que permanece oculto, fora do campo
da visibilidade – seja dentro de si, trancado no lar ou no interior do quarto próprio – corre o
triste risco de não ser interceptado por olho algum. E, de acordo com as premissas básicas da
sociedade do espetáculo e da moral da visibilidade, se ninguém vê alguma coisa é bem
provável que essa coisa não exista (p.111).
Presencia-se, assim, uma contemporaneidade marcada pela cultura do narcisismo (LASCH,
1984) e da efemeridade. Inserido nesse contexto de exacerbação de si e de desvalorização do
‘Outro’ é que se pode melhor compreender a liquidez e a fragilidade dos laços sociais.
Como cita Birman (1999): “Os destinos do desejo assumem, pois, uma direção marcadamente
exibicionista e autocentrada, na qual o horizonte intersubjetivo se encontra esvaziado e
desinvestido das trocas inter-humanas” (p. 24).
Entretanto, se de um lado nos é concedida certa liberdade de escolha, do outro o ser humano
é marcado pela ‘falta’. O ‘Outro’ cede lugar a vários ‘Outros’ cuja função primária não se traduz
como responsável pelo desenvolvimento. Tendo em vista que, para se desenvolver, o ser
humano necessita do ‘Outro’ é que se pode compreender o paradoxo no qual a
Contemporaneidade firma sua existência.
Ainda para o referido autor, a fragmentação da subjetividade trouxe como reação o
autocentramento do sujeito no ‘eu’, porém, de uma forma diferente do individualismo
moderno. Pois, enquanto a subjetividade moderna constitui-se no duplo registro da
interioridade e da reflexão sobre si mesmo, a subjetividade contemporânea sustenta o
paradoxo de um autocentramento voltado para a exterioridade, em que a dimensão estética,
dada pelo olhar do ‘Outro’, ganha destaque (BIRMAN, 1999).
Com tantas transformações e sendo esta a cultura do ‘espetáculo’ caracterizada pela atuação
performática do sujeito frente ao ‘Outro’ – objeto que lhe possibilita o gozo – e, também,
sendo esta uma sociedade narcísica é que é possível dizer que se vive hoje a cultura do fugaz,
do efêmero, dos valores superficiais e não mais centrado nas normas sociais. Tais mudanças
tendem a justificar as novas relações dentro da família.
Nessa perspectiva paradoxal a família pode ser entendida como marco fundamental das
relações sociais primárias, como célula fundamental na formação e no desenvolvimento do ser
humano e ao mesmo tempo como responsável por disseminar a neurose.
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Segundo Alencar (1985) cabe à família – por meio de sua força modeladora garantir aos seus
membros a socialização através da transmissão de valores, crenças e costumes sociais. Sendo
assim, atribui-se a ela, também, a responsabilidade por possibilitar a união dos seus membros
baseada no amor e no afeto.
O amor e seu lugar na família e na contemporaneidade
É inegável a importância da história para a concepção do amor. Na Antiguidade a experiência
amorosa possuía um lugar marginal na vida de indivíduos e grupos. Entretanto, foi a partir do
Renascimento – com a valorização do homem (antropocentrismo) e do prazer (hedonismo) –
que ocorreu uma mudança na maneira de se conceber o amor e o afeto. Assim, pode-se dizer
que o que se convencionou chamar de amor moderno serviu para indicar a integração entre o
desejo e o prazer do homem na ordem social (LÁZARO, 1996).
É importante lembrar também que as transformações porque passa a sociedade ocidental –
séculos XVII e XVIII – tendem a desorganizar / (re)organizar os modelos sociais. Assim, o
advento da burguesia acaba por fortalecer a célula familiar como unidade de afeto uma vez
que acredita ser a família responsável por garantir aos membros um ambiente de ordem e
estabilidade. Vê-se, com isso, não somente a privatização da família, mas também a oposição
ao mundo que, por ser público, tornou-se instável (DONZELOT, 1986). Para Giddens (2002), as
transformações sociais na modernidade, principalmente fomentadas pela chegada da
industrialização e pela transformação do trabalho, vêm produzindo profundas modificações
nas subjetividades e identidades dos sujeitos e nas interações estabelecidas nas suas relações
sociais.
Para Philliphe Áries, essa nova preocupação para com a família fez com que esta assumisse
uma nova função – para além do direito privado – de se responsabilizar pelo cuidado moral e
espiritual de seus membros.
Segundo Áries (1981):
A família cumpria uma função – assegurava a transmissão da vida, dos bens e dos nomes – mas
não penetrava muito longe na sensibilidade (...). Essa nova preocupação fez com que a família
deixasse de ser apenas uma instituição de direito privado e assumisse sua nova função moral e
espiritual (formação de corpos e almas). O cuidado dispensado às crianças passou a inspirar
sentimentos novos (Sentimento Moderno da Família) (p.193).
Com isso, verifica-se que a família aparece como instituição responsável pelos afetos,
sentimentos e amor. Segundo Lázaro (1996): “As frustrações afetivas decorrentes da inserção
dos indivíduos numa rede de interdependência mais complexa e diferenciada podem auxiliar
na compreensão da fragilização dos laços sociais”(p.161).
Com base nessa conceituação e também nas mudanças que ocorreram nos relacionamentos
amorosos é possível dizer que o ser humano está cada vez mais à procura ‘de’, alterando, por
vezes, a maneira de lidar, não somente com sua forma de se relacionar, mas também com o
modo de conceber a felicidade, o prazer e a si mesmo.
Do individualismo à sociedade do desamparo: algumas reflexões
Numa perspectiva sócio-histórica e cultural, a família ocidental presenciou grandes mudanças
no que se refere ao seu processo de individualização, principalmente ao longo da segunda
metade do século XX até os dias atuais: diminuição da durabilidade dos casamentos e das
famílias numerosas; aumento do número de divórcios e de recasamentos; regularização da
união estável (antes chamado ‘Concubinato’); surgimento dos mais variados modelos de
famílias – monoparentais, nucleares, unipessoais, homoparentais, recompostas, dentre outros.
Atualmente, o elemento central que regulamenta as famílias é o espaço privado sempre a
serviço de seus membros. Segundo a visão psicanalítica, o grupo familiar detém uma função
estruturante no psiquismo do ser humano. Para Freud (1929/1994), a inserção do indivíduo no
social somente é possível por meio do Complexo de Édipo e do Complexo de Castração.
Além disso, e tendo como base a cultura ocidental, Lacan (2002) acredita que esta introduz
uma nova dimensão na realidade social e na vida psíquica e é essa dimensão que vai
especificar a família humana bem como os fenômenos sociais. Além disso, cabe à família o
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papel primordial na transmissão da cultura (repressão de instintos e aquisição da língua). Para


Lacan, a família moderna aparece como uma contradição da instituição familiar e mostra uma
estrutura complexa, uma vez que perpassa por complexos cujos papéis são de organizadores
no desenvolvimento psíquico: complexo do Desmame – representa a forma primordial da
imago paterna, pois funda os sentimentos mais arcaicos e estáveis que unem o indivíduo à
família; complexo de Intrusão – reconhecimento dos irmãos permeados pela identificação
mental – ciúme infantil; e, o complexo de Édipo.
Entretanto, o sujeito é uma realidade psíquica – histórico-cultural – que não pode ser pensado
independente de sua realidade subjetiva e de suas causas sociais. A (re)estruturação das
sensibilidades e dos julgamentos no campo afetivo é deveras complexa, posto que é nela que
se ancora a estabilidade das identidades pessoais.
Nessa perspectiva o sujeito contemporâneo – liberado da força normativa das instituições
familiares, religiosas e trabalhistas – vê-se levado a apoiar-se de forma narcísica e hedonista.
Este mesmo sujeito está sempre à procura daquilo que lhe ‘falta’, já que seu comportamento é
estimulado pelo neoliberalismo econômico. Assim, faz da regrada felicidade a chave mestra
dos ideais formadores de sua identidade ou ‘identidades’.
Essas identidades - narcísicas e hedonistas - do sujeito da atualidade fizeram com que este se
torna-se indiferente ou pouco sensível em relação aos outros e aos projetos pessoais
duradouros. Daí a noção de efemeridade e de superficialidade nas relações. Segundo Dufour
(2005), o indivíduo pós-moderno é sujeito sozinho, mas livre. Este, quando bem sucedido
tende a sentir-se onipotente e quando isso não ocorre percebe-se impotente e envergonhado,
ou seja, imergido em sua intolerância narcísica à frustração. Não há sentimento de culpa e nem
de ‘Outro’ simbólico, isto significa dizer que na contemporaneidade, nem pai, nem padre, nem
médico funcionam como autoridade simbolicamente legitima para corrigir, ratificar ou regular
os rumos tomados pelas práticas individuais. Nela o sujeito é órfão do ‘Outro’.
Sendo assim, o homem contemporâneo, para o mesmo autor, não compartilha os valores
simbólicos da Modernidade – identidade, reconhecimento e filiação. Na sociedade atual, os
homens são solicitados a se livrarem de todas as sobrecargas simbólicas que garantiriam suas
trocas e, com isso, passa a ser o “Mercado”, responsável por prover, de forma perversa, novos
‘Kits Identitários’ e de ‘Identificação’(DUFOUR, 2005).
Entretanto, o ‘Mercado’ não pode funcionar como o ‘Outro’ porque não remete à
transversalidade das relações e nem à origem que a funda. É horizontal e determina que tudo
deve ser posto em rede – não há idéia de um terceiro, primordial para a constituição psíquica
dos sujeitos. O capitalismo, para Dufour (2005), com a dessimbolização, não conduz apenas à
perversão, mas à psicotização, já que não visa prover formas de amparar os sujeitos, mas sim
torná-los órfãos, abandonados, desamparados uma vez que, diante da negação da diferença
geracional (ter nascido na geração precedente) e da diferença sexual (ter nascido feminino ou
masculino), o sujeito deve responder ao impossível: fundar-se sozinho.
Outro autor que vai tratar das mudanças econômicas que tendem a moldar valores sociais e
pessoais é Richard Sennett. Segundo este autor, a fragmentação das grandes instituições deixa
um estado fragmentário na vida dos indivíduos. Assim, o desafio do sujeito contemporâneo é
lidar com o tempo – relação de curto prazo – e sua instabilidade – única constante do
capitalismo; com o talento (meritocracia) e com a política do consumo (necessidade associada
à paixão consumptiva) (SENNETT, 2006).
Tudo isso tende a refletir diretamente sobre a família que, por ser responsável por repassar
valores e socializar seus membros, vai se descobrir também impotente, saudosa e, apesar de
cobrada, com pouquíssima autoridade sobre seus membros.
Hoje é possível dizer que, com a variedade disponibilizada pelo Mercado, a falta que se
estabeleceu circula sobre aquilo que nunca se teve, mas sempre se desejou e é sobre essa nova
concepção de sujeito, família e sociedade que se deve refletir.
Reflexões acerca da Família Contemporânea
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Derivada do latim a família (famulus) caracterizava-se como um conjunto de domésticos,


servidores, escravos, comitiva, cortejo (HOUAISS, 2001).
Segundo Áries (1981), na Idade Média, o sentimento de linhagem era a única concepção
particular de família. Este sentimento determinava que a extensão de sua solidariedade
abrangesse a todos os descendentes de um mesmo ancestral – apoiada na indivisão do
patrimônio independente da coabitação e da intimidade.
O autor revela também que somente no século XVII se começou a falar da fragilidade e da
debilidade da criança – concepção moral da infância – que culminou no sentimento de infância
– onde a criança passou a ter lugar central no seio da família – e, no sentimento de família,
através da preocupação com a educação, a higiene e a saúde física de seus membros. Assim, ao
contrário do sentimento de linhagem, o sentimento de família vai ligar-se à casa, ao governo e
à vida dentro desta permeada pela construção e pela valorização da ‘intimidade do lar’.
Esta nova noção de família visa torná-la responsável pela socialização e pela transmissão de
valores, de crenças e de costumes aos seus integrantes (ALENCAR, 1985). No entanto, a história
da família não segue uma lógica linear, mas descontínua, haja vista o registro dos diversos
modelos familiares. A família vai ser a concretização de uma forma de viver os fatos básicos da
vida por meio de sua estrutura universal que tende a ser a base das relações humanas através
das quais ocorrem a formação inicial dos vínculos.
Segundo Carvalho (1995), o fundamental da família não está na natureza social; uma vez que
as famílias se constituem como aliança entre grupos.
Esses reposicionamentos sociais e essas redefinições de papéis juntamente com as mudanças
provenientes do advento do uso da pílula anticoncepcional, da redefinição do casamento, da
regularização do divórcio, dentre outras transformações foram profundas e passaram a integrar
a nova paisagem social.
Segundo Bauman (1998), a marca da contemporaneidade é a vontade de liberdade e esta
tende a acompanhar a velocidade das mudanças econômicas, tecnológicas, culturais e do
cotidiano.
Já Sarti (1995) aponta que, no mundo contemporâneo, a família deixou de ser ‘unidade de
produção’ para assumir o papel de ‘unidade de consumo’ proveniente, principalmente, pela
perda do sentido da tradição. Por conta disso, o amor, o casamento, a família, a sexualidade e o
trabalho antes vividos por meio de papéis pré-estabelecidos passam a ser concebidos como
parte de um projeto em que a individualidade prevalece e adquire cada vez mais importância
social e implicações nas relações familiares.
Assim, o caráter relacional da família corresponde à lógica de sua própria construção.
De acordo com Osterne (2001):
Alguns fatores importantes contribuíram no processo histórico para as mudanças na
estruturação da família: As relações de mercado e a crescente industrialização que
modificaram, lenta, mas radicalmente, o status social da família; A ascensão do capitalismo que
determinou a união da família a fim de se vencer as controvérsias da vida e, ao mesmo tempo,
enfraqueceu como grupo extenso, incapaz de subsistir aos ambiente de proletariarização
(p.53).
Dessa forma, não se pode falar de família, mas de “famílias” a fim de se contemplar a
diversidade de relações que convivem na sociedade. No imaginário social a família
compreende laços de consangüinidade, dependência econômica e/ou afetiva. Entretanto, há
dificuldade de se definir família uma vez que depende do contexto sociocultural em que a
mesma esta inserida.
Assim, a família é não somente uma instituição de origem biológica – encarregada de
transformar um organismo biológico em ser humano –, mas também uma construção social,
um espaço indispensável para a garantia da sobrevivência, de desenvolvimento e de proteção
integral dos filhos e de seus demais membros independente do arranjo familiar ou da forma
como se estruturam. Conforme Alencar (1985) cabe a família possibilitar a socialização e a
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transmissão de valores, crenças e costumes da sociedade da qual está inserida para todos os
seus membros.
Já Ariès (1981) aponta para o que se convencionou chamar de “sentimento de família” tendo
em vista a formação da mesma por meio do entrelaçamento de emoções; das ações pessoais,
familiares e culturais formando o mundo familiar – espaço único para cada família, mas circular
para a sociedade e para as interações com o meio social. Trata-se, em verdade, da célula mater
da sociedade, do seu núcleo inicial, básico e regular.
Ou seja, conforme Amaral (2001), a família contemporânea fez emergir necessidades de
intimidade e de identidade entre seus membros possibilitados pela união por meio de
sentimentos, de costumes e de gênero da vida.
De acordo com Sarti (1995), a família não se resume somente a um forte elo afetivo, mas ao
próprio substrato de sua identidade social e simbólico que a estrutura e a justifica no mundo.
É sabido, também, que cada pessoa tem sua própria representação da família real e da família
sonhada, da sua própria família e da família do outro. Entretanto, a família não se traduz como
algo concreto, mas sim como algo construído a partir de elementos da realidade. De acordo
com Petrini (2003), a família encontra novas formar de estruturação que, de alguma forma, a
reconstituem sendo reconhecida como estrutura básica e permanente da experiência humana.
Por tudo o que fora exposto até o momento é possível crer que se vive, na
contemporaneidade, mudanças sociais importantes em diferentes níveis. Nesse contexto
presencia-se, por meio do regime da acumulação de capital flexível que possibilita a
emergência e a parceria com a atual globalização que produz implicações no ocidente, a
acumulação flexível que passa a valorizar o efêmero, o fugido, a novidade e a fluidez das
relações e que proporciona a instabilidade e a fragilidade das relações afetivas e familiares.
Considerações Finais
Na família se dão os fatos básicos da vida: o nascimento, a união entre os sexos, a morte. No
entanto, a história da família não é linear, mas descontínua haja vista o registro de padrões
familiares distintos com suas diversas explicações como alternativa do modelo familiar.
Nesse sentido, a família atual vai ser a concretização de uma forma de se viver os fatos básicos
da vida; ela se relaciona, mas não se confunde exclusivamente com o parentesco – relação de
consangüinidade, dependência ou afinidade. Assim e por ser considerada como estrutura
universal uma vez que existe em todas as sociedades traduz-se como grupo social responsável
pela realização e pela manutenção dos vínculos.
No mundo contemporâneo, as mudanças ocorridas na família relacionam-se com a
‘fragilização’ e/ou ‘perda’ do sentido de tradição.
Nessa perspectiva, a família contemporânea, considerada como ‘micro’ unidade de consumo e
de subsistência reflete o sentimento de se estar vivendo em um mundo incerto, incontrolável e
assustador, algo diferenciado da segurança projetada em torno de uma vida social estável.
Vive-se, com isso, a lógica da satisfação instantânea e a cultura da sociedade de consumo
desenfreado, do individualismo, do esquecimento e da inquietação. Essas mudanças de
comportamento e de regras construídas e reproduzidas através das relações sociais tendem a
repercutir diretamente sobre a família que em sua ‘primogenitura’, no que se refere às relações
sociais, sente o impacto de suas imposições narcísicas.
Por tudo isso se faz mister (re)pensar a família contemporânea considerando-se não somente a
sua base de construção sócio-histórica como também a sua singularidade imbuída numa
sociedade movida não pelo ‘desejo’, mas pela ‘falta’, pela necessidade cada vez mais perversa e
‘ditadora’ do Mercado e pela urgência de reconhecimento por aquilo que se tem e não pelo
que se é. Entretanto, cabe ainda uma difícil tarefa uma vez que, na contemporaneidade, não há
espaços para reflexões, talvez pequeninas ‘brechas’ou ‘lacunas’ que devem ser considerados e
analisados com elevado grau de importância.
E é por tudo isso que ainda é preciso e plausível acreditar que a modificação no ‘pensar’ e no
‘olhar’ de forma singular as famílias é o que possibilitará uma mudança na forma de se
considerar as práticas que permeiam suas relações. Reconhecer e aprender a contextualizar as
13

