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MÉTODOS INTERPRETATIVISTAS EM ADMINISTRAÇÃO: IMPLICAÇÕES PARA PESQUISADORES

ADMINISTRAÇÃO
DA PESQUISA

114 R. Adm. FACES Journal Belo Horizonte · v. 9 · n. 1 · p. 115-127 · jan./mar. 2010. ISSN 1984-6975 (online). ISSN 1517-8900 (Impressa)
SANDRA REGINA ROCHA-PINTO . ANGILBERTO SABINO FREITAS . PAULO ROBERTO MAISONNAVE

ADMINISTRAÇÃO DA PESQUISA

MÉTODOS INTERPRETATIVISTAS EM ADMINISTRAÇÃO:


IMPLICAÇÕES PARA PESQUISADORES

INTERPRETATIVE METHODS IN ADMINISTRATION: IMPLICATIONS FOR


RESEARCHERS

Sandra Regina Rocha-Pinto


Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Data de submissão: 09 nov. 2008 . Data de aprovação: 02
mar. 2010 . Sistema de avaliação: Double blind review . Uni-
Angilberto Sabino Freitas
versidade FUMEC / FACE . Prof. Dr. Cid Gonçalves Filho . Prof.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Dr. Luiz Cláudio Vieira de Oliveira . Prof. Dr. Mário Teixeira Reis
Paulo Roberto Maisonnave Neto
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

RESUMO
O pesquisador, no processo de condução de uma pesquisa, busca: entender a relação
entre conceitos, propor e testar hipóteses ou gerar novas proposições. Mas, o que é teoria
em ciências sociais? Outra questão que aflige os pesquisadores, principalmente aqueles
em estágios iniciais de pesquisas, é: como garantir o conhecimento suficiente para ser
capaz tanto de identificar um problema de pesquisa quanto de gerar hipóteses testáveis?
Essas questões convidam a refletir sobre que alternativas há para se fazer pesquisa em
contraponto à abordagem tradicional, e esse é o objetivo desse ensaio. Para tanto, buscou-
se: a) comparar duas abordagens interpretativistas: a fenomenologia e a grounded theory;
b) buscar suas semelhanças e diferenças para, então; c) formular reflexões em dois eixos
temáticos: as divergências e convergências entre as tradições apresentadas e as implicações
para o pesquisador no “fazer” pesquisa interpretativista.

PALAVRAS-CHAVE
Abordagens interpretativistas. Método fenomenológico. Grounded theory.

ABSTRACT
The researcher, in the process of conducting a research, pursues: understanding the
relationship between concepts, propose and test hypotheses likely to change old theories
or generate new propositions to explain the phenomenon under investigation. But what is
a theory in social sciences? Another issue that afflicts the researchers, especially beginners,
in the early stages of research, is: How could someone have sufficient knowledge to be

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able both to identify a problem as generating hypotheses? These issues call to reflect on
what alternatives there are to do research in contrast to the traditional approach, and that is
the objective of this essay. In order to do that is proposed: a) compare two interpretative
approaches: the phenomenology and the grounded theory b) look for their similarities and
differences, then, c) make reflections on two thematic subjects: the differences and similarities
between the traditions and the implications for the researcher in the “how” to make
interpretative research..
KEYWORDS
Interpretative approaches. Phenomenological method. Grounded theory.

INTRODUÇÃO
gerar teorias é guiada pela visão que o pesquisador
O pesquisador, no processo de condução de
tem do mundo: o paradigma que irá guiá-lo nas
uma pesquisa acadêmica, busca: entender a
escolhas do curso da pesquisa (CRESWELL, 1998).
relação entre conceitos, propor e testar hipóteses
passíveis de modificar teorias vigentes ou, gerar No contexto acadêmico, uma das questões
novas proposições para explicar o fenômeno sob que aflige os pesquisadores, principalmente os que
investigação. Mas, o que é uma teoria em ciências se encontram em estágios iniciais de pesquisas,
sociais? Segundo Glaser e Strauss (1967), os é: como ter o conhecimento suficiente de uma
propósitos de uma teoria para as ciências sociais área para, assim, ser capaz tanto de identificar um
são: predizer e explicar; contribuir para o avanço problema de pesquisa quanto de gerar hipóteses
das ciências; ser utilizada em aplicações práticas; testáveis? A esse respeito, é comum perceber a
fornecer uma perspectiva a respeito de um inquietação do novo pesquisador, lutando para
comportamento; servir de guia, ao mesmo tempo redigir um projeto de pesquisa em que, muitas
em que proporciona um estilo para pesquisas em vezes, lhe falta conhecimento para definir:
uma área particular de comportamento. Nessa problema, hipóteses e metodologia a ser adotada.
perspectiva, uma teoria em ciências sociais pode Essa questão leva a refletir sobre que alternativas
ser vista como uma estratégia para manusear há para se começar uma pesquisa sem a
dados em pesquisas, a fim de proporcionar formas necessidade inicial de se gerar e testar hipóteses,
de conceitualização com o objetivo de descrever por meio do método tradicional. Alternativas essas
e explicar um fenômeno. Além do mais, uma teoria que permitiriam ao pesquisador, à medida que o
pode ser classificada como substantiva ou formal. trabalho fosse se desenvolvendo, uma flexibilidade
A diferença entre as duas reside no fato de que, metodológica para que o processo de pesquisa
enquanto a substantiva se refere a um fenômeno fosse se adequando aos resultados obtidos a partir
ou uma área de estudo em particular, não indo dos dados coletados. Em outras palavras: que
além do que está sob investigação, a formal tem alternativas teria o pesquisador para suas
o poder explanatório de aplicar seus conceitos a inquietações, sobre um fenômeno em partícula,r
um mesmo fenômeno que ocorre em áreas que o levasse a investigar sem ter que
distintas (GLASER; STRAUSS, 1967; GOULDING, necessariamente usar a metodologia tradicional?
2002; LOCKE, 2001). Ademais, a estratégia de De que forma a coleta e análise de dados poderia

