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Introdução
As técnicas de investigação epidemiológica em saúde bucal têm evoluído bastante nos últimos
anos, particularmente no que diz respeito às pesquisas de caráter transversal com base em
amostras, os chamados levantamentos ou inquéritos epidemiológicos. Na verdade, desde que o
índice CPO foi proposto no final da década de 1930, maiores aperfeiçoamentos vêm sendo acrescidos
à tecnologia de pesquisas epidemiológicas de base amostral.
A partir da década de 1950, quando os levantamentos se tornaram mais rotineiros no Brasil
com as experiências da Fundação SESP em escolares, os diversos métodos e técnicas foram sendo
aprimorados. Com a publicação da série de Manuais para Levantamento Epidemiológico Básico da
Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1971, sensíveis modificações têm sido incorporadas aos
índices e aos desenhos de pesquisa. Hoje, a quarta edição do Manual da OMS, publicada em 199736,
tem servido de base para pesquisas epidemiológicas em Saúde Bucal no mundo inteiro, inclusive no
Brasil. O Projeto SBBrasil, o maior levantamento epidemiológico já realizado no País, teve como
base a metodologia proposta pela OMS26.
Composição da equipe
A equipe que conduzirá a pesquisa deverá ser composta, preferencialmente, por pessoas com
algum conhecimento ou experiência na área de epidemiologia ou mesmo em pesquisa científica. De
qualquer maneira, nada impede que algumas equipes “comecem do zero”, a partir da literatura
disponível ou de alguma ajuda obtida junto a institutos de pesquisa ou universidades. É importante,
também, que a equipe não seja demasiado grande, o que em geral atrapalha na tomada de decisões,
mas também não seja muito pequena a ponto de comprometer a divisão de tarefas.
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Definição dos objetivos do levantamento
A definição precisa dos objetivos da pesquisa deve ser pactuada com os reais interessados
nos seus resultados. Levantamentos mais gerais, do tipo survey, os quais estão sendo realizados
pela primeira vez com uma clara função de compor uma linha-base para o estabelecimento de metas
para um planejamento global e que têm um município como base, são claramente distintos daqueles
realizados para fins de monitoramento e vigilância em saúde ou que sejam exigidos para atividades
de planejamento local em microáreas, por exemplo. Neste sentido, o estabelecimento dos objetivos
depende, fundamentalmente, do contexto da organização dos serviços, dos custos e,
principalmente, do seu grau de precisão32.
No primeiro caso, é importante que a pesquisa gere dados relevantes para que a instância
em questão (Município, Estado ou União) possa aproveitá-los em suas estratégias de planejamento
e avaliação das ações. É fundamental, também, que a prática de pesquisas epidemiológicas seja
algo regular dentro da organização dos serviços de saúde e não se constituam em atividades sazonais
em que seus resultados redundem na mera publicação do relatório final.
Com relação aos custos, como em toda atividade, principalmente aquelas realizadas pelo
setor público, os custos devem ser compatíveis com os respectivos benefícios. Assim, não há sentido
na realização de pesquisas demasiado complexas em municípios de pequeno porte e com parcos
recursos e, de outro lado, conduzir modelos excessivamente simplificados em localidades que
exigem modelagens mais complexas.
Em função dos pontos explicitados anteriormente, o fio condutor de qualquer levantamento,
e que norteia a construção dos objetivos, é o seu grau de precisão. Veremos adiante que este é um
fator primordial no estabelecimento do tamanho da amostra e das estratégias de alocação dos
elementos amostrais, contudo convém, desde já, ressaltar a importância da definição do para que
se quer realizar o levantamento. Por motivos óbvios, a abrangência e a amplitude dos objetivos é
razão direta da complexidade do delineamento. A Figura 1 a seguir tenta simular diversas situações
de pesquisa epidemiológica em que são combinados os objetivos, porte do município (ou região),
tipos de estudo, existência de dados anteriores e precisão possível.
Diagnóstico preliminar
visando compor um plano Levantamento amostral,
geral de metas, sem com pequeno número de
De 10 a 50 mil
2 preocupação com estratos Existentes e
habitantes
subsídios para Grupos etários confiáveis porém Média
planejamento em nível prioritários: escolares e não atualizados
local adolescentes, se
possível, adultos
Levantamento amostral,
Análise detalhada da com grande número de
situação, com vistas a estratos
Mais de 50 mil Grupos etários Existentes,
3 detectar diferenciais intra-
urbanos e contribuir para habitantes prioritário: todos os confiáveis e Alta
planejamento local grupos relevantes atualizados
3
Embora seja possível enumerar uma gama maior de objetivos em levantamentos
epidemiológicos, em sua maioria eles podem ser resumidos nas três situações elencadas na Figura.