mudanças provenientes da contemporaneidade e seu impacto sobre as famílias se faz


necessário no sentido de poder melhor acolher sua demanda e contribuir para que estas
visualizem suas potencialidades.

Texto II:
AS RELAÇÕES FAMILIARES NA CONTEMPORANEIDADE:
CONFLITOS E SOLUÇÕES
Juliana Barbosa Torres e Giselle Picorelli Yacoub 1

Resumo: A família, dentro das mais diversas configurações da convivência humana, obteve
sempre papel de destaque na organização do sistema social. Em grande parte das sociedades
tradicionais estudadas por antropólogos, a família era a sua própria estrutura, onde o membro
mais velho, o patriarca, exercia poder total sobre os demais. Com o fortalecimento do poder
Estatal, o domínio familiar passou a se restringir mais à vida íntima do cidadão. Com a
modernidade avançada, a configuração familiar tende cada vez mais a se diferenciar da
configuração tradicional. O objetivo de nosso estudo é, dentro desse panorama geral da
sociedade ocidental contemporânea, fazer um paralelo da transformação dos laços familiares e
a judicialização da sociedade, através do viés da resolução de conflitos. Palavras-chave: Família;
relações sociais; conflitos.
Introdução
O advento da modernidade marcou profundamente a história humana, pois trouxe um jeito
“todo novo” de experimentar o mundo. A sociedade moderna se diferencia completamente de
suas precedentes pré-modernas nas suas instituições, relações sociais e etc. Porém,
vivenciamos na contemporaneidade uma nova ordem social que já se diferencia da moderna
quando esta foi estudada pelos clássicos da sociologia como Marx, Weber e Durkheim. Muitos
autores falam em “fim da modernidade”, muitos falam em “pós-modernidade” e outros
trabalham com a “modernidade avançada”, que seria uma modernidade ainda mais moderna.
É nesse último conceito que vamos no ater para explicar como a primeira instituição social
humana conhecida, a família, se modificou até aparecer nos dias de hoje em um formato
completamente diferente da noção que se tinha nas sociedade pré-modernas e início da
modernidade. O nome família continua o mesmo, mas em seu interior, a família se modificou
completamente.
E, paralelamente, como todas as instituições sociais passaram por radicais transformações na
modernidade avançada, não foi diferente com o Direito, que é o responsável por “organizar a
sociedade” e administrar seus conflitos.
Com essa constante modificação das relações sociais, o Direito precisou e ainda
precisa, se transformar para poder atender toda uma demanda social. Nesse artigo, após
debater a noção do conceito de família na contemporaneidade através da análise de autores
que estão trabalhando incessantemente esse tema, abordaremos a transformação jurídica
ocorrida paralelamente e como esta pode se transformar para poder atender às necessidades
dessa nova organização familiar que está se formando e transformando constantemente.
1. As transformações sociais na modernidade avançada

1
CONGRESSO INTERNACIONAL INTERDISCIPLINAR EM SOCIAIS E HUMANIDADES Niterói RJ:
ANINTER-SH/ PPGSD-UFF, 03 a 06 de Setembro de 2012, ISSN 2316-266X Juliana Barbosa
Torres1 - Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade
Federal Fluminense jubarbosatorres@yahoo.com.br Giselle Picorelli Yacoub2 - Mestranda
pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense
gisellepicorelli@hotmail.com
14

A modernidade começa a surgir na Idade Média e início do Renascimento. Até os dias atuais,
foram inúmeras transformações sem precedentes históricos. Podemos dizer que hoje, vivemos
em uma época de constante transformação em praticamente todos os âmbitos da vida social e
institucional. Da sociedade tradicional para a sociedade industrial ocorreram rupturas que
demarcaram essa mudança e fizeram com que os indivíduos transformassem praticamente
toda sua forma de ação e seu olhar sobre o mundo a sua volta, transformando completamente
suas narrativas de vida.
Krishan Kumar, ao analisar o surgimento da modernidade, coloca que esta se iniciou
como uma invenção da Idade Média cristã, destacando o mundo moderno cristão do mundo
antigo pagão. Na renascença ocorreu uma espécie de retorno ao tempo cíclico antigo, através
da grande valorização que foi da a Idade de Ouro da Antiguidade, o que estava por vir era um
passado reformado, renascido”. (KUMAR, Krishan, passim, 2006).
De acordo com Kumar, o que a Renascença trouxe para a visão de mundo moderno foi
a capacidade de formular novos padrões críticos e racionais que poderiam ser usados contra
qualquer forma da autoridade intelectual. Porém, foi no século XVIII que, de acordo com o
autor, os tempos modernos finalmente ganharam vida. A modernidade deixou de significar a
cópia inferior de uma época antiga gloriosa ou o último estágio empobrecido da existência
humano e passou a significar uma ruptura: “um rompimento completo com o passado, um
novo começo baseado em princípios radicalmente novos” (KUMAR, Krishan, 2006, p.18). O
moderno passou a significar mudança, quanto mais recente no tempo maior é a mudança.
O moderno é revolucionário em si, a modernidade é uma revolução constante de
idéias e instituições, características essas, que de acordo com Kumar, levaria a modernidade a
um relativismo sem objeto. Porém, em seu surgimento, os profetas da modernidade
acreditavam em seu significado, a era moderna era vista como um ponto culminante do
desenvolvimento humano.
Ulrich Beck, como os demais teóricos da sociologia contemporânea, busca encontrar
termos chaves para diferenciar as formas de vidas sociais que se configuram na atualidade, das
vividas no inicio da chamada era moderna. O autor observa que não se cabe mais a ideia de
uma sociedade industrial, sendo assim, explica que estamos caminhando para a denominada
“sociedade de risco”.
FALTA A CITAÇÃO

Na sociedade que “distribuía riquezas”, os riscos eram pessoais, na sociedade que


“distribui risco”, estes passam a ser de ordem global. Nesse sentido, a palavra risco atualmente
perdeu seu “tom de aventura” e passou a significar um perigo muito maior. A modernidade
tardia trouxe consigo um processo de individualização social, as pessoas são “libertadas” das
formas sociais anteriores como classe, estrato, família, estatuto de gêneros e etc. Essa situação
gerou, sobre tudo no mundo ocidental, um “impulso social individualizatório”. Isso dissociou as
pessoas, através da ruptura de continuidade da história, dos condicionamentos ligados à classe
e família.
Nesse sentido, de acordo com Beck, o processo de individualização é concebido
teoricamente como processo de reflexividade. O autor vê a questão da reflexividade moderna
por duas óticas, de um lado a toma como uma libertação do indivíduo das formas de vida
ditadas pela sociedade industrial, o individuo ligado às questões de classe, gênero e família.
Ao mesmo tempo o coloca em um estado de insegurança que antes era substituído
pelas “formas de controle do medo e da insegurança em ambientes sociomorais”. Agora é o
individuo que tem o controle e as instituições sociais se deparam com uma nova demanda em
relação à educação, política, família e etc. A família entrou para o que Beck chama de
“instituições zumbis”, são as instituições que estão “mortas e ainda vivas”.

“Pergunte-se o que é realmente uma família hoje em dia? O que significa? É claro que
há crianças, meus filhos, nosso filhos. Mas, mesmo a paternidade e a maternidade, o
15

núcleo da vida familiar, estão começando a se desintegrar no divorcio (...) Avós e avôs
são incluídos e excluídos sem meios de participar nas decisões de seus filhos e filha. Do
ponto de vista de seus netos, o significado das avós e dos avôs são incluídos e excluídos
tem que ser determinado por decisões e escolhas individuais. (BAUMAN, Zygmunt,
1999 p. 13 apud BECK, Ulrich)

2. As relações sociais e a transformação da família na sociedade contemporânea

Para Giddens, o desenvolvimento das instituições sociais modernas criou


oportunidades bem maiores para os seres humanos desfrutarem de uma existência mais
segura e gratificante que qualquer tipo de sistema pós-moderno.
A radicalização da modernidade, a modernidade em sua forma potencializada, como
analisada aqui, é vista por Giddens sobre vários aspectos, um é o lado sombrio que essa
radicalização da modernidade trouxe. Como consequência do desenvolvimento industrial, a
natureza foi modificada de forma intensa, “talvez tenhamos alterado o clima do mundo, além
de ter danificado uma parte muito maior de nosso habitat terrestre” (GIDDENS, 2003, p.31).
Esse fato traz sim a noção de risco que não existia nas culturas tradicionais.
Outro importante ponto analisado pelo autor dentro de seus estudos sobre a
modernidade radicalizada é questão das relações afetivas humanas:

Há uma revolução global em curso no modo como pensamos nós mesmos e no modo
como formamos laços e ligações com os outros. É uma revolução que avança de
maneira desigual em diferentes regiões e culturas, encontrando muitas resistências.
(GIDDENS, 1993, p.61)

O autor ao analisar as transformações ocorridas nas relações sociais na modernidade,


utiliza como palco dessas transformações a família. “A família é um local para as lutas entre
tradição e modernidade, mas também uma metáfora para elas”. (1993 p.63)

A família e o casamento se encaixam, para Giddens, dentro das “instituições-casca”,


instituições essas que por dentro se transformaram radicalmente. De acordo com o autor,
umcasal hoje baseia seu relacionamento na comunicação e na intimidade emocional, nunca
antes o casamento se baseou na intimidade. A ideia do relacionamento superou na
importância a ideia do casamento. Para o autor as três áreas principais onde a intimidade está
substituindo os velhos laços que antes uniam as pessoas são: relacionamentos sexuais e de
amor, os relacionamentos pais-filhos e a amizade.
O autor analisa que os relacionamentos atuais que são tidos como bons
relacionamentos são os que se aproximam da democracia pública. Giddens coloca que o
principio da democracia também é ideal dentro da noção atual de um “bom relacionamento”,
isso não quer dizer que todos os relacionamentos atuais se dão dessa forma. Mas o principio
de um bom relacionamento atualmente é o que se estabelece entre iguais, onde procura-se ter
confiança mútua e esta tem que ser trabalhada, “o bom relacionamento é aquele isento de
poder arbitrário, coerção e violência.” (1993, p.71).
O também sociólogo da contemporaneidade Zygmunt Bauman, enxerga a questão da
intimidade e do relacionamento humano dentro da modernidade radicalizada, de forma mais
inquietante que Giddens. Para Bauman, as redes de parentesco se sentem frágeis e ameaçadas
frente a uma ordem social que carece de pontes estáveis.

Suas fronteiras se tornaram embaçadas e contestadas, e as redes se dissolveram num


terreno sem titulo de posse nem propriedade hereditárias. (...) Às vezes um campo de
batalha, outras vezes o objeto de pendengas judiciais não menos amargas. As redes de
16

parentesco não podem estar seguras de suas chances de sobrevivência, muito menos
calcular suas expectativas de vida. Sua fragilidade as torna ainda mais preciosas.
(BAUMAN, 2004, p.47)

Em seus estudos sobre a sociedade contemporânea, chamada por Bauman de


sociedade liquido-moderna, o autor coloca que vivemos em uma vida de incertezas, é nesse
sentido que ele afirma que vivemos uma vida líquida. A sociedade líquido-moderna é aquela
“em que as condições sob as quais agem seus membros, mudam em um tempo mais
curto do que o necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de
agir”(BAUMAN, 2001, p.7). Sendo assim, as realizações em posse que os indivíduos conquistam
são a todo momento passíveis de se transformarem: trata-se de uma vida mergulhada em
incertezas.
Para Zygmunt Bauman, vivemos em uma sociedade de consumidores, ninguém está
livre do mercado, estamos todos inseridos dentro deste e temos que agir de acordo com suas
regras. Sendo assim, nessa forma diluída da sociedade contemporânea, as relações sociais
também estão “misturadas” com as relações de consumo. É nesse sentido que o autor coloca
que na sociedade de consumidores, somos todos consumidores e mercadoria s ao mesmo
tempo. Não importa o meio em que vivemos, temos que constantemente nos tornar atraentes
e desejáveis como mercadoria, seja para conseguir um emprego ou reconhecimento social.
Perante essas análises, de acordo com Bauman, em nossa sociedade o consumo é um
investimento em qualquer coisa que sirva para o valor social e a auto-estima do indivíduo. O
autor coloca que na sociedade de consumidores seus próprios membros são mercadorias de
consumo e é justamente essa característica, ser uma mercadoria de consumo, que os torna
membro dessa sociedade. Dentro dessa circunstância, tornar-se e continuar sendo uma
mercadoria consumível é a principal preocupação do consumidor, geralmente de forma
inconsciente. Essa necessidade está pautada no medo da inadequação, que a maioria dos
indivíduos enfrenta na sociedade de consumidores.
Para Bauman, sobre determinada ótica, a passagem da sociedade de produtores para
a sociedade de consumidores é vista como uma passagem do mundo das restrições para o
mundo da liberdade e da individualidade. Outra visão apresentada por Bauman, sobre essa
mesma transição, é a de que a passagem de uma sociedade para outra se deu através da
aquisição da vida pelo mercado de bens de consumo.
Entre as maneiras como o consumidor enfrenta as suas frustrações na sociedade de
consumo está descartar os objetos que causam essa frustração. Para Bauman a sociedade de
consumidores desvaloriza o que é durável, considerando o que está “velho” como destinado ao
lixo. “Não se espera dos consumidores que jurem lealdade aos objetos que obtém com a
intenção de consumir”. (BAUMAN, 2007)
Sendo assim, Bauman destaca que essa ênfase no descarte das coisas e não na
aquisição, se encaixa de forma perfeita na lógica da nossa economia orientada para o
consumo. E isso traz uma crescente insegurança. A vida dos eliminados do jogo do consumismo
é de rebelião esporádica, mais comumente destaca no uso das drogas.
Bauman coloca que a possibilidade de se tornar outra pessoa é o atual substantivo da
salvação por redenção. Sendo assim, o sonho de tornar a incerteza menos assustadora e
garantir uma certa felicidade mudando o próprio ego, e mudar o ego “trocando de vestido”, é
para Bauman, a utopia dos caçadores. “Uma versão ‘desregulamentada’, ‘privatizada’ e
‘individualizada’ das antigas visões de boa sociedade, uma sociedade hospitaleira à
humanidade e seus membros” (BAUMAN, 2007b)
É essa crescente individualidade em voga na sociedade de consumidores, que de
acordo com Bauman, faz com que os relacionamentos sejam também uma espécie de relação
de consumo, onde se busca o prazer imediato e onde se pode “descartar” o relacionamento
quando este parecer “pesado demais” para o individuo.
17

Enquanto para Giddens a modernidade avançada trouxe uma possibilidade a mais de


escolha e liberdade, onde estamos livres para formar laços e desfazê-los sem precisar de
estarmos presos a estes eternamente se não quisermos, para Bauman essa situação trouxe um
sentimento de insegurança para as pessoas que estão constantemente colocando seus
relacionamentos como objeto de reflexão, sabendo que estão “impelidas” a abandoná-los caso
apareça qualquer insatisfação.
Todas essas modificações de ordem afetiva, além de transformarem as relações
sociais, trazem um acarretamento jurídico muito grande, o direito de família cada vez mais se
torna objeto amplo de investigações no meio acadêmico, e é nesse sentido que passaremos a
analisar a questão da família dentro do judiciário e as formas de acesso à Justiça concomitantes
a essa.