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ser feita com vistas a uma melhor compreensão uma perspectiva fenomenológica e se caracteriza
de um fenômeno, para, então, ser possível a por três fundamentos principais: (1) o
geração de hipóteses e teorias com o intuito de conhecimento é construído ativamente e surge
proceder à verificação dessas? Esse é um dos do exame dos constructos internos das pessoas,
enfrentamentos que vivem os pesquisadores em manifestados na linguagem; (2) o pesquisador
seus projetos de dissertações e teses, confia em uma dinâmica de observação e busca
principalmente dentro do ambiente das escolas manter intactas as perspectivas dos participantes;
de gestão, onde, na maioria dos casos, realizam- (3) o investigador procura descrever e interpretar
se pesquisas sob a tradição positivista, paradigma as formas pelas quais as pessoas relacionam
do método hipotético-dedutivo. experiências (o fenômeno que o sujeito vivenciou),
significados (aquilo que ele acredita ter
Diante disso, e concordando com Santos e
experimentado), linguagem (aquilo que ele diz
Pinto (2007), de que é possível se observar, nos
ter vivenciado) e comportamentos (o que ele fez
últimos anos, um substantivo incremento do
durante a experiência). Acrescentam Maisonnave
debate sobre questões epistemológicas e
e Rocha-Pinto (2007) que a fenomenologia, como
metodológicas, esse ensaio se propõe a, mediante
método, deriva-se da filosofia fenomenológica
a comparação de dois enfoques interpretativistas,
cujos pioneiros foram os filósofos alemães Franz
a grounded theory e a fenomenologia, ressaltar Brentano (1838-1917) e Edmund Husserl (1859-
os dilemas enfrentados por aqueles pesquisadores 1938). Após esses, outros pensadores
que se propõem a utilizar um método “exótico” contemporâneos como Heidegger, Gadamer,
(SANTOS; PINTO, 2007) em detrimento do Sartre e Merleau-Ponty percorreram a mesma
“normal”. trilha.
Por sua vez, Moreira (2002) ensina que
O MÉTODO FENOMENOLÓGICO: ORIGENS, Husserl, a partir de sua formação matemática e
PRESSUPOSTOS E PROCEDIMENTOS vivendo em uma Europa onde o sentimento era
de crise da ciência moderna, formulou as linhas
As origens e os pressupostos gerais da fenomenologia. Naquela época, Husserl
Nas ciências sociais, a fenomenologia, antes acreditava que apenas uma nova e fundamental
sinônimo de “qualquer coisa diferente do ciência seria capaz de ajudar o cientista objetivo
positivismo” (REMENYI et al., 1998), alcançou na clarificação e crítica de seus conceitos.
maior rigor conceitual e metodológico (EMBREE, Especificamente, Husserl defendia o rigor e
2001). A esse respeito, enquanto Moustakas radicalismo filosófico em busca da essência do
fenômeno, contrapondo-se ao naturalismo e à
(1994) refere-se à fenomenologia como a criação
ciência moderna, reduzidos ao estudo de meros
da realidade com base nas percepções de cada
fatos. O foco principal de Husserl foi estudar o
indivíduo, Van Manen (1990) lembra que um
fenômeno da forma como se apresenta na
pesquisador de ciências humanas é um
consciência. Essa consciência é a ligação
acadêmico: um observador sensível das legendas
intencional entre o homem e o mundo e serve
da vida cotidiana e, também, um leitor ávido de
como ponto inicial para a compreensão de uma
textos relevantes sobre humanidades, história,
realidade particular (LAVERTY, 2003).
filosofia, antropologia, ciências sociais (VAN
MANEN, 1990). A aplicação do método
Por sua vez, Moreira (2002) considera que a Maisonnave e Rocha-Pinto (2007), alinhados
pesquisa qualitativa emana da própria escolha por a Moreira (2002), consideram que a passagem

