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A ANTROPOLOGIA E AS EXPERIÊNCIAS

dossiê
ESCOLARES INDÍGENAS

ANTHROPOLOGY AND INDIGENOUS


SCHOOL EXPERIENCES

Clarice Cohn*
José Valdir Jesus de Santana**

Introdução concepção de conhecimento próprio a cada


povo indígena e, consequentemente, o que
Nas últimas décadas do século passa- pode e deve ser ensinado no espaço esco-
do, momento em que a educação escolar lar. Nesse sentido, os discursos em torno
é acionada pelos povos indígenas, na re- da escola são os mais variados e partem de
lação com o Estado brasileiro, e em que distintos lugares e de diferentes áreas do
se normatizam e se instituem princípios e conhecimento, a exemplo da Pedagogia,
características do que deva ser a educação da História e da Antropologia que buscam
escolar em contexto indígena (nos seus analisar os impactos da instituição escolar
sentidos específico, diferenciado e intercul- em contextos indígenas.
tural), emergem questões que se colocam às Todavia, os impactos da “instituição esco-
escolas indígenas, que atravessam o campo lar em meio indígena” (GRUPIONI, 2013), em
do currículo, a formação de professor, as muitos dos casos, são tratados com descon-
políticas de financiamento da educação, a fiança ou quase sempre numa perspectiva ne-

*Doutora em Antropologia pela Universidade de São Paulo; professora Adjunta da UFSCAR (São Carlos/
SP/Brasil) e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social desta mesma Universidade. Coorde-
nadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Antropologia da Criança - LEPAC e do Observatório da
Educação Escolar Indígena da UFSCAR. clacohn@ufscar.br.
**Doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal de São Carlos; professor Adjunto da Univer-
sidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Vitória da Conquista/BA/Brasil) e do Programa de Pós-Graduação
em Relações Étnicas e Contemporaneidade da mesma Universidade. Coordena o projeto de pesquisa inti-
tulado “Os processos de Gestão da Educação Escolar entre os povos indígenas Pataxó, Pataxó Hã Hã Hãe
e Tupinambá: experiências em construção”. santanavaldao@yahoo.com.br.

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gativa (a escola é sempre um tipo de vilão que os povos indígenas, trazem consequências,
está para desorganizar os modos de produção tensões, desafios tanto para o Estado como
e transmissão de conhecimentos via tradição) para os coletivos indígenas. Refletir em
– preocupação muito mais dos antropólogos, que medida e de que forma tem se dado a
por exemplo, do que dos indígenas que recor- construção do diálogo intercultural parece
rem à educação escolar (o que não quer dizer ser extremamente produtivo e necessário
que os indígenas não estejam, nesse processo, porque nos leva a pensar sobre os modos
refletindo sobre os impactos e as transforma- e as formas como a escola tem sido pensa-
ções que escola imprime em cada situação ou da e incorporada em cada contexto, o que
contexto etnográfico). é valorizado como conhecimento escolar,
As conquistas legais obtidas pelos po- quais as tensões que envolvem a produ-
vos indígenas na luta pelo direito a uma ção desse conhecimento, como a cultura é
educação escolar diferenciada são muito tornada conhecimento e como é produzido
recentes (GRUPIONI, 2013; PALADINO; o currículo, quem define o que deve ser
ALMEIDA, 2012). A partir da Constituição ensinado e como deve ser ensinado. As re-
Federal de 1988, resultou um detalhamen- flexões apresentadas aqui são fruto da tese
to de leis que anunciam e encaminham de doutorado1 defendida no Programa de
possibilidades para uma escola indígena Pós-Graduação em Antropologia Social da
específica, diferenciada, intercultural e Universidade Federal de São Carlos.
bilíngue, reconhecendo o direito dos po-
vos indígenas manterem suas identidades 1. A escola indígena: princípios e normati-
étnicas, fazendo uso de suas línguas ma- zação da educação em vigor
ternas e processos próprios de aprendiza-
gem. Para além do que o Estado passou A questão da educação escolar entre
a denominar de “escola indígena”, busca- povos indígenas no Brasil tem uma longa
mos, neste artigo, apresentar distintos “ca- história, que remonta aos tempos colonias,
sos etnográficos” em que coletivos indí- a partir da ação catequética empreendida
genas acionam a escola a partir de inten- pelos jesuítas, fruto de uma relação firma-
cionalidades as mais diversas, informadas da entre a Igreja Católica e o Estado Por-
por suas epistemologias, regimes próprios tuguês. Nesse sentido, “desde sempre, a
de conhecimento e sociocosmologias que, alfabetização e a educação escolar tiveram
no limite, acabam, por diferentes meios, um papel importante nessas relações. Jesu-
domesticando a escola e produzindo en- ítas se esmeraram na catequese dos índios,
frentamentos e novas demandas para com preparando gramáticas da língua do “gen-
o Estado. Desta forma, os modos como os tio” e encerrando crianças em seminários”
indígenas se apropriam da escola produ- (COHN, 2005, p. 486). Ainda, conforme Sil-
zem aproximações e afastamentos em rela- va e Azevedo (1998, p. 149), “a submissão
ção às políticas que o Estado elabora para política das populações nativas, a invasão

1. Agradecemos as contribuições da banca examinadora da tese, composta pelas professoras Drª Susana
de Matos Viegas (Universidade de Lisboa); Drª Clarice Cohn (UFSCar); Drª Maria Antonella Imperatriz Tas-
sinari (UFSC); Drª Maria Rosário Gonçalves de Carvalho (UFBA) e ao professor Dr. Felipe Ferreira Vander
Velden (UFSCar). Ademais, agradecemos as contribuições dos pareceristas deste artigo.

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de suas áreas tradicionais, a pilhagem e a rio não funcionaram. Em 1798, uma Carta
destruição de suas riquezas, etc. têm sido, Régia extinguiu o dispositivo do Diretório,
desde o século XVI, o resultado de práti- salientando a necessidade de integração
cas que sempre souberam aliar métodos de dos indígenas, “para que os mesmos índios
controle político a algum tipo de atividade fiquem sem diferença dos outros meus vas-
escolar civilizatória”. Esse período corres- salos2”, o que significou o fim de qualquer
ponde aos dois primeiros séculos da colo- propósito elevado de um sistema educa-
nização, tendo início com a chegada dos cional, sendo suficientes os esforços para
jesuítas, em 1549, e termina com a expul- engajar os povos indígenas nos serviços de
são destes dos territórios portugueses e es- interesse dos colonizadores (D’ANGELIS,
panhóis, em 1759 e 1767, respectivamente 2012, p. 20 - 21).
(D’ANGELIS, 2012). No mesmo sentido, com a instauração
Em meados do século XVIII, o Diretório do Império,
Pombalino (1757) institui mudanças na po-
lítica do Estado português que reverberam Ficou tudo como antes: no Projeto Constitu-
no campo educacional, para a colônia, de cional de 1823, em seu título XIII, art. 254,
forma geral, e para a política educacional foi proposta a criação de “...estabelecimentos
destinada aos índios aldeados. Nisso, para a catechese e civilização dos índios...”.
Como a Constituição de 1824 foi omissa so-
A vila pombalina, por natureza e por propó- bre esse ponto, o Ato Adicional de 1824, art.
sito deliberado, era o instrumento e o espaço 11, parágrafo 5, procurou corrigir a lacuna, e
físico através dos quais deveria se processar a atribuiu competência às Assembléias Legis-
integração do índio das missões ao universo lativas Provinciais para promover cumulati-
maniqueísta do mundo colonial. [...] os 95 pa- vamente com as Assembléias e Governos Ge-
rágrafos do Directorio compõem um detalha- rais “...a catechese e a civilização do indíge-
do catálogo de instruções, normas práticas e na e o estabelecimento de colônias” (SILVA;
justificativas que visam, fundamentalmente, AZEVEDO, 1998, p. 150).
transformar o índio das missões, e, eventual-
mente, os índios tribais, numa grande massa Por volta da metade do século XIX, o
nativa, econômica e socialmente controlada, Império passa a regular a “catequese in-
capaz de suprir, com sua força de trabalho, dígena”, através do Decreto 426, de 24 de
o esforço de consolidação do domínio colo- julho de 1845, contendo o “Regulamento
nial português na Amazônia (MOREIRA NE- acerca das missões de catequese e civili-
TO, 1988, p. 25-26, apud D’ANGELIS, 2012). zação dos índios”. Neste regulamento, fica
determinado o estabelecimento, em cada
O “Diretório” determinou que haveria Província do Império, do posto de Diretor
duas escolas públicas em cada aldeamen- Geral dos Índios, que entre outras fun-
to indígena, uma para meninos e uma para ções deveria recomendar à respectiva As-
meninas, e em ambas deveria se ensinar a sembleia Provincial “a criação de Escolas
ler e escrever. Na prática, as escolas pre- de Primeiras Letras para os lugares onde
vistas no regulamento contido no Diretó- não baste o Missionário para esse ensino”