3. A tutela jurídica da família

No atual cenário social, conforme demonstrado, a família vem passando por


transformações expressivas. A chamada judicialização das relações familiares esta calcada no
avanço da regulamentação das relações particulares, por meio de uma “regulação da
sociabilidade e das práticas sociais, inclusive daquelas tidas, tradicionalmente, como de
natureza estritamente privada e, portanto, impermeáveis ao Estado” (VIANNA;CARVALHO;
MELO; BURGOS, 1999, p.149).
Sob a ótica jurídica, estas transformações possuem o condão de alterar também a
tutela das relações familiares, tendo em vista a expansão da normatização, intervenção do
Estado nesta seara e meios adequados de abordagem das questões decorrentes destas
relações.
Neste sentido, alguns princípios merecem destaque.
Possui a família uma função de solidariedade 23, não apenas de cunho institucional,
sendo mais que núcleo de formação da personalidade, mas também meio de proteção do
próprio ser humano4.
Outrossim, a afetividade, não como dever de amar, mas sim como finalidade e
fundamento, e porque não um princípio jurídico, das relações de família, gerando o
compromisso de cuidado recíproco entre os entes familiares. “Este princípio logrou primazia
sobre os aspectos de caráter patrimonial e biológico que envolviam o modelo anterior de
família, redefinindo os contornos de diversos dos seus institutos jurídicos, como a paternidade,
a adoção etc.” (BARROSO, 2010, p.127).
Diante de tal questão, a dignidade passa a ser elem elemento essencial nas relações
familiares, devendo estar vinculada à tutela da vida da pessoa humana, como um direito
fundamental . “Na esfera da família isso conduz ao papel instrumental que esta tem a realizar
na consecução do livre e pleno desenvolvimento da personalidade de seus membros (...)”
(BARROSO, 2010, p.126).
No que tange o Direito de Família, importante destacar que o primado da dignidade da
pessoa humana5, como fundamento da República Federativa do Brasil e do Estado
Democrático de Direito - artigo 1º, III da Constituição Federal de 1988, também possui guarida
2
Solidariedade familiar, decorrente da solidariedade social, elencada em nossa Constituição Federal de
1988 como objetivo fundamental da República, no art. 3°, I.
4 Em relação à familia, afirma Gustavo Tepedino: “ponto de referência central do indivíduo na sociedade;
uma espécie de aspiração à solidariedade e à segurança que dificilmente pode ser substituída por qualquer
outra forma de convivência social”, in: Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 326.
5 “A dignidade da pessoa humana, um valor do homem como um fim em si mesmo, é um axioma da
civilização ocidental. (...) Terá respeitada a sua dignidade o indivíduo cujos direitos fundamentais forem
observados e realizados, ainda que a dignidade não se esgote neles”, in BARCELLOS, Ana Paula. A
eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002, p.103. 6 Projeto de Lei n° 2.285, de 25 de outubro de 2007. Disponível em
www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=373935.
18

no denominado Estatuto das Famílias6, prevendo em seu artigo 5º que “Constituem princípios
fundamentais para a interpretação e aplicação deste Estatuto a dignidade da pessoa humana, a
solidariedade familiar, a igualdade de gêneros, de filhos e das entidades familiares, a
convivência familiar, o melhor interesse da criança e do adolescente e a afetividade”.
Assim, a dignidade da pessoa humana, como princípio informador do sistema jurídico
pátrio e, in casu, dos direitos de família, incide diretamente sobre a conceituação
contemporânea de família e seus desdobramentos.
E, diante das transformações decorrentes da modernidade, importante ressaltar o
fenômeno de “desreferencialização do sujeito” 37, no momento em que há um afastamento
entre sujeito e cidadão, estando o individualismo muito presente na vida do homem. Contudo,
a família também é núcleo de direitos e deveres e, como resultado deste afastamento, os
conflitos são inevitáveis.
Assim, o litígio, como elemento integrante da sociedade, sempre permeou a vida
humana, sendo o Poder Judiciário, órgão responsável por apresentar respostas aos conflitos.
Por meio de decisões judiciais, que determinam de quem é o direito em disputa, nem
sempre é possível abarcar e dissolver todos os litígios decorrentes das relações interpessoais.
Na atualidade estamos diante do fenômeno chamado por Kazuo Watanabe de “cultura
da sentença. Os juízes preferem proferir sentença ao invés de tentar conciliar as partes para a
obtenção da solução amigável dos conflitos. Sentenciar, em muitos casos, é mais fácil e mais
cômodo do que pacificar os litigantes e obter, por via de conseqüência, a solução dos conflitos”
(WATANABE, 2007, p. 07).
Ademais, junto a esta cultura da sentença, o judiciário vivencia aguda crise e apresenta
contumaz ineficácia da tutela prestada.
Enquanto visão patrimonialista do Código Civil de 1916, a tutela das relações familiares
tinha a finalidade principal de assegurar soluções para conflitos pontuais, de cunho material e
financeiro. Hoje, em um direito civil erigido sobre o fundamento da proteção existencial, as
relações decorrentes da convivência familiar devem ser abordadas com intuito de preservar as
relações sociais resultantes daquele núcleo, assegurando uma tutela adequada aos anseios do
cidadão, não apenas do sujeito de direitos.
Nesta direção, quando se trata da tutela jurídica da família, necessária uma adequação
direcionada para um procedimento que respeite e promova o diálogo, estando diretamente
relacionado ao respeito à dignidade do homem, levando em consideração o indivíduo como
sujeito social, dentro de suas perspectivas e peculiaridades.

4. Conflitos nas relações de família: uma abordagem alternativa

Conforme demonstrado anteriormente, as relações familiares se encontram cada vez


mais judicializadas, sendo os conflitos decorrentes de tais relações levados à apreciação do
Poder Judiciário. Contudo, nem sempre as soluções encontradas pelas partes são suficientes
para esvaziar os conflitos e restabelecer o tecido social.
Neste passo, a mediação surge como um mecanismo de desconstrução de conflitos,
uma forma de heterocomposição, possibilitando o diálogo e ampliação da compreensão das
partes em dissonância com a transformação da situação adversarial em uma situação de
cooperação, promovendo, assim, o empoderamento das partes e exercício da cidadania na sua
forma mais eficaz, por meio do gerenciamento e, possível, solução efetiva do conflito, resposta
tão almejada pela sociedade e pelo próprio Direito.
3
Expressão de Lucas Abreu Barroso ao tratar da perda de referencias pelo homem na atualidade. “A
humanidade perde suas crenças e ideologias, refletindo, no espaço social, na gradual destruição dos
valores fundamentais que serviam de referenciais comunitários, como a família. Uma ética econômica
surge para substituí-los, trazendo consigo novas situações sociais subjetivas, que constituem retrocessos
diante das conquistas democráticas.”
(BARROSO, 2010, p.128).
19

Na sociedade, como na família 48, (considerada célula mater), os conflitos também são
inerentes, e os assuntos que envolvem a tutela familiar estão diretamente relacionados à
pessoa e sua dignidade, exigindo, assim, um tratamento em conformidade com essa
característica, um procedimento adequado que alcance o conflito real e permita a dissolução
da litigiosidade contida neste. O laço que antes se revestia de afeto, pode se transformar em
algema de rancor e desafeto nos momentos de crise. 5
9 O impasse familiar precisa ser abordado de maneira a esvaziar qualquer possibilidade
de cronicidade, pois as relações persistem após o procedimento de abordagem de tal
demanda. Como a crise na família é situação regular, precisa ser dissolvida por completo, seja
ela simples ou complexa. Caso contrário, a cristalização e o acúmulo de tais pelejas latentes
podem gerar “patologias” psicológicas e sociais, atingindo toda a estrutura familiar e os
elementos do tecido social, gerando danos e sofrimentos profundos àqueles envolvidos.
Com isso, tendo em vista sua natureza e sua fundamentação no afeto, os conflitos
decorrentes das relações de família tendem a retornar ao judiciário quando não são
efetivamente desfeitos610. Isto porque o modelo paternalista que circunda a decisão proferida
pelo juiz de direito não dissolve o conflito interpessoal existente, não desconstrói o conflito
real, apenas regulamenta um conflito aparente, seja uma disputa de guarda, crédito alimentar
ou um divórcio, acirrando, em muitos casos, a disputa e a litigiosidade existente
naquelarelação social.
Na jurisdição estatal, quando o juiz decide, o que se expressa é uma linguagem binária,
apresentando única alternativa – vencedor e vencido. Neste modelo, um terceiro,
supostamente com mais poder e conhecimento, tem a função de dirimir um conflito entre
pessoas que, supostamente, não têm condição de fazê-lo. Na decisão judicial não há consenso,
nem espaço de comunicação, o que há é imposição de uma regra a ser seguida. Todavia,
narelações de família, nem sempre, a solução é tão cartesiana. Por envolver subjetividades
diversas a solução deve surgir da transformação do conflito, sendo a mediação uma alternativa
eficaz, pois permite uma relação ternária, através da presença do mediador, aberta ao diálogo,
superando este binômio cartesiano de certo e errado. É possível um redimensionamento das
responsabilidades, com a compreensão do litígio e a criação de possíveis soluções.
Neste passo, os conflitos familiares vão além de um simples conflito jurídico – que
pode ser desfeito através da aplicação de norma cogente – e merecem uma atenção especial,
pois estão diretamente relacionados ao desenvolvimento do ser, da pessoa humana, de
suapersonalidade e relações sociais. Com isso, o Direito sozinho não é capaz de abordar tais
demandas, sendo a interdisciplinaridade essencial, através da articulação entre profissionais de
diversas áreas das ciências humanas – ciências sociais, jurídicas e da saúde mental -,
viabilizando a colaboração para uma melhor leitura do conflito em questão.

4
8 No tocante à noção de família, aduz Roselaine dos Santos Sarmento (2005, p.289), que “a família
constitui o alicerce mais sólido em que se assenta toda a organização social, estando a merecer, por isso, a
proteção especial do Estado: é a base da sociedade. Além disso, é a própria sementeira da democracia,
pois o lar é o lugar de onde tiramos as nossas primeiras idéias sobre nós mesmos, nossas atitudes para
com as outras pessoas, nossos hábitos e nossas estratégias para enfrentar e resolver problemas.”
5
De acordo com Gergen, citado pela psicóloga Denise Maria Perissini da Silva, “a família é um lugar de
enfrentamento, em que os problemas se estabelecem facilmente e as soluções são mais difíceis de serem
encontradas. Essa situação sugere um acúmulo de crises quando ocorre a ruptura familiar, justamente
porque às crises cotidianas somam-se a desestabilização do sistema e a fragilização das relações que
tendem a se agravar” (SILVA, 2011, p.36/37).
6
Em relação a possível ineficácia de decisões judiciais perante os conflitos familiares, afirma Eliene
Ferreira Bastos que “temos em mente que a crise familiar pode perdurar mesmo com a decisão judicial
que põe fim ao conflito jurídico. Pois, no procedimento judicial, o aspecto subjetivo, emocional, psíquico
dos envolvidos, em muitos casos, não são devidamente enfrentados e examinados” (BASTOS, 2005,
p.144).
11 www.mediation-familiale.org
20

A busca pela eficiência, por meio das reformas padronizadas e burocratizantes, como
uma medida de política judiciária nem sempre é capaz de atender às necessidades e
expectativas decorrentes de um conflito familiar, que possui natureza artesanal e peculiar,
demandando tutela adequada e especializada, possuindo a mediação, na maioria dos casos, as
técnicas necessárias e adequadas a este tipo de conflito.
A FENAMEF – Fédération Nationale de La Médiation Familiale 7 expressa excelente e
atual conceito de mediação familiar:

A mediação familiar é um procedimento de construção ou de reconstrução do vínculo


familiar norteado pela autonomia e responsabilidade das pessoas concernentes em situação
de ruptura ou de separação na qual um terceiro imparcial, independente, qualificado e sem
poder de decisão – o mediador familiar – favorece, por meio da organização de sessões
confidenciais, a comunicação, a gestão de seu conflito no domínio familiar compreendido em
sua diversidade e na sua evolução.

Texto III:
Famílias brasileiras do século XX: os valores e as práticas de educação da criança
Zélia Maria Mendes Biasoli-Alves1
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP

A família, unidade dinâmica, inserida no contexto social mais amplo e em constante interação
com ele, mantém gerações diferentes numa convivência diuturna onde se dão trocas afetivas
intensas e onde se forja a identidade primeira (Biasoli-Alves, 1995).

As diferentes áreas do conhecimento mostram que são inúmeros os ângulos pelos quais se
pode 'olhar' a família, trazendo cada um deles uma contribuição diversa para a sua
compreensão. Pode-se pensá-la do ponto de vista psicológico, como se pode analisá-la sob o
prisma social, cultural ou segundo a evolução histórica em determinadas sociedades e mesmo
a partir das leis que regem a sua formação e dissolução.

Nas colocações de Gomes (1990) a família tem especificidades que a distinguem de qualquer
outra instituição e nela se defrontam e se compõem as forças da subjetividade e do social.
Portanto, ao assumir a socialização ela levará a criança, como sujeito de aprendizagem social, a
interiorizar um mundo mediado, filtrado pela sua forma de se colocar frente a ele; assim, os
padrões, valores e normas de conduta do grupo social em que ela está inserida serão
transmitidos de modo singular à geração mais nova, que por sua vez irá assimilá-los segundo
suas idiossincrasias.

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www.mediation-familiale.org
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Esta é também a posição de Berger e Luckman (1985) que dentro da tradição do pensamento
sociológico afirmam que existe, em especial nos primeiros anos de vida da criança, "uma ampla
e consistente introdução sua ... no mundo objetivo da sociedade ou de um setor dela"(p. 175)
numa relação dialética em que a geração mais nova interioriza um mundo já posto, que lhe é
apresentado com uma configuração definida, de cuja construção ela não participou (Biasoli-
Alves, 1995).

