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Universidade Federal Fluminense

Instituto de Ciências Humanas e Filosofia


Departamento de História
Programa de Pós-Graduação em História

Relatório

Visão de Túndalo: Religiosidade e aspectos da vida cotidiana numa viagem


imaginária medieval (Século XV).

ORIENTADORA:

Prof. Drª Vânia Leite Fróes

BOLSISTA:

Solange Pereira Oliveira (CAPES/UFF)

Niterói
2016
Sumário

1- FICHA DE IDENTIFICAÇÃO........................................................ 1

2- PROBLEMÁTICA DA PESQUISA.................................................1

3-CRONOGRAMA GERAL DA PESQUISA......................................4

4- ATIVIDADES REALIZADAS NO SEMESTRE.............................4

4.1- Atividade de pesquisa.................................................................4

4.1.1-Levantamento e análise bibliográfica e de fontes.......................5

4.1.2- Apresentação de trabalho em evento........................................6

5- EXIGÊNCIAS ESPECIAIS.............................................................7

5.1- Plano de Redação da Tese...........................................................7

5.1.1- Balanço Historiográfico Geral...................................................9

6- REFERÊNCIAS...........................................................................16

ANEXOS
1

1. Ficha de Identificação

Pós-graduanda: Solange Pereira Oliveira Matrícula: D008. 115. 036

Título do projeto: Visão de Túndalo: Religiosidade e aspectos da vida cotidiana numa


viagem imaginária medieval (século XV).

Orientadora: Prof.ª Dra. Vânia Leite Fróes.

Curso: História Medieval (Doutorado).

Linha de Pesquisa: Cultura e Sociedade.

Nível: Doutorado

Bolsa: CAPES/ 2015


2 – PROBLEMÁTICA DA PESQUISA.
A sociedade medieval Ocidental, guiada pela doutrina cristã divulgava uma série
de escritos que serviam como verdadeiros “manuais pedagógicos” de salvação como
meio de se alcançar a paz eterna. Os pregadores religiosos enfatizavam as noções de
pecado e penitência transmitindo uma moral religiosa nos relatos de visionários do
Além, exemplo de viagem imaginária, ensinando dessa maneira as normas de
comportamento do bom cristão aos fiéis.
Nota-se, então, que a utilização dos relatos de visões pela Igreja foi recorrente
num determinado espaço cronológico que pode ser delimitado entre os séculos XII e
XV, período em que ocorreram várias mutações na Europa Ocidental medieval. Buscar
relacionar o contexto social da apropriação dessas visões é de fundamental importância
para a problematização dos objetivos desta pesquisa.
A conjuntura que se observa na sociedade medieval do século XII ao XV está
relacionada às mudanças no campo econômico, social e político que imprimiram uma
nova dinâmica e novos valores sociais que alteraram significativamente a forma dos
medievos verem e interpretarem o mundo. Desse modo este estudo objetiva discutir os
relatos de visões como instrumento de ensinamento religioso relacionado aos modelos
de comportamento que elevam as almas à salvação ou a sofrimentos eternos no Além-
cristão. Ainda neste trabalho, buscamos relacionar a construção do mundo dos mortos
com a vida cotidiana dos medievos, pois verificamos que há uma preocupação dos
2

oratores em mostrar aos fiéis às ações em vida que trazem consequências benéficas ou
não às almas.
Portanto, a Visão de Túndalo, fonte central de estudo deste projeto, nos mostra o
imaginário da sociedade medieval sobre os espaços do Além onde são apresentados os
lugares destinados às almas e os caminhos que têm que percorrer na busca pela
salvação. Utilizamos duas versões portuguesas dessa fonte provenientes do Mosteiro de
Alcobaça, (hoje em grande parte guardadas na Torre do Tombo e na Biblioteca
Nacional). As versões são a do códice 244, traduzido por Frei Zacarias de Payopelle,
depositada na Biblioteca Nacional de Lisboa e a outra contida no códice 266, traduzido
por Frei Hilário de Lourinha, localizado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Ambos os tradutores são monges do mosteiro cisterciense do Real Mosteiro de
Alcobaça. Existem também duas versões que foram publicadas pela Revista Lusitana
pelos editores F.H Esteves Pereira (1895) (cód. 244) e Patrícia Villaverde Gonçalves
(1982-1983) (cód. 266), estas que utilizamos nesse trabalho.
A obra trata do cavaleiro Túndalo, personagem principal, nobre de boa linhagem
que vivia nas vaidades do mundo e não cuidava da sua alma, portanto tinha as
qualidades de um pecador, conforme o discurso cristão. Fica como se estivesse morto
por um espaço de três dias, enquanto seu espírito é conduzido por um ente celestial para
conhecer e vivenciar os tormentos do Inferno, Purgatório e as alegrias do Paraíso. (VT,
1895). Ao passar por essas experiências no Além o cavaleiro volta ao seu corpo
regenerado e torna-se um modelo de bom cristão, de acordo com os preceitos da Igreja.
Como Túndalo era pecador, o Inferno é o primeiro espaço que ele vai percorrer na
companhia do ente celestial que lhe mostrará os elementos que compõem esse mundo
das trevas destinadas às almas pecadoras. Na obra esse espaço é constituído de vários
lugares sugeridos pelos números de castigos infligidos às almas. Cada espaço se destina
a uma categoria de punição que está relacionado com os tipos de pecados cometidos
pelas almas (ladrões, fornicadores, assassinos, luxuriosos e outros), classificando assim,
as penas do Inferno segundo as categorias de pecados e pecadores, evidenciando as
divisões desse lugar em hierarquias.
Para além das informações dos cenários infernais, o manuscrito não deixa de
mencionar as ações dos diabos sobre as almas pecadoras. Esses seres aparecem dotados
de vários tipos de instrumentos (martelos, grelhas de ferro, foles, cutelos, gadanhos e
outros) com os quais aplicam as punições às almas que morreram em pecado. (VT,
1895). A identificação no manuscrito desses objetos que visam castigar e torturar as
3

