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S471r Resumos do 11º Seminário de Pesquisas em Andamento PPGAC/CAC/ECA/USP (1.2 : 2022: São Paulo)
ISSN 2318-8928
CDD: 792
SUMÁRIO
SUMÁRIO _______________________________________________________________________ 2
PERFORMANCE [ESCREVEDOR DE HISTÓRIAS]: CONTRIBUIÇÕES PARA O
DESAPAGAMENTO DA CULTURA AFRO-DIASPÓRICA _______________________________ 10
Marcel Leandro Szymanski ________________________________________________________________10
STILETTO – UMA BREVE REVISÃO SOBRE A DANÇA QUE SE FAZ NO SALTO ALTO ____ 271
Matheus dos Anjos Margueritte ___________________________________________________________ 271
Tragam a pretitude para o cubo branco das artes e, quanto mais pretos ali presentes, menos
pretos vemos ali ou se torna visível exatamente o preto que se tenta apagar. Ainda assim,
não é o Negro que encontramos e sim o assombro da figuralidade do Negro, o fantasma do
racismo que volta para assombrar os espaços brancos da arte. A ocupação de um fugitivo é
sempre o pior pesadelo do Branco. Politizar a performance é o trabalho da política-estado. A
pretitude tem que se fazer não mapeável por tal política, ao se presentificar com suas poéti-
cas em espaços brancos. A fuga, portanto, não é a ausência do fugitivo, mas a denúncia de
ausência de mundos, a devolução de uma não presença que ali age, de um fantasma para as-
sombrar o Mundo que insiste em matar outros mundos. A materialidade sensível, no caso da
pretitude, é a vida de uma matéria que não se alcança, uma matéria-vida que escapa a todo
movimento dessa política-estado, que é uma política de morte direcionada às gentes pretas
(Gadelha, 2019, p. 15).
REFERÊNCIAS
EVARISTO, C. Conceição Evaristo: literatura e consciência negra [Entrevista concedida a] Bárbara Araú-
jo. Blogueiras Feministas, 22 de novembro, 2011. Disponível em:
https://blogueirasfeministas.com/2011/11/22/conceicao-evaristo. Acesso em: 02 set. 2022.
GADELHA, José Juliano. O Sensível Negro: rotas de fuga para performances. Revista Brasileira de Estu-
dos da Presença, v. 9, n. 4, 2019.
ORI. Direção de Raquel Gerber. Brasil: Estelar Produções Cinematográficas e Culturais Ltda, 1989, vídeo
(131 min.), colorido. Relançado em 2009, em formato digital.
O COMPARTILHAMENTO DE DIREÇÃO TEATRAL: NO PROCESSO CRIATIVO
DA PEÇA CASA DE BONECAS, DE IBSEN
Carla Medianeira Antonello
carlantonello@gmail.com
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trata de uma reviravolta similar que acontece na peça, quando a personagem principal, Nora,
repensa sua condição de boneca manipulada. Para intensificar a situação, quem atuou foi uma
menina de dez anos, na ficção, filha de Nora.
Para possibilitar aos estudantes atuar nas personagens principais, optou-se pelo desdo-
bramento das personagens: quatro Noras, quatro Lindes, seis Helmers, quatro Krogstads e cinco
Ranks. Diante disso, as cenas eram criadas coletivamente, com atenção para não tornar o texto
em formato de coral. Também se modificou a dança concebida pelo escritor, uma tarantela, por
um samba brasileiro. A construção da sonoplastia do espetáculo resultou assim numa brasilida-
de para uma peça extraída de outro contexto sociocultural.
Conjuntamente, outra equipe de estudantes/pesquisadores se dedicava a preparar o
elenco. A turma teve seu curso praticamente on-line. Observou-se o quanto o ensino a distância
prejudica a formação dos estudantes, que apresentavam dificuldades de atuação e contraence-
nação. O processo se desenvolveu também em experimentações pelos études, que se realizam
por meio de cenas improvisadas, visando a uma criação mais inventiva e orgânica do trabalho do
ator. Como inspiração, a diretora trouxe dois vídeos extraídos da exposição do Instituo Ricardo
Brennand, uma sobre guerreiros e outro de bailarinas, que foram importantes no desenvolvi-
mento psicofísico do elenco.
A pesquisadora Angélica L. A. Brandão acessou seus estudos sobre a manifestação cultu-
ral do Guerreiro, aplicando exercícios para a construção das personagens. Outro dado que cau-
sou um diferencial foi o pesquisador Carvalho, que nomeou as personagens com adjetivos ‒ co-
mo exemplos, as Noras (uma impetuosa, duas inocentes, três dependentes emocionais e quatro
sensuais). Aliados como um gatilho para a ação física na totalidade do corpo, da mente e dos
afetos. Tais encaminhamentos traziam suporte para os atores criarem suas personagens; ao
mesmo tempo, uma mesma personagem poderia ter várias facetas.
Esse trabalho de desdobramentos requer um mergulho para proporcionar uma atmosfe-
ra criativa e a unidade na encenação. Para tanto, seguiu-se o pressuposto de Stanislavski em
manter os princípios de ética, da disciplina e da disponibilidade entre os integrantes do coletivo,
a fim de saber lidar com as subjetividades afloradas nos momentos de criação, respeitando os
espaços de cada um. Para observar os resultados foi aplicado um questionário. Selecionou-se a
voz deste estudante:
Acho válido falar de direção. Tivemos uma direção compartilhada e que ajudou muito para o
enriquecimento do espetáculo. Mas houve momentos em que parecia que os diretores esta-
vam dirigindo espetáculos diferentes, cenas foram remarcadas e cortadas pelos diretores e
isso trouxe confusão para o elenco e perda de tempo, já que tempo era algo que não tínha-
mos tanto.
REFERÊNCIAS
IBSEN, Henrik. Casa de bonecas. Tradução: Cecil Thiré. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
STANISLÁVSKI, K. El trabajo del actor sobre sí mismo. El trabajo del actor sobre sí mismo en el proceso
creador de las vivencias. Tradução de Salomón Merener. Buenos Aires: Quetzal, 1980.
A mendiga e o samurai. https://www.revistapazes.com Acesso em: 20 mar. 2022.
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A ARTE DA PERFORMANCE E A APROPRIAÇÃO PEDAGÓGICA DO CELULAR:
NO CEPI VISCONDE DE MAUÁ EM GOIÂNIA-GO
Paulino Antonio da Silva Moreira
paulino.silva@seduc.go.gov.br
A pesquisa apresentada trará uma reflexão sobre a utilização do telefone celular como
ferramenta pedagógica no Ensino Fundamental e visa refletir sobre o uso das novas tecnologias
aplicado no ambiente pedagógico, discutindo a avaliação do uso do celular como ferramenta
pedagógica, promovendo assim, um diagnóstico investigativo do conceito de melhoria do pro-
cesso de aprendizagem.
A tecnologia da informação e comunicação tem um papel de destaque dentro do espaço
escolar e não mero auxiliar dos alunos no ensino e na aprendizagem, levando em consideração
que o professor ao utilizar a tecnologia da informação em sala de aula, e então ele passa a ser
não o professor que fala e o aluno ouve, mas sim o que compartilha conhecimentos.
Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças
que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende
ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina alguma coisa a alguém. (FREI-
RE, 1996, p.12)
Segundo Ataíde (2014) a ideologia de macro influência capitalista há muito tempo notou
que n~o se pode obter um processo “formativo” coerente com as necessidades emergentes des-
te tempo, sem introduzir largamente a tecnologia em todos os espaços, sobretudo o escolar.
Culturas que não obedecem aos padrões ocidentais de consumo tecnológico são erroneamente
consideradas mais simples e “merecedoras” de mais tecnologia no cotidiano das pessoas.
Dispõe sobre a proibição do uso do telefone celular na sala de aula das escolas da re-
de pública estadual de ensino. A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE GOIÁS, nos
termos do art. 10 da Constituição Estadual, decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art.1º Fica proibido o uso de telefone celular na sala de aula das escolas da rede pú-
blica estadual de ensino.
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Parágrafo único: Cabe às escolas definirem as medidas disciplinares aplicáveis aos
alunos que infringirem o dispositivo do caput¹.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação (GOIÁS, 2010).
É uma questão a ser discutida, pois temos a questão da legalização e a questão que está
sendo discutida neste que trata – se da reflexão desse suporte eletrônico como material peda-
gógico. Refletir a possibilidade de construção de conhecimento, ensino e aprendizagem.
A escola não é uma sociedade à parte, portanto é importante que vejamos os benefícios
que ambos (tecnologia x escola) podem proporcionar nas oportunidades que andarem juntas,
para fazer um aprofundamento dessa ideia, procuramos em Paulo Freire quando ele apresenta o
viés de mão dupla, em que se ensina o que aprende e aprende-se ao ensinar.
O intuito de instigar o professor e seus alunos a terem contato com os incômodos que
acontecem fora da escola e como os estudantes observam, registram e iconograficamente co-
mo o ambiente escolar pode ser formador da consciência crítica tanto para o aluno quanto para
o professor.
Conclusão
O resumo expandido realizado a partir de pesquisas bibliográficas e ação pedagógica,
sobre a reflexão do uso do celular como ferramenta pedagógica nos leva a crer que a massifica-
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ção da tecnologia e sua popularização é um caminho sem volta. Após pesquisa intensa desco-
bre-se que apesar de controverso o tema utilização de aparelhos celulares em sala de aula já é
uma realidade e que tem apresentado bons resultados e de maneira surpreendente quando alia-
do a performance arte educativa crítica e criativa com inovação e o professor mediador da expe-
riência consumatória de arte.
REFERÊNCIAS
ATAÍDE, Jeferson Fagundes. O Arborescer das TIC na Educação: da raiz aos ramos mais recentes. Goi-
ânia, 2015.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 17 Ed. Rio de Janei-
ro: Paz e Terra, 2001.
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A BICADA DO CEGONHO: A COMICIDADE SEXUAL NA TELENOVELA ÊTA
MUNDO BOM!
Thiago Henrique Fernandes Coelho
thiagfcoelho@hotmail.com
O caipira na literatura
Monteiro Lobato em Urupês, descreve o Jeca Tatu. Conta que a criação da personagem
ocorreu na fazenda do seu pai, chamada de Paraíso. O nome veio da história de Nhá Gertrudes,
uma idosa que residia em um rancho na beira da estrada. Esta velha contava muito sobre o seu
neto Jeca, que simbolizava para ela o maior homem neste mundo. Como falava muito nele, ge-
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rava a curiosidade nas pessoas de conhecer esse moço. Certo dia, o famoso neto Jeca apareceu
com Nhá Gertrudes na fazenda Paraíso, só que ele não aparecia em nada com a descrição que a
vó fazia dele.
Cornélio Pires
Nas primeiras décadas do século XX, a música caipira foi divulgada por Cornélio Pires,
sendo o principal promotor da cultura caipira, ele formava caravanas de cantadores, violeiros e
humoristas e percorria diversas regiões do Brasil realizando apresentações para todas as classes
sociais. Fez uma divulgação do caipira em palestras, monólogos e livros e ainda profissionalizou
a música sertaneja. Cornélio Pires usava sua experiência de vida para criar personagens caipiras
e escrever seus textos, pois ele passou a infância no interior paulista, se inspirou muito nas histó-
rias do seu pai Raymundo Pires (DANTAS, 1976).
O caipira no cinema
Amácio Mazzaropi estreou na rádio Tupi com o programa Rancho Alegre, em 1946, a
convite de Demerval Costa Lima, lugar que trabalhou por sete anos, fazendo um programa ser-
tanejo de humor. Seu linguajar agradou tanto os ouvintes, que o levou em 18 de setembro de
1950 para a TV Tupi. Colocou ali o programa Rancho Alegre, o mesmo do rádio, com sua parceira
Geny Prado. Interpretava um caipira cantador, romântico e esperto, sendo o mais conhecido do
país. A Companhia Cinematográfica Vera Cruz de São Paulo produziu o primeiro filme preto e
branco em que atuou como protagonista em 1951, intitulado Sai da Frente.
Dados da Pesquisa
Observamos que a telenovela Êta Mundo Bom! aborda o sexo e os desejos sexuais pelo
viés do duplo sentido na comédia. Através de metáforas como o canto do galo para simbolizar o
ato sexual, e o cegonho para simbolizar o órgão masculino é abordada a temática sexual no ho-
rário das 18 horas, que possui uma classificação indicativa que determina o que pode ser apre-
sentado. Podemos pensar, que provavelmente se esta telenovela fosse exibida no horário das 21
horas ou 23 horas, não teríamos essas metáforas, e perderíamos todas as situações criadas pela
personagem Mafalda e seus familiares. Dessa forma, vemos que a dramaturgia de Walcyr Car-
rasco usou de uma engenhosidade presente na história da comédia, como os três teóricos cate-
gorizaram, e trouxe um riso caipira sexual no horário das 18 horas da Rede Globo.
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Outro ponto, é que sempre existiu, conforme evidencia Bakhtin (1982) diversas nomen-
claturas para o ato sexual e os órgãos genitais. Vemos isso em nosso cotidiano, quando as pes-
soas se referem a eles. E o novelista criou mais termos para tal assunto. Sendo uma estratégia
bem sucedida, visto o sucesso da telenovela, da personagem Mafalda, do cegonho e de todos os
personagens do núcleo caipira.
Falar sobre sexo é um tabu em nossa sociedade, como foi na época da década de 1940
em que a telenovela Êta Mundo Bom! se passa. Sendo algo que faz parte da vida do ser humano,
mas que não pode ser falado, tem que ficar camuflado, como se não tivéssemos relações sexu-
ais. Desse modo, a telenovela analisada aqui, se propõe a abordar o sexo e o desejo sexual, seja
nos jovens como nos idosos, evidenciando que todos nós temos direito ao sexo, e que ele não
precisa ser um tabu. Sendo possível de ser tematizado em qualquer horário da televisão, como é
o caso de Êta Mundo Bom!. Que o cegonho, o galo, e a pomba, a juriti batam asas, cantem, etc,
pois precisamos falar sobre sexo em todas as gerações, pois uma sociedade esclarecida sobre o
lado positivo e negativo de um assunto é uma sociedade mais evoluída e democrática. Dessa
forma, a telenovela, pelo viés da comédia, contribuiu para a discussão dos temas sexuais nas
diversas fases da vida.
REFERÊNCIAS
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ANIMAL NOTURNO: SOBRE A ANTROPOFAGIA NO CORPO ENCLAUSURA-
DO
Alexandra Gonçalves Dias
xandadias@yahoo.com
Esta pesquisa desenvolve ações que promovem estudos avançados sobre a antropofagia
no corpo e na cena. O projeto é sediado na Universidade Federal de Pelotas (RS) e integra as
pesquisas do grupo OMEGA – Observatório de Memória, Educação, Gesto e Arte. O trabalho
tem como característica fundamental a abordagem practice as research (NELSON, 2013). Por-
tanto, se dedica à produção de conhecimento por meio de estudos teóricos em ressonância com
a produção em arte. Isso envolve a criação de espetáculos, performances, oficinas, palestras-
performances, entre outras ações. Animal Noturno é um espetáculo de dança que está sendo
desenvolvido em colaboração com dezesseis dançarinos/as criadores da Cia. OUTRO Danças.
Neste processo, investigamos o corpo-antropofágico (DIAS, 2020) a partir da situação de isola-
mento causada pela pandemia da COVID-19. Desta forma, estamos criando coreografias a partir
de uma pesquisa de movimento que evidencia o corpo selvagem na condição de clausura e sufo-
camento. Animal Noturno encerra a trilogia de investigação antropofágica no corpo dançante a
qual gerou o solo BITCH, além do espetáculo e do filme para tela CÃES.
A proposta antropofágica, formulada por Oswald de Andrade EM 1928 a partir do antigo
e mais duradouro ritual do Povo Indígena, vem sendo regurgitada, e re-mastigada por artistas
das artes da cena desde que o grupo Teatro Oficina Uzyna Uzona, de José Celso Martinez Cor-
rêa, ousou colocar em cena pela primeira vez o espetáculo "O Rei da Vela" em 1967. A partir da-
quele momento, trabalhadores do teatro, da dança e da performance vêm utilizando a proposi-
ção antropofágica como um exercício estilístico, uma ferramenta de operação, e como modo de
composição. Assim, em diversas obras contemporâneas é possível identificar características que
se relacionam com as provocações trazidas por Oswald de Andrade em seu paradigmático Mani-
festo: a incorporação do outro, a irreverência, a jocosidade, o despudor e a audácia.
A antropofagia foi balizadora no desenvolvimento teórico e prático do estudo de douto-
ramento da autora realizado na University of Roehampton (Reino Unido), trabalho que se des-
dobra nessa pesquisa. Compreende-se a antropofagia como matéria para o corpo dançante,
gerando um processo encarnado que vai provocar aquilo que denominamos de corpo-
antropofágico. O que propomos são vias para a animação da antropofagia no corpo, ou seja,
métodos que vão tornar essa metáfora operante no corpo do dançarino/a, tornando-o apto à
incorporação do outro. Esta proposta de antropofagia no corpo pretende ir além da formulação
teórica, pois se instaura necessariamente no corpo do artista. O corpo-antropofágico, tal como
formulado, é esburacado, aberto à incorporação do outro através do avivamento de todos os
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seus buracos numa perspectiva que visa tirar da boca, e, portanto, da palavra, o lugar de prota-
gonista do enunciado corpóreo antropófago. Essa perspectiva tem como base a proposta
des(CU)lonial formulada por Jota Mombaça (2015).
Animal Noturno é a mais recente empreitada neste sentido. O trabalho é um espetáculo
de dança que segue essa abordagem antropofágica na qual se explora a possibilidade de abrir e
conectar buracos do corpo, especialmente aqueles interditados pela heteronormatividade com-
pulsória (ânus e vagina). Assim como nos trabalhos anteriores conduzidos na pesquisa (BITCH e
Cães), o procedimento de esburacar o corpo acena à chegada de um ser trans-específico que se
localiza entre a pessoa e o animal. O solo BITCH (2018-2020), dançado pela autora, explora uma
noção xamânica que permitiu transitar entre a mulher e a cadela, propondo reposicionar a pala-
vra “bitch” como um termo depreciativo. J| o espet|culo e no filme para tela C~es (2020-2022)
trouxe homens (cis, trans e queer) fruindo seus corpos de forma coletiva, celebrando sua exis-
tência como matilha. Em Animal Noturno, estamos explorando essa corporeidade selvagem em
situação de clausura e sufocamento. O corpo pandêmico e pós-pandêmico está sendo investi-
gado pelo elenco de 16 dançarinas e dançarinos que compõem o grupo OUTRO Danças. As co-
reografias elaboradas neste trabalho em andamento se localizam na relação entre mãos, pesco-
ço e boca, gerando movimentações que denunciam um corpo em agonia e dispnéia. Outro as-
pecto, não explorado nos trabalhos anteriores, é a sensação de isolamento e dissociação, o que
produz movimentações nas quais o olhar é introverso e coreografias que remetem à letargia por
meio de movimentos pendulares e repetitivos. O corpo-antropofágico, que se dá na incorpora-
ção do outro, se manifesta no que apontamos como segundo ato do trabalho no qual percebe-
mos uma mudança que aproxima os corpos do elenco e que evidencia a necessidade do toque e
da comunhão. Este segundo ato se inspira nos desenhos produzidos pelos xamãs Marubo Ar-
mando Cherõpapa e Alberto Marubo apresentados em artigo elaborado por Cesarino (2013) que
trazem o círculo como o espaço de surgimento do coletivo. Em cena, o elenco interage com uma
grande bolha de plástico preto que remete a esse buraco na terra do qual nascemos. O espetá-
culo vem desenhando de forma colaborativa e processual sua concepção e, assim, vai tomando
forma e se constituindo como obra de dança.
A partir da feitura de Animal Noturno se estabelece a trajetória teórico-metodológica, o
que envolve, além da experimentação em dança realizada em estúdio, a leitura de artigos e lite-
ratura relacionada, a elaboração de textos acadêmicos e a apresentação da pesquisa em con-
gressos. Além disso, a obra de dança se desdobra e se alimenta de outras produções artísticas
que tanto contribuem para sua elaboração como também se sustentam para além dela, tais co-
mo, o cenário do trabalho, executado pelo artista visual Maurício Ploenals que também integra
o elenco, as fotos elaboradas por Josiane Franken, o trabalho de figurino feito por Ana Mercedes
Hernandez, a trilha sonora elaborada por Pablo Sotomayor, e os textos criados pelo ator-
bailarino Allison Lourenço. Esta metodologia de trabalho evidencia o percurso da prática como
pesquisa proposto por Nelson (2013) e na qual essa pesquisa se alicerça, demarcando seu posici-
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onamento no campo da arte.
REFERÊNCIAS
DIAS, Alexandra Gonçalves. BITCH - the solo-cannibal practice: an anthropophagic study in solo dan-
ce making. PhD.University of Roehampton. Londres: 2020. Disponível em:
https://pure.roehampton.ac.uk/portal/files/4711997/Bitch_the_solo_cannibal_practice.pdf Acesso em: 21
de maio de 2022.
CESARINO, P. N. Cartografias do cosmos: conhecimento, iconografia e artes verbais entre os Maru-
bo. Mana, v. 19, n. 3, 2013. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-93132013000300002 Acessado
em> 4 de outubro de 2022.
MOMBAÇA, J. Pode Um Cu Mestiço Falar. Disponível em: https://medium.com/@jotamombaca/pode-
um-cu-mestico-falar-e915ed9c61ee Acesso em: 01 de agosto de 2019.
NELSON, Robin. Practice as Research in the Arts: principles, protocols, pedagogies, resistances.
Londres: Palgrave MacMillan, 2013.
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O PODER DAS BESTEIRAS TEATRAIS:
UMA POLÍTICA CÔMICA DO NÃO-SABER NO TEATRO CONTEMPORÂNEO
Artur Sartori Kon
arturskon@gmail.com
A pesquisa teórica de pós-doutorado que estamos iniciando sob supervisão do Prof. Dr.
Antônio Araújo visa propor e investigar uma forma de teatro político contemporâneo que supe-
re oposições habituais nos debates teatrais (e políticos) do nosso tempo: Brecht contra Artaud
(ou, entre nós, Boal contra Zé Celso), razão versus corpo, teatro épico narrativo em oposição ao
performativo ou pós-dramático, representação oposta à performance, e no campo mais filosófi-
co a disputa entre Teoria Crítica Dialética e Pós-estruturalismo. Sem almejar refutar as duas li-
nhagens ou encontrar uma “justa medida” (sabendo que a tens~o e a discórdia podem ser ex-
tremamente importantes), pretendemos antes alçar ambas ao seu justo valor ao dispensar uma
briga pouco produtiva, uma frequente caricaturização mútua.
Para tal, porém, partimos do diagnóstico de um duplo bloqueio. Por um lado, em tempos
de “cinismo e falência da crítica” (SAFATLE, 2008), o distanciamento brechtiano parece pouco
capaz de operar uma crítica da ideologia, que não se apresenta mais apensa como falsa consci-
ência, mas muito mais como manutenção de práticas políticas hegemônicas apesar da consciên-
cia sobre suas limitações e perversidades. Por outro lado, defesas recentes de um “teatro per-
formativo” como soluç~o para esse impasse s~o postas em quest~o pelo imperativo da perfor-
mance, da participaç~o, da aç~o e produç~o na “sociedade do desempenho” (HAN, 2010).
O problema talvez esteja na manutenção, nas duas linhagens teatrais, de um “sujeito su-
posto saber” (LACAN, 1988) e de uma perspectiva vanguardista que aposta na passagem da arte
para a práxis quando ela já não seria possível (BÜRGER, 2008). Nesse sentido, seria o caso de
não procurar escamotear ou superar o bloqueio histórico apontado, mas assumir o impasse co-
mo ponto de partida inescap|vel e possivelmente mais produtivo, propondo um “teatro político
do não-saber”, que tome a perplexidade e a desorientaç~o como realidade histórica objetiva
diante da qual se colocar (e não como fetiche a ser reafirmado). Pois, se consideramos com Cel-
so Favaretto que a arte dita contemporânea é justamente uma que “n~o sabe como reinstaurar
a sua capacidade de intervenç~o” após a desilus~o em relaç~o às promessas modernas (FAVA-
RETTO, 2004, p. 87), habitar o vazio será fundamental para se abrir para uma verdadeira experi-
ência, capaz de (quiçá) nos levar além da obstrução encontrada.
Encontramos na comédia – principalmente tal como lida por Alenka Zupančič (2008): me-
nos conformação à finitude da ação e do conhecimento humanos do que persistência infinita para
além dessa constatação – um modo de ativar a produtividade dessa ignorância. Ou melhor, em
certa comédia: não a ironia fina ou wit, não a sátira inteligente (que corre o risco de recair no ci-
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nismo, no riso como afirmação de superioridade), mas um humor tosco, tolo ou besta, que aproxi-
mamos de três conceituações estéticas: a albernheit (tolice) com que os palhaços de Beckett fa-
zem frente à racionalização da sociedade segundo Theodor Adorno (1982), o zany com que Sianne
Ngai (2012) descreve as tentativas reiteradas e sempre fracassadas de Lucille Ball de estar à altura
da exigência de performance na sitcom I love Lucy, e finalmente a bêtise ou besteira teorizada por
Gilles Deleuze (2006) em di|logo com a literatura de Flaubert: n~o (apenas) “os outros” s~o bes-
tas, mas eu mesmo sempre posso me descobrir mais besta do que imaginava e gostaria.
A pesquisa deverá resultar em cinco artigos científicos, cada um analisando uma peça tea-
tral a partir dessa proposta. O primeiro será sobre Pornoteobrasil (2019), da companhia paulistana
Tablado de Arruar, que encena a perplexidade da esquerda diante da então recentíssima eleição
de Bolsonaro. O segundo tratará de Oratório (2018), em que o coletivo alemão She She Pop retor-
na à peça didática brechtiana e ao coro para enfrentar o próprio não-saber sobre como se unir po-
liticamente hoje. Em seguida discutiremos Mágica de Verdade (2016), do grupo inglês Forced En-
tertainment, em que um game show repetido à exaustão ganha ares beckettianos, ao mesmo
tempo em que nos faz pensar na impossibilidade de dar a resposta certa em tempos de Brexit.
Depois será a vez de Amazônia (2017), do coletivo português Mala Voadora, onde as boas inten-
ções dos artistas de esquerda são contrapostas à persistência da colonialidade e aos interesses da
Indústria Cultural. Finalmente, abordando o projeto cênico “Anatomia da violência na Colômbia”
(2009-2017), dos colombianos do Mapa Teatro, enfrentaremos o fracasso da esquerda latino-
americana e a oposição entre documento e ficção em uma pesquisa artística sem respostas.
Esperamos assim localizar a possibilidade de um teatro político para o tempo presente –
não como uma tendência única ou uma estética que iguale esses diferentes grupos e pesquisas
artísticas, mas antes como uma constelação no sentido de Walter Benjamin e Theodor Adorno
(ver GATTI 2009): linhas imaginárias, é verdade, mas capazes de atribuir sentidos inéditos a
formações de pontos luminosos que se fazem visíveis na mais escura noite.
REFERÊNCIAS
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AS ESTRATÉGIAS DIGITAIS PARA EVOCAR AS TEATRALIDADES PRESENTES
NA OBRA PEÇA, DE MARAT DESCARTES
Felipe Cremonini de Leon
felipecremonini@hotmail.com
Apresentação
Durante os anos que se seguiram da pandemia de COVID-19, várias obras, produções e
artistas de teatro se viram forçados a migrar suas pr|ticas para o ambiente digital, e “o que an-
tes poderia ser opção estética e de linguagem, a internet como ferramenta cênica, passa a ser a
maneira mais vi|vel de promover o acontecimento teatral” (FREITAS, 2022, p. 26). A presente
comunicação constitui um recorte de pesquisa em desenvolvimento na UFRGS, sob orientação
da Prof. Dra. Marta Isaacsson de Souza e Silva e com fomento da CAPES, que visa discutir a po-
tência de determinados procedimentos técnico-artísticos adotados em criações concebidas para
o ciberespaço, na constituição de uma dimensão teatral. Escolho aqui, então, trazer como cor-
pus o espetáculo Peça, obra solo de teor autobiográfico de Marat Descartes, com direção de
Janaína Leite, que estreou em 2020. Irei então apresentar aqui alguns procedimentos adotados
na composição da obra por meio dos quais formas de teatralidade são construídas no ambiente
digital. Para compor o texto aqui apresentado recorri, além da revisão bibliográfica da pesquisa,
ao registro em vídeo de uma das exibições de Peça, e entrevistas concedidas para a pesquisa por
Marat Descartes e Janaína Leite em Dezembro de 2021 e em Março de 2022, respectivamente.
Ryngaert aponta que, visto que existem inúmeras concepções e maneiras de realizar tea-
tro, o que interessa para seu olhar é justamente a relação de jogo envolvida nos acontecimentos
cênicos, e que, este sim, seria uma ligação entre as diferentes formas de teatro. Em Peça, Marat
explora uma relação de jogo entre real e ficcional através da mescla entre vídeos pré-gravados e
a transmissão síncrona compartilhada na plataforma Youtube.
A obra começou a ser concebida para ser realizada no formato presencial, porém, com o
surgimento da pandemia, a criação passou a ser pensada para o espaço virtual, ganhando uma
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nova roupagem, transformando-se em uma autobiografia. De acordo com Marat (DESCARTES,
2021), originalmente havia o interesse em utilizar vídeos pré-gravados na cena, porém, ao pas-
sar para o para o formato digital usando a plataforma de videoconferência Zoom, a transição
entre vídeos pré-gravados e ao-vivo não era fluida. Assim, a equipe optou por utilizar o software
VMixCall, por meio do qual eram recebidos os sinais de transmissão das câmeras, disparados os
plays dos vídeos pré-gravados, permitindo transmitir o acontecimento pelo YouTube. Portanto,
abriu-se mão do contato direto com o público, propiciado pela plataforma de videoconferência,
para a transmissão via streaming.
Inicialmente, a inclusão de vídeos pré-gravados foi uma necessidade prática, que permiti-
ria que o ator pudesse trocar de cenário/figurino entre as cenas, como espaços de transição. Du-
rante a temporada de exibição essa potência performática foi percebida pelo grupo:
A gente não tinha essa intenção, e depois que estreou a peça a gente viu que era um dos
pontos mais fortes da experiência, esse embaçamento entre realidade e ficção, não saber se
está acontecendo ou se não está, se é ao vivo ou se não é. (DESCARTES, 2020)
Ao identificar essa potência, foi incluído no jogo cênico algumas menções ao horário e
dia em que a peça estava sendo exibida. Esses momentos aconteciam normalmente quando
recém havia sido exibida uma cena pré-gravada, o que fazia o espectador mergulhar na dúvida:
“o que est| acontecendo?”.
Tem que ser um negócio que você fala diretamente para a câmera, e estabelece esse vetor
de comunicação que você olha olho no olho com quem está do outro lado da tela. E essa foi
uma descoberta importante que depois escorregou para todo o resto da obra. (DESCARTES,
2021)
Esse entendimento do olho da câmera como seu interlocutor, que o conecta com o pú-
blico, faz parte de alguma das descobertas que têm se mostrado eficientes na pesquisa do Tea-
tro Digital:
(...) A contracenação direta entre personagens, concretiza-se pelo olhar dos atores voltado
para a câmera, promovendo uma ambiguidade de destinatários do enunciado, já que a câ-
mera é, ao mesmo tempo, o ator parceiro e o espectador. Opera-se ali uma ruptura da “te-
la”, { semelhança da ruptura da quarta parede do palco, contribuindo para uma imersão do
espectador no universo da representação (ISAACSSON, 2021, p. 7).
Mesmo que a referência acima trate de uma relação de contracenação, que não é o caso
de Peça, é interessante pensar como nesse caso o Teatro Digital ressignifica a noção de uma
quarta parede, e busca vincular o espectador através de uma frontalidade e direcionamento de
28
fala que é própria da linguagem de chamadas digitais.
Teatralidades
Em sua pesquisa sobre a especificidade da teatralidade no teatro, Josette Féral propôs o
seguinte esquema para representá-lo (FÉRAL, 2015, p. 91):
Ator……………………………………Ficção
Jogo
REFERÊNCIAS
DESCARTES, Marat. in Bate papo com Marat Descartes, Janaina Leite e Ferdinando Martins. Disponí-
vel em: <https://youtu.be/eT2jicLednA> Acesso em 05 Set. 2022.
DESCARTES, Marat. Entrevista realizada em 14/12/21, via Google Meet. acesso restrito.
FÉRAL, Josette. Além dos Limites: Teoria e Prática do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2015.
FREITAS, Carin Cássia de Louro de. Um teatro de emergência: as fricções nos processos de criação cêni-
ca em tempos de pandemia. Tese (Doutorado em Artes Cênicas). Centro de Letras e Artes, UNIRIO. Rio
de Janeiro, 2022.
ISAACSSON, Marta. Teatro e tecnologias de presença à distância: invenções, mutações e dinâmicas.
Urdimento, Florianópolis, v. 3, n. 42, p. 1-22, 2021. Disponível em:
<https://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/20154>. Acesso em: 01 de Set. 2022
LEITE, Janaína; DESCARTES, Marat. Peça, 2020.
RYNGAERT, Jean-Pierre. Jogar, representar. São Paulo: Cosac Naify, 2009.
29
CARTAS EM AUTORRETRATO
Wesdey de Alencar Freitas
wesdeyalencar@gmail.com
30
mobilizadora que se convertem em imagens de potência de nossa existência política e subjetiva
na contemporaneidade.
Esta pesquisa cênica surge a partir dos trechos de cartas que narram o amor proibido en-
tre dois homens no período da 2º (segunda) Guerra Mundial. Gordon Bowsher e Gilbert Bradley
são os envolvidos nessa história de romance proibido, em um contexto em que ser gay era um
ato ilegal (e ainda é em alguns países) e nas forças armadas era pior ainda. Então em um contex-
to de guerra, o amor entre eles foi silenciado e mantido as escondidas. E então traçamos uma
relação associativa com o que hoje entendemos enquanto estado de guerra. Será que não esta-
mos em uma? Será que ser gay hoje é algo plenamente aceito? Por ser gay, muitas vezes ainda
não acabamos mantendo nossos romances às escondidas por medo do que poderá nos aconte-
cer? Viver hoje para ser uma luta diária e então ainda consideramos um estado de guerra pela
existência e resistência.
Propomos uma ação de desdobramento virtual, de reinvenção e ajustes de procedimen-
tos de criação, de hibridização de linguagens, a partir da compreensão da artemídia enquanto
“metalinguagem da sociedade midi|tica” (MACHADO, 2007, p.17), nos fazendo ent~o buscado-
res da apropriação de recursos tecnológicos e midiáticos, traçando linhas transversais com os
princípios estético-poéticos que circundam a obra tendo a performance a partir de COHEN
(1989) enquanto linguagem propulsora das ações, dramaturgias e experimentações nos levando
para a cartografia sentimental abordada por ROLNIK (2007) enquanto fomento nos procedi-
mentos metodológicos trazendo os afetos, atravessamentos e relações de modo fluido, dinâmi-
co e rizomático, na medida em que há atravessamentos entre coleta, análise e discussão, ou
seja, as coisas acontecem ao mesmo tempo em razão de um trabalho de decisão consciente e
política. Com ela não estamos sujeitos a etapas obrigatórias e estamos abertos aos desvios, ine-
rentes à prática onde pudemos expandir as reflexões e possibilidades artísticas, levando a assi-
milar o fluxo do processo e perceber o quanto meu corpo-subjétil (narrativo, imagético).
Nesta sociedade midiática, encontramos divergências e confluências entre corpo natural
e corpo virtual, de que a performação e artemídia podem ser, enquanto experiência híbrida de
arte, potencial criador de valorização e ativação das memórias e narrativas do ser sensível-
cultural-consciente. Como tal, podemos nos fazer valer da tecnologia enquanto recurso material
para a criatividade, invenção e reinvenção das abordagens segundo GARCIA (2015) de homoarte
enquanto estética e poética que nos interessa nessa criação. Por quaisquer que sejam os meios,
é necessário produzir, pensar, externar aquilo que está em nós a fim de compartilhar sensações,
sentimentos, angústias, alegrias.... Os afazeres que permanecem em nós, em nossas biografias,
narrativas, performances.
A proposta está em reverter o sentido epistêmico com as identidades que vêm sendo his-
toricamente silenciadas. É preciso lutar contra essa engrenagem política, social e cultural opres-
sora. Minha existência é política, minha arte é política, minha pesquisa é política, minha nudez é
um ato político, ações de o meu fazer e existir são atos políticos. Queremos estabelecer um es-
31
paço relacional de onde emergem narrativas perform|ticas, que “empodera” e grita mediante as
opressões, como lugar de resistência. É preciso lutar contra essa engrenagem política, social e
cultural opressora.
REFERÊNCIAS
BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins, 2009. (Coleção Todas as Artes)
COHEN, Renato. Performance como linguagem. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 2011..
GARCIA, Wilton. (Re) versos sobre cinema e corpo: a homocultura. Bagoas, Rio Grande do Norte. v.9, n.
12, p. 43-59. 2015.
LEITE, Janaina Fontes. Autoescrituras performativas: do diário à cena. 1 ed. São Paulo: Perspectiva:
Fapesp, 2017.
MACHADO, Arlindo. Arte e mídia. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
ROLNIK, S. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. São Paulo: UFRGS,
2007.
SEIXAS, Jacy Alves de. Halbwachs e a memória-reconstrução do passado: memória coletiva e história.
História, São Paulo, Edunesp, n. 20, 2001.
32
CENA TRANSTERRITORIAL: A ANTROPOLOGIA CIBORGUE MANIFESTADA
EM PLAY ON EARTH
Breno Villas Boas
brenolvb@gmail.com
Play on Earth foi um espetáculo realizado pelas companhias teatrais Cia. Phila7 (São Pau-
lo/Brasil), sob direção de Rubens Velloso; Station House Opera (Newcastle/Inglaterra), dirigida
por Julian Maynard Smith e TheatreWorks (Singapura), com direção de Jeffrey Tan; o projeto foi
elaborado para que cada grupo apresentasse localmente sua cena, no entanto as três produções
estavam conectadas via internet, dessa forma cada palco se transformou em uma plataforma
midiática em que, ao fundo de cada um, uma grande tela exibia uma imagem composta pela
união de recortes de cena das três peças, dando ao público a sensação de observar um quarto
espaço de atuação, um lócus que não pode ser enquadrado em nenhuma espacialidade ou tem-
poralidade que não sejam aquelas da relatividade e expansão do próprio ciberespaço.
Apesar da grande oferta de recentes espetáculos de teatro ciborgue, que utilizam de re-
cursos digitais para emular a contracenação, Play on Earth segue pioneira no Brasil quanto a
interação em dimensões transcontinentais na configuração do espaço e da cena, visto que se
realizava no hibridismo entre presença carbônica e presença silício, definições estas usadas pelo
próprio diretor Rubens Velloso como dispositivos epistemológicos para a concepção do referido
espetáculo e da linguagem artística da Cia. Phila7 como um todo.
Nesta formulação, a ideia das artes cênicas em um mundo de carbono e silício é que elas são
uma manifestação da fractalidade como característica pós-moderna. Visto que a presença
cênica, agora em duas frentes - ao vivo e na tela - começasse a ser tratada a partir de vocá-
bulos provenientes do universo químico pela Cia. Phila7. Teríamos agora duas formas de
presença: uma de carbono (dois indivíduos de carne e osso frente a frente) e uma de silício
(uma das presenças ou ambas através de aparatos tecnológicos – telas ou holografia, por
exemplo). (ROAT, 2015, p.17)
33
mente na neuroplastia da compreensão de pós-humanidade.
Um dos fatores intrigantes de se observar na transterritorialidade de Play on Earth é que
ela simula um buraco de minhoca interligando os continentes (América do Sul, Europa e Ásia) e
com isso surgem questionamentos sobre o espaço-temporalidade que constitui o espetáculo.
Levando em consideração que as diferentes territorialidades trazem consigo marcas indeléveis à
composição estética e discursiva das próprias cenas, é provável que também se estabeleça um
discurso (consensual ou dissensual) a partir do encontro destes espaços, que segundo a geogra-
fia social de Milton Santos, podem se apresentar como luminosos (sociedades desenvolvidas) ou
opacos (sociedades precárias) dependendo do referencial comparativo, por conseguinte, a tra-
ma poética do espetáculo também abre janelas à globalização dos palcos e fomentação de olha-
res críticos em uma perspectiva geopolítica.
Quanto ao tempo, a subversão de sua apreensão coloca atores e espectadores em um es-
tado dialógico das temporalidades, tanto a geográfica dos fusos horários quanto aos contatos e
riscos envolvidos na sincronicidade de uma transmissão remota. Em Play on Earth o tempo não
é cartesiano e – de acordo com o registro audiovisual - no palco paulistano é tampouco linear, já
que a narrativa se utiliza de flashbacks e discursos épicos, portanto o espetáculo é atravessado
por uma lógica espiralar do tempo, um modo fractal que se evidencia na repetição de padrões
(gestuais e indumentários) nos diferentes palcos e que se conectam formando um todo de mul-
tiversalidade; dessa forma a espaço-temporalidade de Play on Earth se constitui assim como a
síntese de Leda Maria Martins (2021, p.88): “Em outras palavras: o tempo em sua dinâmica espi-
ralada, só pode ser concebido pelo espaço ou na espacialidade do hiato que o corpo em voltejos
ocupa. Tempo e espaço tornam-se, pois, imagens mutuamente espelhadas”.
São por estas vertentes que segue o andamento da pesquisa: a transterritorialidade pau-
tada em um amplo espectro de possibilidades dentro do conceito de cena expandida, porém
analisadas sob um recorte de abordagens epistemológicas do sul, haja vista a territorialidade
implícita no registro audiovisual da Cia Phila7 e na origem da instituição, bem como do orienta-
dor e do autor.
REFERÊNCIAS
FÉRAL, Josette. Além dos limites. GUINSBURG, J. (trad.) – 1 ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2019.
HARAWAY, Donna; KUNZRU, Hari; TADEU, Thomaz (org. e trad.). Antropologia do Ciborgue: vertigens
do pós-humano – 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.
MARTINS, Leda Maria. Performance do tempo espiralar: poéticas do corpo tela. 1. ed. - Rio de Janeiro:
Cobogó, 2021.
MONTEIRO, Gabriela Lírio Gurgel. A cena expandida: alguns pressupostos para o século XXI. Art Rese-
arch Journal, Brasil, V. 3, n. 1, p. 37-49, jan. / jun. 2016.
SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teórico e metodológico da geogra-
fia. São Paulo: Hucitec, 1988.
________ Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 6. ed. - Rio de Ja-
neiro: Record, 2001.
ROAT, Leonardo Amorim. Espaços de relação e tensão nas práticas de com-posição e in-previstos na
34
cena contemporânea. 2015. Tese (Doutorado). Pós-graduação em Ciências da Linguagem, Universidade
do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2015.
35
CENAS FEM (IN) VISIBILIZADAS
Tatiana Fernandes Viana
tafvia2@gmail.com
Proponho pesquisa situada na linha das Imagens Políticas, no feitio da intervenção perfor-
mática em cena aberta, como tese de doutorado dos processos de experimentos cênicos que en-
volvem a temática da ancestralidade em seus rituais, entidades e encantarias. Nas quais serão
articulados conteúdos, metodologias e procedimentos específicos da antropologia da performan-
ce (TURNER,1988) e do imaginário (DURAND, 2002) à cartografia e à pesquisa-criação. Pois, te-
nho como objetivo contar a minha história familiar a contra pelo ao modo benjaminiano (2012a;
2012b), por meio de um olhar genealógico feminista; descolonizar (BERNARDINO-COSTA et al,
2018), em provocações performáticas sob a luz do tambor de crioula (FERRETE, S, 2002), ressal-
tando entidades e encantarias locais (PEREIRA, 1979; 1997); por último, objetivo, a partir da análi-
se destes dados, mais tematicamente próximo, (re)performizar leonidiana (PORTELA, 2021).
Para esta reflexão, proponho levantar observações, iniciais, sob a caleidoscopia de Gil-
bert Durand (1998), em uma primeira leitura, do seu livro O Imaginário: ensaio acerca das ciências
e da filosofia da imagem tratando das questões voltadas às mulheres invisibilizadas embebecidas
de uma pesquisa-visita, da construção de Pachamamas e de duas Árvores genealógicas: uma Fe-
minina e outra, Uterina, percorrendo as curvas de um processo cartográfico (KASTRUP, 2008)
com uma entrevista em conversa.
As Cenas propostas se reportam ao feminino, à ancestralidade e ao sagrado. Este “obje-
to” em pesquisa, que costumava empregar o termo “sujeito em pesquisa”, tanto se referenda ao
pesquisador quanto ao pesquisado. Contudo, em se tratando de olhar por meio de uma lente
durandiana (1998); diria: o termo cabe como um indício da concretitude, não do estado das coi-
sas; toda via, na carne dos seres envoltos nesta e desta pesquisa.
De tal modo, as Cenas Fem(In), surgem antes do nascimento de muitas das mulheres da
minha família, de uma observaç~o sobre a “invisibilidade”, para n~o relatar exclus~o, do nome
da origem feminina de todas nós filhas1 e das casadas. Observe com o termo exclusão, como o
mito é concreto na vida! Esta exclusão, evidenciada na construção de uma árvore genealógica-
se ao ler a palavra “|rvore” você visualizou uma |rvore de uma raiz enterrada a uma frondosa
copa, note-a como uma imagem conduzida socialmente, sim, o homem tem sido “adestrado”
deste quando nasce, pela sociedade que o cerca. Se você ligar a árvore ao fruto e o fruto ao ge-
nealógico, o genealógico ao feminino e o feminino a uma forma com outras dentro; temos aqui,
1 Outra indicação que só vem à tona, embebecida do ensaio gilbertiano (DURAND, 1998), é que não somos “todas
nós”. A lógica do pluralismo reduz todas em uma, enclausurando, um dito plural, em uma data classificação.
36
uma imagem que se faz na carne, na realidade, na vida, o imaginário não retrata o real, ele o é!
Temos aqui um imaginário selvagem.
Então, por volta dos meus 20 anos, quando um nome que relacionei a minha paixão pela
língua e cultura francesa surgiu de uma mulher antepassada e que não permaneceu nas gerações
seguintes; recentemente percebi que sabia muito pouco da história da minha família materna,
apesar de meus pais serem primos de segundo grau, muito pouco era dito deles, pois meu avô
materno foi assassinado2 junto aos dois irmãos em uma briga de terra aos seis meses de minha
mãe; que só conheceu a fisionomia do pai aos 72 anos, quando a sua irmã, matriarca da família
faleceu e um primo entregou na casa dela uma foto emoldurada... Da mesma forma da minha avó
materna, que faleceu quando eu tinha quatro anos de idade, sei muito pouco... “sofro” de “amné-
sia” da gênese feminina3, mas não, feminista (LYRA, 2010; 2021), com pouca nitidez, uma foto que
vi na adolescência, tenho contato com um quadro trançado da beira mar que ela fez... Outra invi-
sibilidade é a origem indígena da família; contudo, infelizmente, não foi passada de geração em
geração para as filhas, netas e bisnetas, a minha geração. Inquietação que objetiva um reencontro
ancestral; olhar no passado e corpo arrastado para o futuro (BENJAMIN, 2012a).
São exercícios da pesquisa a construção de imagens e/ou objetos pré-cena como a árvore
genealógica feminina; as Pachamamas, imagem da deusa terra Amazônica- cuja sincronicidade,
espanta-me, descobri que desenhava esta deusa há mais de vinte anos... a reconheci em media-
ção de palestra da Dra. Verônica Fabrini, que discorria sobre esta imagem-; outra visualização é
a Matrioska, uma boneca com outras dentro; ambas remetem à uma genealogia uterina. Cujas
são concretizações da percepção da invisibilidade dos sobrenomes de origem materna, uma
queixa que ouvi de minha mãe, uma vida inteira: a ausência do sobrenome materno nas nossas
certidões de nascimento!
No entanto, só atinei que parte de minha pesquisa era uma resposta artística a esta quei-
xa e não apenas um insight durante a escrita do projeto, no momento da apresentação da defe-
sa da seleção que abraçou a minha pesquisa no início de maio deste ano, fala que compartilhei
emocionada na comunicação deste SPAC, entre vozes e ouvidos, lágrimas e sorrisos femininos.
De tal modo, estas três concretudes são um tocar no imaginário de Gilbert Durand (1998; 2002).
Assim, “etnografando biograficamente de onde brota o interesse da pesquisa e vislum-
brando onde insurgem as imagens da pesquisa ao longo de suas vidas” (LYRA, 2020, p.6).
REFERÊNCIAS
37
mento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, 2018.
DURAND, Gilbert. O Imaginário: ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. Rio de Janeiro:
Difel, 1998.
______. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo, Martins Fontes, 2002.
FABRINI, V. Sul da Cena, Sul do Saber. Moringa: Artes do Espetáculo, João Pessoa, v.4, n. 1, p.11-25,12
jun. 2013.
FERRETTI, S. (org.) Tambor de Crioula: ritual e espetáculo. São Luís: Comissão Maranhense de Folclore,
2002.
KASTRUP, V. O método da cartografia e os quatro níveis da pesquisa-intervenção. In: CASTRO; BESSET
(org..). Pesquisa-intervenção na infância e juventude. Rio de Janeiro: Nau, p.465- 489, 2008.
LYRA, L. Guerreiras e Heroínas em processo: da artetnografia à mitodologia em Artes Cênicas. 2010.
Tese (Doutorado em Artes), Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), SP,
2011.
______. Uma academia toda nossa. Da Pesquisa. v15 esp., 2020.
______. (org.) Livro do Motim. Judiaí: Paco Editorial, 2021.
38
POEMA-DRAMATURGIA E ESPAÇO-TEMPO CÊNICO
Sócrates Roberto Fusinato – istmorumeiro
rumeiro@gmail.com
de quê foge aquele que não faz o que diz fazer? da já batida vergonha
poeta
aquele que atravessa um agora
cesura
teatro
apoemando-vida
vida-poema-ato
aquilo que acontece
Se a arte cria cenas possíveis, sempre, eu começo então afirmando minha voz como
sendo algo que se apoema em cena, ainda que em uma página de livro ou em uma tela de
computador. O poema é, das artes ocidentais, a arte mais falada, a arte que habita há longa data
o espaço-tempo da oralidade, o espaço-tempo da construção poética que se faz presença-voz na
boca de quem escreve e no corpo de quem, escutando, é atravessado pelo ato de apoemar
vida. O poema é corpo-voz, o poema é corpo-oral; o poema é corporal; o poema é corpo em
cena. Ainda que em sozinhez, ou em solidão2, o poema nasce em uma radical co-existência3 que
é sempre TEATRO POSSÍVEL.
Se poema é voz, o que um texto espera de uma voz? Espera que esta voz seja uma voz
atuante, voz-de-atuação. Aquele que agora lê-pensa estas palavras deve aqui atuar em sua
leitura-pensamento. Criar ritmos, atravessar desertos silenciosos, tempestades
dramatizantes, vociferar cada palavra que não tenha razão de ser ou que, mesmo sem buscar
por uma razão comum, vociferar cada palavra que aqui reclame ser poema-voz.
A filosofia é teatral não apenas porque fala do teatro, mas porque cria, dramatizando em
seu espaço-tempo-de-cena, conceitos e personagens cênicos4. A filosofia é uma arte; a “arte de
inventar os próprios conceitos, de criar novos conceitos de que temos necessidade para pensar
nosso mundo e nossa vida”. (DELEUZE, 2016, p. 344)
Os conceitos possuem “velocidades e lentidões, movimentos”; os conceitos têm
“dinâmicas que se expandem ou que se contraem através do texto”. Os conceitos “não remetem a
personagens, mas eles próprios são personagens, personagens rítmicas”. Conceitos “completam-se
ou se separam, afrontam-se, apertam-se como lutadores ou como amantes”. (DELEUZE, 2016, p.
344)
39
A palavra é texto-imagem-voz; e a dramaturgia é o espaço-tempo da cena que a palavra
habita.
Pensar na contemporaneidade a dramaturgia significa agir como um poeta que, a um só
tempo, escreve presente-passado-futuro para colocar um mundo em cena. Em cena de artes várias,
em cena de teatro, dança, música, performance. Em cena de palavra que é corpo-voz, é texto-
imagem.