Mas há que relativizar, em parte, esse tipo de postura que dá amplos, e quase exclusivos,
poderes ao ambiente. Já na década de 1960 Bell (1964,1968) inicia uma reinterpretação dos
resultados de pesquisas na área da interação mãe-criança, pondo em evidência o papel que o
nenê desempenha como fator de alterações no ambiente familiar, gerando, então, um novo
modelo considerado como bidirecional em que a socialização da geração mais nova processa-
se porque ela e o social (imediato) atuam um sobre o outro, todo o tempo.

Depois viria a introdução ao social mais amplo, que segundo Scabini e Marta (1996) acontece
num grupo especial, a família, onde existe uma organização complexa de relações de
parentesco e uma história que vai gradativamente sendo composta, gerando padrões
específicos de conduta. Ou, nos termos de Rican (1996), num grupo que se constitui como a
Matriz Básica das relações, emoções e motivos humanos, em Nicho de Desenvolvimento
(Zamberlan e Biasoli-Alves,1997) onde se concentram as condições materiais e de socialização
da criança, onde são internalizadas as normas culturais e estabelecidos os nexos básicos para o
desenvolvimento ulterior.

Tem-se a partir daí, então, que a família, ao assumir uma prole, dá origem ao processo através
do qual o elemento mais novo do grupo irá se transformar num 'eu' distinto dos outros
significativos de sua vida (Biasoli-Alves, 1995), ao mesmo tempo em que assimila e transforma
os padrões, valores e normas do grupo social em que ela está inserida.

Se, de outro lado, coloca-se a ênfase no ponto de vista psicológico, terse-á a família definida
pelas relações intergeneracionais e de intimidade (Petzold,1996). Estudá-la, pois, sob esse
enfoque, significa vê-la como o espaço em que se constitui a personalidade e focalizar
sobretudo a qualidade dos vínculos, as necessidades de pertença e de liberdade, a estrutura de
equilíbrio que se estabelece ao longo do tempo entre os elementos que a compõem.

Dito de outra forma, o referencial psicológico traz a tentativa de analisar a socialização na


infância através de um modelo de influências bilaterais, dialeticamente constituído, explicitado
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na colocação de Rheingold (1969) de que a criança é socializada ao mesmo tempo em que


socializa o adulto. Significa também admitir que a visão de Homem inserido no mundo
contemporâneo comporta a idéia de que ao longo de seu espaço de vida, ele está em evolução,
e que para ela concorrem, na interdependência que as caracteriza, a propulsão para o
desenvolvimento que ele traz consigo - mas que se forja dentro desse processo - e as condições
do ambiente que lhe são oferecidas.

E isso não invalida o fato de as crianças de uma cultura serem socializadas para se tornarem
adultos dentro daquela cultura e de que as idéias a respeito de desenvolvimento infantil
emerjam em contextos histórico-culturais fazendo com que qualquer explicação teórica do
desenvolvimento infantil seja um subproduto da história humana. Outrossim, reforça a
conotação de que se de um lado o indivíduo das gerações mais novas é visto como cumprindo
tarefas, de outro, ao agir, ele condiciona e reconstrói o que o rodeia, modifica o ambiente
(interno X externo) através de suas reações, necessidades e particularidades do seu
desenvolvimento - e é por influenciar quem o enfluencia que ele pode ser descrito como
produtor do próprio desenvolvimento (Belsky e Tolan, 1981). Nessa perspectiva, Lerner e Bush-
Rosnagel (1981) dizem "que as mudanças ao longo do desenvolvimento ocorrem como uma
conseqüência de relações bidirecionais recíprocas entre um organismo ativo e um contexto
ativo, e , na medida em que o contexto muda o indivíduo, este muda o contexto"(p.3). Do
ponto de vista da família, isso significa que as gerações mais velha e mais nova vão estar em
um processo constante de aprendizagem uma com a outra.

Entretanto, a literatura vem enfatizando, cada vez mais, grandes e profundas mudanças na vida
familiar e nas práticas de cuidado e educação das crianças e jovens, conseqüência natural do
conjunto de transformações por que passaram as sociedades nessas últimas décadas do século
XX e que atingiram diretamente a maneira como se compõem e convivem as famílias
contemporâneas.

É fato que as famílias ainda permanecem como a forma predominante da vida em grupo na
maior parte das sociedades ocidentais (Gundelach, 1991), e que, nesse caso, cabe a elas serem
o agente da socialização primária (Nicolacci-da-Costa, 1991), responsáveis pela determinação
de como vão se dimensionar as práticas de educação da prole, os ambientes em que as
crianças vão viver, as formas e limites para as relações e interações entre avós, filhos, netos e o
social mais amplo.
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Contudo, as grandes alterações de valores que vêm sendo observadas fizeram-se acompanhar
de mudanças no comportamento, condicionadas pela influência de macrovariáveis. Impossível,
então, considerar que a socialização das gerações mais novas tenha se mantido a mesma ao
longo de todo o século XX, que os conceitos de ideal de criança, de adulto, que o valor e a
função da Infância, que a crença na adequação e competência de certas práticas educativas
para o controle do comportamento, tudo tenha permanecido igual, sem questionamentos.

Interessaria então conhecer como convivem as famílias, e em particular, interessaria estudar


como essa convivência evolui ao longo do tempo. Porque, não só a família não é um organismo
estático como é o 'espaço' em que pessoas de idades muito diversificadas, e que estão
portanto em momentos diferentes de seu desenvolvimento, avançam juntas no tempo através
de um ciclo vital periodizado por eventos críticos, definidores de etapas evolutivas e de tarefas
de socialização: casamento, nascimento dos filhos, adolescência dos filhos, aposentadoria.

Por outro lado, pensar a família no Brasil contemporâneo e buscar contribuir para a sua
compreensão implica primeiro dizer que não há A Família Brasiliera e sim Famílias Brasileiras
com sistemas simbólicos e padrões comportamentais diversos.

Gundelach (1991) afirma que a família francesa moderna, contemporânea, tornou-se mais
frágil e com um tamanho reduzido, se comparada à de 25 anos atrás. O número de pessoas por
habitação diminuiu influenciado, em parte, pelo aumento dos divórcios; as famílias têm menos
crianças e um fator relevante está no trabalho das mulheres fora do ambiente doméstico;
existe uma elevação da importância de valores mais democráticos tendo havido uma
transformação profunda dos valores sociais em que os libertários substituíram os autoritários,
fazendo com que nas famílias, nas escolas e no trabalho as pessoas estejam menos dispostas a
aceitar a autoridade.

E provável que estes mesmos tipos de transformação possam ser observados na realidade
brasileira, que viu predominar, ainda durante boa parte do século XX, o chamado 'modelo
moderno de família nuclear', partilhado pelas camadas médias da sociedade de consumo. A
partir de 1950 as mudanças são mais intensas e aceleradas e a família brasileira parece vir
assumindo novas formas de organização e de relações entre seus membros (Goldani,1993).
Entretanto, ainda se carece de estudos que descrevam, em detalhes, como estas
transformações foram acontecendo e seus reflexos nos modos de ser das relações entre as
diferentes pessoas que convivem numa família, incluindo-se aí as alterações nos papéis
masculino e feminino, de pais e filhos, avós, tios e primos.
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OBJETIVOS

Essa apresentação foi preparada tendo, pois, como objetivos mostrar a evolução nas formas de
criar e educar a criança, durante o século XX, no Brasil, tomando por base um conjunto de
estudos que vêm sendo levados a efeito pelo Grupo de Pesquisa 'Família e Socialização'
visando identificar continuidades e descontinuidades nessa evolução, e, através da descrição
de como costumavam ser as relações dentro da família, em especial entre pais e filhos do início
do século até o presente, desenhar a linha que seguiram as alterações e analisar o sentido que
assumiram.

METODOLOGIA

Para fazer face a objetivos tão amplos, que exigem sejam os dados contextualizados, inclusive
historicamente, optou-se pela seleção de estudos cuja metodologia está centralizada no Relato
Oral, em especial num tipo especial de História de Vida, que Demartini (1992) chama de
'Inacabada', por admitir que esta seria a forma mais adequada de 'conhecer um cotidiano ao
qual não se poderia ter acesso de outra maneira', obtendo-se dados significativos sobre a
realidade pesquisada.

Num primeiro momento foram selecionados 3 estudos já realizados, vinculados ao Projeto


Integrado "Família e Socialização - Processos, Modelos e Momentos no contato entre gerações"
que pudessem trazer dados referentes aos objetivos, que exigiam a descrição da prática de
cuidado e educação de crianças, ao longo do século XX, do cotidiano da infância e da maneira
de adultos e crianças estabelecerem seus relacionamentos.

Num segundo momento as análises e discussões dos estudos escolhidos foram lidas
detalhadamente e selecionados para serem relatados neste trabalho alguns aspectos que se
mostrassem capazes de mostrar as continuidades e descontinuidades na evolução das práticas
de cuidado e educação da criança na família, dando ênfase também nas maneira de ser dos
relacionamentos entre as gerações, ao longo deste século.

A - O primeiro estudo escolhido, relatado na sua íntegra por Biasoli-Alves (1995), tinha por
objetivo a descrição das práticas de cuidado e educação de crianças, na família; nele 110 mães
de camada média, a maioria com grau de instrução universitátio, que tinham um filho na
primeira infância no início da década de 1980, foram entrevistadas segundo o Roteiro
Estruturado de Biasoli-Alves e Graminha (Biasoli-Alves, 1995); esse roteiro permitia indagar os
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diversos aspectos da rotina diária da família, as formas de a mãe vir lidando com seu filho(a),
desde bebê até a idade de 8 anos, procurando investigar também seu sistema de crenças sobre
desenvolvimento e práticas ideais de educação de criança. Este estudo permitiu descrever: a
liberdade e as restrições dentro do processo de educação da criança (levando-se sempre em
conta que se tratava de crianças de camada média da população, que viviam sua infância na
primeira metade da década de 1980); os recursos utilizados pelas mães para corrigirem o
comportamento inadequado; o papel atribuído à afetividade; a consistência na maneira de as
mães lidarem com seu filho nas diferentes situações da rotina diária; os brinquedos,
brincadeiras e atividades presentes no cotidiano dessas crianças; a caracterização pelas mães
da educação levada a efeito e a considerada por elas como ideal.

B - O segundo estudo, relatado na íntegra por Dias da Silva (1986), trata da evolução nas
formas de a família criar e educar suas crianças; os dados vêm de entrevistas, realizadas a
partir de um roteiro semi-estruturado, com três grupos de mães que tinham os filhos pequenos
em momentos diferentes do século XX: nas décadas de 30/40, de 50/60 e de 70/80; toda a
amostra era pertencente à camada média da população de uma cidade de porte médio, do
interior do Estado de São Paulo; este estudo visava identificar, no relato das mães sobre o seu
cotidiano com as crianças, as alterações, ao longo do tempo, de diferentes dimensões da
prática de educação, tais como autoridade, exigência, afetividade, comunicação, consistência
bem como as fontes que as mães procuraram e seguiram para educar os filhos, com ênfase na
orientação para a solução de problemas referentes ao cuidado e ao comportamento.

C - O terceiro estudo escolhido, relatado por Biasoli-Alves, Caldana, Vendramin e Candiani


(1996) e por Biasoli-Alves e Vendramin (1997), busca analisar a visão do tempo da infância e da
juventude, das formas de ser das relações entre as gerações, dos papéis atribuídos ao homem
e à mulher, através de entrevistas que objetivavam compor a história de vida de pessoas
nascidas no final do século XIX e início do século XX. A amostra de informantes, de ambos os
sexos, tinha no momento das entrevistas de 77 a 99 anos sendo descrita como pertencente às
camadas médias da população, economicamente independente, residindo com elementos de
sua família e estando fisicamente bem. Este estudo vem permitindo não só descrever o
cotidiano no início do século XX como também a maneira de os idosos atuais analisarem a
maneira de ser da educação que receberam dentro da família, a que buscaram dar a seus
filhos, comparada à que vêem acontecer com seus netos.

RESULTADOS
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Face ao tipo de dado dos três estudos selecionados, inicialmente dividiuse o período analisado
em dois: até 1930 e de 1930 ao final da década de 80. Em seguida identificaram-se aqueles
aspectos considerados como salientes e capazes de fornecer uma descrição do cotidiano,
tendo sempre como meta identificar as continuidades e descontinuidades na evolução das
práticas de cuidado e educação da criança na família ao longo do século XX, tomando por base
as relações entre as diferentes gerações que convivem numa mesma família.

Ainda tendo como suporte as análises e discussões dos estudos, foram selecionados para
relato os temas mais enfatizados pelos entrevistados, tais como: a diferença nos valores de
uma geração para a outra; a questão da liberdade que é dada à criança hoje; as regras que
norteiam a sua educação.

O trabalho a seguir consistiu em estruturar a apresentação.

Dos resultados fazendo uso das falas dos informantes, priorizando um relato qualitativo, que,
de imediato, pudesse transmitir as informações pretendidas.

I - O cotidiano no início do século

Alguns aspectos vinculados à infância nas primeiras décadas do século XX aparecem e se


repetem a cada relato.

Sobressai inicialmente a descrição de famílias com uma constelação grande, em que o número
de filhos é elevado, com pouca diferença de idade de um para o outro, o que se faz
acompanhar de contato constante com as gerações mais velhas, que muitas vezes moram na
mesma casa e têm para com os netos um carinho especial.

"A gente chegava lá e já tinha mingau ... ela fazia um mingau gostoso... e tinha guardado p'ra
gente ".

"Meu companheiro foi meu avô... ele ficava a noite conversando, contando histórias do tempo
dele de juventude..."

O cotidiano acontece num espaço amplo, dentro e fora de casa; ele é dominado pelas
brincadeiras, por atividades que a criança organiza num tempo grande em que ela dispõe de
liberdade para 'criar'.
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"... brincava também na rua, né, assim, à noite, no tempo do calor, a vizinhança ia tudo por as
cadeiras na porta... era tempo ainda de lampião de gás... brincava de roda, de maré, de
esconde-esconde ...e assim era passada a vida, né..."

"Na época que eu fui criança eu podia brincar muito ... na Praça XV eu corria, brincava muito
com os meus companheiros e companheiras ali. Então era uma vida mais fácil, com bastante
liberdade para a criança... não era assim uma vida tão organizada pelos adultos para a
criança... "

Esse cotidiano é também marcado por certa distância entre o mundo - e consequentemente as
preocupações e dissabores - dos adultos e o das crianças.

"... não tinha o que falar e a criança vivia mais no mundinho dela, justamente por causa dessa
separação de que os pais eram lá em cima e a gente cá em baixo, a gente vivia no mundo das
crianças, que era só nosso... não ficava sabendo se'tinha algum problema".

"Então não conversava na frente da gente ... minha mãe era de um ciúme que não deixava
ouvir conversa ..."

E pelo respeito aos mais velhos.

"Lá, se um diretor entrasse na sala, todo mundo se levantava ...se respeitava..."

" Se ele perguntava, agente respondia ...mas, se ele não perguntasse ninguém falava nada
porque ele achava que na hora da comida era hora de sossego".

"eu não sei... os tempos antigos eram diferentes, a gente não podia responder, a gente não
podia se meter na conversa de adulto... Meu pai era bom, mas era ele lá no alto e a gente lá
em baixo... tinha que respeitar... "

Por outro lado, os padrões de alimentação e vestimenta são bem mais restritos.

"E a gente tinha um vestidinho melhor, que era de por para ir à missa, no domingo; no mais era
uma roupa bem simples, e na Escola usava um avental... "... "as famílias eram numerosas, a
roupa que não servia mais, porque tinha ficado pequena, era logo ajeitada para o menor. "

"Era muito difícil você ter um brinquedo, era dificílimo... A vida quando eu era criança era uma
vida difícil, os pais trabalhavam bastante, mas com muitos filhos era difícil. "
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" ... a gente vivia de modo muito mais simples ".

Observam-se o cultivo de valores morais, a exigência de cumprimento das normas, uma


educação voltada para o trabalho, fundamentada no 'bom exemplo' das gerações mais velhas.