almas pecadoras são instrumentos palpáveis do mundo terreno que são transferidos para
o mundo transcendental. Observamos que fazem parte do cotidiano medieval e ao serem
transpostos para o Além ganham uma utilidade diferente nas mãos dos seres malignos.
O uso desses elementos faz parte da cultura material dos medievos e sua apropriação
nos relatos de viagens imaginária visa aproximar o mundo dos mortos do mundo
terreno, de forma a suscitar um desejo dos fiéis na sua salvação.
Quanto ao espaço do Purgatório na Visão de Túndalo, não se pode visualizar
claramente esse lugar, pois se confunde com as descrições do Inferno causando
confusões quanto as suas delimitações por não precisar as suas delimitações espaciais.
Se os discursos sobre os cenários do Inferno e Purgatório visavam causar nos
ouvintes um exame de consciência para evitar os atos pecaminosos, o cenário do Paraíso
é construído no sentido de despertar o desejo pela salvação. E assim a Visão de Túndalo
nos mostra a ambientação do caminho que eleva as almas aos deleites eternos,
apresentando a descrição do lugar das almas consideradas justas por levaram uma vida
terrena baseada nos dogmas da Igreja e nos ensinamentos de Deus: o Paraíso celestial.
O espaço paradisíaco é composto por elementos que transmitem claridade, luz e
odores, representados pelos campos verdes, as flores que exalam cheiros agradáveis,
sons e cantos de louvores ao Senhor, mostrando os contrastes com os lugares reservados
as punições e glórias do mundo dos mortos. Nesse lugar as almas justas sentem a
tranquilidade de desfrutarem dos bens e das glórias proporcionados pelos elementos que
constituem a divisão do Paraíso em três muros: Muro de Prata, de Ouro e de Pedra
Preciosas que se destinavam a alocação de cada alma eleita conforme o seu grau de
pureza e as obras de caridade que realizaram para merecer as glórias celestes.
O Paraíso na Visão de Túndalo compõe-se, também, de vários objetos sagrados
entre os quais se destacam: coroas e livros com escritas de ouro, instrumentos musicais
(violas, alaúde, cítaras e outros), tendas e pedras preciosas que cumprem uma função
pedagógica de grande alcance para a orientação de comportamento que permitem a
ascensão das almas a um bom lugar no Além.
Assim, os elementos que constituem a paisagem dos três espaços do Além não são
tão diferentes das características que vemos nesse mundo, portanto não eram estranhos
ao cotidiano dos medievos. Compreendemos, então, que essas descrições do Inferno,
Purgatório e Paraíso faziam parte de uma lógica pedagógica em que os teólogos
tentavam mostrar a realidade desse Além por meio da ambientação desses espaços em
conformidade com o mundo real, dando sentido a essa construção.
4

Diante desse contexto algumas questões são pertinentes para a delimitação do


problema que se pretende abordar nessa pesquisa: a espacialização do Além medieval
no sistema de três lugares (Inferno, Purgatório e Paraíso) e as práticas religiosas
relacionadas ao cotidiano dos medievos na Visão de Túndalo. Estruturar a geografia do
Além é adentrar no imaginário da espacialização das almas no mundo dos mortos.

3- Cronograma Geral da Pesquisa.


Ano (semestres)
ATIVIDADES 1º 2º 1º 2º 1º 2º 1º 2º 1º
2015 2015 2016 2016 2017 2017 2018 2018 2019
Levantamento das x x x
fontes
Seminários do curso x x
Revisão no Projeto
de Pesquisa x
Levantamentos e
leituras x x x x x x x
bibliográficas
Redação e x x x x x
preparação do
material da
Qualificação
Exame de x
Qualificação e
integração das
críticas da Banca
Redação dos x x x
Capítulos Finais e
Preparação da Tese
Defesa da Tese x

4. ATIVIDADES REALIZADAS NO SEMESTRE.

4.1 Atividades de Pesquisas.

Neste semestre foram desenvolvidas atividades pertinentes para as discussões e


aprofundamento na análise dos estudos proposto na pesquisa com a continuação das
investigações sobre a fonte principal, Visão de Túndalo. Destacamos, também, os
encontros quinzenais realizados com a orientadora para as discussões dos dados para
5

elaboração do balanço historiográfico geral sobre a temática da pesquisa. Também


participamos, quinzenalmente, do Grupo de Pesquisa Viagem e Viajantes na Idade
Média que proporciona discussões de vários textos que contemplam a temática do nosso
trabalho.
Outra atividade programada nesse semestre refere-se às consultas que foram
feitas na Biblioteca Real Gabinete de Leitura no Rio de Janeiro de grande importância
para o acesso de várias bibliografias portuguesas que corroboram com os estudos na
pesquisa. Foram feitos fichamentos tanto de obras que tratam de forma geral da temática
da pesquisa e outros que abordam um estudo específico sobre a nossa documentação
principal.