2. Carta Régia de 12 de maio de 1798 (MOREIRA NETO, 1988, p. 221, apud D’ANGELIS, 2012).

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(Art. 1º, § 18). De fato, da mesma forma “civilizados” e transformá-los em trabalhado-
que o “Diretório Pombalino”, as “Escolas res nacionais” (PALADINO; ALMEIDA, 2012,
de Primeiras Letras” que deveriam zelar p. 35). Ademais, segundo Tassinari,
pela “instrução dos indígenas”, conforme
o Regulamento do Decreto de 1845 torna- As ações do SPILTN variavam conforme a si-
ram-se praticamente inexistentes, dado que tuação de contato e aliança com a população
os governadores provinciais não tinham indígena. A primeira fase de ação frente aos
grandes interesses ou expectativas positi- índios considerados arredios ou hostis era
vas com relação à escolarizaçãos dos in- denominada “pacificação”. Através da doa-
dígenas; além disso, a pobreza de grande ção de bens, agentes do SPILTN procuravam
parte das províncias inviabilizava recursos estabelecer os primeiros contatos e “atrair”
para serem direcionados à educação esco- populações para um território delimitado,
lar. (D’ANGELIS, 2012). as “reservas indígenas”, visando iniciar um
Com a proclamação da República, não processo de sedentarização. A segunda fase
ocorreram alterações significativas no tra- era propriamente a da “educação”, através da
to com a educação escolar para indígenas. implantação de escolas e da fixação dos in-
Diante da ineficácia do Estado, a ação de di- dígenas num território administrado por um
versas missões religiosas, sejam católicas ou posto indígena. A terceira fase desenvolvia
protestantes, continua a ser predominante. ações para a “civilização” dos indígenas pre-
Todavia, nesse novo contexto, mesmo pre- parando-os para serem “trabalhadores na-
dominando ações de caráter missionário, cionais”. Além da educação escolar visando
a educação escolar indígena começa a ser o ensino da língua portuguesa, e noções de
pensada/promovida “como política públi- matemática para o comércio, também eram
ca [...] com o objetivo de nacionalizar esse transmitidas técnicas agrícolas, pecuárias e
contigente da população, através do ensino industriais. Uma quarta e última fase previa
da língua portuguesa e de permitir sua assi- a emancipação definitiva dos indígenas e sua
milação à sociedade brasileira. [...] Com essa introdução na “vida civilizada”, segundo o
perspectiva, foi criado em 1910 o Serviço de ideário positivista (2008, p. 221-222).
Proteção aos Índios e Localização de Traba-
lhadores Nacionais” – SPILTN (TASSINARI, A partir da década de 1930, no contexto
2008, p. 219-221). Além disso, nesse “novo de uma política nacionalista desenvolvida
contexto”, a partir da criação do SPILTN, no por Getúlio Vargas, “a política indigenista
que diz respeito à educação escolar, tem-se, ancorada na ação catequética do século XIX
em certo sentido, maior preocupação com a dá lugar a uma política visando à integração
diversidade linguística e cultural dos povos nacional, laica e militarizada” (TASSINARI,
indígenas (FERREIRA, 2001). “Uma das in- 2008, p. 222). Nas duas décadas seguintes,
tenções do governo, naquele início de século a política desenvolvida pelo SPI3 produziu
XX, era afastar a Igreja Católica da catequese nova configuração de aldeamentos indíge-
indígena. Outra intenção era fazer os índios nas em torno de postos de atração, postos de
adotarem gradualmente hábitos considerados vigilância e postos indígenas, gerando maior

3. A partir de 1918, o SPILTN passou a ser denominado apenas de SPI. Este órgão foi extinto em 1967,
quando foi criada a Fundação Nacional do Índio.

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situação de dependência destas populações gogos, começam a assessorar na construção
em relação aos órgãos de proteção. Nesta de projetos escolares alternativos em algu-
nova conjuntura, diante dos processos de mas escolas indígenas e os movimentos indí-
sedentarização compulsória dos indígenas, genas passam a reivindicar, mais amplamen-
partindo de uma nova relação com o Esta- te, o reconhecimento de seus direitos, inclu-
do, configurada em termos de dependências sive o de uma educação formal de qualidade
ainda maiores com os “órgãos protetores”, a (COHN, 2005, p. 488).
escola deixa de ser um investimento prioritá-
rio. “Ao longo dos anos de 1950 e 1960, vá- Nesse sentido, a ideia de que a escola
rias escolas e postos estabelecidos deixam de poderia ser um instrumento favorável à au-
receber atenção e financiamento, enquanto tonomia indígena e a seus projetos de futu-
o SPI se volta para atender as demandas dos ro – e não uma instituição colonizadora –
conflitos e novas frentes de atração no Sul começa a ganhar força a partir desse novo
do Pará” (TASSINARI, 2008, p. 228). Com cenário. As discussões iniciais enfocavam,
a extinção do SPI e a criação da Funai, em quer nos direitos indígenas a uma educa-
1967, ocorrem modificações significativas ção bilíngue, quer na escola como meio
na educação escolar para índios, sobretudo de acesso a informações vitais – de cará-
com a implantação de projetos de ensino ter econômico, político, linguístico, legal
bilíngues, uma vez que no discurso da Funai – para os povos indígenas em sua relação
era preciso respeitar os valores tribais. com não índios e em sua inserção na so-
A partir da década de 1970 surgem pro- ciedade brasileira (LOPES DA SILVA, 2001;
jetos alternativos de educação escolar in- FERREIRA, 2001; COHN, 2005; GRUPIONI,
dígena, além de diversas organizações não 2008; TASSINARI, 2008; CÉSAR, 2011). Da
governamentais voltadas para a defesa da mesma forma,
causa indígena, a exemplo da Comissão
Pró-Indio de São Paulo, Centro Ecumênico Nas décadas de 1970 e 1980, tiveram início
de Documentação e Informação, Associa- algumas experiências educacionais de orga-
ção Nacional de Apoio ao Índio, Centro de nizações não governamentais que procura-
Trabalho Indigenista. A partir da ação da vam considerar as especificidades da realida-
Igreja Católica, em sua ala mais progres- de indígena na concepção do currículo, do
sista, foram criadas duas organizações, a calendário escolar, do material didático, da
Operação Anchieta, em 1969, e o Conse- rotina e da disciplina escolar, e no desenvol-
lho Indigenista Missionário, em 1972, com vimento de metodologias de ensino diferen-
atribuições voltadas para prestar serviços ciadas. Ganhou forca o discurso de que uma
na área de educação escolar para indígenas escola com esse perfil tinha um sentido li-
(FERREIRA, 2001). Nesse mesmo contexto, bertador, que poderia contribuir para a auto-
nomia dos povos indígenas (PALADINO; AL-
Se a educação escolar voltada para os po- MEIDA, 2012, p. 38).
vos indígenas é antiga, secular, a discussão
sobre sua adequação às realidades indíge- Essa mobilização crescente, que deman-
nas toma forma a partir da década de 1970, da pela construção de políticas específicas
quando especialistas em diversas áreas, es- para os povos indígenas, ganha respaldo
pecialmente antropólogos, linguistas e peda- jurídico na Constituição de 1988, ou mes-

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mo já na Assembleia Constituinte, quando ao Ministério da Agricultura e da Reforma
índios e seus aliados (antropólogos, indige- Agrária (MARA); e, finalmente, o Decreto nº
nistas) fazem passar artigos específicos, que 26, que definiu o MEC como instância co-
regulamentam os direitos diferenciados dos ordenadora das ações referentes à educação
índios. Essa política de reconhecimento, escolar indígena no País em todos os níveis
por parte do Estado Brasileiro, da diversi- e modalidades de ensino (BRUNO, 2011, p.
dade sociocultural indígena, vai se tradu- 640-641).
zindo em outros mecanismos legais, refe-
rentes a diversos outros aspectos que dizem As conquistas legais obtidas pelos povos
respeito à saúde das populações indígenas, indígenas na luta pelo direito a uma educa-
às políticas de proteção ambiental, dentre ção escolar diferenciada são muito recentes
outros. Nisso, (cf. GRUPIONI, 2013; PALADINO; ALMEI-
DA, 2012). A partir da Constituição Federal
Nas últimas décadas do século 20, as lutas e de 1988, resultou um detalhamento de leis
as reivindicações de diversas etnias indíge- que anunciam e encaminham possibilida-
nas pelo reconhecimento de seus territórios des para uma escola indígena específica,
e outros direitos resultaram na inclusão de diferenciada, intercultural e bilíngue, re-
artigos na Constituição Federal de 1988, que conhecendo o direito dos povos indígenas
busca contemplá-los. Neste sentido, vale res- manterem suas identidades étnicas, fazen-
saltar os artigos 231 e 232, que lhes assegu- do uso de suas línguas maternas e proces-
ram o reconhecimento dos direitos sobre os sos próprios de aprendizagem.
territórios que ocupam, sua organização so- Nos anos 1990, vários documentos e
cial, costumes, línguas, crenças e tradições. ações surgiram para dar efetividade ao que
Esse reconhecimento foi acompanhado de a Constituição Federal estabelecia. O Decre-
uma série de mudanças relativas à gestão e to 26 de 4 de fevereiro de 1991 transfere a
à condução das políticas voltadas para essas responsabilidade da Funai para o Ministério
populações. O governo Collor (1990-1992), da Educação, no tocante à oferta sobre edu-
logo no início, por meio de decretos assina- cação escolar em contexto indígena. Neste
dos em 4 de fevereiro de 1991, atribuiu a di- mesmo ano, é criada a Coordenação Nacio-
ferentes ministérios e órgãos federais respon- nal de Educação Escolar Indígena; além da
sabilidades antes concentradas na Fundação Coordenação Geral, o MEC institui, em julho
Nacional do Índio (FUNAI). São eles: o De- de 1992, um Comitê de Educação Escolar
creto nº 23, que colocou a assistência à saú- Indígena, para contar com a assessoria e a
de das populações indígenas sob a respon- participação dos envolvidos com a questão
sabilidade da Fundação Nacional de Saúde indígena. Este comitê foi composto por re-
(FUNASA); o Decreto nº 24, que estabeleceu presentantes indígenas, representantes de
que as ações de proteção ao meio ambien- organizações não governamentais, universi-
te em terras indígenas seriam coordenadas dades e um representante da Funai. A parti-
pela Secretaria do Meio Ambiente (SMA) e cipação indígena nesse Comitê foi crescen-
executadas pelo Instituto Brasileiro do Meio do, no decorrer da década de 1990, transfor-
Ambiente (IBAMA); o Decreto nº 25, que su- mando-se, em 2001, em Comissão Nacional
bordinou os programas e projetos para a au- de Professores Indígenas (GRUPIONI, 2008;
tossustentação das comunidades indígena PALADINO; ALMEIDA, 2012).