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de um método filosófico para um método A redução fenomenológica


empírico não é tarefa simples, na medida em que A perspectiva fenomenológica propõe que o
os métodos se encontram em campos de reflexão pesquisador se esforce para deixar de lado ideias
muito diferentes. Dessa forma, prosseguem preconcebidas (REMENYI et al . , 1998; VAN
Maisonnave e Rocha-Pinto (2007), o método MANEN, 1990). A redução fenomenológica tem
empírico exige do pesquisador uma situação o objetivo de obter uma descrição conceitual rica
apropriada, ou seja, uma metodologia orientadora da experiência, na qual, deliberada e
da coleta e análise de dados para responder à propositalmente, o pesquisador se abre para o
pergunta de pesquisa. A esse respeito, Sanders fenômeno (GROENEWALD, 2004). Husserl,
(1982) considera que não existe um matemático de formação, utilizou o termo
procedimento ortodoxo que pode ser mantido e bracketing – colocar entre parênteses – para
assegurado como o método fenomenológico. designar essa suspensão de pressuposições, além
Endossa-se, contudo, a noção de que o método do termo grego epoché. A principal vantagem da
fenomenológico é uma forma de investigação utilização da epoché é colocar de lado as ideias
crítica, sistemática e rigorosa, empregada sempre preexistentes ou preconcebidas do pesquisador
que se queira destacar a experiência de vida das sobre o fenômeno investigado (IDHE, 1986). O
pessoas (MOREIRA, 2002; VAN MANEN, 1990). processo consiste, então, em uma profunda
Ademais, o método fenomenológico admite análise no sentido de identificar e invalidar, inibir
muitas variações como as propostas por Sanders e desqualificar todo o comprometimento com
(1982) e Moustakas (1994), pois “ao se transpor relação ao conhecimento e experiência anteriores
o fosso entre a Filosofia e a prática da pesquisa, (SCHMITT, 1967). “Na epoché, o filósofo não
será normal o aparecimento de muitas variantes duvida da existência do mundo, mas essa
do método fenomenológico” (MOREIRA, 2002, existência deve ser colocada entre parênteses,
p. 117). exatamente porque o mundo existente não é o
O método fenomenológico demanda que a tema verdadeiro da fenomenologia” (MOREIRA,
experiência manifestada por meio da linguagem 2002, p. 88).
dos participantes do estudo seja julgada como Apesar de controverso, o conceito de redução
sendo o principal insumo do processo da pesquisa. fenomenológica é amplamente utilizado no
Nessa perspectiva, a palavra dos sujeitos método empírico fenomenológico. Os primeiros
pesquisados deve ser a fonte primária de dados trabalhos fenomenológicos de Husserl referiam-
(REMENYI et al., 1998), utilizando mais a linguística se diretamente à epoché sem, no entanto, adotar
do que a análise estatística (CRESWELL, 1998); seu sentido primitivo (MOREIRA, 2002). Por sua
ou seja, na pesquisa fenomenológica, a ênfase vez, Heidegger (1962) considera ser impossível
sempre reside no significado da experiência vivida; simplesmente colocar de lado os pré-conceitos e
a questão da fenomenologia é “tomar pressuposições. Contudo, considerando a
emprestadas” as experiências alheias, a fim de fenomenologia como um método subjetivista de
melhor ser capaz de alcançar a compreensão do investigação científica (BURRELL; MORGAN, 1979)
significado mais profundo de um aspecto da em que todos os pressupostos e julgamentos são
experiência humana no contexto da totalidade abandonados, permitindo que o conhecimento
dessa experiência (VAN MANEN, 1990). Além possa nascer da experiência do pesquisador com
disso, cabe destacar que dois conceitos são cruciais a essência de seu objeto de pesquisa (CRESWELL,
para o emprego do método fenomenológico: a 1998; REMENYI et al., 1998), pode-se afirmar que
redução fenomenológica e a redução eidética. há, entre os autores fenomenológicos, o senso

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comum da necessidade da “suspensão de sistemática aos dados codificados. Portanto,