4.1.1- Levantamento e análise bibliográfica e de fontes.


Ao longo do semestre temos continuado com o levantamento e a elaboração de
arquivos com os textos integrais, consultando diferentes Portais de Revistas Eletrônicas
que ampliam e atualizam nas análises da pesquisa.
Temos, portanto, feito os levantamentos e estudos em periódicos específicos que
tratam da Idade Média em Portugal e outros que abrangem de formal geral a cultura
medieval (Revista Medievalista online; Veritati-Repositório Institucional da
Universidade Católica Portuguesa; JSTOR). Estes disponibilizam artigos, livros,
dissertações e teses com as temáticas que contemplam o nosso estudo: as visões na
literatura medieval, estudos sobre o Mosteiro de Alcobaça, a espiritualidade portuguesa
no século XV, a ponte nas narrativas de Visões, os elementos que compõem o Além e
outros.1 Desse modo, os periódicos apresentam um conjunto de artigos científicos
variados com diversas temáticas de História Medieval e em outras áreas
interdisciplinares proveitosas para a discussão da pesquisa e estão disponíveis online
em: http://www2.fcsh.unl.pt/iem/medievalista/; http://repositorio.ucp.pt/;
https://www.jstor.org/.
Outras atividades realizadas foram a continuação das leituras de obras gerais e
específicas relativas à temática da pesquisa para a atualização das reflexões e discussões
sobre a fonte Visão de Túndalo. Foram, portanto, analisadas as seguintes obras: El outro
mundo en la literatura medieval de Howard Rollin Patch; A civilização feudal: Do ano
mil à colonização da América de Jérôme Baschet; Uma história do corpo na Idade

1
Alguns periódicos lidos e selecionados estão arrolados na referência bibliográfica.
6

Média de Jacques Le Goff e Nicolas Truong; Os vivos e os mortos na sociedade


medieval de Jean-Claude Schmitt; A Reforma na Idade Média no século XII de Brenda
Bolton; O imaginário Medieval de Jacques Le Goff.

4.1.2 – Apresentação de Trabalho em evento.


A pesquisa vem desenvolvendo-se positivamente, pois nesse semestre
participamos do VII Simpósio Nacional e VI Internacional de Estudos Celtas e
Germânicos - Guerra e Paz: Práticas Bélicas e Solução de Conflitos entre Celtas e
Germanos realizado na Universidade Federal do Maranhão no Centro de Ciências
Humanas- UFMA em São Luís-MA entre os dias 26 e 28 de outubro de 2016. A
participação nesse evento proporcionou relevantes reflexões sobre a temática de estudo
desse projeto e trocas de experiências com as exposições de pesquisadores sobre suas
produções em História medieval.
A comunicação foi intitulada A ponte como instrumento de julgamento das
almas no imaginário do Além medieval na Visão de Túndalo e foi apresentada no Eixo
Temático Reapropriações do Imaginário Medieval. Neste trabalho abordamos a temática
sobre a ponte no contexto das narrativas de viagens imaginárias ao Além Medieval,
utilizando como exemplo a versão portuguesa do manuscrito Visão de Túndalo (códice
244). Observamos que a ponte se caracteriza como um dos lugares onde as almas são
submetidas às diversas punições e provações no pós-morte. Discutimos, dessa forma,
esse elemento como um instrumento de julgamento no Além que condena as almas ao
Inferno ou às provas purgativas no Purgatório. Nesse estudo procuramos refletir
também sobre uma ampla tradição sobre a ponte no imaginário do mundo dos mortos
que foram apropriados pelo cristianismo.
Ainda neste semestre foi publicado um capítulo no Livro A escrita e o Artefato
como Texto: Ensaio sobre a História e Cultura Material sob a Organização de
Alexandre Guida Navarro e João Costa Gouveia Neto pela Editora Paco Editorial, 2016
(ISBN 978-85-462-0400-7). O capítulo tem como título A evidência de um
simbolismo: os instrumentos de tortura infernal num manuscrito medieval. O texto
aborda o espaço do Inferno, centrando-se em específico para os tipos de objetos
utilizados pelos seres diabólicos para a tortura das almas pecadoras nesse lugar em duas
versões portuguesa dos códices do manuscrito (244 e 266) Visão de Túndalo.
Destacamos nesse texto algumas características infernais necessárias para essa temática
de importância fundamental para o processo de salvação intermediada pela Igreja
7

Medieval, pois naquele lugar se encontram as almas pecadoras que sofrem inúmeros
castigos em conformidade com suas faltas no plano terreno.
Para a realização das atividades dessa pesquisa, o auxílio da bolsa da CAPES
tem dado condições para o desenvolvimento desse estudo que vem alcançando
resultados satisfatórios pelas exposições, como já mencionamos, em eventos científicos
e produções textuais. Para o próximo semestre, daremos prosseguimento ao cronograma
proposto, e com isso, pretendemos avançar e consolidar a pesquisa. Outras atividades
previstas são a continuação de estudos bibliográficos e confecção da escrita dos
capítulos para a qualificação, produções de textos para publicação e apresentação dos
resultados da pesquisa em eventos científicos.