A dramaturgia é espaço-tempo de poeta. É espaço-tempo para a criação-em-resistência
de cenas. Atravessar séculos ocidentais e orientais de construção dramatúrgica implica,
encenando, ler clássicos, modernos, contemporâneos e se posicionar num agora. Implica também
deixar sua assinatura na escrita desse mundo que é feito de cenas. Implica experimentar-se em
cena, como poeta-dramaturgo, como fazedor-demiurgo, como criador de personagens-palavras
que habitarão um palco mundano.
Poeticamente bélico e requisitante-ágora, teatro. Um escrito-teatral se coloca como
espaço-tempo para a habitação de alguns conceitos que a cultura ocidental criou. A rumeirança,
deste istmo-poeta, passa por algumas ilhas-continentes nomeadas pelo Ocidente; Ocidente feito
de nomes como poema – humanidade – teatralidade – dramaturgia - espaço cênico – cena - ser
humano – prioridades - teatro. Cada nome tem um rosto político que será construído; e no plural,
desde já se coloca um compromisso, é com prioridades que eu, istmo-poeta, hei de me haver.
Um poema habita possibilidades dramatúrgicas. Um poema-dramaturgia se mostra como
um espaço-tempo cênico que se faz, a um só tempo, letra, imagem e sonoridade, tudo em movi-
mento de um corpo-pensamento, poema-letra, poema-imagem, poema-sonoridade, eis o movi-
mento que nada dissocia.
O poema é um lugar de pausa. Pause! O poema é um espaço-tempo de silêncio, mas
não de ausência de pensamento. Ausência de pensamento nunca! O poema estaca, mas nunca
estanca em absoluto as possibilidades infindas do pensamento. Um poema-em-pensamento pausa
letra-em-imagem-sonora.
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inumanidades possíveis
um chegar-perto
poemas
pausas feitas de pensamentos
poemas
vidas feitas de amizades
arte de cena,
teatro como espaço-tempo para poemas-dramaturgias
trajeto não endereçado
sela um encontro cênico
teatro poema dramaturgia
41
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Ideia da prosa. Trad. João Barrento. Cotovia: Lisboa, 1999.
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Trad. Vinícius Nicastro Honesko.
Chapecó: Argos, 2009.
DELEUZE, Gilles. O que a voz traz ao texto... [1987]. In: DELEUZE, Gilles. Dois regimes de loucos: textos
e entrevistas (1975-1995). Trad. Guilherme Ivo. São Paulo: 34, 2016.
FUSINATO, Sócrates Roberto. Poema-dramaturgia de istmosrumeiros. Disponível em:
https://rumeiro.wixsite.com/website/post/poema-dramaturgia-de-istmosrumeiros-
des%C3%B3cratesfusinato. Acesso em 13 abr. 2022.
NOVARINA, Valère. Diante da palavra. Trad. Angela Leite Lopes. 2. ed. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009.
42
DRAMATURGIA PRETA DO CORPO: UM ESTUDO ENTRE TEATROS NEGROS
E TEATRO PERFORMATIVO INTERSECCIONADOS PELO CORPO E SUAS “ES-
CREVIVÊNCIAS”
Beatriz Nauali do Nascimento Alves
beatriz.nauali@gmail.com
beatriz.nauali@unesp.br
O corpo é um documento, pode ele ser uma dramaturgia? Este projeto de mestrado, na
linha de “Estética e Poéticas Cênicas”, em realizaç~o no Programa de Pós-Graduação em Artes
da UNESP, pretende, no âmbito das poéticas de Teatros Negros interseccionar as escritas cor-
porais/dramatúrgicas de mulheres pretas com as proposições conceituais do Teatro Performati-
vo, considerando o corpo, atravessado pelo conceito liter|rio de “Escrevivências” de Conceiç~o
Evaristo, como ponto de intersecção entre tais poéticas. Partindo do entendimento de que a
poética é o “fazer”, de que modo se faz? De que modo o corpo preto faz? Se colocarmos o corpo
como uma dramaturgia, quais as especificidades e indícios de um corpo preto são reelaborados
para a construção de uma dramaturgia cênica, de uma estética? Como as vivências e experiên-
cias pelas quais passou esse corpo influenciam na construção de cenas/performances? Com me-
todologia teórico-prática, por meio de levantamento teórico, análise de obras artísticas, a saber:
“Herói Tombado” de Roberta Estrela D’Alva (2014), “Ilusões Vol. I: Narciso e Eco” de Grada Kilom-
ba (2019) e “Vaga Carne” de Grace Passô (2018 e 2019), e laboratório de criaç~o dramatúrgi-
ca/corporal a partir das proposições de Ciane Fernandes (2014a e 2014b) sobre a Prática como
Pesquisa numa abordagem Somático-Performativa, esta pesquisa busca construir uma tessitura
entre Teatros Negros, Teatro Performativo e “Escrevivências”, evidenciando o lugar cultural,
social e político do corpo preto enquanto dramaturgia cênica.
A pesquisa tem como Objetivos Gerais: I) Construir uma tessitura a partir das articula-
ções possíveis entre Teatros Negros e Teatro Performativo colocando o corpo preto atravessado
por suas “Escrevivências”, como ponto de intersecç~o entre tais poéticas; II) Estudar o corpo,
dentro dos processos criativos em artes cênicas, como documento, dramaturgia e matéria-
prima cênica a partir de sua potência escrevivente, observando recorte étnico-racial e de gêne-
ro.
Foram elaboradas perguntas-guias para levantamento de hipóteses e impulsionamento
da pesquisa, tais como: Pode o corpo ser uma dramaturgia? Quais as especificidades do corpo
preto são utilizadas para a construção de uma dramaturgia, de uma estética? Quais são as se-
melhanças entre as poéticas propostas por diferentes corpos de mulheres pretas? Pode o corpo
preto ser uma possível intersecção entre as práticas em teatros negros e o teatro performativo
43
feito por pessoas pretas? Para a jornada da tentativa de responder tais perguntas, a pesquisa
toma rumo na investigaç~o dos conceitos de “corpo”, “Escrevivências”, “performance”, sabe-
res/epistemes corporais e processos de escrita dramatúrgica que têm/tiveram o corpo como
disparador. Posto que o projeto possui recorte étnico-racial, a condução da pesquisa articula
todos os conceitos anteriores com as teorias sobre processos criativos em Teatros Negros e per-
formances pretas. Acentuando ainda mais o recorte, a pesquisadora realiza a análise de obras e
trajetórias de autoras pretas já consolidadas, buscando as aproximações e afastamentos em
seus trabalhos. Todas as informações levantadas e articuladas, serão aplicadas numa Pesquisa-
Ação, processo criativo de uma dramaturgia performativa, em que a pesquisadora realizará au-
toanálise de seu corpo em jogo e seu processo criativo.
Como etapas metodológicas temos: I) Levantamento e articulação de bibliografia; Análi-
se das obras supracitadas em consonância com a produção e processos criativos de suas auto-
ras, e suas intersecções com as bases desta pesquisa; III) Laboratório de Criação Dramatúrgica e
Corporal (Pesquisa em ação); IV) Registro em Diário de Bordo; e V) Criação e Apresentação de
Dramaturgia Performativa como síntese da Pesquisa em Ação.
Esta pesquisa realiza observação e análise sobre a produção contemporânea em teatro e
performance, atentando-se ao protagonismo de corpos marginalizados, levando em considera-
ção que, pela perspectiva antropológica de performance, o povo afrobrasileiro e afrodiaspórico
têm um grande histórico de produção cultural e artística normalmente não utilizada como base
para o pensamento da cena, e não reconhecidas como identitárias na produção brasileira. Da
mesma forma busca, de maneira multidisciplinar, a investigação de novos fazeres teatrais e no-
vos modos de produção e processos criativos, já em curso, que enfatizam ao mesmo tempo a
individualidade e a pluralidade dos corpos, e suas múltiplas camadas de significação e experiên-
cia: o corpo como documento, signo, texto, conteúdo, continente, intérprete, mídia e matéria
relacional, por um viés político e decolonial.
Uma vez que a pesquisa encontra-se em sua fase inicial, os resultados são apenas um vis-
lumbre, que podem ser resumidos nas seguintes realizações: I) Visibilização e articulação de re-
ferenciais não hegemônicos e multidisciplinares para a prática dramatúrgica e cênica; II) Pesqui-
sa e registro de modos e métodos decoloniais contemporâneos de escrita dramatúrgica e cênica
a partir da perspectiva de corpos pretos como produtores de saberes; III) Pesquisa e registro de
modos de humanização, emancipação e acolhimento de corpos pretos em processos criativos; e
IV) Resultado artístico: escrita de uma dramaturgia performativa.
REFERÊNCIAS
44
nível em: <https://www.youtube.com/watch?v=djXvyVQrKqE>. Acesso em: 16 set, 2022.
KILOMBA, Grada. Ilusões Vol. I, Narciso e Eco (Illusions Vol. I, Narcissus and Echo), 2017. Vídeo insta-
lação. 31 min. In: Desobediências poéticas. Curadoria Jochen Volz e Valéria Piccoli; ensaio Djamila Ribei-
ro. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2019. Exposição.
PASSÔ, Grace. Vaga Carne. Belo Horizonte: Javali, 2018.
PASSÔ, Grace; JUNIOR, Ricardo A. Vaga Carne. Brasil: Universo Produções; Grãos da Imagem; Entre
Filmes. 2019. Filme. 45 min.
45
ENCENAÇÃO, FOTOGRAFIAS SUBJETIVAS – VISUALIDADE DO ESPETÁCULO
“FRICÇÕES”
Washington Monteiro da Anunciação
wanunciacao@hotmail.com
Apresentação
A fotografia subjetiva segue o próprio dualismo humano: um “eu” para o }mago; outro
para o externo; verdade ou não. Immanuel Kant (1724-1804) adota a lei moral e afirma que uma
boa vontade vai além da experiência, independentemente de qualquer resultado; já Renê Des-
cartes (1596-1650) na divisão de ser em matéria e espírito faz-me pensar o intelecto na projeção
da imagem na imaginação antes de sua feitura, captura pela câmera; Cartier Henri Bressom
(1908- 2004) releva a importância no olhar do autor. Sendo pragmático, emprego na subjetivi-
dade da fotografia o onírico, o poético, a essência e inventividade. Diferente da subjetividade,
oposto do documental. Quando surge na Europa e Estados Unidos a fotografia subjetiva hoje
ampliasse, emprega o olhar pessoal do fotógrafo na cena apresentada. No criar, a invenção pas-
sa por quebra de clichês, compreensão de encenação teatral, fotográfica, concepção de estética,
possibilidades de construir e descontruir, “desenhar, rabiscar, pintar; tudo era válido para que
liberassem sua expressão em fluxo vivenciado em escutas pessoais. O interessante foi a compo-
siç~o dos mundos apresentados, revelados em autorretratos de subjetividades” (ANTONELLO,
2019, p. 106). Ao fotografar, emprego a percepção visual, autoral do objeto, fotografia cênica
subjetiva representada nas cenas de Fricções. Ao clicar, percebo a atmosfera, reajo e fotografo
de diversas formas interligando a literatura com suporte dos études produzidos possíveis da
passagem em processos da leitura, interpretação para tornar-se dramaturgia, adaptações, dire-
ção e construção cênica, possível de co-criação de literatura, fotografia e teatro. Divididos por
obras liter|rias do “Graça”, o grupo, segundo Angélica Louise, afirma: “desta forma as experi-
mentações realizadas com todas as técnicas estudadas geraram um espet|culo autoral”
(BRANDÃO, 2021, p. 02). No individual, cada um dos seis componentes do grupo fizeram seus
études, em seguida, vieram os ensaios individuais e coletivos sob a direção de Dra. Carla Media-
neira Antonello. Bom para conhecer mais um autor alagoano Graciliano Ramos, mas também
para mergulhar nas suas criações transformando-as em cenas como os romances “Caetés e An-
gústia”; contos como: “O Cintur~o” – Infância – e “Insônia”, fechando com seu “Auto-Retrato”.
Resultados e avaliações
Reconheço, na minha fotografia, aspectos documentais, distante de qualidade profissio-
nal, mas com propósito educacional; percebo a presença da subjetividade quando identifico,
diante da “realidade” apresentada, uma imagem, mas tento aproximar ao m|ximo da cena mos-
46
trada com estilo próprio sob todos os aspectos, principalmente quando capto imagens de um
ensaio, cenas quadro de um todo, assim como espetáculo em andamento na sua apresentação.
Diante da pose ou da preparação de uma fotografia de elenco, mesmo não desprezando a esté-
tica, percebo uma aproximação da fotografia autoral, inventiva e subjetiva, também acatando a
direção do espetáculo proposto, sendo impossível ser real, vislumbrando verdade, um apelo
para o artístico compondo da mais bela forma possível. Crio, provoco mudanças, pois “a literatu-
ra pode permitir passar da reportagem simplista ao trabalho artístico da fotografia revelando
sua ficção própria, que é então da ordem do isto foi encenado” (SOULAGES, p. 269). A fotogra-
fia do espetáculo Fricções faz-me acompanhar desde a leitura com a magia de transformação,
frutos da construção dos personagens, suas características mostradas nas imagens sucessiva-
mente mostradas como resultados da investigação-artístico-pedagógico proposta por Stanislá-
viski.
REFERÊNCIAS
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O ACASO NA ARTE CONTEMPORÂNEA
Ester Cunha
estercunha5@gmail.com
48
Os críticos frequentemente gritam “Dada” depois de assistir a um de meus concertos ou ou-
vir uma de minhas palestras. Outros lamentam meu interesse pelo zen. [...] O que eu faço,
não desejo culpar o Zen. Embora sem meu envolvimento com o Zen (frequentando as pales-
tras de Alan Watts e D. T. Suzuki, leitura da literatura), duvido que teria feito o que fiz. Disse-
ram-me que Alan Watts questionou a relação entre meu trabalho e o zen. Menciono isso pa-
ra liberar o Zen de qualquer responsabilidade por minhas ações. Vou continuar a fazê-los, no
entanto. Costumo ressaltar que o dadá hoje tem em si um espaço, um vazio, que antes falta-
va. CAGE, 1973, p. XI, tradução nossa).
REFERÊNCIAS
AYRA, Rina. Spirituality and Contemporary Art. Oxford Research Encyclopedia of Religion. (2016) Dis-
ponível em: https://oxfordre.com/religion/view/10.1093/acrefore/9780199340378.001.0001/acrefore-
9780199340378-e-209. Acesso em: 10 maio 2022.
BAAS, Jacquelynn; JACOB, Mary Jane (Eds.), Buddha Mind in Contemporary Art. Berkeley: University
of California Press, 2004.
CAGE, John. Silence. Connecticut: Wesleyan University Press, 1973.
DUMOULIN, Heinrich. Zen Buddhism: A History. Volume 1 India and China. Bloomington: World Wis-
dom, 2005.
MARTINS, Marcos. O caminhar como prática artística urbana. In: ANPAP, Associação Nacional de Ar-
49
tes Plásticas. Anais do 18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas: Trans-
versalidades nas Artes Visuais. Salvador, Bahia, 2009.
MOTTA, Gilson e ALICE, Tania. Andar, dançar, meditar: performance como prática espiritual.
PÓS:Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG. v.8, n.15: mai.2018 Disponível em
<https://eba.ufmg.br/revistapos>
TAYLOR, Mark C. Refiguring the Spiritual: Beuys, Barney, Turrel, Goldsworthy. New York: Columbia
University Press, 2012
SONTAG, Susan. A Vontade Radical. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
VISCONTI, Jacopo Crivelli. Novas Derivas. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
50
EXPERIÊNCIAS DA FORMAÇÃO TEATRAL DE ARTISTAS SURDOS EM PORTO
ALEGRE
Priscila Lourenzo Jardim
priscilalourenzo@gmail.com
Palavras- chaves: atores e atrizes surdas, ensino de teatro, formação de atores surdos, teatro
surdo.
51
formação em grupo: a gente compartilha conhecimentos. A análise também dialogou com o
conceito de experiência (Larrosa, 2015) e teatro surdo (Resende, 2019).
No primeiro eixo de análise, foram reunidos os trechos nos quais os participantes da pes-
quisa relataram sobre a invisibilização do teatro surdo pela falta de incentivo e acesso a editais
de financiamentos culturais, bem como na dificuldade de encontrar cursos de teatro em Libras.
Na segunda seção de análise, foi abordado a importância da escola bilíngue de surdos como
promovedora do contato com o teatro dos atores e atrizes entrevistadas, pois nestas eles tive-
ram também o contato com colegas surdos que também faziam teatro, construindo sua identi-
dade (Hall, 2006) enquanto artistas surdos.
Sendo assim, notou-se que os artistas surdos ao terem contato com colegas mais velhos e
ao assistirem outros artistas surdos em espetáculos e produções audiovisuais se sentiram mais
seguros para também serem artistas. De acordo com Degranges (2004), quem tem contato com
teatro e constrói, ao assistir uma peça, narrativas a partir dos elementos cênicos, também exercita
“a capacidade de criar e contar histórias, sentindo-se, quem sabe, motivado a fazer história” (p.5).
Na última seção, aponta-se que a formação dos artistas aconteceu nos grupos de teatro,
que contavam com oficinas, com montagem de espetáculos, treinamentos com artistas convi-
dados e a troca de conhecimentos entre os atores do grupo. De acordo com Holcomb (2011),
alunos surdos em sala de aula geralmente ajudam uns aos outros, “complementando as lições
do professor com suas próprias explicações, exemplos e paráfrases tanto dentro quanto fora da
sala de aula (p.142)” e por meio do relato dos atores e atrizes surdas, verificou-se que isso tam-
bém é recorrente nos grupos de teatro dos quais participam.
Como resultado da pesquisa, notou-se que os aspectos que contribuem com a formação
de artistas surdos são: acesso a incentivo e financiamento cultural por meio de editais que são
traduzidos para Libras, acesso a cursos e oficinas de teatro com professores fluentes em Libras,
montagens de espetáculos nos grupos dos quais participam, estar em um grupo ou em cursos
nos quais há outras pessoas surdas participando, ensinando e compartilhando seus conhecimen-
tos. Nota-se também que há uma invisibilização do teatro surdo nos currículos de cursos de
formação de atores, diretores e professores de teatro.
REFERÊNCIAS
DESGRANGES, Flávio. Quando Teatro e Educação Ocupam o Mesmo Lugar no Espaço (artigo eletrô-
nico). Site da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, v. 1, p. 1-6, 2004.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Dp&A, 2006.
HOLCOMB, Thomas K. Compartilhamento de informações: um valor cultural universal dos surdos. In:
KARNOPP, Lodenir; KLEIN, Madalena; LUNARDI-LAZZARIN, Márcia Lise (org.). Cultura Surda na con-
temporaneidade: negociações, intercorrências e provocações. Canoas: Ulbra, 2011. p. 139-149.
LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre a experiência. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. Tra-
dução de Cristiana Antunes e João Wanderley Geraldi.
RESENDE, Lucas Sacramento. Tradução teatral: produzindo em libras no teatro surdo. 2019. 95 f. Dis-
sertação (Mestrado) - Curso de Estudos de Tradução, Universidade de Brasília, Brasília, 2019.
52
A DERIVA CRIADORA COMO MOVIMENTO DE CRISE E DIFERENCIAÇÃO
Paula Fernández
paunandeztandil@gmail.com
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insegurança e a vulnerabilidade". (Bogart. 2007:20).
A entrada no abismo particular pode-se vivenciar de diferentes maneiras. Pode assumir,
por exemplo, a inconsistência de um sonho que revela formas e dinâmicas não imaginadas du-
rante o processo; ou a de um pequeno choque, no meio de um ensaio, que revela que aconteceu
algo diferente, e isso nos leva a caminhar até os atores e atrizes sem saber realmente o que que-
remos dizer, mas sabendo que - inevitavelmente - algo novo acaba de acontecer.
Quando tentamos colocar em palavras essa experiência do corpo, ficam expostos os limi-
tes da linguagem. Ou bem as palavras resultam insuficientes, ou ferem mortalmente tudo o que
tocam, tirando o seu poder, mistério e intensidade. Talvez por isso nos ensaios se use uma lin-
guagem errante, até desarticulada. Uma forma de nomear que apela ao movimento das mãos,
dos olhos e de todo o corpo para completar o que não pode ser dito ou é difícil de nomear. Essa
linguagem altamente codificada é o produto de uma sinergia coletiva que condensa não só os
sentidos, mas também energias: modos sensíveis de fazer e compreender aquilo que está se
gestando.
Diferente de escrever, a oralidade que acontece no presente dos ensaios põe em jogo as
pulsões das pessoas envolvidas tanto no ato de falar quanto no de ouvir. O que tinha certa con-
sistência nas notações do caderno de ensaio encontra na palavra falada um campo de ressonân-
cia diferente, que força o discurso a se abrir a novos encontros e derivas. A oralidade é, então,
um movimento de diferenciação do já pensado. Em outras palavras: a oralidade atualiza, trans-
forma e/ou desfigura o que é intuído ou pensado, de acordo com as intensidades e temperaturas
das pulsões e estímulos presentes.
Por outro lado, se nossa fala cotidiana procura definir o mundo e comunicar, a linguagem
utilizada nos ensaios busca ser sugestiva, indefinir, restabelecer por meio de palavras e gestos a
vibração do vivente e contagiar o germe do mundo que pulsa em nós de forma única. Não há pala-
vras certas. Encontrar as palavras adequadas é um exercício de auto-observação e coragem. É um
movimento, um balbucio interno sustentado pela tensão de nossas próprias inseguranças e con-
tradições que luta para sair e nos faz delirar em voz alta até encontrar uma fala que nos satisfaze.
As palavras geradas e encontradas nos ensaios são sempre uma materialização provisória do nos-
so fluxo vital. Pensamentos falados que anunciam o poder de uma construção singular e coletiva.
A partir do exposto podemos postular á Deriva Criadora como uma grande promotora e
catalisadora de crises. Um recurso que estimula a experiência do outro (o que não é o mesmo) nos
envolvendo em um processo de desestabilização do que é nosso (as opiniões, a ilusão de seguran-
ça) para acessar um estado alterado não quotidiano, (o da criação) e poder surpreender-nos e sen-
tir-nos mais vivos, ou um pouco menos anestesiados.
A Deriva Criadora lembra-nos que a vulnerabilidade e o "terror da diferenciação" são par-
te do ser humano, que o trabalho artístico envolve risco e sofrimento, que as crises não são
agradáveis, mas também não prejudiciais; que somos capazes de gerar hipóteses de jogo para
enfrentar o estranho e que, além da angústia e do medo, temos humor, cumplicidade, inteligên-
54
cia, coragem, amor e/ou entusiasmo pelo que fazemos. La Deriva lembra-nos também de que
exercitar o pensamento criativo implica atrever-se a sabotar o senso comum, para que não en-
fraqueça a potência de viver em seu desejo de diferenciação. E que todas as mudanças (peque-
nas ou grandes) começam quando aceitamos que somos procedimentais, falíveis, vulneráveis,
gagxs e indeterminadxs.
Aceitar as crises pode significar, entre outras coisas, não ultrapassar o tempo dos proces-
sos ou apressar-se em definir -por ansiedade, insegurança ou narcisismo- o que ainda está fer-
mentando e não atingiu sua forma. Mesmo respeitar a própria vulnerabilidade (não negá-la,
nem disfarçá-la de inteligência, franqueza, ironia ou qualquer outra coisa); gerir os meios para
que surja a alteridade (ser capaz de criar nossos próprios rituais e desorientações). E, principal-
mente, acolher as crises artísticas e as derivas que elas propõem, já que é justamente nos mo-
mentos de desestabilização que a pulsão vital é convocada para encontrar um novo equilíbrio
possível transcendendo o conhecido.
REFERÊNCIAS
BOGARD, Anne: Anne Bogart: puntos de vista escénicos. España: Asociación de directores de escena
de España, 2007.
NOÉ, Luis Felipe: ¿De qué hablamos cuando hablamos de caos? Neuquén: Museo nacional de Bellas
Artes, 2018.
55
EXERCÍCIOS ATORAIS DE MIKHAIL TCHÉKHOV: BUSCANDO DESVENDAR O
GESTO PSICOLÓGICO
Graciane Borges Pires
gracianebpires@gmail.com
Destacado como uma das maiores estrelas do teatro russo das três primeiras décadas do
século XX e considerado por K. Stanislávski como o pupilo ideal, o ator Mikhail Tchékhov tam-
bém desenvolveu seu próprio método de atuação, calcado na fé do desenvolvimento humano
como guia e principal impulso do desenvolvimento artístico. Seu contato com a Antroposofia -
cosmovisão do filósofo austríaco Rudolf Steiner, que propõe o desenvolvimento humano atra-
vés de práticas artísticas e estudo atualizado de antigas sabedorias místicas – o fez sair de uma
profunda crise pessoal, além de iniciar sua busca pela construção de uma metodologia de traba-
lho direcionada aos atores, que perdurou até o final de sua vida.
Entre 1919 e 1921 ainda na Rússia, iniciou seu trabalho como pedagogo, abrindo um estú-
dio em sua própria residência em Moscou. Em 1932, já emigrado e residindo na Alemanha, Mikhail
Tchékhov ministra suas lições para atores profissionais na Lituânia, e mais tarde, em 1936 abre um
estúdio de teatro no interior da Inglaterra, empreendimento que perdura até 1941. Na busca de
desvendar as lições dadas no período entre 1936 e 1938, ou seja, os primeiros anos do trabalho de
Tchékhov como pedagogo na Inglaterra o recorte do estudo apresentado busca desvendar as ori-
gens de conceitos presentes na técnica tchekhoviana, analisando especificamente quatro pontos:
concentração; sentimento do todo; sentimento de forma e atmosfera.
Para que se possa compreender a psicotécnica tchekhoviana foram escolhidos dois cami-
nhos, em andamento: a prática contínua da euritmia - prática antroposófica de estudo do movi-
mento - junto da investigação prática dos exercícios propostos por Mikhail Tchékhov nos primei-
ros dois anos na Inglaterra. A escolha por estes exercícios se deu porque esses primeiros passos
foram fundamentais para toda a psicotécnica desenvolvida a partir dos conceitos ali elaborados.
Um destes conceitos é o de gesto psicológico, que neste atual momento da pesquisa to-
ma protagonismo. Este gesto é definido por M. Tchékhov como aquele gesto de forma bem
acabada, estético, belo e com caráter bem definido, no qual se expressa sua verdadeira signifi-
cação pelo movimento. Dentro desse contexto, os gestos produzidos pelo ator devem conter a
atitude moral das personagens, e para que essa atitude se expresse deve se desenvolver a inves-
tigação, pela euritmia, dos movimentos espirituais que originam e vivificam atitudes, sentimen-
tos e paixões que tem assim, uma forma própria invisível, que se plasma exteriormente através
do gesto. Na vida cotidiana, o ser humano se relaciona instintivamente e menos conscientemen-
te com atitudes, sentimentos e paixões, mas o ator deve conhecê-las de perto para que possa
captá-las com precisão através dos gestos e então, dar vida à personagem. Este gesto é o nas-
56
cedouro espiritual dos sentimentos, atitudes e paixões, e ao desvendar o gesto adequado e mos-
tra-lo visivelmente em cena, o ator cumpre sua função, tornando visível o invisível.
A pergunta que surge no âmbito do ensaio prático é: como se busca então desvendar os
movimentos espirituais que plasmam os gestos e construir a atuação a partir deles? Quatro con-
ceitos e seus exercícios parecem guiar uma prática possível: concentração, sentimento do todo,
sentimento de forma e atmosfera. É a partir da compreensão prática desses conceitos que o
gesto psicológico parece nascer.
A noção de concentração ampliada é base para o desenvolvimento da prática artística. Ao
concentrar-se, o ser humano conhece as coisas ao seu redor, construindo com elas uma relação.
Para poder perceber o movimento invisível de cada manifestação ou objeto, é necessário desen-
volver uma concentração potente. Os exercícios de concentração ministrados no período de
Dartington Hall (1936-1938) dão a base para o desenvolvimento daquilo que M. Tchékhov chama
de “concentraç~o consciente volunt|ria” (TCH KHOV, 2020), que torna possível também a po-
tencialização da imaginação e da conexão com a essência das coisas.
Por sentimento do todo Mikhail Tchékhov nos chama a visualizar a ideia completa, o todo
de alguma coisa – exercício, personagem, peça, movimento ou gesto – primeiramente tendo
uma visão ampla e geral que se desenvolva em três partes – início, meio e fim – e depois se tra-
balhe nas partes. Ter esse sentimento de todo nos conduz sempre para uma visão mais ampla e
evita que o ator se perca dentro do processo criativo, enfatizando determinadas partes e esque-
cendo-se de outras, terminando por desmembrar seu trabalho.
O sentimento de forma é aquilo que conduzirá o ator a perceber qual é a forma visível dos
impulsos vivos invisíveis, pois é preciso dar-lhes forma. Os exercícios de forma e sentimento de
forma conduzem a descoberta de como podemos plasmar fisicamente um movimento que nos é
trazido pela sensação ou intuição. Tchékhov diz que:
Quando estamos atuando, o "como" é muito mais importante que o "o quê". Na arte, "co-
mo" é e sempre será muito mais importante. [...]Os atores estão sempre interpretando "o
quê" e nunca "como", portanto, todos são tão secos, tão inteligentes, tão mecânicos, tão
sem alma, apenas espírito frio e corpo mecânico. (TCHÉKHOV, 2020, pg.40).
O conceito mais amplo entre os quatro apresentados, mas com o qual o ator deve se re-
lacionar desde o primeiro momento, é o de atmosfera. A atmosfera é um conceito amplo, que
deve sempre ser ampliado durante a formaç~o do ator. Uma de suas compreensões é que “at-
mosfera é algo que preenche e penetra o espaço como luz ou ar” (TCH KHOV, 2020). Especifi-
camente no que diz respeito ao gesto psicológico, este sempre vem acompanhado de uma de-
terminada atmosfera ao seu redor, que faz com que sofra adaptações. Um gesto feito em uma
atmosfera de tensão se diferencia em sua forma do mesmo gesto feito em uma atmosfera de
relaxamento e leveza.
A partir da prática contínua da busca-se aprofundar estes conceitos e seus desdobra-
mentos na prática atoral. No atual momento da pesquisa, investiga-se a possibilidade destes
57
quatro conceitos serem chaves para o entendimento mais preciso do “gesto psicológico”, do
qual o ator tchekhoviano deve dominar e produzir em suas criações cênicas.
REFERÊNCIAS
CHÉJOV. Mijaíl. A. El caminho del actor / Vida y encuentros. Ediciones ALBA, Barcelona, Espanha,
2016.
GONZÁLEZ PUCHE, Alejandro. ZHENGHONG, Ma (Compilação e Tradução). 16 lecciones y otros mate-
riales. Cali, Universidad del Valle, 2017.
TCHÉKHOV, Michael. Lições para professores de sua técnica de atuação. Tradução não publicada de
Graciane Pires para fins didáticos, 2020.
58
A EXPERIÊNCIA DOS BUCHSBAUM NA (RE)FORMULAÇÃO DO TEATRO PO-
PULAR BRASILEIRO
Howardinne Queiroz Leão
dinnequeiroz@usp.br
4 Entrevistamos para o trabalho Carlos Pinto, personalidade importante do teatro santista e brasileiro. É ex-
secretário de Cultura da cidade de Santos e foi um importante agitador e articulador do movimento de teatro ama-
dor da cidade.
59
aprofundar na pesquisa, esmiuçar quais conceitos envolvidos na ideia de povo, massa, teatro de
rua, teatro comercial, etc., palavras pontuadas em seus discursos, bem como as motivações artís-
ticas e políticas imbricadas. É preciso salientar que se trata de um período de ditadura civil-militar,
culminando em um clima de tensão acirrado em todo o país. Lizette Negreiros (2022), atriz do
PERSAN na peça Pedro Mico, nossa entrevistada, contou que se sentia vigiada quando ia aos en-
saios, pois era preciso ter cuidado para entrar e sair da casa do casal, que mantinha as cortinas
fechadas durante os encontros - um dos motivos que a fez se afastar do grupo. Em contrapartida,
o filho Arthur Buchsbaum comentou em uma conversa informal que os pais não sofreram perse-
guição política, mas, foram especulados pela polícia quanto a sua forte atuação no ativismo ecoló-
gico, luta que empreenderam paralelamente ao teatro.
Interessa-nos também tratar em pormenores em que medida repercutiu o Teatro ao en-
contro do povo para a época e se houve envolvimento com outras práticas semelhantes na pers-
pectiva político cultural, por exemplo, com o CPC da UNE e a prática de Augusto Boal.
A metodologia do trabalho imbrica referenciais do teatro brasileiro moderno com fontes
documentais e a história oral, contribuídas pelo filho do casal e pessoas que se aproximaram ou
fizeram parte do movimento. Visamos compreender o projeto de teatro em perspectiva e ques-
tionar o ideário estrangeiro reincidido sobre a visão de teatro popular brasileiro. Para isso, utili-
zamos os estudos de Teatro Comparado formulado por Jorge Dubatti (2008) como premissa
para compreender a perspectiva territorial, cultural e social envolvidos, junto aos estudos de
transnacionalidade proposto por Christopher Balme (2017). No caso do segundo autor, verifica-
remos no escopo de sua investigação o surgimento do teatro profissional em países emergentes
a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, resultando na imigração de muitos deles ao Brasil e,
finalmente, contribuindo na modernização teatral a partir de tendências que não são isoladas.
É essa aproximação com os fenômenos transnacionais, levando em conta os meios e
modos de produção, que enriquecem as perspectivas de criação possibilitando uma chave de
leitura para discutir democratização teatral versus democracia teatral. Enquanto a primeira nas-
ceu de uma política cultural francesa privilegiando repertórios clássicos à população de toda a
sorte, a segunda, mais recente, aplica a ideia de diversidade cultural garantindo espaço a todos
os tipos de produções. Podemos entender o arrojo do TEP em desejar quebrar a hierarquia ar-
quitetônica tornando a rua o palco, parte desse processo sociocultural em voga.
O TEP durou pouco mais de um ano em Santos e passou por outras cidades brasileiras,
sempre movimentando o teatro amador. Na década de 1970 criaram o jornal Abertura Cultural,
suplemento que veiculava as ideias artísticas e ecológicas preconizadas pelo TEP. Foi por esse
meio que fizeram um chamamento a grupos teatrais espalhados pelo país. Estes podiam se cor-
responder com o casal, trocar materiais, pertencendo assim ao movimento. O final do TEP é
uma questão, visto que ainda não encontramos um motivo concreto, apenas suposições que
apontam a um arrefecimento das atividades culturais em prol do ecologismo. Há muitos excer-
tos sobre o trabalho do TEP com Pedro Mico e seu percurso periférico, mas ainda não achamos
60
nada registrado na literatura teatral. Outra tarefa que nos cabe é investigar os grupos dissiden-
tes que trocaram ou se originaram a partir do Teatro ao encontro do povo. Sabemos que em
Londrina tiveram uma participação relevante no teatro amador, segundo uma troca de e-mails
com o dramaturgo londrinense, Domingos Pellegrini, futuro entrevistado.
Os passos seguintes da tese caminham para uma organização bibliográfica em torno dos
temas, visitas a acervos, entrevistas e organização sistematizada a afim de criar uma cartografia
analítica que dê conta do percurso tepiano. Nosso estudo justifica-se pelo seu ineditismo e pro-
põe uma revisão na historiografia teatral brasileira, nos debates entre teatro e sociedade, re-
vendo o lugar e a compreensão do teatro popular brasileiro.
REFERÊNCIAS
BALME, Christopher. Theatrical institutions in motion: developing theatre in the postcolonial era.
Journal of Dramatic Theory and Criticism, Lawrence, v. 31 n. 2, p. 125-140, 2017. Disponível em: Acesso
em: 05/05/2022.
DUBATTI, Jorge. Cartografía teatral: Introducción al teatro comparado. Buenos Aires, Atuel, 2008.
NEGREIROS, Lizette. Entrevista sobre o TEP. São Paulo, junho de 2022.
O ESTADO DE SÃO PAULO. Grupo leva teatro ao morro santista. O Estado de São Paulo. São Paulo, 19
de maio de 1968.
61
INDDIEGENTE: A CONSTRUÇÃO DE UM CORPO SAGRADO-NÃO SANTO
Judson Andrade Takará
judsonjba@gmail.com
é dividido em dois momentos: no primeiro ocorre o desfile das kengas, quando alguns foli-
ões desfilam em uma passarela no meio da rua, grotescos, espetaculosos e performáticos,
em culto a uma beleza feminina às avessas, sob o olhar atento de um corpo de jurados, sati-
rizando a imagem mulher, enquanto competem pelo título de rainha das kengas; no segun-
do momento ocorre o cortejo carnavalesco do bloco das kengas, que segue um trajeto do
Centro Antigo da cidade até o bairro da Ribeira, celebrando a rainha das kengas recém-
coroada, as competidoras e o público, enfim. (BARBOSA, 2005, p. 36)
O convite a desfilar foi o grande responsável pela permanência da Inddiegente, pois a ida
ao Baile foi despretensiosa e sem intenção de continuidade, por isso não houve uma escolha
prévia do nome. A nomeação se deu para o cadastro e apresentação do desfile, quando pergun-
tado como seria chamada a resposta foi: “n~o tem nome” e devido a insistência surgiu o Inddie-
gente “porque quem n~o tem nome é indigente”.
A pandemia de Covid-19 estimulou a assiduidade dessa figura pois foi terapêutico de iní-
cio. Com o princípio do isolamento, se pintar firmou-se no cotidiano como fuga da realidade de
incertezas do Brasil e ganhou status de escapismo através do lazer das experimentações estéti-
cas. Nesse período houve os primeiros convites para participação em performances online em
festivais de SP e outro que reuniu artistas do RN, PB, BA, SE, PE e AL.
Destaco o processo de construção do manifesto para a diversidade e as estéticas afro-
diaspóricas: Véu, fotos e vídeo protagonizados pela Inddiegente desenvolvidas em outubro de
2020, para a marca afropotiguar Negro Charme. Esse movimento é marcante pois fixa elementos
estéticos que permanecem até hoje como o véu e os olhos vermelhos.
Nesse período houve a percepção que o processo de construção da persona era de antes
do Baile das Kengas e a partir desse momento a linha de investigação se divide em duas: presen-
62
te-passado e presente-futuro. Atravessado por Macau comecei a investigar o passado e buscar
respostas, nesse momento “escolho começar pelo rastro deixado na terra dos meus” (2020). A
partir daí foi iniciado um processo de busca das estéticas que engendraram a aparição, conceitos
formadores e pesquisadores/artistas que me afetaram ao longo dos anos.
A metodologia empregada para a execução é a autoetnografia citada por Santos onde há
a import}ncia no “uso da memória do autor, da sua própria experiência vivida” (2017) para en-
contrar respostas através dos rastros. A autoetnografia que procuro desenvolver está ancorada
na minha biografia e minha vivência enquanto corpo negro, gordo, LGBT, macumbeiro e dessa
forma a experiência em não lugares de afeto constroem a indigência. Aí está presente a potên-
cia da forma de construção desse processo, pois “como um método, a autoetnografia torna-se
tanto processo como produto de pesquisa” continua Santos (2017).
Investigando em anotações em diários de bordo de disciplinas, imagens de processos ar-
tísticos que aconteceram durante toda a graduação encontrei rastros de Onisajé, encenadora
baiana fundadora do NATA que constrói seu trabalho alicerçado no candomblé e sua ética gera-
dora de estética, propõe também que a fronteira entre a ancestralidade e a contemporaneidade
seja borrada.
Para a construção estética da figura performativa tomo o conceito de corpo-tela para
além da pintura corporal, a “tela” também é preenchida com tecidos e adereços que se relacio-
nam com a minha vivência cotidiana no candomblé.
A Inddiegente se aproxima mais de uma aparição, pois segundo Gorzillo citando Lhola
Amira afirma: “eu n~o sou uma artista da performance, eu não faço performance. Não é uma
existência dupla. N~o é uma persona que eu represento. Eu sou uma presença.” (2019).
Atualmente a formação estética se dá pelo olho vermelho que representa fúria e sangue,
o facão que é inspirado em Ogun e simboliza vida e morte. A tira amarrada no peito espelha o
atakan, laço que adorna o que é sagrado no candomblé e o véu que é o sentido da maquiagem
indigente: se mostrar de uma forma transparente, vulnerável e misteriosa. Se cobre, mas não
desaparece.
A aparição é construída sobre o desamparo sofrido por um corpo dissidente e teimoso. Ela
representa a construç~o de luta contra o silenciamento, lembrando que “No }mbito do racismo, a
boca se torna o órgão da opressão por excelência, representando o que as/os brancas/os querem –
e precisam – controlar e, consequentemente o órgão que, historicamente, tem sido severamente
censurado.” (KILOMBA, 2019, p. 34).
Essa aparição é um corpo sagrado não santo. Para o candomblé o corpo é sagrado pois é
morada de orixá, mas esse corpo também é livre da santidade e culpa cristãs, permite a experi-
63
encia do prazer, desobediência e luta. Kilomba em seu livro afirma “n~o sou o objeto, mas o su-
jeito. Eu sou quem descreve minha própria história, e não quem é descrita. Escrever, portanto,
emerge como um ato político” (2019). A Inddiegente é isso: um corpo/ato político construída
sobre a dor de ser negro, gordo, LGBT e macumbeiro que está se colocando nas ruas. É a dor
para buscar o alívio.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Fernanda Júlia. Ancestralidade em cena: Candomblé e Teatro na formação de uma encena-
dora. Dissertação. (Mestrado): UFBA- Salvador, 2016.
BARBOSA, Makarios Maia. “Todo coco um dia vira kenga”: Etnocenologia, performance e transformis-
mo no carnaval potiguar / Makarios Maia Barbosa. – Salvador, 2005.
GORZILLO, Maria Regina. Processos de criação em performance e as práticas comunicativas. Disserta-
ção. (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, São Paulo. 2019.
KILOMBA, Grada (trad. Jess Oliveira). Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de
Janeiro: Cobogó, 2019.
MACAU, Tieta. Ancés e outras macumbarias: poética visual de rastros insurgentes. PROA: Revista de
Antropologia e Arte. nº10, v.1, p. 310-312, 2020.
SANTOS, S. M. O método da autoetnografia na pesquisa sociológica: atores, perspectivas e desafios.
Plural, 214-241. 2017.
64
INTER-AÇÕES POÉTICAS E POLÍTICAS [IN] ASJA LACIS, WALTER BENJAMIN
E BERTOLT BRECHT
Erika Santos
eerikacamila@gmail.com
Daniel Marques
danielmarquesdasilva04@gmail.com
A pesquisa a que se refere esse resumo propõe um olhar crítico para a formação no que
tange o encontro ensino e aprendizagem através da (re)leitura dos Planos de Estudos Tutora-
dos-PET. O caminho metodológico visa reflexões acerca do modus operandi utilizado pelo Go-
verno do Estado de Minas Gerais ao implementar o ensino das Artes durante a pandemia. O ma-
terial que o governo elaborou não consegue atender às demandas que a educação básica neces-
sita ao indicar o Plano de Estudos Tutorados (PET) como meio para a aprendizagem dos conte-
údos de Artes. Pois o mesmo se fez através da entrega de um material com questões objetivas e
em também com questões discursivas, obrigando o aluno a acessar links para suas pesquisas em
artes. A dificuldade do acesso à internet não fora computada pelos órgãos responsáveis em ela-
borar o material e manter uma educação pública de qualidade, mesmo diante de um momento
atípico como fora a pandemia de COVID-19. Problematizar a impossibilidade da vivência artísti-
ca através dos PET’s é refletir sobre as questões que cercam a formaç~o da classe trabalhadora e
intensificar a pedagogia teatral como caleidoscópio que desvela as demais linguagens artísticas.
A não experimentação de texturas, vivências com sons e mistura das cores através da leitura e
interpretação de textos longos, só reforça a imposição de um possível discurso hegemônico para
o ensino das Artes no espaço formal. Para Sônia Marrach, é nos estudos sobre pedagogia teatral
que se desvelam os conceitos assentes pelo autor Walter Benjaminno início do século XX no que
se diz respeito à consciência da luta de classes. De acordo com Marrach,
Para a burguesia as crianças precisam mais dos adultos que estes delas. Baseado nesta má-
xima, o burguês vê seu filho como herdeiro. Já os proletários vêem seus filhos como liberta-
dores. E isto se dá uma grande diferença em termos de pedagogia. A criança proletária nas-
ce e vive no seio da classe e não no da família; ela faz parte da prole de sua classe. (MAR-
RACH, 2006, p. 38).
Por isso, é nítido que o modelo de educação, ainda definido pela SEE-MG (Secretaria de
Estado de Educação do Governo de Minas Gerais), dá continuidade à metodologia de ensino
apenas sob o viés das Artes Visuais perpetuando a linguagem clássica como hegemônica no que
diz respeito ao fazer artístico e cultural. O aluno, ao observar imagens e realizar leituras de tex-
tos sobre a imagem e seu contexto artístico, é levado a perceber esse ensino como um mero
somatório de informações. Portanto, o que interessa é apontar a relação intrínseca entre Asja
65
Lacis, Walter Benjamin e Bertolt Brecht para indicar o teatro como campo de exploração de con-
teúdos abordados dentro do material elaborado pelo governo de Minas e indicar caminhos para
que ao aluno seja possível compreender o que estava sendo trabalhado dentro do contexto pan-
dêmico, diminuindo assim, a enorme defasagem entre a rede pública e privada que já se instau-
ra sob o governo neoliberal em que estamos inseridos. Sendo assim, a (re)leitura crítica do ma-
terial em análise colocaria em xeque o discurso hegemônico que não condiz com as práticas do
teatro épico. Seria no teatro infantil o lugar primordial para a compreensão das lutas de classes,
pois o proletariado vê em sua prole o legado de uma luta para sobreviver e a “educaç~o proletá-
ria necessita, portanto – em todas as circunstâncias – primeiramente de um contexto, um terre-
no objetivo no qual se é educado” (BENJAMIN, 1984, p.84). A pesquisa fomenta pontos conver-
gentes entre as teatralidades que Asja Lacis desenvolveu em sua pedagogia teatral e que tanto
encantaram Benjamin, como também realizar a práxis do gestus em Bertolt Brecht que Benja-
min consegue transpor para a literatura em suas narrativas sobre a Infância em Berlim, dentro do
livro Rua de Mão Única. Por isso, as inter-ações poéticas entre os três autores concentram como
método de análise o gestus das transposições de literatura e memórias para as dramaturgias que
podem ser criadas em um corpo que dança com suas memórias no palco da sala de aula. É deste
modo que as (re) leituras dos PET’s podem conseguir elaborar um processo de formaç~o crítica
não somente do docente, mas também, dos discentes envolvidos no encontro ensino e aprendi-
zagem.
Ao construir poéticas para o leitor crítico dos Pets, e quaisquer outros materiais didáticos
para o ensino das artes nas escolas, os envolvidos com as práxis das inter-ações, podem encon-
trar no teatro épico a capacidade de uma força tenaz e portanto, “n~o deve se ocupar tanto em
desenvolver ações, mas em apresentar situações” (BENJAMIN, p.25, 2017). O que nos permite
indicar que as inter-ações, entre Asja Lacis, Walter Benjamin e Bertolt Brecht em suas produções
de teatro épico e teatro infantil podem alavancar a estrutura do desenvolvimento analítico e
crítico das práticas que cerceiam o caminho para a consciência da luta de classes. A dialética na
relação educacação e teatro proletário é que existem campos que forjam o reconhecimento da
classe na qual a criança está inserida e que ao adulto, em sua experiência gestual poderá reco-
nhecer o universo que em seu entorno permeia. Eis que, as inter-ações entre Asja Lacis, Walter
Benjamin e Bertolt Brecht poderão ser um viés de contribuição para possíveis e novas discussões
sobre o teatro político dentro dos espaços formais de educação básica e também na formação
docente.
REFERÊNCIAS
66
MINAS GERAIS. Plano de Estudos Tutorados. Estude em Casa. Disponível em:
https://estudeemcasa.educacao.mg.gov.br. Acesso em: 20.09.2022.
67
DA MÁSCARA À MASQUIAGEM: O MASCARAMENTO DO THÉÂTRE DU SO-
LEIL
Juliana de Lima Birchal
jlbirchal@gmail.com
julianabirchal@usp.br
5 Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo.
6 O grupo foi tema de pesquisa do Trabalho de Conclusão de Curso para licenciamento em Teatro pela UFMG e está
disponível no link https://issuu.com/bibliobelas/docs/juliana_lima_tcc.
7 Destaca-se a residência artística realizada com o Théâtre du Soleil com duração de seis meses entre os anos de
2014 e 2016. Mais informações estão disponíveis no blogue http://projetotheatredusoleil.blogspot.com/.
68
máscara que utiliza de outras materialidades para constituir o corpo-m|scara; 3) a “m|scara to-
tal”, denominaç~o dada por Erhard Stiefel (PICON-VALLIN, 2012, p. 171), que cobre o ator por
inteiro; e 4) a “masquiagem”8, neologismo que faz referência à maquiagem que funciona como
uma máscara. A divisão em categorias (ainda em discussão) é uma estratégia de organização
teórica a partir das observações e leituras já realizadas.
Ainda em fase de revisão bibliográfica, os principais referenciais teóricos deste estudo
são Béatrice Picon-Vallin (2014) que realiza um trabalho minucioso de documentação da história
da trupe francesa; Fausto Roberto Poço Viana (2014) que traz contribuições relevantes quanto
aos processos de criação e construção dos trajes de cena no Théâtre du Soleil; Felisberto Sabino
da Costa (2006) que discute o mascaramento e analisa diferentes constituições de corpo-
máscara na cena teatral; e, por fim, Josette Féral (2010) que traz artigos, entrevistas e textos
diversos que ajudam a aprofundar a análise sobre a companhia.
Além destes autores, o próprio Théâtre du Soleil disponibiliza uma série de documentos
que podem ser consultados online, dentre eles entrevistas, artigos, programas de espetáculos,
fotografias, vídeos, arquivos radiofônicos, de grande valia para a pesquisa. Ainda, como estraté-
gia metodológica, será realizada uma pesquisa de campo para entrevistar o mascareiro Erhard
Stiefel e consultar materiais disponíveis na BnF9 e na CNCS10, como maquetes, croquis e trajes
de cena de espetáculos mais antigos. O material coletado será analisado e corroborá para a re-
dação do documento-síntese.
Espera-se com este trabalho trazer mais uma contribuição para o campo acadêmico no
que concerne às visualidades, e, mais especificamente, à constituição de corpos-máscara nas prá-
ticas teatrais. Investigar as experiências artísticas de uma trupe longeva e de grande relevância no
cenário internacional como o Théâtre du Soleil ajuda a entender os diferentes tipos de mascara-
mento que se apresentam na cena contemporânea, suas técnicas de construção/feitura, seus pro-
cessos de criação e suas implicações no jogo de cena. Desvelar o processo criativo e compreender
o processo de transposição de princípios de trabalho do jogo mascarado abre novas perspectivas
para corpos-máscara, que extrapolam escolhas estéticas e gêneros teatrais determinados. Assim,
busca-se mostrar caminhos possíveis para que atores e artistas em geral possam se relacionar com
traje de cena, máscaras, objetos e adereços como disparadores da criação cênica.
REFERÊNCIAS
8 O termo é uma tradução de masquiage usado por Béatrice Picon-Vallin no livro “Le Théâtre du Soleil : les cinquan-
te premières années” (2014).
9 A Bibliothèque Nationale Française fica em Paris.
10 Centre National du Costume de Scène que está na cidade de Moulins, na França.
69
so em 5 ago. 2022.
FÉRAL, Josette. Encontros com Ariane Mnouchkine: erguendo um monumento ao efêmero. São Pau-
lo: Editora Senac São Paulo, 2010.
_____________. Trajectoires du Soleil : autour d’Ariane Mnouchkine. Paris: Éditions THEATRALES,
1998.
PICON-VALLIN, Béatrice. Le Théâtre du Soleil : les cinquante premières années. Paris: Actes Sud /
Théâtre du Soleil, 2014.
_________________. Uma verdadeira máscara não esconde, ela torna visível. Revista Sala Preta, vol.
12, n. 2, dez. 2012, p.154-175. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/57495/60514. Acesso em 01 mar. 2022.
VIANA, Fausto. Figurino teatral e as renovações cênicas do século XX. São Paulo: Estação das Letras e
Cores, 2014. E-book.
