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ASPECTOS TÉCNICO-OPERACIONAIS DE UM

LEVANTAMENTO EPIDEMIOLÓGICO EM SAÚDE BUCAL


Angelo Giuseppe Roncalli

RONCALLI AG. Aspectos técnico-operacionais de um levantamento


epidemiológico em saúde bucal. In: FERREIRA MA, RONCALLI AG, LIMA KC. Saúde
Bucal Coletiva: conhecer para atuar. Natal, RN: Editora UFRN, 2004. Cap 4,
p.63-80.
CAPÍTULO 4
ASPECTOS TÉCNICO-OPERACIONAIS DE UM
LEVANTAMENTO EPIDEMIOLÓGICO EM SAÚDE BUCAL

Angelo Giuseppe Roncalli

Introdução
As técnicas de investigação epidemiológica em saúde bucal têm evoluído bastante nos últimos
anos, particularmente no que diz respeito às pesquisas de caráter transversal com base em
amostras, os chamados levantamentos ou inquéritos epidemiológicos. Na verdade, desde que o
índice CPO foi proposto no final da década de 1930, maiores aperfeiçoamentos vêm sendo acrescidos
à tecnologia de pesquisas epidemiológicas de base amostral.
A partir da década de 1950, quando os levantamentos se tornaram mais rotineiros no Brasil
com as experiências da Fundação SESP em escolares, os diversos métodos e técnicas foram sendo
aprimorados. Com a publicação da série de Manuais para Levantamento Epidemiológico Básico da
Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1971, sensíveis modificações têm sido incorporadas aos
índices e aos desenhos de pesquisa. Hoje, a quarta edição do Manual da OMS, publicada em 199736,
tem servido de base para pesquisas epidemiológicas em Saúde Bucal no mundo inteiro, inclusive no
Brasil. O Projeto SBBrasil, o maior levantamento epidemiológico já realizado no País, teve como
base a metodologia proposta pela OMS26.

Organizando um levantamento epidemiológico em saúde bucal


Um levantamento epidemiológico, assim como qualquer pesquisa científica, deve partir de
um planejamento cuidadoso de todas as suas etapas. Em geral, há um senso comum de que a parte
“mais difícil” e complexa do levantamento é a coleta de dados e costuma-se pensar em termos de
custos e tempo de operacionalização apenas a partir da fase de campo. Na verdade, a maior parte
do tempo necessário para a realização de um levantamento epidemiológico é gasta no planejamento
das ações.
Todo este planejamento deve estar explicitado na forma de um projeto, que pode ser
pensado enquanto um projeto de pesquisa propriamente dito (quando é realizado por uma
instituição de ensino e/ou pesquisa) ou como um projeto institucional (bancado por uma Prefeitura,
um Estado ou pela União).
A seguir apresentaremos uma sequência de como deve ser estruturado um levantamento
epidemiológico em saúde bucal, o qual deve ser a base para a construção do projeto.

Composição da equipe
A equipe que conduzirá a pesquisa deverá ser composta, preferencialmente, por pessoas com
algum conhecimento ou experiência na área de epidemiologia ou mesmo em pesquisa científica. De
qualquer maneira, nada impede que algumas equipes “comecem do zero”, a partir da literatura
disponível ou de alguma ajuda obtida junto a institutos de pesquisa ou universidades. É importante,
também, que a equipe não seja demasiado grande, o que em geral atrapalha na tomada de decisões,
mas também não seja muito pequena a ponto de comprometer a divisão de tarefas.