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O Comitê instituído em 1992 elaborou indígena, em parceria com os Municípios
as Diretrizes para a Política Nacional de que atenderem a determinadas condições.
Educação Escolar Indígena (1993), definin- A Lei 10.172/01, que institui o Plano
do o que se entende por interculturalidade, Nacional de Educação (em vigor de 2001 a
determinando o que deve e como deve ser a 2010), contém um diagnóstico da educação
educação escolar indígena. Foram também escolar indígena no Brasil, aponta as dire-
elaborados o Referencial Curricular Nacio- trizes para a política nacional e estabelece
nal para as Escolas Indígenas (1998), e os os objetivos e metas a serem cumpridos por
Referenciais para a Formação de Professo- estados e municípios. Entre os objetivos e
res Indígenas (2002). as metas previstos no Plano Nacional de
A Lei 9.394/96 – LDBEN – Lei de Diretrizes Educação, destaca-se a universalização da
e Bases da Educação Nacional, institui como oferta de programas educacionais aos po-
dever do Estado a oferta de uma educação vos indígenas para todas as séries do en-
escolar bilíngue e intercultural, presentes nos sino fundamental4, assegurando autonomia
artigos 78 e 79. No artigo 78 fica garantida das escolas indígenas tanto no que se re-
a “criação de programas integrados de ensino fere ao projeto pedagógico quanto ao uso
e pesquisa, para oferta de educação escolar dos recursos financeiros – o que garante a
bilíngue e intercultural aos povos indígenas, participação das comunidades nas decisões
com os seguintes objetivos: proporcionar aos relativas ao funcionamento dessas escolas
índios, suas comunidades e povos a recupera- (PALADINO; ALMEIDA, 2012). A Lei n.
ção de suas memórias históricas, a reafirma- 13.005, sancionada no dia 25 de junho de
ção de suas identidades étnicas, a valoriza- 2014, aprovou o atual Plano Nacional de
ção de suas línguas e ciências; e garantir aos Educação (com vigência até 2024), com-
índios, suas comunidades e povos o acesso posto por 20 metas, que se relacionam aos
às informações e aos conhecimentos técnicos diferentes níveis de ensino e modalidades
e científicos da sociedade nacional e demais de educação, dentre outras questões. Na
sociedades indígenas e não indígenas”. meta 5 do referido Plano, em uma de suas
O Parecer 14/99 e a Resolução 3/99: o estratégias, fica estabelecido: apoiar a al-
primeiro estabelece as Diretrizes Curricula- fabetização de crianças do campo, indíge-
res Nacionais para a Educação Escolar Indí- nas, quilombolas e de populações itineran-
gena, regulamentadas pela Resolução 3/99, tes, com a produção de materiais didáticos
que fixa as normas para o funcionamento específicos, e desenvolver instrumentos de
das escolas indígenas, criando mecanismos acompanhamento que considerem o uso da
para garantir a qualidade da educação di- língua materna pelas comunidades indíge-
ferenciada; o segundo, atribui ao Estado a nas e a identidade cultural das comunida-
responsabilidade sobre a educação escolar des quilombolas5.

4. Para uma análise crítica em relação ao Plano Nacional de Educação, no tocante à educação escolar in-
dígena, ver D’Angelis (2012), sobretudo no artigo “Olha a educação, indígena!” que compõe o livro Apri-
sionando sonhos: a educação escolar indígena no Brasil.
5. Em uma das estratégias (6.7) da Meta 6 fica estabelecido: Atender às escolas do campo e das comuni-
dades indígenas e quilombolas na oferta de educação em tempo integral, com base em consulta prévia e in-
formada, considerando-se as peculiaridades locais. A estratégia 7.26, da Meta 7 determina: consolidar a

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A Convenção 169 da OIT, ratificada pelo os entes Federativos a partir de uma pactu-
Brasil em 2004, trata especificamente dos ação que deve ser efetivada em um Plano
direitos educacionais dos povos indígenas de Ação. Para o MEC, os governos estadu-
nos artigos 26 e 31, afirmando que deve- ais/municipais devem elaborar um plano
rão ser adotadas medidas para garantir aos de ação articulado com vários sujeitos so-
membros dos povos interessados a possibi- ciais, indígenas, universidades e entidades
lidade de adquirirem educação em todos os de apoio, para oferecer a Educação escolar
níveis de ensino, pelo menos em condições indígena, observada a sua territorialidade
de igualdade com o restante da comunidade e respeitando suas necessidades específicas.
nacional. Salienta ainda, que o Estado deve Por fim, a Resolução nº 5, de 22 de junho
assegurar medidas de caráter educativo em de 2012, que define as Diretrizes Curricula-
todos os setores da comunidade nacional e res Nacionais para a Educação Escolar In-
assegurar a correta abordagem da temática dígena na Educação Básica, dentre outras
indígena nas escolas e nos livros didáticos6. coisas, estabelece os objetivos da educação
O Decreto 6.861/2009 cria os Territórios escolar indígena, determina seu modo de
Etnoeducacionais. Com o Decreto, o MEC organização, caracteriza princípios que de-
propõe que se faça uma articulação entre vem orientar os projetos políticos pedagó-

educação escolar no campo de populações tradicionais, de populações itinerantes e de comunidades indí-


genas e quilombolas, respeitando a articulação entre ambientes escolares e comunitários e garantindo: o
desenvolvimento sustentável e preservação da identidade cultural; a participação da comunidade na defi-
nição do modelo de organização pedagógica e de gestão das instituições, consideradas as práticas socio-
culturais e as formas particulares de organização do tempo; a oferta bilíngue na educação infantil e nos
anos iniciais do ensino fundamental, em língua materna das comunidades e em língua portuguesa; a re-
estruturação e a aquisição de equipamentos; a oferta de programa para formação inicial e continuada de
profissionais da educação; e o atendimento em educação especial. A estratégia 7.27, desta mesma meta
assegura: desenvolver currículos e propostas pedagógicas específicas para a educação escolar para as es-
colas do campo e para as comunidades indígenas e quilombolas, incluindo os conteúdos culturais corres-
pondentes às respectivas comunidades e considerando o fortalecimento das práticas socioculturais e da lín-
gua materna de cada comunidade indígena, produzindo e disponibilizando materiais didáticos específicos,
inclusive para os (as) alunos (as) com deficiência. A Meta 10, em sua estratégia 10.3 estabelece: fomen-
tar a integração da educação de jovens e adultos com a educação profissional, em cursos planejados, de
acordo com as características do público da educação de jovens e adultos e considerando as especificida-
des das populações itinerantes e do campo e das comunidades indígenas e quilombolas, inclusive na mo-
dalidade de educação a distância. A Meta 11, na estratégia 11.9, determina: expandir o atendimento do
ensino médio gratuito integrado à formação profissional para a população do campo e para as comunida-
des indígenas e quilombolas, de acordo com os seus interesses e necessidades. Por fim, na Meta 12, na es-
tratégia 12.13 fica determinado: expandir atendimento específico a populações do campo e comunidades
indígenas e quilombolas, em relação a acesso, permanência, conclusão e formação de profissionais para
atuação nessas populações.
6. Em 2008, em consonância com o artigo 31 da Convenção 169 da OIT, o presidente Lula promulgou a
Lei 11.645, que instituiu a obrigatoriedade do ensino da História e da Cultura Indígena nos sistema de en-
sino público e privado; cabe ressaltar que a referida Lei altera a 10.639, de 2003, que tornou obrigatório
o ensino de História da África e da Cultura Afro-Brasileira, nos sistemas de ensino de todo o país sejam
eles público ou privado.