70
A POETICIDADE TRANSGRESSORA DE ARTISTAS TRAVESTIS DO SERTÃO
NORDESTINO
Luís Massilon da Silva Filho
psi.luismassilon@outlook.com
71
tar no território, em movimento, afetando e sendo afetado por aquilo que buscávamos cartogra-
far, estando aberto ao desenvolvimento das sensibilidades e dos rumos que a processualidade
do encontro poderia suscitar. A pesquisa cartográfica, enquanto intervenção, se concentra, en-
tão, em um mergulho na experiência, em um plano da experiência.
Cartografar processos de corpas travestis, em suas trajetórias com a arte, nos inseriu em
campos extensivos e de forma intensiva, nos quais forças foram insurgidas a partir de intensida-
des, proporcionando encontros em que, junto com as partícipes da pesquisa, pudemos questio-
nar posturas viciadas e conservadoras, nas dobras (DELEUZE, 1991) que se lançaram no devir
que nos impeliu ao caminho da diferença.
A experiência artística concretizada por corpas travestis implementam uma linguagem
outra do cotidiano e que se evidencia como abertura de novas possibilidades, um deslocamento
para a experimentação, para a transformação. A experiência artística está articulada com a no-
ção de que, pela arte, criamos experiências e recompomos a existência, constituindo uma Ética
da Estética (MAFFESOLI, 2011). O que nos liga não é a razão, pois esta não tem o dinamismo
sensível para compreender a contemporaneidade, e que é a Estética que faz a ligação entre nós
e o cotidiano.
A partir dessa dimensão, evidenciamos, com o diálogo construído, dada poética de senti-
res, de afetos, de perceptos, de corpas e de sentimentos refletidos nas palavras que ressaltam os
gestos e os movimentos, sons, silêncios, emudecimentos de sensações arrepiantes e desanuvia-
doras de prazeres. Com a criação travesti é possível ter noção da potência que confere forma a
algo que se sente, que se intui, que se percebe, confere uma conotação de imaginar, estabelecer
novos caminhos, modos de ser, ideologias e novas expressões dissidentes (OSTROWER, 1987).
Entendemos que a criação artística em questão aduz à materialização do que podemos considerar
como força poética atrelada a processos de subjetivação. E isto se relaciona, por sua vez, ao ato de
intuir, tendo em vista que o processo de criação consciente, precisa ser alimentado pela intuição,
na proposição de dar forma ao novo, imaginando, criando. Ou seja, somente intuindo e tornando-
se consciente do processo a artista pode dar forma à sua criação, efetivando-a.
As percepções advindas trans-formaram, pois cogitam a autoanálise pelo olhar, gestuali-
dade, estética, sentimentos, afetos e saberes poético-transgressores de todas as pessoas envol-
vidas nesse cartografar, sobretudo as artistas travestis, que navegam conosco na derivação ser-
taneja ora apresentada. Importante dizer que aprendemos que não se chega a um fim, se vive o
caminho... não há término em cartografar as corpas em questão, pois estão e estarão aí, trans-
mitindo as afecções e flanações.
REFERÊNCIAS
BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assem-
bleia. Tradução de Fernanda Siqueira Miguens. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
DELEUZE, Gilles. A Dobra: Leibniz e o Barroco. 1. ed. Campinas, SP: Papirus, 1991.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. vol. 1. Rio de Janeiro: Editora
72
34, 1995.
MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 1987.
ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. 2 ed. Porto Ale-
gre: Sulina; UFRGS, 2016.
73
MANIFESTAÇÕES POLÍTICAS EM ESPAÇOS PÚBLICOS: REFLEXÕES POÉTI-
CAS A PARTIR DAS CONEXÕES PERFORMÁTICAS GERADAS NOS COLETI-
VOS
Jamysson Ian Lima Souza
ian963344@gmail.com
74
sar a performatividade criada nas ruas ao passo em que as conexões são tecidas criam-se dan-
ças a partir das ligações corpóreas. Assim, durante a pesquisa, dediquei-me a olhar os elementos
que estiveram presentes nas atividades de protestos realizadas na cidade de João Pessoa entre
20202 e 2021 - sobretudo nas que aconteceram contra o reitor-interventor da UFPB e a decisão
do presidente da república.
Nas manifestações, além das coreografias criadas para criar uma movimentação coeren-
te com o coletivo, como por exemplo: os punhos em chistes, cartazes com escritas que poten-
cializavam o repúdio e pneus queimados para intervir o ritmo da dança cotidiana da cidade,
dando foco maior ao movimento contra-normativo serviam como espécies de elementos cêni-
cos que auxiliavam no sentido dramatúrgico - dito por Greiner (2005) - daquela intervenção hu-
mana no urbano.
Ao rememorar as experiências em protestos e, participar de alguns durante o percurso da
pesquisa, a auto-etnografia (FORTIN, 2009), enquanto suporte metodológico, guiou minhas
reflexões e o modo como elas transitaram poético e politicamente no meu corpo.
Vivendo à revolta da intervenção política na Universidade e, olhando esses elementos
que constituíam a dramaturgia dos protestos que confrontavam as diretrizes do urbano e os
agentes responsáveis por manter a cinética da cidade (LEPECKI, 2012), adentrei num laboratório
corporal, em que experimentei esses movimentos de protestos que contrariam o modo duro de
estar na cidade para tornar visível determinada revolta e, usando das grafias presentes nos car-
tazes das manifestações, construí o que veio a ser chamado de ANDADURA.
“Andadura” se constrói enquanto aç~o perform|tica de cunho pedagógico, em que eu, a
partir de todas as experimentações nos protestos na cidade de João Pessoa, convido o público a
pensar nessas danças desobedientes. Durante a ação, eles escrevem suas revoltas em cartazes e
depois envolvem meu corpo com essas grafias. Esses materiais, limitam meus movimentos im-
possibilitando uma dança desprendida. Nesse momento, enrijecido pelos cartazes, ando num
duro modo. Danço alinhado aos interesses cinéticos de um sistema que prende. Numa unidade
das revoltas envolvidas no meu corpo, crio a imagem das alianças propostas por Judith Butler,
mas, estou amarrado pelas regras estruturais de um sistema que coreógrafa uma opressão.
Nessa perspectiva, podemos entender que a cidade contemporânea lida a todo instante
com intervenções do Estado, todavia, grupos confrontam o estado das coisas postas por essa
parcela detentora de um poder repressor. Observar os protestos sob a ótica das artes do corpo
legitima enquanto epistemologia potente para centralizar tais discussões. Protestos são estu-
dados por diversas áreas, mas observá-los pelo eixo da dança, sem torná-los românticos, mas
problematizando-os pela poética do corpo, quebras as hierarquias do conhecimento e, como as
manifestações, desmantelam o ritmo do espaço ocupado.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília - DF: Senado Federal: Centro Gráfico,
75
1988.
BUTLER, Judith. Corpos em Aliança e a Política das Ruas - notas para uma teoria de assembleia. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
GREINER, Christine. O Corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005.
SCHWARCZ, Lilia, M; STARLING, Heloisa, M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras,
2018.
SIMAS, Luiz A. O Corpo Encantado das Ruas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020.
76
HISTÓRIAS QUE O CORPO CONTA - HACKEANDO MEMÓRIAS VÍDEO-
CARTAS
Nina Ricci
nina.ricci@alumni.usp.br
Desejar se lembrar não é um ato inocente, como destaca Bernard12 (2001). Trata-se, antes
de tudo, de submeter nossas experiências passadas ao poder de seleção, de reorganização e
de transformação e, em consequência, ao poder de embelezamento ou de depreciação que
reconstrói e forja um passado à sua imagem. Mas é também crer e fazer crer que essas expe-
riências passadas existem por elas mesmas, que há uma realidade em si dos fatos assim con-
servados, digna de ser lembrada e reconhecida. (DANTAS, M. 2012)
11 RICCI, Nina. HACK. Youtube, 04/09/2022 Disponível em: <https://youtu.be/HAqoVj7yDS8> Acesso em:
25/09/2022.
12 BERNARD, Michel. De la créatrion choregraphique. Pantin: Centre national de la danse, 2001.
77
narrada em primeira pessoa pela própria artista, que também é quem está em cena. Essa voz se
coloca como uma espécie de hacker de si mesma, que busca reativar memórias perdidas e co-
nectar-se com algo supostamente essencial do que se é.
A artista dança sozinha num grande galpão desativado, que um dia foi à casa de máqui-
nas da primeira usina hidrelétrica de Mato Grosso, seu estado de origem. Seu corpo jovem e
seus movimentos curvilíneos e arredondados (que se assemelham a um abraço) contrastam com
as estruturas rígidas, enferrujadas presentes no ambiente. Apesar da evidente diferença entre o
corpo que dança e o espaço, parece haver uma busca constante por algum tipo de conexão, a
artista toca o chão cheio de areia como se quisesse encontrar algo escondido mais fundo abaixo
do solo, suas raízes.
Ouvimos um texto que menciona inúmeros vocabulários técnicos remetendo à lingua-
gem computacional,
Eu me conectei demais com a desconexão urbana contemporânea pós natural Me sinto co-
nectada aos fios dessa micro conexão desconexa do mundo real Meus circuitos originais es-
tão fechados Meus canais de conexão com o real estão corrompidos pelos códigos tristo-
nhos da tridimensionalidade moderna Quero voltar à minha base de dados, acessar meus
arquivos primeiros, as pastas dentros das pastas Sigo tentando encontrar a senha dessa rede
estranha que me plugaram Aceitei os termos de compromisso, os plugins, os cookies e aces-
so irrestrito aos dados da minha memória afetiva As informações foram repassadas, estão
longe na nuvem perdidas entre as programações do momento Vou hackear meu próprio cir-
cuito, invadir minha máquina, roubar de mim a intuição roubada. (RICCI, 2021)13
Ao mesmo tempo evoca imagens poéticas, “hoje passou um caminhão por mim, levantou
tanta folha que eu virei |gua.” Apesar da videodança HACK. não ser o objeto de estudo da pesqui-
sa, funciona como um arquivo primário que contém pistas para o desenvolvimento da investiga-
ção artística em andamento. Trata-se de uma espécie de elaboração estética de conceitos e per-
guntas fundamentais que serão aprofundados no trabalho.
Quanto à metodologia, podemos destacar no momento atual do projeto, o mapeamento
de obras audiovisuais que são referência no campo das memórias pessoais, autobiografias e/ou
autoficções, e que tem como característica marcante o hibridismo entre linguagens (em especial
cinema, teatro e dança). Entendendo as especificidades de cada um desses campos e elegendo
aquele que mais favorece a pesquisa, pretende-se escolher duas obras para serem analisadas,
destacando os recursos técnicos e estéticos utilizados, e de que forma eles favorecem na elabo-
ração dessas narrativas.
Na fase final da pesquisa visamos a criação de uma obra audiovisual, como exercício prá-
tico de diálogo com as referências analisadas e que possa ser campo de experimentação e apro-
fundamento das questões abordadas no projeto. Com isso pretendemos estabelecer uma cone-
xão mais próxima entre artista-pesquisadora e público, coletar informações sobre a recepção da
obra e lançar novas perguntas para a própria pesquisa e os espectadores.
78
Pode o corpo ser considerado como arquivo? Espaço de recordação? Por que criar a partir
de lembranças e esquecimentos? Como acessar essas memórias e suscitar novos diálogos e re-
flexões a partir delas? Em que medida tensionar as noções de verdade e ficção pode gerar efei-
tos de conexão, embate e reflexão para artistas e público? Essas são algumas das perguntas que
mobilizam a artista neste momento inicial de ingresso no mestrado.
REFERÊNCIAS
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MODA, CORPO, GÊNERO: OS ASPECTOS SIMBÓLICOS E SUBJETIVOS
PRESENTES NO VESTUÁRIO DE OBRAS VISUAIS
Ilzy Gabrielle Soares da Silva
ilzy.gabrielle@ufpe.br
Daniella Nery Bracchi
daniela.bracchi@ufpe.br
Introdução
Em que medida o vestir-se estaria dentro de um sistema de rituais diários que
contribuem para reforçar e manter ideais masculinistas que operam, dentre outras coi-
sas, para docilizar os corpos? Numa tentativa de encontrar respostas para essas ques-
tões, este resumo propõe apresentar os resultados parciais da discussão sobre como o
ato de vestir-se é afetado pela influência cultural sobre o tema do gênero e como essas
afetações podem ser percebidas através do vestuário.
Admitimos que a roupa é uma representação pública do corpo e com ele produz
uma experiência íntima (ENTWISTLE, 2002) e entendemos que os gêneros são cristali-
zados através de rituais sociais diários (BUTLER, 2003). Investigamos se o vestuário re-
tratado nessas obras pode evidenciar aspectos simbólicos e subjetivos sobre questões
de gênero. Os objetivos que norteiam este trabalho são, especificamente: delimitar
quais obras possibilitam refletir sobre as representações simbólicas sobre gênero; identi-
ficar e analisar quais os principais sentidos simbólicos e subjetivos presentes neste ves-
tuário.
Para tanto, utilizamos a perspectiva fenomenológica (CARVALHO; CARDOSO,
2015) descritiva, filosófica e interpretativa, enquanto trajeto metodológico. A aborda-
gem qualitativa foi utilizada por compreender que o estudo lida com interpretações das
realidades sociais (GIL, 2008). A coleta de dados se deu a partir de imagens em páginas
online. A análise de imagens foi organizada a partir da técnica de análise de imagem
proposta por Carvalho (2019).
80
sentido, quando vestimos o corpo buscamos atender as expectativas sociais construídas
sobre ele, ou seja, aquilo que a sociedade na qual estamos inseridas entende como um
corpo vestido (ENTWISTLE, 2002).
Judith Butler, conhecida por seus estudos sobre feminismo e teoria queer, con-
ceitua o corpo como “uma significaç~o de superfície que contesta e desloca a própria
distinção interno/externo, a imagem de um espaço psíquico interno inscrito sobre o cor-
po como significaç~o social que renuncia perpetuamente a si mesma como tal” (BU-
TLER, 2003. p. 193). Dessa forma, o modo como performamos passa a ideia que existe
um núcleo interno, uma forma cristalizada dentro de nós, mas que, no entanto, essa
forma, essa essência, é produzida na superfície do corpo. Para Butler, os rituais cotidia-
nos, as repetições ritualizadas que compõem nossa rotina, s~o “atos de gênero” que d~o
origem à ideia de gênero.
É dentro dessas regras sociais e vestimentares que as mulheres experienciaram e
continuam experienciando até os dias de hoje a vivência com seus corpos. Estes foram, e
continuam sendo, através do vestuário, disciplinados e docilizados dentro de uma lógica
heteronormativa que organiza o que cada corpo sexualizado de ou não vestir.
81
das por todo lado. No alto da obra, lê-se a seguinte frase: “Olha, se eu te amei, foi pelo
cabelo. Agora que est|s careca, n~o te amo mais” (traduç~o nossa).
A artista através de suas roupas, postura e corte dos cabelos parece querer de-
monstrar que agora, divorciada, livre de um relacionamento que a fazia infeliz, renuncia
aos códigos vestimentares e de beleza impostos às mulheres de sua sociedade. Se para
isso ela precisa se desfazer do uso do tehuana (traje feminino que, afirmam algumas
pessoas, ter tido seu uso incentivado por Rivera) e daquilo que a faz socialmente femini-
na como os longos e sedutores cabelos, assim ela o faz, retratando-se em trajes mascu-
linos e cortando os cabelos com suas próprias mãos. A apropriação das roupas e do corte
de cabelo masculino pode ser compreendida aqui como um grito de liberdade e afirma-
ção enquanto ator social, pessoa não passiva, além de uma contestação desses códigos
de conduta impostos às mulheres.
Apesar de estar retratada em trajes tão diferentes da maioria de suas obras, Frida
conserva dois elementos do vestuário feminino, os brincos e o sapato Oxford de salto,
numa demonstração de que uma mulher, ainda que viva numa época onde as regras ves-
timentares são ainda rígidas, mesmo com os avanços do movimento das mulheres, pode
mesclar em seu vestuário elementos tanto masculinos quanto femininos se assim desejar.
REFERÊNCIAS
82
É POSSÍVEL PENSARMOS/ESCREVERMOS EM/SOBRE UM TEATRO
QUE INVADE A CIDADE ATRAVÉS DO RÁDIO?
Paulo Andrezio Sousa e Silva
pauloandrezio@hotmail.com
[...] se a cidade é um texto dramático, uma encenação invasora será sempre lida
como uma releitura da cidade. Ler a cidade como dramaturgia significa utilizar a ló-
gica da rua percebendo que o fluxo de energia dos usuários é fundamental na for-
mulação das possibilidades de significação das performances teatrais invasoras
(CARREIRA, 2010, p. 04).
14 O PodTeatro é uma versão contemporânea do drama radiofônico, amplamente conhecido como radio-
novela. A radionovela teve ênfase no Brasil entre os anos 40 e 50, e era um entretenimento popular no
difusor mais potente de comunicação da época, o rádio.
83
Em Brito (2017, p. 32), ele diz “A rapidez e o corre-corre da vida diária não possibi-
litam a troca de olhares, os encontros, as interações e as ruas vão ficando para trás, es-
vaziadas de gentes, mas acumulando rastros e pegadas”, percebe-se ent~o um “embre-
nhado” de histórias nesses espaços, trilhas feitas por essas pessoas que passaram, ocu-
param, dormiram, e viveram cotidianamente por esses espaços “[...] para que isso efeti-
vamente aconteça, é preciso extrapolar o uso da cidade como palco e ver a cidade como
uma dramaturgia a ser escrita coletivamente [...]” (BRITO, 2017, P. 33).
E assim, conseguimos chegar aos caminhos propostos pelo Coletivo Dama Ver-
melha, e sua experiência com o “escutar a cidade”, ou “escutar teatro”. Durante o perío-
do de isolamento social, o coletivo supracitado, iniciou um trabalho de desenvolvimen-
to, criação e produção no que diz respeito a essa escuta, trago uma citação do artigo
chamado “Experiência Compartilhada – PodTeatro”, que diz:
Ainda que todo o som seja composto por um complexo de vibrações, há frequências
mais regulares e estáveis, que entendemos como o som mais limpo, afinado. E há
frequências irregulares, instáveis, que entendemos como barulhos, ruídos. Um ruído
é uma mancha em que não distinguimos frequência constante, uma oscilação que
nos soa desordenada (WISNIK, 1989, p. 27).
84
balhos, e a primeira coisa que veio nos desafiando foi: como construir uma dramaturgia,
em que o espectador ao escutar o PodTeatro vai captar o lugar onde o personagem se
encontra? Ou: qual o espaço mais silencioso na sua casa que a gravação pode sair em
maior qualidade? E nesse momento, percebemos o quanto estamos rodeados de ruídos
e barulhos que no dia-a-dia parecem ser insignificantes, porém, que causam interrup-
ções durante a captação das vozes dos atores/atrizes, por exemplo.
Por fim, abre-se um leque de possibilidades e de investigações cênico-auditivas a
partir desse emprenhado de ações, espaços e de escuta. Abrindo novas portas e pergun-
tas dentro da pesquisa, como por exemplo: é possível pensarmos/escrevermos em/sobre
um teatro que invade através do rádio? E a mesma intitula o título desse escrito, pen-
sando, criando e produzindo a partir das vivências na prática do Coletivo Dama Verme-
lha.
REFERÊNCIAS
BRITO, Marcelo Sousa. O teatro que corre nas vias. Salvador: Edufba, 2017.
CARREIRA, André. Teatro de invasão do espaço urbano a cidade como dramaturgia. São Pau-
lo: Hucitec, 2019.
CARREIRA, André. Teatro de rua (Brasil e Argentina nos anos 1980): uma paixão no asfalto.
São Paulo: Aderaldo & Rothschild, 2007.
CARREIRA, André. Cidade espaço inóspito: território do teatro de invasão. Urdimento, Floria-
nópolis, v. 2, n. 38, ago./set. 2020.
RIBEIRO, Cicera da Penha Mendes; SIMIÃO, Larissy Maria Rodrigues. Experiência Compartilha-
da: PodTeatro. In: BENICIO, Raimundo Kleberson de Oliveira (org.). A outra face dos processos
criativos: poéticas em tempos pandêmicos. 1 ed. Juazeiro do Norte: Ed. do Autor, 2021. p. 14-
19. Disponível em:
https://www.academia.edu/49081728/A_OUTRA_FACE_DOS_PROCESSOS_CRIATIVOS_PO%C
3%89TICAS_EM_TEMPOS_PAND%C3%8AMICOS_2. Acesso em: 28 set. 2022.
WISNIKI, José Miguel. O som e o sentido. São Paulo: Companhia das letras, 1989.
85
PEDAGOGIAS DE GÊNERO: QUESTÕES SIMBÓLICAS E SENSÍVEIS NA
ARTE DA ASSOCIAÇÃO TAPEÇARIA TIMBÍ
Mário de Faria Carvalho
mariofariacarvalho@gmail.com
86
sentes expressões simbólicas da categoria ‘gênero’. A arte interage ativamente com a
construção de saberes que reafirmam o conhecimento popular de questões de gênero
recorrentes na referida produção feminina.
Relacionamos as categorias ‘Estética’ (SCHILLER, 2015; PALERMO, 2009) e ‘Pe-
dagogias Culturais’ (GIROUX 2004; SABAT, 2001) almejando destacar formas n~o he-
gemônicas de saber e estabelecer reflexões sobre a cultura popular (BARTRA, 2008).
Analisamos, ainda, referências que evidenciam as categorias ‘gênero’ (BUTLER, 2008;
FISCHER, 2017), advindas da produção de tapeçarias de um grupo de mestras-artesãs da
comunidade de Timbí, Camaragibe-PE, em direção aos simbolismos que permeiam as
representações dos cotidianos mobilizadas pelas mulheres artesãs através de aspectos
da cultura pernambucana.
O estudo das ‘Pedagogias Culturais’ ressalta o discurso cultural e o caráter peda-
gógico que se é presente na vida social e nos espaços culturais. Afinal, permite atingir o
estado de reflexão sobre dado tema, sujeito ou realidade ao entrar em contato com de-
terminado produto da cultura popular, ocasionando maior proximidade entre quem con-
some e as narrativas presentes no que é veiculado. Dessa forma, é ocasionado o reco-
nhecimento ou o entendimento de uma vivência alheia e a descoberta de um novo sa-
ber. A arte influencia na construção da consciência coletiva que muito tem a acrescentar
na formação individual do ser (ELLSWORTH, 2005).
O trajeto metodológico decorre de uma perspectiva fenomenológica (MOREIRA,
2002; CARVALHO; CARDOSO, 2015) quanto à compreensão dos fenômenos, da natureza
humana e suas ações na história (MOREIRA, 2002; MAFFESOLI, 1998). A abordagem qua-
litativa do estudo é instrumentalizada de acordo com a Teoria do Imaginário e do barroco,
propostos por Gilbert Durand (2001), da imaginação poética de Gaston Bachelard (2008) e
das observações sobre estética e sensibilidades, segundo Marcuse (2001) e Maffesoli
(1998). Integrando os elementos estéticos e sensíveis como fenômenos fundamentalmen-
te tangíveis da dionisificação da vida social, para estabelecer as correspondências sensí-
veis entre as vicissitudes do estético-imagético na educação.
Recorremos à coleta de informações por meio dos diálogos com as mestras-
artesãs e de imagens, construindo um acervo fotográfico da produção de obras da Associ-
ação Tapeçaria Timbí como forma de fazer uso da técnica de análise de imagens paradas
(LOIZOS, 2008). Objetivamos compreender como o modo de produção da Associação
Tapeçaria Timbí, Camaragibe-PE possibilita refletir sobre as representações simbólicas da
categoria ‘gênero’; identificar os principais sentidos estéticos presentes no fazer artístico
associativo de produção de mulheres tapeceiras; e analisar as representações simbólicas
da categoria gênero presentes na produção artística da Associação Tapeçaria Timbí, Ca-
maragibe-PE, sob a perspectiva das ‘Pedagogias Culturais’.
87
REFERÊNCIAS
88
7 ENCRUZILHADAS: PONTO DE PARTIDA PARA CRIAÇÃO EM ARTES
Vitor Venino Rocha Ribeiro
vvrr.tea20@uea.edu.br
89
nais de ônibus, espaços de assistência em periferias e outros, esses espectadores são
marcados por uma intersecção de raça, gênero, classe social e religião que não podem
ser anuladas.
Nesse viés da escrita não excluir a experiência, utilizou-se da escrita performativa
definida como “Uma condiç~o permissiva de escrita que a aproxima de existências mais
do que de significados, por se deixar influenciar pelas qualidades do que est| entre”
(MELLO et al 2020, p.04), somando ao relato de experiência, escritas sobre aprendiza-
dos obtidos na troca com os mais velhos no terreiro, partes de pontos cantados, além de
falas de Exús e Pombas-giras.
Obtendo como resultado frases como: “Deixa a malandragem agir”, “Peça licen-
ça a dona da rua” e “Exú é o meio, o início e o fim e o caminho est| em você” que foram
utilizadas nos cartazes lambe-lambe. Doravante, criou-se um arsenal de símbolos que
compõem a estética exulística, para gerar visualidades das 21 obras, as cores preta, ver-
melha e branca; a quebra com normas ortográficas; a não utilização de pontuação gráfi-
ca; a desobediência ao linear; a imagem da encruzilhada e mais.
As obras prontas foram coladas por 21 encruzilhadas do centro de Manaus em
zonas exulisticas de prostíbulos, comércios, portos e bares - espaços que recriam o ima-
ginário de Exú. Espaços que movimentam um grande quantitativo de transeuntes duran-
te o dia e a noite, entre os mais diversos públicos, assim as obras geraram identificação e
repúdio, registrados nas postagens em redes sociais como incentivo ao trabalho ou nas
marcas de unhas (mais parecidas com marcas de mordidas) encontradas sete dias após a
ação de colagem, quando se retornou aos lugares da ação.
Há de se considerar dois principais pontos sobre o espaço e o tempo em que fo-
ram realizadas essas ações: em primeiro, 2021 Manaus ainda era um dos epicentros da
pandemia de covid-19, marcada pela falta de oxigênio em hospitais e milhares de mor-
tos, ainda assim o comercio informal não parou e a colagem dos lambes em muitos pon-
tos foi cercada por trabalhadores em situações insalubres, imigrantes venezuelanos e
haitianos, além de manauaras. Em segundo, as programações artísticas foram as últimas
a retornar à normalidade, as lambes foram então uma oportunidade de continuar pro-
movendo a arte nesses espaços e compreender a presença do artista em outro estado, já
que uma apresentaç~o de 45 minutos de “Cabô” n~o alcança o mesmo público que os
lambes alcançaram por meses ininterruptos. O corpo do artista ainda está em cada pos-
te, muro e encruzilhada.
As relações étnico-raciais da colonialidade respingam fortemente na atualidade,
os estigmas seguem ainda hoje sobre as afro-religiosidades e seus devotos. Terreiros
continuam sendo queimados por fanáticos neopentecostais e comunidades de terreiro
não possuem suas vidas salvaguardadas por políticas públicas ou representações expres-
90
sivas nos três poderes.
Os Exús e pombas-gira são tecnologias ancestrais, trazem saberes aos seus, en-
sinando-os a saírem do lugar de objetos da história e tornarem-se sujeitos “aqueles que
têm o direito de definirem suas próprias realidades e que estabelecem suas próprias
identidades” (HOOKS, 2008, p. 27). A necessidade de levar a produç~o acadêmica para
mais próximo dos corpos e de viver a rua, nos levou para dentro da boca do mundo, a
encruzilhada. Arriamos ali vinte e uma oferendas ao dono da rua, que serviram de portal
aberto para discutir politicamente a existência de afro-religiosidades em Manaus, por
vezes apagadas; reafirmar a rua como patrimônio de Exú; referenciar as produções inte-
lectuais produzidas e resguardadas por terreiros.
REFERÊNCIAS
SABER DE MELLO, I.; AGUIAR, F. M. de; BELCHIOR SANTOS, J.; PEDROSO DE OLIVEIRA, L.;
BITENCOURT, M. A. L. de; FRANZONI, T. O que é escrita performativa?. DAPesquisa, Floria-
nópolis, v. 15, n. esp., p. 01-24, 2020.
SILVA, H. Desvios: Cartaz lambe-lambe, comunicação visual e arte nos espaços de trânsitos.
Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2015.
Hooks, Bell. Ensinando a transgredir - A educação com prática da liberdade. Trad. Marcelo
Brandão Cipolla. São Paulo: WMF, 2017.
Martins, Leda Maria. Afrografias da Memória: O Reinado do Rosário no Jatobá. São Paulo:
Perspectiva; Belo Horizonte: Mazza Edições, 1997.
91
SER[TÃO] MULHER: PROTAGONISMO FEMININO E MEDIAÇÃO TEA-
TRAL NO SERTÃO DA BAHIA
Barbara Luana de Menezes
luamorkay1@gmail.com
Urania Auxiliadora Santos Maia de Oliveira
uraniamaia@gmail.com
REFERÊNCIAS
ADICHE, C. N. O perigo de uma história única. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2019.
CARREGOSA, A. S. O mandonismo local e a política no sertão da Bahia: o caso do município
de Paripiranga. 2015. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Universi-
93
dade Federal de Sergipe. Disponível em: < https://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UFS-
2_8c087bf1b64422a6eb292f06096bf24d >
DUMAS, A. G. Ensino de teatro negroreferenciado e colonização brasileira: relatos e refle-
xões. Revista E-manustrico, 2022. Artes Cênicas e Decolonialidade: Conceitos, Fundamentos,
Pedagogias e Práticas. Érico José de Souza Oliveira (org). 1ª Edição. São Paulo, 2022.
NJERI, Aza. Mulherismo Africana: proposta enquanto equilíbrio vital da comunidade preta. Re-
vista Ítaca. Periódico Acadêmico, 2019. Disponível em:
<https://revistas.ufrj.br/index.php/Itaca/article/view/31961/0>
SILVA, M. T. L. Aulas-situações: atravessamentos entre criação e aprendizagem. Revista Digital
Arte. 2016. Disponível em: < http://www.revista.art.br/site-numero-18/04.pdf >.
94
FORMAÇÃO/TREINAMENTO DE ATRIZES E ATORES PARA CENÁRIOS
DE COMUNICAÇÃO DE NOTÍCIAS DIFÍCEIS.
Raquel Júlio Mastey
raquemastey3401@gmail.com
18 Trabalho, esta palavra grafada com letra maiúscula, se refere ao trabalho desenvolvido por atores e
atrizes em cenários de simulações.
19 Dissertação disponível em:
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/dissertacoes_teses/dissertacao_raquel_julio_mast
ey.pdf
20 Hospitais/Escolas, Hospitais são ligados às Universidades. Na literatura, pode receber o nome de Hospi-
tal Universitário. Conforme o portal eletrônico do Ministério da Educação (BRASIL, 2017), os hospitais
universitários são centros de formação de recursos humanos e de desenvolvimento de tecnologia para a
área de saúde.
95
Difíceis, como: câncer, morte, amputação de membros, transplante de órgãos, ou seja,
diagnósticos que afetam a vida em sociedade e causa impacto tanto de quem recebe a
notícia como quem possui a função técnica para comunicá-la.
O Comunicado de uma Notícia Difícil, é sempre uma situação delicada, para ambos
lados. Os treinamentos visam preparar a (o) profissional para o hospital da vida real. Nos
treinamentos, existem vários objetivos, onde estudantes da graduação ou profissionais de
medicina são avaliados durante as cenas simuladas. Neste cenário em específico, o traba-
lho de atrizes e atores vai além de compor personagens para cena. Faz parte da função,
participar do processo de e observação subjetiva do cenário. Para isto existem alguns ro-
teiros de avalição, que são preenchidos por artistas, ao término da cena.
O Cenário de Comunicação de Notícias Difíceis, parte das preocupações sobre
cuidar de quem cuida, no intuito treinar, garantir a formação continuada e a valorização
dos trabalhadores da saúde. E é aqui que as práticas de teatro se destacam e estão pre-
sentes no ensino por Simulações, que é reconhecido por desenvolver habilidades cogni-
tivas e comportamentais, no intuito de abrandar o impacto emocional do cotidiano de
quem trabalha e convive com o sofrimento.
REFERÊNCIAS
96
TEATRO PARA POPULAR O ESPAÇO: UM ESTUDO DAS INTERSEC-
ÇÕES ENTRE O CAVALO MARINHO E O TEATRO DE RUA
Catarina Aretha Abreu
c.aretha@usp.br
98
apresentações analisadas, é possível ver momentos de confraternização entre todos os
participantes, não importando se já se conheciam previamente ou não, se foram àquele
espaço exclusivamente para o consumo de arte ou se são transeuntes.
E, como é dito na apresentaç~o do Pombas Urbanas aqui analisada, “a história
acabou, mas a vida n~o pode parar”. Estar na rua é um ato político, fazer arte na rua e
ocupar os espaços não convencionais é fundamental.
REFERÊNCIAS
Cavalo-Marinho de Mestre Inácio 6 jan 1991 1/3. Camutanga: [S. I.], 1991. (26 min.), son., color.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UKrD2Jx1cV8. Acesso em: 10 jan. 2021.
Cavalo-Marinho de Mestre Inácio Lucindo 6 jan 1991 2/3. Camutanga: [S. I.], 1991. (35 min.),
son., color. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=RGF-RQC5wfw. Acesso em: 10
jan. 2021.
Cavalo-Marinho de Mestre Inácio 6 jan 1991 3/3. Camutanga: [S. I.], 1991. (37 min.), son., color.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WSJMtAvwxTw. Acesso em: 10 jan. 2021.
Cavalo-Marinho de Mestre Inácio 13 jan 1991. Macugê: [S. I.], 1991. (34 min.), son., color.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gAvvnVJhv1g. Acesso em: 10 jan. 2021.
Galantaria do Cavalo-Marinho Estrela de Ouro de Condado. Camutanga: [S. I.], 2016. (28 min.),
son., color. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3K6RNfUdUWg. Acesso em: 10
jan. 2021.
DVD Cavalo Marin Estrela de ouro completo. Condado: [S. I.], 2010. (136 min.), son., color. Dis-
ponível em: https://www.youtube.com/watch?v=WvtOFNShFqc. Acesso em: 10 jan. 2021.
Era uma vez um rei. São Paulo: [S. I.], 2014. (55 min.), son., color. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Vb4NytoG6-k. Acesso em: 10 jan. 2021.
Pinta de Palhaço - 2012. São Paulo: [S. I.], 2012. (25 min.), son., color. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=wBOZ4hPZsDE. Acesso em: 10 jan. 2021.
99
ARQUITETANDO UM ESPAÇO DE RECORDAÇÃO NO TEATRO DE OB-
JETOS
Igor Gomes Farias
igorgomes@usp.br
Ao longo das últimas décadas, o Teatro de Objetos se destaca como uma das de-
rivações mais jovens do Teatro de Animação, ou das formas animadas, gênero teatral
teorizado pela pesquisadora Ana Maria Amaral (1991), que também compreende técni-
cas como bonecos, máscaras e sombras. A ascensão do TO parece responder à forte
tendência visual que caracteriza nossos tempos e tem sido impulsionada por uma série
de transformações que permitem novas relações entre o objeto e as artes no século XX.
Em um dos tantos desdobramentos que essa arte adquiriu ao longo dos últimos anos,
vemos ascender uma ramificação que aprofunda a relação entre os objetos e a memória.
Seguindo essa tendência, meu projeto de pesquisa investiga a memória ligada a artefa-
21 A autora divide a memória em ars (arte) e vis (potência). Na primeira, temos uma concepção relaciona-
da à mnemotécnica grega, mecanicamente direcionada a uma recuperação fidedigna das informações. Já
na segunda concepção, exaltamos a qualidade de potência da memória, na qual se presume “um desloca-
mento fundamental entre o que foi arquivado e sua recuperação” (ASSMANN, 2011, p. 33).
100
tos, analisando-a enquanto impulsionadora dramatúrgica22, ou simplesmente como um
dispositivo poético23 no campo das artes cênicas.
Objetivando o entrelaçamento de um trabalho prático e de um teórico, que tem
como ponto de partida os objetos pessoais dos meus avós falecidos – bem como sua
relação com outros indivíduos –, minha pesquisa explora o caminho de abertura e difu-
são das memórias pessoais ao social por meio da arte, investigando a cena do TO en-
quanto um fecundo espaço de recordação. Através de uma seleção de objetos familia-
res, elaborei, em um primeiro momento, entrevistas com familiares, que testemunha-
ram o uso cotidiano desse material ao longo dos anos. Em um segundo momento, por
meio de oficinas públicas, o processo será aberto a pessoas sem nenhuma relação prévia
com os objetos selecionados. Nestas, os participantes desenvolverão exercícios do Tea-
tro de Objetos, relacionando-se com tais materialidades por meio de relatos pessoais,
memórias com objetos semelhantes e diversas leituras sobre os artefatos.
A metodologia desta pesquisa se inspira em companhias que se valem das inú-
meras narrativas das materialidades na atualidade, especialmente o Grupo Sobrevento
(São Paulo/SP), uma das principais referências do segmento no Brasil (VARGAS, 2018).
A prática do grupo norteou a proposta da oficina ArteFatos(?): recontando a cidade pelo
teatro de objetos — trabalho que inaugurou a etapa prática desta pesquisa no primeiro
semestre de 2022. Concentrando-se na busca de objetos que resistem ao tempo graças
a uma relação afetuosa de seus proprietários, a oficina buscou revelar as qualidades cê-
nicas de narrativas sobre determinadas materialidades cotidianas de moradores da ci-
dade de Araranguá/SC. A partir do recolhimento de doze relatos biográficos, desenvolvi
experimentações práticas com diferentes artistas de seis diferentes estados (Santa Cata-
rina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Distrito Federal, Ceará e Roraima) orientados sobre a
concepção de potência da memória.
Durante a oficina, cada participante teve acesso, individualmente, aos relatos
(em vídeo) dos moradores, tendo que posteriormente relatá-lo ao grupo. Neste ponto
ficou perceptível como cada artista se apropriava da história que lhe foi designada, re-
contando-a com os devidos desvios inerentes da recordação. Cada um dos artistas res-
saltava as informações que mais o haviam atravessado, bem como abdicava de outras
que lhe pareciam menos relevantes. Com essa filtragem, iniciou-se a apropriação singu-
22 Compreendo a dramaturgia para além de sua concepção tradicional (texto), focando especialmente
sobre seu recorte enquanto elaboração de elementos da cena – semelhante à visão de Eugênio Barba
(1995), que a percebe como uma espécie de “tessitura de ações” que não necessariamente inclui a palavra
(FABIÃO, 2008).
23 De acordo com Agamben, um dispositivo diz respeito a “qualquer coisa que tenha, de algum modo, a
capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as
condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes” (2005, p. 13).
101
lar que cada um deles fez, sendo que, após dinâmicas com exercícios do Teatro de Obje-
tos, tudo resultou em cenas finais, em videoteatro, apresentadas em uma live pública —
o nosso Mosaico de Cenas, onde moradores e artistas finalmente dialogaram sobre todo
o processo em uma espécie de museu-vivo.
Inspirada no projeto Museu-Teatro da Vizinhança (2018), do Grupo Sobrevento, a
oficina, bem como esta pesquisa em geral, tem alguns pontos de aproximação com o
conceito de Teatro de Objetos Documental (TOD) da mexicana Shaday Larios (2018). No
entanto, espero responder questões que transcendem a preocupação da busca por uma
memória original dos objetos (LARIOS, 2018). Desta maneira, ensejo escrutinar proce-
dimentos artísticos capazes de orientar criações debruçadas na memória, especialmente
ao identificar/gerar processos artísticos que amparem a abertura social das memórias
por meio da arte, com a hipótese de que uma cena pode ser convertida em um espaço
de recordação (ASSMANN, 2011). Ao promover um espaço de diálogo entre os morado-
res e artistas na oficina ArteFatos(?), incentivando um cruzamento de vivências por meio
da arte, percebo que o primeiro experimento prático da pesquisa já cumpriu com tal ob-
jetivo, edificando este fértil espaço de recordação — que seguirá sendo investigado ao
decorrer dos próximos anos.
REFERÊNCIAS
AMARAL, Ana Maria. Teatro de formas animadas: máscaras, bonecos, objetos. São Paulo:
Edusp, 1991.
AGAMBEN, Giorgio. O que é um dispositivo? Outra Travessia: Revista de Literatura, Ilha de
Santa Catarina, v. 5, p. 9-16, 2005.
ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural.
Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2011.
FABIÃO, Eleonora. Performance e teatro: poéticas e políticas da cena contemporânea. Sala
Preta, v. 8, p. 235-246, 2008.
LARIOS, Shaday. Teatro de objetos documentales. Paso de Gato: Revista Mexicana de Teatro.
Cidade do México: Paso de Gato, n. 74, p. 46-50, 2018.
VARGAS, Sandra. A força poética na memória dos objetos. Urdimento — Revista de Estudos
em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 32, p. 425-434, 2018.
102
CORPO E PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO: O DESCANSO NA CRIAÇÃO
ARTÍSTICA
Liz Nátali Sória
liznatali@gmail.com
24 A teoria do corpomídia foi elaborada por Christine Greiner e Helena Katz e aborda a interação entre
corpo e ambiente afirmando que: “(...) todo corpo é corpomídia porque troca informação com o ambiente,
modificando-se e modificando o ambiente e, nesse fluxo constante, vai contando (sendo mídia) o que está
acontecendo com ele.” (KATZ, 2021 p. 21)
103
Em termos de metodologia, essa investigação propõe uma abordagem teórico-
prática. Realizamos um recuo histórico para compreender mais da relação proposta e,
simultaneamente, propomos um laboratório teórico-prático como um espaço experi-
mental de criação a partir das temáticas da pesquisa.
A relação entre corpo, trabalho e cena não é nova e já foi visitada ao longo de ou-
tros momentos históricos. Figuras canônicas, em diferentes contextos, como Rudolf
Laban e Vsevolod Meyerhold lançaram seus olhares artísticos para o corpo do trabalha-
dor fabril.
Associado ao industrial inglês Frederick Lawrence, R. Laban investigou sobre o
desequilíbrio dos corpos dos trabalhadores na fábrica e sobre os movimentos artísticos
capazes de compensar os danos do trabalho:
(...) os hábitos dos trabalhadores modernos criam, com frequência, estados mentais
prejudiciais, que nossa civilização está inevitavelmente destinada a sofrer, sem en-
contrar nenhuma forma de compensação. As compensações mais evidentes são,
certamente, aqueles movimentos capazes de equilibrar a desastrosa influência dos
hábitos dos movimentos desequilibrados que se originam nos métodos contempo-
râneos de trabalho. (LABAN, 1990. p.13)
O trabalho deve se fazer leve, prazeroso e contínuo, e a arte deve ser utilizada pela
nova classe como algo essencialmente imprescindível na ajuda aos processos de
trabalho do operário. (...) O ofício do ator na sociedade do trabalho será encarado
como produção indispensável à correta organização do trabalho de todos os cida-
dãos. (MEYERHOLD, 2013, p. 163)
Nesse recuo histórico, observamos práticas artísticas que se interessam pelo cor-
po do trabalhador em meio ao trabalho, em diferentes contextos e abordagens.
Hoje, ocorre um novo fenômeno na relação entre arte e trabalho. No que tange di-
retamente à nova gestão do trabalho ou, se quisermos, da uberização, que inclui a esfera
do empreendedorismo, é notável a utilização de palavras e conceitos que, historicamente,
habitam o campo artístico: criatividade, inventividade flexibilidade, prontidão, improviso.
São alguns exemplos de palavras intensamente presentes no processo de precarização do
trabalho. O indivíduo tem que “improvisar” para pagar as contas; estar em “prontid~o”
para aceitar qualquer bico que aparecer; lançar m~o de sua “inventividade” ou capacidade
“criativa” para empreender sobrevivência ou aceitar contratos “flexíveis” que simplesmen-
te eliminam qualquer estabilidade.
Em outro tempo histórico, o corpo do trabalhador fabril foi atentamente obser-
vado por figuras que habitavam o campo artístico. Ao que parece, nos tempos atuais, é
possível observar uma inversão: o processo de precarização do trabalho apropria-se de
104
conceitos inerentes ao campo artístico. A investigação busca refletir como a nova gestão
do trabalho influencia o campo das artes cênicas e as práticas corporais? Quais as possi-
bilidades dos processos corporais artísticos disporem de posicionamentos críticos ao
conjunto de apropriações que a precarização do trabalho realiza de seus conceitos bas-
tante caros?
Laura Erber ao tratar da relação entre arte e trabalho aponta que:
REFERÊNCIAS
ERBER, Laura. O Artista Improdutivo e outros ensaios. Editora Âyiné: Belo Horizonte, 2021.
KATZ, Helena. Corpar, porque corpo também é verbo. In: BASTOS, Helena (org.) Coisas vivas.
Fluxos que informam. Coleção PPGAC ECA/USP. LADCOR, Volume 4, 2021.
LABAN, Rudolf. Dança educativa moderna. Tradução de Maria da Conceição Parahyba Cam-
pos. São Paulo: Ícone, 1990.
MEYERHOLD, Vsévolod. O ator do futuro e a biomecânica. Tradução de Diego Moschkovich.
in: TAVARES, Joana Ribeiro da Silva, Org. Kaiserman, Nara, Org. O corpo cênico entre a dança
e o teatro. São Paulo: Annablume, 2013.
105
MULHERES DO MAR: CARTOGRAFIA PARTICIPATIVA EM DIÁLOGO
COM DISCURSOS FEMINISTAS
Marie Araujo Auip
auipmarie@gmail.com
107
políticos. A escrita seguida das discussões, acabaram tornando-se dispositivos-roteiros
que contribuíram na formação das obras apresentadas em uma Instalação performativa
nas areias da Praia de Iracema. Ao expormos no território nomeado pela memória arqui-
val da obra de José de Alencar, pudemos materializar a forma como a subjetividade fe-
minina pode compor e constituir historicidades, para além das impostas sócio-
historicamente.
A pesquisa de mestrado marca o processo de início desta cartografia, ao qual pu-
de entrelaçar meu relato27 aos relatos de dezenas de mulheres de diferentes idades e
classes sociais que trouxeram um conjunto de saberes em relação ao enfrentamento às
colonialidades e estruturas patriarcais. Essas narrativas compõem a plataforma virtual
Mulheres do Mar perpetuando a pesquisa em um recorte espaço-tempo de Fortaleza/Ce,
que pretende avançar em outras cidades do nordeste.
REFERÊNCIAS
CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a par-
tir de uma perspectiva de gênero. 2020. Disponível em: https://www.patriciamagno.com.br/wp-
content/uploads/2021/04/CARNEIRO-2013-Enegrecer-o-feminismo.pdf
MATTAR, Sumaya. O lugar do relato autobiográfico no sistema formativo Cartografias de si.
Revista digital do LAV, Santa Maria, v.11, n.2, p. 269-273, mai.ago.2018.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras,
2019.
SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti; ELEUTÉRIO, Maria de Lourdes. Mulheres, arquivos e memó-
rias. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 71, p. 19-27, dez. 2018.
TAYLOR, Diana. O Arquivo e o repertório: performance e memória cultural nas Américas. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2013.
27 Como as participantes, trouxe um relato sobre meu corpo e a orla de Fortaleza compreendendo a im-
portância de afirmar que na tessitura do texto dissertativo havia um corpo feminino branco/cis/classe
média, nascido e criado em Fortaleza (CE).
108
PROCEDIMENTO DE APROXIMAÇÃO E PERMANÊNCIA: INTERVENÇÃO
COMO PRÁTICA DISRUPTIVA DO ECOSSISTEMA URBANO
Michele Carolina Silva
michelecarolina.e@gmail.com
109
biente. As intervenções urbanas buscam desacomodar centralidades hegemônicas, criar
estranhamento e ruído no cotidiano, promovendo deslocamentos provisórios da aten-
ção, tanto de quem realiza as intervenções quanto de quem as vê.
Para a autora, expressar via dança o embate que forças especulativas transnacio-
nais imprimem aos territórios e, consequentemente, às pessoas que neles habitam, pare-
ce ser muitas vezes uma ação sem sentido, sem lógica, que não leva a nada, como a ação
de “enxugar gelo”, afinal, o que pode o corpo frente a magnitude de destruiç~o do ambi-
ente provocada por máquinas e pelo capital? Não se trata, nesta pesquisa, de uma disputa
“corpo a corpo”, entendo por corpo o humano, o urbano e todas as instâncias que habi-
tam, ocupam ou são expulsas dos lugares.
Os procedimentos nomeados por “Procedimentos de Aproximaç~o e Permanên-
cia”, receberam este nome pela literalidade da ação pretendida, que é a aproximação dos
lugares onde a especulação imobiliária acontece de modo intensificado e a permanência,
caso possível, nestes lugares. As experiências de aproximar o corpo e permanecer nestes
locais engendram diversas negociações íntimas e coletivas, uma vez que tendem a ser
ambientes áridos, inóspitos e socialmente entendidos por proibidos de se estar. O corpo
tende a se afastar. O que é preciso mobilizar para se aproximar? Por que permanecer?
Como o corpo se atualiza em tempo real com as transformações impostas ao território
pelo capital especulativo, uma vez que ele não é material, não se vê? Como dar a ver em
tempo real estas alterações? Enfim, esta é a cidade (e o mundo) que queremos viver?
Os Procedimentos de Aproximação e Permanência foram assim estruturados pa-
ra a realizaç~o da “Residência Artística Plasticidade Destrutiva e Ecologia”, conduzida
pela autora e realizada de junho de 2021 a maio de 2022 com a participação de dez artis-
tas. Foram oito os procedimentos e estão dispostos a seguir:
1. Caminhar;
2. Em silêncio;
3. Formando cardume;
4. Se algo ou algum lugar chamar sua atenção, observe. (momento de mapea-
mento sensível. Criação de corpo sensível individual);
5. Se sentir vontade de mover/dançar, deixe mover/dançar. Faça o que quer que
seja genuíno, que no momento pede passagem;
6. Se o movimento/dança de alguém te tocar, dê vazão. Mova-se. Dance;
7. Cada pessoa escolhe um lugar durante a caminhada individual* e busca meios
de conduzir o cardume para este ponto. As estratégias para que isso aconteça será obje-
to de atenção. (momento de mapeamento sensível. Criação de corpo sensível coletivo);
8. Quando tocar o alarme, fazemos pausa, nos olhamos e finalizamos juntas.
Quando acabar, cada qual em silêncio vai embora.
110
O procedimento 7 é a retomada, de um ponto de interesse individual, realizado
previamente. O procedimento 8 consiste no fato de que a intervenção acontece sem
uma trajetória definida, entretanto, há definição prévia do tempo, e é o alarme que de-
termina o fim. Geralmente cada intervenção urbana dura 2 horas. A Residência Artística
Plasticidade Destrutiva e Ecologia foi composta por encontros teóricos, encontros para a
prática corporal Tai Chi Chuan Dao Yin, caminhadas individuais prévias aos lugares onde
as intervenções urbanas aconteceriam, encontros para troca de impressões dos materi-
ais coletados e só a partir de um referencial comum é que a intervenção urbana aconte-
cia. Para cada intervenção, havia 4 encontros preparatórios de estudo, reflexão e ali-
nhamento coletivo.
Para concluir, a autora observa não ser possível realizar gestos virtuosos nesses
lugares, na verdade quanto mais comum e ordinária for a presença, mais segura se sen-
te. Nota que a pesquisa tende a confundir ação cênica com ação cotidiana, causando
estranheza às pessoas que veem as intervenções nas ruas, podendo gerar questiona-
mentos como: O que está sendo feito? Está acontecendo algo? Isso é normal? Está tudo
bem?
A prática performativa em questão é uma tentativa de metamorfose forçada por
um ambiente urbano hostil e árido. Como se permitir sensibilizar e metamorfosear em
um ambiente hostil (ou percebendo o ambiente como sendo hostil)? A cidade é nature-
za? Quanto de floresta existe em um edifício? Quais são os recursos para se compreen-
der a complexidade das relações entre espécies em um ambiente dominado pela pre-
sença humana e pelo concreto?
REFERÊNCIAS
CARERI, Francesco. Walkscapes – O caminhar como prática estética. São Paulo. GG. 2020
COCCIA, Emanuele. Metamorfoses. Rio de Janeiro. Dantes Editora. 2020
RONIK, Raquel. Guerra dos lugares. A colonização da terra e da moradia na era das finanças.
