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Alfabetização Intercultural: Vivenciando o reconhecimento das diferenças1

João Luiz da Silva Lopes2

Resumo
O estudo propõe-se a refletir sobre as relações vividas no cotidiano escolar da UP
Bolonha propondo outras formas, onde as diferenças possam ser reconhecidas e
consideradas no campo educacional. Na intenção de podermos contribuir com a
desconstrução e superação da ideia que concebe a sociedade como única,
homogênea e preconceituosa. A perspectiva decolonial orientou a percepção
sobre a realidade investigada, iniciando com um diagnóstico sobre a
representação dos alunos em relação às desigualdades sociais, questões étnicas
e de gênero que se tornaram objeto de nosso trabalho. Depois foram exibidos
vídeos/documentários sobre as culturas, seguidos de discussões, estudos de
textos, leitura e produção textuais. A alfabetização intercultural possibilitou a
construção de identidades por meio de um processo de interações e trocas entre
as diferenças encontradas em sala. Para Walsh (2007), a interculturalidade
significa: Um espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades, as
relações e os conflitos de poder da sociedade não são mantidos ocultos e sim
reconhecidos e confrontados, ou seja, um processo dinâmico e permanente de
relação, comunicação e aprendizagem entre culturas em condições de respeito,
legitimidade mútua, simetria e igualdade. As atividades realizadas proporcionaram
diversas reflexões acerca da temática estudada bem como um leque de
conhecimentos, saberes e práticas culturais bem diferentes, assim, buscou-se
desenvolver um novo sentido entre elas nas suas diferenças.
Palavras Chave: Alfabetização. Diferenças. Interculturalidade.

Introdução
O interesse pela temática surgiu em decorrência de observações sobre o
cotidiano escolar no Anexo da Escola Parque Bolonha como: a separação entre
meninos e meninas, o preconceito étnico racial e apesar de não ter ricos na
classe, identifiquei certa discriminação com os mais pobres ou miseráveis.
Combinando isso com a disciplina Perspectiva Decolonial, o Estado e a educação
antirracista, cursada no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e
Antropologia da UFPA, no segundo semestre de 2016, cujo objetivo é a
construção de uma abordagem articulada das questões indígena, africana e afro-
brasileira, com base nas leis 10639/03 e 11645/08, que regulamentam o ensino
das respectivas histórias e culturas nas escolas de ensino fundamental e médio.

1 Trabalho apresentado como requisito de avaliação da disciplina A perspectiva decolonial, o


Estado e a educação antirracista, ministrada pelo professor Rodrigo Peixoto, no Programa de Pós-
Graduação em Sociologia e Antropologia/UFPA, no segundo semestre de 2016.
2 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia/UFPA.
Os objetivos são: Proporcionar aos discentes a discussão sobre as
diferenças presentes na escola e sociedade; Refletir sobre os preconceitos e
desigualdades no interior da escola e sociedade; Propor ações de combate e
superação do preconceito, do racismo e das desigualdades.
As reflexões contidas neste trabalho, de acordo com a perspectiva que sigo,
considera as relações dinâmicas e, portanto, não redutíveis às estruturas formais
de explicação, procuram contribuir com o debate e ações sobre o combate e
superação do racismo, das desigualdades sociais e de gênero, nos contextos
temporais e espaciais amazônicos.

Alfabetização Intercultural e o combate às desigualdades

É necessário problematizar a naturalização das relações sociais em que as


desigualdades no país, em seu viés perverso, onde a diferença é entendida como
parte de uma “totalidade brasileira” dentro de um sistema hierarquizado e
mantenedor das desigualdades (SALAINI, 2009).
Gênero está sendo trabalhado na mesma perspectiva de Querino, Lima, e
Madsen (2011), como uma categoria relacional que permite o reconhecimento de
padrões culturais, de homens e mulheres, que se orientam por uma lógica de
divisão e diferenciação subordinadora de características, atributos e performances
sociais.
A idéia de diversidade não pode ser usada para justificar as desigualdades,
mas entendidas como resultado de processos históricos:

A diversidade é uma construção histórica, cultural e social das


diferenças. Portanto, ela é cultural e não natural, ou seja, resulta das
trocas entre sujeitos, grupos sociais e instituições a partir de suas
diferenças, mas também de suas desigualdades, tensões e conflitos.
Desse modo, está relacionada com a identidade, história e memória de
grupos sociais (COELHO; SANTOS E SILVA, 2015, p. 23)