"Meu pai só conversava conversa boa... conversava sobre política, sobre o que achava errado...
sobre um livro que ele tinha lido... "

"...Minha mãe soube me criar muito bem ... eu era disciplinado, de uma família que respeitava
a ordem e a lei... uma família privilegiada.... porque os filhos obedeciam a mãe, eram filhos
exemplares, eram trabalhador, cumpridor do dever..."

Pode-se sumarizar dizendo que o contato entre as diferentes gerações de uma família acontece
de forma natural - as próprias condições de moradia determinavam isso - e implica primeiro a
responsabilidade dos mais velhos para com os mais novos sempre, não importando o tipo de
parentesco ou mesmo a sua existência; segundo, por divisões de acordo com papéis de
comando e submissão, em que o domínio do social mais amplo pertence ao sexo masculino e a
casa é o 'reino', do feminino; terceiro, uma convivência e companheirismo entre os jovens, dos
dois sexos, que acompanhados ou não de adultos participavam de festas e atividades fora do
contexto familiar; quarto, pelo 'folguedo'entre as crianças das mais diversas idades (Biasoli-
Alves, 1995).

II - Cotidiano e atividades com as crianças de 1930 a 1980

Quando se toma como referência os dados da pesquisa que investigou as práticas de educação
de crianças com grupos de mães de idades diferentes - da década de 1930 ao final dos anos
1980 -algumas das mudanças já ficam bem claras.

Primeiramente, o espaço físico em que as crianças dos três grupos passaram a infância é, num
primeiro momento, caracterizado como amplo e altera-se chegando a bem limitado - da
liberdade de se deslocar de um canto a outro da cidade, para a restritividade da casa e
ambientes pequenos a ela afins. Desaparece a rua como ponto de encontro e brincadeiras; a
conotação dada ao ambiente doméstico sofre, ao mesmo tempo, alteração de significado, em
relação especialmente ao seu uso pela criança.
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"Antigamente, o jardim tinha uma frequência maravilhosa. Hoje em dia está muito difícil criar
as crianças... a casa hoje, inclusive, é para embelezar, e, a casa antes era para funcionar. As
crianças ficavam à vontade. Nunca fui de ter casa bonita para os outros verem... "

Por outro lado, à medida que as brincadeiras ficam circunscritas à própria casa, elas passam de
atividade em grupo para 'brincadeira solitária'; ainda que o relato das mães mais jovens mostre
sua preocupação com o ensinar aos filhos o que curtiram durante sua infância, também entra
em jogo o prover a criança com uma grande quantidade de objetos lúdicos, numa expectativa
de que ela se entretenha sozinha, ou tenha no adulto o seu companheiro de jogos.

"eu ensinei amarelinha, roda, corda., brinquei muito de esconde-esconde com ele dentro de
casa... "

"Olha, tudo que você pensar de brinquedo ele tem... e, no fundo, não brinca com nada ... pega
e logo deixa de lado... "

Os relatos trazem uma descrição das famílias saindo 'em bloco' nas décadas de 1930/40 para
atividades religiosas, sociais, de lazer e é comum que as mães ao se referirem à forma de as
diferentes gerações estarem em contato, estabelecerem comparações com o que acontece
atualmente.

"Hoje em dia os pais deixam os filhos em casa para poder aproveitar mais ... nós não, não se
usava deixar"...

Há indícios, por outro lado, de que nas décadas seguintes inicia-se a divisão em programas de
adultos e de crianças e, mesmo quando juntos, cada um já está mais preso a uma atividade
individual - ouvir Rádio, ver TV - enquanto as crianças brincam. E os pais mais jovens estão
dizendo

"ah, chega uma hora que eu quero ter o meu tempo, minha vida, para falar, conversar"...

Assim, as atividades conjuntas, em que os mais velhos buscavam passar a própria experiência e
conhecimento, que se constituíram em um aspecto muito presente e muito forte para as
famílias das décadas de 1930/40 - as mães se lembram que ensinaram brincadeiras, falar "na
língua do P", recitar, cantar, contar estórias e até a fazer discursos para comemorar datas,
aniversários "bem dentro do espírito da época"- vão gradativamente dando lugar a contatos
mais de acordo com a divisão por idades, passando a predominar criança com criança, jovem
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com jovem, adulto com adulto, velho, se possível, com velho, numa assimilação do que chegou
às famílias como valores da modernidade. E a TV, que aparece nas casas das famílias brasileiras
de camada média a partir da década de 1950, ajuda a difundir tais idéias. Ela irá dominar o
espaço e o tempo do contato familiar no período seguinte, e ainda que as críticas sempre
tenham existido, o tempo que as crianças da década de 1980 consomem diante da TV parece
independer do discurso dos pais.

III - O caminho traçado pelos valores de 1930 a 1980

Quando se analisa o relato dos diferentes grupos de mães, verifica-se que as diferenças vão se
estabelecendo à medida que o tempo passa, e de tal modo que o que vale como certo nas
décadas de 1930/40 em termos da liberdade que deve ser dada à criança, do papel da família,
do ideal de filho, do que significa ser mãe não corresponde ao adequado para as mães das
décadas de 1970/80. Alguns trechos das falas das informantes são extremamente expressivos
dessas mudanças.

Mães das décadas de 1930/40

"A mãe tem que ser boa mãe, carinhosa, mas com autoridade para o filho não descambar"

"As grandes famílias eram melhores que as pequenas, porque um olhava pelo outro"

"Eu nunca pensei em um ideal de filho. Eu só pensava em alimentá-los bem, tratá-los com todo
carinho, cuidar da saúde deles, da roupa, da escola"...

"Ser mãe é responsabilidade, não trabalho ".

Mães das décadas de 1950/60

"Eu não era de falar, mas é lógico que eles entendiam que se ficou de castigo é porque fez arte.
"

"Eu não ia a festa, não ia passear, não ia a lugar nenhum que eu não pudesse levar as crianças.
Eu me dediquei a eles ".

"O adulto é zelador da criança".


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"As mães hoje ficam loucas para tirar a criança de perto delas e inventam aula de balé, judô,
escolinha de pintura.."

Mães das décadas de 1970/80

"Rigidez só atrapalha...já percebi que não adianta, certas coisas se aprende sem exigir"...

"Mas, per aí! Não é mãe de tempo integral, porque ela se anida e depois cobra. Ela dá e cobra.
Eu dou e não cobro"...

"A minha é a preocupação com o futuro, se vai ser feliz, realizado, se vai fazer o que quer"...

Sumarizando, pode-se dizer que as práticas de cuidado e educação de filhos nas décadas de
1930/40 têm uma direção moral e todos os elementos estão colocados para que a criança
venha a se tornar um adulto bem educado, estando a ênfase portanto no controle do
comportamento; já nas décadas intermediárias, o modelo educacional fala da necessidade de
ternura e estimulação para um bom desenvolvimento e da necessidade do lúdico e do lazer
para uma vida saudável em família. Nos anos 1970/80 o discurso das mães enfatiza o diálogo
com a criança, a exigência de compreensão, de afeição, chegando-se ao extremo da
preocupação com o seu bem-estar subjetivo.

IV-A liberdade de escolha dentro da rotina diária-décadas de 1980/90

a) A determinação do dia-a-dia

Nas décadas de 1980/90 um grande espaço é dado, dentro da rotina diária, à criança, quer
para que ela tome decisões em conjunto com a mãe, quer sem interferência desta,
resguardando-se aquelas áreas em que há maior imposição do adulto, pressionado pelas
características da vida nos centros urbanos e por um ideário que focaliza a necessidade seja da
higiene para manutenção da saúde, seja o comportamento adequado no trato social.

As mães têm por norma permitir que a criança tome iniciativas. Em contrapartida, procuram
manter uma estruturação da vida diária em termos de horários e organização da casa, mas não
de forma insensível às solicitações da criança.

Dir-se-ia que este é um padrão que evidencia a preocupação das mães com o desenvolvimento
da autonomia e da independência do filho, pressupondo-se que elas o visualizam como capaz
de tomar decisões, ainda que dentro de limites.
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Quanto à forma de as mães lidarem com o comportamento inadequado da criança, o que é


mais freqüente é que elas façam uso de explicações, racionalizando em termos de motivos e
conseqüências, desenhando um padrão que promove um controle familiar orientado para a
pessoa, em que os sentimentos, experiências, intenções e motivações da criança são levados
em consideração e até enfatizados.

Já a análise da consistência no processo de educação das crianças traça um perfil que se


distancia do preconizado pela educação que essas mães receberam, que era fundado em
regras bem determinadas, seguidas "ao pé da letra ", sem muita permissão para que a criança
tivesse "voz e vontade uma vez que o nível de inconsistência é relativamente alto, dependente
do momento e da área de rotina diária.

b) Regras de Exigência e Permissão nas últimas décadas

Quando se colocam as mães de idades diversas diante de uma mesma lista de regras de
exigência e regras de permissão, e se confrontam os resultados, verifica-se de imediato que o
número de regras das mães que criaram os filhos nas últimas décadas é menor se comparado
ao que exigiam as mães dos anos 30/40; por outro lado, cresceu o número de permissões à
medida que o tempo foi passando.

Onde aconteceram essas mudanças? Por exemplo, na maneira de se dirigir aos adultos, nos
chamados Tratamentos de Respeito, que hoje já não são mais usados, tudo está inteiramente
padronizado no você, porque 'o Senhor está no céu '; nas práticas religiosas atualmente muito
mais livres e descompromissadas; na exigência de privacidade para a realização de
determinadas atividades ligadas ao Cuidado Pessoal, em especial daquelas que implicavam a
visão do corpo da criança sem roupa.

Mas, as mudanças também estão do outro lado. A criança já não dispõe de tempo livre para
ficar 'vagabundeando' por aí. Pelo contrário, ela estará sendo tão mais bem cuidada, pensa-se,
quanto mais atividades fixas os adultos forem capazes de colocar no seu dia-a-dia, e por
isso "Educar um filho hoje custa muito dinheiro Sua liberdade vem condicionada, então, à
necessidade de desenvolvimento de sua autonomia, visando um adulto competitivo,
independente, 'realizado profissionalmente'.

DISCUSSÃO
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Esses dados descritivos das práticas de educação da criança, visualizados através das falas das
mães, já oferecem, de pronto, um quadro de algumas das muitas mudanças que vieram
ocorrendo ao longo do século XX, nas formas de lidar com as gerações mais novas. Entretanto,
certas discussões ainda são necessárias.

Seria a partir das décadas de 1960/70 que entraria em jogo a necessidade de explicar o
desenvolvimento através do processo de socialização (Biasoli-Alves, 1995) dando ênfase a uma
interdependência dos fatores que o indivíduo traz com ele e dos ambientais, até porque antes
admitia-se, muito mais facilmente, que o indivíduo fosse determinado pelas práticas de
educação, numa interpretação próxima, em alguns momentos, da chamada 'tabula rasa', que
assumia ser a criança inteiramente plasmável, em especial, pela família que cuidava dela
quando ainda muito jovem 'o momento por excelência para ensinar, para moldar'.

Essa alteração, que se observa nas últimas décadas, vem no bojo de outra mais abrangente: até
o momento em que predomina pensar o homem como determinado de fora para dentro, o
ambiente é poderoso, capaz; quando se coloca o ideal no homem com sua individualidade,
dono de si mesmo, fica incoerente enfatizar a formação como vinda de forças externas: parece
muito mais adequado um ideário que afirma a subjetividade como construída e expressa-o
homem lança no mundo as suas idéias, as suas idiossincrasias, e faz dele o palco onde atua.
Assim, o 'entorno'é importante, sem dúvida, mas existe a capacidade de assimilar o ambiente
transformando-o de acordo com as suas características pessoais. E, com esse substrato de um
modelo bidirecional que se analisa cada vez mais a atuação da família e a participação de cada
um no seu processo de desenvolvimento ao longo da vida. De acordo: Há que se analisar os
dados tendo o contexto da época como referência.

Mas, a partir daí, algumas questões e/ou questionamentos surgem de pronto. Primeiramente,
as pesquisas (inclusive as aqui discutidas) põem em evidência a preocupação das mães mais
novas com o desenvolvimento do filho, ao mesmo tempo em que aparecem as incoerências de
sua prática porque, num tipo de sociedade como a contemporânea, urbana e industrializada,
essas incoerências ficam subjacentes à própria prática que as famílias adotam, visando
socializar sua prole segundo os modelos propostos pelo grupo mais amplo: primeiro
transforma-se o lúdico em tarefa e competição, estrutura-se o cotidiano da criança em função
de atividades e obrigações, assume-se a determinação do uso de seu tempo, faz-se da sua vida
uma vida semelhante, e muito, à do adulto. Devora-se, assim, a sua infância com a intenção de
prepará-la para o futuro!
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Num outro pólo, a liberdade é o tema que domina, e as retrições impostas ficam contidas,
quiçá disfarçadas, e o discurso acaba se fazendo dentro do esperado para mães de camadas
médias, de nível educacional alto: a preocupação com o desenvolvimento da autonomia e da
independência da criança é real, bem como a presença de uma prática de educação que busca
promovê-las. Mas, que liberdade é esta se por outro lado a criança tem que se adaptar a
exigências, não ditas, tantas e tão diversificadas da vida em sociedade hoje?

Tentando discutir...

Sem dúvida, que as transformações, que os dados focalizados nesse relato evidenciam, podem
ser vistas seja nos seus aspectos mais amplos, como o cotidiano das famílias, seu espaço de
convivência e as relações entre gerações, até nos seus mais focais e particulares, ainda que se
mantenha a crença de que à família cabe a tarefa da socialização e de que ela dimensiona as
práticas de educação das gerações mais novas.

Será essa crença verdadeira? Até que ponto?

Primeiramente é necessário não esquecer que, cada vez as crianças das camadas médias
(como as dos projetos aqui comentados) vão mais cedo para o ambiente coletivo, o que
significa muitas vezes uma dupla socialização, um processo de interferência acentuada de
valores e normas outros que não os da família.

Segundo, é ainda preciso que se saliente mais um fator a poder influir na educação da criança
das últimas duas décadas, porque ela está, desde muito pequena, sujeita à estimulação dos
meios de comunicação de massa, especialmente da Televisão, diante da qual passa boa parte
do tempo em que está desperta.

A resposta adequada às questões acima, baseada em dados, está ainda em processo de


elaboração, porque os estudos estão sendo feitos.

Por outro lado, quando se indaga sobre o que é melhor, se o hoje ou o ontem, a tendência dos
mais velhos é a de fazer paralelos garantindo que o passado tinha valores mais sólidos, que a
vida era difícil, porém mais saudável, mais vivida e portanto melhor.

Mas, os mais novos fazem críticas ao autoritarismo, à ausência de liberdade para escolher a
profissão ou determinar o que fazer nos tempos livres, ou ainda à falta de meios e de
oportunidades.
35

E então, como fica a resposta?

Talvez se possa buscar compreender essa discrepância de opiniões, analisando as colocações


de Rutter (1975, 1996) quando, ao discutir os distúrbios de comportamento na adolescência e
o quanto eles são perturbadores para os adultos, especialmente os mais velhos (quando, na
verdade, o seu prognóstico não é de grandes desajustes futuros), ele salienta que cada geração
tende a sentir que a próxima é pior, a expressar a preocupação com a "quebra" entre os valores
que eles têm como pais e aqueles expressos por sua prole.

E esse é um fenômeno real, sem dúvida, ainda que seja fácil exagerar a sua extensão e a sua
importância, porque muitas pessoas jovens continuam a partilhar uma boa relação com as
gerações mais velhas, a despeito de um aumento de divergência de interesses e atividades.
Mas, por outro lado, não deixa de ser também verdadeiro que as gerações jovens têm
procurado sistematicamente se colocar contra os modelos com que se identificaram na
primeira infância e pretendem, quase sempre, um projeto de vida que conscientemente se
distancia do que foi levado a efeito pelos pais, tanto na sua vida afetiva, quanto profissional,
quanto no seu papel de socializadores. Então, os conflitos são fundamentados na realidade.