São Paulo. Boitempo. 2015.
RONIK, Raquel; SANTORO, Paula F. Novas frentes de expansão do complexo imobiliário-
financeiro em São Paulo. São Paulo. Cadernos Metrópole. 2017.
111
METENDO A BOCA: POÉTICAS DE DESVIO NO PROCESSO CRIATIVO
DE UM ATOR/PERFORMER EM BUSCA DA PRÓPRIA VOZ
Ricardo Tabosa de Sousa
ricardotabosa123@gmail.com
28 Sigla que se refere à população formada por: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transsexuais/Travestis, Queer,
Interssexo, Assexuais, Panssexuais, Não-bináries e mais identidades.
112
do desde o ano de 2017, chamada Metendo a Boca29.
A obra consiste em uma série de videoperformances onde o artista surge em cena
usando o recurso da dublagem30 (ou lip sync) como forma de expressão. O roteiro quase
sempre é construído a partir da seguinte estrutura: falas reais de insultos lgbtfóbicos
surgem em off; o performer está em cena ouvindo e, ao final das falas, vai surgindo uma
canção; a figura em cena, então, põe um batom de um tom vermelho forte e inicia sua
performance na qual dubla, dança, atua e, assim, vai se apropriando e ressignificando o
discurso da canção, construindo sua voz de artista, sua poética em resposta aos discur-
sos de ódio. Dependendo do contexto da cena, das falas em off, cada canção ganha no-
vos contornos e significados. Alguns vídeos têm um tom mais cômico, debochado; ou-
tros, mais dramático. Com letras de músicas que ajudam a exprimir o que não se pode
deixar calar, a performance surge como uma reação a discursos preconceituosos, con-
servadores e moralistas ouvidos todos os dias por pessoas LGBTQIAPN+.
Os vídeos têm duração média de 4 minutos. Cada vídeo é feito sem cortes, em pla-
no-sequência. O ator/performer em cena não está montado como drag queen. Ele tem,
mais comumente, face e figurinos neutros. O foco é na expressão corporal, na potência da
interpretação, na força das canções e no poder da palavra.
Metendo a Boca surge quando o ator/performer concebe a performance e estreia no
For Rainbow – Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual e de Gênero31. A cada noi-
te, um vídeo da série era exibido no Cinema do Dragão do Mar, em Fortaleza, abrindo a
programação do festival todos os dias. Desde então, todos os anos a série se renova com
vídeos inéditos (são 6 vídeos novos a cada ano, um vídeo para cada dia de festival), sendo
exibidos sempre no For Rainbow e, posteriormente, disponibilizados nas redes sociais.
Ao longo dos anos, a pesquisa de Metendo a Boca foi sendo aprofundada. Seja
com novos elementos que entravam em cena, participações de outros artistas, experi-
mentações com materialidades e visualidades… A inquietude sempre esteve presente.
Na última edição, uma das músicas foi cantada e gravada previamente pelo próprio
ator/performer, que dublou a si mesmo no vídeo, evidenciando cada vez mais a necessi-
dade de, literalmente, meter a boca.
Agora, a intenção é de que a pesquisa dê prosseguimento com a criação de um es-
petáculo solo. Num processo interdisciplinar – envolvendo audiovisual, performance, tea-
tro, dança, música – e investigando não só voz, discurso, oralidade, como também corpo,
113
presença, desvios.
O estudo teórico é amparado principalmente na pesquisa Poéticas de desvio: es-
tratégias contemporâneas de criação em Artes Cênicas, desenvolvida pelo Professor Dr.
João Alberto Lima Sanches na UFBA, que dialoga com conceitos da Teoria do Drama, da
Pragmática e da Semiologia Teatral. A perspectiva teórico-metodológica se baseia tam-
bém nas noções de performatividade e teatralidade na cena contemporânea, as quais,
por sua vez, transitam em diferentes campos do conhecimento como a antropologia, a
linguística e a sociologia.
Também como aporte teórico há tópicos sobre artivismos e teoria queer. São im-
portantes leituras que aprofundam um entendimento desses estudos com intersecciona-
lidades e com a realidade brasileira, como: Jota Mombaça (2021), Leandro Colling
(2016), dentre outros. A respeito de registro, análise e crítica de processos criativos, no-
mes como Cecília Almeida Salles (2006) e Sônia Rangel (2015). E como referências de
escrita autoetnográfica estarão presentes estudos das escritas de Beatriz Nascimento e
Conceição Evaristo.
A pesquisa evidencia, portanto, um relevante caráter cultural e político interdisci-
plinar, ao problematizar relações de poder e de forças implicadas no processo de subjeti-
vação. Em forma e conteúdo, tem-se um sujeito que, envolvido por discursos diversos,
experimenta outras vozes em sua boca e vai desenvolvendo para si a tomada da sua pró-
pria expressão. Trata-se, portanto, do aprofundamento de uma investigação já iniciada,
que parte agora em direção a uma reflexão teórica e à criação de uma nova obra.
REFERÊNCIAS
114
PROFESSORAS ARTISTAS: MULHERES NA EDUCAÇÃO
Diane Boda
dianeboda@usp.br
A partir de todas essas perguntas que Grada Kilomba lança, eu consigo dizer com
quem caminho e que a forma como eu escrevo esta carta, faz parte de uma escolha me-
todológica.
Desde o final de 2021 tenho enviado cartas para mulheres educadoras de teatro
que de alguma forma atravessaram minha trajetória na mesma função. No total foram
oito mulheres, duas com as quais seguimos pelas cartas, cinco com quem me encontrei
pessoalmente e gravei nossa conversa, e uma por conversa online.
115
Nesses encontros as questões como as formações, trajetórias, referências eram
importantes para mim, mas tanto quanto o fluxo da memória permitia rememorar, e a
forma como elas escolhiam narrar a si passou a ser um ponto importante da pesquisa.
Quais experiências formam essas educadoras de teatro, o que e como elas esco-
lhem para compor suas narrativas? Como eu, também educadora de teatro, escolho
compor junto com elas e recriar essas narrativas?
Escolho a carta porque acredito que ela sustenta o tom confessional e de parceria
que a espontaneidade da conversa possui, da oralidade, trocando também com Leda
Maria Martins (2021) em suas oralituras.
Neste evento decidi compartilhar com vocês as questões que envolvem outra esco-
lha, a de como inserir e recriar na dissertação as escutas e trocas que se deram integral-
mente pelas cartas.
Iniciei esse processo com duas doses de vacina no braço, e a esperança de muitos
reencontros! Onde caberia a troca de cartas no anseio de corpos pela rua? Seria diferen-
te se eu tivesse disparado essas cartas em março de 2020?
Também já era sabido que uma das propostas da pesquisa era o foco em uma es-
cuta que, para além do conteúdo, se atenta à forma com que cada uma deseja narrar a
si, então como impor a escrita como comunicação?
Assim como Angela Figueiredo (2020) escreve, a carta tem o poder de articular o
pessoal e o coletivo, além de permitir à pessoa remetente olhar novamente suas experi-
ências estabelecendo novos diálogos, como, por exemplo, com referenciais teóricos.
Nathália e Ligia foram duas educadoras para as quais enviei cartas pelos correios
que decidiram manter assim nosso diálogo. As duas são mulheres escritoras, uma que
havia terminado o mestrado recentemente e a outra o lançamento de um livro, é sabido
então que essa continuidade pelas cartas também passa pela forma como elas sentem a
escrita como espaço de organização dos pensamentos e expressão.
Olho para as trocas de cartas entre nós três e questiono o como seguir e é Ligia
que me aponta caminhos. Dela recebi as provocações sobre o que representa a escrita
das cartas em seu cotidiano e também se poderia um mestrado ser uma troca de cartas
entre duas educadoras.
Deixo vocês com a última carta encaminhada para as duas.
116
correio, as encomendas são jogadas pelo portão, as propagandas de pizzaria, mercado e
outras ficam presas na dobra, as cartas também. Com que frequência será que se per-
dem?
Dia 26 de junho de 2022 e eu não sei se há alguma carta de vocês pelo caminho, se
ela está perdida, se quando eu abri o portão ela caiu na calçada e nunca mais vi... São os
riscos que corro!
Talvez também simplesmente não tenha dado tempo ainda! De responder, de
pensar, de sentar e passar para o papel, de continuar... Ou será que a minha segunda
carta nunca chegou? Outro risco...
Com vocês tive a possibilidade de experimentar o jogo das cartas, o toque das fo-
lhas, a escolha dos envelopes, as idas aos correios, as formas de lacrar a carta, o como
abrir sem rasgar o conteúdo, a letra e a tinta da caneta ou da impressora e a escolha de
uma fonte que se aproximasse da letra escrita.
E também com isso a espera...
Tive que lidar com o tempo da espera, do pensamento, da escrita, dos correios, o
tempo da vida de cada uma de nós... Será que se eu tivesse começado isso quando a
maior parte de nós estava realmente em isolamento social teria funcionado de outra
maneira? Com mais pessoas? Com mais respostas? Mais cartas trocadas? Mais diálogo?
De uma maneira mais dinâmica?
O tempo da vida agora tem sido outro... O da rua, do retorno ao transporte pú-
blico e ao tempo dos deslocamentos, o tempo do cansaço da tela, esgotamento, tempo
de encontro... Onde mora a dinâmica da carta em meio a tudo isso?
Experimentei, experimentamos, experenciamos, e o modo como vocês aceita-
ram esse jogo comigo me deu um tanto mais o que pensar a partir do que senti!
E agora penso que esse momento de troca acabou, e peço licença para seguir
com a justeza e generosidade do que puderam trocar, confidenciar, narrar, para trocar
agora com outras escutas que fiz, e de tudo isso transformar em algo com o qual me
comprometi ao me relacionar novamente com a universidade, mesmo sem saber muito
bem como vai ser... Mas intuo que vai ter muito dessa possibilidade de reticências, esse
tom de incerteza que o espaço da carta me permite ter!
REFERÊNCIAS
FIGUEIREDO, Angela. Carta de uma ex-mulata a Judith Butler. In. HOLANDA, Heloisa Buarque
117
(org.) Pensamento Feminista Hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo,
2020.
KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: Episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Co-
gobó, 2019.
MARTINS, Leda Maria. Afrografias da Memória: O Reinado do Rosário no Jatobá. São Paulo:
Perspectiva; Belo Horizonte: Mazza Edições, 2021.
118
O CORPO-MÁSCARA NO CAVALO MARINHO COMO PROPOSTA PARA
O CORPO EXPRESSIVO DO ATOR
Osvanilton de Jesus Conceição
osvaniltonconceicao@yahoo.com.br
120
acessa a mente, o corpo, as emoções, as sensações e percepções de modo amalgamado,
unido e equipolente.
Do mesmo modo, a ideia de corpo-máscara deixa evidente que a inteireza é um
reflexo dos corpos vivos e expressivos dos figureiros e dos atores que desenvolvem a sua
atuação por intermédio de máscaras, uma vez que, “atuar com a m|scara é buscar a res-
piração eficaz para mantê-la viva: inspirar-expirar com todo o corpo é fundamental.”
(COSTA, 2006, p.33). Assim, como a respiração, a máscara também estabelece outra
ligação interna com a coluna vertebral do ator, ampliando as dimensões dos seus impul-
sos da face até a base dos pés.
Essas dimensões estão presentes nos corpos-máscaras dos figureiros do Cavalo
Marinho e podem possibilitar o escambo cênico e cultural, fazendo fissuras nas concep-
ções de atores e de brincantes, uma vez que, “um teatro, porém, pode se abrir {s experi-
ências de outros teatros para reencontrar princípios semelhantes a partir dos quais
transmitir suas próprias experiências, e não para misturar diversas maneiras de fazer
espet|culos.” (BARBA & SAVARESE, 2012, p. 15).
REFERÊNCIAS
BARBA, Eugênio; SAVARESE, Nicola. A arte secreta do ator. [Trad.: MENDONÇA, Patrícia Fur-
tado de.]. São Paulo: É Realizações Editora, 2012.
COSTA, Felisberto Sabino da. A Outra Face: a máscara e a (trans)formação do ator. Tese de
Livre-docência, Departamento de Artes Cênicas, ECA, São Paulo: USP, 2006
OLIVEIRA, Érico José Souza de. A Roda do Mundo Gira: um olhar sobre o Cavalo Marinho Es-
trela de Ouro (Condado - PE). Recife: SESC, 2006.
121
ONDE ANDA VOCÊ? ENTRE A PESQUISA CIENTÍFICA E ARTÍSTICA EM
CONTEXTO DE PANDEMIA
Julia Lima Ribeiro
julialima294@gmail.com
[...] parte de perguntas pessoais feitas a seus bailarinos. A partir de certo momento
de sua trajetória, ela passa a iniciar uma nova obra a partir dessas questões. O resul-
tado é a construção de cenas baseadas nos impulsos mais profundos, arquivados na
memória corporal de seus bailarinos-atores. (CALDEIRA, 2009, p.28.).
122
não seja o objeto de pesquisa da proposta principal do mestrado, é um ponto chave para
o início do mesmo.
Onde Anda Você? (2020) surgiu de maneira inesperada, pois, em isolamento, eu
sentia um estranhamento de mim, por estar afastada da forma de produzir arte a qual
eu conhecia.
[...] dança não pode mostrar tudo. Os sentimentos reais estão escondidos atrás dos
movimentos expressivos dos corpos dançantes, os quais, ao executarem movimen-
tos, também denotam o seu desaparecimento. É na vida da dança que as suas defi-
ciências se escondem. Dança é sobre ausência. (PIMENTEL, 2011, P.17).
Estar entre o cultivo e a espera é dar tempo ao tempo, como se diz popularmente,
123
porém seguindo adiante com o trabalho artístico (...) É, portanto, encontrar um lu-
gar, ao mesmo tempo, de repouso e de certa resistência à pressão exercida por si
mesmo e por outros, por resultados precipitados. É resistir à usual ansiedade por
respostas a perguntas para as quais as soluções são prematuras demais. Adiar as
respostas e permanecer um pouco mais no „n~o saber‟. Suspender um pouco mais
as expectativas. Permanecer um pouco mais com algo que inquieta: uma sensação,
um sonho, um material. Voltar à sala de ensaio sempre. Escrever. Desenhar. Obser-
var (-se). Dar tempo ao nada fazer. Dormir. Respirar. Meditar. Estar com outros.
(BARBOSA, 2019, p.734.)
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Vivian Vieira Peçanha. O nome da prática: implicações do uso da palavra em articu-
lações de dança. Anais do VI Encontro Científico da Associação Nacional de Pesquisadores em
Dança - ANDA. Salvador: ANDA, 2019. p. 724-738.
CALDEIRA, Solange. A construção poética de Pina Bausch. Revista Poiésis, p. 118-131. Dezem-
bro de 2010. Nº 16.
HASEMAN, Brad. Manifesto pela pesquisa performativa. Queensland University of Techno-
logy: s/l, 2006.
PIMENTEL, Mariana Barbosa. A presença do corpo na dança contemporânea. Universidade
Nova de Lisboa: dissertação de mestrado, 2011.
RIBEIRO, Julia Lima. Diário de Bordo. Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. 2020, 2021, 2022.
124
AS TENSÕES DO CORPO NO CÁRCERE
Nailanita Prette
nailanitaprette@hotmail.com
125
Comum Curricular) em vigência. O norte didático que auxilia o desenvolvimento peda-
gógico das aulas parte da premissa da Abordagem Triangular, formulada pela educadora
e pesquisadora brasileira Ana Mae Barbosa, onde o contextualizar, fazer (prática) e
apreciar andam lado a lado (RIZZI, 2008), o que propicia ao estudante o conhecimento
teórico, prático e a análise crítica e reflexiva da arte.
No decorrer das aulas, quando a prática dos Níveis caiba para auxiliar o entendi-
mento do conteúdo curricular, posteriormente ao ser realizada uma análise das movi-
mentações das estudantes participantes da prática artística percebe-se que os seus cor-
pos tem familiaridade com os Níveis de tensão mais altos, como Decisão, Paixão e Asfi-
xia. Ou seja, os que exigem maior tonicidade muscular, e que em sua dramaturgia carre-
gam insegurança, medo, revolta, paixões humanas, sufocação e a repressão. Em contra-
partida com os primeiros Níveis que instigam o corpo aberto, apaixonado que se relacio-
na com as pessoas à sua volta. A hipótese parte da defesa de que os estados de presença
que seus corpos desenham no espaço trazem uma tensão que emerge do local onde es-
tão inseridas. Ambiente que desperta os sentidos da atenção.
O meio influencia as relações culturais, sociais, econômicas e corporais, as institui-
ções prisionais de alguma maneira imprimem suas marcas nesses corpos. Ainda a título de
investigação, de certa forma prematura, foram iniciadas também a prática docente da
disciplina de Artes na APAC (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado) Femi-
nina de Belo Horizonte - MG, nota-se a diferença corpórea nas qualidades do movimento
entre as ressocializandas da APAC e as presas da penitenciária. As denominações ressocia-
lizanda ou ressocializando s~o aplicadas nas APAC’s. Que se caracteriza como uma ONG
(Organização não Governamental) dedicada à reinserção da pessoa à sociedade. Seu fun-
cionamento difere-se dos das penitenciárias e presídios brasileiros. As ressocializandas
também seguem regras e precisam cumprir tarefas, mas uma das demandas é a que uma
cuide da outra, são as responsáveis pelas chaves que trancam e abrem os portões externos
e internos, por exemplo. Nota-se que mesmo imersas em uma unidade prisional, a liber-
dade é mais degustável, não precisam usar uniformes, podem ter seus próprios materiais
escolares. Portanto essas relações refletem em seus corpos, que carregam suas tensões,
mas se abrem com maior facilidade aos primeiros Níveis, Descontração, Economia e Sus-
pensão.
Nas penitenciárias e presídios a privação de liberdade é maior, precisam cami-
nhar de cabeça baixa e mãos atrás do tronco, só saem da cela por motivos de trabalho,
escola, banho de sol, dias de visita ou algum procedimento. O ambiente da penitenciária
se torna de certa forma mais hostil, o que reforça a necessidade de estudos e pesquisas
acerca deste local.
O corpo tem importância singular no sistema prisional (FOUCAULT, 2014) que
126
deixa marcas: modificando as técnicas corporais que perfazem o repertório da popula-
ção que por ali passa ou passou. O Objetivo central deste estudo é o de trabalhar corpos
femininos privados de liberdade por um viés criativo, o foco, a princípio, não é a criação
de uma obra coreográfica ou performance e sim a ampliação criativa e artística do reper-
tório corporal das estudantes, partindo da premissa do respeito aos corpos privados de
liberdade. Por sua vez, entender como respondem aos dispositivos artísticos para assim
em um futuro desenvolver metodologias educativas, artísticas e de ressocialização.
REFERÊNCIAS
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução: Raquel Ramalhete. 42. Ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.
PRETTE, Nailanita. Os Sete Níveis de Jacques Lecoq: um estudo performativo e conceitual.
2021. 115 f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 2021. Disponível em:
https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/39615. Acesso em: 26 abr. 2022.
RIZZI, Maria Christina de S. Caminhos Metodológicos. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Inquieta-
ções e mudanças no ensino da arte. 4 ed. São Paulo: Cortez , 2008.
127
O BALÉ PANTOMIMO E A DANÇA VIRTUOSA GROTESCA: UM ESTUDO
SOBRE O TRATTATO TEORICO-PRATTICO DI BALLO (1779) DE GENNA-
RO MAGRI
Patricia Cornacchioni Alegre
patricia.alegre@usp.br
33 Os dançarinos europeus no século XVIII classificados por gêneros de acordo com o biotipo. Os mais
longelíneos eram os sérios, os de estatura mediana eram chamados de meio-caráter, e os menores e com
braços e pernas curtas, eram os cômicos / grotteschi.
34 Utilizo o termo francês ballet para indicar o estilo de dança, enquanto o termo em português balé diz
respeito ao espetáculo.
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afirmação de poder cultural, a dança grottesca exposta em um tratado por um mestre de
dança italiano significa um olhar diferente para a arte da dança daquele período históri-
co, cujo modelo era o francês, estabelecido por Luís XIV.
Magri foi um dançarino do gênero grottesco, que teve uma atuação bastante
marcada em teatros europeus tanto como dançarino quanto como mestre de dança.
Embora se esforçasse para que a profissão de bailarino fosse valorizada, não era um su-
jeito erudito, outro aspecto que lhe rendeu diversas críticas, inclusive uma carta de um
crítico misterioso que abominava seu modo de escrever o tratado; provável razão pela
qual seu tratado ficou esquecido na sombra do tempo até o final do século XX. Apesar
disso, a teoria e a prática estão bastante articuladas ao longo da obra de maneira bas-
tante clara. Magri afirma que:
REFERÊNCIAS
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PEDAGOGIA DAS ARTES CÊNICAS: VISÕES CONTEMPORÂNEAS PARA
ENCARAR UM VASTO CAMPO DE CONHECIMENTO
João Vítor Zanato de Carvalho Ribeiro
jvzanato@gmail.com
Palavras-chave: Pedagogia das Artes Cênicas; Artes Cênicas; Educação; Círculo de Bakh-
tin.
O objetivo deste texto é refletir sobre o conceito de “Pedagogia das Artes Cêni-
cas”, aproximando, por seu intermédio, os campos das Artes Cênicas e da Educaç~o.
Para este diálogo, serão mobilizadas as leituras sobre a cena contemporânea e sobre as
mudanças no teatro nas últimas décadas, a partir do discutido por Sílvia Fernandes
(2011) e por Patrice Pavis (2017). Acredita-se que, colocando em diálogo as considera-
ções tecidas por esses autores, poder-se-á discorrer sobre esse conceito que, embora
bem aceito em ambientes acadêmicos, ainda não está plenamente consolidado na área.
A reflexão proposta dar-se-á à luz dos fundamentos teórico-metodológicos do
Círculo de Mikhail Bakhtin, envolvendo os trabalhos desenvolvidos pelo pensador russo
Mikhail Bakhtin e por Valentin Volóchinov e Pavel Medvedev. Ganha destaque, para este
texto, o conceito de heteroglossia, por meio do qual se reconhece que em todo e qual-
quer projeto discursivo se faz presentes múltiplas vozes que se inter-relacionam, colo-
cando em diálogo, nem sempre harmônico, perspectivas socioculturais, logo ideológi-
cas, diversas. Assim, para se refletir sobre o termo “Pedagogia das Artes Cênicas” em
diálogo com as visões de Pavis e Fernandes, é necessário ter em mente que seus enunci-
ados fazem parte de uma intensa e ininterrupta cadeia de comunicação verbal, vincula-
da a diferentes contextos sócio-histórico-culturais.
Como defende Volóchinov (2018), onde h| signo h| também ideologia. “Qualquer
signo ideológico é não apenas um reflexo, uma sombra da realidade, mas também uma
parte material da mesma realidade.” (VOLÓCHINOV, 2018, p. 94). Nessa perspectiva,
para o autor, “ao realizar-se no processo da comunicação social, todo signo ideológico,
inclusive o signo verbal, é determinado pelo horizonte social de uma época e de um grupo
social” (VOLÓCHINOV, 2018, p. 110). Ou seja, não podemos pensar em conceito extirpan-
do-os de sua relação dinâmica, viva, complexa e polêmica com o contexto sócio-histórico-
cultural em que circula, pois as palavras não possuem sentidos abstratos, eternos e imutá-
veis; elas apenas ganham sentido ao serem enunciadas em situações concretas e revelam
130
a presença de diferentes vozes que lhe são constitutivas.
Nesse contínuo movimento discursivo, sociedade e cultura também se transfor-
mam, fato que justifica o gigantesco processo de mutação que o teatro e as artes da ce-
na vêm sofrendo nas últimas décadas. Pavis (2017) indica que, desde a década de 1990,
“a natureza do teatro e a concepç~o que temos dele mudaram consideravelmente”
(p.11). Tal mudança é tão relevante que, de acordo com o autor, “n~o estamos mais se-
guros de qual nome” dar ao teatro, nem “onde encontr|-lo e quais questões lhe propor”
(p. 11). O autor destaca a ampliação do campo de conhecimento, por meio da abertura
dos estudos:
Esta ampliação do campo para Artes Cênicas, portanto, acaba por determinar a
impossibilidade de se estabelecer fronteiras nítidas entre as artes – que se cruzam, in-
terpenetram-se, sobrepõem-se, experimentando modos de operar uma da outra –, e por
indicar que, há muito tempo nos estudos da área, já não é mais apenas de teatro de que
se está tratando. Prova disso, foi a alteração na nomenclatura do grupo de trabalho (GT)
Pedagogia do Teatro & Teatro na Educação da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-
Graduação em Artes Cênicas (Abrace), para GT Pedagogia das Artes Cênicas, que tem
como objetivo investigar processos e práticas de educadores, educandos, artistas, es-
pectadores e pesquisadores nos diferentes espaços de educação – formal, não formal e
informal –, incluindo, também, reflexões produzidas em diferentes abordagens teóricas
e metodológicas relacionadas a esses processos.
Compreende-se assim, que ao se assumir o conceito de “Pedagogia das Artes
Cênicas”, possibilidades de estudos tendem a se alargar, j| que o termo se abre a uma
miríade de acontecimentos artísticos, situados em territórios de fronteiras, em situações
híbridas e estilhaçadas.
131
Como o termo ainda enfatiza a Pedagogia é importante lembrar que, de acordo
com Demerval Saviani (2021), uma marca sobressai na trajetória deste campo do conhe-
cimento: “seu car|ter polêmico” (p.123), decorrente das divergências e diferenças entre
tendências pedagógicas em disputa pela hegemonia do campo educativo. Quanto ao
termo “Pedagogia das Artes Cênicas”, a polêmica permanece em diversas inst}ncias, sur-
gindo variadas vicissitudes, não linearmente dispostas, ao se refletir sobre as relações en-
tre Artes Cênicas e Educação.
A primeira delas diz respeito à tendência rígida adotada por alguns pesquisadores
de tentar isolar e erigir fronteiras estanques e bem demarcadas entre o teatro e as demais
linguagens artísticas, especialmente aquelas que compõem o campo das artes da cena.
Será que haveria apenas um teatro ao se considerar os múltiplos e distintos contextos só-
cio-histórico-culturais nos quais ele se insere?
No que se refere à questão pedagógica, sabe-se que, até hoje, o teatro pensado
pari passu com a educação enfrenta ressalvas de artistas e pesquisadores que insistem,
por diferentes motivações, em hierarquizar as formas de expressão artística, relegando
o teatro-educação (seja dentro ou fora da escola) às instâncias inferiorizadas e menores
de um dito “verdadeiro teatro” e de uma dita “arte maior”. A quem interessa essa segre-
gação?
Por fim, a partir do dialogismo entre discursos, tentou-se discutir um termo tão
em voga nos estudos em Artes Cênicas, encarando a vastidão de um campo de conhe-
cimento que se recusa à estabilidade, ao fechamento disciplinar e à morte por cristaliza-
ção.
REFERÊNCIAS
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A ESPETACULARIDADE DAS PERFORMANCES RITUAIS DE INVERSÃO
CORPORAL
Guilherme Conrad
guilherme.conrad@ufrgs.br
Pourquoi danse-t-on? Pour honorer les dieux? Pour obtenir une faveur particulière?
Ou rendre grâces? Danses agraires, danses de fertilité, de chasse, de pêche? Danses
à but prophylactique? Danses incantatoires? Danse-t-on pour provoquer la transe
extatique? Ou, au contraire, la danse est-elle le résultat de la transe? La danse est-
elle un phénomène d'intégration ou de désintégration magique : assimilation du
danseur au Divin ou dépersonnalisation de l'extase, expulsant l'être hors de soi?
(CAZENEUVE, 1963, p. 10)
133
eventos, como as vestimentas, sons, estruturas materiais e das próprias ações invertidas
dos acrobatas. O acrobata no contexto ritual pode ser, ao mesmo tempo, o xamã que é o
porta-voz das divindades, o dançarino mascarado que representa elementos da nature-
za e o ator que dramatiza passagens mitológicas ou religiosas.
As dinâmicas de inversões corporais, portanto, terão funções diversas, como: en-
trar em contato com o divino; servir como rito de passagem (como a transição menina-
mulher da sang yang dedari); agradecer e abençoar combates ou colheitas (como nos
rituais primitivos que evocava bons presságios para as caças); designar hierarquias (co-
mos nos rituais astecas que concediam prestígios de classes sociais); narrar passagens
mitológicas (como nos ritos egípcios antigos que encenavam o nascimento do deus Rá)
e unir a comunidade.
Aos movimentos de inversão serão atribuídas simbologias específicas, como: re-
tratar divindades religiosas ou poderes mitológicos (como nos rituais astecas cujos deuses
se apresentam em posição invertida); representar animais ou plantas (como nos rituais
primitivos que imitavam o animal abatido); caracterizar astros cósmicos (como nos rituais
egípcios antigos que faziam lembrar o Sol ou estrelas) ou refletir poeticamente valores
filosóficos, mitológicos, cosmológicos, religiosos ou sociais (como o movimento mor-
te/vida/ressureição nos ritos egípcios antigos).
Os movimentos podem acontecer com ou sem mecanismos (como dispositivos
giratórios nos rituais astecas); serem limitados a certas idades (como só meninas no
sang yang dedari), gêneros (só homens no salto naghol), status sociais (como altas clas-
ses nos rituais astecas ou sacerdotisas nos ritos egípcios antigos); ocorrer em determi-
nados lugares (como em uma caverna nos rituais primitivos), épocas do ano (como so-
mente nos solstícios no salto naghol) e terem diferentes durações (como as semanas
para a sang yang dedari).
A inversão corporal colocará os indivíduos ritualisticamente em situações-
limítrofes (grenzerfahrung) (LIPP, 2007), onde o corpo e psiquismo são expostos ao extre-
mo e, portanto, vivenciam-se as fronteiras psicológicas e/ou físicas. Desta forma, se en-
contram nos limites do corpo em posições invertidas simbolizam estar nas fronteiras do
real e do espiritual, do mundo e do divino, de si e o além de si, gerando estados alterados
de consciência. É através da inversão que o xamã vai estabelecer um diálogo com as divin-
dades, um momento de contato visionário com outro mundo que pode lhe conferir, mes-
mo que temporariamente, poderes “m|gicos” e uma condiç~o “sobrehumana” que se re-
flete em movimentos surpreendentes devido às suas naturezas altamente inabituais.
Para além de conduzir uma vertigem (como no salto naghol), a corporeidade in-
vertida poderá, em danças extáticas que dependem do ritmo e repetição de ações, indu-
zir ao transe (como as cerimônias fúnebres egípcias antigas) ou se manifestar a partir
134
dele (como no ritual sang yang dedari). Desta forma, para além de induzir um estado
alterado através de substâncias, será possível entrar nele através de ações enérgicas, em
que as inversões não são somente movimentos, mas sim expressões psicofísicas. A limi-
naridade é evocada, portanto, pela sua essência de risco. Ora, mas os movimentos acro-
báticos não são liminares por excelência, por estarem sempre entre o equilíbrio e a que-
da, o seguro e o incerto, o racional e o instinto, a técnica e vontade, a vida e a morte?
Nos rituais de inversão, estas instâncias são constantemente evocadas através de mo-
vimentos associados, portanto, ao divino, e em procura de meios biológicos de entrar
em comunicação com Deus (MAUSS, 2003, p. 422).
REFERÊNCIAS
CAZENEUVE, Jean. Les Danses sacrées: [Anthologie] : Egypte ancienne, Israël, Islam, Asie
centrale, Inde, Cambodge, Bali, Java, Chine, Japon. Paris: Éditions du Seuil, 1963, p. 10.
D’AQUILLI, Eugene G., LAUGHLIN, Charles D. Jr., McMANUS, John. The Spectrum of Ritual.
New York: Columbia University Press, 1979, p. 36-37.
GEERTZ, Clifford. The Theatre State in Nineteenth Century Bali. Princeton, New Jersey: Prin-
ceton University Press, 1980, p. 13.
LIPP, Thorolf. Gol - das Turmspringen auf der Insel Pentecost in Vanuatu: Beschreibung und
Analyse eines riskanten Spektakels. Dissertation an der Fakultät für Kulturwissenschaften
Bayreuth: Universität Bayreuth, 2007.
MAUSS, Marcel. As técnicas do corpo. In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify,
2003.
SCHECHNER, Richard. Performance Studies: an introduction. 3d edition. Routledge: New
York, 2013, p. 53.
TURNER, Victor. O processo ritual: estrutura e anti-estrutura. São Paulo: Vozes, 1974.
135
JOGO TEATRAL E CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO: ESTUDO DE
CASO COM ALUNOS DA DISCIPLINA PROJETO DE VIDA
Mariana Tagliari
maritagli@hotmail.com
Robson Corrêa de Camargo
robson.correa.camargo@gmail.com
136
relação de construção do simbólico se concretizou numa pesquisa-ação que se propõe
futuramente a propor um material para a realização de ações pedagógicas-
performáticas com alunos do Ensino Médio da rede estadual de ensino, na disciplina
“Projeto de Vida”.
Como, por exemplo, quando se discutiu sobre frases que eles escutam negativa-
mente e positivamente em seu dia a dia, eles criaram balões de diálogos (balões feitos
em papéis coloridos com falas positivas e negativas que escutaram) e interpretaram, por
meio de ações físicas, como isso os afetava (a temática era sobre a constituição do ser -
quem sou). São momentos em que eles verdadeiramente expõem os sentimentos de
forma física, palpável, ou seja, sai do campo das ideias, do verbal e torna-se ação. É ex-
pressar-se de forma integral.
O jogo teatral teve sua base no método das ações físicas do diretor, ator e pes-
quisador Constantin Stanislavski, o qual defende que:
O novo segredo e a qualidade nova de meu método para criar a entidade física, de
um papel, consistem no fato de que a mais simples ação física, ao ser executada por
um ator em cena, obriga-o a criar, de acordo com seus próprios impulsos, toda sorte
de ficções imaginárias, circunst}ncias propostas e “ses”. (STANISLAVSKI, 1984,
p.250)
Stanislavski (1984) ressalta que a mais simples ação física obriga o ator a criar,
conseguindo concretizar em seu corpo, em um campo visível, o que estava em sua ima-
ginação. A partir das ações físicas mais simples e imediatas de cada cena, o ator gradu-
almente conquista a complexidade da peça em seu todo. Ocorre daí a ligação de Stanis-
lavski com Spolin que é: a relação com objetos imaginários, a busca de uma percepção
sempre fresca daquilo que ocorre em cena, preocupação em evitar a ilustração em prol
da organicidade.
Segundo Langer (2011, p. 30) "Um sinal é compreendido se serve para nos fazer
notar o objeto ou situação que indica. Um símbolo é compreendido quando podemos
conceber a ideia que ele representa”. Neste contexto, a aç~o física se transforma ou se
potencializa em ação simbólica na arte ou no ritual, de forma presente, por não ser algo
conhecido, mas ressignificado, seja no jogo teatral e/ou nos próprios gestos do ator-
jogador. Melhor dizendo, para se construir em etapas didáticas, a ação simbólica se es-
tabelece, num primeiro momento, como algo que se estabelece antes de ser percebido,
até o estágio final, onde o casulo vira borboleta.
Quando falamos da fiscalização, nos jogos teatrais, os gestos não são meros mo-
vimentos, nem meros sinais, embora ainda sejam, em seus estados primevos, mas gestos
que demonstram o objeto, a ação realizada na cena, de forma crível ao jogador e à plateia.
Segundo Viola Spolin (1906-1994), a fiscalizaç~o é “a manifestaç~o física de uma comuni-
cação; a expressão física de uma atitude; [...] uma maneira visível de fazer uma comunica-
137
ç~o subjetiva” (SPOLIN, 1998, p.340).
O gesto, nesse sentido, vai auxiliar com que o aprendiz-jogador se mantenha no
mundo da percepção num mundo em construção, estando aberto ao mundo à sua volta,
ou seja, possibilitando a experiência significativa (Dewey, 2010) em suas múltiplas cons-
truções, em que ele pode refletir criticamente sobre o seu papel social.
O teatro, por meio dos jogos, vem enquanto problematizador de temas que ocor-
rem no dia a dia do estudante, em que o sujeito-aluno tem que posicionar-se criticamente
perante os variados problemas sociais que nos cercam, de forma que os movimentos cêni-
cos tornam-se relacionados diretamente com as relações simbólicas que o homem consti-
tui perante o mundo. Contemplando assim o objetivo do Projeto de Vida, o qual é promo-
ver a capacidade dos estudantes refletirem sobre desejos e objetivos não apenas para o
futuro, mas também para agora. Isso inclui planejar o que farão a cada ano e etapa de en-
sino, aprendendo a se organizar, estabelecer metas e definir estratégias para atingi-las.
O jogo teatral, nesse cenário, reúne o jogar, que também perpassa a vida humana
com a arte/ teatro, em que ambos se completam em experiência, podendo recriar um no-
vo mundo simbólico, com a sua significação artística e humana. Nesse sentido, o jogo tea-
tral foi escolhido como mediador do Projeto de Vida pelo conhecimento simbólico, pois
ele desenvolve aspectos importantes para a formação do jovem, sendo: o aprendizado
pela experiência; ação e resolução de problemas no aqui agora; a fisicalização/ corporifica-
ção, a imaginação criativa, a prática da cooperação social, o desenvolvimento da sensibili-
dade para relacionamentos e a simpatia humana.
REFERÊNCIAS
DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins fontes, 2010.
LANGER, Susanne. Sentimento e Forma. São Paulo: Perspectiva, 2011.
SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 1998.
STANISLAVSKI, Constantin. A criação de um papel. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984.
138
CANA VERDE: MATERIAL DIDÁTICO A PARTIR DA MEMÓRIA E DA
ORALIDADE
Rony Cardoso Marques
ronycmarques@gmail.com
140
Barbosa na década de 1980, pois se acredita que o trabalho com essa abordagem de
ensino em Arte, na elaboração da segunda parte do material didático, favorecerá para
que os alunos possam ter um contato com a estética da manifestação cultural em ques-
tão, possam fruir desses elementos estéticos e contextualizar a historicidade de uma
brincadeira popular que está inativa.
A terceira etapa da pesquisa consiste na aplicação do material nas aulas de Arte.
Com um planejamento preparado, o material será posto em prática nas aulas formais de
uma escola de ensino básico.
É importante investigar as memórias e as narrativas de uma brincadeira popular
tradicional que está inativa para que essa manifestação não desapareça completamente.
Enquanto os brincantes possuírem na memória a simbologia dos elementos representa-
tivos, a importância histórica e a felicidade de participar da brincadeira, a manifestação
ainda poderá ressurgir. A mestra Dona Gerta, certa vez, falou em um registro sonoro
feito para a pesquisa de Souza (s/d): “Enquanto eu puder cantar, eu canto. Enquanto eu
puder dançar, eu danço. Enquanto eu estiver viva, a Caninha Verde também vai viver.” A
mestra não precisa estar viva fisicamente para que a Caninha Verde continue vivendo.
Os brincantes podem cantar e dançar as memórias de Dona Gerta para que ela e a brin-
cadeira continuem existindo. O material didático proposto nesta pesquisa poderá ajudar
a imortalizar as memórias e as narrativas desses brincantes.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Mário de. Danças dramáticas no Brasil. Tomo 1. São Paulo: Livraria Martins Editora,
1959.
SOUZA, Maria de Lourdes Macena de. Sendo como se fosse: as danças dramáticas na ação do-
cente do ator-professor. 2014. 295f. Tese (Doutorado em Artes) - Programa de Pós-graduação
em Artes da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, Brlo Horizonte. –
Disponível em: https://bityli.com/ddtcWCSD Acesso: 30/09/2022
_______. Dossiê para a candidatura de Dona Gerta. s/d. Disponível em:
https://bityli.com/hcYtZtTZ Acesso: 30/09/2022.
141
VISIBILIDADE E REPRESENTATIVIDADE LÉSBICA NO TEATRO PAU-
LISTANO
Rafaela Jacomini Souza
rafaela.jacomini@unesp.br
143
dam a temática dentro do projeto de extensão Cena Feminista, ativo no Instituto de Ar-
tes desde o início do ano de 2022. Dentre eles, se destacam mesas de debate e exposi-
ções breves dos resultados desta pesquisa para alunos do Instituto.
REFERÊNCIAS
144
EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: UM OLHAR SOBRE AS
ILUSTRAÇÕES NOS LIVROS DE LITERATURA INFANTIL
Maria Luiza Teixeira Ramos Galacha
mariagalacha02@gmail.com
Enquanto leitora e consumidora de livros e materiais visuais desde quando fui alfa-
betizada, sentia-me chateada ao notar que eu não parecia com nenhuma personagem.
Isso me levava a pensar que eu e meus semelhantes não éramos importantes ou não tí-
nhamos beleza suficiente para aparecer nas histórias em quadrinhos e nos livros ilustrados
que eu lia. Hoje, como professora-artista, vejo que pesquisar e produzir um conteúdo aca-
dêmico com essa temática é uma forma de contribuir com uma mudança de realidade
para as novas gerações, para que crianças da atualidade possam ter o direito de acesso a
conteúdos étnico-raciais e não passem todo período escolar experienciando a invisibilida-
de, a ausência de representatividade negra, um direito negado e omitido a mim e a muitos
outros que fizeram parte de minha geração e de gerações anteriores.
Ter transformado essa vivência angustiosa em motivação de mudança me fez
enxergar a potência que existe quando uma criança, desde pequena, tem a identidade
compreendida e se reconhece enquanto corpo negro, assumindo seu cabelo e tendo
orgulho do seu tom de pele negra. Esses fatores podem parecer comuns ou bobos aos
olhos de muitas pessoas que não têm consciência racial, mas essa perspectiva de educa-
ção enquanto processo social precisa ser uma potência de liberdade, de transformação,
ao abordar a diversidade, pois, dessa forma, potencializa a autoestima da criança preta e
evita sequelas históricas, do ponto de vista psicológico e social, causadas pelo racismo.
Portanto, através dessa pesquisa eu quis explorar as características visuais que
ilustram e dão vida às histórias infantis, com enfoque na temática étnico-racial, investi-
gando como as representações das/os personagens negras e negros das histórias rever-
beram no imaginário das crianças do Ensino Fundamental I, bem como podem ser utili-
zadas como estratégia de ações pedagógicas voltadas para a afirmação e representati-
vidade das identidades negras.
A metodologia de pesquisa foi estruturada a partir de um estudo de caso cujos da-
dos foram produzidos a partir de três ações: primeiro, foram entrevistados uma ilustrado-
ra e um ilustrador, que compartilharam as experiências vividas com trabalhos de represen-
tações étnico raciais em livros infanto-juvenis; segundo, uma ação pedagógica foi desen-
volvida por uma professora em uma turma do EF; terceiro, foi realizada uma comparação
entre ilustrações antigas e atuais para se ter um panorama de como, atualmente, as repre-
145
sentações estão mudando positivamente.
Os ilustradores entrevistados foram: Tamiris Lima, com os livros “Fabrincando”
(2015) e “Tóim, cadê você?” (2014), e Marcelo D’ Salete com os livros “Cumbe” (2014) e
“Angola Janga” (2017). O ilustrador D’Salete buscou romper o paradigma de que a vis~o
predominante em relação às pessoas negras é, na maioria das vezes, negativa e estereo-
tipada, enquanto, no caso das pessoas brancas, é, em sua maioria, positiva e bem estru-
turada, como narra no trecho:
[...] eram dois ou três personagens principais e um deles eu coloquei um garoto ne-
gro. E então o pessoal da editora que trabalhava diretamente comigo recebeu super
bem e adorou, mas depois teve uma pessoa que era do alto escalão da editora que
fez um coment|rio do tipo: “nossa, mas tem muitos negros nesse livro, né?” (EN-
TREVISTA, 10/03/21).
A identidade negra é entendida, aqui, como uma construção social, histórica, cultu-
ral e plural. Implica a construção do olhar de um grupo étnico/racial ou de sujeitos
que pertencem a um mesmo grupo étnico/racial sobre si mesmos, a partir da rela-
ção com o outro (GOMES, 2003, p. 5).
[...] Uma experiência pessoal minha, da minha vivência familiar que foi base para es-
tar ilustrando eu posso citar o “Tóim, cadê você?”, que fala de uma menininha com
questões de aceitação do seu cabelo crespo e muitas crianças sempre perguntam se
sou eu naquela história. É uma questão de mulheres negras que precisam crescer e
aceitar o seu cabelo, se aceitar, entender a sua autoestima e se sentir bela (ENTRE-
VISTA, 03/03/21).
146
texto “Personagens negros: Um breve perfil na literatura infanto-juvenil” da autora He-
loisa Pires Lima (2005), e comparando com obras positivas como: Mundo no Black Po-
wer de Tayó (2013), O Mar que Banha a Ilha de Goré (2014), “Com qual penteado eu
vou?” (2021), “Omo-Oba: Histórias de Princesas” (2010), de autoria de Kiusam de Olivei-
ra, “O Pequeno Príncipe Preto” (2020) de Rodrigo França, “Benedito” (2019) de Josias
Marinho e “Amoras” (2018) de Emicida.
Enquanto resultados pode-se produzir um repertório de livros de literatura que ti-
veram como protagonistas personagens negras e negros; conhecer a produção artística
presente nos livros produzidos pelas ilustradoras e ilustradores; compreender as diferen-
tes situações ocorridas a partir da educação das relações étnico-raciais nas/das experiên-
cias vivenciadas nos espaços escolares e estabelecer relações entre os livros selecionados
e as produções de arte na sala de aula.
Essa pesquisa se fez necessária, visto a relevância de se trabalhar com literatura
afro-brasileira nas escolas, premente desde a mais tenra idade, na Educação Infantil,
para que desde cedo as crianças possam reconhecer e valorizar suas identidades, cultu-
ras e ancestralidades, e que deem continuidade a essas ações nas séries seguintes, como
o Ensino Fundamental, pois a formação e informação são vetores essenciais para o
combate do racismo para todas as crianças. A escolha pelos livros ilustrados se deu pelo
fato de compreender as ilustrações como uma potência intrínseca que pode influenciar o
imaginário das crianças, pois os materiais didático-pedagógicos nas escolas e nas salas
de aula, ou seja, materiais didáticos visuais e audiovisuais carregam em suas histórias os
mesmos conteúdos viciados, depreciativos e preconceituosos em relação aos povos afri-
canos e indígenas, é urgente a inserção de uma perspectiva decolonial.
REFERÊNCIAS
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O SAGRADO NAS DANÇAS CIRCULARES NO ESPAÇO VIRTUAL
Marieta Judith Ferraz Ferreira
marieta-ferreira@uol.com.br
O movimento intitulado Dança Circular Sagrada é uma pedagogia que foi inspi-
rada por danças étnicas, tradicionais e folclóricas, que são realizadas em comunidade,
passadas de pais para filhos, portanto, danças ancestrais. O alemão/polonês Bernhard
Wosien, dançarino, coreógrafo, teólogo e pedagogo foi quem estruturou esse movimen-
to. Viajando pelo leste europeu e visitando vilarejos dessa região no final da década de
cinquenta, percebeu/sentiu que as raízes das danças ali praticadas eram antigas e pro-
fundas, tinham uma importância maior do que se podia imaginar e cada pessoa na roda
se fazia fundamental dentro do coletivo.
O sentido de pertencimento do indivíduo se dá no coletivo e, na dança circular,
cada um é parte essencial do todo, sem perder sua individualidade, porém, em março de
2020, no Brasil, os encontros de Danças Circulares Sagradas presenciais foram suspen-
sos por causa da pandemia do novo coronavírus, o que levaram as danças a migrarem do
espaço físico para o espaço virtual.
O desejo de dar continuidade às rodas de dança foi o que levou muitas pessoas a
aderirem aos encontros virtuais, que tem acontecido diariamente nas mais diversas pla-
taformas digitais, obviamente, imprimindo outra virtualidade, com novos formatos, no-
vas relações e, portanto, novos efeitos. Nesse sentido, o objetivo desse trabalho é verifi-
car se os dançantes perceberam o sagrado presente nos encontros virtuais de Danças
Circulares Sagradas e se sim, de que forma isso se dá para eles.
A pesquisa teórica está imersa na virtualidade, por meio de plataformas digitais
utilizadas por focalizadores e dançantes de vários estados do Brasil durante o ano de
2020, 2021 e ainda em 2022, mais especificamente no grupo Rodas e Varandas e no
Centro Livre de Artes – GO. A faixa etária do grupo pesquisado é de vinte e cinco a se-
tenta e cinco anos, em sua maioria do sexo feminino de classe média. A escolha dos
participantes se deu através da indicação de alunos por cinco focalizadores de Danças
Circulares que também farão parte da pesquisa. Além disso, a intenção foi investigar
pessoas de diversas regiões do Brasil. O contato com os dançantes foi feito através dos
focalizadores que receberam o formulário (google forms) de perguntas via whatsapp e
repassaram aos seus alunos. Até o presente momento houve retorno de onze dos vinte
oito que foram enviados. Aqui iremos nos ater apenas duas perguntas do questionário
que nos dê informações sobre o sentido do sagrado.
148
O termo sagrado nas Danças Circulares foi inserido como nos conta Anna Barton
(2006):
Após ensinar pela primeira vez essas danças na comunidade de Findhorn, na Escócia
em 1976, Wosien decidiu denominá-las de Heilige Tanze, em alemão Dança sagrada,
mas não teve certeza de ter feito a escolha certa, pois a palavra “sagrada” trazia co-
notações religiosas e o que ele queria expressar era a espiritualidade das danças e
não o sagrado teológico, mas sim o antropológico.
[...] a dança, mesmo nos dias atuais, seria potencialmente capaz de reiterar os tem-
pos primordiais. Essa reiteração implica em repetir, renovar, reviver o sagrado, ou
seja, restaurar situações vividas em épocas muito antigas. Isto nos leva a pensar
que todas as danças, sem distinção, levariam ao sacralizado (LARA, 1999, p. 6).
Nesse sentido, Larissa Michelle Lara (1999) traz em seu artigo a pergunta se a dan-
ça está numa dimensão sagrada ou profana, recorre também a Eliade (2008) para com-
preender a dança como modalidade da experiência humana. A autora questiona se toda
dança nas suas mais variadas manifestações poderia ser considerada sagrada,levando em
consideração o fato de Eliade afirmar que uma dança sempre imita um gesto arquetípico
ou comemora um momento mítico, ao que ela diz, “a dança como uma possibilidade de
ritualização dos primórdios traria consigo a repetição dos gestos exemplares dos deuses”
(LARA, 1999, p. 7), mas os indivíduos e o contexto na atualidade são outros, portanto,
entende que não seja uma reprodução do que era, mas, uma atualização.
Os resultados foram obtidos através de dois questionamentos: se é possível a
manutenção do sagrado nos encontros de DCS virtuais e se sim como isso é percebido.
Setenta e dois, sete (72,7) por cento responderam que o sagrado se mantém em encon-
tros de Danças Circulares online e vinte e sete, três (27,3) por cento responderam que
talvez o sagrado possa se manter presente virtualmente. As respostas de como o sagra-
do é percebido nos encontros de DCS virtuais, apontaram para uma maior tendência de
conexão com as pessoas, mesmo que distantes, com a presença, de estar juntos num
mesmo propósito “( ) presente através dos olhos dados” “( ) estarmos juntos num
mesmo propósito” “( ) A energia da presença” “( ) manter-se unidas” “( ) focada no mo-
mento” “( ) totalmente presente” “( ) integração e fortalecimentos das amizades”, po-
rém, duas respostas relacionaram a música e os passos da dança como fonte da mani-
149
festaç~o do sagrado “( ) através da conex~o com os passos e música” “( ) conecto com a
música, os passos da dança, a simbologia da coreografia”. A dança em si não é foi fator
fundamental para a manifestação do sagrado, aparece mais como um elo que uniu ainda
mais as pessoas num mesmo propósito através das redes digitais, fazendo-as perten-
centes. Assim, pode-se concluir até aqui que o sagrado não aparece com conotação reli-
giosa, assim como desejava Wosien, está mais associado ao que Eliade (2008) nos diz
sobre o sagrado poder ser vivido através do imaginário, porém a percepção é que será
preciso um maior aprofundamento em outras questões para compreensão de outras
dimensões do sagrado.
REFERÊNCIAS
BARTON, Anna. Danças circulares; dançando o caminho sagrado – Circle dance: dancing The
sacred way / Anna Barton: org. Renata C.L. Ramos: tradução Márcia Shubert. São Paulo: TRI-
OM, 2006.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões: Tradução Rogério Fernandes –
2ª edição – São Paulo: Martins Fontes, 2008.