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Definição dos objetivos do levantamento
A definição precisa dos objetivos da pesquisa deve ser pactuada com os reais interessados
nos seus resultados. Levantamentos mais gerais, do tipo survey, os quais estão sendo realizados
pela primeira vez com uma clara função de compor uma linha-base para o estabelecimento de metas
para um planejamento global e que têm um município como base, são claramente distintos daqueles
realizados para fins de monitoramento e vigilância em saúde ou que sejam exigidos para atividades
de planejamento local em microáreas, por exemplo. Neste sentido, o estabelecimento dos objetivos
depende, fundamentalmente, do contexto da organização dos serviços, dos custos e,
principalmente, do seu grau de precisão32.
No primeiro caso, é importante que a pesquisa gere dados relevantes para que a instância
em questão (Município, Estado ou União) possa aproveitá-los em suas estratégias de planejamento
e avaliação das ações. É fundamental, também, que a prática de pesquisas epidemiológicas seja
algo regular dentro da organização dos serviços de saúde e não se constituam em atividades sazonais
em que seus resultados redundem na mera publicação do relatório final.
Com relação aos custos, como em toda atividade, principalmente aquelas realizadas pelo
setor público, os custos devem ser compatíveis com os respectivos benefícios. Assim, não há sentido
na realização de pesquisas demasiado complexas em municípios de pequeno porte e com parcos
recursos e, de outro lado, conduzir modelos excessivamente simplificados em localidades que
exigem modelagens mais complexas.
Em função dos pontos explicitados anteriormente, o fio condutor de qualquer levantamento,
e que norteia a construção dos objetivos, é o seu grau de precisão. Veremos adiante que este é um
fator primordial no estabelecimento do tamanho da amostra e das estratégias de alocação dos
elementos amostrais, contudo convém, desde já, ressaltar a importância da definição do para que
se quer realizar o levantamento. Por motivos óbvios, a abrangência e a amplitude dos objetivos é
razão direta da complexidade do delineamento. A Figura 1 a seguir tenta simular diversas situações
de pesquisa epidemiológica em que são combinados os objetivos, porte do município (ou região),
tipos de estudo, existência de dados anteriores e precisão possível.

Objetivo Porte Tipo de Estudo Dados Precisão


Anteriores Possível

Diagnóstico da situação Censo


epidemiológica para Até 10 mil Inexistentes ou
Grupo etário prioritário: Baixa
pouco confiáveis
1 estudos de linha-base ou habitantes escolares
como subsídio para
implementação de políticas
abrangentes Levantamento amostral,
sem estratificações
Grupos etários
prioritários: escolares e
adolescentes

Diagnóstico preliminar
visando compor um plano Levantamento amostral,
geral de metas, sem com pequeno número de
De 10 a 50 mil
2 preocupação com estratos Existentes e
habitantes
subsídios para Grupos etários confiáveis porém Média
planejamento em nível prioritários: escolares e não atualizados
local adolescentes, se
possível, adultos

Levantamento amostral,
Análise detalhada da com grande número de
situação, com vistas a estratos
Mais de 50 mil Grupos etários Existentes,
3 detectar diferenciais intra-
urbanos e contribuir para habitantes prioritário: todos os confiáveis e Alta
planejamento local grupos relevantes atualizados

FIGURA 1. Possibilidades de pesquisa epidemiológica em saúde bucal considerando distintos fatores.