O respeito à diversidade e às diferenças vai além de um problema escolar,


porém é a escola o local com maior capacidade e potencialidade de construir
alternativas de solução, ou pelo menos de diminuição das desigualdades.
Trabalhar com a idéia de igualdade na perspectiva da interseccionalidade
(gênero, etnia e classe), significa avançar na formação crítica de professores, na
elaboração de propostas curriculares e de material didático que apresentem
propostas alternativas. Além da necessidade de dar visibilidade e respostas
políticas ao fenômeno.
É nessa direção que caminham Oliveira e Candau (2011), ao discutirem
sobre a decolonialidade, entendida como pensar a partir das ruínas, das
experiências e das margens criadas pela colonialidade do poder na estruturação
do mundo moderno/colonial, como forma de reconhecer conhecimentos “outros”
em um horizonte epistemológico transmoderno, ou seja, construído a partir de
formas de ser, pensar e conhecer diferentes da modernidade europeia, porém em
diálogo com esta. Isso requer um olhar sobre enfoques epistemológicos e sobre
as subjetividades subalternizadas e excluídas. Supõe interesse por produções de
conhecimento distintas da modernidade ocidental.
Diferentemente da pós-modernidade, que continua pensando como
referência o ocidente moderno, a construção de um pensamento crítico “outro”,
parte das experiências e histórias marcadas pela colonialidade. O eixo que se
busca é a conexão de formas críticas de pensamento produzidas a partir da
América Latina, na perspectiva da decolonialidade da existência, do
conhecimento e do poder (OLIVEIRA E CANDAU, 2011).
Para Catherine Walsh (2007), a interculturalidade crítica significa: Um
espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades (sociais, econômicas
e políticas), as relações e os conflitos de poder da sociedade não são mantidos
ocultos e sim reconhecidos e confrontados; Um processo dinâmico e permanente
de relação, comunicação e aprendizagem entre culturas em condições de
respeito, legitimidade mútua, simetria e igualdade; Um intercâmbio que se
constrói entre pessoas, conhecimentos, saberes e práticas culturalmente
diferentes, buscando desenvolver um novo sentido entre elas na sua diferença.
Portanto, precisamos superar a idéia de homogeneização da modernidade e
avançar na valorização das diversas experiências silenciadas, inferiorizadas pelo
processo de colonização/modernização.

Procedimentos Metodológicos
A perspectiva decolonial orientou a percepção sobre a realidade
investigada, iniciando com um diagnóstico sobre a representação dos alunos em
relação às desigualdades sociais, questões étnicas e de gênero que se tornaram
objeto de nosso trabalho.
Depois foram exibidos vídeos/documentários como: Menino Urubu, Vida
Maria, A África que nunca vimos, Breve histórico da cultura africana, Menina
bonita do laço de fita e Quem é o índio brasileiro – o que é ser índio, seguidos de
discussões, estudos de textos, leitura e produções textuais.

Resultados e discussão
Desigualdades sociais: Porque os pais não trabalham, são desempregados;
porque as crianças são abandonadas; porque os pais bebem muito;
Cultura Indígena: Os índios são diferentes; tem mulher e criança; se vestem
diferente; se pintam diferente; dançam diferente; estudam; tem casas diferentes...
Cultura negra: Os negros são maltratados pelas pessoas; algumas pessoas não
gostam de negros; os negros são pessoas do bem; Em relação à questão de auto
identificação apenas 5 se consideram negros.
Questão de Gênero: Quando as cadeiras são organizadas em dois blocos,
automaticamente se posicionam meninos para um lado e meninas para outro;
está muito presente a separação por cores, brinquedos e brincadeiras. O
interessante é que alguns já falam em namorar: “Fulana que gosta de cicrano”.

Considerações Finais
Como todo processo de desnaturalização, reflexão causa desconforto e
resistência, alguns alunos não queriam participar da exibição de alguns vídeos,
alegando que era chato. Mas gostaram dos vídeos Menino Urubu e Menina Bonita
do Laço de Fita, talvez por serem mais atrativos pela animação e destinado ao
público infantil.
Consideramos essa experiência como o início de um processo, que
conseguiu problematizar e sensibilizar a percepção dos alunos em relação às
questões abordadas. É claro que precisam de continuidade e aprofundamento,
até mesmo para explorar melhor e sistematizar as proposições para o
enfrentamento das desigualdades sociais, de gênero e raciais.
Referências
COELHO, Wilma; Raquel, SANTOS; Rosângela, SILVA. Educação e
Diversidade na Amazônia. São Paulo: Editora Livraria da Física, 2015.

OLIVEIRA, Luiz Fernandes de; CANDAU, Vera Maria Ferrão. Pedagogia


decolonial e educação antirracista e intercultural no Brasil. Educação em
Revista, Belo Horizonte, v.26, n.01, p.15-40, abr. 2010.

QUERINO, Ana; LIMA, Cleiton; MADSEN, Nina. Gênero, Raça e Educação no


Brasil contemporâneo: desafios para a igualdade. In: BONETTI, Alinne; ABREU,
Maria Aparecida (Orgs.). Faces da Desigualdade de Gênero e Raça no Brasil.
Brasília: Ipea, 2011.

SALAINI, Cristian. Desigualdades étnico-raciais no Brasil. In: Desigualdades de


Gênero, Raça e Etnia. Curitiba: Ibpex, 2009.

WALSH, Catherine. Pedagogías insurgentes de resistir, (re)existir y (re)vivir.


http://www.reduii.org/cii/sites/default/files/field/doc/Catherine%20Walsh%20%20P
edagog%C3%ADas%20Decoloniales.pdf

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