Mas, será preciso esperar que o tempo decorra, que a nova geração entre na vida adulta,
forme um novo núcleo familiar, e inicie a educação dos filhos para que as aproximações fiquem
muito mais presentes e o relacionamento se faça, inclusive com a valorização da experiência
dos mais velhos.

Analisando o problema por outro ângulo, a vida familiar é um processo complexo, que
compreende três, e às vezes quatro gerações que avançam juntas no tempo, seguindo um ciclo
vital periodizado por eventos críticos, que definem etapas evolutivas - casamento, nascimento
de filhos, adolescência, aposentadoria (Scabini e Marta 1996), eventos que trazem
incumbências de desenvolvimento próprias a cada fase. Portanto, a diversidade é a sua norma
e seria ela a responsável pelo processo contínuo de aprendizagem dos elementos que
compõem a família.

Se de um lado tem-se certa imposição de normas e valores, de outro, existe a sua reformulação
ao serem assimiladas pelos mais novos, e com o passar do tempo, à medida que a história
daquela família vai sendo construída, as diferentes gerações vão, mais ou menos
conscientemente, construindo uma interpretação condividida de alguns aspectos cruciais da
vida. Isso fará com que, gradativamente, haja êxito no solucionar a crise entre os pais e a prole,
36

de tal modo que ela não signifique ruptura, mas a construção da lealdade intergeracional com
a partilha de valores e sentimentos, mesmo quando a distância física é imensa e a convivência
diuturna impossível. E, nesse momento tem-se a linha saudável do desenvolvimento.

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(1) Prof. Associado do Depto. de Psicologia e Educação. Faculdade de Filosofia, Ciências e


Letras de Ribeirão Preto –

Texto IV: Modelos de família e intervenção terapêutica

Edna Lúcia Tinoco PoncianoI e Terezinha Féres-CarneiroII

RESUMO

A família nuclear é um modelo construído na história da sociedade ocidental. O


questionamento desse modelo torna visível outros tipos de configurações familiares. Na
história da terapia de família observamos a relação existente entre o modelo de família nuclear
e a intervenção do especialista. Realizamos um percurso histórico com o objetivo de referir as
diferenciadas práticas terapêuticas à diversidade de famílias. A partir de definições alguns
autores sistêmicos, analisamos relatos de terapeutas de família entrevistados na cidade do Rio
de Janeiro. Concluímos que as variadas perspectivas devem ser consideradas pelas
transformações que produzem, redefinido as práticas terapêuticas.

Palavras-chave: Terapia de família, História, Sociedade ocidental, Modelo de família,


Intervenção terapêutica.

Dividimos este artigo em duas partes com o objetivo de traçarmos uma comparação entre duas
histórias. Na primeira é desenvolvido um panorama histórico da família na sociedade ocidental,
culminando com a hegemonia ideológica do modelo nuclear. A elaboração desta parte inicial
permite-nos construir uma história da terapia de família relacionando dois aspectos: a
formação da família nuclear na modernidade e o surgimento da intervenção do especialista
com fins terapêuticos. O mode-lo nuclear, pautado na intimidade e fechado à sociabilidade
pública, constitui a família como algo inteiramente novo, sem parâmetros anteriores. São os
especialistas, aliados ao Estado moderno, com seus modos de intervir e suas práticas
terapêuticas, que irão esclarecer às famílias quais são as normas de funcionamento desse novo
39

modelo. Na segunda parte do trabalho exemplificamos com o relato de entrevistados. Estes


são terapeutas de família, pioneiros na cidade do Rio de Janeiro, com os quais podemos ilustrar
a história da terapia de família.

Da pesquisa realizada privilegiamos um aspecto: as definições de família oferecidas por esses


terapeutas comparadas às de alguns autores, em diferentes momentos históricos da
Abordagem Sistêmica. Essa comparação permite-nos apreciar a relação entre o modelo de
família nuclear, as definições de autores sistêmicos e as respostas dos terapeutas
entrevistados. Procuramos analisar possíveis compromissos ou críticas ao modelo nuclear.
Nossa perspectiva, portanto, é a da análise e interpretação de como se insere uma prática
terapêutica em um determinado contexto histórico-social, fortalecendo ou transformando o
modelo encontrado.

Transformação das relações familiares: antes e depois da modernidade

Houve um tempo em que as relações familiares – incluindo pai, mãe, filhos, parentes,
agregados, vizinhos, amigos, entre outros – perdiam-se em meio a uma ampla comunidade. As
relações familiares, como a do casal e a dos pais com seus filhos, eram permeadas por relações
comunitárias, consideradas mais importantes, na maioria das vezes.

Quando as relações extensas faziam parte das relações familiares não existiam poderes
especializados ou seculares, externos a essas relações, que ditassem as normas do
comportamento: os papéis eram definidos “desde sempre”. A comunidade de pertença não
deixava dúvidas quanto ao que fazer. A família era a sociedade, confundindo-se com ela. O
indivíduo perdia sua visibilidade em meio às relações. A hierarquia ditava as regras para as
relações familiares, e os conflitos, quando surgiam, submetiam-se ao rigor da lei. A
desobediência equivalia à exclusão e à falta de proteção, que era o mesmo que ser entregue ao
pauperismo e à morte (Ariès, 1986; Shorter, 1995). Nessa configuração não havia necessidade
de uma prática terapêutica, conforme relatam os estudos de Costa (1989) sobre o Brasil, de
Donzelot (1986) sobre a França, e de Lasch (1991) sobre os Estados Unidos, referindo-se à
transformação das relações familiares, que na modernidade caracterizam-se pela intervenção
do Estado em aliança com especialistas da saúde. Nessa mesma direção encontram-se os
estudos de Sennett (1993) a respeito da transformação da sociabilidade pública em domínio
privado, com a conseqüente psicologização das relações sociais.
40

Em um momento anterior havia uma concepção particular da família: a linhagem.


Compreendida como solidariedade estendida a todos os descendentes de um mesmo
ancestral, a linhagem constituía proteção na ausência do Estado, não levando em conta os
valores da coabitação e da intimidade. A posição social era sustentada pelo patrimônio
material, pela herança familiar (Casey, 1992).

Todos os membros do grupo familiar deviam obediência e respeito ao pai, aquele que os
deveria proteger, vigiar e corrigir. Nos séculos XVI e XVII, os “sentimentos dolorosos” e “maus”
eram os predominantes nas relações familiares, e não o amor. De acordo com Antoine de
Blanchard (apud Flandrin, 1995), eram vários os sentimentos “maus”, como: inveja, ciúme,
aversão, ódio, desejo de morte etc. A moral caracterizava-se mais pelo pecado do que pelo
amor.

Podemos observar a diferença que nos separa da antiga sociedade pela relação pais-filhos e
pelos sentimentos surgidos e expressos na convivência doméstica: de um lado os “maus
sentimentos” gerados pelo poder total, direito de vida e de morte, que era concedido ao pai;
de outro, caracterizando o modelo nuclear, o dever paterno de proteção, baseado no
sentimento de amor.

Na antiga mentalidade, o pai tinha todo poder sobre os filhos, como o senhor sobre os seus
escravos; eles pertenciam-lhe em propriedade plena, porque os fizera; ele nada lhes devia. Na
nossa mentalidade contemporânea, pelo contrário, o fato de os ter feito confere-lhe mais
deveres do que direitos para com eles. Eis uma viragem fundamental dos princípios da moral
familiar (Flandrin, 1995, p. 147).

Na Europa, no fim do século XVII e início do XVIII, ocorreu uma mudança marcante no lugar da
criança e da família (Ariès, 1986). A afeição tornou-se necessária entre os cônjuges, e entre os
pais e os filhos. O “sentimento de família” nasceu simultaneamente com o “sentimento de
infância”: com o objetivo de melhor cuidar de suas crianças, a família recolheu-se da rua, da
praça, da vida coletiva, em que antes se encontrava, para a intimidade, fazendo desaparecer a
antiga sociabilidade. Paulatinamente, através dos séculos, o valor social da linhagem transferiu-
se para a família conjugal. Quando essa passagem se consolidou, a família tornou-se a “célula
social”, a “base dos Estados”.
41

A família afastou-se, assim, cada vez mais da linhagem, da integridade do patrimônio,


prevalecendo a “reunião incomparável dos pais e dos filhos”, firmando o modelo nuclear.
Passou-se a privilegiar e marcar as semelhanças físicas entre pais e filhos, inclusive nas
situações de adoção. A criança tornou-se a “imagem viva de seus pais”. A família assumiu uma
função moral e espiritual. Os pais tornaram-se responsáveis pela criação de seus filhos,
mudando a concepção de educação (Ariès, 1986).

Quanto à relação conjugal, o casal moderno pauta-se pelo comportamento expressivo,


enquanto o casal tradicional achava-se limitado aos seus papéis, sem “procurar saber se eram
felizes”. A partir do século XVIII, porém, os jovens começaram a considerar os sentimentos para
a escolha do cônjuge, desvalorizando aspectos exteriores como propriedade e desejo dos pais.
Esta, para Shorter (1995), foi a primeira revolução sexual. O casamento por amor só foi
defendido abertamente no século XIX, quando o essencial do capital herdado passou a ser o
capital cultural: as transformações econômicas, advindas da Revolução Industrial, permitiram
as condições materiais necessárias para uma liberação da escolha conjugal, que não ameaçava
mais o patrimônio familiar.

Shorter (1995) estuda o que chamou de um “surto de sentimento”, ocorrido desde o século
XVIII, fazendo desaparecer a família tradicional. Este surto desenvolveu-se em três áreas:
primeiramente no namoro, caracterizado pela busca de felicidade e desenvolvimento
individual; depois na relação mãe-bebê, que passou a se caracterizar pelo bemestar do bebê
acima de tudo; e por último na mudança da relação entre a família e a comunidade
circundante, na qual os laços entre os membros da família reforçaram-se, caracterizando a
“domesticidade”.

O namoro transformava-se, incorporando duas características: a substituição de um sistema de


valores baseado na fidelidade, na cadeia de gerações e na responsabilidade perante a
comunidade, por um sistema de valores baseado na felicidade pessoal e no
autodesenvolvimento; e com a possibilidade de escolha, o controle pela comunidade dos
encontros dos dois sexos cessa-se. Esta segunda característica está ligada ao desejo de ser livre,
de desenvolver a própria personalidade e de realizar ambições pessoais. Desse modo, na forma
do amor romântico, o sentimento tomou o poder. A espontaneidade permitiu a substituição
dos roteiros tradicionais pelo diálogo, e a empatia iniciou a quebra da divisão sexual do
trabalho, modificando os papéis desempenhados pelos sexos. O casal afastou-se da
42

comunidade, buscando isolar-se dos “olhares curiosos” e investiu na “experimentação e


inovação” dos “jogos do amor” (Shorter, 1995).

Só é possível entender a formação do que Shorter (1995) denomina “domesticidade”, isto é, a


“malha de privacidade e intimidade que cerca a totalidade da família”, ao entendermos a nova
relação surgida entre mãe e bebê. O autor retoma o estudo de Ariès quanto à indiferença das
mães com seus bebês, concluindo que a família nuclear tomou forma em torno da relação
mãe-bebê quando passou a ser predominante o amor maternal.

Com a difusão das relações igualitárias, a autoridade patriarcal reforçada pela comunidade
tornou-se intolerável. O conceito de “domesticidade” como unidade emocional, constituída
pela privacidade e isolamento da família, foi a terceira área na qual o surto de sentimento na
modernidade manifestou-se: “Os membros da família passaram a sentir muito mais
solidariedade uns com outros...” (Shorter, 1995, p. 244). Nas palavras de Sennett, a família
deixou de ser vista como uma região “não-pública, e cada vez mais como um refúgio
idealizado, um mundo exclusivo, com um valor moral mais elevado do que o domínio público”
(Sennett, 1993, p. 35).

A família na modernidade, além de ser o lugar privilegiado para o domínio da intimidade, é


também o agente ao qual a sociedade confia a tarefa da transmissão da cultura, consolidando-
a na personalidade (Lasch, 1991). Para realizar sua tarefa a família conta com duas fontes de
tensão: uma originada da nova relação com a infância, e a outra de uma transformação no
papel da mulher. As crianças, que ocuparam um lugar central nessa família, são da
responsabilidade dos pais, gerando sobrecarga para estes devido ao seu isolamento da
comunidade. A mulher, ao mesmo tempo “degradada e exaltada” nesse novo sistema familiar
(Donzelot, 1986), precisava ser “educada” para criar seus filhos, precisava ser companheira de
seu marido e executar as tarefas domésticas. Ao domesticar a mulher provocou-se uma
“desordem geral”. Surgiram aspirações ao crescimento pessoal, o feminismo. A estas aspirações
a união conjugal e a família não podiam mais satisfazer, gerando uma crise do casamento no
final do século XIX. Estas tensões no interior da família levaram-na à busca dos especialistas,
que consideravam os pais inaptos e necessitados de suas informações. Os atos mais íntimos
passaram a ter uma publicidade sem precedentes (Lasch, 1991).
43

Pode-se estabelecer uma relação entre a vida familiar, baseada na intimidade, e a noção de
democracia. Hoje, pela crescente democratização das relações, a intimidade é definida pela via
do “relacionamento puro”, isto é, nada externo – seja a comunidade ou patrimônio familiar,
dentre outras possibilidades – pode determinar o início ou continuidade de um relacionamento
(Giddens, 1993). O amor, vinculado ao direito de escolha, permitiu a contaminação da família
pelos valores democráticos. A diversidade estendeu-se ao casal, aos pais e filhos, aos parentes
e amigos, gerando uma multiplicação de novas relações. Nessa nova configuração, as relações
familiares baseiam-se na intimidade, na comunicação livre e aberta, pautando-se no diálogo e
na democracia. Desse modo, novos caminhos são indicados, caracterizando o que pode ser
chamado de pós-modernidade.

Há um paradoxo na construção moderna da família nuclear: é uma imposição modelar, mas


não pode mais ser controlada, já que se advoga o direito à livre escolha. A esse paradoxo
segue-se outro: a liberdade é regulada pelo saber médico-psicológico, prescrevendo as normas
do comportamento de todos os membros da família. Na convivência dessas duas alternativas,
aparentemente opostas – a do controle pelo saber especializado e a da liberdade de escolhas
–, constrói-se a possibilidade de não se seguir a um modelo único, tal qual o da família
conjugal. Surge a imprevisibilidade; surgem inúmeras configurações familiares, ou pelo menos
elas têm a liberdade de se tornarem mais visíveis do que antes. Supondo uma caracterização
para este momento, considerado o da pósmodernidade, a família tende a ser pautada na idéia
da diversidade e da ausência de um parâmetro norteador único. Ainda há, entretanto, uma
idéia de família determinada por valores, os quais pautam as relações, como: o sentimento de
amor, a realização pessoal na convivência com o outro significativo, e por conseqüência a
formação da identidade humana por meio da filiação e da transmissão intergeracional. Embora
o modelo nuclear tenha sido questionado, a família não foi substituída por nenhum outro
grupo ou instituição social. Enquanto isso, paralelamente instaura-se a exacerbação do
individualismo, o que leva à flutuação das identidades pessoais e das relações familiares.
44

Modelos de família e intervenção terapêutica: relato dos terapeutas de família

Os relatos apresentados compõem uma parte da pesquisa empreendida sobre a história da


terapia de família no Rio de Janeiro (Ponciano, 1999). Entrevistamos oito terapeutas pioneiros,
com as seguintes características quanto ao aspecto da formação profissional e do gênero: T.1 –
Psicologia (1976), Mestre em Psicologia, formação em Terapia de Família em 1987, sexo
feminino; T.2 – Medicina – Especialização em Psiquiatria (Início dos anos 70), Psicanalista,
formação em Terapia de Família realizada em grupo de estudos no início dos anos 80, sexo
masculino; T.3 – Psicologia (1976), Psicanalista, formação em Terapia de Família em 1985, sexo
feminino; T.4 – Psicologia (1971), Psicanalista, formação em Terapia de Família “ao longo do
caminho (no exterior)” com início nos anos 70, sexo feminino; T.5 – Psicologia (1975), Mestre
em Comunicação Social (1999), formação em Terapia de Família em 1978, sexo feminino; T.6 –
Psicologia (1972), Psicodramatista, Especialista em Psicologia Social, formação em Terapia de
Família no início dos anos 80, sexo feminino; T.7 – Psicologia (1978), Doutora em Psicologia
Clínica (1995), Psicanalista, formação em Terapia de Família no final dos anos 70, sexo
feminino; T.8 – Medicina – Especialização em Psiquiatria (1974), Psicanalista e Psicodramatista,
formação em Terapia de Família com Andolfi, Minuchin, Whitaker, Haley no final dos anos 70,
sexo masculino.