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Embora seja possível enumerar uma gama maior de objetivos em levantamentos
epidemiológicos, em sua maioria eles podem ser resumidos nas três situações elencadas na Figura.
A partir do estabelecimento de cada um destes objetivos gerais, é preciso definir o tamanho da
população de referência, no caso deste exemplo, o porte do município em termos de número de
habitantes. Dessa primeira combinação é possível traçar alguns modelos de estudo, contudo, ainda
é necessário refletir sobre a existência ou não de dados anteriores, o que confere maior
fidedignidade à amostra, gerando, portanto, distintos níveis de precisão.
A partir deste cenário, podem ser imaginadas diversas situações, que estão representadas
pelos diferentes tipos de linhas de conexão. Tomando como primeiro exemplo a linha pontilhada, o
objetivo 1 é bastante generalizado, próprio para situações em que se deseja uma primeira
aproximação da situação epidemiológica. Este objetivo é mais comum em municípios de pequeno e
médio porte (até 50 mil habitantes) e, no caso de municípios com até 10 mil habitantes, o estudo
mais indicado é o que trabalha com poucos grupos etários (pelo menos 12 anos) e com a técnica do
censo para alocação dos elementos amostrais. O censo se justifica pelo fato de não ser necessária
uma base amostral em função do pequeno número de indivíduos nestes municípios. Segundo dados
do IBGE (estimativa para 2004), o número médio de crianças de 12 anos em municípios com 5 mil
habitantes fica em torno de 72, com um máximo chegando a 150 e com pequenas variações entre
as regiões do País. Para os municípios até 10 mil habitantes, essa média é de pouco mais de 160
indivíduos. A dificuldade de realizar um sorteio e, consequentemente alocar um número menor de
crianças na amostra não é compensatório e, nestes casos, a melhor opção é examinar todas as
crianças de 12 anos escolarizadas. A existência de dados anteriores confiáveis nestes municípios é
muito rara e, considerando que, no mais das vezes, há uma baixa taxa de escolaridade, a precisão,
neste exemplo, é considerada baixa.
No caso ilustrado pela linha tracejada, o mesmo objetivo pode ser aplicado a um município
de maior porte (entre 10 e 50 mil habitantes), contudo, neste caso, não é mais possível se trabalhar
com um censo, pois o número de elementos da população já é bem maior. A média de crianças de
12 anos é em torno de 500 podendo chegar a 1.400 de modo que, nestes casos, recomenda-se
trabalhar com um estudo de base amostral, podendo ampliar um pouco a abrangência em termos
de grupos etários. Caso não existam dados anteriores, a precisão continua baixa, porém caso exista,
mesmo que não atualizados, uma precisão média é possível.
O objetivo 3 é possível somente em municípios de médio e grande porte. No primeiro caso,
representado pela linha traço-ponto, mantém-se a lógica de um estudo de base amostral porém
com a possibilidade de ampliação dos grupos amostrais com a inclusão dos adultos e já com a
inclusão também de alguns estratos, como regiões da cidade (urbano/rural, centro/periferia etc.)
ou mesmo tipos de escola (pública/privada).
No caso de municípios com mais de 50 mil habitantes, representado pelo exemplo da linha
contínua, o levantamento amostral deve, preferencialmente, ser feito com um número maior de
estratos (distritos sanitários, bairros ou regiões administrativas por exemplo) e com a máxima
ampliação possível dos grupos etários, incluindo exames de base domiciliar. Considerando a
existência de dados confiáveis e atualizados, levantamentos como este podem apresentar alta
precisão.

Para discutir em grupo:


Escolha dois municípios de diferentes portes populacionais, de preferência
municípios os quais os membros do grupo conhecem (nasceram lá, têm família
residindo etc.). Em seguida tente aplicar o fluxograma da Figura 1 e decida sobre
qual tipo de levantamento epidemiológico deve ser feito nestes municípios.

Decisão sobre os problemas a serem pesquisados


O nível de saúde bucal de uma população pode ser avaliado a partir de diversos índices, a
maioria já consagrados na literatura e utilizados em larga escala no mundo inteiro. Usualmente,
tais índices dão conta de avaliar as principais doenças que acometem a cavidade bucal como a
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cárie, as periodontopatias, a fluorose e as oclusopatias. Mais recentemente, alguns índices que
trabalham numa perspectiva mais qualitativa, tentando captar as percepções e o modo como as
doenças afetam a vida das pessoas têm sido incorporados.
Um aspecto importante, contudo, é que a decisão sobre quais índices utilizar deve ser tomada
levando em conta a capacidade operativa da equipe e, evidentemente, os objetivos da pesquisa.
Em geral, considerando a maior prevalência e severidade da cárie dentária, esta se constitui em
uma doença de avaliação imprescindível em qualquer levantamento. Em ordem de importância,
embora isto seja bastante relativo, tendo em conta a realidade brasileira, podemos colocar em
seguida a doença periodontal, as oclusopatias e, por fim, a fluorose. Evidentemente em cada
localidade a realidade específica deverá pautar esta decisão.

Grupos etários e idades-índice e locais para a coleta de dados

Idades-índice e/ou grupos etários

A idade é uma variável que tem forte relação com a distribuição das doenças bucais. Desse
modo, a divisão da amostra em determinadas idades-índice ou grupos etários é um procedimento
padrão em qualquer levantamento epidemiológico. A OMS tem recomendado, já há vários anos, que
determinados grupos etários sejam pesquisados, no intuito de dar conta de todo o ciclo da vida
humana. As idades-índices e grupos etários são: 5 anos, para verificação das condições da dentição
decídua, 12 anos, que é representativa da infância, 15 a 19 (ou somente 15 e 18), que representam
a fase da adolescência, 35 a 44 anos, para a idade adulta e 65 a 74 anos que representam a terceira
idade34,35,36.