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gicos das escolas indígenas, concepções de 2. Interculturalidade, escolas indígenas e
currículo, práticas de avaliação, processos seus modos de apropriação
de formação e de profissionalização dos
professores indígenas, além de definir as Parece-nos importante refletir sobre o
competências que cabem aos entes fede- que se tem denominado de educação esco-
rados no que se refere à responsabilidade lar indígena específica, diferenciada e in-
e garantia da educação escolar indígena, tercultural, a partir dessas novas exigências
através do regime de colaboração. e demandas que são colocadas pelos povos
De forma geral, toda a legislação (mar- indígenas. Cabe-nos, ademais, pensar como
cos legais e conceituais) produzida nesse as questões relativas à diversidade, à di-
último período garante: o uso das línguas ferença, à cultura e à identidade têm sido
maternas no processo escolar; o recurso a tratadas nas reflexões sobre os alcances e
processos próprios de aprendizagem; edu- limites para a construção do fazer pedagó-
cação intercultural, com acesso a língua gico informado pela perspectiva intercul-
nacional e a conhecimentos ditos univer- tural8. É preciso, segundo Collet (2006b, p.
sais; participação de grupos indígenas no 126) “documentar e avaliar como as ideias
planejamento e execução de programas; ou a retórica da interculturalidade são tra-
adoção de currículos próprios com o con- duzidas na prática, tanto nos cursos de for-
teúdo cultural de cada grupo; materiais mação de professores como no dia-a-dia da
didáticos específicos e diferenciados; au- experiência escolar indígena”. No mesmo
tonomia pedagógica e financeira das es- sentido, cabe-nos indagar, como nos ad-
colas; formação de professores indígenas e verte Sampaio (2006, p. 166)
programas específicos para a melhoria das
condições de ensino; direito de criar suas Como nesses diálogos e disputas sabidamen-
próprias instituições de ensino, entre ou- te desiguais, e através de que canais de poder
tros7 (GRUPIONI, 2008; BRUNO, 2011). e de que recursos simbólicos, se produzem e

7. Atualmente, os órgãos responsáveis pela educação escolar nas aldeias são o MEC, a Secretaria de Edu-
cação Continuada, Alfabetização, Diversidade Inclusão (SECADI/MEC) – que responde pelas políticas de
formação de professores indígenas voltadas para a oferta das licenciaturas e do magistério intercultural e
pela produção de materiais didáticos e paradidáticos específicos – e, finalmente, a Comissão Nacional de
Educação Indígena (CNEI). Os recursos financeiros provêm do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), do Fundo Nacional de De-
senvolvimento da Educação (FNDE), do Programa Dinheiro na Escola (PDE) e do Programa Nacional de
Alimentação Escolar (PNAE).
8. Celia Collet (2006) faz uma reflexão importante acerca da interculturalidade e de como o conceito surge,
no contexto da educação voltada para povos indígenas, a partir dos Estados Unidos, em fins do século XIX
e início do século XX; além disso, a autora apresenta uma discussão, de caráter histórico, no sentido de de-
monstrar com a ideia de interculturalidade vai sendo disseminada a partir do México para a América Lati-
na, sob a influência do Summer Institute of Linguistics (e seus desdobramentos no Brasil). Por fim, é feita
uma discussão de como a interculturalidade vai sendo pensada no continente europeu, a partir das políti-
cas educacionais que se voltam para pensar as questões relacionadas à diversidade cultural, tendo como fo-
co central o atendimento às minorias, e a entrada de imigrantes oriundos das antigas colônias europeias.

A antropologia e as experiências escolares indígenas 69


se legitimam, para todo o campo da educa- dução de uma estrutura social discriminató-
ção escolar indígena – e mesmo para mais ria. [...] Desse modo, o campo da pesquisa em
além dele-, as definições do que sejam espe- antropologia e educação se vê confrontado,
cificidade e diversidade culturais indígenas e na América Latina – tal como ocorre em ou-
do que podem estas, enfim, estar a significar tras discussões sobre povos indígenas -, com
para cada um dos pólos e no contexto da re- a tensão analítica e política de conceber a es-
lação entre esses. cola como instituição colonizadora e assimi-
lacionista ou como instituição possibilitado-
A utilização de termos como diversidade ra de cidadania e transformação.
cultural, diferença, especificidade, identida-
de, cultura e resgate cultural em muitos dos Por outro lado, como bem alerta Giraldin,
discursos educacionais e, da mesma forma,
em muitos projetos de educação escolar indí- O que temos observado na universalização
gena no contexto contemporâneo, ainda es- do acesso à escolarização entre os povos in-
tão impregnados de uma visão “etnocêntrica dígenas no Brasil é que a escola “diferencia-
e distante da produção de um real diálogo da e específica” ocorre principalmente com o
cultural com as posições indígenas” (SAM- ensino da língua materna, arte e cultura. No
PAIO, 2006, p. 167). Gomes (2012, p. 11) nos restante da organização, administração, ca-
adverte que “o desafio da ideia de intercul- lendário, conteúdo, ela segue toda a lógica
turalidade pode nos levar a retomar os ter- disciplinadora de formação do habitus da es-
mos do debate a partir da noção mesma de cola não-indígena (estrutura física e organi-
cultura, caminho que poderia ser promissor zacional), que se estende para as escolas in-
em nossas reflexões”. Se por um lado, o con- dígenas (2010, p. 55).
ceito de interculturalidade instaura e produz
impactos nas políticas educacionais contem- Maria Aparecida Bergamaschi (2012), ao
porâneas, tanto as voltadas para contextos refletir sobre a interculturalidade nas prá-
indígenas como para contextos não indíge- ticas escolares indígenas, pergunta em que
nas, diversos autores, da antropologia, da medida a escola indígena vem se constituin-
educação e de outras áreas do conhecimento do como um lugar da interculturalidade e de
têm se dedicado a uma reflexão mais crítica que forma este conceito é apropriado pelas
acerca desse conceito e dos resultados, teóri- políticas públicas, pelo Estado brasileiro e
cos e práticos, que se desdobram nos modos qual o reflexo na elaboração nos documen-
como a educação é instituída como política tos oficiais que normatizam e instituem uma
pública e como política indígena. Nisso, se- educação escolar indígena na perspectiva da
gundo Paladino e Czarny (2012, p. 14-15), interculturalidade. Segundo a autora, pare-
ce haver uma contradição, pois, ao mesmo
Vários autores criticam o fato de as propos- tempo em que se reconhece a pluralidade
tas de educação intercultural se preocuparem cultural, a diversidade de escolas indígenas
principalmente com a dimensão da diferença e as mais variadas intenções que envolvem a
e se esquecerem da desigualdade das relações construção de escolas indígenas no contexto
de poder e dominação às quais as minorias de diferentes povos, produz-se uma norma-
étnicas, raciais, de gênero e nacionais estão tização (tal como Lopes da Silva [2001] já
submetidas, o que contribuiria para a repro- anunciava). De toda sorte, segundo a auto-

70 Repocs, v.13, n.25, jan/jun. 2016


ra, é preciso compreender a escola indígena a “educação tradicional”. Como consequên-
como sendo construída, a partir do diálogo cia, a educação escolar em sua perspectiva
intercultural, tanto internamente, “ou seja, diferenciada e intercultural tem produzido
a interação entre os modelos tradicionais de sentidos para o que costumamos chamar de
educação e a educação escolar, quanto como educação tradicional e, dessa forma, a escola
possibilidade de diálogo entre duas diferen- Tupinambá (e muitas outras escolas indíge-
tes sociedades e culturas: a indígena e a não nas) parece produzir um tipo de “educação
indígena” (BERGAMASCHI, 2012, p.48). tradicional”, na medida em que elabora ou-
Desde os trabalhos de Meliá (1997) e Lo- tros discursos sobre o que é a escola e sua
pes da Silva (1998), muitas das reflexões em importância e, consequentemente sobre suas
torno da educação escolar em contexto in- tradições, cultura e educação (SANTANA,
dígena têm sido elaboradas tendo como seu 2015). É uma construção cultural, no sentido
contraponto a chamada educação indígena dado por Tassinari (2003), quando esta bus-
ou educação tradicional, sempre no sentido ca compreender o processo de construção
de marcar diferença entre os modos como cultural das famílias Karipuna do Amapá.
cada povo indígena transmite seus conheci- De certo modo, a dicotomização de edu-
mentos, suas tradições, a partir de uma “pe- cação indígena e educação escolar indí-
dagogia própria”, que independe da escola e gena, a qual foi muito importante para a
das formas como esta produz e transmite co- instituição de uma escola respeitosa das es-
nhecimento. Nesse sentido, não é difícil en- pecificidades indígenas, também acaba por
contrar, entre os estudiosos da temática, essa produzir uma polarização, como se houves-
distinção. Geralmente, a questão é abordada se, sempre, dois contextos completamente
da seguinte forma: os povos indígenas sem- diversos, e mais ou menos complementares
pre tiveram formas de educação, por meio a depender do projeto de escolarização, se
das quais puderam transmitir seus conheci- este for mais ou menos próximo daque-
mentos, seus saberes e experiências às gera- le (COHN, 2015), e que se reforça com a
ções mais novas e, para isso, não precisaram própria normatização da Educação Escolar
da educação escolar; a educação escolar, Indígena. É como se voltássemos a um pu-
portanto, é sempre pensada como uma ins- rismo, como se a educação indígena fos-
tituição exógena às comunidades indígenas; se sempre anterior à escolar. O caso Tupi-
nesse debate, se instaura certa dicotomia e nambá é privilegiado para se recolocar esta
não são raros os alertas sobre os perigos que questão (SANTANA, 2015), tendo em vista
a escola pode produzir no contexto das co- que a escola é parte inerente à construção
munidades indígenas, sobretudo em relação de parentes e de cultura, de memórias e de
àquilo que a educação indígena sempre pro- espaços – ou, colocando de outro modo,
duziu. Muitos desses alertas são, de fato, re- dos “princípios estruturantes da socialida-
ais. Contudo, como já nos alertou Tassinari de” Tupinambá (VIEGAS, 2007).
(2001), é preciso problematizar essa relação. A escola indígena produz certo tipo de
Parece-nos que a entrada da escola em tradição indígena e de educação e, do mes-
certos grupos indígenas, a exemplo dos Tu- mo modo, tradições indígenas, quando tor-
pinambá de Olivença (SANTANA, 2015), nadas públicas (tanto interna a cada con-
tem produzido reflexões importantes acer- texto indígena, quanto externamente, na
ca do que seria a “educação indígena” ou relação com o Estado e com outras alterida-