A terapia de família chegou ao Brasil nos anos 70. Foi, porém, no final dos anos 50 que ela
começou a tomar forma nos Estados Unidos, orientando-se principalmente pela Teoria dos
Sistemas. Nesse momento foi forte a presença do modelo de família nuclear, tendo o casal,
com uma maior centralidade do que na sociedade tradicional, a função de constituir um núcleo
em torno dos filhos. Esse modelo, característico da modernidade, tem sido questionado em
sua forma nuclear, preservando-se algumas características, como a intimidade e a privacidade.
Nesse sentido, para a terapia de família foi necessário, ao longo de sua história, posicionar-se
de modos diferentes em relação à configuração familiar, constituindo o contexto da
intervenção terapêutica em estreita relação com as transformações histórico-sociais. Uma das
principais fontes de questionamento e transformação, tanto para a família quanto para a
terapia de família, foi o movimento feminista, a partir dos anos 70 (Goodrich, 1990; Perelberg,
1994; Rampage e Avis, 1998).

Começamos com duas das falas dos entrevistados, terapeutas de família cariocas, que se
vinculam à tradição da terapia de família, privilegiando a família nuclear fundada no biológico,
na união heterossexual e na procriação. Para esses terapeutas, pode-se entender o que se
45

convencionou chamar família a partir de um sentido único, compreendendo que “novas


formas” devam receber novas denominações, diferenciando-as da família conjugal.

“Só acontece família com filho. A estruturação da família para mim necessita ter duas
gerações. (...) Então, para mim, a formação básica da família é: três pessoas, necessariamente
duas gerações diferentes” (T.2).

“Junção de um homem e uma mulher. Não vou entrar nas novas organizações familiares. É
junção de um homem e de uma mulher e o nascimento de um primeiro filho. União de um
homem e uma mulher e o nascimento do primeiro filho. É isso. Nascimento ou adoção do
primeiro filho” (T.8).

Salvador Minuchin, psiquiatra, terapeuta de família da Escola Estrutural, compreende a família


pela forma predominantemente nuclear, fundamentado no biológico, coadunando-se com a
posição dos terapeutas acima referidos. Minuchin é insistente quanto a importância do
terapeuta possuir uma definição teórica de família que permita um nexo com a idéia de
intervenção terapêutica, demonstrando assim a forte ligação entre ambos. Resumimos as
idéias de Minuchin, que configuram a relação familiar a partir da relação conjugal: o casal, ao
se constituir, precisa separar-se de suas relações anteriores, principalmente com os respectivos
pais, isto é, “o investimento no casamento é feito a expensas de outras relações”; o casamento
é um primeiro momento em que os participantes irão confirmar ou não suas novas
identidades; “um contexto poderoso para confirmação e desqualificação”; “refúgio para as
tensões de fora” (Minuchin, 1990b, p. 27). Pelo descrito, percebe-se a necessidade de a
constituição familiar, iniciada pelo casal, separar-se como um núcleo isolado e diferenciado.

A terapia de família, por conseqüência, visa a separar as fronteiras com o exterior, nos casos
em que o casal tenha essa dificuldade específica. Com a chegada dos filhos, o casal adquire
uma nova função: a parental, que caracteriza a família como “uma instituição para educar as
crianças”, sendo a vida familiar dependente “de um sólido vínculode casal” (Minuchin, 1995a,
p. 202). É nesse momento que surgem mais especificamente as tarefas ligadas à socialização; a
família exerce seu lugar de “matriz da identidade”, possibilitando a seus membros a
experiência de pertinência a um grupo, assim como a experiência de sua separação, de sua
autonomia. Entre pais e filhos, como entre o casal e o mundo exterior, é preciso que existam
fronteiras bem definidas e reguladas por regras que determinam quem e como se participadas
46

relações familiares. É indubitavelmente uma definição da família conjugal, constituída na


modernidade.

Mais um dos entrevistados faz eco a essas formulações, concordando que família é necessária
como grupo social, com a função de cuidar de um ser dependente biológica e
psicologicamente. As mudanças impostas pelas novas tecnologias de reprodução refletem na
família, possibilitando novas transformações, mas sua participação social como um grupo que
cuida de um ser dependente permanece e permanecerá. Outras formas de cuidado poderão
surgir, ainda que os papéis familiares não continuem os mesmos. Mantém-se assim a idéia de
proteção fornecida por esse grupo formador das identidades pessoais, seja ele biológico ou
não. O processo da construção da personalidade permanece localizado no interior da família e
da convivência íntima, apesar das transformações sociais.

“... a gente necessita do relacional pra saber até quem eu sou. No meu referencial a família é
necessária, importante para as organizações sociais. Não acho que é uma coisa falida, eu acho
que ela está mudando as suas formas de constituição. Necessária e importante porque nós
nascemos e a gente vem de um pareamento, se a gente pensar também em termos biológicos,
um pareamento que nos faz ser um serzinho humano que é totalmente dependente, e ele
precisa de um grupo para dar consistência a esse ser dependente, para ele vir a se desenvolver
e poder ser um indivíduo. Então, a existência do grupo constituído para dar continente pra que
esse ser venha a se desenvolver nunca vai deixar de existir, sempre existiu e sempre vai existir.
(...) Então quando a gente pensa agora nessa reprodução assistida, bebê de proveta, clone, vão
existir, talvez, novas estruturas de grupo. (...) o ser humano precisa de um grupo para provar a
existência dele, dar identidade àquela existência. (...) Então, o núcleo que eu chamo de familiar
é um grupo de pessoas que vai receber esse elemento, e na hora que recebe esse elemento
cada um define um papel, um que vai cuidar dessa forma, um que vai cuidar daquela forma.
(...) Talvez no futuro não seja pai, mãe e filho, possam ser outras coisas. O ser humano precisa
dessa estrutura... ela vai mudar, mas nunca vai sair de foco” (T.6).

Na Abordagem Estrutural visualizamos a ênfase na família nuclear, caracterizando uma


concepção moderna. Minuchin corrobora a afirmação de que a família é a melhor maneira
para criar indivíduos autônomos, gerando estabilidade interior, diante da constante mutação
do mundo exterior à família. Ela é, portanto, o meio mais eficaz de manutenção da sociedade
enquanto protege contra o mundo exterior. Para Minuchin (1990b), a família nuclear pode
47

estar correndo riscos devido à sobrecarga de suas funções. Outro dos entrevistados apresenta
como entende a família, ressaltando esse aspecto nuclear e de proteção:

“...as pessoas estão dentro dessa cultura... que eu não sei se vai acabar... elas se agregam.É que
precisam de um pacto de solidariedade, cumplicidade, um oásis, do anonimato do mundo,
digamos, fora. Então eu acho que as pessoas vão se vinculando e escolhendo os seus parceiros
por essa jornada. Por essa caminhada ao longo da vida. Eu acho que aí é importante ter esse
núcleo para ir gerando uma outra geração e acompanhar essa outra geração...” (T.4).

A “família ampla”, por sua vez, é uma forma bem adaptada a situações de estresse e carência,
na qual as funções são compartilhadas envolvendo membros da família extensa. Essa forma de
funcionar é entendida por Minuchin como uma resposta às situações de pobreza, podendo ou
não caracterizar estruturas familiares patogênicas com fronteiras não definidas. Minuchin é
conhecido por seu trabalho com famílias carentes, às quais se atribui uma configuração
extensa em oposição ao modelo nuclear, vinculado ao aburguesamento e à industrialização das
grandes cidades. Entretanto, mesmo considerando tipos diferenciados de família, sua
intervenção sempre privilegia uma constituição familiar que defina suas fronteiras ao
constituir-se em separado. Afirma o autor:

Prefiro trabalhar com a família nuclear, algumas vezes modificando a composição do grupo
(diferentes subsistemas: casal, pai e filho, irmãos etc). (...) Em algumas famílias (porém), o
trabalho com membros significativos da família ampla é importante (Minuchin, 1990a, p. 139).

Em outro texto, ao abordar o trabalho com famílias amplas, Minuchin relativiza a afirmação
anterior, sugerindo ao terapeuta uma maior flexibilidade para não separar completamente uma
avó e seu neto, quando a avó cumpre funções parentais. Pode-se observar a diferenciação das
funções sem correr o risco de uma separação mais prejudicial que terapêutica, e sem
transformar essa família necessariamente no reflexo do modelo nuclear: “a influência da
família extensa nas funções da família nuclear nunca deverá ser subestimada” (1990b, p. 61). A
mesma ênfase quanto à delimitação das fronteiras encontra-se na situação de famílias que se
constituem por meio de um segundo casamento, um recasamento. Dessa vez, porém, as
fronteiras referem-se às relações entre pais e filhos.

Os estudos sobre famílias por recasamento mostram a importância crítica de se reforçar os


vínculos entre os parceiros recasados, e não deixar que as clamorosas necessidades dos filhos
destruam a intimidade do novo casamento. Cada novo casal precisa ter um tempo para
48

namorar sozinho (tempo para as crianças serem crianças e para os casais ficarem sozinhos)
(Minuchin, 1995a, p. 203).

Outro de nossos entrevistados também vê a família como uma união heterossexual visando à
procriação, mas levanta a questão trazida pelas “novas formas” que não se enquadram nessa
visão.

“A família sempre se forma com a união de duas pessoas, sendo essa união oficializada ou não.
(...) Tradicionalmente essa união se deu entre diferentes sexos, mas atualmente existem certas
uniões que estão se dando até entre homossexuais que adotam filhos, e que dessa forma
estariam concebendo núcleos familiares... chamados atualmente de novas famílias” (T.7).

Durante os anos 60 e 70, quando várias escolas já tinham se consolidado, e uma nova
revolução sexual realizava-se na sociedade, as situações de recasamento e de casais
homossexuais tornaram-se visíveis, a partir dos debates advindos do movimento feminista.
Uma nova interpretação quanto à ligação entre os membros da família e o sistema social mais
amplo foi oferecida pela Terapia de Família Feminista, que questionando a família nuclear,
centrada no casal heterossexual e na criação de filhos, aponta para outras formas: famílias
monoparentais, famílias compostas por homossexuais e seus filhos etc (Perelberg, 1994;
Goodrich et al, 1990).

A maior parte das outras formas de composição familiar ou era encarada como patológica ou
era simplesmente invisível para eles (terapeutas americanos, homens brancos de classe média)
(Rampage e Avis, 1998, p. 190).

Assegurando a experiência da diversidade, as feministas ressaltam algumas características


surgidas do modelo moderno de família nuclear, como a liberdade de escolha e a intimidade. O
estabelecimento de um modelo fixo deve ser superado, democratizando ainda mais as relações
familiares. Os pais devem ter autoridade sobre seus filhos, e ao mesmo tempo respeitar a
igualdade entre os sexos. As relações familiares devem ser fundamentadas tanto na igualdade
quanto no respeito às diferenças. Orientando o trabalho terapêutico e caracterizando ainda a
idéia de um modelo a seguir, as feministas mantêm uma definição do que seria uma família
saudável.

A partir de uma perspectiva feminista, a família saudável é aquela em que seus membros se
encontram comprometidos com o estímulo do potencial de todos, com a evitação de todo tipo
49

de exploração interpessoal, e com o recíproco oferecimento de apoio, cuidados, assistência e


afeição (Rampage e Avis, 1998, p. 203).

O exemplo seguinte indica como variadas posições podem estar presentes em um mesmo
terapeuta, demonstrando a dificuldade, própria do relativismo pós-moderno, de se buscar uma
definição exclusiva de família. Despontam, por conseqüência, posições paradoxais: ao lado de
variadas possibilidades de formas relacionais permanece uma configuração de família definida
pelo surgimento de um filho.

“Família é o sistema que está na minha frente(...). É o sistema de relações que está
acontecendo diante do terapeuta (...), mas acho que existem outras maneiras de ver, diferentes
formas de relação ocorrem (...) família só existe quando tem filho. (...) Não necessariamente
são os genitores que estão com a criança, podem ser pais adotivos, podem ser outras formas,
recasamento... há uma enormidade de relações familiares” (T.1).

Maurizio Andolfi é conhecido por juntar diferentes referências: a Teoria Estrutural, com sua
ênfase no presente, e a Teoria dos Sistemas Familiares de Bowen, voltada para o passado e
para a família de origem, definindo a família como um campo emocional que abarca três
gerações (Andolfi, 1980; 1989a; 1989b; 1996; 1998). Essa conjugação pode ser observada no
relato que se segue, e em uma citação de Andolfi. A família, mesmo quando desconhecida, é
um fator determinante, tanto no nível biológico quanto no simbólico, para a formação do
indivíduo, gerando questões a respeito da pertinência ao grupo e da autonomia individual. Esta
é uma visão diferenciada da família nuclear moderna, propondo uma saída e acentuando a
importância da família de origem, porquanto sua influência se faz sentir até na ausência. Não
se diluindo completamente, as relações nucleares são permeadas pelas histórias de gerações
anteriores.

“É... o indivíduo entra para uma família quando nasce e só sai dela quando morre. (...) Então,
você faz o genograma da família, você vai encontrar traços de sua família de origem com
certeza, mesmo que essa família renegue. (...) Mesmo com famílias adotivas é... onde eu
também... quando eu faço o genograma, eu incluo o adotado, a família adotiva e a família
biológica. (...) Mesmo o adotado que teve um contato com a família biológica de repente por
dez minutos, aquela família tem uma influência ali. A família biológica tem uma influência na
vida dessa criança adotada. Não estou dizendo que uma influência negativa nem de problema
não. Mas uma influência que você faz um estudo, você encontra traços” (T.3).
50

Quando falamos de família não podemos nos limitar a pensarmos em termos de genitores e
filhos, devemos sempre ter uma visão mais ampla que leve em consideração as gerações
anteriores e as regras sociais próprias de cada época. De fato, a história das gerações que
precederam o indivíduo é cheia de significados, mesmo quando não se atinge diretamente: é
possível obter informações a partir das narrações dos próprios genitores, de seus hábitos de
vida e de objetos que clarificam suas relações passadas; além disso, reexaminar a imagem de
uma figura parental, mesmo que física ou emotivamente distante do núcleo familiar e torná-la
viva dentro da dinâmica familiar, pode permitir uma releitura dos eventos (Andolfi, 1996, p.
56).

Para outro entrevistado a família é igualmente vista como formada por um padrão, tanto
biológico quanto simbólico, construído em gerações anteriores. Acrescenta, porém, que esse
modelo vem sendo questionado pelas novas tecnologias reprodutivas, ao permitir a geração de
seres com histórias não convencionais, e que dificilmente poderão ser compreendidos por
meio de visões anteriores.

“... eu acho que nós somos herdeiros da história dos nossos antepassados. É... então a gente
carrega essa bagagem. Acho que a família se forma a partir das histórias que as famílias vão
contando não importa por onde. Seja pelo silêncio, seja pelas narrativas. Porque nem todas as
famílias contam. Aliás, a maioria das famílias não conta. Mas isso vem. Vem pelo corpo, vem
pelo inconsciente... não importa qual inconsciente a gente nomeie. Mas eu acho que
teoricamente eu diria que as famílias... as famílias são montadas a partir de um padrão
geracional, da herança. (...) de repente dá um clic e de onde eu vim, de onde eu nasci. Eu acho
que agora a gente já está num momento importante de bebê de proveta, de bebê de barriga
de aluguel, onde a família está questionada em termos dessas premissas que eu estou
trazendo” (T.5).