LARA, Larissa Michele. Dança: dimensão Sagrada ou Profana. Conexões: revista da Faculdade
de Educação Física da UNICAMP. v. 1, n 2, p 94-107, dez.1999.
MONREAL, Francisco Torres. El teatro y lo sagrado de M, de ghelderode a F. Arrabal. Murcia:
Universidad de Murcia, Servicio de Publicacions, 2001. MOYA.
150
ANTROPOLOGIA, HISTÓRIA E DANÇA: ETNOGRAFIA NO “BAILADO
NACIONAL” E NA “DANÇA AFRO BRASILEIRA”
Maciel Ferreira de Lima
sheltermaciel132@gmail.com
151
aos terreiros de Candomblé (pesquisa de campo – etnografia), sendo conhecida como a
pioneira da dança afro-brasileira.
O fazer etnográfico já compõe trabalhos de diversos grupos de dança, como no
Ballet Stagium de São Paulo, o Grupo Corpo de Minas Gerais, o Balé Folclórico da Bahia
de Salvador, e artistas pesquisadores como Graziela Rodrigues (2003) (Método BPI –
Bailarino-Pesquisador-Intérprete) e Sylvie Fortin (2009) (etnografia e autoetnografia
para a pesquisa artística).
Em suma, identifico a importância da abordagem etnográfica como fórmula pos-
sível de desenvolver uma escrita artística científica, a partir da pesquisa de campo, ela-
borando suas próprias criações, desenvolvendo sistemas e métodos de danças e para a
dança.
REFERÊNCIAS
152
O CORPO COMO (DES)ORDEM DA IDEIA DE DISCIPLINA/CONTROLE
Marcio Dias Pereira
marciovale@uol.com.br
154
te pelas classes dominantes, entendendo como barreira teatral todas as técnicas que
utilizam do ilusionismo para provocar o entretenimento do espectador.
O autor desmistifica a separação que existe entre ator e espectador, juntando os
dois elementos no mesmo jogo de criação artística dentro do território dos sujeitos. O
ponto que nos interessa na técnica do teatro do oprimido de Boal é a possibilidade de
construção de saberes que envolvem histórias locais com os sujeitos que vivem aquelas
realidades. Ao trazermos as técnicas do teatro do oprimido de Boal para dentro da sala
de aula, conseguimos abordar os assuntos que cercam os alunos dentro de suas territo-
rialidades e, ao mesmo tempo, utilizamos como material cênico o que temos ao nosso
alcance, inclusive os corpos dos alunos; todos os integrantes são atores e espectadores
ao mesmo tempo, ou seja, todos assistem e fazem; e o mais importante, construímos
juntos com os alunos a possibilidade de reflexão social sobre a maneira em que vivem e
suas relações com os outros. Acreditamos que essa construção do conhecimento seja
capaz de desenvolver uma memória corpóreo-social nos alunos e que, ao mesmo tem-
po, os alunos consigam refletir sobre os conflitos e problemas sociais que circunscrevem
a Ilha e busquem no coletivo desenvolver possíveis saídas socioeducativas para as ques-
tões levantadas.
REFERÊNCIAS
BOAL, Augusto. O teatro do oprimido e outras poéticas políticas. 6.ed. Rio de Janeiro: Civiliza-
ção Brasileira, 1991.
DELEUZE, Gilles. Conversações. 1.ed. São Paulo: Ed. 34, 1992.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 4.ed. Petrópolis: Vozes,
1986.
LAVAL, Christian. A escola não é uma empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino público.
1.ed. São Paulo: Boitempo, 2019.
155
O TEATRO DO OPRIMIDO E A PERFORMANCE EM SALA DE AULA:
DISCUSSÕES E CRIAÇÕES ARTÍSTICAS SOBRE VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Aline Vasconcelos Barreto
aline.barreto@seducam.pro.br
houve, durante a Época Clássica, uma descoberta do corpo como objeto e alvo de
poder. Encontramos facilmente sinais dessa grande atenção dedicada ao corpo – ao
corpo que se manipula, modela-se, treina-se, que obedece, responde, torna-se hábil
ou cujas forças se multiplicam (FOUCAULT, 2014, p. 134).
Nossas instituições escolares são os primeiros locais onde acontecem esse pro-
cesso de castração dos corpos, onde primeiramente somos ensinados a nos portar e
comportar como um todo, esquecendo-se assim, da nossa individualidade. Louro (2014)
compartilha um relato da sua experiência na instituição escolar, relato esse que é co-
mum na vida de muitas estudantes.
Minhas lembranças escolares parecem menos duras. Mas hoje tenho consciência de
que a escola também deixou marcas expressivas em meu corpo e me ensinou a usá-
lo de uma determinada forma. Numa escola pública brasileira predominantemente
feminina, os métodos foram outros, os resultados pretendidos eram diversos. Ali
156
nos ensinavam a sermos dóceis, discretas, gentis, a obedecer, a pedir licença, a pe-
dir desculpas (LOURO, 2014, p.68).
É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser
transformado e aperfeiçoado. [...] Nesses esquemas de docilidade, em que o século
XVIII teve tanto interesse, o que há de tão novo? Não é a primeira vez, certamente,
que o corpo é objeto de investimentos tão imperiosos e urgentes; em qualquer soci-
edade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem
limitações, proibições ou obrigações (FOUCAULT, 2014, p.117).
Durante todo esse processo, passei a olhar para minha história perceber as cas-
trações que meu corpo feminino teve que passar ao longo do tempo, os processos de
docilização que fui vivenciando, muitas vezes sem perceber. Partindo disso, optei por
levar para a da sala de aula a discussão sobre gênero e por meio da performance e do
teatro do oprimido, trabalhar questões acerca dos corpos, sobretudo dos corpos femini-
nos e fazer um regate das histórias de tantas mulheres que nos rodeiam, buscando dar
visibilidade a elas.
Em nossas primeiras discussões e criações artísticas, as temáticas sobre violência
contra a mulher, assédio, machismo, gordofobia e violência psicológica foram as que
mais se fizeram presentes nas seis turmas onde a pesquisa é realizada. A partir disso,
iniciamos um processo de sensibilização na escola titulado “Sinta seu poder!”, no qual
confeccionamos duas caixinhas e as colocamos nos banheiros femininos, a primeira con-
tendo objetos de higiene íntima, a segunda contendo bloquinhos e canetas e funcionava
como uma espécie de lugar de desabafo, onde umas respondiam as outras e tentavam
de algum modo se ajudar e fortalecer o a relação entre as meninas. Sobre essa sensibili-
zação, uma aluna diz:
Nós queríamos ajudar a diminuir as barreiras que muitas vezes são impostas entre
nós mulheres, essa ideia de que precisamos umas ser melhores que as outras, essa
rivalidade feminina que a sociedade impõe. Nós entendemos que passamos pelos
mesmos problemas, por opressões apenas pelo fato de sermos mulheres, por isso,
157
precisamos nos unir, ser um refúgio para as que precisam, ter empatia entre nós
(S.L).
Nosso corpo, desde seu nascimento anseia por liberdade. Infelizmente, essa li-
berdade nos é constantemente negada sempre que você difere do que a sociedade toma
como “normal” e “aceit|vel”. Enquanto mulher, tive essa liberdade barrada (e ainda te-
nho) por incontáveis vezes. Trazer a discussão para a sala de aula sobre a violência de
gênero e as tantas opressões que sofremos ao longo do nosso dia a dia é importante
para rompermos com essas barreiras que enfrentamos, para percebê-las e juntas bus-
carmos maneiras de superá-las.
Neste momento, a pesquisa segue seu percurso de finalização, onde nos encon-
tramos envolvidas em um processo de criação artística performática de resgate das his-
tórias femininas que marcaram e marcam a vida das estudantes e dos estudantes, de
modo a trazer para a cena principal essas que por tanto tempo ficaram nos bastidores.
REFERÊNCIAS
158
POEMA, VOZ E CANÇÃO: POÉTICAS VOCAIS NO EXPERIMENTO DA
CANÇÃO “SAUDADE”
Danielle Rosa
Daniele Cristina Oliveira
daniellerosa@teatroficina.com.br
35
Sertão Profundo é uma expressão que foi criada por Elomar Figueira. Ela faz referência a um sertão dou-
tra dimensão. São os territórios da fantasia desejada.
159
dades e linguagens artísticas na minha prática enquanto atriz-poeta-cantora com foco
num experimento realizado com o poema-canção. Foi escolhido para o TCC o estudo de
caso por se tratar de um método de análise com riqueza de detalhes, experiências e prá-
ticas. Assim analisei a minha própria performance no estudo com o poema-canção.
Propus realizar um experimento com a canção Saudade, partindo do texto - o po-
ema, com exercícios de leitura, apreensão do texto, criação imagética das cenas, segui-
do de exercícios vocais, de emissão de sons, solfejos e cantos, como também exercícios
corporais de alongamento, relaxamento e postura, de criação musical com as palavras,
frases e rimas, desconstruindo e retomando a sua ordem. Após o trabalho com o poema,
escutei diversas vezes a canção na versão do grupo Barros e a partir disso estudei indivi-
dualmente e com o musicista Claúdio Loureiro (que foi também a minha dupla no curso
de canto) a canção como ela foi registrada inicialmente. Fez parte durante o processo,
realizar duas apresentações no teatro do ETA – Estúdio de Treinamento de Atores que
foi registrada em vídeo, onde pude exercitar juntamente com o público o canto e cena
com a canção. Também foram gravadas no estúdio da FASM – Faculdade Santa Marce-
lina duas versões da canção, a primeira um registro solo e a segunda um registro com
meu colega musicista Cláudio Loureiro também no vocal.
Neste estudo de caso, com o poema-canção Saudade, a poesia ofereceu à atriz-
poeta-cantora que vos fala todas as pistas de suas ações, foi a poesia quem indicou os
caminhos, as escolhas como, por exemplo, o imaginário, propostas de figurinos, adere-
ços, paleta de cores, pois é através dela que se move. O que está na base deste estudo é
a voz cantada, foi a partir e através dela que eu, a atriz-poeta-cantora, me expressei,
partindo do texto, o poema falado, transformando-o em canto para encanto.
Propus um Laboratório de Experimentação36 para o estudo e pesquisa com o po-
ema-canção, os procedimentos metodológicos a partir daí, seguiram um “trançado de
teias37”, composto por três eixos, onde cada item esteve interligado e alimentava o ou-
tro na fase seguinte. Três eixos principais fizeram parte desse trançado como linhas que
ora se amarravam, ora se afrouxavam no processo de criação da performance. São eles:
a memória, a vivência e a projeção.
Poema, Voz e Canção: Poéticas Vocais no experimento da canção Saudade é o
terceiro mapa da minha pesquisa atual de Mestrado em Artes pela Unesp, em que me
proponho uma cartografia (Deleuze, Guattari, 1995) a partir de alguns mapas de proces-
sos artísticos nos quais vivenciei e vivencio. Para isso tenho como referência o livro Pis-
tas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade, de
36
Local para a criação.
37
Imagem de uma grande teia de palavras que se encontram e se cruzam com um objetivo.
160
Passos, Kastrup e Escóssia.
Para a apresentação deste seminário fiz um recorte apenas desse terceiro mapa
da minha pesquisa para exercitar o que venho fazendo em meu processo cartográfico,
retornar à experiência (LARROSA) a partir do que a memória me permite e inicialmente
relatar os processos.
Retornando ao princípio, novamente leio os poemas, escuto as versões, vejo e
ouço a versão em vídeo, leio tudo que escrevi até aqui, ainda não respondi minhas per-
guntas iniciais, mas sinto que tracei alguns caminhos possíveis para a minha cartografia.
É a minha própria prática artística, minha própria poética com maior clareza e definição
das etapas.
No caminho encontrei formas de falar-cantar o poema/canção, misturando canto e
fala, sílabas entoadas, palavras faladas, sussurradas em cantos suaves e fortes. Creio que
tudo está na poesia, todas as pistas. É ela quem nos dá as possibilidades de uma vocalida-
de poética (LOPES) para fala-canto e todos os outros elementos presentes na cena.
Partindo da menor dimensão, do estudo de cada verso até o poema completo,
um universo de possibilidades está presente pedindo apenas que se abra a escuta sensí-
vel de cada sílaba, para cada nota que possa fazer nascer uma melodia.
Como atriz-poeta-cantora desse projeto me sinto feliz em ter chegado até aqui,
isso me renova o desejo em realizar este estudo com outras obras e profissionais para
poder mergulhar ainda mais nas entranhas do canto-fala, fala-canto, ampliar o repertó-
rio e desvendar ainda mais mistérios.
Abaixo, versão 1 (apenas mixada sem masterização) da canção Saudade compo-
sição de Carlos Barros do Grupo Barros da região de Vitória da Conquista-Ba pela Atriz-
Poeta-Cantora Danielle Rosa e o musicista Cláudio Loureiro.
https://soundcloud.com/danielle-rosa-9/saudade-1
REFERÊNCIAS
BONDIA, Jorge Larrosa. Notas sobre experiência e o saber de experiência. In: Revista.
LOPES. Sara. Do canto popular e da fala poética. Sala preta. São Paulo: Departamento de artes
cênicas - eca - usp, n.7, 2007. 265 p.
PASSOS, E.; KASTRUP, V.; ESCÓSSIA, L. (Org.). Pistas do método da cartografia: Pesquisa-
intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2020.
FONOGRAMA
BARROS, Grupo. Primeiro Querer. Vitória da Conquista (BA): 1991. 1 Disco. Lado A/B. (36 minu-
tos).
161
A LUZ EM PROCESSO E O PROCESSO ATIVO DA LUZ: MODOS DE CRI-
AÇÃO NA ILUMINAÇÃO CÊNICA BRASILEIRA
Francisco Moreira Turbiani
f.turbiani@gmail.com
É importante ressaltar que a ideia de método, como está sendo colocada nesse pri-
meiro momento, n~o est| ligada ao conceito de ordem, em oposiç~o { ‘bagunça’,
nem à ideia de rotina rígida e fixa. É comum ver uma postura dos artistas, quase ra-
dical, quando indagados sobre seu ‘método’. Enfatizam que n~o s~o organizados
(SALLES, 2013, p. 65).
Mais do que procurar definir um modo específico de criação, esta pesquisa pro-
põe aprofundar o entendimento dos possíveis caminhos metodológicos da criação com
luz, abordando procedimentos e estratégias que possam dialogar com diferentes con-
textos artísticos-culturais do país. Busca-se contribuir para o aprofundamento do conhe-
cimento sobre como criam e como pensam iluminadores/as brasileiros/as/es, fortale-
cendo o reconhecimento da iluminação como área criativa.
REFERÊNCIAS
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Decreto nº 64.881. Documento que declara quarente-
na no estado de São Paulo, no contexto da pandemia do COVID-19. 2020. Disponível em:
<https://www.saopaulo.sp.gov.br/wp-content/uploads/2020/03/decreto-quarentena.pdf>. Aces-
so em: 23 ago 2021.
LIGHTING STUDIO. Canal Lighting Studio. Canal de entrevistas com iluminadores sediado na
plataforma Youtube. 2020. Disponível em:
<https://www.youtube.com/channel/UCXkg9fxW8eYtfjug7FGMSyQ>. Acesso em: 02 de julho de
2021.
SALLES, C. A. Gesto inacabado: processo de criação artística. 6ª. ed. São Paulo: Intermeios,
2013.
TURBIANI, Francisco Moreira. A luz em processo: um mergulho na criação de Guilherme Bon-
fanti na Trilogia Bíblica do teatro da Vertigem. 2021. 232 f. Dissertação (Mestrado em Artes Cê-
nicas) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021.
164
EMPREENDEDORISMO TEATRAL: NOVAS FORMAS DE PRODUÇÃO
NO TEATRO CONTEMPORÂNEO
Thainan da Silva Rocha
thainanrocha.edu@gmail.com
Eu acho que a tradição do teatro no Brasil é a dos atores se empresarem. [...] É que
faz parte da memória teatral brasileira, do ator brasileiro, para ter mercado de tra-
balho, ele se auto-empresar. [...] Dulcina já fez isto, Jaime Costa, Procópio Ferreira,
Itália Fausta, Bibi, Eva. [...] O TBC é que definiu uma estrutura empresarial. É um
louco e rico empresário que quis promover a cultura europeia, num mecenato, num
processo que não tem nada a ver com a realidade e a herança do teatro brasileiro.
Porque na primeira oportunidade vai sair cada um para a sua tenda. E abrir aquela
linha, continuar essa herança. Isto é a raiz do teatro brasileiro, boa ou má (BRAN-
DÃO, 2002, p. 11).
166
vos para melhor preparar artistas na sua trajetória como empreendedores, aspecto in-
dissociável da sua identidade social no mundo capitalista. Num momento em que as
epistemologias artísticas têm sido exploradas para avançar o mundo corporativo, nos
reapropriar destes métodos a nosso favor é um fazer revolucionário. Precisamos de mo-
bilização, aliança e criatividade para fazer frente à precarização das nossas vidas.
REFERÊNCIAS
BAUMOL, W.J.; BOWEN, W.G. On the performing arts: the anatomy of their economic pro-
blems. The American Economic Review, v. 55, n. 1/2, p. 495-502, mar. 1965
BRANDÃO, Tânia. A máquina de repetir e a fábrica de estrelas: Teatro dos Sete. Rio de Janei-
ro: 7Letras, 2002.
FRIQUES, Manoel. Tramas dramáticas: as redes teatrais brasileiras entre o sistema moderno e o
sistema de indicadores. Urdimento, v. 2, Florianópolis: UDESC, p. 519-541, 2018.
ROCHA, Thainan. Mercado Teatral, Formação e Carreira: estratégias para viver de teatro em
Porto Alegre (2010-2020). Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) — Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2022.
TORRES NETO, Walter Lima. Ensaios de Cultura Teatral. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.
167
A EXPERIÊNCIA DO REAL NO TEATRO: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE
A PARTIR DE UM DESLOCAMENTO HISTÓRICO
Giovanna Galisi Paiva
gi.paiva@gmail.com
1) uma que, principalmente, toma o real como elemento temático, isso é, sua pro-
posta inicia a inovação na própria dramaturgia textual, no arrolamento de materiais,
de documentos e no seu agenciamento pela criação dramatúrgica; 2) e uma segun-
da, que privilegia o real como matéria da experiência na cena, o real como aconte-
cimento, como irrupção no tecido ficcional (BULHÕES-CARVALHO, CARREIRA,
2013, p.37).
38
“No olhar teórico de Saison, o “real” tem presença própria sem nenhuma mediação, daí o seu conceito
de effraction, irrupção direta da própria realidade sobre a cena.” (CABALLERO, 2011, p.45).
168
eclosão dessas propostas poéticas se fundamenta em um fenômeno contemporâneo ou
se podemos observá-las em outros contextos históricos. Partindo de uma análise elabora-
da pela teórica alemã Erika Fischer-Lichte (2012), a irrupção do real, mesmo se apresen-
tando uma ocorrência marcante na produção teatral atual, não se restringe a um aspecto
contempor}neo. A presença da vida sempre esteve em cena: “quaisquer que sejam os
lugares e os momentos nos quais o teatro acontece, ele sempre se caracteriza por uma
tens~o entre realidade e ficç~o” (FISCHER-LICHTE, 2013, p. 14). Segundo a autora, o que é
decisivo no teatro é que, independentemente da intensidade da ficção, ele comumente
acontecerá no momento presente por corpos presentes. Pode se dizer que esse afeto39
decorrente da afirmação do real é um elemento inerente ao teatro e mesmo em diferen-
tes poéticas há um estudo de como esse real se desdobra na cena. A partir desse estudo
são feitas determinadas escolhas que constituem diferentes projetos estéticos: pode-se
escolher por mascarar ao máximo essa tensão por meio de artifícios que garantam a ilusão
ou, pelo contrário, pode-se buscar assumi-la como uma maneira de potencializar a própria
poética (Leite, 2017).
Seguindo a ideia de que o real é inerente à cena, apresentando-se ou como ten-
são ou como irrupção, a pesquisa pretende investigar de que maneira a chave de leitura
teórica acerca da experiência do real no teatro proposta na contemporaneidade nos
permite analisar outro tempo histórico. O recorte elencado para estudo de caso parte
dos mistérios da paixão medieval e das torturas reais em que o ator que interpretava
Cristo era submetido, chegando, em alguns casos, a ter de interromper a representação
(Fischer-Lichte, 2013). A autora Margot Berthold, uma das principais referências no es-
tudo da História do Teatro, sublinha o horror das torturas na cena da Crucifixão na Pai-
xão de Alsfeld:
Do ator que representava Cristo exigiam-se esforços físicos tremendos. Ele tinha de
se deixar puxar, empurrar, arrastar e bater, e sofrer uma violência não muito menor
do que era comum numa execução em seu próprio século, XIV ou XV. (BERTHOLD,
2014, p.215)
Será investigado como o conceito de irrupção do real pode ajudar a elucidar al-
guns elementos que estavam encobertos nesse contexto histórico e como esse deslo-
camento de análise pode trazer novas possibilidades de construção para as poéticas do
real e sua recepção na fruição de um espetáculo teatral. É possível delinear certos limites
para compreender até que ponto essa presença do real pode ser analisada a partir dos
aspectos ligados a sua teatralidade e performatividade, e onde que se faz necessária
uma análise histórica para compreendê-la? Entre os principais objetivos do trabalho está
39
O conceito de afeto que uso aqui parte do conceito espinosista: “Por afeto compreendo as afecções do
corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída” (Ética III, Def 3).
169
a apresentação da discussão atual da presença do real no teatro contemporâneo e a dis-
tinção das diferentes teorias propostas; a contextualização e análise das tensões éticas e
estéticas presentes nas cenas reais de tortura dos mistérios da paixão medieval; a reali-
zação de um levantamento bibliográfico acerca da poética elencada como objeto de
estudo e, por fim, a reflexão de como a experiência do real no teatro em outro contexto
histórico que não o contemporâneo pode auxiliar na construção de novas formas de se
trabalhar o real como potência poética atualmente. Levando em conta esses objetivos,
considero que a principal contribuição da pesquisa é teórica, mas que também pode co-
laborar para a prática artística. O trabalho também visa ampliar o acesso à bibliografia
acerca dos mistérios da paixão medieval visto que há poucos trabalhos que abordam
esse recorte traduzido para o português.
REFERÊNCIAS
170
AUTOFICÇÃO NO TEATRO LATINO-AMERICANO: REFLEXÕES POSSÍ-
VEIS PARA UMA PRÁTICA DECOLONIAL
Rafaela de Mattos
rafamattos888@gmail.com
Não há uma busca pela verdade explícita, tampouco uma intenção de dizer a verda-
de. Existe, porém, uma necessidade, senão um fardo, de dizer o autobiográfico e, a
partir dele, problematizar o real e o ficcional. O resultado final, como dito, é muito
similar: uma fluidez visível nas fronteiras que divisam autobiografia e ficção (LIMA,
2017, p. 191).
40 Mignolo enumera alguns nós histórico-estruturais que engendram uma estrutura colonial operante. O
último nó elencado pelo autor apresenta “Uma concepção particular do “sujeito moderno”, uma ideia do
homem, introduzida no Renascimento europeu, se tornou o modelo para o humano e para a humanidade,
e o ponto de referência para a classificação racial e o racismo global” (2017, p. 11-12).
171
desse sistema. Considerando que as ficções atuaram e atuam como argumento de um
sistema exploratório e genocida que perdura, a pesquisa levanta alguns questionamen-
tos, como: qual a viabilidade de se valer das ficções como modo de tencionamento da
estrutura hegemônica? Como Fabular41 outras possibilidades do real a partir do ficcio-
nal? Qual o limite entre realidade e ficção em um processo autoficcional e qual o impac-
to dessa fricção na cena teatral latino-americana? Quais são as diferentes concepções de
decolonial nas práticas teatrais da América Latina?
Diante dessas premissas, a pesquisa opta por direcionar a investigação para dois
grupos teatrais latino-americanos. Os grupos investigados ainda não foram confirmados
em um primeiro contato entre a pesquisadora e os integrantes, portando se opta por não
identificar os coletivos no presente resumo. Estando em acordo com ambos os grupos, a
pesquisa irá averiguar o engajamento da autoficção nas práticas teatrais da América Lati-
na; observar os processos de composição dramatúrgica desses coletivos; documentar as
vivências e relatos obtidos a partir de uma prática de observação; e estabelecer articula-
ções entre as práticas dos coletivos investigados com a perspectiva decolonial.
Para Mignolo, a opç~o decolonial “[...] significa, entre outras coisas, aprender a
desaprender” (MIGNOLO, 2008, p. 290), ou seja, é parte essencial do processo decoloni-
al reconhecer as esferas que estabelecem o colonialismo e o modo como esse nos atra-
vessa, interferindo nas nossas relações e ações no campo pessoal e social. Esse processo
extenso e contínuo nos possibilita, então, reeducar os modos de olhar e refletir o mun-
do. Por esse motivo, entende-se aqui a decolonialidade, sobretudo, como potência me-
todológica do trabalho, em um processo permanente e dialético que me provoque en-
quanto pesquisadora para que possa construir um caminho reflexivo e ampliar um cam-
po de debate nas Artes Cênicas.
A pesquisa se encontra ainda em desenvolvimento, sem resultados obtidos até o
presente momento. Acredita-se na viabilidade da mesma em cooperar com estudos vol-
tados às práticas autoficcionais na América Latina fornecendo insumos a pesquisas e
processos criativos futuros; além de documentar processos vivenciados por dois coleti-
vos teatrais contribuindo com a historiografia do teatro latino-americano; e valorizar as
epistemologias do sul, contemplando modos operantes outros, aliados a debates políti-
co-sociais, questões identitárias, e saberes locais.
41 Dodi Leal desenvolve no artigo “Fabulações Travestis sobre o fim” a possibilidade, senão a necessidade
de Fabular a partir dos (pós) do teatro. A ideia de fabulação desenvolvida por Leal nos alimenta a pensar a
urgência de assumir a calamidade de um sistema em colapso e elaborar, a partir das ruínas, modos outros
de teatralizar. A autoficção, nesse sentido, pode ser um processo de fabulação de cenários, narrativas e
desfechos outros para personagens já atuantes num contexto político social que as localiza reiteradamente
às margens do protagonismo e das posições de poder.
172
Por fim, o que a pesquisa pretende evidenciar é a possibilidade de fomentar prá-
ticas decoloniais no teatro argumentando em favor da autoficção como um meio poten-
te para impulsionar esse processo na América Latina.
REFERÊNCIAS
BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Políti-
ca, nº11. Brasília, maio - agosto de 2013, pp. 89-117.
LEAL, Dodi Tavares Borges. Fabulações Travestis sobre o fim. Conceição | Conception, Campi-
nas, SP, v.10, e021002, 2021.
LEITE, Janaina Fontes. Autoescrituras performativas: do diário à cena. Dissertação de Mestra-
do. Universidade de São Paulo, 2014.
LIMA, Ricardo Augusto de. Intersecções entre autoficção cênica e metateatro no teatro con-
temporâneo: zonas crepusculares. 2017. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-
graduação em Letras, Universidade Estadual de Londrina, Londrina.
MIGNOLO, Walter D. COLONIALIDADE O lado mais escuro da modernidade. Tradução de
Marco Oliveira. Revista Brasileira de Ciências Sociais - VOL. 32 N° 94, junho de 2017.
MIGNOLO, Walter D. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de iden-
tidade em política. Duke University, Universidad andina Simón Bolivar. Cadernos de letras da
uff – dossiê: literatura, língua e identidade, no 34, p. 287-324, 2008.
173
ARQUIVO: PAI.
Anderson José Caetano de Souza
caetano@edu.unirio.br
É preciso coragem para fazer amizade com a morte. Encontramos essa co-
ragem na vida através do amor.
Para Assman (2021), há – entre os vivos – uma espécie de obrigação dos familia-
res em tentar perpetuar a memoração respeitosa de seus entes. Trata-se de uma ação
que necessita de um trabalho com a recordação: é possível observar essa tendência com
e para trabalhos no campo das artes cênicas e performativas em procedimentos artísti-
cos que utilizam como campo de criaç~o o “real”, o document|rio, o depoimento e ar-
quivos, principalmente, voltados às lembranças daqueles que já se foram. Como exem-
plo, há a criação do biodrama, denominação dada pela encenadora argentina Vivi Tellas
para suas concepções que envolvem, principalmente, o núcleo e as memórias familiares
como base primordial da criação; e, no Brasil, a pesquisadora Janaina Leite, que se de-
bruça na investigação e na criação de documentos para/com a cena performativa auto-
biográfica, concebendo espetáculos como Conversas com meu pai e Stabat Mater, em
que o arquivo pessoal e familiar torna-se condutor da encenação. A partir disso, é possí-
vel observar que as performances e o teatro performativo envolvem-se cada vez mais
com elementos autobiográficos dos performers.
Essa escrita nasce com a morte do meu pai. Foi em 11 de janeiro de 2021, às
9h30. Na volta para casa, ele bateu com o carro no muro de uma antiga fábrica de cerâ-
mica. Aos poucos, mesmo sem saber o porquê, fui juntando os rastros, guardando arqui-
vos, coletando: arquivar, procurar e encontrar rastro sobre meu pai, nossa relação, mi-
nha família com fotografias, áudios, escritos, documentações oficiais ou não. Eu ainda
não sabia exatamente o porquê. O impulso do arquivo, para mim, nasce ali.
A partir de uma pesquisa em arte, teço uma investigação do uso de arquivos pes-
soais como catalisadores no campo das autoescrituras performativas, investigando e
problematizando questões acerca de tal prática. Sobretudo, trata-se de compreender a
partir do fazer artístico e da ativação de documentos sobre meu pai, como o arquivo
pessoal – que pertence à esfera social e política da intimidade – agrega e potencializa o
campo de práticas performativas e cênicas.
174
Dessarte, convoco o termo “arquivo pessoal” para rastros documentais que per-
tencem a um núcleo privado do sujeito e que sofreram, de algum modo, o efeito de serem
“arquivados” e, posteriormente, serviram como dispositivos cênicos. Arquivar e utilizar tal
material com e para criação artística trata-se, sobretudo, de recortar, construir e destruir
fronteiras da documentação (BRAGA, 2016). Ao seguir as possíveis estratégias de um ar-
tista que trabalha com projetos em que o verbo “arquivar” é condutor do fazer, questiono-
me sobre quais modos e pensamentos guiarão a organização dos arquivos pessoais.
Em um dos encontros do grupo de pesquisa Práticas Performativas Contemporâ-
neas, certificado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq)42, Lula Wanderley foi um dos convidados e, em sua fala, o artista comentou so-
bre a urgência em aproximar a arte da vida em tempos e espaços de crises: acredito que
o trabalho com arquivos pessoais está nessa fronteira borrada entre arte e vida e, por
isso, cumpre um papel importante de questionamento no campos das artes cênicas e
performativas. Rolnik (2009) observa e questiona o poder poético, político e inventivo de
produções nesses moldes. A pesquisadora nomeia esse movimento como “furor de ar-
quivo” e aponta que o uso de documentos pessoais como dispositivos artísticos tenha
como pilar um movimento de devolver ao passado os futuros que foram soterrados.
A partir da minha documentação sobre meu pai e dialogando com essas ques-
tões, a pesquisa é executada em estado artístico, descobrindo com meus próprios pro-
cedimentos e processos, sendo movida em arte, em poética de construção: eu, enquan-
to artista e pesquisador, estou em “[...] voltas com o processo de instauração da pesqui-
sa, acabando por processar-se a si mesmo, coloca-se em processo de descoberta”
(REYS, 1996, p. 86). De tal forma, levanto suportes teóricos que possam auxiliar em uma
construção cênica autobiográfica e/ou documental em que os meus arquivos pessoais
em relação ao meu pai sejam movedores de uma escritura artística.
A procura por produzir em arte com arquivos pessoais sobre meu pai é, acima de
tudo, uma tentativa de não o esquecer.
REFERÊNCIAS
42 O encontro citado ocorreu no dia 18 de fevereiro de 2022, de forma virtual. Lula Wanderley é artista
visual e psiquiatra. Com Nise da Silveira, trabalhou no Museu de Imagem do Inconsciente e contribuiu com
a pesquisa de Lygia Clark com os Objetos Relacionais. É criador do Espaço Aberto ao Tempo, projeto que
desenvolve acolhimento às pessoas com sofrimento psíquico.
175
FABIÃO, Eleonora. Programa-Performativo: O corpo-em-experiência. Revista do Lume, Nú-
cleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais-Unicamp, nº 4, dez. 2013. Disponível em:<
https://www.cocen.unicamp.br/revistadigital/index.php/lume/article/view/276>. Último acesso
em: 20 DE set. de 2022.
LEITE, Janaina F. Autoescrituras performativas: do diário à cena. Perspectiva. São Paulo, 2017.
REY, Sandra. Da prática à teoria: três instâncias metodológicas sobre a pesquisa em poéticas
visuais. Porto Arte: Revista de Artes Visuais, Porto Alegre, v. 7, n. 13, p. 81-95, 1996.
ROLNIK, Suely. Furor de arquivo. Arte & Ensaios, [S. l.], v. 19, n. 19, p. 96-105, 2009.
RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Tradução: Alain François. 9ª edição.
Editora da Unicamp, 2020. Campinas-SP.
ROLNIK, Suely. Pensamento, corpo e devir: Uma perspectiva ético/estético/política no traba-
lho acadêmico. Palestra proferida no concurso para o cargo de Professor Titular da PUC/SP,
realizado em 23/06/93, publicada no Cadernos de Subjetividade, v.1 n.2: 241-251. Núcleo de
Estudos e Pesquisas da Subjetividade, Programa de Estudos Pós Graduados de Psicologia Clíni-
ca, PUC/SP. São Paulo, set./fev. 1993. Disponível em:
<https://cadernosdesubjetividade.wordpress.com/about/>. Último acesso: 20 de set. de 2022.
176
DO ON-LINE AO PRESENCIAL: O TRABALHO DE DRAMATURGISTA NA
FORMAÇÃO DO DOCENTE DE TEATRO EM TEMPOS PANDÊMICOS
Maria Fernanda Nascimento dos Santos
fernanda.nascimentos@ufpe.br
43
Originária do Reino Unido, nessa metodologia, estudantes e docente criam, coletivamente e de maneira
processual, uma dramaturgia a ser vivenciada pelos próprios estudantes.
177
túrgica compartilhada entre o docente e os estudantes. No que diz respeito aos apon-
tamentos do professor-dramaturgista, ela discorre sobre o papel de coordenar, de pro-
por ações e intervenções para a cena, além de identificar e de selecionar aspectos do
texto para a encenação, destacando que, no drama:
Dessa forma, esta pesquisa tem como objetivo geral ampliar o entendimento so-
bre o trabalho do professor-dramaturgista na formação do docente de Teatro. Como
objetivos específicos: observar as duas experiências teatrais distintas de práxis pedagó-
gica, uma on-line e a outra presencial; comparar as ações da docente-dramaturgista so-
bre os trabalhos realizados em sala de aula; e averiguar a percepção dos alunos sobre o
trabalho de dramaturgismo desenvolvido no processo de criação.
Com base nas questões do dramaturgismo (DANAN, 2010; SARRAZAC, 2012) e
da metodologia do drama no âmbito da Pedagogia do Teatro, investiga-se a sala de aula
de Teatro como um lugar de construção compartilhada, buscando uma experiência da
dramaturgia viva para os alunos, na qual o docente assume a função de dramaturgista.
Na tese de Antônio Luiz Gonçalves Junior (2019), percebe-se que a ideia de movimento
criativo e de construção de sentido relacionada ao texto é posta como um elemento
fundante da teatralidade:
178
cumentos (fotos, vídeos, anotações etc.) que, de algum modo, registrem os trabalhos
realizados, serão feitas entrevistas com os discentes participantes, a fim de aprofundar
as informações sobre o objeto de estudo. Com isso, terá início a análise dos dados levan-
tados, colocando em perspectiva as funções de dramaturgista realizadas pela docente-
pesquisadora que coordenou os dois processos criativos em foco.
Com o encaminhamento da pesquisa, que está em fase inicial, serão tratadas as
noções que envolvem o processo dramatúrgico em sala de aula, as ações do docente-
dramaturgista e as reflexões sobre o entendimento dos discentes envolvidos. Serão ob-
servados os aspectos estruturais de dois processos artístico-pedagógicos, sendo um on-
line e outro presencial, a fim de ampliar o entendimento sobre o trabalho do docente-
dramaturgista na formação do docente de Teatro. Os resultados deste estudo serão
apresentados em um artigo científico.
REFERÊNCIAS
CABRAL, Beatriz, A. V. Drama como método de ensino. São Paulo: Hucitec, 2006.
DANAN, Joseph. Mutações da dramaturgia – tentativas de enquadramento (ou desquadra-
mento). In Revista Moringa, vol 1, n.1, pp. 117 – 123. João Pessoa: UFPB, 2010.
GONÇALVES JUNIOR, Antonio Luiz. O dramaturgista no processo colaborativo de criação
cênica: pensamento crítico em gesto. 2019. 238f. Tese (Doutorado) Escola de Comunicações e
Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.
SARRAZAC, Jean-Pierre. (org.). Léxico do drama moderno e contemporâneo. Tradução André
Telles. São Paulo: Cosaznaify, 2012.
179
TRAVESSIAS POÉTICAS DA CENA NEGRA: UM ESTUDO SOBRE A TRA-
JETÓRIA CÊNICA DO GRUPO TRAVESSIA
Washington de Paula e Silva
washingtondepaula@ufu.br
Toda a produção artística do Travessia e o seu legado para o teatro negro no inte-
rior paulista está registrado atualmente em pesquisas esparsas no âmbito das Ciências
180
Sociais. Objetivamos desvelar o percurso artístico, a cena, as proposições estéticas, rup-
turas cênicas e a presença do artista negro no teatro desenvolvido pelo Travessia.
A metodologia idealizada para a realização da pesquisa está baseada no campo
da historiografia teatral. Pretende-se utilizar métodos que propiciem uma visão abran-
gente do objeto de pesquisa. A cena e sua efemeridade nos apresentam algumas barrei-
ras no ato de documentar e transpor sua essência em palavras. Serão utilizadas três
abordagens metodológicas para que possamos ter acesso a múltiplas fontes e assim nos
aprofundarmos na cena, na produção e no pensamento do Grupo Travessia. Brandão
(2001) em sua extensa pesquisa na historiografia teatral versa sobre as dinâmicas e par-
ticularidades da escrita do teatro, afirma que:
Em primeiro lugar, não está mais em pauta a mera análise dos textos das peças ou
de outras materialidades nobres e incontestes que possam permanecer ao lado e
adiante da cena, mas, antes, é preciso estabelecer os vestígios que desvelem o fato
teatral e fixar uma tipologia das fontes para o estudo do teatro, abrangendo, além
dos impressos e manuscritos diretamente ligados à dinâmica da montagem, os jor-
nais, as fontes orais e os documentos orais, as imagens, as fotos, os vídeos, os fil-
mes e documentos iconográficos diversos (BRANDÃO, 2001, p.203).
181
de. As abordagens iniciais desta pesquisa nos indicam que o Travessia sofre um processo
correlato de apagamento de sua história. Atualmente, a pesquisa encontra-se em pré-
análise documental, documentos obtidos no Arquivo Público e Histórico de Ribeirão
Preto, com o intuito traçar um plano de trabalho para a próxima etapa metodológica e
elaborar hipóteses a serem confirmadas ou descartadas no desenvolvimento do estudo.
REFERÊNCIAS
BRANDÃO, T. Ora, direis ouvir estrelas: historiografia e história do teatro brasileiro. Sala Preta,
[S. l.], v. 1, p. 199-217, 2001. Disponível em:
<https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/57025> Acesso em: 04 maio. 2022.
LIMA, E. T. Um olhar sobre o teatro negro do Teatro Experimental do Negro e do Bando de
Teatro Olodum. 2010. 300f. Tese (Doutorado)- Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
SP, 2010.
SOUZA, S. L. Narrativas da negritude: As experiências do Grupo de Cultura e Arte Negra Traves-
sia e do diretor teatral Pedro Paulo da Silva. Anais do SILIAFRO EDUFU, v 1, n.1, p. 563-611,
2012.
182
A PRÁXIS DA MEDIADORA TEATRAL
Maria Eduarda Costa Forti
maeducforti@gmail.com
Esta pesquisa partiu do princípio de que a mediação teatral, como pedagogia pa-
ra formação de espectadores fluentes na linguagem teatral (DESGRANGES, 2008), de-
pende da aç~o de um mediador ou mediadora. Sendo um “processo educativo que opor-
tuniza a participaç~o do público em uma aç~o pedagógica e artística [...]” (NININ, 2020,
p.34), a partir da minha experiência como licencianda em teatro e minha práxis como
mediadora teatral, pergunto: como defender uma mediação que valorize a relação esté-
tica e dialética entre público e obra (ibidem, p.22) e também sirva à prática de uma edu-
cação libertadora? Buscando responder a essa questão, observei como o desenvolvi-
mento de uma metodologia específica de formação e práxis da mediadora teatral influ-
enciaram em minhas ações de mediação realizadas ao final do período de um ano de
pesquisa, de agosto de 2021 a agosto de 2022, e quais foram os resultados dessas ações
com o público mediado. A pesquisa levou em consideração a práxis enquanto relação
entre prática e teoria, em que uma se alimenta e se baseia na outra; sendo esta, um mo-
tor metodológico que possibilitou englobar as diversas vivências de uma mediadora tea-
tral: como espectadora, artista, estudante, pesquisadora.
Para desenvolver esta práxis, baseei-me, principalmente, nos escritos de Roberta
Ninin (2020) e Ney Wendell (2013) sobre mediação teatral e busquei experienciar ao má-
ximo a prática de suas metodologias propostas, com liberdade para fazer as adaptações
necessárias de acordo com os diferentes contextos em que me encontrei. O primeiro
semestre de pesquisa ocorreu de forma remota, devido à necessidade de isolamento
social por conta da pandemia de Covid-19. Nele, dei enfoque à formação abrangente da
mediadora teatral, uma atividade contínua em minha práxis, com vista à mobilização de
minhas competências estéticas e pedagógicas que se deu através de leituras sobre me-
diação teatral, da participação no Grupo de Estudos em Mediação Teatral (vinculado à
FAP/UNESPAR) e do desenvolvimento de exercícios críticos de leitura de obras de arte
(NININ, 2020); assistindo a peças e buscando fundamentações teóricas para relacionar
os elementos estéticos nelas identificados a possíveis propostas de mediação.
O segundo período da pesquisa, que ocorreu de forma presencial, iniciou com a
escolha da obra teatral a ser mediada: a peça Crianças Selvagens, da Selvática Ações
183
Artísticas (Curitiba/PR); um cabaré para todas as idades. Pensando o cabaré como um
teatro que depende da “participaç~o ativa e cúmplice do público” 44, que abre espaços à
sua autonomia e que o convida a jogar, é inevitável perceber a relação daquele com a
proposta de mediação buscada. Assim, a decisão tomada por mim nessa “curadoria pe-
dagógica” (NININ, 2020, p.89) prezou por uma obra que pudesse potencializar os objeti-
vos da mediação proposta, auxiliando o público na conquista por autonomia como es-
pectador e convidando-o a jogar com os elementos da obra.
Dediquei-me, então, à pesquisa sobre a Selvática e à observação e participação
no processo de criação do coletivo. Junto à Profª. Drª. Roberta Ninin, minha orientadora,
escolhemos o público com o qual realizar a mediação: o grupo de professoras do Centro
Juvenil de Artes Plásticas de Curitiba. A escolha deste público possibilitaria que minhas
ações propostas repercutissem em duas frentes de ação: a primeira - mediação com o
grupo de professoras - potencializando-as enquanto espectadoras; a segunda - compar-
tilhamento da metodologia para mediação - capacitando-as como professoras mediado-
ras para realizar mediações com seus e suas estudantes.
Escolhido o público, elaborei, finalmente, a proposta de mediação teatral a ser
desenvolvida com as professoras. Essa proposta baseou-se na divisão das atividades em
três encontros: um antes, um durante e um depois da ida ao teatro com o público, e na
organização dessas atividades por meio da criação de um Caderno de Mediação (WEN-
DELL, 2013), um material educativo que apresenta de forma did|tica as “propostas de
mediação antes, durante e depois da ida ao teatro [...], apoiadas às justificativas peda-
gógicas da metodologia de mediaç~o teatral utilizada” (NININ, 2020, p.124). Além de
informações sobre a companhia, o Caderno de Mediação Crianças Selvagens apresentou
a peça, a equipe artística e os jogos de mediação e instruções para seu desenvolvimento,
buscando estabelecer uma relação com a peça e os signos nela presentes e provocando
“a leitura do público partindo da compreens~o do seu contexto e léxicos, não se pautan-
do em uma manipulaç~o mec}nica dos signos teatrais” (NININ, 2020, p.43).
Processo de criação da peça, interligando-os de forma a contribuir para a criação
de novas narrativas a partir da relação com o público. Um exercício de “transformar a
língua em uma outra coisa, em uma nova língua”45: ensinar palavras, brincar com as pa-
lavras, tomar as palavras para si, criar sua própria língua; como elaborou Desgranges
sobre o público: “em contato com a arte, lhe é solicitada a invenção na linguagem, ou
invenç~o de linguagem” (DESGRANGES, 2015, Apud NININ, 2020, p.33). Seguindo selva
44 Christina Streva, pesquisadora de cabaré da UniRio, no curso online Cabaré: história, experiências e
provocações realizado em 2021 pela UFBA, citou a frase do livro de Cecília Sotres, Introducción al Cabaret
(2016).
45
Fala retirada do roteiro de Crianças Selvagens criado por Ricardo Nolasco e elenco.
184
adentro os rastros das crianças selvagens, através dos jogos propostos, o público pôde
se apropriar da linguagem da peça e criar sua própria forma de se relacionar com ela.
Mas, afinal, aonde chegamos? A partir do interesse demonstrado pelas professo-
ras, em conversa após as atividades, pela junção das linguagens artísticas proposta na
mediação - ou pelo hibridismo artístico, uma das características principais da peça e do
teatro cabaré -, percebi que as pontes entre público e obra haviam sido criadas. Com
essa experiência compreendi que mediar não é sobre fazer com que o público entenda
uma obra artística, porque a arte, não necessariamente, se preocupa em ensinar coisas,
mas sim em provocar – provocar sentimentos, emoções, ações, novos olhares e diferen-
tes entendimentos sobre as coisas.
Por fim, acredito que precisamos valorizar a formação e a presença de mediado-
ras e mediadores capacitados, com sólidos conhecimentos em educação e teatro e com-
petências específicas, como proponentes de mediações teatrais em editais de fomento e
incentivo à cultura. Precisamos de políticas públicas que fomentem a formação e a práti-
ca da mediação teatral, evidenciando a figura da mediadora e do mediador teatral como
profissional da área, indispensável às propostas de mediação.
REFERÊNCIAS
DESGRANGES, Flávio. Mediação teatral: anotações sobre o projeto formação de público. Ur-
dimento, 2008.
NININ, Roberta Cristina. A práxis do mediador: os jogos de mediação teatral na formação do
professor de teatro / Roberta Cristina Ninin; orientador: Felisberto Sabino da Costa. São Paulo
2020. 341p.
WENDELL, Ney. Estratégias de mediação cultural para a formação do público. Salvador:
FUNCEB, 2013.
185
MOBILIZANDO A IDEIA DE PERIFERIA COMO IDENTIDADE COMPAR-
TILHADA
Laís Castro dos Santos
laiscastro.arte@gmail.com
46 “Conjunto de símbolos que representam ideias expressas em provérbios. O adinkra, dos povos acã da
África ocidental (notadamente os asante de Gana), é um entre vários sistemas de escrita africanos (...)
Além da representação grafada, os símbolos adinkra são estampados em tecidos e adereços, esculpidos em
madeira ou em peças de ferro para pesar ouro.” Fonte: https://ipeafro.org.br/acoes/pesquisa/adinkra/
187
As danças citadas me interessam como materialização de culturas negras mas
também como jogo de movimento que é possível realizar com elementos das manifes-
tações. O que eu apreendo dos corpos que movem estas e outras danças que colocam
em circulação diversos sentidos da negritude também interessam como rastros que
compõem minhas experiências de corpo e que se transformam em material de criação
para ativar nas composições realizadas em tempo real.
REFERÊNCIAS
CUNHA JÚNIOR, Henrique Antunes. NTU: introdução ao pensamento filosófico bantu. Revista
Educação em Debate, Fortaleza, Ano 32, v.1, n.59, p. 25-40, 2010. Disponível em:
<https://repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/15998/1/2010_art_hcunhajunior.pdf> Acesso em: 24
mar. 2022.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.
PETIT, Sandra Haydée. Apresentando o corpo-dança afroancestral, um conceito gingado.
In:___ Pretagogia: pertencimento, corpo-dança afroancestral e tradição oral Africana na forma-
ção de professoras e professores. Fortaleza: Ed UECE, 2015. p.71 – 103.
SILVA, Jaílson de Souza e. Um espaço em busca de seu lugar: as favelas para além dos estereó-
tipos. In: BARBOSA, Jorge Luiz; FAUSTINI, Marcus Vinicius; SILVA, Jaílson de Souza e. O Novo
Carioca. Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2012.
SOUZA, Ana Lucia Silva. Cultura Política nas Periferias: estratégias de reexistência. São Paulo :
Fundação Perseu Abramo, 2021. Disponível em:
<https://fpabramo.org.br/publicacoes/estante/cultura-politica-nas-periferias-estrategias-de-
reexistencia/> Acesso em: 18 ago. 2021.
188
NA ONDA DO PASSINHO FLASHBACK: O ESTAR-JUNTO E A EXPERI-
ÊNCIA COMO LUGARES DE CONSTRUÇÃO DE PEDAGOGIAS DA DAN-
ÇA
Roberto Rodrigues
roberto.rodrigues@ifg.edu.br
Introdução
O presente trabalho é fruto inicial de uma pesquisa de doutorado a ser desenvol-
vida com alunos do curso de Licenciatura em Dança do Instituto Federal de Goiás –
Campus Aparecida de Goiânia e em diálogo com um movimento cultural na cidade de
Aparecida de Goiânia, conhecido como Movimento Flashback47. A proposta parte do de-
sejo em investigar possíveis cruzamentos entre modos dançantes festivos urbanos cons-
tituídos em espaços periféricos da cidade e o ambiente de formação de professoras/es
de dança no curso de Licenciatura.
Para tanto, essa investigação partirá de uma pesquisa de campo junto ao Movi-
mento Flashback e da retomada de um Projeto de Pesquisa intitulado Cotidianos que
dançam: poéticas urbanas em cena, criado no ano de 2019 no IFG com alunas/os/es do
curso de Licenciatura em Dança e interrompido em função da situação de saúde mundial
ocorrida com a pandemia da Covid-19.
A partir daí, quer-se explorar a seguinte questão: Como ampliar possibilidades e
caminhos de ensino-aprendizagem-criação a partir da construção de modos de saberes-
fazeres48 em dança que transitem entre o contexto urbano e o ambiente acadêmico de
formação superior em dança? A proposta é, então, cruzar conhecimentos entre os mo-
dos dançantes festivos presentes no Movimento Flashback com as pesquisas que serão
retomadas no Projeto Cotidianos que dançam: poéticas urbanas em cena, para a realiza-
ção de oficinas urbanas direcionadas à comunidade local em que seja possível
(re)construir pedagogias da dança e investigar como é possível borrar modos dançantes
47 O Movimento Flashback, na cidade de Aparecida de Goiânia, é um movimento que acontece nas perife-
rias da cidade por iniciativa de pessoas ligadas a contextos culturais da dança. São eventos abertos às co-
munidades locais ambientados pela presença de um DJ, grupos de praticantes dessas danças e os frequen-
tadores que participam ativamente dançando junto a eles.
48 A partir da obra de Michel de Certeau (1998) Artes do fazer – a invenção do cotidiano, podemos pensar
em modos de saberes-fazeres que são criados, inventados no cotidiano através do que o autor chamou de
“artes de fazer”.
189
que transitem entre estruturas de movimento, espontaneidades e criações.
Cruzando experiências...