julgamento” do pesquisador. Por sua vez, codificar, categorizar em polos significativos,
Moustakas (1994) considera que, para praticar a analisar e interpretar os dados coletados
epoché, deve-se focar uma situação, pessoa ou representa, conforme lembram Silva, Rebelo e
tema, assim como rever sentimentos e Cunha (2003), aspectos fortemente imbricados
pensamentos emergentes. Por meio dessa prática, de uma mesma tarefa: desvelar o significado dos
preconceitos e vieses são revelados, dados. Nessa medida, a análise é um processo
compreendidos e postos de lado e, da mesma que procura dar sentido aos dados. Esse
forma, pessoas ou temas são revistos com nova empreendimento envolve a consolidação, a
visão. O processo é recorrente até que haja certeza redução e a interpretação tanto do que as pessoas
de que as experiências serão vistas “como elas disseram quanto daquilo que o pesquisador
realmente são”. A esse respeito, cabe destacar que, observou e leu (SILVA; REBELO; CUNHA, 2003);
na medida em que a análise de dados em representa, portanto, “uma formidável tarefa para
pesquisas fenomenológicas segue um processo os pesquisadores qualitativos” (CRESWELL, 1998).
que se inicia com a experiência vivida por outra(s)
pessoa(s), essa experiência é capturada pelo GROUNDED THEORY: ORIGEM, PRESSUPOS-
pesquisador, por meio de relatos normalmente TOS E APLICAÇÃO
obtidos por entrevistas. Esses relatos, depois de
transformados em textos, são analisados e deles As origens e os pressupostos
se extraem os temas que, por sua vez, são Os criadores da grounded theory criticam o
trabalhados e, mediante um processo de síntese método tradicional aplicado às ciências sociais, na
criativa, geram o produto final do processo: o texto medida em que os dados coletados podem não
fenomenológico (GROHMANN, 2005). se adequar integralmente às deduções e hipóteses
A redução eidética feitas a priori. Essa contingência leva, muitas vezes,
o pesquisador a ter que “ajustar” os resultados
Outro componente importante da metodologia para que haja uma adequação às hipóteses. Glaser
fenomenológica é a chamada redução eidética e Strauss (1967) argumentam que a adequação
ou a procura pela essência. É nessa fase que o de uma teoria não pode estar divorciada do
pesquisador descreve a essência, a estrutura processo que a gerou, e propõem uma técnica
invariante da experiência reconhecendo que há de gerar uma teoria à medida que os dados vão
um significado único do fenômeno (CRESWELL, sendo coletados e analisados, resultando em uma
1998). A procura dessa essência é traduzida sob harmonização e adequação com a teoria
forma de clusters, insights ou conjunto de temas emergente. Em outras palavras, por meio de uma
a partir da compreensão dos relatos dos análise sistemática dos dados, hipóteses e
pesquisados. A redução eidética é a forma pela conceitos são construídos durante o processo de
qual o pesquisador se moverá dos objetos pesquisa, levando à geração de teorias que, em
individuais e concretos para o domínio das seguida, podem ser verificadas empiricamente.
essências puras, atingindo a sua estrutura essencial Outra argumentação acerca da abordagem
e invariável (MOREIRA, 2002). Segundo Sanders tradicional é que as grandes teorias surgidas nas
(1982), é o ato que passa da expressão concreta ciências sociais não são fruto de análises de dados,
de um fenômeno particular à essência “pura”. mas de abstrações de seus criadores. Entretanto,
Nessa etapa, inicia-se a busca de significados. Tais a aplicação dessas grandes teorias às estruturas
significados emergem por meio da indagação sociais atuais, em muitos casos, não se adaptam

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às situações particulares da realidade: falta um comparativos - sejam nações, organizações,


ajuste entre dados e teoria. Dessa forma, a processos etc. – e são usadas para verificar se as
grounded theory propõe que o pesquisador adote evidências iniciais (ou hipóteses propostas) estão
um método de análise de um fenômeno em corretas. Dessa forma, fatos são replicados
particular, onde a teoria seja um processo (internamente e externamente ao estudo). Esse
emergente dos dados. processo, concordam os cientistas sociais, é a
Outro argumento usado para essa discussão, melhor forma de validá-las. Aqui o foco do
trazido por Glaser e Strauss (1967), diz respeito à pesquisador está na verificação de hipóteses
diferença entre verificação e geração de teoria. previamente levantadas, resultado de uma extensa
Segundo eles, a abordagem tradicional estaria mais revisão de hiatos da literatura nas teorias existentes.
ligada a um processo de verificação, mais Assim, raramente o pesquisador gera novas teorias,
adequado aos métodos de coleta e análise de sendo que sua contribuição reside no fato de
dados quantitativos e análises estatísticas prestar um serviço de confirmar, refutar ou
complexas. Por outro lado, argumentam que a modificar teorias existentes (GLASER; STRAUSS,
geração de teorias estaria mais ligada à análise de 1967). A crítica que se faz é que esse foco em
dados qualitativos, permitindo uma avaliação mais checagem e verificação empírica pode resultar em
complexa das nuances do fenômeno. Entretanto, um bloqueio na geração de novas teorias, pois o
Glaser e Strauss (1967) não descartam a utilização resultado final são fragmentos de teorias bem
de dados quantitativos no processo de gerar testadas que apenas representam parcialmente o
teorias, argumentando que o método deve se que está acontecendo na situação sob
utilizar de todos os dados disponíveis: qualitativos investigação. No segundo caso, a geração de novas
na geração de teorias e quantitativos para teorias, categorias conceituais (e suas
verificação e validação ou não dessas (GLASER; propriedades) são geradas diretamente de
STRAUSS, 1967). Contudo, Glaser e Strauss evidências coletadas. Então, a evidência da qual a
(1967) esclarecem que o foco da grounded theory categoria emergiu é usada para ilustrar o conceito
é a geração de novas teorias com a utilização de (GLASER; STRAUSS, 1967). Ao definir as fronteiras
dados qualitativos. Esse foco é justificado porque, de aplicação da teoria emergente, aumenta-se o
em ciências sociais, métodos qualitativos são mais poder explanatório dos conceitos e sua força de
adequados a capturar informações e previsão. E comparando-a com situações e fatos
particularidades acerca de aspectos como que são similares, ou diferentes, o pesquisador
condições estruturais, normas, processos, padrões pode gerar propriedades de categorias que
e sistemas envolvidos nos ambientes sociais. Além aumentam a generalidade das categorias e seu
do mais, a flexibilidade de pesquisas com dados poder explanatório, resultando na generalização
qualitativos oferece ao pesquisador a possibilidade da teoria inicialmente proposta.
de seguir pistas à medida que elas vão surgindo.
A aplicação do método
A grounded theory aumenta essa flexibilidade, ao
mesmo tempo em que mantém o pesquisador Apesar das divergências entre seus criadores,
focado no problema de pesquisa (CHARMAZ, o processo da grounded theory consiste em uma
2006). coleta direcionada de dados, concomitante com
Acrescenta-se, ainda, que a distinção entre a sua análise (GLASER; STRAUSS, 1967; CORBIN;
verificação ou a geração de teorias pode ser feita STRAUSS, 2008). Charmaz (2006), em sua
da seguinte forma: no primeiro caso, tem-se que descrição, afirma que a grounded theory não é
evidências são coletadas de outros grupos um pacote de regras e prescrições, mas um