A antropologia e as experiências escolares indígenas 71


des) produzem certo tipo de escola com suas tica e cultural, que reverberam nos modos
diferentes demandas, disputas e tensões. e nas formas de entendimento do que seria
Se para muitos antropólogos e estudio- uma educação escolar, em contexto indíge-
sos da questão indígena, a chegada da es- na, assentada nesses novos princípios. Lo-
cola em tais contextos pode trazer perigos pes da Silva (2001) já colocara a necessida-
à educação tradicional, aos modos próprios de de aliarmos, em nossas reflexões sobre
de transmissão de conhecimento, é verdade, educação escolar indígena, as contribuições
também, que em muitos desses contextos a teóricas e analíticas que a antropologia e a
escola tem servido para produzir “conheci- etnologia sul-americanas contemporâne-
mento tradicional”, mesmo que com aspas, as têm produzido, com as questões que di-
um conhecimento objetificado, como apon- zem respeito à relação entre a antropologia
ta Dal’ Bó (2010) em sua discussão sobre e a educação. No limite, os desafios que se
o “conhecimento tradicional” que passa a colocam seriam da seguinte ordem: como
ser elaborado e acionado por estudantes compreender os projetos de educação esco-
indígenas que ingressam na Universidade lar indígena em nosso país a partir dos co-
Federal de São Carlos. Também é certo que, nhecimentos e categorias analíticas que têm
em muitas situações, os discursos relacio- sido produzidos no campo da etnologia, que
nados aos conhecimentos tradicionais e à pouco tem dialogado com as questões de
educação tradicional têm sido elaborados educação? Como nos lembra Lopes da Silva
a partir do que o Estado normatizou como (2001, p. 40),
sendo educação escolar indígena específi-
ca, diferenciada e intercultural. A etnologia do pensamento indígena, que re-
Por outro lado, diversos contextos etno- vela a complexidade das proposições ontoló-
gráficos têm nos mostrado que diferentes gicas e metafísicas ameríndias e sua origina-
povos indígenas querem suas escolas iguais lidade flagrante perante o pensamento oci-
às escolas dos não índios, contrariando a dental (ilustra-o o perspectivismo amazôni-
legislação em vigor sobre educação escolar co), alerta para a complexidade das questões
indígena específica, diferenciada e intercul- com que terão de tratar experiências de edu-
tural, como demonstram Tassinari (2003) cação escolar que se desejem efetivamente
em sua etnografia sobre os Karipuna, Cohn respeitosas dos direitos indígenas.
(2005) e Beltrame (2013) em suas etnogra-
fias sobre os Xikin. O certo é que não po- No contexto atual, compreender os mo-
demos falar em um único modelo de escola dos como os próprios indígenas refletem
indígena nem tampouco pensar num único sobre a escola e se relacionam com ela,
modelo de escola diferenciada. Quem, de bem como a execução das políticas públi-
fato, tem que definir o tipo de escola que cas destinadas a essa área e a atuação dos
deseja são os próprios indígenas, seja ela profissionais que trabalham diretamente
“mais” ou “menos” diferenciada. neste local, sejam eles indígenas ou não,
Em meio a esse novo contexto, em que para tentar entender as possibilidades de
se busca construir projetos de educação es- arranjos dessas relações, é tarefa que vale
colar na perspectiva da diferença, da especi- a pena investigar e para isso a antropologia
ficidade e interculturalidade, surgem outras tem muito a contribuir (BELTRAME, 2013).
questões, teóricas e práticas, de ordem polí- No mesmo sentido, como afirma Beltrame,

72 Repocs, v.13, n.25, jan/jun. 2016


Com a intenção de problematizar os discur- tores perpassa o ambiente escolar. Este é um
sos que são feitos em torno do tema e com- espaço, tal como a casa de reza, de negocia-
preender a relação que os indígenas cons- ção do que pode ser Tupi Guarani. [...] A es-
troem com suas escolas, recentes trabalhos cola Tupi Guarani adquire, nesse cenário, di-
na área da antropologia tem se preocupado versos papeis, ela é tanto marcadora de dife-
em mostrar como a diversidade étnica des- renças e da particularidade tupi guarani, co-
ses povos reflete na maneira como cada um mo o espaço no qual conhecimentos não in-
se apropria da escola e, acima de tudo, como dígenas devem ser ensinados; é o local onde
os indígenas produzem reflexões sobre esta podem resgatar a cultura, mas não deixa de
instituição. Baseados em concepções e cos- ser atravessadas pelas relações que constro-
mologias próprias, elaboram expectativas di- em, constantemente, conhecimento e tradi-
ferentes sobre esse espaço, o modo como ele ção (MAINARDI, 2010, p. 54-55).
deve funcionar e o que pretendem conseguir
ao aceitá-lo em seu meio e inseri-lo no coti- No limite, e essa é a discussão que
diano. As soluções encontradas pelos indíge- Mainardi faz em sua dissertação de mes-
nas para decidir o lugar que esta instituição, trado, ao buscar compreender as relações
de origem externa, deve ocupar na vida do que atravessam o ambiente escolar Tupi
grupo e na relação com outras esferas sociais Guarani (mas não somente este ambiente)
não cabem, assim, dentro de um modelo fe- e que envolvem os Guarani Mbya, Tupi e
chado (2013, p. 18-19). não indígenas e ainda as relações entre eles
próprios, “articulam disposições políticas, a
Para Mainardi (2010), a escola entre os proximidade e o distanciamento entre pa-
Tupi Guarani da terra indígena Piaçaguera rentes e os que são considerados conhece-
- SP, exerce um papel importante no res- dores de algo” (2010, p. 55), acabam por
gate cultural de seu povo, a partir das rela- definir o que pode ou não ser considerado
ções que articula com seus outros – Guarani como Tupi Guarani, e isso implica a cons-
Mbya, os não indígenas e outros indígenas. trução de redes de relações que atualizam
A escola, segundo Mainardi, tem papel im- conhecimentos e sujeitos, define o que é
portante, na medida em que se torna o local a tradição, a quem pertence determinados
de ensino da língua e da cultura às crianças. conhecimentos, produz a pessoa Tupi Gua-
Nesse sentido, a “escola e a casa de reza são rani, sempre em relação a seus outros.
locais de negociação, onde ocorre constante Vieira (2010) analisa a relação entre sa-
atualização/construção do conhecimento e ber xamânico e educação escolar, sugerin-
do que pode ser Tupi Guarani” (2010, p. 53). do que, assim como os cantos rituais são
Do mesmo modo, segundo a autora, usados para pacificar os espíritos, a escri-
ta é usada para pacificar os brancos. Se os
A atualização-articulação do conhecimento Maxakali podem imitar os cantos e ritos
do que é tido como tradicional, da língua, da ensinados pelo próprio yãmiy9 para pacifi-
reza, das histórias, e de quem são seus deten- cá-los, podem também usar a escrita e a es-

9. Os yãmiy são agrupados pelos Maxakali em diferentes yãmiyxop (xop– grupo). [...] Durante os rituais ta-
xtaxkox (lagarta da taquara) de iniciação masculina, os meninos são capturados por espíritos e passam um
mês em reclusão no Kuxex (‘casa de religião’, no português falado pelos Maxakali. Local frequentado ape-

A antropologia e as experiências escolares indígenas 73


cola para pacificar o branco. No limite, se- atualmente, quase impossível, é atualizada
gundo Vieira, os Maxakali vêm utilizando no plano da cosmologia, do pensamento,
a escola e a escrita para a produção, num nos contextos do ritual e da escola. Alva-
primeiro momento, de um conhecimento rez (2004, p. 74) aponta que, ao socializa-
sobre os brancos e, num segundo momento, rem o conhecimento xamânico nas “aulas
de um discurso para os brancos (VIEIRA, de cultura”, os Maxakali elegeram essa di-
2010, p. 146-148). Nisso, segundo a autora, mensão para constituírem sua imagem para
o “outro”. A dimensão ritual amplia o seu
Os Maxakali utilizam metáforas do contex- campo semântico para dar sentido às rela-
to xamânico para compreender o processo de ções escolares também, relações essas que
ler escrever. São feitas várias analogias entre se constituem através dos “brancos”, esses
escrita e canto, a começar pela tradução li- outros extremos.
teral da palavra ‘escrever’ em Maxakali. Ka- Peter Gow (1997, 2010, 2006), a partir
xambix significa, literalmente, “desenhar o de sua etnografia sobre os Piro, no Peru,
canto. [...] Os Maxakali comparam frequen- traz importantes reflexões acerca de como
temente a escola ao kuxex, pois ambos são as comunidades nativas do Baixo Rio Uru-
lugares próprios à transmissão do conheci- bamba pensam a escola a partir da lógica
mento advindos do exterior (a escrita vem do xamanismo e do parentesco. Confor-
dos brancos e os cantos vem dos yãmiy) me Tassinari (2001, p. 59) “Gow mostra
(VIEIRA, 2010, p. 144). como a escola, inicialmente uma institui-
ção alheia às populações nativas do Baixo
Ademais, segundo Vieira (2010), se os Urubamba, passou a ser parte integrante e
cantos e mitos continuam sendo ensinados fundamental de seu modo de vida e foi in-
de forma ‘tradicional’, nas casas e durante cluída nas suas explicações sobre o mundo
os rituais, a lição mais importante apreen- e as relações de parentesco”. Segundo Gow
dida por professores e alunos das escolas (1997, p. 62), para os Piro, trata-se disso:
Maxakali é como lidar com a burocracia – “viver longe dos parentes é “esquecer-se”
que se dá via escrita – e, por consequên- deles, e todo esquecimento entre parentes
cia, como ‘pacificar’ os brancos, fazendo-os leva ao ressentimento e, em última aná-
passar de potenciais agressores a aliados. lise, à fragmentação das aldeias”. Ainda,
A guerra10, cuja prática teria se tornado, segundo Gow,