5. Exigências especiais.

5.1- Plano de Redação da Tese.

As fontes que serão trabalhadas em cada um dos capítulos é a Visão de Túndalo


e outras que já foram referenciadas no relatório anterior no estudo crítico das fontes.
Acrescentamos ainda outras fontes citadas nas próximas páginas no item sobre o
balanço historiográfico visando contemplar as nossas problemáticas, recortes temáticos,
temporais e espaciais. Expomos de forma breve para cada capítulo uma ementa
especificando as nossas análises.
CAPÍTULO 1: A BAIXA IDADE MÉDIA PORTUGUESA NO
CONTEXTO DE CIRCULAÇÃO DO MANUSCRITO VISÃO DE TÚNDALO.
1.1. Cultura e vivências religiosas no Portugal do medievo nos séculos XIV e
XV
1.1.2. Ordens religiosas e suas atuações no processo de evangelização cristã.
1.3.1. O Mosteiro de Alcobaça e a tradução da Visão de Túndalo.
Neste capítulo, iniciamos com a contextualização geral sobre Portugal no
medievo nos séculos XIV e XV destacando os acontecimentos culturais e as atuações
das ordens religiosas no cotidiano dos fiéis. Em seguida destacamos a importância do
Mosteiro de Alcobaça como grande centro de tradução e produção de obras literárias
religiosas e intelectuais de onde foi traduzido a nossa fonte de estudo.

CAPÍTULO 2: VIAGEM IMAGINÁRIAS AO ALÉM CRISTÃO.


2.1. As características das viagens visionárias ao Além.
2.2.1. Como se dá o acesso ao Mundo do Além?
2.2.2. Como se dá a partida dos viajantes ao mundo dos mortos.
2.2.3. Quem são os viajantes visionários do Além?
8

Neste capítulo abordaremos as principais características das viagens visionárias


ao Além e discutiremos as formas de acesso a esse lugar ao mundo dos mortos no
imaginário medieval seguidos da identificação das categorias de viajantes visionários.

CAPÍTULO 3: A VISÃO DE TÚNDALO COMO INSTRUMENTO DE


PEDAGOGIA MORAL CRISTÃ.
3.1. Narrativa exemplar para a prática de meditação e devoção religiosa.
3.1.1. A didática moral sobre os vícios e pecados.
3.1.2. As virtudes como caminho para a salvação da alma.
Neste capítulo analisaremos os elementos didáticos da Visão de Túndalo que
enumera vários modelos de conduta comportamental associadas às virtudes, pecados e
vícios como exemplaridades para meditação e devoção religiosa.

CAPÍTULO 4: A ESTRUTURA DO ALÉM NA VISÃO DE TÚNDALO.


4.1. O sistema ternário dos lugares das almas.
4.1.2. O Inferno.
4.1.3. O Purgatório.
4.1.4. O Paraíso.
5.0. As figuras do Além.
5.1.1. O cavaleiro, o viajante pecador.
5.1.2. O anjo: protetor, condutor e mensageiro.
5.1.3 Os demônios e Lúcifer.
5.1.4. As categorias das almas: condenadas, à espera da salvação e eleitas.
Neste capítulo analisaremos a estrutura do Além com suas divisões ternárias,
Inferno, Purgatório e Paraíso, considerando a sua construção no imaginário cristão. E
destacaremos quais são as figuras do Além levando em conta as suas características e as
funções que desempenham no mundo dos mortos, essenciais para o mecanismo de
pedagogia espiritual empreendida pela pastoral cristã.

CAPÍTULO 5: OS ELEMENTOS DO COTIDIANO MEDIEVAL NA


CONFIGURAÇÃO DO ALÉM NA VISÃO DE TÚNDALO.
5.1. Localizações físicas e simbólicas na configuração do mundo dos mortos.
5.1.1. Os lugares de castigos das almas condenadas.
5.1.2. Os lugares de purgações.
5.1.3. Os recintos das glórias e beatitude celeste.
5.2. A simbólica cristã dos materiais de torturas e de recompensas no Além.
5.2.1. Os instrumentos de práticas penais dos demônios.
5.2.2. Os objetos simbólicos de recompensas espirituais.