Na terapia de família hoje existe um movimento acompanhando a propagação do pós-


modernismo e do pós-estruturalismo, que nega qualquer noção de estrutura interna à família
(Lax, 1998). Dessa forma, alguns terapeutas de família formados na Teoria dos Sistemas, como
Harlene Anderson, Harry Goolishian e Lynn Hoffman, passam a ter como referência a
Hermenêutica, e a entender a terapia como uma conversação, um diálogo intersubjetivo
(Anderson e Goolishian, 1988; 1998). Originados de diferentes movimentos, o Construtivismo
(vinculado à Biologia) e o Construcionismo Social (oriundo da Psicologia Social) caracterizam
51

uma mudança que necessita ser mais pesquisada entre nós devido à sua diferenciação de
autores tradicionais como Minuchin e Andolfi.

Salvador Minuchin (1998), ao observar outros terapeutas de família, construtivistas e/ou


construcionistas sociais em ação, pergunta-se onde estão as famílias nessas intervenções
terapêuticas. No início, a importância de uma teoria sobre família era acompanhada de uma
proposta de intervenção. A Escola Estrutural, com sua técnica de delimitar fronteiras, vincula-
se a um modelo de família constituído por um casal e seus filhos, conforme o modelo nuclear.
Caso não haja uma delimitação nítida entre as fronteiras, o terapeuta tem a tarefa de ajudar a
família a separar seus subsistemas, para que cada indivíduo cumpra seu papel, de acordo com
seu pertencimento ao grupo familiar.

Hoje pouco se escreve sobre uma noção de família ou sobre uma proposta que se pretenda
minimamente generalista; escreve-se muito sobre as variedades das formas encontradas,
caracterizando um relativismo exacerbado (Minuchin, 1991). Pouco se relaciona à construção
da técnica uma idéia generalista de família; muito se propala a respeito de técnicas específicas,
aplicadas às situações familiares específicas, de acordo com situações e tipos de problemas
(Nichols e Scwartz, 1998). A crítica de Minuchin (1991) dirige-se ao abandono da
sistematização de teorias, já que “constatou-se” não haver realidade “em si”. Ao se abrir mão
da idéia de verdade, não há mais necessidade de produzir sistemas teóricos explicativos.
Restam a experiência, a linguagem e a conversação entre o terapeuta e seus “clientes”. Sucede-
se, desse modo, a transformação do saber especializado em experiência a ser compartilhada,
tendo implicações quanto à construção do conhecimento e à prática clínica. A ênfase
anteriormente estava no poder do terapeuta para gerar a mudança. Este poder sendo
questionado é posto de lado, enquanto o poder da família ou do cliente para dirigir as
mudanças que deseja passa a ser enfatizado.

Salvador Minuchin costuma fazer constantes relações entre a autoridade dos pais e a tarefa do
terapeuta. Com o desvanecimento do modelo de autoridade tradicional, o patriarcal, ele é
substituído por um modelo flexível e racional. Aumentam as dificuldades parentais no
enfrentamento da “complexidade da educação infantil”. O reconhecimento dessa mudança
ajuda a julgar imparcialmente os pais na execução de sua tarefa de ao mesmo tempo “proteger
e guiar”, enquanto “controlam e reprimem”. Os filhos, por sua vez, devem crescer e tornar-se
indivíduos autônomos, rejeitando e atacando os pais. O processo de socialização, portanto,
torna-se conflitante. O terapeuta deve buscar apoiar todos os membros da família (1995b).
52

Nesta perspectiva, ele é o responsável pelo sistema terapêutico; assume a liderança e é “fonte
de apoio e cuidados” (1990a). A família convida o terapeuta (especialista)a ajudá-la a mudar. É
possível que haja divergências entre terapeuta e família quanto aos objetivos da terapia, mas o
terapeuta, ao atender um pedido de ajuda – “mude-nos sem nos mudar” –, ampliará as
alternativas do sistema desafiando as regras estabelecidas. Desafia, assim, a família em seu
modo de experimentar a realidade.

O autor enfatiza a família como a “matriz da cura e do crescimento de seus membros”. Se, no
entanto, o terapeuta observar que a autonomia dos filhos está sendo tolhida, deverá ajudar a
família a ter uma compreensão sobre as diferenças individuais, reconhecendo diversos estágios
de desenvolvimento (1990a). Concluindo que o terapeuta de família é “um agente de mudança
limitado”, Minuchin reconhece os perigos das imposições dos modelos do terapeuta. Faz parte
de seu trabalho de especialista reconhecer suas imposições e limitações. Seu saber deve
conformar-se aos “dramas familiares”, não buscando sua própria confirmação, e sim a
autonomia do sistema familiar.

No primeiro relato, a seguir, o terapeuta intervém a partir de um modelo de família. Para que a
terapia seja efetiva é preciso que a família se adapte a um modelo. No segundo, o terapeuta
cumpre sua função dando lugar à família, tornando a terapia um espaço privado, de proteção e
elaboração de conflitos. Em ambos encontramos a perspectiva da presença ativa do
especialista, característica de uma imagem que os terapeutas de família têm sobre si,
principalmente em seu início histórico, que corrobora a visão moderna da intervenção.

“Eu não posso mexer com uma terapia familiar... sem ajudá-los a criar situações, a fazer
modificações às vezes práticas, reais, dentro das casas, para poder ter essa estruturação de
família” (T.2).

“As famílias estão precisando de espaços onde elas estejam confortáveis, e a Terapia de Família
é um desses espaços. A família perdeu um pouco de espaço na sociedade” (T.1).

As primeiras escolas marcam sua diferença a partir de uma intervenção ativa do terapeuta de
família, criticando a suposta passividade do psicanalista. No exemplo seguinte encontramos as
duas posições no mesmo entrevistado. A expressão do cliente e a ação do terapeuta ganham
prioridades diferentes, dependendo da intervenção a ser realizada. Na primeira posição, a
passividade é por vezes confundida com a idéia de neutralidade; supõe, de qualquer forma, um
53

afastamento do terapeuta. Já na segunda, a atividade do terapeuta corresponde a sua


presença, e em poder para levar a família à mudança desejada.

“Eu faço o seguinte, na psicanálise a situação é a pessoa que percebe os seus sentimentos,
pensa e modifica. Na minha terapia familiar é exatamente o contrário. Eu introduzo uma
modificação. Depois é que vai gerar um pensamento sobre essa modificação (na família)” (T.2).

A união da pessoa com o especialista é mais um dos temas recorrentes no campo da terapia de
família. Podemos encontrá-la em Minuchin (1990b; 1995a), Andolfi (1996), Elkaïm (1990;
1998), entre outros. Cada encontro terapêutico cria momentos de participação con-junta.
Nossos entrevistados contam essa história, levando-nos da noção de especialista à idéia de
uma pessoa real consolidada com os anos de experiência. O terapeuta, com seus recursos
pessoais, para além de suas técnicas, ajuda a família a encontrar seus próprios recursos rumo à
autonomia na resolução de seus problemas.

“... eu diria que tem muito pouca diferença hoje em dia do que eu sou fora daqui, do que eu
sou aqui dentro. Eu acho que, quando eu comecei, eu era talvez uma terapeuta mais
engomadinha. Hoje em dia eu acho que estou muito confortável nesse lugar. Isso é uma
conquista com a idade” (T.4).

“Os recursos que eu posso usar, os meus, como pessoa, para ajudar aquela família. E de que
maneiras eu posso, principalmente, ajudar uma família a descobrir os recursos que ela tem,
não os meus técnicos. Os meus técnicos são muito limitados. Terapeuta de família que usa sua
técnica, ele tem... os seus instrumentos muito limitados. Ele tem que ajudar a família a
desenvolver a sua técnica ou os seus recursos pra seguir... porque você não pode fazer milagre.
Numa hora de sessão não consegue transformar as pessoas” (T.3).

A trajetória da noção de especialista é exemplificada na formação de um dos entrevistados: de


interventor, especialista que traz a melhor saída para o problema com seu saber teórico-
técnico, transforma-se naquele que busca com a família uma “narrativa mais útil”. O ápice da
relativização do especialista é exemplificado com um segundo relato, em que a terapia é vista
como uma “conversa”. De um observador objetivo passa-se a um participante de uma
conversação que constrói novas histórias.

“Depois da psicanálise, a descoberta da terapia sistêmica, depois a leitura contextual, aí ficar


namorando um pouco aquele fascínio daquela coisa estratégica que tinha um observador tão
54

objetivo. (...) Hoje em dia eu sou muito mais cada um tem sua narrativa, constrói... Então o que
vai ajudar o paciente é entrar na narrativa que não é útil pra ele e começar talvez a mexer com
ela, e poder criar outra que seja mais útil pra necessidade dele naquele momento” (T.4).

“Mas, quando você consegue transformar a situação grave numa conversa chata, a terapia de
família está acontecendo. Mais pra linha do construtivismo mesmo” (T.5).

Esses dois últimos relatos permitem-nos finalizar, referindo novamente ao movimento mais
atual da terapia de família. Se antes era possível pensar em uma imagem do terapeuta como
conhecedor e especialista, agora a viabilidade do conhecimento – e, portanto, a possibilidade
de vinculá-lo à oferta terapêutica – encontram-se questionados. A experiência de Lynn
Hoffman ajuda-nos a compreender o que vem ocorrendo no campo.

(...) a evolução de minha posição superou minha capacidade de traduzi-la para a prática. Eu
continuava a “pensar Zen”, mas nem sempre sabia como “agir Zen”. Foi então que um colega
da Noruega, Tom Andersen, surgiu com uma idéia fascinante, embora simples: a Equipe
Reflexiva (Andersen, 1987). O recurso de pedir que a família assista à discussão da equipe
sobre ela e que depois comente o que ouviu mudou tudo subitamente. O profissional não era
mais uma espécie protegida, observando famílias patológicas por trás de uma tela ou falando
sobre elas na privacidade de um escritório. A premissa da Ciência Social normal de que o
especialista tinha uma posição superior a partir da qual poderia ser feita uma avaliação correta
desmoronou. Para mim, pelo menos, o mundo da terapia foi alterado da noite para o dia
(Hoffman, 1998a, p. 24).

Ao enfatizar o papel da linguagem, da conversação, da história e do self, o terapeuta ocupa


uma posição de “não-saber”. O trabalho clínico deixa de estar baseado em narrativas teóricas
preexistentes (Anderson e Goolishian, 1998). Anteriormente, as perguntas do terapeuta
refletiam uma compreensão teórica do ser humano. Perguntando, o terapeuta ia gerando
maior entendimento sobre a situação. Nessa nova postura, também conhecida como “postura
narrativa”, as perguntas são geradas pelo “não-saber”, e o terapeuta deixa-se conduzir pelo
conhecimento e experiência de seus clientes (Anderson e Goolishian, 1993). O sentido é
gerado localmente e fundamenta-se no diálogo. O “poder” do terapeuta advém de sua
responsabilidade nos limites do domínio relacional/social, construído em cada sistema
terapêutico (Fruggeri, 1998; Gergen e Warhus, 1999). A posição do especialista vê-se assim
55

transformada tanto quanto as relações familiares, não exigindo mais uma teoria específica para
uma intervenção terapêutica específica.

Diversidade: algumas reflexões finais

No quadro atual, a terapia de família refuta a busca de uma estrutura universal, cedendo
espaço à pluralidade de idéias. Desde o feminismo e o advento da pós-modernidade mudanças
vêm ocorrendo, principalmente na crença quanto a encontrar uma causa para o sofrimento
psíquico no interior das relações familiares. Hoffman (1998b) descreve seu próprio movimento
inicial como a procura de uma chave adequada que a levava de um modelo a outro. No
entanto, um ponto de referência estabelecido para a avaliação da família e intervenção
terapêutica foi se tornando cada vez mais incerto. Ela afirma ter adquirido um estilo de “livre-
flutuação”, e pergunta-se: poderá isto se chamar terapia?

Para Anderson e Goolishian (1998), o termo tratamento, que de-nota uma intervenção para a
cura, não identifica mais sua prática terapêutica. A terapia é redefinida como a criação de um
espaço de mútua conversação, que pode gerar novas realidades entre parceiros de um
processo terapêutico. Baseada na prática desses autores, Lynn Hoffman (1998b) começa a
refletir sobre a possibilidade de deixar de lado a própria noção de um modelo, preferindo olhar
para fora de um enquadramento. Desse modo, a autora declara descobrir uma “tapeçaria
luminosa” de práticas que se estendem para todos os lados. Já não há mais a necessidade da
fixação de um modelo ou de uma resposta definitiva. Estabelece-se a diversidade como um
valor fundamental.

A sociedade tradicional caracterizava-se pela ausência da necessidade de um especialista e


pela presença inquestionável de uma ordem estabelecida. O poder de organização e controle
era dado à comunidade e seus representantes. A sociedade moderna constrói-se com a intensa
colaboração de diversos especialistas, que detendo o poder passam a ditar as regras do
comportamento, levando a ordem a vigorar no plural. Os especialistas promovem novas
ordens, livrando os indivíduos e as famílias do ditame da comunidade de pertença.

Atualmente, ao lado da flutuação das identidades pessoais (Gergen, 1992; Morin, 1996),
ocorrem simultaneamente a flutuação das identidades familiares (Roudinesco, 2003) e a dos
terapeutas de família. Trata-se, porém, de um processo que caracteriza a terapia de família
desde seu início. Ackerman já assinalava para a diversidade quando, em 1971, afirmou que há
tantas terapias de família quanto terapeutas: cada terapeuta contribui com sua trajetória e
56

característica pessoal. A “tapeçaria da diversidade” vem sendo tecida desde o início da terapia
de família, embora nem sempre seja assumida e/ou discutida na proporção devida. Por isso,
gostaríamos de levantar ao menos duas questões para futuros debates. Como formar
terapeutas de família, ressaltando suas características pessoais ao lado da ausência de um
modelo unitário? Como lidar com a diversidade, diminuindo o risco de instaurar uma desordem
mais prejudicial que benéfica? Pensamos que este debate pode ser iniciado com uma discussão
sistemática a respeito de uma proposta de articulação entre diferentes teorias e práticas
(Féres-Carneiro, 1994; 1996; Goutal, 1985; Lebow, 1997). E justamente porque as teorias são
construções, devemos esperar que daí floresça a diversidade, e não a uniformidade. Conforme
nos indica Falicov (1998): é possível apreciar similaridades enquanto honramos a diversidade; é
possível aproximar os diferentes modelos em uma fértil região fronteiriça. Neste sentido,
ressaltamos a necessidade de considerar as transformações da família, relacionando-as às
transformações das identidades pessoais, que modificam as formas de intervenção
terapêutica.

De acordo com o movimento pós-moderno, defende-se uma solidariedade a ser construída. O


poder é repartido, levando todos, terapeutas e seus clientes, a navegarem no mesmo barco do
fazer terapêutico, em busca de alcançar realidades alternativas (Anderson e Goolishian, 1988;
1998; Gergen, 1999; Mcnamee e Gergen, 1998). As perguntas, que antes se referenciavam a
um saber específico, são vistas agora como desencadeadoras de novas narrativas. Mudou-se a
perspectiva da intervenção terapêutica, mas a “intervenção” permanece como uma forma de
desencadear transformações na vida daqueles que nos pedem ajuda. Portanto, considerando a
diversidade e reconhecendo as particularidades de cada terapeuta, não podemos abandonar
uma discussão que nos ajude a compreender a construção histórica da terapia de família, de
suas teorias e de suas práticas (Ponciano e Féres-Carneiro, 2001). Um bom caminho para isso é
olharmos para a nossa própria história, refletindo sobre ela e identificando
continuidades/descontinuidades de nossas trajetórias, comparando-as com os autores que nos
influenciam.
57

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