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conjunto de princípios e práticas que guiam o científico acumulado pelo pesquisador, sua
pesquisador no curso de uma investigação e na experiência profissional e pessoal (LOCKE, 2001).
maneira de ver o mundo. Segundo Charmaz Na medida em que a análise de dados é uma
(2006), a metodologia de pesquisa deve se questão central na grounded theory, visto que a
basear na análise da ação, realizada baseada no teoria emerge dos dados, duas tarefas são
conceito de “processo social básico”, que são fundamentais para o pesquisador nesse processo:
padrões sistematicamente uniformizados de vida a elaboração de questionamentos sobre os
social, e podem ser conceitualmente capturados. possíveis significados e a utilização do método de
Para a autora, a grounded theory serve a dois constante comparação. O objetivo é permitir ao
propósitos: 1) uma forma de aprendermos sobre pesquisador a busca de categorias e suas
o mundo que estudamos e 2) um método para propriedades e a formulação das hipóteses e
desenvolver teorias para compreendê-lo. Em relações generalizadas entre elas (CORBIN;
outras palavras, isso quer dizer que a grounded STRAUSS, 2008). As categorias são os elementos
theory oferece formas de se interpretar o mundo conceituais de uma teoria, enquanto que as
em que vivemos e está sob investigação, e não propriedades são as características das categorias,
como uma metodologia que oferece um retrato que variam em dimensões dentro de um
estático desse mundo. Dessa forma, se coloca em continuum (CORBIN; STRAUSS, 2008).
oposição à metodologia tradicional. O processo de comparação constante
Outro aspecto relevante diz respeito à proposto por Glaser e Strauss (1967) pode ser
justificativa inicial da grounded theory para não se dividido em quatro etapas: 1) comparação de
fazer a revisão bibliográfica a priori. A premissa incidentes aplicados a cada categoria; 2) a
por trás dessa condição é a de que conceitos integração das categorias e suas propriedades; 3)
preconcebidos podem prejudicar a pesquisa, a delimitação da teoria; e 4) a redação da teoria
impedindo que o pesquisador tenha um olhar (GLASER; STRAUSS, 1967). Esse processo permite
imparcial do que esteja acontecendo ao seu redor uma constante comparação e análise dos dados
enquanto analisa o fenômeno, inibindo seu poder à medida que o investigador avança em seus
de abstração (GLASER; STRAUSS, 1967). estudos, resultando na geração de propriedades
Entretanto, Clarke (2005) critica essa exigência teóricas que ao final do processo irá gerar a nova
de “desconhecimento” da literatura, afirmando que teoria.
é impossível que o pesquisador entre em uma O passo inicial para iniciar a pesquisa é a
área para fazer uma investigação sem qualquer definição da amostra a ser pesquisada. Dentro
conhecimento prévio ou algo já preconcebido. desse processo de escolha, o pesquisador deve
Sobre esse aspecto, Glaser sugeriu, em 1978, o cuidadosamente definir qual é a unidade de
conceito de sensibilidade teórica, que diz respeito análise que representa o fenômeno sob
à criatividade do pesquisador na identificação, investigação, procurando qualquer grupo que o
construção e mediação dos conceitos que ajude a gerar quantas categorias (e propriedades)
compõem a teoria (GLASER, 1978). O forem necessárias para caracterizar o fenômeno.
pesquisador deve usar a sensibilidade teórica para Essa escolha direcionada é chamada, em
dar significado aos dados e ser capaz de separar grounded theory, de amostragem teórica. O
o que é importante para a pesquisa e o que não processo de coleta de dados é controlado pela
é. E isso é desenvolvido a partir do conhecimento teoria emergente e é guiado pelas preocupações
de pesquisa (AUERBACH; SILVERSTEIN, 2003).