Locais de coleta

Os locais de coleta devem ser escolhidos em função da idade. Em geral, a grande maioria dos
levantamentos epidemiológicos tem como base a escola, para o caso de exames em crianças e
adolescentes. Adultos devem, prioritariamente, serem examinados no domicílio, contudo é
importante que qualquer local de coleta a ser utilizado preserve a base probabilística da pesquisa.
Em linhas gerais, isso quer dizer que o local de coleta não deve introduzir nenhum viés ao estudo,
como por exemplo, escolher determinados locais em que não seja possível encontrar a população
devidamente representada.

Plano Amostral

O delineamento de um estudo de base amostral é composto, fundamentalmente, de três


grandes aspectos:
 o estabelecimento do tamanho da amostra (número de indivíduos a serem examinados);
 a forma de alocação dos elementos amostrais, ou seja, o modo como os indivíduos serão
“retirados” da população para compor a amostra e
 as estratégias de composição dos diversos estratos, para o caso de levantamentos em
municípios de grande porte, estados ou países.

Tamanho da amostra

Princípios gerais para determinação do tamanho das amostras

Definir o tamanho da amostra em um estudo epidemiológico é sempre uma decisão difícil,


tanto pelos aspectos técnicos quanto pelo fato de ser este o principal fator que modula a equação
“fidedignidade x factibilidade”. Ou seja, amostras maiores geram maior confiabilidade, mas, por
outro lado, aumentam os custos de uma pesquisa.
A rigor não existem “amostras pequenas” e “amostras grandes”, mas sim amostras adequadas
ou não. Dependendo do estudo, 50 indivíduos pode ser um bom número e, em outro, 1.200 indivíduos
podem não ser suficientes. Em alguns casos, aumentar demais o tamanho da amostra acarreta um
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aumento nas dificuldades operacionais da pesquisa que não apresenta equivalência em termos de
ganhos de representatividade.

Como estabelecer o tamanho de uma amostra?

Existem diversas maneiras de se encontrar o tamanho ideal de uma amostra em estudos


seccionais, contudo todas as fórmulas trabalham a partir de dois grandes parâmetros que são a
variabilidade do evento na população e a margem de erro assumida pelo pesquisador.
Por exemplo, uma determinada doença a ser pesquisada possui uma provável prevalência de
30% e deseja-se calcular uma amostra que tenha a capacidade de estimar a real prevalência na
população com uma margem de erro de 10%. Admitamos que o valor encontrado na pesquisa tenha
sido de 30% também. Neste caso, podemos supor que existe uma maior probabilidade de que o real
valor desta prevalência esteja, de fato, situado num intervalo de 10% acima ou abaixo deste valor,
ou seja, entre 27% e 33%. Cabe ao pesquisador decidir se este intervalo é razoável para os seus
propósitos. O mesmo raciocínio vale quando está se trabalhando com médias, em vez de proporções,
como é o caso do CPO. Uma margem de erro de 10% para um CPO encontrado de 4,0 indica que o
valor real possui uma grande probabilidade de estar situado entre 3,6 e 4,4.
Assim, o cálculo para a obtenção do tamanho da amostra, para estudos de saúde bucal pode
ser estabelecida a partir das duas equações ilustradas a seguir12,13,17,24:

z2 s2 z 2  1  P 
n (1) n (2)
x   2 2 P
Onde:
n= tamanho da amostra
z= valor limite da área de rejeição considerando um determinado nível de significância;
geralmente utiliza-se o valor 1,96, correspondente a 95% de confiança. Este valor
indica, grosso modo, que existem 95% de chances de que o valor encontrado esteja
situado dentro da margem de erro.
s2 = desvio-padrão da variável ao quadrado, ou seja, a variância
x = média da variável
P= prevalência estimada da doença (expressa em proporção de 0,0 a 1,0)
= margem de erro aceitável; em geral, usa-se 10% (0,10)