O Movimento Flashback na cidade de Aparecida de Goiânia teve seus primeiros
eventos por volta do ano de 2012 na Feira Coberta da Cidade Vera Cruz, bairro periférico
da cidade. Surge como uma reunião entre amigos para dançar músicas características e
advindas das culturas negras norte-americanas, inicialmente em ritmos como funk e soul
que conquistaram espaço nas mídias brasileiras em fins da década de 1970 e 1980, co-
nhecidos em muitos lugares do nosso país como musicalidade black49.
Nos modos dançantes característicos do Movimento Flashback identificam-se es-
téticas de movimento chamadas pelos próprios participantes de passinhos50. É possível
aproximar essas estéticas do que culturalmente se disseminou em diferentes locais do
país, como, por exemplo, as danceterias das cidades de Uberlândia e São Paulo, a partir
da reunião de grupos de pessoas que se encontravam para ouvir e dançar os passinhos
arrastadinhos do funk e soul (GUARATO, 2008)51. Além disso, em cidades como Goiânia
e Brasília encontram-se, também, eventos Flashback que propõem compartilhar esses
modos dançantes que se conectam a tais contextos.
Certamente, nesses espaços se criam algumas regras ou modos específicos para
compartilhar esses movimentos, mas, ao mesmo tempo, há um espaço para que os su-
jeitos que aí convivem encontrem seus modos de expressão a partir da convivência, das
relações que vão se estabelecendo a partir da frequentação nesses eventos e, sobretudo,
que se torna o cerne nesta pesquisa, as possibilidades de dançar coletivamente seja pelo
improviso ou pelos passinhos combinados em que os grupos se seguem uns aos outros.
Para refletirmos sobre as relações que aí se estabelecem empreenderemos um movi-
mento em torno da experiência em Larrosa (2015) e do estar-junto em Michel Maffesoli
(2014) como lugares de potência e criação. A pesquisa que será desenvolvida pode partir
dessas reflexões para construir, no próprio processo, seus caminhos de investigação e
experimentação da dança.
O Projeto Cotidianos que dançam: poéticas urbanas em cena foi criado no ano de
2019 como um desdobramento dos estudos e inquietações compartilhadas com alu-
49 Sobre contextos urbanos em que essas sonoridades ganharam espaço na cultura brasileira, maiores
informações poderão ser obtidas, dentre outras obras, em: Alves (2004) e SILVA (1998).
50 Os passinhos, aqui, fazem referência a um modo de dançar peculiar que encontra sintonias com os
movimentos de clubes, bailes e danceterias que em finais da década de 1970 se espalharam por diferentes
cidades do país.
51 A pesquisa de Rafael Guarato faz uma leitura histórica, estética e política do surgimento de práticas
dançantes advindas de contextos urbanos brasileiros que nos permite compreender e conectar as experi-
ências de dança com outros locais do país através da contextualização histórica dos movimentos urbanos
após a década de 1970.
190
nos/as que já haviam cursado a disciplina chamada Ateliê de criação em dança I do curso
de Licenciatura em Dança supracitado e que teve seu início dos trabalhos disparados no
segundo semestre letivo. O projeto foi, em seguida, interrompido em virtude da pan-
demia da Covid-19. Como forma de retomar e ampliar as possibilidades de pesquisa des-
te grupo intenta-se, aqui, incorporá-lo e transformá-lo borrando seus caminhos e dialo-
gando diretamente com o Movimento Flashback, movimento este com quem já flerta-
mos em outros momentos e eventos no IFG.
Identificar os traços característicos nos modos dançantes festivos urbanos pode
ser uma interessante pista para descobrir possibilidades de criação a partir de inspira-
ções poéticas que esses contextos nos trazem. Esses traços podem ser pesquisados
através de provocações feitas aos sujeitos participantes para que tragam para o ambien-
te acadêmico, pesquisas de movimento baseadas nas vivências junto ao Movimento
Flashback cruzando com suas referências poéticas, ou seja, aquilo que os afeta cotidia-
namente através de músicas, imagens, movimentos vindos tanto do seu universo aca-
dêmico, lugar onde descobrem inúmeras possibilidades ligadas à dança, como também,
dos diversos contextos onde estão inseridos socialmente, dentre tantos outros lugares
que influenciam e contornam o cotidiano.
REFERÊNCIAS
ALVES, César. Pergunte a quem conhece: Thaíde. São Paulo: Labortexto, 2004.
CERTEAU, Michel de. Artes de fazer – a invenção do cotidiano. Tradução: Ephraim Ferreira
Alves. 3ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 1998.
GUARATO, Rafael. Dança de rua: corpos para além do movimento (Uberlândia 1970-2007).
Uberlândia: EDUFU, 2008.
LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre experiência. Trad. Cristina Antunes e João Wanderlei
Geraldi. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
MAFFESOLI, Michel. Homo eroticus: comunhões emocionais. Rio de Janeiro:Forense, 2014.
SILVA, José Carlos Gomes da. Rap na cidade de São Paulo: música, etnicidade e experiência
urbana. 1998. Tese (doutorado). Universidade Estadual de Campinas, SP, 1998.
191
ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO DE TEATRO: UM ES-
TUDO COM SEIS PROFESSORES/AS NO DISTRITO FEDERAL, BRASIL
Igor Passos Pires
igorpassosdf@gmail.com
192
notícias sobre as vicissitudes emergentes do próprio entrecruzamento.
A caráter de exemplo apresenta-se a estratégia Atenção Performativa. Aqui aten-
ção é entendida como uma função que permite com que os/as sujeitos/as se localizem e
exerçam uma postura relacional com o mundo, no sentido de “examinar periodicamente
o mundo exterior, para que seus dados já fossem conhecidos quando surgisse uma ne-
cessidade interior inadi|vel” (FREUD, 2010, p. 113). Além disso, a atenç~o é operada em
relação à outras funções, como por exemplo a memória.
Assim, a atenção pode agir de diversas maneiras e o modo de exercê-la produz
políticas cognitivas, sendo essas entendidas como uma postura frente ao mundo que
forja “atitudes investigativas diversas” (KASTRUP, 2015, p. 34). Desse modo, as manei-
ras como os/as sujeitos/as empreendem a atenção produzem modos de estar, conhecer,
propor e inventar o mundo e a si mesmos/as.
Na pesquisa identificam-se dois modos de exercício da atenção: uma atenção ao
que é dito pelos/as estudantes e uma atenção aos acontecimentos e espaços físicos. Pa-
ra a compreensão do primeiro exercício da atenção – que se atenta ao que é dito – faz-se
uma aproximação à proposta freudiana de atenção flutuante. Para Freud (2010, p. 149),
a atenç~o flutuante é o dispositivo analítico que “consiste apenas em n~o querer notar
nada em especial, e oferecer a tudo o que se ouve a mesma atenç~o [...]”. Na pr|tica
dos/as professores/as participantes da pesquisa, essa qualidade flutuante da atenção se
apresenta como uma possibilidade de criação de processos pedagógicos para o ensino
de Teatro a partir do momento em que o que os/as estudantes dizem, que aparente-
mente fugiria do tema da aula, é acolhido como possibilidade pedagógica. Assim, os/as
professores/as geram material de trabalho ao não enquadrarem rapidamente o que foi
dito pelos estudantes e acolhendo os aparentes desvios como possibilidade pedagógica.
Já o segundo exercício de atenção se configura em um modelo que disponibiliza
mais do que a escuta, a percepção. Aproxima-se então da proposta de Virgínia Kastrup
para a atenção no trabalho do cartógrafo, sendo que para este a atenção não está ape-
nas na escuta, mas no exercício da percepção.
Segundo Kastrup “[...] através da atenç~o, ela [percepç~o] aciona circuitos, se
afastando do presente em busca de imagens e sendo novamente relançada a imagem
atual, que progressivamente se transforma” (2015, p. 47). Por conseguinte, a atenç~o
exercida desde a percepção permite, no trabalho dos/as professores/as uma relação com
os espaços que não está circunscrita em uma malha de sentidos dada a priori. Há uma
flutuação de significantes, gerando um vazio que é preenchido desde a relação do possí-
vel com o espaço, dos afetos que atravessam o corpo em relação ao mesmo.
A atenção operada desde a percepção disponibiliza o corpo para que seja atra-
vessado por um e se que suspende as certezas, gerando possibilidades em que os espa-
193
ços ganham significado a partir de uma aposta, a partir da sustentação de um desejo. Os
novos sentidos geram espaços propícios à prática Teatral, sendo provisórios, visto que,
ao fim da prática, eles voltam a ter seu significado usual.
Dessarte, a atenção performativa aponta para uma postura de abertura e acolhi-
mento ao que é dito ou percebido nos espaços e acontecimentos da escola, suspendendo
um julgamento pré-definido e reconhecendo que aquilo que foge ao planejado pode car-
regar potencialidades para o trabalho com o Teatro. Nomeia-se essa atenção como per-
formativa, visto que, além de permitir uma relação sensível com o que se ouve ou percebe,
ela direciona para uma ação, ela propõe um movimento para o trabalho com a linguagem
teatral. Assim, essa atenção faz coisas a partir do que é escutado ou percebido.
REFERÊNCIAS
FREUD, Sigmund. Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico (1911). In:
FREUD, Sigmund. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em auto-
biografia: (“O caso Schereber”): artigos e outros textos (1911-1913). Tradução e notas Paulo
César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
FREUD, Sigmund. Recomendações ao médico que pratica a psicanálise (1912). In: FREUD, Sig-
mund. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia: (“O
caso Schereber”): artigos e outros textos (1911-1913). Tradução e notas Paulo César de Souza.
São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
ICLE, Gilberto. Da Performance na Educação: perspectivas para a pesquisa e a prática. In: PE-
REIRA, Marcelo de Andrade (Org.). Performance e Educação: (des)territorializações pedagógi-
cas. Santa Maria: Editora da UFSM, 2013.
ICLE, Gilberto; BONATTO, Mônica Torres. Por uma Pedagogia Performativa: a escola como
entrelugar para professores-performers e estudantes-performers. Cadernos Cedes, Campinas, v.
37, p. 07-28, 2017.
KASTRUP, Virgínia. O funcionamento da atenção do cartógrafo. In: PASSOS, Virgínia Kastrup;
ESCÓSSIA, Liliane (Org.). Pistas do método da cartografia. Porto Alegre: Sulina, 2015.
PAZ, Luciana Athayde; ICLE, Gilberto. Currículo-documento, currículos-performance. Educa-
ção em Revista, Belo Horizonte, UFMG, v. 36, 2020.
194
OS TRAJES DE CANDOMBLÉ E AS INDUMENTÁRIAS DOS ORIXÁS DO
TERREIRO DA GOMÉIA NA REVISTA O CRUZEIRO DE 1967
José Roberto Lima Santos
jrl.santos@unesp.br
REFERÊNCIAS
196
DANÇAS CONTEMPORÂNEAS E PROCESSOS COREOGRÁFICOS NO
TEMPO PRESENTE
Vanessa Voskelis
vanessavoskelis@gmail.com
197
O autor GUARATO (2020) discute a transição histórica e estética entre a Dança
de Rua e as Danças Urbanas e como elas não são a mesma coisa. A Dança de Rua era
essa hibridez que bebia das estruturas coreográficas das danças cênicas, das danças po-
pulares afrodiaspóricas estadunidenses. O que a Dança de Rua estava para a hibridez e a
busca de uma própria linguagem de dança, as Danças Urbanas codificaram suas técni-
cas, separaram em terminologias específicas (isto é Jazz Funk, isto é Hip Hop Dance, isto
é Popping, isto é Locking, etc) com pouco espaço para a hibridez de movimentações
dançantes outras.
A origem e utilização da nomenclatura Dança de Rua ou Danças Urbanas, ainda é
discutida dentro do próprio setor, demonstrando a fragilidade de estudos sobre esse
assunto no meio acadêmico brasileiro na atualidade. GUARATO (2009, p.81) aponta que
a nomenclatura Dança de Rua surgiu não por seus praticantes, mas por curadores, jura-
dos de festivais de Dança.
É no início da primeira década do século XXI que a mudança de Dança de Rua pa-
ra Danças Urbanas começou a tomar força. E as Danças Urbanas têm recortes específi-
cos de movimentação que caracterizam ser uma estética ou outra. É neste momento
que a noção de fundamento se aprofunda.
Reconhecemos a quão extensa e complexa é a discussão sobre Danças urbanas,
danças afro-diaspóricas estadunidenses e Dança de Rua e o quanto é delicado observar
esses conceitos. Afim de não negar determinadas especificidades, mas utilizar todas as
especificidades e ideias possíveis dentro de uma sala de aula a partir de contextualiza-
ções e conceitos dramatúrgicos onde a dramaturgia pode ser utilizada como um elo en-
tre os elementos citados.
198
determinados da Arte como apreciação elevada. E o terceiro é o fim no sentido de finali-
dade.
O corpo é da ordem do acontecimento, cabe à dramaturgia trabalhar o que já está
ali. Criar a partir disso. Quando o estudante entra na aula de dança, ensina-se sim que a
pessoa tem um corpo. Noção de soma: dentro de si, em si. O corpo é traidor do planeja-
mento. Ou estamos melancólicos ou estamos ansiosos. Termos ataque de futuro ou ata-
que de passado: o corpo não sabe disso, ele não conhece isso, o corpo é inteligente demais
e não maneja isto. Ele trai o planejamento e a gente só consegue repetir igual debaixo de
certos tipos de processos que, dependendo de como este se dão, podem ser violentos.
O tipo de dramaturgia a que me refiro, e que tento aplicar tanto no teatro quanto na
dança, segue um certo ‘processo’: escolhemos conscientemente material de v|rias
origens (textos, movimentos, imagens de filmes, objetos, ideias, ...); o ‘material
humano’ (atores / bailarinos) prevalece claramente sobre o resto; as personalidades
dos artistas e não suas capacidades técnicas são a base da criação. (KERKHOVEN,
1997, p. 21).
REFERÊNCIAS
KERKHOVEN, Marianne Van (1997). Le processus dramaturgique, in: Nouvelles de Danse, Dos-
sier Danse et Dramaturgie, nr. 31. Brussels: Contredanse. pp. 18–25.
LEITE, Aline Rita Niconiello L. Yvonne Rainer e os fins da dança: corpo, consciência e educação
somática. Doispontos: Curitiba, São Carlos, v.15, n. 2, p. 125-133, setembro de 2018.
GADELHA, E.; CALDAS, P. Dança e Dramaturgias (s) / organizado por Paulo Caldas, Ernesto
Gadelha; traduzido por Nathália Mello, Rosa Ana Druot de Lima, Sylvain Druot - Fortaleza; São
Paulo: Nexus, 2016.
GUARATO, Rafael. Os conceitos de “dança de rua” e “danças urbanas” e como eles nos aju-
dam a entender um pouco mais sobre colonialidade (Parte I). Revista Arte da Cena, Goiânia
v.6, n.2, p. 114-154, ago-dez/2020. Disponível em http://www.revistas.ufg.br/index.php/artce
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Uberlândia: EDUFU, 2008. 238 p.
ROCHA, Tereza. Derivas de um plano de composição em dança: o todo é menos que do a so-
ma de suas partes. In por Paulo Caldas, Ernesto Gadelha (org). Dramaturgias em Dança Fortale-
za; São Paulo: Nexus, 2016. p. 269-302
TAMBUTTI, Susana. Itinerários Teóricos de la Danza. Aisthesis, núm. 43, 2008, pp. 11-26 Ponti-
ficia Universidad Católica de Chile Santigo, Chile.
199
PROCESSO CRIATIVO NO ENSINO MÉDIO: INTERDISCIPLINARIDADE
ENTRE ARTE/TEATRO E LÍNGUA PORTUGUESA
Amarildo Alexandre de Paula Alonso do Carmo
bobpoverello1@hotmail.com
201
te/Teatro e Língua Portuguesa.
Os resultados encontrados em cada etapa do processo de pesquisa citados acima
evidenciam a importância da Arte/Teatro nos processos interdisciplinares por sua poro-
sidade e capacidade de diálogo com os mais diversos contextos disciplinares, principal-
mente com o componente curricular Língua Portuguesa. Talvez um dos achados mais
importantes da pesquisa — que vem somar com outras reflexões sobre o ensino-
aprendizagem de Arte/Teatro — seja a compreensão de que o componente curricular
Arte pode estabelecer diálogos importantes com outros componentes, sem perder suas
especificidades enquanto conhecimento, onde evidencia-se o desenvolvimento das prá-
ticas discursivas, da criatividade, da expressividade e o estabelecimento de uma conexão
entre racionalidade e sensibilidade e intuição e ludicidade. Espera-se que esta disserta-
ção contribua para outras pesquisas sobre o tema na educação básica, para o reconhe-
cimento da força das práticas interdisciplinares nas relações de ensino-aprendizagem
em Arte/Teatro e que possa suscitar entre os educadores projetos que estabeleçam cada
vez mais diálogos significativos entre Arte/Teatro, Língua Portuguesa e outros compo-
nentes, proporcionando aos educandos a descoberta de outras maneiras de ver, sentir e
estar no mundo.
REFERÊNCIAS
202
PREPARAÇÃO DE ARTISTAS DA CENA PARA ATUAÇÃO EM SIMULA-
ÇÃO REALÍSTICA NA MEDICINA
Beatriz Ruiz Candolo Vilas Boas de Oliveira
beatriz-ruiz-oliveira@hotmail.com
204
teórico e reflexões sobre o tema; o desenvolvimento das habilidades necessárias, atra-
vés de jogos e improvisos; a realização de simulações dentro de sala de aula, onde atores
e atrizes contracenavam entre si, desempenhando tanto os papéis dos estudantes avali-
ados, quanto de pacientes simulados; e a participaç~o em duas OSCE’s na Faculdade de
Medicina da UFU. Busquei ao longo de todo processo estabelecer uma relação mais ho-
rizontalizada entre professora-estudantes, aprendendo e ensinando mutuamente, me
colocando porosa às demandas da turma.
Por fim, os questionários que foram realizados com os estudantes-artistas que
cursaram a disciplina optativa oferecida ao curso de Teatro da UFU, após a atuação nas
provas da medicina, bem como foram realizados com os avaliadores dessas mesmas
OSCE’s. As respostas obtidas s~o uma avaliaç~o do trabalho realizado, tanto ao longo da
disciplina, quanto nas provas, e somadas aos meus registros e percepções constituirão a
etapa final da construção dos resultados e conclusões da pesquisa.
Neste momento, por se tratar de uma pesquisa em andamento, ainda não exis-
tem conclusões a serem compartilhadas. Contudo, espero que este resumo possa insti-
gá-los a algumas reflexões e, quem sabe, possa até ter despertado a curiosidade para
leitura da minha dissertação que em breve será publicada. Que este seja um convite.
205
(TRANS)CRIAÇÕES VISUAIS NO TEATRO INFANTOJUVENIL
Lucas de Carvalho Larcher Pinto
lclarcher@hotmail.com
53
"[...] obras em que a imagem é especialmente preponderante em relação ao texto, que aliás pode estar
ausente [...]. A narrativa se faz de maneira articulada entre texto e imagens." (LINDEN, 2011, p. 24).
54
Uma subcategoria dos livros ilustrados ou uma espécie autônoma de livros, caracterizada pela ausência
de palavras, sendo a história contada exclusivamente por meio da linguagem visual, com destaque para as
ilustrações. Em livros desta espécie, toda a narrativa é erigida pela sequência de composições visuais e pela
constituição material do objeto.
206
terminados elementos da obra de base se realizar através da encenação" (HIRSH, 2000,
p. 153), tal noção ainda se mostrava presa a estímulos exclusivamente verbais e às cenas
em que as palavras são hegemônicas no traçado das narrativas e/ou dramaturgias.
No delineamento da investigação, ocorreu-me que As aventuras de Bambolina e
Inimigos, como frutos dos processos de passagem dos livros para as cenas, não deixavam
de se enquadrar na ideia de (trans)criação55 teatral, muito embora expandissem a propo-
sição de Hirsch para o visual. Ao originarem-se de estímulos não-verbais e/ou não exclu-
sivamente verbais, estas peças pareciam explorar o domínio visual da cena como as res-
ponsáveis e/ou as co-responsáveis pelas construções narrativas e/ou dramatúrgicas das
cenas. Enunciado que, com ajustes, converti em suposição de pesquisa e que busquei
investigar como realmente plausível, ao longo de minha tese.
Para confirmar o suposto, utilizei-me de fontes e de procedimentos metodológi-
cos diversos, construindo um compartilhamento - ensaio textual - de inspiração
A/R/Tográfica (DIAS; IRWIN, 2013), no qual palavras e imagens dialogam entre si, além
de estarem em consonância com as obras artísticas - teatrais e literárias - abordadas.
Dentre os procedimentos, destacam-se: o exame empírico dos domínios visuais de As
aventuras de Bambolina e Inimigos, por meio de filmagens e fotografias, e a realização de
entrevistas coletivas com as equipes de criação dos espetáculos selecionados.
De modo geral, a análise empreendida me levou a perceber que, no espetáculo
As aventuras de Bambolina, houve a exploração da obra literária - disparadora cênica -
como um roteiro e/ou um storyboard pela Pia Fraus e pelo Maracujá Laboratório de Ar-
tes. Por sua vez, na montagem Inimigos, a Cia. de Feitos encarou o livro como um estí-
mulo mais livre, promovendo a digressão dele em alguns momentos da criação. Todavia,
as duas peças se assemelham quanto à conservação da essência dos enredos propostos
nas obras das quais partiram.
Na análise constatei, ainda, que os elementos de design dos livros As aventuras de
Bambolina e O inimigo foram os responsáveis pelo efeito de similitude no âmbito visual
das cenas. Já no que tange os elementos literários e/ou narrativos dos livros na passa-
gem para as cenas, as apurações se tornaram mais complexas. Em As aventuras de Bam-
bolina, a narrativa visual estática exposta no livro de Iacocca adquiriu valor matricial,
transformando-se em narrativa visual dinâmica da cena e coincidindo com a dramatur-
gia da visualidade56. Em Inimigos, diferentemente, a narrativa advinda do livro não se
55
Em minha tese, optei por grafar o termo com parênteses no intuito de evidenciar a natureza inventiva, e
não de cópia, das produções teatrais em destaque.
56
Ao falar de dramaturgia da visualidade, reporto-me ao discurso da cena suscitado pelos componentes
daS visualidades (cenário, iluminação cênica, figurinos, maquiagem etc.) em suas materialidades e articula-
ções.
207
tornou narrativa e/ou dramaturgia da visualidade em toda sua extensão.
Se nos estudos de Hirsch as palavras são o ponto de partida para a construção de
narrativas e/ou dramaturgias cênicas presas à verbalidade, nos espetáculos examinados,
a linguagem não-verbal dos livros passaram também a ser os pontos de partida e as vi-
sualidades tornaram-se as responsáveis e/ou as co-responsáveis pelas construções nar-
rativas e/ou dramatúrgicas das cenas. Portanto, considerei ser oportuno adicionar ao
termo/conceito/constructo "(trans)criação" o adjetivo "visual" quando ele se refere aos
processos analisados, confirmando, então, a suposição inicial da pesquisa.
Obviamente, não tenho a pretensão de transformar as conclusões alcançadas em
minha investigação em afirmações genéricas. Mas, para que não restem dúvidas sobre o
exposto, reforço que as considerações tecidas no âmbito de minha pesquisa dizem res-
peito a duas obras de arte específicas, originadas, por sua vez, de outras obras específi-
cas. Logo, a tentativa de tomar os resultados obtidos na análise apresentada, por indu-
ção, como necessariamente válidos para outras e/ou todas as montagens engendradas
em contextos similares, pode eventualmente tornar-se uma falácia!
REFERÊNCIAS
CALI, Davide; BLOCH, Serge. O inimigo. São Paulo: Cosac Naify, 2008.
DIAS, Belidson; IRWIN, Rita L. (org.). Pesquisa educacional baseada em arte: a/r/tografia. San-
ta Maria: Ed. da UFSM, 2013.
HIRSCH, Linei. Transcriação teatral: da narrativa literária ao palco. In: O Percevejo, ano 8, n. 9,
p. 150-154, 2000.
IACOCCA, Michele. As aventuras de Bambolina. São Paulo: Ática, 2006.
LINDEN, Sophie Van der. Para ler o livro ilustrado. São Paulo: Cosac Naify, 2011.
208
ATRAVESSAMENTOS POÉTICOS, PERFORMATIVIDADE E O ATO AFÁ-
SICO: APRESENTAÇÃO DA PERFORMANCE “O ENCENADOR”57
Juliana Pablos Calligaris
juliana.calligaris@gmail.com
209
lizávamos no PET (em encontros de três horas, uma vez por semana, durante as sessões
do CCA, ao longo dos anos letivos de 2018 e 2019), e uma performance pensada para ser
captada por uma câmera, fui, por meio de improvisações e jogos, estabelecendo no gru-
po as bases de uma prática que pôde rever questões fundamentais do processo de cria-
ção de atuadoras afásicas desde que comecei com o grupo, em 2003, minha investiga-
ção sobre performance, teatro e afasia ainda na Iniciação Científica, quando da minha
segunda graduação, em Filosofia pelo IFCH/UNICAMP.
O corpo expressivo das atuadoras afásicas, ao longo de todos os módulos per-
formativos e períodos do PET, foi gradativamente tornando-se um corpo-cognição. Um
corpo que esteve cuidadosamente atento a si, à outra, ao meio; o corpo-cognição da
sensorialidade aberta e conectiva, que sempre foi cultivada no grupo. A atenção conjun-
ta (TOMASELLO, 2003) do fazer teatral no PET permitiu que o macro e o mínimo das
semioses significativas pudessem ser adentrados e explorados. O ato afásico, segundo o
conceito que cunhei é, necessariamente, marcado cognitiva e estrategicamente pelo
estado de atenção conjunta. Pelo caráter complexo da atenção conjunta, Tomasello
(2003) aponta também que, através de experimentos desenvolvidos por ele e outros
pesquisadores, há sutis diferenças no formato desta atenção.
São três os tipos de atenção conjunta apontados pelo autor. O primeiro deles, no-
meado como atenção de verificação, estabelece-se em uma atividade conjunta em que a
adulta mostra o objeto – tomando este objeto como um “obst|culo social” – à criança.
O segundo tipo de atenção conjunta, por sua vez, tem como importante consti-
tuinte o gesto de apontar, pois, em uma situação em que a adulta parece estabelecer
uma referência social, a criança se volta, através do direcionamento dado pelo olhar da
adulta ou pela indicação feita com o dedo, podendo ainda haver a junção entre olhar e
apontar, para o objeto no qual esta díade deposita sua atenção. Esse tipo de atenção
conjunta recebe o nome de atenção de acompanhamento.
O terceiro tipo, a atenção direta, também tem em seu formato a presença do gesto
de apontar, que pode ser, conforme enfatiza o autor, declarativo ou imperativo. A diferen-
ça, é que, neste tipo de atenção, a entrada do objeto foco parece ser mais explícita, fato
que se dá através da linguagem referencial utilizada pela pessoa que traz o objeto à cena.
Nesse sentido, podemos conceber a atenção conjunta não só como um consti-
tuinte da referência linguística e performativa, mas também como um processo através
do qual aprendemos (desde crianças) a nomear pessoas, objetos e situações (atos de fala
– atos performativos – ato afásico). Esta capacidade cognitiva não se perde na condição
afásica e dela se valeu SP, para tornar-se expressivo para comigo e para quem nos assis-
tiu. A compreensão da ação intencional e da atenção conjunta, de acordo com Tomasello
(2003) consiste fundamentalmente em: i) na participação em atividades de atenção con-
210
junta com co-específicos em relação a aspectos do mundo; ii) no monitoramento da
atenção e dos gestos de co-específicos em relação a aspectos do mundo; iii) na manipu-
lação da atenção de co-específicos, por meio de gestos não-linguísticos, em relação a
aspectos do mundo; e iv) na compreensão e imitação das ações e atos de fala de co-
específicos em relação a aspectos do mundo e a si mesmo. No tratamento desta pesqui-
sa, “atos de fala” foram reelaborados e recategorizados como “ato performativo” e este,
como “ato af|sico”.
Considerando o contexto interativo que se produziu em “O Encenador”, as estra-
tégias multimodais, que, a meu ver, sustentam a possibilidade interativa entre as partes
envolvidas, constituem-se também como estratégias promotoras do processo de cons-
trução da atenção conjunta. A atenção conjunta das atuadoras afásicas e da atuadora
não afásica (eu, eventualmente), durante o teatro performativo no PET, tornou-se, as-
sim, uma pré-condição da ação cênica.
A conexão atenta consigo mesma, com outrem e com o meio durante o jogo,
transformou o que seria uma sucessão linear de eventos cotidianos, em ações-reações
imediatas de forma modalizada, ou seja, conforme apontam os estudos de Norris
(2006), de forma multimodal. A multimodalidade semiótica trouxe um enfoque que vi-
sou investigar a multiplicidade de formas pelas quais nos comunicamos.
REFERÊNCIAS
211
TEATRO E CINEMA: INTERSECÇÕES ARTÍSTICAS NO ESPAÇO DE CO-
CRIAÇÃO
Ticiane Simões dos Santos
ticiane.santana@hotmail.com
Ana Flávia de Andrade Ferraz
ana.ferraz@ufal.edu.br
Introdução
A proposta deste Projeto de Iniciação Científica é promover uma reflexão em
torno do processo de co-criação e diálogo que se estabelece entre atores (atrizes), dire-
tores (as) e preparadores (as) de elenco no cinema alagoano. Para tanto, promovemos
uma reflexão em torno do filme Cavalo (2020) direção de Raphael Barbosa e Werner
Salles. A escolha desta produção se deu pelo lugar que ocupa na cinematografia con-
temporânea em Alagoas. Primeiro filme de longa metragem fruto de edital de fomento
no estado, Cavalo possibilita a reflexão de atuações que interessam à nossa pesquisa:
atores e atrizes experientes, atores e atrizes estreantes e preparadores de elenco que
são oriundos do curso de Teatro desta Universidade e que foram auxiliares na escolha do
time de elenco formado, promovendo um olhar entre os cruzamentos que se estabele-
cem entre o cinema e teatro na arte da interpretação.
O filme traduz o lócus da pesquisa, pois nos possibilita reflexões em torno de al-
gumas questões por onde transitará o trabalho: onde está o ator/atriz alagoano/a nas pro-
duções de cinema do estado? Será a preparação/direção de elenco o lugar de reconheci-
mento do trabalho técnico e profissional do/da ator/atriz nas produções cinematográficas
atuais? Que tensões se colocam entre a interpretação nos filmes de ficção e o lugar da
autorrepresentação no cinema documentário? O que pautam as escolhas que levam à
contratação do/a ator/atriz estreante em detrimento do/a ator/atriz experiente e profissi-
onal? Em que sentido um ator não profissional pode enriquecer um filme? Quais os méto-
dos usados na preparação de elenco? Qual a função da direção de atores/atrizes e suas
diferentes abordagens, distanciamentos e aproximações entre o teatro e o cinema?
No filme, sete personagens se narram, se expõem e colocam seus recortes de his-
tória para a realização da obra. Allenxandrëa Constantino, Evez Roc, Joelma Ferreira,
Leide Serafim Olodum, Leonardo Doullennerr, Robert Maxwell e Sara Oliveira. Vemos
suas casas, acompanhamo-los em sua rotina, em terreiros, em espaços de trabalho, os
vemos chorar, comer, sorrir, dançar e assim vamos remendando as escolhas numa col-
cha de retalhos de micro histórias que juntas buscam construir um corpo negro alagoano
212
e buscamos a partir dessa cena posta no filme, descobrir o que a antecedeu, desde o
lugar da seleção do elenco até a estreia e primeiras reverberações do filme.
Metodologia
A pesquisa é de natureza analítico-descritiva e se desenvolveu através das se-
guintes atividades:
• Pesquisa bibliogr|fica;
• An|lise fílmica;
• An|lise de elementos extra fílmicos.
A metodologia de análise fílmica seguiu os propostos por Casetti e Chio (2007, p.
23), comportando dois movimentos: a descrição e a interpretação. O primeiro deles ocorre
na fase da decomposição do texto fílmico, representando um tempo de reconhecimento;
ao passo que a interpretação emerge no momento da recomposição e consiste numa tare-
fa pessoal do investigador em uma chave específica de leitura que é dada pelo analista.
Para tanto, delimitamos como corpus de análise o longa-metragem alagoano
Cavalo (2020). Nossas análises não se limitaram apenas às observações dos aspectos
internos do filme, utilizamos também informações extra fílmicas, que abrangem tanto
elementos anteriores (teste de elenco) quanto posteriores (estreia e circulação) à divul-
gação da obra, tais como: entrevistas, diário de filmagens, críticas de jornais e outros.
Como principal aporte teórico, trabalhamos com a obra Stanislávski (1999, 2001, 1994),
Jean-Jacques Roubine (2002), Walmeri Ribeiro (2014) e Fátima Toledo (2017), uma das
principais diretoras de elenco do país.
REFERÊNCIAS
214
YO AFECTADO: UMA INVESTIGAÇÃO AFETADA PELO EXERCÍCIO DE
AUGUSTO FERNANDES
Juliana Rodrigues Valente Santana Nunes
juliana.n.valente@gmail.com
61 Essa é uma tradução livre minha. Acredito que essa tradução pode auxiliar a compreensão da prática.
62 Movimento teatral que despontou em Buenos Aires no final dos anos 1930 com a fundação do grupo
Teatro Del Pueblo. Augusto participou da segunda geração do Teatro Independente Argentino, integrado
os grupos Nuevo Teatro, Juan Cristóbal e La Máscara.
63 Augusto Fernandes dividia as práticas e exercícios teatrais que ministrava em suas aulas entre “exercí-
cios para o instrumento” e “exercícios de ofício”.
215
e realidade, transitando, ao longo de suas etapas, do campo da pessoalidade ao desen-
volvimento de uma criação ficcional coletiva.
O seu nome, Eu Afetado, faz menç~o ao “estado de Yo Afectado”, um estado de li-
berdade criativa, ou livre expressão, que poderia ser experimentado por meio da prática.
A hipótese do trabalho é a de que todos nós estamos sempre afetados por algo.
Como se tivéssemos uma série de ‘eus’ afetados pelos estímulos que recebemos ao
longo da vida. Contudo esses ‘eus’ n~o falam com franqueza. Por exemplo, se pisam
no meu pé em um ônibus, normalmente dizemos: ‘Est| tudo bem, n~o se preocupe’
e ficamos com vontade de esganar o indivíduo. Articulamos ‘socialmente’, mas a
parte afetada não está presente, não falou, não pode expressar-se em sua totalida-
de. Ent~o a ‘hipótese’ é: E se a parte afetada falasse? (CRUZ, 2003).
Desse modo, pode-se dizer que a proposta do exercício é criar condições ficcionais
em um espaço coletivo seguro, no qual é possível permitir que essa parte afetada fale, ou
ainda, dar expressão (psicofísica) ao Eu Afetado. Ainda que parta de aspectos autobiográ-
ficos, o exercício caminha em direção a uma expressão cada vez mais lúdica, teatral e cari-
catural. Não estando necessariamente associada à uma linguagem realista. O processo
conta com a orientação de um(a) condutor(a), geralmente um(a) professor(a) ou dire-
tor(a), que não participa do exercício e conduz o grupo durante toda a prática.
Ao longo da pesquisa, destaco alguns aspectos do exercício que considero ele-
mentos importantes para o seu funcionamento e desenvolvimento. Dentre eles estão a
preparação para o exercício (individual e coletiva), a criação e reafirmação de pactos
éticos e comportamentais pelo grupo, o estabelecimento de um ambiente de respeito e
confiança mútua, a compreensão do funcionamento do exercício e suas etapas, o en-
tendimento da lógica ficcional do Yo Afectado, as técnicas de condução e uma orienta-
ção atenta, consciente e ética.
A condução do Yo Afectado também se destacou enquanto temática relevante ao
longo da investigação, devido ao ser caráter delicado e à exposição de fatos autobiográ-
ficos dos integrantes da roda. O trabalho levanta perguntas sobre os possíveis parâme-
tros para uma condução ética e responsável, com o intuito de iniciar um debate sobre a
questão. Nesse campo, busco fazer uma aproximação entre o Yo Afectado e alguns prin-
cípios do Psicodrama, criado por Jacob Levy Moreno (1889-1974).
216
quisa CEPECA (USP) e conta com o auxílio da bolsa CAPES pelo Programa de excelência
acadêmica PROEX.
REFERÊNCIAS
CRUZ, Lito. La llamada "locura" y el actor: Algunas reflexiones sobre el arte del actor. Revista
Online Perspectivas Sistémicas, 2003. Disponível em:
<http://www.redsistemica.com.ar/cruz.html>. Acesso em: 28 de agosto de 2018.
ROJAS-BERMÚDEZ, Jaime G. Introdução ao Psicodrama. São Paulo: Ágora, 2016.
217
CONTORNOS ENTRE GÊNERO E BORDADO: AS EXPRESSÕES ESTÉTI-
CAS FEMINISTAS PRESENTES NO FAZER DAS BORDADEIRAS DE
PASSIRA-PE
Lara Beatriz Maria de Oliveira Araújo
lara.beatriza@ufpe.br
Introdução
Passira é uma cidade localizada no agreste de Pernambuco, que recebe, popu-
larmente, o título “Terra do Bordado Manual''. Concebe-se a partir disso, que as borda-
deiras se tornam uma peça essencial para esse reconhecimento, visto que a prática do
bordado passirense é realizada majoritariamente por mulheres, como argumenta Vas-
concelos (2016, p. 112), o bordado manual de Passira é considerado um espaço feminino.
Nesse contexto, a arte de bordar por está relacionada ao gênero, cria um imaginário
prévio de inferiorização que limita ambos ao âmbito doméstico.
Nesse sentido, o estudo investigou as subjetividades presentes na produção artís-
tica das bordadeiras da AMAP, contemplando algumas questões, em específico: O fazer
coletivo e os símbolos contidos nos bordados produzidos pelas artesãs da Associação das
Mulheres Artesãs de Passira (PE) permitem cogitar o modo pelo qual elas representam as
questões de ‘gênero’? Qual a centralidade dos elementos estéticos e feministas nesse fa-
zer artístico das bordadeiras? Quais elementos ligados ao cotidiano das bordadeiras são
materializados nos símbolos presentes nas peças e no trabalho compartilhado?
Metodologia
Ao observar o fazer artístico das bordadeiras da AMAP, dentro da categoria ‘gê-
nero’ (BUTLER, 2003), foi possível perceber recorrências estéticas e sensíveis que ressal-
tam o imaginário de mulheres. Assim, o trajeto metodológico sucedeu a partir da pers-
pectiva fenomenológica (CARVALHO; CARDOSO, 2015); a abordagem qualitativa (GIL,
2008) foi instrumentalizada com aporte nas representações estéticas e simbólicas de
Durand (2001) e das sensibilidades de Maffesoli (1998). Com relação à coleta de dados,
sucedeu-se a partir de registros fotográficos de parte do acervo da AMAP; e análise de
imagens foi realizada com base nas premissas propostas por Carvalho (2019).
Resultados e discussão
218
Historicamente, a prática de bordar refletia a mulher como um ser puro e recluso,
passando a defini-la socialmente. Sousa (2012, p. 11) revela que, durante os séculos XIX e
XX, bordar era um sinônimo de boa esposa, boa mãe e boa dona de casa. Nesse sentido,
o bordado estava relacionado à uma forma de opressão, visto que as mulheres, dentro
de uma submissão paterna e matrimonial, realizavam a prática do bordado para cabe-
rem dentro de um futuro socialmente planejado para elas.
Assim, ao observar o campo da arte, percebe-se a exclusão do bordado como um
fazer artístico e da mulher enquanto artista. Conforme Sousa (2012, p. 14), atividades
que podiam ser executadas por mulheres, a exemplo do bordado, não pertenciam às
artes, uma vez que mulheres eram tidas como seres intelectualmente inferiores. Desse
modo, o questionamento trazido por Nochlin (2016), “Por que n~o houve grandes mu-
lheres artistas?”, é compreendido, nesse contexto, da mulher n~o receber estímulos,
oportunidades e reconhecimentos, sendo marcada pela dominação masculina. Logo,
quando a AMAP materializa nas peças as representações das suas vivências nos permite
compreender a relação das bordadeiras com a sua arte.
Nesse sentido, ao observar as contribuições de Maffesoli (1998, p. 183), percebe-
se que uma sociedade existe quando a manifestação da sua cultura é externada pela
sociedade ou por apenas um grupo. Dessa forma, o bordado na figura 01 apresenta um
ritual culturalmente enraizado do ato de bordar, fazendo do bordado, um instrumento
de expressão pessoal e coletiva. Assim, ao relacioná-lo com uma ação cotidiana, a AMAP
reforça o pensamento do cotidiano ser a “própria articulaç~o da nossa existência” (CAR-
VALHO, CARDOSO, 2015, p. 109), em que por meio dele, o imaginário é compreendido
por símbolos.
Nessa perspectiva, percebe-se que muitas vezes, as bordadeiras partilham de uma
mesma realidade, levando o surgimento de um imaginário coletivo entre elas, que possibi-
lita compreender as narrativas geradas a partir dessas vivências. Logo, ao ressaltar a liber-
tação do imaginário das mulheres se estabelece um vínculo com a arte que possui inten-
ções feministas, visto que rompe com as leis formais (BOVENSCHEN, 1985, p. 57).
Nesse contexto, apresentando um corpo não sexualizado, elas promovem uma
ruptura com a cristalização do pensamento de que o corpo feminino está à mercê do
desejo masculino (CARVALHO, 2019, p. 12). Dessa forma, ao observar suas particulari-
dades, compreendemos como as bordadeiras fortalecem o protagonismo e a autonomia
feminina, valorizando a dimensão coletiva do bordado.
Conclusões
Evidenciamos na pesquisa as subjetividades e os simbolismos presentes nas pe-
ças das bordadeiras da AMAP, entendendo a importância da libertação do imaginário
das bordadeiras, visto que foi, por muito tempo, foi ignorado na história da arte, colo-
219
cando suas produções como extensão do lar. Ao observar suas produções, compreen-
demos como a AMAP insere outras representações para o feminino, e assim, suas peças
transformam e atribuem novos significados para a arte de bordar, utilizando esse fazer
como um instrumento de expressão e superação das vulnerabilidades, as bordadeiras
encontram nesse fazer artístico a segurança financeira e emocional.
REFERÊNCIAS
BOVENSCHEN, Silvia. Existe uma estética feminista? In: ECKER, Gisela. Feminist Aesthetics. 1.
ed. Barcelona: Icaria Editorial, 1985.
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato
Aguiar. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
CARVALHO, Mário de Faria. As performances contestatórias do Coletivo Monstruosas: exem-
plificação de transgressão na arte. No prelo, 2019.
CARVALHO, Mário de Faria; CARDOSO, Fernando da Silva. Contemporaneidade, Pesquisa
Social e Imaginário. Revista Nupem, Campo Mourão, v. 7, n. 13, p. 105-117, 2015. Disponível em:
http://fecilcam.br/revista/index.php/nupem/article/viewFile/793/603. Acesso em: 24 mar. 2022.
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à arquetipologia
geral. Tradução Hélder Godinho. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MAFFESOLI, Michel. Elogio da razão sensível. Petrópolis: Vozes, 1998
NOCHLIN, Linda. Por que não houve grandes mulheres artistas? Tradução de Juliana Vacaro.
São Paulo: Edições Aurora, 2016.
SOUSA. Maisa Ferreira de. O bordado como linguagem na arte/educação. 2012. 41 fls. Mono-
grafia (Graduação em Artes Plásticas), Universidade de Brasília, Brasília.
VASCONCELOS, Isabella Karim Morais de. Uma prática, um bem cultural: uma história sobre o
bordado na cidade de Passira-PE (1985-2008). 2016. 243 fls. Dissertação (Programa de Pós-
Graduação em História), Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife.
220
INCONSCIENTE OPERANTE: REFLEXOS DO “TRABALHO DO ATOR
SOBRE SI” NA DIDÁTICA PARA A MONTAGEM TEATRAL
Lucas de Araújo Rocha Carvalho
lucas_rocha.net@hotmail.com
221
elenco, além da adaptaç~o do texto “Uma Casa de Bonecas” (1879), de Henrik Ibsen. O
grupo se fez presente em toso o processo, nas pessoas de Aline Almeida, Angélica Loui-
se, David André, Ermerson Ruan (também como co-diretor), James Almeida, Josival Sil-
va e Lucas Carvalho.
Paralelamente, a partir dos trabalhos internos do grupo, foi realizada uma revisi-
tação dos contos de Anton Tchekhov, executada no formato de radioteatro. Ambos os
trabalhos dramatúrgicos foram realizados por Lucas Carvalho, com direção de Carla An-
tonello.
O processo teórico foi realizado remotamente, através de encontros na plata-
forma Google Meet, enquanto a prática sofreu forte influência da pandemia, em uma
proposta analítico-descritiva.
222
do o psicofísico - movimento/vida - e existindo um pensamento e um corpo, assim esta-
mos mais uma vez indissociando a perejivánie e voploschénie no processo criativo, na
distribuição dessas energias na cena.
Uma vez encerrado o processo com a turma, foi realizada a execução final do
processo próprio do grupo, realizado paralelamente a atuação do laboratório junto a
ETA/Ufal. Nele, o conto “O bilhete Premiado” e a comédia “O Urso”, foram adaptados
para a criaç~o da dramaturgia de “O Urso e a Cotovia”.
O pesquisador responsável adaptou e criou a comédia, compôs a sonoplastia e
apresentou-os para o grupo. O espetáculo conta a história de Maria e Ivan, um casal an-
sioso a espera do resultado da loteria, intercalado pela exibição da radionovela homô-
nima à peça, preferida de Maria, em um rádio defeituoso que liga e desliga sozinho. Em
cena, a proposta evidenciaria as ações físicas (com o casal em cena), enquanto destaca-
ria a fala cênica (nas intervenções radiofônicas), de maneira demarcada na dramaturgia.
Após realizar uma leitura dramática no primeiro dia de aula dos novos alunos do
curso de Arte Dramática da ETA/Ufal, as questões referentes à qualidade vocal levaram
o grupo a decisão de focar nessa proposta, transformando o texto em uma grande exe-
cução de áudio, a ser publicada ainda no mês de outubro de 2022.
Stanislávski (2009) propõe que “para o ator a palavra não é apenas um som, mas
sim um evocador de imagens” (STANISLÁVSKI, 2009, p. 153), carregando o subtexto, as
circunstâncias dadas e os movimentos internos. Desse modo, as experimentações de
intenções, leitura dramática, escala vocal, pausas lógicas e psicológicas, compasso ver-
bal e criação de partitura vocal foram aproveitados de uma maneira mais aprofundada.
Assim, o grupo pode observar que as técnicas trabalhadas alimentam e acionam
o nosso superconsciente, um estado de consciência inconsciente, rompendo a barreira
do clichê e criando as mais inesperadas hipóteses artísticas, transformando a prática do
ator. A versatilidade faz parte desse aprendizado e da aplicabilidade do cotidiano.
REFERÊNCIAS
MERINO, D. Sulerjítski, mestre de teatro, mestre de vida: sua busca artística e pedagógica.
São Paulo: Perspectiva. Claps - Centro Latino-Americano de Pesquisa Stanislávski, 2019.
STANISLÁVSKI, K. El trabajo del actor sobre sí mismo en el proceso creador de la encarna-
ción. 1. ed. Tradução de Jorge Saura. Barcelona: Alba, 2009.
ZALTRON, M. Stanislávski e o trabalho do ator sobre si mesmo. São Paulo: Perspectiva. Claps
- Centro Latino-Americano de Pesquisa Stanislávski, 2021.
223
ZÉ CARECA E DONA ZENE: REPRESENTATIVIDADES HISTÓRICAS E O
IMAGINÁRIO POPULAR DO MERCADO DE ARACAJU
Roberta Dayne de Oliveira Couto Barreto
robertadayne@outlook.com
Usamos a palavra cultura nestes dois sentidos: para designar todo um modo de vida
– os significados comuns -; e para designar as artes e o aprendizado – os processos
especiais da descoberta e do esforço criativo’.
225
mento da cultura popular da cidade e, por conseguinte, seu imaginário, pois, como di-
zem Franklin e Aguiar (2018, p. 253): “Sua novidade se assenta pela descriç~o dos h|bi-
tos, crenças e valores das classes trabalhadoras no momento em que estas se veem
constrangidas pela interferência inevitável da cultura de massas”.
REFERÊNCIAS
FRANKLIN, R. M; AGUIAR, A. S. P. Cultura popular, um conceito em construção: da tradição
dos românticos e folcloristas à emergência política dos estudos culturais. História e Cultura,
Franca, 2018.
HAGUETTE, Teresa Maria Frota. Metodologias qualitativas na sociologia. Rio de Janeiro: Vo-
zes, 2007.
HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Org. Liv Sovic; tradução de Ade-
laide Lá Guardia Resende. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
226
A TRAJETÓRIA DE JOAQUIM AUGUSTO NA CENA TEATRAL BRASILEI-
RA OITOCENTISTA (1841-1873)
José Augusto Souza e Silva Bianchini
jabianchini@usp.br
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Elizabeth R. Um Palco sob as Arcadas: o teatro dos estudantes de Direito do Largo
de São Francisco, em São Paulo, no século XIX. São Paulo: Annablume: FAPESP, 2000.
BOURDIEU, Pierre. “A ilus~o biogr|fica”. In: BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria
da ação. Tradução de Mariza Corrêa. 9 ed. Campinas, SP: Papirus, 2008, p. 74-82.
64 As cidades identificadas até o momento são: Pelotas, Rio Grande, Jaguarão, Porto Alegre, Santos, São
Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Niterói, Magé, Campos dos Goytacazes, Salvador, Recife, São Luiz e Belém.
65 A trajetória da companhia dramática de Fructuoso Dias pelo sul foi explorada em artigo publicado na
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e encontra-se disponível em:
https://www.seer.ufrgs.br/revistaihgrgs/article/view/111464.
66 Trata-se do drama Os jesuítas ou O bastardo do Rei, representado em 21 de novembro de 1846 no tea-
tro Sete de Setembro, em Pelotas.
228
DOSSE, François. O Desafio Biográfico: escrever uma vida. Tradução de Gilson César Cardoso
de Souza. São Paulo: EDUSP, 2009.
FARIA, João Roberto. O Teatro Realista no Brasil: 1855-1865. São Paulo: Perspectiva: Editora
da Universidade de São Paulo, 1993.
PAIXÃO, Múcio da. O Teatro no Brasil. Rio de Janeiro: Moderna, 1936.
SOUSA, José Galante de. O Teatro no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1960.
229
PERCURSOS ARTÍSTICOS: O PROCESSO DE CRIAÇÃO E PRODUÇÃO
DO FULANO DI TAL - GRUPO DE TEATRO
Marcelo Carvalho Leite
marceloleiteteatro@gmail.com
230
A participação nesses eventos artísticos possibilitou a interação dos membros do
Fulano di Tal - Grupo de Teatro com outros artistas da cena e com outros grupos teatrais da
Cidade de Campo Grande – MS e de outros estados brasileiros. Então, a convivência com
diferentes grupos teatrais possibilitou a observação de um específico modo de criação
cênica que parece ser comum aos diferentes grupos de teatro no âmbito nacional – a cria-
ção coletiva, modo de organização da criação artística que dilui hierarquias rígidas estabe-
lecidas diante das escolhas da equipe responsável pelo desenvolvimento da obra de arte.
Corroborando com essa questão, Patrice Pavis (2007, p. 79) diz que a criação co-
letiva “[...] Est| ligada a um clima sociológico que estimula a criatividade do indivíduo
em um grupo, a fim de vencer a ‘tirania’ do autor e do encenador que tendem a concen-
trar todos os poderes e a tomar as decisões estéticas e ideológicas.” Essa ideia deixa
evidente que a criação coletiva é um modo de organização que pressupõe um reconhe-
cimento dos modos de organização de movimentos sociais que, no âmbito nacional,
foram forjados a partir da organização de diversos grupos populares, como descreve o
cineasta, professor e pesquisador Pedro Abib (2005, p. 54), ao afirmar que “Boa parte
desses movimentos sociais nutre-se da experiência, das vivências, das formas de organi-
zação e das visões de mundo provenientes da cultura popular […].”
Com referência em ABIB (2005), pode-se entender que o Fulano di Tal - Grupo de
Teatro também nutriu-se “da experiência, das vivências, das formas de organizaç~o e
das visões de mundo provenientes da cultura popular” e assim seguiu a sua trajetória
teatral conquistando, no ano de 2012, o Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz, para
produção e montagem do Espetáculo O Santo e a Porca de autoria do poeta e romancis-
ta Ariano Suassuna.