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As decisões iniciais para começar o processo de da classificação dos códigos classificados em temas
coleta de dados partem de pressupostos gerais semelhantes. Nesse nível mais baixo, a codificação
ou de um problema levantado pelo(a) tem por objetivo delinear conceitos em termos
pesquisador (a) a respeito de um determinado de propriedades e dimensões (CORBIN;e
fenômeno pertinente a uma área (CHARMAZ, STRAUSS, 2008). Na segunda fase, a codificação
2006). A ideia é deixar o problema de pesquisa axial, o pesquisador passa para um nível
nortear a coleta de dados. Essa decisão inicial não intermediário de abstração, buscando a relação
é baseada, necessariamente, em um referencial entre as categorias e subcategorias para formar a
teórico previamente concebido (GLASER; base para sua construção teórica. Nessa etapa, se
STRAUSS, 1967) nota uma divergência entre Glaser e Strauss, uma
Em decorrência do fato de ter liberdade de vez que o primeiro não considera essa etapa em
escolha e comparação de qualquer grupo, o seu procedimento metodológico (LOCKE, 2001).
pesquisador coloca a relevância teórica como Finalmente, o pesquisador exercita a codificação
prioridade no processo, e essa premissa controla, seletiva, que é o último nível de abstração, onde
com rigor, o processo de coleta de dados sem irá buscar a categoria central da teoria na qual
esconder qualquer aspecto que possa ser todas as outras estão relacionadas. Nesse nível
relevante para a pesquisa (GLASER; STRAUSS, de abstração teórica, a categoria central deve ser
1967). Em grounded theory, não há planejamento capaz de integrar todas as outras categorias e
prévio para a coleta de dados futuros, uma vez expressar a essência do fenômeno sob
que tanto a coleta futura quanto a escolha amostral investigação.
dependem da coleta e análise de dados
previamente obtidos (GLASER; STRAUSS, 1967). CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE AS
O que se deve ter em mente é que o processo DUAS TRADIÇÕES DE PESQUISA
de coleta e a análise de dados devem caminhar
Creswell (1998) faz uma distinção entre a
de forma conjunta e concomitante com o objetivo
grounded theory e fenomenologia, a despeito de
de geração de uma teoria resultante desse
as duas tradições de pesquisa enfatizarem o
processo. Assim, o pesquisador pode
significado das experiências para os envolvidos.
constantemente ajustar seu processo de coleta
Segundo ele, a grounded theory vai além da
para assegurar a relevância dos dados para a teoria
emergente (GLASER; STRAUSS, 1967). fenomenologia, pois seu objetivo principal é a
geração de uma nova teoria relacionada à área
Para se chegar às categorias e à conceituação
estudada, ou seja, busca oferecer um esquema
teórica, o pesquisador deve seguir um processo
abstrato analítico do processo sob investigação.
de codificação de dados divididos em três fases:
Além disso, enquanto na grounded theory não há
codificação aberta, codificação axial e codificação
planejamento prévio para a coleta de dados
seletiva. Na codificação aberta, o pesquisador
futuros, uma vez que a coleta futura e a escolha
fragmenta os dados em pequenas unidades de
análises, chamadas de incidentes ou eventos, amostral vão depender da coleta e análise de
categorizando-as de acordo com a percepção do dados previamente obtidos (GLASER; STRAUSS,
significado que se tem dos dados. Por meio de 1967), na fenomenologia, os sujeitos são
constante comparação de similaridades e selecionados a priori e, necessariamente, deverão
diferenças entre os eventos e incidentes pertencer ao mesmo campo onde o fenômeno
encontrados, o pesquisador descobre sob investigação ocorre. Dessa forma, impõe-se
propriedades e dimensões das categorias, fruto ao pesquisador ser criterioso quando da seleção
dos sujeitos de pesquisa.
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Ademais, na grounded theory, há que se encontrar uma série de “espaços em branco” ou