A equação 1 é utilizada quando a variável em estudo é de caráter quantitativo, ou seja, é


analisada a partir de médias e seus respectivos desvios-padrão. Em saúde bucal o CPO é o melhor
exemplo. Altura, peso, pH, temperatura e taxa de glicose no sangue são outros exemplos conhecidos
na área de saúde. A equação 2 é utilizada quando a variável é medida pela sua freqüência, a qual
representa a maioria das medidas de prevalência. As doenças classificadas de maneira dicotômica
(doentes/não-doentes) são exemplos comuns.
Em linhas gerais, portanto, doenças de baixa frequência (medidas por variáveis categóricas)
ou com grande variabilidade (medidas por variáveis quantitativas) exigem amostras grandes e, caso
queiramos trabalhar com números menores, teremos que aumentar nossa margem de erro,
sacrificando a representatividade do estudo.
Essa situação é facilmente demonstrável quando imaginamos uma doença como a hanseníase,
por exemplo, que apresenta uma prevalência em torno de 1%. Se utilizássemos uma amostra de 100
indivíduos, seria esperado encontrar apenas um indivíduo doente, talvez nenhum. Examinando
1.000 indivíduos teríamos a possibilidade de encontrar até 10 doentes. No caso das doenças bucais,
salvo as neoplasias e a fluorose, boa parte delas apresentam alta prevalência, dependendo da idade
pesquisada e, em geral os tamanhos amostrais são mais razoáveis32.
Entretanto, uma pergunta óbvia e bastante comum é “qual dado utilizar como estimativa, se
ainda não realizei o levantamento?”. Nestes casos, a melhor situação é quando temos um dado
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anterior disponível, de alguma outra pesquisa de mesmas características realizada algum tempo
antes. Caso isso não seja possível, o que é muito comum no caso da área de saúde bucal, podem
ser utilizadas estimativas encontradas em trabalhos anteriores sobre a mesma característica ou em
informações existentes para populações que possam ser consideradas semelhantes à população de
referência do estudo, entre outros recursos. Uma opção interessante é realizar um estudo-piloto,
em que uma amostra de tamanho menor é utilizada para estimar a prevalência, para, em seguida,
ser calculado o tamanho ideal da amostra.

Para discutir em grupo:


Considere que vocês irão realizar um levantamento e não dispõem de dados
anteriores para o cálculo da amostra e usarão, portanto, como referência, os
dados do interior da região Nordeste do SBBrasil 2010. De acordo com o relatório
do SBBrasil, a prevalência de crianças de 5 anos livres de cárie (ceo=0) é de 31%.
Calcule o tamanho da amostra para este grupo etário, considerando uma margem
de erro de 10%. Discutam se este tamanho é mesmo factível ou será preciso alterar
a margem de erro.

Formas de alocação dos elementos na amostra

Conforme já discutimos anteriormente, uma condição fundamental para a representatividade


de um estudo amostral é a sua base probabilística, ou seja, deve-se seguir o princípio de que “todos
os elementos de uma população devem ter chances conhecidas e diferentes de zero de participarem
da amostra” (Silva, 1998). Em outras palavras, isso significa que cada habitante de um município
que pertença à faixa etária de interesse deve ter alguma chance de ser sorteado para a amostra.
Devem ser evitados, portanto, modelos de alocação de indivíduos a partir de determinados
locais como centros de saúde, associações, conselhos comunitários ou outras formas de organização
da sociedade. Técnicas como esta introduzem o viés da não aleatoriedade, ou seja, compõem
amostras “viciadas” na medida em que apenas os indivíduos que participam destes grupos têm
chance de pertencer à amostra.

Alocação dos indivíduos tendo como base escolas e creches

Para as idades de 5 e de 12 anos, em alguns casos pode ser mais prático realizar os exames
em escolas e creches, considerando que, em boa parte dos casos, este é o local mais adequado para
encontrar indivíduos nestas idades.
O primeiro passo é sortear 30 escolas de ensino fundamental, públicas e privadas, para o
levantamento das crianças de 12 anos e 20 creches e/ou pré-escolas para o exame de crianças de 5
anos. Nos municípios que apresentam menos de 30 escolas, todas funcionam como pontos de
amostragem, sem necessidade de sorteio.
Realizado o sorteio das escolas, deve ser sorteado o número de alunos requerido, a partir da
lista de todos os alunos das 30 escolas sorteadas. A sequência, para crianças de 12 anos, também
adaptada da técnica descrita para o Projeto SBBrasil, é a seguinte17:
 Composição de uma lista única, de todas as 30 escolas sorteadas, dos alunos de 12 anos.
 Numeração sequencial de todos os alunos.
 Sorteio, a partir desta lista, do número amostral requerido por intermédio da técnica de
amostragem casual sistemática.
O princípio da alocação sistemática, bem descrito em boa parte dos livros de bioestatística,
considera que os indivíduos devem ser retirados a partir de intervalos que são obtidos pela divisão
da população pela amostra3.
Tomando o exemplo de uma cidade fictícia, vamos admitir que o total de alunos das 30
escolas sorteadas seja igual a 6.200. Uma vez que a amostra requerida para 12 anos é de 225
indivíduos, isso significa que deverá ser retirada uma criança a cada 27,5 (6.200/225). Deve-se,
portanto, sortear um início aleatório (um número entre 1 e 27) e, ao serem somados o intervalo de
amostragem a este número, encontram-se todos os números sorteados. Continuando com o
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exemplo, admitindo que o início aleatório foi 12, este e os números seguintes, 39 (12+27), 66
(39+27), 93 (66+27), até completar os 225 indivíduos, comporão a amostra.
O procedimento é o mesmo para as crianças de 5 anos.