A partir do estabelecimento de cada um destes objetivos gerais, é preciso definir o tamanho da
população de referência, no caso deste exemplo, o porte do município em termos de número de
habitantes. Dessa primeira combinação é possível traçar alguns modelos de estudo, contudo, ainda
é necessário refletir sobre a existência ou não de dados anteriores, o que confere maior
fidedignidade à amostra, gerando, portanto, distintos níveis de precisão.
A partir deste cenário, podem ser imaginadas diversas situações, que estão representadas
pelos diferentes tipos de linhas de conexão. Tomando como primeiro exemplo a linha pontilhada, o
objetivo 1 é bastante generalizado, próprio para situações em que se deseja uma primeira
aproximação da situação epidemiológica. Este objetivo é mais comum em municípios de pequeno e
médio porte (até 50 mil habitantes) e, no caso de municípios com até 10 mil habitantes, o estudo
mais indicado é o que trabalha com poucos grupos etários (pelo menos 12 anos) e com a técnica do
censo para alocação dos elementos amostrais. O censo se justifica pelo fato de não ser necessária
uma base amostral em função do pequeno número de indivíduos nestes municípios. Segundo dados
do IBGE (estimativa para 2004), o número médio de crianças de 12 anos em municípios com 5 mil
habitantes fica em torno de 72, com um máximo chegando a 150 e com pequenas variações entre
as regiões do País. Para os municípios até 10 mil habitantes, essa média é de pouco mais de 160
indivíduos. A dificuldade de realizar um sorteio e, consequentemente alocar um número menor de
crianças na amostra não é compensatório e, nestes casos, a melhor opção é examinar todas as
crianças de 12 anos escolarizadas. A existência de dados anteriores confiáveis nestes municípios é
muito rara e, considerando que, no mais das vezes, há uma baixa taxa de escolaridade, a precisão,
neste exemplo, é considerada baixa.
No caso ilustrado pela linha tracejada, o mesmo objetivo pode ser aplicado a um município
de maior porte (entre 10 e 50 mil habitantes), contudo, neste caso, não é mais possível se trabalhar
com um censo, pois o número de elementos da população já é bem maior. A média de crianças de
12 anos é em torno de 500 podendo chegar a 1.400 de modo que, nestes casos, recomenda-se
trabalhar com um estudo de base amostral, podendo ampliar um pouco a abrangência em termos
de grupos etários. Caso não existam dados anteriores, a precisão continua baixa, porém caso exista,
mesmo que não atualizados, uma precisão média é possível.
O objetivo 3 é possível somente em municípios de médio e grande porte. No primeiro caso,
representado pela linha traço-ponto, mantém-se a lógica de um estudo de base amostral porém
com a possibilidade de ampliação dos grupos amostrais com a inclusão dos adultos e já com a
inclusão também de alguns estratos, como regiões da cidade (urbano/rural, centro/periferia etc.)
ou mesmo tipos de escola (pública/privada).
No caso de municípios com mais de 50 mil habitantes, representado pelo exemplo da linha
contínua, o levantamento amostral deve, preferencialmente, ser feito com um número maior de
estratos (distritos sanitários, bairros ou regiões administrativas por exemplo) e com a máxima
ampliação possível dos grupos etários, incluindo exames de base domiciliar. Considerando a
existência de dados confiáveis e atualizados, levantamentos como este podem apresentar alta
precisão.
A idade é uma variável que tem forte relação com a distribuição das doenças bucais. Desse
modo, a divisão da amostra em determinadas idades-índice ou grupos etários é um procedimento
padrão em qualquer levantamento epidemiológico. A OMS tem recomendado, já há vários anos, que
determinados grupos etários sejam pesquisados, no intuito de dar conta de todo o ciclo da vida
humana. As idades-índices e grupos etários são: 5 anos, para verificação das condições da dentição
decídua, 12 anos, que é representativa da infância, 15 a 19 (ou somente 15 e 18), que representam
a fase da adolescência, 35 a 44 anos, para a idade adulta e 65 a 74 anos que representam a terceira
idade34,35,36.
Locais de coleta
Os locais de coleta devem ser escolhidos em função da idade. Em geral, a grande maioria dos
levantamentos epidemiológicos tem como base a escola, para o caso de exames em crianças e
adolescentes. Adultos devem, prioritariamente, serem examinados no domicílio, contudo é
importante que qualquer local de coleta a ser utilizado preserve a base probabilística da pesquisa.
Em linhas gerais, isso quer dizer que o local de coleta não deve introduzir nenhum viés ao estudo,
como por exemplo, escolher determinados locais em que não seja possível encontrar a população
devidamente representada.