Neste capítulo analisaremos as implicações da presença de elementos físicos


naturais e os materiais do cotidiano dos medievos que são transpostos para o Além e
atuam como símbolo de agonia das almas pecadoras e recompensas das almas eleitas.
9

5.1.1. Balanço Historiográfico Geral.


Como a nossa pesquisa centra-se na análise de uma narrativa de Visão do Além
cristão, exemplo de viagem imaginária medieval ao mundo dos mortos, torna-se
fundamental o diálogo com os trabalhos que tratam dessa temática e que norteiam as
nossas reflexões nesse estudo.
Nesse sentido, para uma melhor compreensão do uso do termo imaginário que se
apresenta de forma polissêmica e perpassa por diversos campos de significados
destacamos o autor Jacques Le Goff de fundamental importância para a discussão desse
vocábulo na história medieval. Para esse autor é necessário atentarmos para o conceito
de imaginário que possui aproximações com outros termos vizinhos como o da
representação, o simbólico e o ideológico sem negligenciar o fato daquele se utilizar
destas para exprimir-se.2 Outro autor que também nos auxilia no esclarecimento sobre o
conceito de imaginário em nossa pesquisa é Jean-Claude Schmitt que “entende como
uma realidade coletiva que consiste em narrativas místicas, em ficções, em imagens,
partilhadas pelos atores sociais destacando que toda sociedade ou grupo produz um
imaginário, sonhos coletivos, garantidores de sua identidade”.3Ainda, nessa discussão
sobre o imaginário Jacques Le Goff trata em específico das narrativas de Viagens ao
Além destacando as heranças desses relatos em outras religiões e civilizações que foram
apropriados e cristianizados na Idade Média. Esse autor cita, então, uma tradição antiga
do Egito que descreve um julgamento de um herói pelo rei dos Infernos, as narrativas de
viagens ao Além do Apocalipse judaico-cristão e de certas narrativas bárbaras (celtas e
irlandesas) de viagens ao outro mundo. Ainda nesse estudo, Informa que os monges ou
leigos são os principais viajantes do Além que na companhia de um guia (santo ou um
anjo) testemunham os receptáculos das almas divididos em lugares do Inferno,
Purgatório e Paraíso.4 Tais questões são importantes para pensarmos na topografia dos
lugares que constituem o Além na Visão de Túndalo, pois esta descreve vários
elementos que estão situados em uma ampla tradição do imaginário do mundo dos
mortos já referenciados em outras religiões que influenciaram na construção dos
receptáculos das almas cristãs pecadoras. Da mesma maneira, pensar nos sujeitos dessa
experiência no Além contribui para as nossas reflexões sobre as implicações dos

2
LE GOFF, Jacques. O imaginário Medieval. Lisboa: Editorial Estampa, 1994.
3
SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual na Idade média. São
Paulo: Edusc, 2007, p.351.
4
LE GOFF, Jacques. O imaginário Medieval. Ibid., p.132-133.
10

protagonistas nos relatos pertenceram ao meio monástico e posteriormente admitir a


participação dos laicos como personagem de tal experiência no mundo dos mortos.
Jean-Claude Schmitt também fornece elementos importantes na abordagem
sobre as viagens ao Além. Pensando nos objetivos dessas viagens Schmitt entende que
esta não estava restrita a dar conta apenas da sorte das almas no Além e sim num
sentido mais amplo de revelar aos vivos a geografia dos lugares do além-túmulo.5 Essa
questão corrobora nas discussões sobre a retórica de persuasão sobre as descrições dos
lugares topográficos que formam o Inferno, Purgatório e Paraíso.
Para pensarmos na noção de espaço na Idade Média e assim refletir sobre a
espacialização das almas no Além citamos os estudos de Paul Zumthor6 que analisa o
que é o “espaço” medieval destacando que no século XII este é revestido de sentido
simbólico interiorizado no mundo interior do homem.
Os testemunhos dos viajantes nas narrativas do Além se davam principalmente
sobre a forma de visão ou visio expressão latina que abrange uma multiplicidade de
sentidos nos diversos corpus textuais na Idade Média. Nesse sentido citamos o
historiador Peter Dinzelbacher especialista nas análises documentais sobre as Visões na
Idade Média que detalha as especificidades entre as visões e aparições explicando que
enquanto nestas é o personagem divino ou diabólico que se introduzem no espaço em
que se encontra o vidente que fica consciente de si naquele há um deslocamento estático
da alma.7 Da mesma maneira, Ruggiero Romano também contribui para o
esclarecimento das distinções entre as visões e aparições. Para ele em termos da tradição
católica, proposta a partir de Tomás de Aquino, a “visão” é um fenômeno que está
ligado à experiência interior do indivíduo dotado de aptidões místicos-estático,
enquanto as das “aparições” é uma experiência exterior e extemporaneamente em
regime ordinário de vigília, independente de condições místico-extáticas.8
Outro autor que também se preocupou com a distinção semântica das visões e
aparições incluindo também a modalidade do sonho foi Michel Aubrun. Este sublinha
que geralmente para estabelecer a diferença ou categorizar esses textos recorre-se aos