Com este espetáculo o Fulano di Tal - Grupo de Teatro se apresentou nos princi-
pais teatros da Cidade de Campo Grande – MS, abrindo festivais de teatros, participando
de mostras de artes da cena e circulando pelo Estado de Mato Grosso do Sul. Essa circu-
lação deu uma grande visibilidade ao Fulano di Tal - Grupo de Teatro e isso pôde ser per-
cebido no público que, a cada curta temporada em diferentes cidades do estado, era
cada vez maior.
A partir de então, o Fulano di Tal - Grupo de Teatro não parou mais seus processos
criativos, montando espetáculos a partir de obras de autores brasileiros e conhecidos do
grande público como: Ópera do Malandro de autoria de Chico Buarque e Do Bem-Amado,
uma livre adaptação do clássico O Bem Amado de autoria de Dias Gomes. O primeiro
espetáculo ficou em circulação por três anos intercortados e tinha como característica
principal a utilização do canto à capella. O segundo espetáculo transportou a politica-
gem do sertão nordestino para a politicagem do Estado do Mato Grosso do Sul e, no ano
de 2022, segue para sua quarta temporada.
231
Também em 2022 o Fulano di Tal - Grupo de Teatro completa dezenove anos de
existência e atuação nos palcos sul-mato-grossenses, realizando espetáculos, mostras e
oficinas de teatro. Nestas quase duas décadas de caminhada, de fomento à cultura regi-
onal, formação de plateia e pesquisa continuada, a união e a troca com outros artistas
regionais foram as principais marcas dos processos de criação que o grupo enfrentou.
Foram dezessete espetáculos encenados que circularam não só na capital, como em
outras cidades do Mato Grosso do Sul e outros estados.
Atualmente, o Fulano di Tal - Grupo de Teatro comporta, além da montagem e
circulação de espetáculos teatrais, duas pesquisas que estão em andamento por inter-
médio da ligação de seus membros com a Licenciatura em Teatro da Universidade Esta-
dual de Mato Grosso do Sul – UEMS. Uma das pesquisas propõe uma reflexão a partir da
análise da trajetória de alguns atores-criadores do grupo. A outra pesquisa, de onde ori-
gina-se o texto aqui apresentado, consiste no levantamento histórico do fazer artístico
do grupo a partir de fotos e vídeos dos espetáculos, matérias de jornais e entrevistas
com os componentes atuais e ex-integrantes do Fulano di Tal - Grupo de Teatro.
No contexto da universidade, ambas as pesquisas resultarão em trabalhos de
conclusão de curso, mas, seguirão possibilitando outras investigações teórico-práticas
aos seus artistas da cena que entendem que “na pesquisa em artes cênicas, o corpo é
autor, criador e pesquisador; estudo, estudado e estudante: é o meio e o fim; tema e
método; quem, o que, como e onde”. (FERNANDES, 2008, p. 03).
REFERÊNCIAS
ABIB, Pedro Rodolpho Jungers. Capoeira Angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda.
São Paulo: UNICAMP - CMU Publicações / BA. EDUFBA, 2005.
FERNANDES, Ciane. Entre Escrita Performativa e Performance Escritiva: O Local da Pesquisa
em Artes Cênicas com Encenação. Salvador: UFBA, 2008.
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. 3aed. [Trad. GUINSBURG, J; PEREIRA, Maria Luci.]. São
Paulo: Perspectiva, 2007.
232
BONITO PRA CHOVER TAMBÉM É AÇÃO
Daniela Alves Pereira
daniela.alves@urca.br
233
Junto com a construção desse corpo quase parado, anotamos nossos sonhos.
"Não se pode tocar o cabelo ao acordar ou esquecemos o que sonhamos"; "Dormir com uma
folha de louro debaixo do travesseiro"; "Sim, não peguem o celular ao acordar, peguem o
lápis, durmam ao lado de um caderno", nos disseram as pessoas. Em encontros ainda re-
motos compartilhávamos nossos sonhos, inspirados pelas descrições encontradas em
Sidarta Ribeiro, e criamos uma espécie de inventário acessível a todas as pessoas inte-
grantes do grupo, isso seria a nossa "dramaturgia". Tal compartilhamento buscava a
troca de imaginários, mas também a tentativa de construção de um sonho coletivo de
futuro, pois ainda estávamos mergulhados na pandemia causada pela covid19.
Num exercício sobre construção de ações, não buscávamos a prontidão de um
corpo preparado para estar em cena, apto a responder imediatamente os estímulos re-
cebidos e preenchidos de todas as leituras possíveis ao se colocar diante do outro. Nada
iria acontecer. Precisávamos antes desadestrar um corpo que não dorme mais, em que a
necessidade do sono foi substituída por um corpo que recebe informações vinte e quatro
horas por dia e sete dias por semana, "Ao contrário, aparecem cacos conscientes e sen-
síveis, agindo e se observando agir; afetando-se mutuamente, deixando-se transpassar
pelo mundo. Descobrindo-se caco, pedaço, fragmento, coisa, homem, mais que ho-
mem" (MOTTA LIMA). Paramos para observar a nossa respiração. É tempo expandido, é
tempo degustativo. O que vejo, como vejo, me percebo e vivo. O que me atravessa?
Como sentir? Como respirar? O que sonho? As imagens que perpetuam em nossa mente
ao dormir, gerou reflexões, ações, inspirações para dramaturgia do grupo e diálogo, que
busca reencontrar e reestabelecer um elo com o místico, o sagrado, o espiritual e a natu-
reza. Nos tornando porosos para criar. E assim, nossas percepções, sensações e senti-
mentos, transformaram-se em imagens ficcionais ou cotidianas, ações que dialogam
diretamente com a nossa presença no mundo.
A ação onírica é um conceito ainda em movimento. E como a experiência do si-
lêncio pode ser motor ou estruturar uma cena em que a ação ensaia um uso outro da
linguagem cênica, talvez uma cena anterior a cena, que se aproxime do efeito de sonho,
utilizando metáforas artaudianas? A ação onírica, por enquanto, é uma ação que encon-
tra o silêncio como respiração e fôlego. É certo que por mais convulsionada que se en-
contre a cena contemporânea atual, o silêncio não aparece aqui como a negação do que
está posto ou como uma experiência que não corre os riscos de clichês e banalizações. A
pista que se pretendeu seguir foi justamente o paradoxo que o silêncio propõe: uma au-
sência que impulsiona uma cena-ação que se mantém em luta com o que se apresenta
como obst|culo. Como nos diz Quilici, “O silêncio assinalaria assim tanto o limite da lin-
guagem como a condição essencial para sua renovaç~o” (QUILICI, 2015).
Trabalhamos com essas três estruturas – um corpo quase parado | os sonhos | as
234
narrativas-imagens do sertão do Cariri e criamos uma sequência de imagens do cotidia-
no e/ou imaginário que foram capturadas e transformadas em pequenos vídeos. Os so-
nhos se transformaram em nossa dramaturgia, imagens, o corpo no espaço, no tempo,
quase parado, um afeto capturado, fragmentos de memórias, relação e contatos imate-
riais. Nossa ação onírica é uma tentativa de nos percebermos como parte do espaço que
estamos. O espaço não é mais só a cena, mas também nosso espaço no mundo, com o
mundo. Assim, nosso "bonito pra chover" também é ação.
REFERÊNCIAS
DIÉGUEZ, Ileana. Um teatro sem teatro: a teatralidade como campo expandido. Sala Preta,
Revista de Artes Cênicas, USP, São Paulo, v.14, n.1, p. 125-129, 2014.
CARVALHO, Gilmar de (org). Bonito pra chover: ensaios sobre a cultura cearense. Fortaleza:
Edições Demócrito Rocha, 2003.
MOTTA-LIMA, Tatiana. A noção de escuta: afetos, exemplos e reflexões. ILINUX – Revista do
Lume, Unicamp, Campinas, n.2, p. 1-19, 2012.
QUILICI, Cassiano Sydow. O ator-performer e as poéticas de Transformação de si. São Paulo:
Annablume, 2015.
RIBEIRO, Sidarta. O oráculo da noite: A história e a ciência do sonho. São Paulo: Companhia das
Letras, 2019.
235
QUADRO DE ANTAGÔNICOS: APLICABILIDADE FÍSICO-ENERGÉTICA
NO PROCESSO CRIADOR DA PEQUENA CIA DE TEATRO
José Cláudio Marconcine
jc.marconcine@discente.ufma.br
236
processo criador da PCT para a composição das personagens e treinamento de ato-
res/atrizes.
Para análise do tratamento que o corpo do/a ator/atriz tem na PCT, foi utilizada a
produção acadêmica dos últimos anos, pesquisados nos repositórios, bem como alguns
autores e autoras que tratam da atuação e especialmente do corpo do/a ator/atriz, como
Barba (1995), Moretti (2003), Greiner (2005) e Katz (2015).
Colocá-los-emos em diálogo com os documentos textuais e imagéticos da PCT,
costurando a compreensão de que tipo de corpo fala e labora nos espetáculos anterior-
mente encenados69 e de como o QdA é utilizado como potência criativa nos corpos de
atores/atrizes envolvidos/as.
Nessa perspectiva, analisamos o QdA buscando revisá-lo em atravessamento e
diálogo com/no corpo, na construção de representações, considerando sua aplicabilida-
de físico-energética e propondo-nos, a partir dessa revisitação, sugerir uma sistematiza-
ção do QdA, tendo sua disponibilização assegurada na WEB.
O método utilizado para abordar o problema de pesquisa é o estudo de caso,
sendo o QdA o caso analisado, com três unidades: ‘Entrelaços’ (2009); ‘Pai&filho’ (2010);
e ‘Velhos caem do céu como canivetes’ (2013).
Esses espetáculos foram escolhidos por terem o mesmo procedimento metodo-
lógico adotado para a composição das personagens e treinamento de atores/atrizes,
bem como a atuação do primeiro autor em todos eles.
De natureza aplicada e abordagem qualitativa, utilizamos, para a coleta de da-
dos, a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental, a observação participante natural e
entrevistas focalizadas e semiestruturadas, possibilitando, com esses procedimentos
técnicos, a triangulação necessária a esta pesquisa.
Na pesquisa documental analisamos os cadernos de encenação dos espetáculos
elencados, blogue da PCT - que se constitui em um repositório de teorizações da pesqui-
sa artística do coletivo -; apostila da oficina ‘O QdA como instrumento de treinamento
para o ator’; registros audiovisuais; processos de montagem, treinamentos, íntegra dos
espetáculos unidades de análise; registros de montagens/treinamento e fotos.
Para as entrevistas semiestruturadas, o universo de respondentes é constituído
pelo encenador e atores envolvidos nos espetáculos pesquisados, a saber: Marcelo Fle-
cha, encenador dos espetáculos; Jorge Choairy, ator em dois dos espetáculos; e Lio Ri-
beiro, ator em um dos espetáculos analisados, constituindo assim o núcleo artístico que
participou das montagens da PCT em análise.
69 Especificamente os que tiveram a atuação do primeiro autor e usaram o QdA em sua construção: ‘En-
trelaços’, de Gilberto Freire (2009); ‘Pai&Filho’, de Marcelo Flecha (2010); ‘Velhos caem do céu como cani-
vetes’ (2013), de Marcelo Flecha.
237
Já as entrevistas focalizadas foram feitas somente com o encenador Marcelo Fle-
cha, para dar conta de demandas específicas visando a elaboração da lista dos ritos de
chegada, alongamentos e aquecimentos existentes nos cadernos de encenação dos es-
petáculos unidades de análise.
A observação participante natural é um procedimento técnico adequado à revi-
são e entendimento das metodologias adotadas, pela configuração de envolvimento do
primeiro autor junto ao objeto de estudo.
Na análise dos dados coletados utilizamos a Análise Textual Discursiva (ATD) por
contemplar em sua estrutura tanto a Análise do discurso quanto a Análise de conteúdo,
subsidiando o aprofundamento analítico que um estudo de caso único exige, tendo co-
mo suporte para essa análise qualitativa o software NVIVO 11 para Windows, por se en-
contrar disponível em Língua Portuguesa, diferentemente de seus congêneres.
Como resultado final disponibilizamos a revisão do QdA em plataforma on-line70,
contendo arquivos multimídia com navegabilidade adequada, intuitiva e responsiva,
bem como demonstração técnica do método para treinamento de ator/atriz e composi-
ção de personagens utilizado nos espetáculos anteriormente elencados.
REFERÊNCIAS
BARBA, Eugênio. Queimar a casa: origens de um diretor. Trad. Patricia Furtado. São Paulo:
Perspectiva, 2010. 299 p.
BARBA, Eugênio, SAVARESE, Nicola. A arte secreta do ator: dicionário de antropologia teatral.
Trad. Luís Otávio Burnier. Campinas: Editora da Unicamp, 1995. 271 p.
GREINER, Christine. O corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2012.
150 p.
KATZ, Helena. GREINER, Christine. (Org.). Arte&Cognição: corpomídia, comunicação, política.
São Paulo: Annablume, 2015. 275 p.
MORETTI, Andrezza Campos. A percepção energética como guia para a composição de poéti-
cas corporais. 2003. 73 p. Dissertação (Mestrado em Artes). UNICAMP. Campinas.
70 Todos os materiais relacionados a esta pesquisa estará disponível, integralmente, a partir do mês de
novembro de 2022, através do endereço: https://marconcine.site/.
238
O ANIMISMO COMO CAMINHO PARA A BIOMECÂNICA DE MEYE-
RHOLD ENCONTRAR O TEATRO BUNRAKU
Scarlett Siqueira do Valle
scarlettdovalle@gmail.com
REFERÊNCIAS
240
em:<https://revistas.udesc.br/index.php/moin/article/view/1059652595034701052008069>.
Acesso em: 15 out. 2018.
LEITER, S.L. (Ed.). A Kabuki Reader: History And Performance.Armonk, N.Y.: M.E. Sharpe,
2002.
MEYERHOLD, Vsevolod. Do teatro. São Paulo: Iluminuras, 2012.
PICCON-VALLIN, Béatrice. Meyerhold e as marionetes. Revista MÓIN-
MÓIN.n.4,2007.Disponível em: <http://www.revistas.udesc.br/index.php
/moin/article/view/1059652595034702042007125/8059>. Acesso em: 15 out. 2018.
________________. Meierhold. São Paulo: Perspectiva, 2013.
SANTOS, Maria Thaís Lima. Na Cena do Dr. Dapertutto: Poética e pedagogia em V. E. Meie-
rhold, 1911 a 1916. São Paulo: Perspectiva, 2009.
SHIODA, Cecília Kimie Jo; YOSHIURA, Eunice Vaz; NAGAE, Neide Hissae (Org.). Dô – caminho
da arte: do belo do Japão ao Brasil. São Paulo: Editora da Unesp, 2013.
YONEYAMA, Shoko. Animism in Contemporary Japan: Voices for the Anthropocene from
post-Fukushima Japan. Routledge, 2018.
241
CARTOGRAFIA ENQUANTO CAMINHO METODOLÓGICO CRIATIVO:
DEVIR E EXPERIÊNCIA COM EDUCADORES(AS)
Manoela Bezerra da Silva
manoelabezerradasilva@gmail.com
Fernando da Silva Cardoso
fernando.cardoso@ufpe.br
Podemos dizer que é na e/ou pela experiência que a perspectiva cartográfica pode
acontecer, pois possibilita o movimento e a criação a partir dos horizontes, dos caminhos
que s~o mobilizados, uma vez que “o sentido da cartografia: acompanhamento de percur-
sos, implicaç~o em processos de produç~o, conex~o de redes ou rizomas.” (PASSOS;
KASTRUP; ESCÓSSIA, 2009, p. 10). São caminhos que dialogam com as brechas, as linhas
de fugas, passagens, aberturas, potência de si, experiências, vivências, constituição do ser.
A partir da cartografia são acessados campos sensíveis, se adentra territórios que
o devir apresenta. É possível, assim, contemplar, criar, recriar os espaços com o outro
sem, a priori, sem concepções pré-estabelecidas ou pré-julgamentos, processos carto-
grafados pelo rizoma, que “se refere a um mapa que deve ser produzido, construído,
sempre desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas entradas e saí-
das, com suas linhas de fuga” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 32).
Desse modo, o movimento cartográfico permite acesso a zonas fronteiriças, às
densidades, à contemplação e ao todo do território, junto ao outro. Assim, possibilita
“cultivar a arte do encontro” (LARROSA, 2015, p. 25), o fazer com, é via possível de cria-
ção. A cartografia, pelo devir e pelo rizoma, potencializa os sentidos que há nessa cria-
ção com o outro, movimento de corpos, de existências, de lugares ou não-lugares; abre-
se para a contemplação das experiências, e, portanto, mapeando. De tal modo:
Nesse mapa, justamente porque nele nada se decalca, não há um único sentido para
a sua experimentação nem uma mesma entrada. São múltiplas as entradas em uma
cartografia. A realidade cartografada se apresenta como mapa móvel, de tal manei-
ra que tudo aquilo que tem aparência de "o mesmo" não passa de um concentrado
de significação, de saber e de poder, que pode por vezes ter a pretensão ilegítima de
ser centro de organização do rizoma. Entretanto, o rizoma não tem centro (PAS-
SOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2009, p. 10).
243
aproximar das regências, das estesias do ser.
REFERÊNCIAS
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs. Tradução de Aurélio Guerra Neto e Célia Pinto
Costa. Rio de Janeiro: Coleção TRANS, 1995.
LARROSA, Jorge. Tremores: escritos sobre a experiência. Tradução de Cristina Antunes e João
Wanderley Geraldi. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana. Pistas do Método da Cartografia:
pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2009.
244
O GESTO E A SIGNIFICAÇÃO NO ESPETÁCULO SAUDADE – TERRAS
D’AGUA
Sílvia Lhullier Lugão
silvialhullier@gmail.com
REFERÊNCIAS
246
d’eau: une approche sémiotique du “ thé}tre gestuel ” de la compagnie Dos { Deux. 2021. 121p.
Dissertação (Master Arts de la scène et du spectacle Vivant) – Université de Reims Champagne-
Ardenne, Reims, 2021. Disponível em: https://dumas.ccsd.cnrs.fr/dumas-03520617. Acesso em:
5 mar. 2022.
PAVIS, Patrice. Problèmes d’une sémiologie du geste théâtral. In: PAVIS, Patrice. Vers une
théorie de la pratique théâtrale : voix et images de la scène. 4 ed., Villeuneve d’Ascq : Presses
universitaires du Septentrion, 2007. p. 81-112.
247
SOBRE LUÍSAS: UMA EXPERIÊNCIA DE TEATRO-CINEMA PERFORMA-
TIVA
Ribamar Ribeiro
ribamar_ribeiro@yahoo.com.br
Trazer este projeto para o SPA foi de extrema importância, principalmente pelo
intercâmbio com pesquisadores e suas propostas. Antes de narrar acerca de Sobre Luí-
sas, inicio aqui uma breve resenha sobre a companhia. Os Ciclomáticos é uma Compa-
nhia com estilo diversificado em termos de linguagem teatral, pois personifica as pro-
postas de encenação idealizadas em cada projeto, com a missão de promover arte tea-
tral criativa e múltipla. Os espetáculos teatrais e ações de formação artística são cons-
truídos de forma coletiva ao longo de nossa caminhada. Conforme o poeta Theodore
Roethke (ROETHKE, 1975 apud CAMERON, 1996, p.165), “Aprendemos caminhan-
do/Para onde temos que caminhar”.
Com 25 anos de existência, 12 espetáculos em repertório, inúmeras temporadas
(muitas realizadas nos teatros cariocas: João Caetano, Carlos Gomes, Dulcina, Glauce
Rocha), participações em festivais de teatro nacionais e internacionais (incluindo o Fes-
tival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, na abertura oficial, com o espetá-
culo Casa Grande e Senzala – Manifesto Musical Brasileiro, em 2015), a Companhia con-
quistou diversos prêmios (mais de 200) e indicações em todas as categorias, solidifican-
do-se não só na cena teatral carioca, mas também nacional. Além de se apresentar em
todas as regiões brasileiras, já se apresentou em países como Alemanha, Peru e França.
Em seu percurso, a Companhia passou por diversos gêneros, desde textos trágicos
a montagens voltadas para a infância e juventude, mostrando a sua pluralidade e o desejo
de conversas com públicos diferenciados. Por meio da dramaturgia cênica, já revisitou
autores de expressão mundial, como Federico Garcia Lorca, Sófocles, Nelson Rodrigues,
Jean Genet, Jorge Amado. Além de apostar na contemporaneidade da encenação, da es-
crita e na individualidade de cada integrante da Companhia, nela formam-se multiartistas.
Possuindo forte vocação na área educacional e contribuindo na formação artística,
a Companhia criou o projeto Os Ciclomáticos DNA, que consiste em preparar jovens e
adultos nas áreas das artes cênicas, levando-lhes a forma do fazer teatral da Companhia.
Após este preambulo trago aqui a pesquisa acima citada.
Em 2021, a Companhia abriu inscrições para seu Projeto Os Ciclomáticos DNA,
com direção de Ribamar Ribeiro, contemplado com o Prêmio Ações Locais da Prefeitura
da Cidade do Rio de Janeiro/Secretaria Municipal de Cultura e da Secretaria Especial de
248
Cultura do Ministério do Turismo do Governo Federal, por meio da Lei Aldir Blanc (Lei nº
14.017, de 29 de junho de 2020), que define ações emergenciais destinadas ao setor cul-
tural durante o estado de calamidade, em função da Covid-19.
O ponto de partida foi a estrutura do teatro-seminário, metodologia criada por
Ribamar Ribeiro, desenvolvida em processos colaborativos e que tem a
“coralidade” como elemento estruturante, aspecto importante da narratividade
presente neste trabalho de criação. A pesquisadora Lêda Aristides (2018, p. 79), em sua
dissertação de mestrado, analisa tal metodologia e afirma:
Cada temática exigida pelo diretor traz a criação de uma nova forma, de algo vivo
que está acontecendo. O teatro-seminário permite essa experimentação, já que possibi-
lita trazer a obra do autor – ou tema – e mesclar sua estrutura narrativa na própria ence-
nação. Esse procedimento faz com que a dramaturgia e a encenação sejam abertas para
uma criação coletiva. Junto a esta estrutura existe, ainda, uma inspiração na narrativa
utilizada pelo coro grego e com destaque para a figura do corifeu. Assim, constrói-se o
arcabouço que funciona como base do teatro-seminário, como exposto no estudo de
Lêda Aristides (2018, p.80).
O ponto de partida para a nossa montagem foi o texto Rondó – parte do livro Fa-
lo de Mulher, da autora Ivana Arruda Leite –, que também nomeia uma técnica literária.
O conto narra a história de Luísa, que julga ser impossível terminar seu caso com Mário.
No decorrer da história, nos deparamos com a história de Luísa, que é amante de Mário,
e está cansada de suas mentiras e de uma relação tóxica e destrutiva, mote inclusive que
Ivana coloca de forma poética no texto: “aquele amor mais parecia um c}ncer ou um
vício que n~o se cura”. (LEITE, 2011, online)
A relação aberta e direta com o elenco e com os assistentes permitiu contribui-
ções na dramaturgia, na encenação e na concepção de Sobre Luísas. A criação dessa ex-
periência, que era um híbrido de teatro, performance e cinema, deixou o projeto cada
vez mais interessante e intenso. Foi realmente uma experiência única e renovadora, já
que toda a equipe envolvida estava completamente imersa no projeto. Chegamos ao
título final: Sobre Luísas - uma experiência de teatro-cinema performativa.
Engendrar dimensões da realidade que se vive e o que pode compor repertórios
artísticos confere sensibilidades e formações que, uma vez encontradas, exprimem es-
tratégias e surpresas, sobretudo quando experiências em uma pandemia. Nos relacio-
nando e implicando a todos, que tipo de cenários nosso modo de fazer arte poderia aco-
249
lher? Com recursos e contatos limitados, como resistir e sobreviver? Essas duas pergun-
tas foram inquietações para a proposição de Os Ciclomáticos DNA. Após uma pandemia,
o que ficará destas experiências artísticas? Que passamos por um período histórico e de
inquietudes e inquietações não há dúvidas, mas e nós artistas como fomos impactados
por tantas experiências? Acredito que estas respostas não virão agora e espero esperan-
çosamente que tenhamos aprendido algo com tudo isso, pois o lugar da arte e do artista
é no palco, é na rua, é na ágora!
REFERÊNCIAS
250
O PEDAGOGO TEATRAL EM TREINAMENTO
Ismar André Smith Rachmann
ismarsm@yahoo.com.br
71 Informação oral
251
tor e um ator. Um profissional altamente qualificado, em constante estudo e pesquisa,
descobrindo novas linguagens artísticas e pedagógicas. Seria capacitado para acompa-
nhar o ciclo de desenvolvimento dos atores e diretores, não apenas enquanto frequen-
tam a escola, mas constantemente, em cada abertura criativa, em cada nova fase da
trajetória artística. Um professor totalmente dedicado à tarefa pedagógica, independen-
te em relação às lógicas das produções do teatro comercial, deixando assim o ambiente
da escola “livre dos vícios do mercado”. Se a cultura de um país n~o for capaz de valori-
zar a posição dos professores na sociedade, a perspectiva de um novo paradigma em
relação à qualidade artística e humana não parece grande aos seus olhos.
É importante relembrar que Alschitz é um aluno direto da tradição da escola rus-
sa. A influência de seus professores é sempre mencionada por ele, como uma filiação
artística.
Ao mesmo tempo em que a valorização do pedagogo demanda uma mudança no
imaginário social, a sua busca por novos conhecimentos deve ser um objetivo diário du-
rante a vida, para que se reinvente, e sempre crie algo novo, trazendo novos métodos
para si mesmo e para os aprendizes. Alschitz (2012) realça também a importância do
autoconhecimento, como “o único caminho para seguir vivo na profiss~o”, ou seja, estu-
dar a si mesmo e “ensinar os outros”, afirmando ainda ser esse o único caminho que co-
nhece. Defende o desenvolvimento de um pensamento aberto e inclusivo, que não se
restringe apenas a um tipo de estética, linguagem ou mesmo às formas que atendem a
comunidade euroasiática, ao contrário, visa valorizar o trabalho do aluno/professor a
partir das qualidades pessoais e pertinentes à sua própria cultura.
O pedagogo tem a função de criar as condições propícias para que o ensino acon-
teça. A aula pode e deve se transformar em arte, ou ser mais artística, e o exercício é o
caminho para que isso se dê. Durante o Master, Alschitz trouxe o desafio para que saís-
semos daqueles dois anos com uma “pasta” repleta de novos exercícios além de outros
já existentes nos seus métodos de trabalho. Passamos os quatro módulos criando exer-
cícios, novas variações, e os realizando entre nós, passando pelos diversos temas que o
curso trazia. A exigência era que tivéssemos total ciência de qual era o objetivo de cada
exercício. Essa posição que variava entre ser professor e aluno, nos ajudava na compre-
ensão dos possíveis resultados de cada experimento. Cabe ao pedagogo criar a atmosfe-
ra para que a criatividade do ator se desenvolva e para que cada exercício aplicado desa-
broche em uma cena ou em um momento artístico. O Foco está no ator encontrar um
estado interno que Alschitz chama “estado de exercício”, em que o frescor da descober-
ta esteja sempre presente, seja num simples experimento ou numa cena perante o pú-
blico. Segundo ele, não é o ator que faz o exercício, e sim, o exercício que faz o ator.
Quanto mais competente for o trabalho do pedagogo, mais criativa e autoral a obra se
252
tornará para o artista. Outra responsabilidade dos pedagogos, segundo essa visão, é a
organização do processo de autopreparação do ator, como parte integrante de qualquer
ensaio ou aula. A autopreparação acontece em casa, antes do momento do encontro.
Ao professor, cabe compreender como trabalhar sobre si mesmo, organizando o
seu próprio processo de autopreparação, mantendo a própria criatividade desperta, en-
contrando o seu estado de exercício. Ao professor, cabe se perguntar como preparar
uma aula ou ensaio que sejam uma obra de arte em si.
REFERÊNCIAS
ALSCHITZ, Jurij. Quarenta Questões para o Papel: Um Método para a Autopreparação do ator.
Tradução de Marina Luizovna Nogaeva Tenório. São Paulo: Perspectiva, 2012.
253
DO TEATRO AO CINEMA: UMA CARTOGRAFIA DO PROCESSO CRIATI-
VO DO FILME INFERNINHO
Rafael Martins de Oliveira
rafael123@hotmail.com
A re-existência marca a trama de Inferninho e não surge à toa. Ela já estava lá, no
modo de produção do filme e em todo o percurso rumo à obra. O longa-metragem es-
treou em janeiro de 2018 no Festival de Rotterdam, na Holanda. Em seguida, foi exibido
255
em diversos festivais pelo mundo e, em 23 de maio de 2019, estreou comercialmente,
entrando em cartaz em diversas cidades brasileiras.
Ao criar uma espécie de inventário de tudo o que foi vivido, fiz da minha pesquisa
um grito de sobrevivência, um convite à reinvenção da vida, à criação de outras possibi-
lidades, outros mundos. A cultura e a universidade pública brasileira têm sido alvo de
sucessivos ataques, mas ambas resistem. É preciso afirmar a vida nesses espaços.
REFERÊNCIAS
256
DRAMATURGIA NEGRA BRASILEIRA – PANORAMA E ANÁLISE DE
TEXTOS PUBLICADOS NO SÉCULO XXI
Lucas Antonio Bebiano
lucas.bebiano@ufpe.br
72 Mas o que dizer sobre o grande panorama de textos cênicos no Brasil, que colocam a negridade como
centro da narrativa, mas foram escritos por dramaturgas/os brancas/os? É exatamente o caso da maioria
das dramaturgias incluídas na ontologia Dramas Para Negros e Prólogo Para Brancos de Abdias Nascimento
(1961), no qual a maioria foram escritas por dramaturgos brancos. Tentando entender especificamente
esse caso da década de 60, flertou-se muito durante os encontros da pesquisa com o termo “dramaturgia
257
A premissa de estabelecer um mapeamento nacional de profissionais negras/os
que exercem o ofício da escrita para o teatro é desafiadora. O primeiro movimento foi
recorrer à internet, mais precisamente ao site Melanina Digital73, que concentra um ban-
co de dados acerca das/os dramaturgas/os negras/os do Brasil. O número de profissio-
nais no site contribuiu para se traçar uma rede nacional de dramaturgas/os. Em seguida,
as redes sociais dessas/es profissionais foram localizadas. Em alguns casos precisou ser
feito um primeiro contato informal, em que eu explicava o contexto da pesquisa e pedia
(se possível) algumas informações como: quantidade de textos publicados, coletâneas e
organizações de dramaturgias negras que tinha participado etc. Foi dessa forma, com a
facilidade das redes sociais, que o mapeamento foi se expandindo, um nome sendo le-
vado a outro. Na primeira semana do processo de catalogação já se tinha mais de 30
dramaturgas/os para análise.
A regionalidade das/os dramaturgas/os precisou ser constantemente levada em
consideração nesse processo. Não seria possível estabelecer uma plena catalogação sem
compreender que negridades e subjetividades andam juntas, foi preciso se direcionar às
peculiaridades regionais e locais que podem levar a diferenças nas relações sociorraciais
em cada estado, cidade, às vezes até bairro. Essa perspectiva movimentou a pesquisa a
pensar dramaturgas/os negras/os dentro da realidade sociorracial de cada região, e não
exclusivamente do local de onde parte a pesquisa.
A região Sudeste foi a que mais apresentou registros de dramaturgas/os ne-
gras/os, com um total de 34. Quando levamos em consideração as/os já publicadas/os,
esse número cai para 27. Em seguida, temos a região Nordeste com 21 dramaturgas/os,
e, não por acaso, quando levadas em consideração as dramaturgias publicadas, o núme-
ro cai para apenas 06. As regiões Sul, Norte e Centro-Oeste mantiveram constantes os
seus dados, respectivamente, 04, 02 e 01 dramaturgas/os catalogadas/os e publica-
das/os nessas regiões.
De fato, a grande maioria das editoras brasileiras que publicam dramaturgias para
o teatro está concentrada no eixo Rio-São Paulo, consequentemente as dramaturgias ne-
gras sudestinas vão ocupar maior espaço das editoras. E para fins de pesquisa como essa,
no qual existe uma reflexão estética e política em cima das dramaturgias negras publica-
das no Brasil, é necessário ter a noção de que a maioria dessas dramaturgias é do sudeste
antirracista”. Hoje, pensamos que compartilhar a escrita de uma dramaturgia pautada na negridade ao
lado de uma/um dramaturga/o negra/o é possivelmente a estratégia mais próxima do que chamamos de
“dramaturgia negra e antirracista”.
73 Trata-se de uma plataforma colaborativa que se propõe a concentrar conteúdos acerca das dramaturgi-
as negras contemporâneas. O principal dispositivo utilizado no processo de catalogação foi um espaço do
site chamado “Dramaturgos”, uma aba reservada para conhecer as trajetórias e os trabalhos de profissio-
nais das dramaturgias negras no Brasil.
258
brasileiro. Em consequência disso, o que majoritariamente entra de forma oficial nas bibli-
ografias de cursos e pesquisas universitárias são as dramaturgias negras sudestinas.
Podemos adquirir, comparativamente, algumas informações pertinentes quando
levamos em consideração esse número a partir dos estados de cada região. O estado da
Bahia ocupa o primeiro lugar na categoria de maior concentração de dramaturgas/os
negras/os, porém, quando levados em consideração as/os profissionais com obras já
publicadas/os, o estado cai para a terceira posição. São Paulo e Minas Gerais lideram
como os estados que mais publicam suas/seus dramaturgas/os negras/os, com 09 publi-
cações cada.
Em seguida temos Rio de Janeiro com 05 publicações, Espirito Santo com 04, Rio
Grande do Sul e Paraná com 02 e o Distrito Federal, o Acre e o Pará com 01 publicação
cada. Pernambuco é o único estado da pesquisa onde se tem ciência da presença de
dramaturgas/os negras/os, mas que ainda não tiveram nenhum de seus textos publica-
dos. Dessa forma, o estado da Bahia se torna o único de toda a região nordeste do país
que já publicou dramaturgias negras.
Considerações Finais
Até o momento, dentro da perspectiva da regionalidade, fica visível a realidade das
dramaturgias negras brasileiras dentro das políticas de publicação das editoras no país.
Essa etapa da pesquisa foi fundamental para que se pudesse ser criado um norteador do
campo e material a ser pesquisado, uma vez que antes de entrarmos no campo da análise
estética das dramaturgias, cabia ser feita a análise sociopolítica, respondendo assim à
pergunta: quem são as pessoas negras que conseguem publicar dramaturgias no Brasil?
Assim, o mapeamento nacional das/os dramaturgas/os negras/os e seus respecti-
vos textos publicados possibilita um farto banco de informações a servir como material
de pesquisa. A partir de agora, o olhar voltado para cada texto publicado será mais in-
trínseco, permitindo à pesquisa destacar os elementos cênicos e estéticos das drama-
turgias em questão.
REFERÊNCIAS
259
A FORMAÇÃO CIRCENSE NO BRASIL: A PRESENÇA DAS MULHERES
NO ENSINO DOS SABERES CIRCENSES
Eliana Rosa Correia
likarosa.arte@gmail.com
Essa pesquisa se inicia por meio da analise sobre o desenvolvimento dos saberes
circenses e os desdobramentos pedagógicos desenvolvidos pelas professoras e artistas
Amercy Marrocos, Marion Brede, Neide Silva e Delisier Rethy, atuantes nas escolas de
circo no Brasil entre as décadas de 1980 e 1990. Verificando em caráter exploratório e
investigativo, as influências dessas professoras na formação circense da cena brasileira,
busca um aprofundamento das relações circo-gênero-feminino e o ensino dos saberes
circenses, a partir das pesquisas de SILVA (1996) e BENÍCIO (2000).
Considerando a natureza descritiva e exploratória dessa pesquisa, o seu desen-
volvimento parte de uma abordagem qualitativa, permitindo a investigação pessoal com
cada professora-artista, e coletiva, a partir dos estudos sobre gênero e identidade no
universo pedagógico das artes do circo.
Com o desenvolvimento das escolas de circo no Brasil a partir de 1980, houve o
surgimento de novas produções artísticas que se misturavam as formas tradicionais dos
saberes circenses. A formação das escolas de circo e a pedagogia desenvolvida, caracte-
rizou um acontecimento novo na história das artes circenses no Brasil, pois no período
que corresponde os anos de 1950 a 1970, os saberes circenses eram transmitidos tradici-
onalmente apenas pelos grupos familiares ou “sob a lona”.
De acordo com Silva (1996), o circo traz como herança dos artistas ambulantes e
saltimbancos a transmissão do saber de geração para outra geração, que envolve todo o
saber da vida cotidiana de um grupo nômade. No Brasil, registra-se, a partir do início do
século XIX, a presença de várias famílias circenses europeias, que trouxeram a tradição
de transmitir exclusivamente a oralidade do saber circense.
261
tervenções na vida social, juntando experimentação, pesquisa e atuação, para construí-
rem um processo de aprendizagem. As artes circenses, como manifestação cultural,
transitam pelos diferentes espaços e classes sociais, exercendo fascínio às habilidades
incomuns - de homens e mulheres - que são somadas pelo encantamento de sua produ-
ção poética e estética. A dimensão interdisciplinar dessas práticas apresentou-se como
proposta para formação de novos artistas circenses, assim como a preparação de artis-
tas do teatro e da dança, que buscaram as artes circenses como um novo modo para
ampliar suas criações artísticas.
REFERÊNCIAS
BENÍCIO, Eliane. Saltimbancos Urbanos: o circo e a renovação teatral no Brasil, 1980-2000. São
Paulo: Perspectiva, 2018.
SILVA, Erminia. Circo-teatro: Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no Brasil. São Pau-
lo: Altana, 2007.
SILVA, Erminia. Respeitável público... O circo em cena. Rio de Janeiro: Funarte, 2009.
SILVA, Erminia. Aprendizes permanentes: circenses e a construção da produção do conheci-
mento no processo histórico. In: BORTOLETO, Marco Antonio Coelho; BARRAGÁN, Teresa On-
tañón; SILVA, Erminia. Circo: horizontes educativos. São Paulo: Autores Associados, 2016. p. 7-
26.
262
UM MAR DE FITAS NO TEATRO: O GRUPO IMBUAÇA E A RESSIGNIFI-
CAÇÃO DA CULTURA POPULAR
Patricia Brunet Carvalho de Andrade
patybrunet.art@gmail.com
Palavras-chave: Cultura popular, teatro de rua, teatro sergipano, Grupo Teatral Imbua-
ça.
Sejam todas e todos bem vindos a esta Nau, uma embarcação baseada na histó-
ria de um dos mais antigos grupos de teatro de rua do Brasil: O grupo Imbuaça. Um cole-
tivo de Aracaju, Sergipe, que há 45 anos faz da rua o seu palco, cantando e encantando
centenas de transeuntes, de norte a sul deste país.
Para Patrice Pavis, teatro de rua:
263
da introdução de elementos que até hoje compõem a estética do grupo. Segundo Lin-
dolfo Amaral “Mariano acrescentou ao debate as questões da Cultura Popular. Dentre os
temas estavam as danças e os folguedos sergipanos. (AMARAL, 2008, p.14).
Essa referência vai ser conduzida através das fitas de cetim, que sob diversos tons
de azul formam a Nau posta em cena, ganhando uma representatividade simbólica com
o estandarte do grupo no ponto mais alto desta embarcação.
Como herança de uma cultura europeia medieval, o estandarte foi um legado dos
colonizadores portugueses que o introduziram no Brasil colônia como artefato de
caráter semiológico e estético para identificação das tropas militares, das confrarias
e irmandades religiosas, dentre outras instituições, e que ganhou espaço cada vez
maior em cortejos e outros desfiles públicos. (SILVA, 2016, p. 53).
O Riso neste contexto pode ser visto como forma aprendida de executar o Reisado
de Sabal apresentando-se como função marcadora da sequência narrativa do gru-
po. Mas para além de marcar a sequência, o Riso – a gargalhada de Sabal – é uma
das características fortemente associadas ao grupo, singularizando-o em relação
aos demais grupos folclóricos que dançam o Reisado. (VALÉRIA, 2012, p. 88).
264
ços, os mais populares que existem.” (BISPO, 2019).
Nesta “embarcaç~o” chamada Imbuaça, muitos foram os navegantes. Inúmeros
artistas construíram esta narrativa e também são citados em cena, numa linda homena-
gem ao ofício do artista da cena. Navegar é preciso, e o grupo Imbuaça est| em “alto
mar” h| 45 anos levando a cultura popular sergipana para todos os estados do Brasil e
alguns países.
Pode-se concluir que no espetáculo “Mar de Fitas Nau de Ilus~o” existe um entre-
laçamento com a cultura popular sergipana que respalda todo o trajeto artístico do gru-
po, o desenvolvimento estético a partir de um referencial identitário, que se configura
numa pesquisa de linguagem caracterizada através das manifestações culturais e de
representações no decorrer dessas quatro décadas.
REFERÊNCIAS
AMARAL, Lindolfo. Imbuaça 30 anos, construção da memória. 1ª ed. Aracaju. Prêmio Myriam
Muniz. Funarte. 2008.
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de Fran-
çois Rabelais. São Paulo: HUCITEC; [Brasília]: Editora da Universidade de Brasília, 1987.
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: 3ª Edição. Editora Perspectiva, 2007.
SILVA. Hugo Vandré Cavalcanti da. ESTANDARTES – Bandeiras de Festa e Tradição: Uma
análise da simbologia e linguagem visual dos estandartes dos clubes e troças do carnaval de Re-
cife e Olinda. Recife, 2016.
VALÉRIA. Cristina Bonini. Imagem, Educação e Conhecimento: A Fotografia Sobre O Reisado
De Sabal. Aracaju, 2012.
ENTREVISTA
BISPO, Iradilson. Depoimento [junho. 2019]. Entrevistadora: Patricia Brunet Carvalho de Andra-
de. Aracaju: UFS, 2021. No mar de fitas da cultura popular sergipana: uma celebração aos 40
anos do grupo de teatro Imbuaça.
265
ENTRE VOCES, SABERES Y CREACIONES
Laura Vanessa Borda Pérez
lbordap@unal.edu.co
Ana Cristina Pansera de Araújo
ana.chris.araujo@gmail.com
¿Cuándo nuestra voz es válida o no, bajo las estructuras de la academia? Nuestras
investigaciones realizadas separadamente en Colombia y Argentina encontraron un
desafío común al intentar utilizar otras formas de conceptualización en nuestros textos
de grado para las distintas universidades en que cursamos. En nuestros escritos, insisti-
mos en presentar la sabiduría de personas fuera de la academia, textos poéticos e imá-
genes como parte de la conceptualización del trabajo y no como simple ilustración de
otros conocimientos validados por la academia. Cada investigación se vió enfrentada
por una estructura rígida que deslegitima esas otras fuentes de conocimiento y maneras
de abordarlo; permitiéndonos observar más de cerca una problemática que durante
años se ha reproducido por y en la academia: la de desconocer, restringir y minimizar
tanto las maneras como los conocimientos que se reproducen fuera de los esquemas
coloniales y hegemónicos. Como nos recuerda Grada Kilomba en su libro Recuerdos de
Plantación:
[...] me dicen comúnmente que mi trabajo sobre el racismo cotidiano es muy intere-
sante, pero no realmente científico, un comentario que ilustra el orden colonial en
el que residen los eruditos Negros; "Tienes una perspectiva muy subjetiva"; "muy
personal;" "muy emocional;" "muy especifica;" “¿Son estos hechos objetivos?”. Ta-
les comentarios funcionan como una máscara, que silencia nuestras voces tan
pronto como hablamos. Permiten que el sujeto blanco vuelva a colocar nuestro
discurso en los márgenes, como conocimiento desviado, mientras que sus discur-
sos permanecen en el centro, como norma (2021, p. 9, destaque nuestro).
266
en transcripciones exactas, pues lo importante era cómo los diálogos con aquellas per-
sonas se reflejaban en la comprensión de los conceptos presentes en su trabajo, y no la
museificación de lo que fue dicho por otros.
Con el pasar del tiempo Ana entendió que muchas de las sensaciones de violencia
que le atravesaban durante la escritura de la tesis, se vincularon a la existencia de una
autoridad externa que usaba de fuerza moral para imponer sus valores y creía que podía
decidir lo que era mejor para ella. Por esto, el espacio de libertad que encontraba al iden-
tificarse como investigadora-performer era muy valioso. Era un lugar en donde podía
respetar sus necesidades de expresión sin estar encarcelada en estructuras rígidas o de-
seos ajenos a los suyos. En ese contexto nació Anitaíma, personaje poético-conceptual
que se entreteje en la escritura a partir de expresiones estético-poéticas, su inclusión en
la versión final de la tesis fue necesaria para expresar los pensamientos y preguntas que
se acercaban a los estudios decoloniales, a los nuevos modos de producción y circulación
de conocimiento a partir del encuentro con otras voces y cosmovisiones. En simultáneo,
fue el dispositivo que Ana encontró para traer a la superficie las sensaciones de dolor y
las narrativas que no cabían en los estándares de la escritura académica tradicional. En
este sentido, planteamos que a través de un poema (o cualquier obra artística) es viable
discutir una hipótesis y teorizar sobre algo y cuanto más el espacio universitario sea
permeable a conocimientos externos y sus otras formas de investigación, más compren-
siones sobre la vida y la existencia humana y no-humana serán posibles.
Por otra parte, la aproximación y relación respetuosa con saberes, prácticas y ofi-
cios ancestrales; se divisan como otro desafío para la academia. Proceso en el cual Laura
ha venido ahondando, gracias a la relación con diferentes comunidades originarias de
Colombia, en las que escuchando a sus sabedores y siendo participe de las prácticas an-
cestrales que le han sido permitidas, ha ido encontrando que en la sabiduría de estos
pueblos originarios se encuentran importantes conocimientos que nuestra sociedad ne-
cesita escuchar y aplicar con urgencia, para intentar detener el rumbo destructivo en el
que nos encontramos actualmente bajo el sistema capitalista y consumista que se re-
produce desde la misma educación que nos imparten. Actualmente su trabajo se ve en-
focado en la aproximación y gestación de maneras otras de educarnos y formarnos, en
relación con los saberes, las prácticas y las cosmovisiones de los pueblos originarios de
América74, para ir transformando el paradigma actual, en maneras, formas de vida y de
relaciones con ella, más armónicas y respetuosas desde la interculturalidad.
74 Este concepto de América es nombrado desde el postulado del maestro Jaime Martinez Luna, (México
Oaxaca), que expone en su libro "eso que llaman comunalidad", dónde rompe la distinción entre Latinoa-
mérica y Estados Unidos de América, para entender que América es un continente del que los del norte,
los del centro los del sur somos parte.
267
Hoy entendemos que escuchar otras voces fuera de los textos académicos, tiene
la potencia de permitirnos avanzar en la creación de relaciones horizontales entre los
conocimientos producidos en los distintos campos sociales y ampliar nuestros horizon-
tes de vida, para la creación de esas realidades otras, desde el respeto y la armonía que
tanto necesitamos si deseamos preservar la vida.
REFERÊNCIAS
268
DANÇA DE SALÃO E A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: ESTAMOS
ATENTAS E ATENTOS ÀS MUDANÇAS?
Francisca Jocélia de Oliveira Freire
joceliafreiredancasdesalao@gmail.com
Introdução
Considerando que, problemas sociais como machismo, a heteronormatividade,
o racismo, o sexismo, a homofobia entre tantos outros são vivenciados constantes nos
ambientes de danças de salão, tornou-se necessário e urgente debates que tratem das
Danças de Salão por uma nova perspectiva, que colaborem para um olhar que coloque
em pauta aspectos críticos relacionados à sociedade e que perpassam tais Danças. Desta
forma, o Grupo Dois em Um surge com o intuito de promover apresentações, aulas e dis-
cussões que contribuam para desenvolver uma análise crítica acerca do atual formato
das Danças de Salão, sua constituição, comportamentos e práticas pedagógicas.
Em março de 2020, com o início da pandemia causada pelo Covid-19, todas as
pessoas que atuam profissionalmente como artistas, professoras, coreógrafas e dança-
rinas foram afastadas dos seus ambientes de trabalho e atuação presenciais. Desta for-
ma, os projetos do Grupo Dois em Um também precisaram ser suspensos, assim como
todas as outras atividades do setor artístico e educacional. No entanto, o formato de
atividades virtuais foi ganhando força e muitas instituições começaram a promover
eventos on-line, a exemplo da Universidade Federal da Bahia com o Congresso Virtual
UFBA 2020, e com ele a primeira oportunidade de apresentar as questões abordadas
pelo Grupo Dois em Um no ambiente acadêmico através da submissão de um tema para
uma das mesas promovidas pelo evento.
A mesa “Danças de Sal~o e a Sociedade Contempor}nea: Estamos Atentas/os {s
mudanças?" propôs uma reflexão sobre o formato tradicional acerca dos papéis estabe-
lecidos nas Danças de Salão, construindo um novo olhar para tais papéis na busca de
compreender que não estão relacionados exclusivamente à designação de gênero femi-
nino ou masculino ao sujeito, mas que tanto conduzir como ser conduzido podem ser
papéis/funções exercidas por qualquer pessoa, basta que a mesma tenha desenvolvido
as habilidades básicas para, dentro de uma dança, propor um movimento ou entender
uma proposição.
269
No entanto, muitas reflexões e questões surgiram durante o debate proposto pe-
la mesa, assim, nasce a necessidade de continuar as discussões em outro ambiente e
com outras pessoas que estivessem interessadas e desenvolvendo pesquisas que tives-
sem relação com a proposta. Desta forma, o projeto, em um formato maior, se concreti-
za em doze vídeos em formatos de “live” que trouxe profissionais das Danças de Sal~o
do Brasil que tensionam questões refletidas a partir do tema aqui proposto e buscam
novas abordagens para o ensino nas Danças de Salão.
Um dos intuitos dos encontros foi estimular a formação e informação das demais
pessoas participantes como ouvintes dos debates, seja praticante, amante, profissional
ou curiosos acerca das Danças de Salão. A temporada, que ocorreu entre 6 de junho e 19
de agosto de 2020, teve mais de 18 horas de transmissão ao vivo, mais de 1.700 visuali-
zações, através do Canal YouTube e Facebook do Grupo Dois em Um. O projeto foi rea-
lizado de forma independente e contou com suporte de divulgação de profissionais e
amigos das danças de salão por todo o Brasil, fortalecendo o ambiente formativo, num
período onde dançar a dois se multiplicou pela possibilidade de dançar com vários atra-
vés destas transmissões online. Para as pessoas que tiverem interesse em acessar as
discussões, podem acessar os vídeos ainda disponíveis em
www.youtube.com/grupodoisemum.
REFERÊNCIAS
FEITOZA, Jonas Karlos de Souza. Danças de Salão: os corpos iguais em seus propósitos e dife-
rentes em suas experiências. 2011. 84p. Dissertação (Mestrado em Dança), Faculdade de Dança,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.
PAZETTO, Debora; SAMWAYS, Samuel. Para além de damas e cavalheiros: uma abordagem
Queer das normas de gênero na dança de salão. Revista educação, artes e inclusão. v.14. n.3.
jul.-set. 2018. p. 157-179.
POLEZI, Carolina; MARTINS, Anderson. Condução e contracondução na dança de salão Hori-
zontes. 2019. Disponível em: <https://doi.org/10.24933/horizontes.v37i0.770>. Acesso em: dez.
2020.
SILVEIRA, Paola de Vasconcelos. Pela urgência do fim da boa dama - os papéis de gênero na
dança de salão. Anais ABRACE. v. 19, n. 1, p. 2018. Disponível em:
<https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/abrace/article/view/3999/4099>. Acesso em
10 out. 2020.
270
STILETTO – UMA BREVE REVISÃO SOBRE A DANÇA QUE SE FAZ NO
SALTO ALTO
Matheus dos Anjos Margueritte
margueritte.bio@gmail.com
Stiletto – Uma breve revisão sobre a dança que se faz no salto alto é um recorte es-
pecífico da pesquisa de mestrado em andamento Dançar (n)o salto alto: A Educação Per-
formativa como convite ao ensino de Heels em academias de dança, vinculada ao Progra-
ma de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (PPGE/UFPR),
linha de pesquisa LiCorEs – Linguagem, Corpo e Estética na Educação.