Treinamento e preparação das equipes


Toda pesquisa que envolva um número razoável de examinadores deve incluir um
treinamento bastante apurado da equipe, no sentido de estabelecer padrões comuns para a coleta
de dados, seja ela uma entrevista ou a aplicação de algum índice.
No caso das pesquisas em saúde bucal, considerando a característica dos índices mais
comumente utilizados, é de fundamental importância a aplicação de técnicas de calibração de
examinadores. Trata-se, em linhas gerais, de estabelecer a consistência nos exames do começo até
o fim da pesquisa, com cada examinador mantendo níveis aceitáveis de concordância consigo
mesmo (concordância intra-examinador) e com os outros membros da equipe (concordância inter-
examinador).
Técnicas para o estabelecimento de ambos os tipos de concordância estão bem
documentados na literatura5,17,24,33 e todas trabalham a partir do cálculo das concordâncias entre os
exames (intra e inter) em termos percentuais ou por intermédio do coeficiente Kappa. Uma ótima
descrição da técnica se encontra disponível na documentação do Projeto SBBrasil 2010, “Manual de
treinamento calibração de examinadores”, a qual teve como base a proposta da Organização
Mundial da Saúde de 199333.

Apuração e análise
Toda pesquisa pressupõe, em seguida à coleta de dados, a apuração e análise dos mesmos.
Um aspecto importante é que todas as fichas, antes de serem enviadas para a digitação em qualquer
programa de computador, devem passar por uma checagem rigorosa, para verificação de
inconsistências e erros de preenchimento. O cuidado com a construção do banco de dados deve
continuar em seguida, na fase de digitação, quando técnicas para evitar erros de entrada (digitação
dupla ou tripla, p.ex.) devem ser implementadas.

Implicações éticas
Embora a maioria dos estudos epidemiológicos seja classificada na categoria de risco mínimo,
de acordo com a portaria 196/96 do Conselho Nacional de Saúde que regulamenta a pesquisa em
seres humanos, é fundamental que sejam explicitadas as posturas éticas a serem adotadas na
pesquisa. Deve ser ressaltado, principalmente: (a) a preservação do direito individual de querer ou
não colaborar com a pesquisa sem sofrer nenhum tipo de coerção ou constrangimento; (b) a
autorização por escrito da participação do indivíduo através do consentimento livre e esclarecido;
(c) a garantia de pronto-atendimento para os casos de urgência encontrados; (d) a garantia de que
serão preservados os direitos dos indivíduos submetidos a situações de vulnerabilidade (quartéis,
por exemplo)15.
Toda pesquisa que envolva seres humanos deve passar pelo crivo de uma Comissão de Ética
em Pesquisa (CEP). Somente após a aprovação da CEP o estudo poderá ser conduzido, incluindo o
estudo piloto.

Referências

1. Cleaton-Jones P, Hargreaves JA, Fatti LP, Chandler HD, Grossman ES Dental caries diagnosis calibration for clinical
field surveys. Caries Res 1989; 23: 195-9.
2. Lwanga SK, Lemeshow S. Sample size determination in health studies: a practical manual. Geneva: World Health
Organization. 1991. 80p.
3. World Health Organization Calibration of examiners for oral health epidemiological surveys. Geneva: ORH/EPID;
1993.
4. World Health Organization, Oral health surveys: basic methods. 4 ed. Geneva: ORH/EPID; 1997.

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