Plano Amostral
Tamanho da amostra
z2 s2 z 2 1 P
n (1) n (2)
x 2 2 P
Onde:
n= tamanho da amostra
z= valor limite da área de rejeição considerando um determinado nível de significância;
geralmente utiliza-se o valor 1,96, correspondente a 95% de confiança. Este valor
indica, grosso modo, que existem 95% de chances de que o valor encontrado esteja
situado dentro da margem de erro.
s2 = desvio-padrão da variável ao quadrado, ou seja, a variância
x = média da variável
P= prevalência estimada da doença (expressa em proporção de 0,0 a 1,0)
= margem de erro aceitável; em geral, usa-se 10% (0,10)
Para as idades de 5 e de 12 anos, em alguns casos pode ser mais prático realizar os exames
em escolas e creches, considerando que, em boa parte dos casos, este é o local mais adequado para
encontrar indivíduos nestas idades.
O primeiro passo é sortear 30 escolas de ensino fundamental, públicas e privadas, para o
levantamento das crianças de 12 anos e 20 creches e/ou pré-escolas para o exame de crianças de 5
anos. Nos municípios que apresentam menos de 30 escolas, todas funcionam como pontos de
amostragem, sem necessidade de sorteio.
Realizado o sorteio das escolas, deve ser sorteado o número de alunos requerido, a partir da
lista de todos os alunos das 30 escolas sorteadas. A sequência, para crianças de 12 anos, também
adaptada da técnica descrita para o Projeto SBBrasil, é a seguinte17:
Composição de uma lista única, de todas as 30 escolas sorteadas, dos alunos de 12 anos.
Numeração sequencial de todos os alunos.
Sorteio, a partir desta lista, do número amostral requerido por intermédio da técnica de
amostragem casual sistemática.
O princípio da alocação sistemática, bem descrito em boa parte dos livros de bioestatística,
considera que os indivíduos devem ser retirados a partir de intervalos que são obtidos pela divisão
da população pela amostra3.
Tomando o exemplo de uma cidade fictícia, vamos admitir que o total de alunos das 30
escolas sorteadas seja igual a 6.200. Uma vez que a amostra requerida para 12 anos é de 225
indivíduos, isso significa que deverá ser retirada uma criança a cada 27,5 (6.200/225). Deve-se,
portanto, sortear um início aleatório (um número entre 1 e 27) e, ao serem somados o intervalo de
amostragem a este número, encontram-se todos os números sorteados. Continuando com o
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exemplo, admitindo que o início aleatório foi 12, este e os números seguintes, 39 (12+27), 66
(39+27), 93 (66+27), até completar os 225 indivíduos, comporão a amostra.
O procedimento é o mesmo para as crianças de 5 anos.
Apuração e análise
Toda pesquisa pressupõe, em seguida à coleta de dados, a apuração e análise dos mesmos.
Um aspecto importante é que todas as fichas, antes de serem enviadas para a digitação em qualquer
programa de computador, devem passar por uma checagem rigorosa, para verificação de
inconsistências e erros de preenchimento. O cuidado com a construção do banco de dados deve
continuar em seguida, na fase de digitação, quando técnicas para evitar erros de entrada (digitação
dupla ou tripla, p.ex.) devem ser implementadas.
Implicações éticas
Embora a maioria dos estudos epidemiológicos seja classificada na categoria de risco mínimo,
de acordo com a portaria 196/96 do Conselho Nacional de Saúde que regulamenta a pesquisa em
seres humanos, é fundamental que sejam explicitadas as posturas éticas a serem adotadas na
pesquisa. Deve ser ressaltado, principalmente: (a) a preservação do direito individual de querer ou
não colaborar com a pesquisa sem sofrer nenhum tipo de coerção ou constrangimento; (b) a
autorização por escrito da participação do indivíduo através do consentimento livre e esclarecido;
(c) a garantia de pronto-atendimento para os casos de urgência encontrados; (d) a garantia de que
serão preservados os direitos dos indivíduos submetidos a situações de vulnerabilidade (quartéis,
por exemplo)15.
Toda pesquisa que envolva seres humanos deve passar pelo crivo de uma Comissão de Ética
em Pesquisa (CEP). Somente após a aprovação da CEP o estudo poderá ser conduzido, incluindo o
estudo piloto.
Referências
1. Cleaton-Jones P, Hargreaves JA, Fatti LP, Chandler HD, Grossman ES Dental caries diagnosis calibration for clinical
field surveys. Caries Res 1989; 23: 195-9.
2. Lwanga SK, Lemeshow S. Sample size determination in health studies: a practical manual. Geneva: World Health
Organization. 1991. 80p.
3. World Health Organization Calibration of examiners for oral health epidemiological surveys. Geneva: ORH/EPID;
1993.
4. World Health Organization, Oral health surveys: basic methods. 4 ed. Geneva: ORH/EPID; 1997.