nas por homens, por onde os espíritos devem passar ao entrar ou sair da aldeia), aprendendo sobre os yã-
miy. Cada grupo de parente está ligado a um grupo de yãmiy. Aqueles que frequentam um mesmo Kuxex
e sempre realizam rituais juntos são chamados xape (parentes) e possuem o conhecimento de determina-
do conjunto de práticas rituais e cantos. Este repertório é um patrimônio familiar passado de geração pa-
ra geração. Um canto é sempre propriedade de um vivente, mas esta propriedade é compartilhada com um
yãmiy (VIEIRA, 2010, p. 139-139). Cf. também Alvarez (1992).
10. Os Maxakali atuais parecem ter herdado uma memória a respeito de relações com inimigos tradicio-
nais mobilizada hoje para mover uma guerra atualizada na forma de disputa pela ‘autenticidade’ indíge-
na’ alcançada através da prática ritual e do uso da língua, e propagandeada através dos CDs e livros de
cantos e histórias em língua vernácula produzidos no âmbito da escola indígena ou de projetos de pesqui-
sa e extensão das universidades (VIEIRA, 2010, p. 37).

74 Repocs, v.13, n.25, jan/jun. 2016


Ao evocar a escola e a Comunidad Nati- para os nativos ao serem estruturadas pelas
va como base para a ação comunitária, eles relações de parentesco (2006, p.188-189).
evocam, simultaneamente, por contraste, as
vidas de seus ancestrais, que viveram na flo- Silva (2010) reflete sobre a importância
resta. Especialmente eles evocam as narra- da escola entre os Xerente, as formas da in-
tivas de escravidão e opressão sofridas por terculturalidade praticadas na e pela escola
seus ancestrais e por alguns parentes mais a partir das práticas dos professores deste
velhos. Os ancestrais foram escravizados pe- povo. Segundo a autora, o professor Xe-
los brancos e seus descendentes viveram e rente “age como um agente ativo e criativo,
trabalharam em sistema de débito (“barra- buscando formas de ensinar em uma escola
cão”) nas haciendas. Os mais velhos viveram formal e fazendo ponte com o conjunto de
essa experiência de violência e as “aldeias símbolos de sua cultura, defronta-se com o
reais” de hoje foram vitórias obtidas frente sistema de educação nativo, não formal e
à oposição dos patrões brancos. Cada refe- não livresco” (SILVA, 2010, p. 30). A esco-
rência à escola e à Comunidad Nativa ressoa la, através de diversas práticas, a exemplo
contra a narrativa de violência e opressão. da documentação da cultura Xerente, vem
Para os nativos, “ser civilizado” não é oposto promovendo eventos, filmando a corrida de
a uma cultura idílica “tradicional” que vem toras entre alunos de várias escolas, uma vez
se perdendo, mas sim se opõe à ignorância que através da corrida de toras são aciona-
e ao desamparo dos antigos ancestrais mo- dos os sistemas de parentesco e o de clas-
radores da floresta. Ser “civilizado” é ser au- sificações clânicas. No âmbito escolar, ade-
tônomo, viver em aldeias de acordo com os mais, são utilizadas as pinturas clânicas, em
valores dos próprios nativos, ao invés de vi- corpos desenhados no caderno ou na lousa
ver dos caprichosos desejos de um patrão. e por meio destas chega-se ao sistema de
[...] O idioma do parentesco permeia toda a parentesco, de clãs, da organização social
sua linguagem, a escola e a Comunidad Nati- tradicional, ao entendimento das mudan-
va são idiomas de parentesco, quando vistas ças operadas em função do contato com a
de dentro da cultura nativa. [...] A constan- sociedade nacional. Nisso, “ao acionar esses
te evocação do passado nas vidas dos nati- conteúdos em sala de aula, o professor está
vos deve ser referida a seus próprios valores. acionando uma relação dos alunos com sua
Para as pessoas nativas, a história é o paren- cultura e com sua história”. Dessa forma, “a
tesco. A história não é experimentada como escola ‘ensina’ e reproduz uma ordem social
uma força que vem de fora para corromper tradicional11” (SILVA, 2010, p. 30).
uma estrutura atemporal de deveres e obri- Melo e Giraldin (2012) refletem sobre a
gações de parentesco. As relações de paren- educação escolar entre os Xerente e, dife-
tesco são criadas e dissolvidas no tempo his- rentemente de Silva (2010), apresentam uma
tórico que confere significados e influências série de contradições e possíveis problemas

11. “O interessante é justamente o fato de esse processo passar pela escola, e da apropriação desta como
lugar por excelência da resistência cultural, combinada com a aquisição de habilidades para preparar as
crianças para o face a face com os não índios. Essas habilidades passam, para eles, claramente pelo domí-
nio da língua portuguesa, da leitura e da escrita” (SILVA, 2010, p. 36).

A antropologia e as experiências escolares indígenas 75


que têm surgido a partir da escola, apesar estudantes em sala de aula. Se a escola, ao
do grande interesse que os Xerente têm por menos a partir de sua lógica ocidental, es-
ela. Segundo os autores, são comuns entre pera estudantes com postura “ativa” e “in-
os Akwe as estratégias que visam domes- teressada” em sala de aula, questionadora,
ticar, ou, em outras palavras, trazer para o não é isso que ocorre nas salas de aula com
“mundo Xerente” sujeitos ou elementos es- estudantes Akwe. Entre os Akwe, ensinar e
trangeiros. É dentro dessa lógica que bens aprender são faces de um mesmo processo
de consumo como bicicletas, fogões, panelas que começa desde muito cedo. Mais que
e outros objetos têm sustentado a rede de aprender, é necessário aprender a apren-
bens e circulação de dádivas construídas nas der, ser um bom aprendiz. Nesse proces-
ocasiões de cerimônias fúnebres, de nomi- so de aprendizagem, a audição prevalece
nação e matrimoniais ganhando, portanto, sobre a fala. Por isso mesmo, as pergun-
um novo sentido (MELO e GIRALDIN, 2012, tas são raras. Isso não quer dizer que o
p. 181-182). Dessa forma, e tendo em vista falar não possua importância no proces-
que é através da relação com o exterior, com so de ensino-aprendizagem, mas sim que
a alteridade, que se alimenta o socius Akwe, a palavra é geralmente posse daquele que
que a escola vai sendo incorporada e domes- tem mais conhecimento. A escola, para
ticada, não sem contradições. os Akwe, ao mesmo tempo que deseja-
A presença da escola na aldeia suscita da, parece constituir um espaço estranho,
diferentes e, por vezes, contraditórias ex- sempre sob suspeita, sobretudo pelas gera-
pressões de sentimentos. A mesma escola ções mais velhas (MELO; GIRALDIN, 2012,
que é reivindicada e vista como um meio p.191). Desse modo, segundo os autores,
de conquistar melhores condições de vida
e como uma oportunidade para conhecer Fica claro que estudos em torno das catego-
melhor o mundo dos brancos, para dele se rias Xerente de pessoa, corpo e conhecimen-
apropriar e/ou defender, é mal vista por to são de fundamental importância para que
tirar as crianças e os jovens do convívio se possa de fato mensurar os reais efeitos do
familiar e ensinar mais coisas dos bran- processo de escolarização, que avança, en-
cos que dos Akwe, afastando, assim, os tre os Xerente a passos largos. Afinal, para
mais jovens da cultura que lhe é própria que a escola em meio indígena seja capaz de
(MELO; GIRALDIN, 2012, p. 183). Ao mes- atender às expectativas e demandas de cada
mo tempo em que enfatizam a importância povo, as atenções devem estar centradas nas
da escola, parecem olhá-la com descon- perspectivas indígenas de educação, e não o
fiança. Portanto, são muitas as dificulda- contrário (2012, p. 195).
des vivenciadas por alunos e professores,
que extrapolam a perspectiva unicamente Se a escola, entre os Bakairi, parece, em
pedagógica; tais dificuldades, surgidas em um primeiro momento, estar completamente
contexto escolar, vão de encontro a noções alheia aos processos e ao contexto “tradi-
Akwe de pessoa, corpo e conhecimento, cionais” nativos de aprendizagem, pois os
noções estas que impactam a “forma es- Bakairi fazem questão de que ela seja “como
colar”, a lógica pedagógica, os processos a do branco” e para isso se esforçam em
de construção do conhecimento e o que se copiar a disciplina, as maneiras, o conheci-
espera em termos de relação e atitude dos mento das “coisas da cidade”, Collet (2006,