5
SCHMITT, Jean-Claude. Os Vivos e os Mortos na Sociedade Medieval São Paulo: Companhia da
Letras, 1999.
6
ZUMTHOR, Paul. La medida del mundo: representación del espacio en la Edad Media. Madri:
Ediciones Cátedra, 1994.
7
DINZELBACHER, Peter. La littérature des Révélation au Moyen âge. In: Um document historique.
Revue Historique, T. 275, Fasc. 2 (558), Published by: Presses Universitaires de France, p.294.
Disponível em: http://www.jstor.org/stable/40954369. Acesso: 09/07/2016.
8
ROMANO, Ruggiero (dir.). Religião-Rito. Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da
Moeda, 1994, p. 275.
11

estados dos personagens, isto é, caracteriza-se como um sonho se dorme, uma aparição
se estão acordados, visão se a alma se separa do corpo para visitar algum lugar no outro
mundo. Diante desse critério de classificação Aubrun não deixa de salientar que aquelas
características dos personagens apresentados nessas narrativas nem sempre são
claramente definidas sendo mais importante pensar no que eles acreditavam ver ou ter
visto e como isso operava na consciência dos medievos. 9
Por sua vez, Jean Claude Schmitt10 utiliza um exemplo de fonte visionária para
explicar as modalidades e ambiguidades do termo visio que se opõem as diversas
maneiras de “ver” no campo antropológico da visão:

[...] elas concernem seja a origem da visão (distinguindo a origem


humana, divina ou diabólica), seja seu objeto (opondo o corporal ao
espiritual), seja a autenticidade (pela dicotomia verdade/falsidade),
seja ainda a disposição do visionário, que se trate de seu estado de
consciência (em vigília ou dormindo, ou entre a vigília e o sono) da
relação entre a alma e o corpo (interior e exterior) ou ainda de suas
disposições morais (pecado/ virtude). 11

O emprego do termo Visão nas narrativas sobre o Além também foi objeto de
discussão de Matias Cavagna. Conforme esse autor, devemos distinguir ao menos de
três categorias: as visões místicas, os sonhos e as visões extáticas. Aponta que nas duas
primeiras a visão é um ato puramente pacífico e contemplativo, no último ele implica
um processo bastante concreto e dinâmico: a do êxtase, quer dizer, da separação da alma
do corpo.12 Mencionamos as contribuições de Pierre Adnés13 que pontua que falar de
visões é falar de um fato universal que se encontra em todas as culturas e em todas as
religiões. Para esse autor a visão na linguagem religiosa expressa a manifestação
sensível ou mental da realidade invisível e inacessível ao homem nas circunstâncias
dadas. Todas as discussões levantadas por esses autores sobre as visões nos fornecem
subsídios para esclarecer o que se entende por esta nos textos medievais e
9
Aubrun Michel. Caractères et portée religieuse et sociale des "Visiones" en Occident du VIe au XIe
siècle. In: Cahiers de civilisation médiévale. 23e année (n°90), Avril-juin 1980.p.109-130. Disponível em:
http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/ccmed_0007-9731_1980_num_23_90_2137.
Acesso em: 28/09/2016.
10
SCHMITT, Jean-Claude. SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual
na Idade média. São Paulo: Edusc, 2007.
11
Idem, p.333.
12
CAVAGNA, Matias. Les Visions de lau-déla et l’image de la mort, La mort écrite. In: Rites et
rhétoriques du trépas au Moyen Âge, éd. Estelle Doudet, Paris, Presses universitaires de Paris-Sorbonne
(Cultures et civilisations médiévales, 30), 2005, p. 51-70.
13
Adnés, Pierre. “Visions”. Dictionnaire de Spiritualité. Vol. 16. Paris: Beauchesne, 1995. Colonnes, p.
949-1002. Disponível em: http://www.dictionnairedespiritualite.com/. Acesso em: 10/12/2016.
12

principalmente para atentarmos quanto a sua especificidade em relação às outras


abordagens narrativas, já citadas, que também tiveram sua importância na sociedade
medieval.
Quanto ao estudo sobre os lugares que compõem o Além (Inferno, Purgatório e
Paraíso) referenciamos as análises de Jérôme Baschet14 que apresenta uma discussão
dessas divisões no imaginário cristão atentando para os discursos morais que define o
acesso das almas a cada um daqueles ambientes. Essa questão é importante para as
nossas reflexões sobre a distribuição das almas nos lugares do Além que sem dúvidas
são alocadas em ambientes específicos no mundo dos mortos ligado às suas condutas
morais, enquanto ainda permanecia em seu corpo. Do mesmo autor há também os
artigos mais específicos que tratam das riquezas simbólicas das paisagens infernais onde
toma corpo todo um campo de expressão do imaginário negativo que suscita medo e
agonia.15
Jacques Le Goff em seu artigo sobre o Além apresenta os principais elementos
das visões do Paraíso e do Inferno observando a sua estrutura e principalmente os
contrastes das paisagens entre ambos os lugares. Desse modo, esse autor destaca que o
Paraíso é frequentemente circundado por altos muros de pedras preciosas com paisagens
associadas à paz e felicidades enquanto o Inferno é estruturado em diversos recintos
composta de montanhas escarpadas, de vales profundos, de rios e lagos fétidos, cheia de
16
metal em fusão. Em relação ao Purgatório Le Goff destaca os elementos físicos e
simbólicos como o vulcão, o fogo e a água que compõem esse lugar considerado
intermediário em vários aspectos, isto é, tanto em relação ao tempo terrestre e o tempo
escatológico quanto ao espacial, pois se localiza entre o Paraíso e o Inferno.17 Tais
discussões apresentadas nos permite analisar as características dos lugares onde
repousam as almas eleitas e onde sofrem os condenados nesse sistema dos três lugares
do Além.
Citamos outros trabalhos de referência que também explora a temática de relatos
de viagens aos lugares do Purgatório e Paraíso nos auxiliando nas análises sobre a