observar que a coleta e a análise de dados devem mesmo alguns “furos” na teoria em construção.
caminhar de forma conjunta e concomitantes com Dessa forma, impõe-se um retorno ao campo a
o objetivo de geração de uma teoria resultante fim de encontrar dados que deem conta do
desse processo. Assim, o pesquisador pode fornecimento das “peças” necessárias à montagem
constantemente ajustar o processo de coleta para final do “quebra-cabeça” (SANTOS; PINTO, 2007).
assegurar a relevância dos dados para a teoria Destaca-se, ainda, que as duas tradições de
emergente (GLASER; STRAUSS, 1967). Por sua pesquisa apresentam cisões ontológicas e
vez, quando do emprego do método epistemológicas. Enquanto na fenomenologia
fenomenológico, o pesquisador , a partir de uma encontram-se, de um lado, os transcendentais, que
questão central, mergulha no campo de pesquisa, julgam ser possível a prática da redução
“toma emprestada” a percepção dos sujeitos fenomenológica, e os existencialistas, que
envolvidos com o fenômeno para, assim, consideram impossível retirar do sujeito a sua
sistematizar o processo de redução eidética, forma de apreensão do mundo, na grounded
retirando do texto - a sua unidade de análise -, tal theory, apesar de ter surgido sob a égide do
e qual um escultor, tudo aquilo que não diz paradigma positivista (GLASER, STRAUSS, 1967),
respeito à essência revelada. percebe-se como um de seus pressupostos o
O processo de redução eidética, na interacionismo simbólico (MELTZER et al., 1975), o
fenomenologia, e o de categorização/codificação, que lhe empresta certo grau de interpretacionismo
na grounded theory, são semelhantes no que diz e, consequentemente, aspectos subjetivistas,
respeito à busca das propriedades e suas apesar de, na literatura, a discussão sobre o
dimensões. Portanto, requerem criatividade e método poder ser usada tanto sob uma
insights. Enquanto na fenomenologia a essência abordagem objetivista, quanto sob uma
disparará uma proposição acerca do fenômeno abordagem interpretativista (CHARMAZ, 2006).
investigado e a busca por uma teoria para o
estabelecimento de convergências ou AS IMPLICAÇÕES PARA O PESQUISADOR
divergências, na grounded theory, a teoria será
Moreira (2002) observa que a viabilidade de
substantivamente retirada dos dados analisados.
trabalhar com pesquisa qualitativa, dando-lhe o
Contudo, em ambas, cabe o processo de
caráter de ciência verdadeira, desperta
verificação das proposições estabelecidas a partir
controvérsias. Diante disso, consideram
das revelações do campo. Cabe ainda registrar, o
Maisonnave e Rocha-Pinto (2007) que se impõe
exemplo de Santos e Pinto (2007, p.13), que
ao pesquisador apontar o rigor metodológico
também cotejaram diferenças e aproximações
empregado na pesquisa e demonstrar a análise
entre as duas tradições. Enquanto na
da validade interna e externa do método. Por outro
fenomenologia o pesquisador se restringe a
lado, diversos autores concordam que a
tomar, “como dados legítimos”, apenas as
abordagem empiricista, na pesquisa acadêmica,
narrativas daqueles que vivenciaram o fenômeno,
está claramente dividida em dois paradigmas:1 o
na grounded theory recorre-se a várias fontes de
dados que podem ser de natureza primária ou positivismo (ou estruturalismo) e a fenomenologia
secundária. Nesse sentido, o processo de (ou interpretacionismo). Uma vez que o
amostragem é teórico, ou seja, orienta-se pela
teoria que gradativamente emerge ao longo da 1
O termo paradigma é aqui utilizado em seu sentido filosófico, ou
seja, para denotar uma implícita ou explicita visão da realidade. (MOR-
pesquisa empreendida. É comum, portanto, GAN; SMIRCICH,1980).

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MÉTODOS INTERPRETATIVISTAS EM ADMINISTRAÇÃO: IMPLICAÇÕES PARA PESQUISADORES