76 Repocs, v.13, n.25, jan/jun. 2016


p. 272) defende que, para eles, que forjam de forma geral, a escola é considerada como
sua identidade a partir da “transformação” um espaço para sistematização de conhe-
em “outro”, esta instituição deve ser a mais cimento e cultura, através do aprendizado
parecida possível com a escola não indígena da leitura e escrita. Além disso, é preciso
porque seria o contrário que constituiria dis- considerar outras questões que precisam ser
criminação. Todavia, ela acrescenta: resolvidas, como por exemplo,

[...] No cotidiano, aparentemente tem-se uma [...] Organizar um calendário e um horário


escola não-diferenciada, o oposto do que se- escolares que, para além de garantir que se
ria pensado como escola indígena. [...] É exa- cumpram as exigências da educação escolar
tamente ao pretender ‘ser como o outro’, no oficial, considere a participação das crian-
‘civilizar-se’ pela escola, que os Bakairi visam ças nas atividades domésticas e produtivas,
se reproduzir enquanto um grupo diferencia- do dia-a-dia ou sazonais, pois esta partici-
do, tendo o parentesco como fundamento or- pação tem importância fundamental nestas
ganizacional e valor maior. A escola, em vá- sociedades em termos educativos, económi-
rios sentidos e níveis, funciona como o ka- cos, sociais e culturais. [...] Ainda que supos-
do: pelo seu destaque enquanto instituição tamente diferenciada, é a escola, como ins-
pública; por ser meio de captura de recursos tituição universal e homogeneizadora que
pertencentes a ‘mundos outros’, essencial à tende a prevalecer. [...] O papel de professor
reprodução das famílias; por seu funciona- acarreta, ainda, outras dificuldades: ambos
mento depender de especialistas com conhe- os atuais professores da escola são já consi-
cimento dos códigos do ‘outro’, aprendido derados homens maduros, com filhos e filhas
durante um período de reclusão; por recorrer prestes a casar e, portanto, tendo que obede-
a performances coletivas que envolvem prá- cer a uma série de regras de evitação que têm
ticas que visam ‘transformar’ o kurâ/Bakairi raiz na estrutura social dual baseada em me-
em ‘outro’ (COLLET, 2010, p. 183). tades exogâmicas. Estes professores não po-
dem olhar frontalmente, conversar ou dirigir
Nunes (2010) apresenta, a partir de sua diretamente a palavra às meninas que virão
etnografia do momento da construção de a ser suas noras. O mesmo acontece com seus
uma escola na Aldeia Xavante Idzö uhu, futuros genros. Como será possível conduzir
no Mato Grosso, o empenho de professores uma aula e, simultaneamente, atentar para
para o funcionamento da escola e, da mes- especificidades socioculturais tão sutis e re-
ma forma, os diversos entendimentos que levantes? (NUNES, 2010, p. 106).
pais e mães têm acerca da escola e das pro-
postas educacionais dos professores, que Souza (2001) faz uma etnografia da es-
variam desde os que “não tem opinião con- cola dos Pataxó de Barra Velha, pensando
sistente formada a respeito do assunto. Há -a, do ponto de vista teórico e analítico, a
os que entendem, mas não opinam, há os partir da aproximação entre Antropologia
que desconfiam, os que gostam, os que não e Educação ou, como diz a própria autora
entendem, mas estão a favor, os que são “o problema em que me defronto é o da [...]
contra, os que estão atentos ao que acon- possibilidade de dialogar e incorporar uma
tece e os que não querem saber de nada” abordagem antropológica da educação es-
(NUNES, 2010, p. 100). Para os professores, colar indígena (SOUZA, 2001, p. 38).

A antropologia e as experiências escolares indígenas 77


A escola, para os Pataxó de Barra Velha, rigir a aplicação de um modelo de educação
se constitui como espaço privilegiado de intercultural, em função do qual, apesar de
afirmação da identidade étnica, de fortale- não terem ainda suficiente preparação, pro-
cimento cultural, de atualização da memó- movem o desenvolvimento do sentimento
ria e da história, de aprendizado da língua étnico no grupo, ao realizarem a mediação
Patxohã12 por meio de diferentes mecanis- entre a sociedade nacional e a comunidade
mos e a partir de diversos sujeitos, a exem- indígena. Por meio da seleção dos elemen-
plo dos professores, anciãos, pais, estudan- tos significativos da autoctonia, os professo-
tes e comunidade. Se diversos sujeitos par- res contribuem, de uma maneira nova, para
ticipam desse processo, segundo Souza, os a definição da identidade étnica. Através das
professores ganham destaque privilegiado aulas, no bojo do ensino diferenciado, a cul-
ou estão entre os mais importantes inter- tura pataxó, a identidade do ser pataxó tor-
locutores, “convertendo-se em promotores na-se objeto de conhecimento escolar (SOU-
do resgate étnico”. Desde quando passaram ZA, 2001, p. 50).
a lecionar, os professores indígenas come-
çaram um processo de reflexão geral no in- Chates (2011, 2013) em sua etnografia
terior de sua categoria profissional, a qual, sobre a escola Kiriri, busca analisá-la a par-
organizada em ações culturais, passa a ree- tir da ideia de domesticação13, utilizando
xaminar seu próprio papel, e sua condição tal noção diante do entendimento de que
sociocultural e política na comunidade; são a apropriação de um elemento originaria-
esses mesmos professores que estimulam os mente não indígena – a escola – vai sen-
mais velhos a participarem do ensino dife- do tornada Kiriri, ou seja, domesticada por
renciado. Dessa forma, este povo. Nesses termos, a escola

Os professores indígenas têm assumido, as- [...] é defendida como algo imprescindível
sim, um papel fundamental no novo sistema para a luta indígena. As informações ana-
educativo. São hoje os responsáveis por di- lisadas nas entrevistas indicam um víncu-

12. “O Patxohã é a língua pataxó (BOMFIM, 2012), resultado de um esforço coletivo entre os Pataxó para
a retomada da sua língua mãe, a partir de um processo de política linguística de autoria, que se desenvol-
ve desde os mais velhos e da mobilização entre a geração mais nova através da criação de um grupo de pes-
quisadores pataxó motivados pelo desejo de aprendê-la, tomaram como tarefa a pesquisa para a documen-
tação e ensino da língua pataxó, através de um projeto empreendido por eles próprios, desencadeado em
1998 (CÉSAR, 2011). [...] Enquanto um dos espaços possíveis para a implementação de política linguística
para o ensino do Patxohã, a escola tem sido uma aliada nesse processo como um lugar significativo, pois
é através dela que a geração mais nova está aprendendo o Patxohã. Isso só pode ser possível porque as li-
deranças pataxó deram a importância devida e abraçaram esse sonho de poder ver as crianças falando a
língua e valorizando a sua própria cultura. Atualmente, já existem, só entre os Pataxó da Bahia, 30 profes-
sores de Patxohã espalhados pelas aldeias através das secretarias municipais e estadual de educação, pois
há uma dificuldade em relação a essa questão, pois grande parte desses professores não chegou a concluir
o ensino médio ou ter uma formação específica para professores” (BOMFIM; SOUZA, 2013, p.149-150).
13. Segundo a autora, “a noção de domesticação é uma opção teórico-metodológica, que objetiva realizar
uma inversão do discurso indigenista, na qual um elemento originariamente não indígena – a escola é, an-
tes de qualquer coisa, tratada como item a ser domesticado e não como mero elemento domesticador”.
(CHATES, 2011, p. 228).