Como etapa obrigatória do desenvolvimento da dissertação de mestrado do su-
pracitado Programa, é necessário realizar uma discussão sobre o Estado da Arte do tra-
balho, isto é, um levantamento bibliográfico de autoras e autores que estejam tratando
da mesma temática (ou correlata) da sua pesquisa. Nesse sentido, trago para a discussão
a minha dificuldade em encontrar textos acadêmicos que referenciem o Stiletto a partir
do prisma epistemológico das Artes e/ou da Educação.
Estamos tratando de uma dança contemporânea, no sentido cronológico do tem-
po, que se faz no salto alto, cujos primeiros relatos datam de menos de 30 anos. Stiletto ou
Heels (Dance), como tem sido chamada, é uma prática artística que remonta e questiona
os lugares de feminilidade e sensualidade na dança, estando presente, principalmente, em
espaços não-formais de ensino, como as academias de dança. Dentro da minha experiên-
cia enquanto professor de Heels nestes contextos, tenho notado que os corpos que esco-
lhem dança-la são corpos ditos dissidentes, seja de gênero, raça, classe ou sexualidade,
como é o meu caso. Portanto, mapear as discussões que têm sido feitas (ou não) sobre o
Stiletto pode se apresentar como fator importante para investigações relacionadas a téc-
nicas de dança, performatividade de gênero e processos de ensino-aprendizagem.
Deste modo, selecionei afetivamente três plataformas online para a realização
do levantamento bibliográfico sobre Stiletto, nas quais as palavras-chave utilizadas fo-
ram “Stiletto”, “Heels (Dance)” e “Salto Alto”. importante destacar que a busca das
palavras deu-se de maneira individual e combinada, sendo que no caso da palavra
“Heels”, termo advindo da língua inglesa que significa “salto”, a combinaç~o com a pala-
vra “Dance” fez-se necessária, pois os algoritmos das plataformas escolhidas seleciona-
vam inúmeros trabalhos tratando do objeto salto alto, sem necessariamente este estar
ligado aos processos artísticos e/ou educativos.
A primeira plataforma escolhida foram os Anais do Seminário de Pesquisas em
271
Andamento da Universidade de São Paulo (SPA-USP), isto é, os cadernos de resumos
expandidos do presente evento. Embora o SPA esteja em sua 11ª edição, não foi possível
acessar os materiais das edições anteriores a 2017, uma vez que o site da própria institui-
ção estava desatualizado. A escolha por esta plataforma deu-se por dois motivos: es-
tarmos imersos neste evento no presente momento; e, a minha participação no SPA
desde 2019.
Sendo assim, acessei o Caderno de Resumos Expandidos dos anos de 2017, 2018,
2019 e 202175, disponíveis no Facebook e nos sites das edições anteriores. A partir da
consulta nos sumários disponíveis e da busca das palavras-chave citadas anteriormente,
nota-se a inexistência de trabalhos publicados com a temática de interesse desta pes-
quisa. Reforço que a ausência de publicações não significa, necessariamente, a falta de
pesquisas apresentadas no SPA, uma vez que a publicação de resumos expandidos é
facultativa.
A segunda plataforma selecionada foi o site da ANDA – Associação Nacional de
Pesquisadores em Dança, na qual estão disponíveis os Cadernos de Resumos Expandi-
dos das pesquisas apresentadas nos Congressos Científico-Nacionais de Pesquisadores
em Dança dos anos de 2011 a 2021. Tratando-se de um evento importante a nível nacio-
nal, o qual reúne pesquisadores de todo o Brasil, julguei necessária a busca por rastro
sobre o Stiletto nestes encontros.
Como resultado, pude observar que nos últimos 10 anos foram publicados 1.267
trabalhos, sendo que apenas 1 trata especificamente de Stiletto, publicação esta de mi-
nha autoria. Ademais, 25 pesquisas fazem referência ao uso do salto alto, entretanto,
todas relacionadas {s danças de sal~o. J| no que diz respeito ao termo “Heels (Dance)”,
nenhum trabalho foi encontrado.
É importante destacar que, assim como o SPA-USP, as publicações do ANDA
também não são obrigatórias e, portanto, as poucas publicações relacionadas à dança
que se faz no salto não significam diretamente a inexistência de trabalhos apresentados
nas diferentes categorias disponíveis pelo evento.
Por fim, a terceira e última plataforma selecionada foi o Catálogo de Teses e Dis-
sertações da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior,
escolha esta pautada na relevância das publicações e na reunião de todos os trabalhos
de pós-graduação vinculadas a instituições de ensino superior cadastradas na CAPES.
Embora o número de trabalhos publicados seja expressivo quando digitamos a pa-
lavra-chave “Salto Alto” (35.549), este se reduz consideravelmente quando associamos as
75 Por conta da pandemia da Covid-19, a equipe organizadora do SPA-USP cancelou a edição que seria
realizada no ano de 2020. Devido a inexistência do evento, o Caderno de Resumos do referido ano não foi
publicado.
272
palavras “Heels (Dance)” (3) e/ou “Stiletto” (1). A grande presença de pesquisas tratando
do salto alto deve-se ao seu uso em diferentes danças e áreas do conhecimento, como
trabalhos relacionados à moda e a antropologia. E, embora existam 4 trabalhos referentes
ao uso do salto alto no Heels/Stiletto, nenhum deles trata de saberes específicos às Artes
ou a Educação, mas sim de epistemologias provenientes das áreas da saúde.
Deste modo, conclui-se que o baixo número de publicações relacionadas ao Sti-
letto pode indicar a tímida presença desta dança em contextos acadêmicos, o que não
pode ser interpretado como ausência de pesquisas que versam sobre. A oralidade, os
saberes que acontecem a partir das trocas em sala de aula, as afetações e demais possi-
bilidades de construção de conhecimento são rotas possíveis para pesquisas em Dança
e, enquanto pesquisador, reforço a necessidade da Universidade acolher estas episte-
mes como fontes de conhecimento válidas para as nossas escritas.
273
TRAGYCOMEDIORGYA: O RITUAL DO TEAT(R)O OFICINA À LUZ E SOM
DE PENSAMENTOS E PRÁTICAS EQUADOR ABAIXO
Letícia Barbosa Coura
leticiacoura@uol.com.br
Neste projeto de doutorado, que inicio este ano, proponho uma reflexão sobre a
relação teatro e ritual no processo de criação da Companhia Teatro Oficina Uzyna Uzo-
na, a partir de uma análise do período em que atuei junto à Companhia, de 1999 a 2018.
Um olhar de dentro, uma interpretação que terá como fio condutor o espetáculo Ma-
cumba Antropófaga, uma transcriação para o teatro do Manifesto Antropófago de Os-
wald de Andrade, processo que se iniciou em 2009 com um primeiro experimento com
público, teve sua estreia no Teatro Oficina em São Paulo em 2011, e temporadas de su-
cesso nos anos seguintes, com as últimas apresentações (até agora) em setembro de
2017, com direção de José Celso Martinez Corrêa. Assim como nos ritos de diversas cul-
turas espalhadas pelo mundo, em que se canta e se vive os mitos de criação, esse espe-
táculo recria em tragycomediorgya o mito da criação da cultura brasileira, através da
Antropofagia visionária do autor.
A cultura brasileira é uma mistura de influências das culturas dos diversos povos
originários e dos povos que chegaram a partir de 1500, seja como invasores, conquista-
dores, colonizadores, escravizados ou convidados para ‘embranquecer’ o país, j| nos
séculos XIX e XX. No teatro essas influências são responsáveis pela criação de uma lin-
guagem original, que teve no Padre Anchieta um exemplo de tentativa de colonização
cultural, de uma ideia de teatro a partir de uma visão de mundo europeia e cristã, mas
que ao mesmo tempo se desenvolveu a partir das práticas e religiosidade de diversos
povos originários e de diferentes povos africanos que chegaram trazendo seus costu-
mes, sua cultura e visão de mundo. Essas influências fizeram com que o teatro aqui pra-
ticado, principalmente teatro de grupo e muitos tendo como característica comum a
presença forte do coro, se desenvolvesse também a partir dessas práticas, abrindo dife-
rentes caminhos para a prática teatral.
A vontade de continuar a investigação sobre o processo de criação da Companhia
Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona é a principal guia deste projeto de doutorado. Aprofundar
a investigação nos dois sentidos, de dentro pra fora, a partir dos quase vinte anos de
trabalho junto à Companhia, e de fora pra dentro, a partir do diálogo com outros pensa-
dores, outras linguagens e outras disciplinas que de certa forma se debruçam sobre o
mesmo tema.
274
E que tema é esse? O papel da arte na sociedade contemporânea? As interseções
entre arte e rito, arte e mitos de criação, arte e religiosidades? Os caminhos da arte e do
teatro especificamente em uma sociedade cada vez mais materialista, um mundo de
visão de mundo preponderante neoliberal, onde tudo tem um valor de troca, onde nada
é sagrado, mas – no nosso caso em grande parte do Brasil de hoje – afirma-se e impõe-
se a existência de um deus vingativo que ninguém vê e que cada um adequa a seus pró-
prios interesses? E chegamos então ao Teatro Oficina e suas práticas rituais de teatro.
Esse é o ponto.
Em todas as montagens em que atuei com a Companhia, mesmo quando ence-
návamos em Bacantes o nascimento do teatro na Grécia antes de Cristo, ou Os Sertões
em Canudos do final do século XIX, estávamos sempre em diálogo com os diferentes
tempos, nunca abstraindo o dia de hoje em nome de alguma vivência de uma outra épo-
ca. Por mais que fôssemos personagens atuando em outro período histórico, estávamos
sempre presentes hoje e aqui mesmo. O próprio espaço do teatro já traz essa presença
no momento de agora, e o janelão aberto para o minhocão cortando o bairro do Bixiga
não nos deixa esquecer onde estamos. É tudo junto e misturado.
O objetivo então não é especular ou discutir a origem do teatro, ou da arte. É re-
fletir sobre a arte em si, o acontecimento que só existe no aqui agora da cena, mais ain-
da, da contracenação, em constante transformação e reinvenção. Os nomes mudam,
mas as práticas milenares continuam as mesmas, é sempre a tentativa do encontro com
o absoluto.
Quero então falar de nós mesmos, do que fazemos aqui, como o teatro é essa
força de ligação com o absoluto, com o tudão, e como algumas práticas, entre elas – e
sob o meu ponto de escuta, principalmente na relação com a música já que me dediquei
ao trabalho com o coro – o canto, são as nossas ferramentas de hoje para provocar essa
ligação. É uma reflexão a partir de onde eu estou, urbana, pensar os ritos que praticamos
aqui mesmo no centro de uma grande cidade latino-americana. Ou melhor dizendo, lo-
calizando melhor, sempre dialogando com o poeta Oswald de Andrade, no Matriarcado
de Pindorama.
Assim como a linha mestra do meu trabalho anterior, de mestrado, foi o processo
de criaç~o d’Os Sertões (transcriação para o teatro pelo Oficina do clássico de Euclides
da Cunha), aqui tomo como fio condutor o processo de criação de Macumba Antropófa-
ga, espetáculo criado a partir do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade (2011),
que teve sua primeira experimentação com público em São Paulo em 2008, uma pré-
estreia em Inhotim (Brumadinho, MG), na instalação de Hélio Oiticica – Invenção da Cor,
Penetrável Magic Square #5, De Luxe –, uma segunda experiência na Flip – Festa Literá-
ria – de Paraty em 2010 e finalmente a estreia no Teatro Oficina em 2011.
275
Novamente um autor brasileiro, Teatro Oficina no seu terceiro espetáculo a partir
de uma obra de Oswald de Andrade (depois das encenações de O Rei da Vela e Mistérios
Gozosos), este também (como Os Sertões e outros espetáculos da Companhia) uma
adaptação de um texto não escrito originariamente para teatro, e virado música pelo
Oficina. Onde a presença do coro é muito forte, protagonista na maior parte do tempo,
muitas vezes em contraposição a algum protagonista individual. Oswald de Andrade é
um grande guia e principal inspirador destas reflexões, cuja poesia permeia e está sem-
pre presente nos trabalhos da Companhia.
A associação do trabalho do grupo com o ritual já se dá pelo tema do espetáculo.
Como muitos ritos onde mitos da criação são evocados e vividos pelos participantes,
aqui presentamos o mito da criação – ou descoberta – da Antropofagia a partir da cria-
ção do quadro Abaporu de Tarsila do Amaral (personagem que interpretei / incorporei
desde o experimento em Inhotim até a apresentação mais recente, em 2017), retratando
o antropófago de pés gigantes em contato com a terra, e que em língua tupi quer dizer
homem que come gente. Inspirado por ela Oswald de Andrade escreveu seu Manifesto
Antropófago.
Assim como em todo o processo d’Os Sertões entramos na gênese do povo brasi-
leiro, quem é, de onde vem, de que cultura, quem é cada um dos atuadores, quem é o
público, com a Macumba Antropófaga avançamos para a gênese da cultura brasileira
inspirada pela Antropofagia, uma forma de compreender o que se passou nesse caldei-
rão durante os séculos de mistura de povos a partir da colonização europeia. A gênese
da nossa cultura própria, única e original. “O Carnaval do Rio é o acontecimento religioso
da raça. Pau Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A
formaç~o étnica rica”, j| afirmava Andrade em outro manifesto anterior, o da Poesia
Pau Brasil (2011, P. 59).
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Oswald de. A Utopia Antropofágica. São Paulo: Globo, 2011.
276
TRANSFORMAÇÕES DRAMATÚRGICAS NO LABORATÓRIO ESPAÇOS
SENSÍVEIS
Mariana Rosa e Silva Santos
marianarosaess@gmail.com
277
como agindo sobre o sistema cinestésico do espectador. A dramaturgia orgânica ou di-
n}mica, para Barba inclui “o modo de compor e tecer os dinamismos, os ritmos, as ações
físicas e vocais” (BARBA, 2014, p.39-40). Para o ator, possui uma lógica extraída da “pró-
pria biografia, das próprias necessidades, da experiência e da fase existencial e profissi-
onal em que se encontra, do texto, da personagem ou das tarefas que tinha recebido,
das relações com o diretor e com os outros companheiros.” Existem ainda, para Barba a
dramaturgia narrativa, como “trama de acontecimentos que orienta os espectadores
sobre o sentido ou os v|rios sentidos do espet|culo”, e “a dramaturgia evocativa, ou
seja, a faculdade que o espet|culo tem de gerar resson}ncias íntimas no espectador”
(BARBA, 2014, p.39-40).
Dentre os procedimentos que utilizamos nos encontramos muitas vezes na fun-
ç~o de “escrever sem escrever”, termo trazido por Leonardo Villa-Forte em seu livro
homônimo sobre apropriaç~o na literatura. Esse trabalho, de “copiar e colar”, ou seja, se
apropriar de textos já escritos, mas recombinando-os, exige uma atenção ao contexto e
ao meio expositivo, além de uma ousadia ao associar trechos distintos. Isso já é reco-
nhecido nas artes visuais e no audiovisual, mas o que acontece quando pensamos sob
essa lógica na escrita dramatúrgica? Se entendemos que “nada se cria, tudo se trans-
forma”, abrimos portas para um processo de criaç~o no nosso Laboratório onde as fun-
ções de ator, diretor e dramaturgo se confundem, sem abrir m~o da escrita “textual”,
quando convém. Todos somos autores.
É por isso que ao lidarmos com tantos dispositivos e possibilidades de criação
dramatúrgica precisamos de um olhar mais atento às movimentações internas, das par-
ceiras e do coletivo. A apropriação é, portanto, um mecanismo primário na dramaturgia
narrativa do Laboratório.
Outro procedimento é descobrir a linha das ações, a partitura. As atrizes traba-
lhando sobre as personagens Marianne, Alzira e Caim, trabalham sobre a precisão des-
sas estruturas mantendo ainda a espontaneidade. Diversas ações surgem a partir de
como percebem a personagem, e outras vezes são propostas pela direção a partir do que
parece “emergir” sob a forma de impulso. Essas ações são estruturadas e é geralmente a
partir daí que elas se transformam organicamente. Na cena Faúlha observamos que o
contexto muda a intensidade das ações, mas também, em alguns momentos, o que as
atrizes percebem como subtexto.
Quando Marianne posa para uma foto em uma entrevista de revista, descobri-
mos uma ação na qual a personagem se levanta e olha para o fotógrafo sorrindo, e aos
poucos perdendo a postura até concluir que “me sinto ridícula na hora da foto” (texto de
Ingmar Bergman). Essa última ação foi posteriormente incorporada na cena Faúlha. En-
quanto Vontade (interpretada por Rebeca Souza) fala sobre um homem que ela conhe-
278
ceu e que fez “psiu” na rua, a outra personagem de Ana Schaefer, Angústia, faz a mesma
ação de Marianne na primeira cena: se levanta e sorri para a foto até ir aos poucos per-
dendo a postura. Com isso, o espectador pode observar uma ação orgânica, anterior-
mente trabalhada, mas em outro contexto: em um, Marianne se sente ridícula para po-
sar para foto; em outro Angústia se levanta e sorri para o homem. Destino também re-
pete, no fim da cena, a ação de Caim no momento em que parte para o ataque de Abel,
porém, na nova cena, há a menção de matar outro alvo, alguém na plateia, e a ação se
restringe ao impulso.
Essas escolhas de repetição influenciam no texto. Na última versão escrita de Fa-
úlha demos uma maior importância ao que une aquelas personagens ali, o que elas teri-
am em comum apesar das diferenças: estão respondendo a um julgamento. Pergunta-
mo-nos pelo que elas estão sendo julgadas. Quando combinamos o texto com essas
ações, novos significados surgem.
Se assumirmos que a escrita dramatúrgica no Laboratório Espaços Sensíveis é
um trabalho de juntar retalhos e transformá-los, podemos pensar nas vozes múltiplas
que se costuram em um mesmo tecido. É um trabalho de escuta dos pequenos movi-
mentos visíveis e invisíveis.
REFERÊNCIAS
BARBA, Eugenio. Queimar a casa: as origens de um diretor. São Paulo: Perspectiva, 2014.
VILLA-FORTE, Leonardo. Escrever sem escrever: literatura e apropriação no século XXI. Rio de
Janeiro: PUC Rio; Belo Horizonte, MG: Relicário Edições, 2019.
279
UM OLHAR PARA AS CRÍTICAS TEATRAIS DE YAN MICHALSKI NO
JORNAL DO BRASIL (1964-1982)
Ana Paula Dessupoio Chaves
anadessupoio@gmail.com
281
guia responder – e propõe ao leitor que vá ao teatro formar sua própria opinião a respei-
to do que está em debate.
REFERÊNCIAS
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Traduzido por Luís Antero Reto, Augusto Pinheiro.
São Paulo: Edições 70, 2011.
BERNSTEIN, Ana; JUNQUEIRA, Christine. A crítica teatral moderna. In: FARIA, João Roberto
(Ed.). História do teatro brasileiro: do Modernismo às tendências contemporâneas. São Paulo:
SESC/ SP, 2013. Vol. 2. p. 161-174.
BERNSTEIN, Ana. A crítica cúmplice: Décio de Almeida Prado e a formação do teatro brasileiro
moderno. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2005.
GARCIA, Maria Cecília. Reflexões sobre a crítica teatral nos jornais: Décio de Almeida Prado e
o problema da apreciação da obra artística no jornalismo cultural. São Paulo: Mackenzie, 2004.
JUNQUEIRA, Christine. Yan Michalski e a consolidação da crítica moderna carioca no início
dos anos 60: a trajetória da crítica no teatro brasileiro. 187p. Dissertação (Mestrado) – Pós-
Graduação em Teatro, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.
MORICEAU, Jean-Luc. A virada afetiva como ética: nos passos de Alphonso Lingis. Hal Scien-
ce Ouverte, 2019. Disponível em: https://hal.archives-ouvertes.fr/hal-02315130/ Acesso em: 10
de setembro de 2022.
PEIXOTO, Fernando. Introdução. In: MICHALSKI, Yan. Reflexões sobre o teatro brasileiro no
século XX. Org. de Fernando Peixoto. Rio de Janeiro: Funarte, 2004.
SANTIAGO, Silviano. Uma literatura nos trópicos: ensaios sobre dependência cultural. Rio de
Janeiro: Rocco, 2000.
282
KETTLY NOËL: O PENSAMENTO ARTÍSTICO QUE DESARTICULA A
NECROESTÉTICA
Adriana Perrella Matos (Adriana Banana)
adrianaom@usp.br
283
tabelecendo uma política de morte” (NOGUEIRA, 2015, p.66), sendo, sobretudo o corpo
negro um espaçotempo sitiado, em estado de exceção contínuo. As discussões de
Mbembe sobre o inimigo, o outro, o relacionar-se, o respirar, a necropolítica, estão enra-
izados no pensamento de Fanon que também está comprometido com a desarticulação
do colonial, da opressão, submissão e da morte em seus variados modos.
A necropolítica de Mbembe se adere mais a descrever o pensamento artístico de
Kettly Noël, do que, por exemplo, a tanato política, ou apenas a biopolítica proposta por
Foucault, por causa do empenho colossal que seu autor desenvolve não apenas em seu
artigo “necropolítica” abarcando o período colonial { contemporaneidade. Ou seja, suas
reflexões se propõe a entender e relacionar um período amplo, conectado, que vai do
período das circunavegações, da diáspora África, os impérios europeus, as democracias
contemporâneas e as dinâmicas de poder, submissão, morte, direito, neoliberalismo,
relações internacionais, o cosmopolitismo africano (junto com Felwine Sarr).
Seguindo o trajeto da nossa pesquisa, convergente com as teorias e propedêuti-
cas já assinaladas, assinalamos abaixo as características definidoras do eurocentrismo
que sustentam as dinâmicas de necropoder e a necropolítica, e que são desarticulados
pelo pensamento artístico de Kettly Noël e que são: a) o universalismo, a crença de que
existem verdades válidas em todo tempo e espaço; o historicismo, crença de que a histó-
ria começa, de fato, com a cultura grega; o culturalismo, crença que sustenta a civilidade
do europeu contra a selvageria dos povos colonizados, especialmente dos africanos e
ameríndios; o racionalismo, crença baseada na também criação da e) noção de raça, de
que, ao existir um sujeito, que é branco e europeu, possua capacidades cognitivas supe-
rioras aos outros povos (sobretudo africanos e ameríndios) que seria a capacidade de
produzir juízos e pensar categorias universais. Estas categorias são desarticuladas nas
práticas artísticas de Noël, no modo como seu corpo e sua trajetória artística se tornou
um pensamento.
REFERÊNCIAS
284
GREINER, Christine. KATZ, Helena. Por uma Teoria do Corpomídia. In: GREINER, Christine. O
Corpo: pistas para estudos indisciplinares. 2a Ed.. São Paulo: Annablume, 2004. p. 125-136.
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on. Chicago: University of Chicago Press, 1987.
_____________. The Meaning of the Body: Aesthetics of Human Understanding. Chicago: Uni-
versity of Chicago Press, 2007
_____________. Embodied Mind, Meaning, and Reason: How Our Bodies Give Rise to Unders-
tanding. Chicago: University of Chicago Press, 2017.
_____________. The Aesthetics of Meaning and Thought. The Bodily Roots of Philosophy,
Science, Morality, and Art. The University of Chicago Press, Chicago, 2018.
KATZ, Helena. Um, Dois, Três. A dança é o Pensamento do Corpo. Belo Horizonte: FID Edito-
rial, 2005.
LAKOFF, George; JOHNSON, Mark. Metaphors We Live By. Chicago: University of Chicago
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______________________________. Philosophy in the Flesh: The Embodied Mind and Its Chal-
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MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: N-1 Edições, 2018.
______________. Crítica da razão negra. Lisboa: Antigona, 2014.
______________. Políticas da Inimizade. Lisboa: Antigona, 2017.
285
NARRATIVAS AUTOBIOGRÁFICAS E ENSINO DE TEATRO.
Matheus Giannini Caldas Dantas
matheusdaheja@hotmail.com
O que acontece quando, o que um artista faz, pensa, ou como um artista age não é
tópico de nenhum outro pesquisador, mas um processo de autorreflexão, possibili-
tando a melhoria da própria obra, expressando e explicando esses processos ao
mesmo tempo que revelando algum conhecimento novo para os outros? Neste ca-
so, um artista é também um pesquisador-artista, traçando sua práxis e reflexão
(COESSENS, 2004, p.14).
REFERÊNCIAS
BOAL, A. Jogos para atores e não-atores. São Paulo: COSAC NAIFY, 2015.
COESSENS, K. A arte da pesquisa em artes: Traçando práxis e reflexão. Art Reseach Journal/
Revista de pesquisa em Arte ABRACE, ANPAP e ANPPOM em parceria com a UFRN, Brasil , Vol.
1/2, p. 1-20, Jul./Dez, 2014.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2015
GOLDENBERG, M. A arte de pesquisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais. 8ª
ed.- Rio de janeiro: Record,2004.
HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo. Vértice, 1990.
PASSEGGI, M. C. Narrativa autobiográfica: uma prática reflexiva na formação docente. Anais.
Colóquio Nacional da AFIRSE – UNB – set. 2003.
PASSEGGI; M.C.; SOUZA, E. C. (org.). (Auto)biografia: formação, território e saberes. Prefácio
Gaston Pineau- Natal,RN: EDUFRN; São Paulo: PAULUS,2008
SEVERINO, A. J. Metodologia do Trabalho Científico. 23.ed.rev. e atual. São Pau-
lo:Cortez,2007.
288
FRAGMENTOS SUBVERSIVOS: DISPARADORES DE CRIAÇÃO EM
DRAMATURGIA FEMININA NO GRUPO DE TEATRO VALKÍRIAS
Annalies Barbosa Borges
annaliesprof@gmail.com
Introdução
Fruto de pesquisa realizada em dissertação de mestrado a partir da montagem
da peça Subversivas com o Grupo de Teatro Valkírias, tem como enfoque um estudo
sobre processo de criação dramatúrgica a partir de memórias e narrativas femininas,
mais especificamente, a vivência criativa da pesquisadora participante e das integrantes
do grupo em diálogo com outras artistas e suas linguagens de criação na experimenta-
ção artística intitulada Fragmentos Subversivos.
Parte de duas problemáticas complementares: O que nos afeta enquanto mulhe-
res artistas na construção de nossas narrativas cênicas? Como as múltiplas linguagens e
o diálogo com outras artistas nos provocam criativamente na construção de uma cena
feminina realmente nossa?
Nesse sentido, tendo em vista que o projeto artístico normalmente passa por ex-
perimentações que fazem parte da investigação criativa, Salles (2011) afirma que a lógi-
ca do ato criador em coletividade:
Resultados e discussões
O experimento Fragmentos Subversivos parte de perguntas motivadoras nascidas
na sala de ensaio e tem, como insight ativador da criação, nossas leituras sobre os arqué-
tipos femininos da Mãe, da Velha, da Donzela e da Bruxa.
É importante salientar que partimos de uma investigação sensorial, ainda em
tempos de pandemia, em que memórias e narrativas eram acionadas por meio de: uma
relação com sons sugeridos pelo espaço presencial/virtual; objetos ressignificados de
nossas casas; construção de textos e diálogos em escritas em fluxo; memórias femininas
que compunham nossos saberes e vivências pessoais ativadas pelo resgate de imagens
de álbuns de fotografias e afins.
Nesse caminho, percebemos o contato com nosso imaginário coletivo acerca dos
arquétipos acima mencionados e vimos a necessidade de ampliarmos o diálogo criativo
com outras mulheres. Segundo Salles, “quando discutimos a relaç~o percepç~o e me-
mória, ainda estamos refletindo sobre tempo, pois memória é continuidade, que se dá
no campo das interações” (SALLES, 2016, p. 67).
Dessa forma, entendendo-nos enquanto artistas com macrorrelações com a cul-
tura e envoltas em nossas subjetividades, a memória surge como elemento essencial
que move a criação e nos leva à necessidade do encontro com outras artistas movidas
pelas mesmas inquietações criativas.
Inicialmente, compartilhamos de pesquisas em artes de questões femininas com
três artistas: Adalgisa Nara, Juliana Veras – ambas das artes cênicas – e Marta Moura –
da linguagem da performance e artes visuais. Posteriormente, convidamos para uma
interação criativa em multilinguagens, tendo como materialidade de suporte o audiovi-
sual, outras quatro artistas: Angélica Gadelha e Socorro Souza, das artes plásticas; Wlá-
dia Arruda, atriz e Madelu Lopes, musicista. Esta última interação originou o desdobra-
mento artístico Fragmentos Subversivos.
Esse disparador criativo inicia-se como um espaço de encontro e experimento
poético entre mulheres artistas, partindo de provocações do e no corpo, da alma e dos
sentimentos em suas produções artísticas em diálogo. De acordo com Brook, “Na Índia,
os grandes contadores de histórias (...) Têm um ouvido voltado para o seu interior e o
290
outro para fora. É o que deveria fazer todo ator de verdade: estar em dois mundos ao
mesmo tempo” (BROOK, 2010, p. 26-27).
Desse estar em dois mundos, o encontro criativo resultou em um conjunto de
três performances audiovisuais, partindo de uma colagem das materialidades criativas
de cada artista, posteriormente compartilhadas com o público no perfil do Instagram do
Grupo Valkírias, tendo também uma live interativa sobre o processo.
Conclusão
Das vivências proporcionadas pelo dispositivo de criação Fragmentos Subversivos,
surgiu uma dramaturgia embrionária, que, posteriormente, foi experimentada em sala
de ensaio pelo grupo, tendo como enfoque uma narrativa que envolvesse os arquétipos
femininos investigados nos experimentos.
Necessário salientar que os caminhos de construção da peça partem, portanto,
do diálogo das múltiplas vozes participantes do processo, de suas memórias e inquieta-
ções criativas, mas que também se expandem para outras memórias de artistas que se
somaram à busca cênica do grupo, em torno de um resgate de memórias e narrativas de
mulheres.
REFERÊNCIAS
BROOK, Peter. A porta aberta: reflexões sobre a interpretação e o teatro. Tradução de Antônio
Mercado. 6ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
COHEN, Renato. Work in progress na cena contemporânea: criação, encenação e recepção.
São Paulo: Perspectiva, 2004.
FORTIN, Sylvie. Considerações possíveis da etnografia a da auto-etnografia para a pesquisa
na prática artística. CENA, nº 7, p. 77-88, 2009.
SALLES, Cecília Almeida. Gesto Inacabado: processo de criação artística. 5. Ed. São Paulo: In-
termeios, 2011.
____________________ . Redes da criação: construção da obra de arte. 2. Ed. São Paulo: Edito-
ra Horizonte, 2016.
291
A PRÁTICA CIRCENSE NOS CORPOS TEATRAIS
Nathália Gomes Maluf
nathalia.maluf@hotmail.com
A prática circense proposta aos corpos de atores e atrizes aqui referenciados co-
mo corpos teatrais está pautada numa abordagem expositiva e constituída por demons-
trações de exercícios técnicos e experimentações guiadas que possibilitam o despertar
de uma consciência corporal a partir da qual os atores e atrizes conseguem desenvolver
um valioso sentido de atenção, expressividade e criatividade para a atuação teatral em
diferentes modalidades teatrais.
Esse sentido de atenção é necessário à atuação teatral e aparece em várias pro-
postas de trabalho e treinamento corporal para atores de diferentes épocas. Algumas
propostas trilham o caminho da máxima potencia da expressão corporal, da exploração
do gestual e do movimento corporal, como para o ator e encenador russo Vsevolod Me-
yerhold para quem “[…] o teatro é, em primeiro lugar, movimento no espaço, embora o
texto nunca seja negligenciado.” (PICON VALLIN, 2006 p. 10). Na proposta de teatro
meyerholdiano o texto não é abolido, mas, o corpo é entendido como o centro por onde
o acontecimento teatral ganha volume, se instala e se desenvolve em comunhão com os
demais elementos do teatro.
O entendimento da expressividade e potencialidade do corpo a partir da intera-
ção dos atores com o espaço é um dos impulsos para a realização de uma proposta prá-
tica que oferece uma liberdade pessoal a partir da qual os atores e atrizes podem expe-
rimentar diferentes habilidades corporais, varias possibilidades de criação e diferentes
modos de ser e estar em cena.
Na perspectiva de explorar diferentes modos de ser e estar em cena, foi tecida
uma interação entre a poética do circo e o teatro por intermédio do desenvolvimento de
uma proposta de treinamento corporal que nasce da trajetória de uma jovem artista-
pesquisadora que se interessa pelo trabalho acrobático de artistas circenses e pelo pro-
cesso de formação de atores e atrizes no teatro brasileiro.
Esse interesse pelo circo e pelo teatro vem do passado, do momento em que foi
observado como acrobacia de solo possibilita um potente enraizamento para os corpos
que apresentam tônus muscular, força e, ao mesmo tempo, graciosidade, inclusive, com
292
alguns movimentos muito parecidos com os da ginástica olímpica. Assim, é possível en-
tender que a acrobacia de solo promove uma disciplina ao corpo e auxiliavam no desen-
volvimento de uma consciência corporal que, igualmente, fortalece a coordenação mo-
tora, o equilíbrio, a força, a resistência muscular e a flexibilidade.
Paralelo ao sentido de atenção, o trabalho corporal por intermédio da interação
das práticas circenses com os corpos teatrais, também possibilita a criação de uma at-
mosfera de risco com a qual os artistas da cena, sendo atores ou circenses, tem que lidar
costumeiramente para obter o prazer da realizaç~o cênica e para alimentar o “entusias-
mo”, j| que “para gerar o entusiasmo indispens|vel, tem de haver algo em jogo, em ris-
co, algo importante e incerto.” (BOGART, 2011, p. 63).
A atmosfera de risco faz parte da execução de atividades de média e alta habili-
dade como os saltos mortais, flick’s, rodantes, acrobacias de trampolim e acrobacias
áreas. Deste modo, para a experimentação dessas realizações é imprescindível ter auto-
confiança e ter confiança na parceria estabelecida com outra pessoa.
Essa confiança é necessária, por exemplo, para desenvolver o mão a mão, realiza-
ção em que é preciso subir no portô, pessoa base, através de uma estafa, movimento
onde o portô se posiciona em uma espécie de agachamento, com uma mão sobre a ou-
tra servindo de apoio no aguardo do volante, pessoa que executa as acrobacias sob a
pessoa base colocando um dos pés em cima das mãos do portô, fazendo força para ir
para cima dele ao mesmo tempo que a base lança-o, em um movimento de fusão de
força, velocidade e explosão, levantando da posição de agachamento e erguendo os
braços que já esperam os pés do volante pousar em seus ombros imediatamente.
No alto, é o momento de combinar a técnica perfeita para a volante, que faz algo
que arrisca a própria vida, e para o portô que precisa estar atento com essa vida. Então, é
preciso ter concentração, consciência corporal, força muscular e domínio técnico para
saber o que fazem os braços, as pernas, a cabeça e o tronco. Esse domínio corporal que
está presente no salto também é uma determinante para o corpo da atriz e do ator no
teatro, uma vez que “o ator deve ser aquele que entra diretamente em contato com o
fenômeno da expressão, percebendo como, quando e por que ela ocorre em si mesmo.”
(AZEVEDO, 2009, p. 135).
Ao entrar em contato com os mecanismos de produção da sua própria expressi-
vidade, os atores podem escolher o que melhor contempla as suas necessidades expres-
sivas e, assim, desenvolver potencialidades para a atuação cênica de modo a entender
que “o ator pode partir do físico ou do mental: n~o importa, basta que, passando de um
para o outro, ele construa uma unicidade.” (BARBA; SAVARESE, 2012, p. 53).
Essa “unicidade” no corpo dos atores pode ser também promovida pela interação
entre o circo e o teatro, ramificando as duas linguagens para além da busca por uma vir-
293
tuose ou por uma produção de comicidade a partir da referência do palhaço. Posto que,
o que se busca é um caminho fértil que possibilite o treinamento e aprimoramento dos
atores, que apesar do sentimento de risco, sintam também seus corpos presentes e po-
tentes em cena, uma vez que:
Quando um ator está realmente presente, concentrado no que faz, seu corpo ilumi-
na-se. Toda a sua energia está voltada, todo o tempo, para os objetivos a que se
propôs: uma grande integração entre seu corpo, seus afetos e sua mente manifesta-
se num tipo especial de brilho. E é esse brilho o resultado de sua energia vital corre-
tamente direcionada; esse estado de inteireza garante ao ator uma marcante pre-
sença, mesmo na mais completa imobilidade. (AZEVEDO, 2009, p. 180).
Esse “brilho especial” está presente nos corpos circenses e nos corpos teatrais, de
modo que, o teatro pode ser tão frutífero para o circo, quanto o circo pode ser inspirador
para o teatro e, assim, essas duas linguagens podem também, beneficiar e agregar para
o artista da cena, uma gama de possibilidades cênicas e repertório corporal, fazendo
destes artistas múltiplos, hábeis, versátil, ativos para o jogo e a cena.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Sônia Machado. O papel do corpo no corpo do ator. São Paulo: Perspectiva, 2009.
BARBA, Eugênio; SAVARESE, Nicola. A arte secreta do ator. [Trad.: MENDONÇA, Patrícia Fur-
tado de.]. São Paulo: É Realizações Editora, 2012.
BOGART, Anne. A Preparação do Diretor: sete ensaios sobre arte e teatro. [Trad. VIANA, An-
na]. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
PICON VALLIN, Beatrice. A Arte do Teatro entre tradição e Vanguarda – Meyerhold e a cena
contemporânea. Rio de Janeiro. Folhetim: 2006.
294
A INFLUÊNCIA DO MODERNISMO RUSSO NO SISTEMA DE STANISLÁ-
VSKI
Viviane Costa Dias
dias_viviane@hotmail.com
Apresento parte de uma investigação teórica, realizada por meio de pesquisa bibli-
ográfica e vivências diretas variadas com pedagogos da tradição russa, especialmente Jurij
alschitz (1947-) e Anatoli Vassiliev (1942- ), que revisita a história do Sistema para encon-
trar enzimas que permitiram seu desdobramento na pedagogia do teatro russo contem-
porânea. Ideias como individualidade artística - ou aquele “eu” dentro do ator que realiza a
ação cênica- e as diversificadas relação ator-personagem do teatro conhecido como “de
estrutura lúdica” na acepção de Vassiliev (1999) não podem ser plenamente entendidas
sem voltamos a aspectos mal compreendidos do Sistema. Minha investigação ainda refle-
te que, devido a um grande número de circunstâncias, faces menos conhecidas do Siste-
ma que nos permitem compreender seu desdobramento ao longo dos séculos XX e XXI
são melhores desenvolvidas pelos seus sucessores, mesmo discípulos rebeldes como Eu-
gene vakhtàngov (1883- 1922), por sua vez profundamente influenciado por Leopold A.
Sulerjìtski (1872-1916) e ainda Mikhail Tchekhòv (1891-1955).
O rótulo de Stanisl|vski como um artista “realista” pode ainda nos confundir e
lançar mais fumaça sobre seu grande legado. Inúmeros motivos contribuem para a ques-
tão: a partir dos anos 1930 a censura tornou-se cada vez mais feroz e mesmo após a
morte de Stálin, em 1953, sua sombra continuou pairando sobre a União Soviética – afi-
nal o stalinismo não era só um projeto político, mas também estético e o realismo socia-
lista deveria ser a nova imagem do homem e da sociedade russa.
Importante contextualizar ainda o que o realismo representava naquele momen-
to cultural específico do fim do século XIX e começo do XX, não só como luta contra os
exageros de um teatro romantizado da época – mas especialmente influenciado por
ideias de Tolstói, que em seu famoso artigo, “O que é a arte”, de 1897 exortava os artis-
tas do país a adotarem o realismo não como ideia associada à escola das artes visuais ou
literatura, ou mesmo com conotações de reprodução de uma realidade histórica, social
ou política. Mas um uso particular da palavra, um mote para uma busca da verdade dos
sentimentos, da transmissão de experiências significativas, da própria beleza que seria
indissociável da ética.
Smelianski (1999) nos lembra que o inimigo declarado do realismo soviético era o
“formalismo”, que deveria ser eliminado de todas as formas. Reflito que este contexto
295
pode ter tornado mais difícil se evidenciar o grande diálogo que o Sistema estabeleceu
com o Modernismo. Ideias de autorrealização através da espiritualidade guiavam ainda
o imaginário de parte da Idade de Prata Russa (começo da década de 1890-1900 a 1917,
com a eclosão da revolução bolchevique) e o próprio TAM, o Teatro de Arte de Moscou e
seus estúdios são importantes expoentes desta era. O Sistema nasce dentro deste cal-
deirão de influências.
O Modernismo Russo começa no fim do século XIX, e tem o simbolismo como uma
das principais expressões. Um modernismo cujas raízes remontam ao Romantismo: as-
pirava fundir arte e vida, com especial apreço aos paradoxos. A arte deveria ser a geradora
da vida e a vida, em si, ser vista estéticamente, como um ato criativo e ainda estético.
Meerzon (2005; p.15) nos conta que os simbolistas russos aceitavam a doutrina
do amor e beleza como unidade manifestada através da encarnação dos ideias divinos e
espirituais na forma de arte. Ao mesmo tempo, a filosofia de NIETZSCHE (1844-1900) os
inspirava na busca um ser humano capaz de expressar suas mais potentes carac-
terísticas, o super humano, que ganha, na Rússia da época, as faces do artista. “No
teatro, a questão de criar o novo homem se refletia na formação de um novo ator e no-
vas formas de comunicaç~o entre o palco e a plateia”.
Entre 1906 e 1912, anos de surgimento do Sistema, Stanislávski vivia uma boa
proximidade com o simbolismo. Sabe-se ainda que musicistas expoentes do movimento
tocavam frequentemente no TAM, (como Aleksandr Scriabin, bastante influenciado, por
sua vez, pela Teosofia). Stanislávski atravessou ainda uma grande crise pessoal em 1906,
num verão finlândes, depois da morte de Tchekhóv e vive um intenso período de traba-
lho com obras simbolistas, como nos informa Poliakov (2015; p. 113). A morte de Tolstoi,
em 1911 acelera a criação do Primeiro Estúdio, como a de Tcheckóv havia acelerado
aquela que foi de fato a primeira experiência russa com os estúdios, em 1905. Importan-
te ainda relembrar que a própria criação por Stanislávski do estúdio de 1905, confiado a
Meyerhold, visava desenvolver possibilidades de uma atuação simbolista - após fracasso
em sua direção com o então autor de vanguarda Maeterlinck - e reunia, ao redor de Me-
yerhold pintores, compositores e poetas simbolistas. O estúdio é expressão ainda de
uma tensão com Niemerovitch-Dântchenko, naquele momento, ao redor de ideias de
um teatro realista, segundo Benedetti (2005; p. 4):
Neste momento, Stanislavski está convencido que o teatro está ofuscado por um
naturalismo estéril, que ele qualificar|, mais tarde de “veneno teatral” financia uma
trupe de jovens atores dirigidos por Meyerhold, que Niemirovitch-Dântchenko de-
testava.
Embora a experiência não dure mais que alguns meses, exatamente porque Sta-
nislávski reprova a frágil qualidade do elenco e a onipresença da direção, ele retoma a
296
ideia da criação de um estúdio posteriormente e desta vez totalmente visando o desen-
volvimento do ator. Uma vez que os estúdios posteriores ligados ao TAM e os colabora-
dores de Stanislávski são os grandes responsáveis pelos desenvolvimentos do Sistema,
ideias cujas origens remontam ao Modernismo russo - especialmente na relação entre o
criador e seu trabalho - vão se desdobrando ao longo de todo século XX e ganhando no-
vos contornos na pedagogia da cena contemporânea.
REFERÊNCIAS
BENEDETTI, Jean. Le grillon du foyer. Spetacle phare du premier studio. In: Alternatives
théâtrales 87 Arias-Cifas- Stanislavski Tchekhov.Bruxelles, Belgique, 2005. ISBN 2-87428-051-8.
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MERLIN, Bella. Мерлин, Белла ‘Where's the spirit gone?’ The complexities of translation and
the nuances of terminology. in An Actor's Work and an actor's work, Stanislavski Studi-
es, 1:1, 43-86, 2012. DOI: 10.1080/20567790.2012.11428583
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miotics. Peter Lang Gmbh, Internationaler Verlag Der Wissenschaften; Berlim, 2005.
POLIAKOV, Stéphane. La pédagogie comme recherche: l´école russe de formation à la mise
em scène. Artigo apresentado em colóquio “L´idée de recherche dans les pratiques du théâtre”.
fevereiro de 2015, ENSATT, Lyon, França.
SMELIANSKY, Anatoly. The Russian Theatre After Stanislávsky. Cambridge, Cambridge Uni-
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TOLSTOI, Leon. O que é a arte? Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019.
VASSILIEV, Anatoly. Sept ou Huit Leçons de Théâtre. Paris: P.O.L, 1999.
297
POSSIBILIDADES POÉTICAS ENTRE DANÇA E VIDEOGAME NA CRIA-
ÇÃO CÊNICA
Renata Almeida Silva
renataasilva100@gmail.com
Daniella de Aguiar
daniella.aguiar@ufu.br
299
calma através do movimento dançado criando um fragmento que traduza o sentido des-
sa ação. Para esse exemplo, pode-se pensar em estudos de movimentos a partir de con-
tenção de energias, muita agitação interna e movimentos contidos.
É com esta proposta de procedimento e outras futuras que a pesquisa propõe o
estudo de tradução intersemiótica do videogame para a dança e se propõe a refletir e
experimentar corporalmente como este experimento poderia culminar em obra cênica.
A pesquisa segue na criação de procedimentos propondo maneiras de produzir uma
obra de tradução na mescla dos saberes supracitados.
REFERÊNCIAS
300
TECENDO METODOLOGIA QUE CONTRIBUA PARA A FORMAÇÃO DA
AUTONOMIA DO MULTIPLICADOR DA PEDAGOGIA TEATRAL
Jackeline dos Santos Monteiro
jackeline.monteiro@live.com
301
meio da universidade, ou seja, segue uma estrutura academicista, pensando o tempo, o
interesse de cada estudante/pesquisador entrevistado, as dificuldades encontradas e
como foram solucionadas, e então, fazer as devidas costuras para assim visualizar as
respectivas contribuições.
Toda experiência tem um papel fundamental em nossas vidas, para Bondia
(2002) “Experiência é aquilo que “nos passa”, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao
nos passar nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto,
aberto à sua própria transformação. Dessa maneira, mesmo que eu tenha um ponto de
vista sobre determinada experiência que não seja minha de forma direta, esse agente
tem suas próprias inquietações.
Como metodologia, utilizo o que Evaristo (2018) chama de “Escrevivencia” por-
que descrevo minhas vivências artísticas de antes e depois que me encontrei junto ao
Arte e Comunidade, entendendo que nem toda experiência é boa, mas é possível buscar
meios positivos para ser útil no processo criativo e aprendizagem. Também a pesquisa-
ação porque na sua intersubjetividade, leva o pesquisador para regiões de si mesmo que
ele não tenha vontade de explorar, trabalha com a reflexão-ação-reflexão e trabalha
com ações individuais dentro de uma prática coletiva e vice-versa.
AC têm por objetivo principal ser um espaço de formação teatral para os docen-
tes, discentes e comunidades, até 2019 se dividia em três momentos por meio da com-
ponente de Tópicos de Práticas Teatrais I, II e III. No 1º momento: a escrita do projeto,
no 2º momento a realização de oficinas e no 3º momento a apresentação de um espetá-
culo montado de forma colaborativo entre comunidade e estudantes. Ayres (2018) pro-
pões metodologias para o AC que “considera As Dimensões De Cultura Popular, Arte E
Vida E O Saber Da Experiência” pautado no olhar, identificar as potencialidades, afeto,
empatia, coletividade, sonho, mão-na-massa, celebração, re-evoluir. São dimensões
muito importantes para esse contexto na qual trabalhamos, os participantes se sentem
acolhidos, mas será se todos os estudantes se permitem entender cada palavra dessa?
Pensar a pedagogia do teatro implica aprofundar reflexões sobre o ensino e
aprendizagem dessa linguagem, para isso, é preciso pensar que são os/as agentes envol-
vidos (as) no processo, ou seja, identificar papéis. Na pedagogia do teatro não existe
uma receita pronta, é o recompor de acordo com cada realidade, é experimentando as
múltiplas metodologias.
Quando nos referimos ao multiplicador da pedagogia do teatro, estamos nos
referindo às pessoas que gostaria de dar continuidade nos trabalhos iniciados em suas
respectivas comunidades.
Foram realizadas quatro entrevistas com estudantes pesquisadores, sendo eles:
Hely Pinto, Kelly Vanessa, Leandro Lopes, Maycon Barão, para melhor alcançar os obje-
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tivos usamos as perguntas: nome, em qual ano atuou na arte e comunidade, dificuldades
encontradas, como resolveu as dificuldades e qual conselho daria para quem gostaria de
atuar em comunidades. Todos (as) entrevistados desenvolveram atividades no Prosa-
mim da praça 14 de janeiro.
Essa é uma pesquisa que ainda se encontra em andamento, mas a partir das di-
mensões pensadas pelo AC e as experiências dos estudantes, tem sido possível traçar ca-
minhos que contribuam na formação de futuros multiplicadores da pedagogia do teatro.
REFERÊNCIAS
303
304
ITINERÂNCIAS DE CANTORES DE ÓPERA: VIBRAÇÕES D(N)O COR-
POVOZ
Norma Gabriel Brito
normagabrielb@gmail.com
305
no palco, sala de aula ou a tela do computador esse corpovoz se organiza no mundo.
Voz é dependente de como se compreende o corpo, j| que “o corpo n~o é um meio
por onde a informação simplesmente passa, pois toda informação que chega entra em
negociaç~o com as que j| est~o” (GREINER, 2005. P, 131). Para tal entendimento e
investigação trago a Teoria Corpomídia idealizada pelas pesquisadoras, doutoras e
professoras Helena Katz e Christine Greiner. O desenrolar desse fio me conduziu a
percepç~o e reflex~o de que “o corpo é entendido como um tipo de organizaç~o que
processa diferentes informações” (BASTOS, 2003, p.21) a partir da Tese Vari}ncias: O
Corpo Processando Identidades Provisórias da professora, doutora, bailarina e coreó-
grafa Maria Helena Franco de Araújo Bastos.
Já que essa investigação exige deslocamentos nos obriga a sair do lugar co-
mum, solicita uma itinerância corpórea. A pesquisa centra-se nas relações do corpo-
voz, pois uma vez discutida alterações sensoriais e relações entre corpo-espaço e am-
biente modifica-se a experiência. O que esse corpovoz enuncia e como se organiza em
relaç~o ao outro? J| que o corpo atenta “sempre olhar o ambiente que constitui sua
materialidade” (KATZ & GREINER, 2015, p. 14) como fundamentam em Teoria Cor-
pomídia. Através destas teorias verifico possibilidade de rastrear relações teóricas que
possam esmiuçar os estudos do corpo para fundamentar a comunicação e a cognição
do corpovoz do atuante de ópera que traz como especialização a voz, mas também
trabalha com movimento metafórico. Todavia por que este atuante move-se em des-
compasso com a voz e o corpo? Haverá talvez, incompreensão entre o corpo que can-
ta e o corpo de quem o faz? Haja vista que a ópera enquanto linguagem estabelece
relação social hierárquica e segregadora no concernente ao fato de responder-se ao
maestro, a primazia vocal e padrões étnicos e raciais.
REFERÊNCIAS
BASTOS, Helena. Corpo sem vontade = Cuerpo sin voluntad. São Paulo: ECA-USP: Coopera-
tiva Paulista de Dança, 2017.
BASTOS, Maria Helena Franco de Araújo. Variâncias: o corpo processando
identidades provisórias. São Paulo, 2003. 136 f. Tese de Doutorado em
Comunicação pelo Programa de Estudos em Pós-Graduação em Comunicação
e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
GREINER, Christine. Organização KATZ, Helena. Arte &Cognição: Corpomídia, Comunica-
ção, Política. São Paulo: Annablume, 2015.
________________. O Corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume,
2005.
JONHSON, Mark. The Aesthetics of Meaning and Thought. The bodily University of Chicago
Press, 2018.
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LEMAN, Marc. The Expressive Moment: how interaction (with music) shapes Human empo-
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werment. Cambridge, MA: MIT Press, 2016 Printed and Bound in the United States of Ameri-
ca.
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