pesquisador faz a escolha entre o positivismo e a posicionamento de forma muito mais contundente
fenomenologia, por exemplo, é comum encontrar do que teria que fazê-lo da maneira tradicional.
uma aderência extrema a uma das abordagens Precisa enfrentar a desconfiança da tradição da
metodológicas, às vezes resultando em um debate instituição, que pode ver essa escolha como não
fervoroso a esse respeito (REMENYI et al., 1998). alinhada com os pressupostos e crenças aos quais
Nesse embate entre as duas tradições, ainda está acostumada. Dessa forma, o esforço do
prevalece a visão dicotômica e maniqueísta, a partir pesquisador para demonstrar o grau de
da qual só é possível escolher entre dois extremos credibilidade exigido sobre seu trabalho se torna
opostos e mutuamente excludentes. A despeito uma tarefa muito mais árdua. Outro ponto, que
disso, percebe-se, no campo da administração, também merece comentários, diz respeito aos
um aumento da aplicação de metodologias conflitos internos que podem surgir no âmago do
interpretativistas, como no caso dos trabalhos de pesquisador que, ao fazer uma escolha alternativa,
Bandeira-de-Mello (2003), em estratégia; de pode se questionar se realmente tomou a decisão
Petrini, Pozzebon e Meirelles (2007), em sistemas correta. Não há uma resposta correta a esses
de informação, que usaram a grounded theory; questionamentos. Apenas há a decisão do
de Grohmann (2005), sobre as influências de um pesquisador de buscar aquilo que acredita ser o
curso de pós-graduação na aprendizagem mais adequado, o caminho mais acertado a trilhar.
gerencial; de Macedo e Boava (2006), a respeito A partir disso, tornar-se disposto a enfrentar os
da essência do empreende-dorismo; de seus próprios modelos mentais.
Maisonnave e Rocha-Pinto (2008), acerca da
A busca da epoqué na fenomenologia e da
percepção de gestores sobre a gestão da inovação;
saturação teórica na grounded theory representam
de Paiva (2005), sobre o fenômeno
um desafio ao pesquisador, em função do
empreendedor; e de Silva, Rebelo e Cunha,
cronograma de pesquisa, uma incerteza, uma
(2003), sobre a aprendizagem gerencial, que
insegurança. Afinal, não dá para se estabelecer, a
aplicaram a fenomenologia.
priori, a quantidade de entrevistas que serão
De uma maneira geral, pode-se afirmar que a necessárias até o momento da saturação teórica.
escolha metodológica, seguida por um
É um método que demanda tempo e experiência
pesquisador(a) candidato ao título de mestre ou
do pesquisador, o que pode, eventualmente,
de doutor relaciona-se a alguns fatores comuns
explicar a sua baixa utilização, sobretudo em
encontrados nesse processo. Os principais são:
trabalhos de mestrado. Ademais, é possível
1) a tradição seguida pela instituição à qual se
perguntar: em que medida esse tipo de
vincula; 2) as premissas ontológicas e
metodologia pode ser compartilhado entre vários
epistemológicas de sua supervisão; 3) o
pesquisadores? Essa dúvida se justifica na medida
condicionamento ao qual foi submetido(a)
em que tanto o mergulho nos dados quanto a
durante a sua trajetória acadêmica e profissional.
qualificação das categorias estarão impregnados
No âmbito das ciências sociais, mais
particularmente dentro da área de administração, da subjetividade; a mesma unidade de análise,
isso não é diferente. E pode-se afirmar, sem medo no caso, o texto, pode ser apreendida e capturada
de errar, que a grande maioria das escolas de de formas distintas, não apenas em seu sentido
administração do país segue a linha positivista, quanto em sua denominação. Seriam, portanto,
com grande produção das pesquisas concentradas métodos mais compatíveis com um vôo solitário?
em dados quantitativos. As possibilidades que se vislumbram seriam: a
discussão compartilhada a respeito da essência
A decisão por uma abordagem qualitativa
ou da propriedade da categoria encontrada; o
requer do pesquisador a defesa de seu

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SANDRA REGINA ROCHA-PINTO . ANGILBERTO SABINO FREITAS . PAULO ROBERTO MAISONNAVE

exercício pleno da intersubjetividade; a “divisão


de tarefas”: na fenomenologia, um pesquisador Sandra Regina Rocha-Pinto
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
analisa, comenta, se encarrega da redução eidética,
formula uma proposição que pode ser entregue Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro, Brasil
a outro para elaboração de comentários ou Professora assistente da Pontifícia Universidade Católica do Rio
contraposição às teorias já existentes. A redução de Janeiro, Brasil
Endereço profissional
fenomenológica se constitui, também, um desafio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamen-
to de Administração - IAG.
importante a ser enfrentado quando uma pesquisa Rua Marques de São Vicente, 225 - Gávea
é feita em pares ou grupo. Afinal, como cotejar 22453-900 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
Telefone: (21) 21389200 Fax: (21) 21389273
duas ou várias visões diferentes de mundo a fim Email: sanpin@iag.puc-rio.br
de que, ao final do processo, estejam suspensas
as ideias preconcebidas a respeito do fenômeno
Angilberto Sabino Freitas
sob investigação? > Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Doutor em Administração de Empresas pela Pontifícia Universi-


dade Católica do Rio de Janeiro, Brasil
Professor Associado da Fundação Instituto Capixaba de Pesq. em
Contabilidade, Economia e Finanças, Brasil
Endereço profissional
Fundação Instituto Capixaba de Pesquisa em Contabilidade,
Economia e Finanças.
Av. Fernando Ferrari 1358 - Boa Vista
29075-505 - Vitoria - ES - Brasil
Telefone: (27) 40044444
Homepage: www.fucape.br
Email: angilberto@iag.puc-rio.br

Paulo Roberto Maisonnave


Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Mestrado Profissionalizante em Administração de Empresas pela


Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil(2008)
Endereço profissional
Endesa Geração Brasil.
Praça Leoni Ramos 1 - São Domingos
24210-205 - Niteroi, RJ - Brasil
Telefone: (21) 25559866
Email: pmaisonnave@endesabr.com.br

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