14
BASCHET, Jérôme. A lógica da salvação. In: A civilização feudal: Do ano mil à colonização da
América. Tradução Marcelo rede; prefácio Jacques Le Goff. São Paulo: Globo, 2006, p. 374-408.
15
Baschet, Jérôme. « Les justices de l'au-delà. Les représentations de l'enfer en France et en Italie (XIIe-
xve siècles) »», Les Cahiers du Centre de Recherches Historiques [En ligne], 5 | 1990, mis en ligne le 20
mars 2009. Disponível em: http://ccrh.revues.org/2886. Acesso em: 11/07/2015.
16
LE GOFF, Jacques. “Além”. In: Dicionário Temático do Ocidente Medieval. São Paulo:
EDUSC/Imprensa Oficial do Estado, vol. I, 2002, p.28-29.
17
LE GOFF, Jacques. O nascimento do Purgatório. Editorial Estampa, 1995.
13

configuração destes. Destacamos a obra de Michel Vovelle 18 que aborda as


representações do Purgatório em um período longo que vai desde o século XIII até a
época contemporânea analisando diversos elementos que constituem o lugar do
Purgatório sem negligenciar as suas mudanças ao longo do tempo. Mostra-se também
fundamental mencionarmos a obra O que sobrou do Paraíso?19 de Jean Delumeau que
faz uma análise sobre uma rica simbologia desse lugar destacando as características das
descrições nas diferentes moradas paradisíacas nos relatos de viagens ao Além. Esse
espaço tem grande importância para os ensinamentos morais dos pregadores na medida
em que revelam os diversos elementos que compõem a sua configuração como
recompensas das almas virtuosas que praticaram as boas condutas comportamentais e
por isso desfrutam dos deleites oferecidos nesse lugar.
Para a contextualização geral da temática do Além medieval em Portugal
contamos com os estudos das obras de autores português que apresentam trabalhos
fundamentais para as nossas reflexões sobre o imaginário do mundo dos mortos no
contexto politico, social e cultural na sociedade portuguesa.
20
José Mattoso em sua obra Poderes invisíveis: o imaginário medieval trata das
crenças dos seres sobrenaturais que habitam o Céu, o Inferno e outros lugares do Além
na mentalidade medieval portuguesa. Ainda nessa obra dedica um capítulo aos estudos
sobre o imaginário do além-túmulo nos exempla peninsulares da Idade Média que são
largamente aproveitados pelos pregadores para os ensinamentos morais. Não podemos
deixar de referenciar o importante trabalho de Maria Clara de Almeida Lucas 21 que
corrobora em nossas análises sobre a literatura de visão na Idade Média portuguesa
citando vários exemplos de fontes hispânicas medievais que tratam das visões do outro
mundo centrando-se, sobretudo, nas características do lugar do Paraíso.
A obra de José Mattoso em conjunto com Armindo de Sousa22 apresenta um
panorama geral sobre os estudos da literatura portuguesa que circularam entre os
séculos XIV e XV nos auxiliando nas reflexões sobre as principais temáticas tratadas
nesse período em que circulou a nossa documentação de investigação principal em

18
VOVELLE, Michel. As almas do Purgatório ou o trabalho de luto. São Paulo: Editora Unesp, 2010.
19
DELUMEAU, Jean. O que sobrou do Paraíso? São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
20
MATTOSO, José. Poderes invisíveis: O imaginário Medieval. Editora Temas e Debates – Círculo de
Leitores, 2013.
21
Lucas, M.C. de Almeida. A Literatura visionária na Idade Média Portuguesa. Biblioteca Breve, n° 105,
ICLP, Lisboa, 1986.
22
MATTOSO, José; SOUSA de, Armindo. História de Portugal: a monarquia feudal (1096-1480). V.II,
Editorial Estampa, 1997.
14

Portugal. Esses autores destacam as principais obras literárias no gênero da poesia