78 Repocs, v.13, n.25, jan/jun. 2016


lo entre escolarização indígena e autonomia Em nossa tese (SANTANA, 2015), ins-
indígena, principalmente quando se trata pirados por Gow, defendemos que a escola
de burocracia. Normalmente, as referências para os Tupinambá de Olivença se constitui
à burocracia se direcionam aos entraves na como “idioma de parentesco”. À semelhan-
nossa administração, ou seja, na gestão es- ça dos Piro, mas também com distinções
colar. A escola indígena é defendida também em relação a estes, a escola, nas narrativas
enquanto espaço de encontro e de convivên- Tupinambá, é evocada, em muitas situa-
cia, havendo uma diferenciação entre estes ções, sempre em referência há um tempo
dois termos. Enquanto espaço de encontro, em que seus parentes ou patrícios, como
ou seja, de articulação entre os professores eles se referem, por não terem o domínio
que querem trabalhar juntos em prol da es- da leitura e da escrita, deixaram-se enga-
cola e da educação Kiriri. Ao mesmo tempo, nar por membros da elite local, tendo como
é vista como um espaço de convivência, que consequência a perda de seus territórios e,
faz com que as pessoas, principalmente os consequentemente, a desorganização de
jovens, possam se ver com mais frequência, seus modos de vida. A escola é, portanto,
se relacionar e namorar. Assim, se minimi- hoje, um lugar onde se deve construir tu-
za uma questão que o cacique aponta como pinambá sabido. Mas não somente isso e
um problema: o casamento entre indígenas talvez aqui esteja a distinção em relação ao
e não-indígenas. A fala abaixo exemplifica que a escola significa para os Piro.
a relação entre os conhecimentos internos e O retorno ao passado, para os Tupinam-
externos ao universo da aldeia: “A escola é bá, tem duplo efeito: recorre-se a este para
um lugar aonde a gente pode encontrar um compreender os tempos difíceis, em que
colega que queira trabalhar junto dentro da perderam seus territórios, mas também para
comunidade e fora da comunidade, [...] um atualizar novas relações, na medida em que
ambiente agradável, [...] é um lugar pra gen- rememorar o passado, os tempos dos anti-
te aprender” (Entrevista com Zezinho, diretor gos, dos índios bravos, “verdadeiros”, sig-
das escolas do grupo Kiriri de Cantagalo, nú- nifica em (re) construir esses laços, possi-
cleo Araçá, abril de 2010). Nesta fala, a es- bilitando que estes restabeleçam socialida-
cola é apontada como espaço “fronteiriço”. des perdidas (VIEGAS, 2007; LARA, 2012),
Desse modo, a domesticação da escola pode hoje evocadas como condição para estarem
ser vista como algo concreto a partir do mo- na cultura. Nesse sentido, o tornar-se sabi-
mento em que tal instituição reúne elemen- do14, como já tratamos acima, é atravessado
tos presentes “dentro e fora da comunidade”. por esse “duplo efeito”, que significa tanto
(CHATES, 2011, p. 233-234). a compreensão da leitura e da escrita, mas,

14. Há outros casos etnográficos em que essa expressão aparece na relação dos índios com a escola. Se-
gundo Mariana Paladino, para o caso de jovens Ticuna que experimentam a cidade, inclusive para estu-
dar, o tornar-se sabido passa pela apreensão do mundo dos brancos. Dessa forma, “outro aspecto envolvi-
do na escolha da cidade é a valorização desse âmbito como uma instância pedagógica em si mesma. Pre-
domina a ideia de que viver ou passar um período na cidade faz a pessoa mais ‘sabida’, mais ‘amadureci-
da’, com uma ‘visão mais ampla das coisas’. Acredita-se que, sobretudo, os mais jovens têm de apreender
coisas dos brancos e, para isso, morar na cidade é a melhor forma de aprender. [...] A socialização das

A antropologia e as experiências escolares indígenas 79


sobretudo, a compreensão da história e da tores a concordar que é de grande relevân-
memória Tupinambá, a valorização da cul- cia analisar, colocando em relação, tanto
tura, do estar na cultura, da tradição, da os modos como a educação escolar indí-
língua, daquilo que é considerado como gena têm se constituído e implementado
sendo “propriamente Tupinambá”, tendo no Brasil, como o modo com que tem sido
que ser produzido constantemente na re- incorporado ao debate da antropologia. De
lação com os parentes. No limite, tornar-se um lado, acompanhamos uma história re-
sabido implica em sair em defesa do paren- cente em que as escolas têm crescido em
tesco e na possibilidade de estar na cultura. número e em importância política para os
Santana (2015) demonstra como a es- indígenas no Brasil. Neste processo, a es-
cola tem se tornado o lugar não somente cola, marcada historicamente pelo esforço
da “resistência cultural e de reprodução de “integração do índio à sociedade nacio-
da ordem tradicional”, como afirma Silva nal”, passa a ser uma parte importante da
(2010) referindo-se ao caso Xerente. A es- política dos próprios indígenas, uma parte
cola tem sido o lugar mesmo de produção de sua vida em que temas como a defini-
de cultura, de pessoa, de parente, de “reto- ção das identidades indígenas, da cultura
mada” da tradição e de atualização do que indígena, dos processos próprios de ensino
significa, para este povo, estar na cultura. e aprendizagem, dos conhecimentos indí-
Os Tupinambá entendem o conhecimento genas, assim como processos de aparenta-
produzido e transmitido pela escola como mento e construção de coletivos, ganham
sendo cultura, sobretudo aquele que está o foco de atenção e da prática. De outro
relacionado à história e à memória do pró- lado, vimos como esta escola, especifica e
prio povo. O conhecimento é tornado cul- diferenciada, indígena, tem se tornado ob-
tura e, da mesma forma, a cultura é tornada jeto de pesquisa e reflexão na antropolo-
conhecimento. Daí o porquê de se ensinar gia, colocando em relevo estes tanto temas,
a cultura na escola, das aulas de cultura, de interesse em toda a etnologia, de modo
da valorização da história Tupinambá, dos muito particular, assim como agudo.
processos que expandem a escola para mui- De modo enfático, entendemos que não
tas comunidades e da centralidade que esta é possível, hoje, no Brasil, entender as re-
tem entre os Tupinambá (SANTANA, 2015). alidades indígenas e os modos como se
constituem identidades indígenas, sem que
Considerações Finais se entenda o papel que a escola tem nes-
ses processos. Assim sendo, enfatizamos a
Esperamos que este apanhado e esta importância de estudos específicos sobre as
discussão da literatura, que se tem produ- práticas pedagógicas e as gestões da escola
zido recentemente, tenha conduzido os lei- indígena, tendo em vista uma maior com-

crianças Ticuna também está vinculada a contextos e a situações espontâneas baseadas na imitação das
tarefas e das atividades realizadas pelos pais e irmãos. Por isso, faz sentido a representação de que para
aprender sobre o ‘mundo dos brancos’ viver no meio deles – a cidade – é o melhor método de aprendiza-
do. A convivência e o trato cotidiano com os ‘brancos’ garantem também a aprendizagem do português.
A experiência adquirida nessa convivência complementa, na visão dos estudantes Ticuna e os seus paren-
tes, os conhecimentos recebidos nas instituições escolares” (PALADINO, 2006, p. 141 - 142).

80 Repocs, v.13, n.25, jan/jun. 2016


preensão dos modos como conhecimentos LADINO, M; CZARNY, G (Orgs.). Povos indígenas
e práticas escolares ganham forma nas di- e escolarização: discussões para se repensar novas
versas experiências, inclusive, como propo- epistemes nas sociedades latino-americanas: Rio
mos ser uma atividade de grande relevân- de Janeiro: Garamond, 2012.
cia para os antropólogos, para avaliação e BOMFIM, A. B. Patxohã, língua de guerreiro: um
debate das políticas públicas, nacionais, de estudo sobre o processo de retomada da língua Pa-
educação escolar indígena com um olhar taxó. Dissertação (Mestrado em Estudos Étnicos
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obliteradas pela hegemonia dos processos Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salva-
de cunho nacional. Mas enfatizamos, tam- dor, 2012.
bém, que as pesquisas em etnologia indí- BOMFIM, A. B.; SOUZA, A. B. B. de. O valor de
gena – área do conhecimento atenta aos uma escola para Kitok a partir da memória históri-
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RESUMO ABSTRACT
As conquistas legais obtidas pelos povos The legal gains made by indigenous peo-
indígenas na luta pelo direito a uma edu- ples in the struggle for the right to a dif-
cação escolar diferenciada são muito re- ferentiated school education are very re-
centes. A partir da Constituição Federal de cent. From the Federal Constitution of
1988, resultou um detalhamento de leis 1988 on, there has been a breakdown of
que anunciam e encaminham possibilida- laws which advertise and forward possi-
des para uma escola indígena específica, bilities for a specific, differentiated, inter-
diferenciada, intercultural e bilíngue, re- cultural and bilingual indigenous school,
conhecendo o direito dos povos indígenas recognizing the right of indigenous peo-
manterem suas identidades étnicas, fazen- ples to maintain their ethnic identities,
do uso de suas línguas maternas e proces- making use of their native languages and
sos próprios de aprendizagem. Para além their own learning processes. Beyond
do que o Estado passou a denominar de what the state began to call “indigenous
“escola indígena”, buscamos, neste artigo, school”, in this article, we aim at showing
apresentar distintos “casos etnográficos” distinct “ethnographic cases” where indig-
em que coletivos indígenas acionam a es- enous groups trigger school from the most
cola a partir de intencionalidades as mais diverse intentions, informed by their epis-
diversas, informadas por suas epistemolo- temology, own knowledge and sociocos-
gias, regimes próprios de conhecimento e mology regimes, which, ultimately and by
sociocosmologias que, no limite, acabam, different means, end up controlling the
por diferentes meios, domesticando a es- school and producing confrontations and
cola e produzindo enfrentamentos e novas new demands to the state. Thus, the ways
demandas para com o Estado. Dessa for- indigenous peoples get to possess the
ma, os modos como os indígenas se apro- school produce approaches and deviations
priam da escola produzem aproximações e concerning the policies that the state pre-
afastamentos em relação às políticas que o pares for indigenous peoples, and they al-
Estado elabora para os povos indígenas, so bring consequences, tensions, chal-
trazem consequências, tensões, desafios lenges both for the state and for the indig-
tanto para o Estado como para os coletivos enous groups and, likewise, for the An-
indígenas e, do mesmo modo, para a An- thropology.
tropologia.

PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS
Antropologia. Interculturalidade. Escolas Anthropology. Indian schools. Intercul-
indígenas. turalism.

Recebido em: 09/05/15


Aprovado em: 29/11/15

A antropologia e as experiências escolares indígenas 85


86 Repocs, v.13, n.25, jan/jun. 2016

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