(religiosa e profana) e da prosa (novelísticas, histórica, moralista e técnica) que
estiveram em voga no período citado. Em relação a prosa novelística a temática gira em
torno dos romances de cavalaria com destaque para a obra A Demanda do Santo Graal,
designação específica em Portugal, que pertence ao ciclo arturiano e o célebre Amadis
de Gaula que influenciaram o imaginário cavalheiresco e místico português. Quanto a
prosa moralista e técnica os conteúdos centram-se na emissão de tratados morais e
didáticos sobre a vida cotidiana. Tratando dessa questão contamos com a colaboração
dos trabalhos de Oliveira Marques que analisa a cultura literária na corte portuguesa
como um ambiente de expressão cultural caracterizado pelo interesse régio pela
encomenda e traduções de livros com os mais diversos conteúdos como as obras de
cunho moralista ou de exaltação religiosa, crônicas e romances de cavalaria e obras
didáticas.23 Para esse autor as principais atividades intelectuais portuguesa estavam
ligadas às traduções de obras latinas para a língua vernácula portuguesa em que se vertia
desde livros de devoção e excertos da Bíblia como também obras de história, filosofia e
outros.24
Em se tratando ainda de traduções não podemos deixar de citar o artigo As
políticas culturais de tradução na corte portuguesa do século XV de Saúl António
Gomes25 de grande relevância para o aprofundamento sobre o exercício de tradução e da
política de valorização da língua vernácula portuguesa que se consolidou no reinado de
D.Diniz. O Mosteiro de Alcobaça é considerado como grande centro de exercício de
tradução e produção de obras literárias religiosas e intelectuais e também se destaca
como centro de intensa vida espiritual. Para os estudos sobre esse espaço referenciamos
o trabalho de António José Saraiva26 que faz um balanço pertinente sobre os principais
textos da Biblioteca de Alcobaça que são utilizados pelos clérigos, quer para o serviço
religioso, quer para leitura e meditação ou para a aprendizagem escolar. Conforme
explica, a maior parte dos códices nesse lugar são copiados em latim e alguns são cópias
de traduções portuguesas do século XIV e XV. Identificar os tipos de obras que são

23
OLIVEIRA MARQUES. A.H. A sociedade Medieval Portuguesa: Aspectos da vida quotidiana.
Livraria Sá de Sousa, Editora: Lisboa, 1971.
24
OLIVEIRA MARQUES. A.H. Portugal na crise dos séculos XIV e XV. Vol. IV. Editorial Presença,
Lisboa, 1996.
25
GOMES, Saul António. As politicas culturais de tradução na corte portuguesa do século XV. In: Cahier
d’études hispaniques médiévales. N°33, 2010, p. 173-181. Disponível em:
http://www.persee.fr/doc/cehm_1779-4684_2010_num_33_1_2239. Acesso em: 02/06/2016.
26
SARAIVA, António José. O crepúsculo da Idade Média em Portugal. Gradiva – Publicações Lda. , 3.ª
edição, 1993.
15

produzidas ou traduzidas nos scriptoria associados tanto à corte quanto a do Mosteiro


de Alcobaça é essencial para as nossas análises sobre o ambiente cultural e intelectual
na qual foi traduzida a narrativa Visão de Túndalo que pertence ao conjunto de códices
alcobacense.
Ainda seguindo a linha de investigação sobre o contexto de circulação da nossa
documentação principal destacamos os trabalhos fundamentais sobre a religiosidade
portuguesa. Para essa questão contamos com os dois volumes do livro sobre História
Religiosa de Portugal, 27 sob a direção de Carlos Moreira de Azevedo, que contém
diversos artigos reunidos que trazem uma síntese da vida religiosa portuguesa. Nesses
se destacam vários textos importantes relacionados às análises sobre o Mosteiro de
Alcobaça e as renovações das práticas espirituais nos séculos XIV e XV. Referenciamos
também as discussões sobre o sentimento religioso em voga na Baixa Idade Média
portuguesa para refletirmos sobre os temas de salvação das almas, temáticas piedosas,
edificantes e morais que estão presentes na versão do manuscrito Visão de Túndalo.
Contamos mais uma vez com a colaboração de José António Saraiva para analisarmos
essas questões. Desse modo, esse autor faz um panorama geral sobre a expansão e
interiorização do sentimento religioso que se manifesta de múltiplas formas na
sociedade portuguesa, isto é, tanto nas formas literárias e artísticas como em cultos
religiosos, que, sem serem novos, se tornam muito insistentes” no final do século XV.28
Para ampliarmos mais os horizontes sobre a dimensão religiosa no cotidiano
português retomamos aos trabalhos de Oliveira Marques que explica as renovações de
expressões religiosas que caracterizaram os séculos finais da Idade Média portuguesa.
Foi nesse período, conforme esse autor, que houve uma intensificação da devoção a
Nossa Senhora e do culto religioso centrado na figura de são Francisco. Este aponta
também toda uma conjuntura que propiciou um fervor religioso e as práticas devotas
dos portugueses os quais estão relacionadas com o medo e a angústia iminente da morte
gerada pelo surto da Peste Negra e outras muitas pestes que devastaram Portugal em
meados do século XV.29

27
AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.). História Religiosa de Portugal: Formação e Limites da Cristandade.
Vol. 1. Coord. De Ana Maria Jorge e Ana Maria Rodrigues. Lisboa: Circulo de Leitores, 2000;
AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.). . História Religiosa de Portugal: História Religiosa de Portugal:
Humanismo e Reformas, vol. 2. Coord. De Ana Maria Jorge e Ana Maria Rodrigues. Lisboa: Circulo de
Leitores, 2000.
28
SARAIVA, António José. O crepúsculo da Idade Média em Portugal. Gradiva – Publicações Lda, 3.ª
edição, 1993, p. 86.
29
OLIVEIRA MARQUES. A.H. Breve História de Portugal. Editorial Presença: Lisboa, 2009, p. 106.
16

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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18

ANEXOS

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