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Humanidades, Ciências e Letras

wards topics in the discussion of religious phenom-


ena in modern times. He also indicates possibilities
Revista Symposium
Revista and paths to those involved with pastoral action in
Symposium the Church. In three approaches, the text analyses a
pericope of the Gospels according to St Mark (Mk
5,21-43): in the literary context, in its internal de-

O CAMINHO tails in the light of exegetical contributions; a study


of what is behind the narrative, taking into account

QUE LEVA AO the historical context; an analysis of the meaning


that the text offers to the interpreters of today.

ENCONTRO COM O Key words: Religion, bible, Gospels, salvation,


church.

PODER SALVÍFICO INTRODUÇÃO

DE DEUS:
A
presente Tese tem como objetivo trazer uma

uma análise bíblico- contribuição bíblico-teológica para a discus-


são do fenômeno religioso hoje, apontando

teológica de um itinerá- caminhos de ação pastoral para as Igrejas.

rio de fé em Mc 5, 21-43 Em plena crise dos valores defendidos pela


Modernidade, o vácuo deixado pelas antigas insti-
tuições portadoras de sentido (entre elas, a Igreja
Católica) foi gradativamente ocupado pela busca de
João Luiz Correia Júnior experiências religiosas individuais que visam à rea-
lização pessoal e privada, por meio de expressões
Resumo: O caminho que leva ao encontro com o religiosas do tipo funcional.
poder salvífico de Deus. Neste artigo, temos uma
síntese de tese para obtenção do título de Doutor Buscamos sistematizar a Tese a partir do es-
em Teologia, em que o autor apresenta uma tudo bíblico-teológico de Mc 5, 21-43.
contribuição bíblico-teológica, oferecendo condições
para o debate do fenômeno religioso na atualidade, No contato com o mais profundo do fosso
apontando também para possibilidades e caminhos da limitação humana, quando tudo parece perdido,
aos que desenvolvem a ação pastoral no âmbito da sem sentido, muitas vezes só nos resta uma saída:
Igreja. Em três abordagens, o texto analisa perícope realimentar a sutil e frágil chama da fé e pôr-se no
do Evangelho segundo São Marcos (Mc 5, 21-43): caminho que leva ao encontro com o poder de Deus,
no contexto literário, em seus detalhes internos à que, ao nosso ver, é capaz de salvar.
luz de contribuições exegéticas; estudo do que
estaria por trás da narrativa levando em ponderação Para nós, cristãos, Jesus é o mediador (o fio
o contexto histórico; análise do sentido que o texto condutor) entre a fragilidade da fé humana e o grandi-
oferece aos intérpretes de hoje. oso e forte poder divino. Através da humanidade de
Palavras-chave: religião, bíblia, evangelho, salvação, Jesus, a fé “toca” no Sagrado1 realmente capaz de
Igreja. salvar (Sagrado Salvífico), e a vida volta a ter sentido: a
saúde é restaurada, a ameaça da morte prematura é
Abstracts: This paper is an abstract of a PhD the- eliminada e o ser humano se habilita a construir a sua
sis in Theology (in preparation). The author presents dignidade de pessoa no âmbito da convivência social,
a biblical-theological contribution, which puts for- dando novo sentido à sua existência.

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Os três capítulos da Tese nhada, discípulos e discípulas vão descobrindo a Boa


Nova e encontrando a resposta para as perguntas:
No Primeiro Capítulo, mergulhamos no tex- “Quem é Jesus? Como ser seu discípulo e discípu-
to marcano, a fim de entender a perícope (5,21-43) la?
no seu contexto literário e nos seus detalhes inter-
nos, através da contribuição exegética. A narrativa marcana foi elaborada dentro
de uma concepção cristológica e soteriológica da
No Segundo Capítulo, procuramos perce- pessoa e da prática de Jesus. O texto analisado a
ber o que poderia estar por trás da narrativa, a fim partir dessa ótica ajuda a perceber mais claramente
de entender as possíveis preocupações do contexto a sua coerência interna com a trama em torno do
histórico das comunidades marcanas no que se re- segredo messiânico e a sua perfeita elaboração que
fere à busca de sagrado naqueles dias em que o tex- visa a prestar um serviço ao leitor(a) para que ele(a)
to foi escrito. desvende o mistério em torno da pessoa Jesus de
Nazaré.
Por fim, no Terceiro Capítulo, buscamos
captar a reserva de sentido que o texto tem para Assim, o evangelista Marcos parece que-
hoje, que possa iluminar a problemática de busca rer transmitir que os gestos e as palavras de Jesus
de sagrado e de sentido para a vida em nossos dias. não devem ser proclamados como algo à parte, sem
articulação com o todo da vida-morte-ressurreição
CAPÍTULO I: ESTUDO DA PERÍCOPE de Jesus. Disso se deduz também que o seguimento
radical de Jesus implica necessariamente se assumir
A perícope aparece nos Evangelhos Sinóticos a prática de Jesus, mesmo sob o risco constante de
(Mc 5,21-43; Mt 9,18-26; Lc 8,40-56). perseguição e da própria morte.

Em Marcos, o evangelho mais antigo (não Ao reassumir a prática taumatúrgica de


necessariamente a edição, mas a catequese nele con- Jesus com todas as suas conseqüências, o evangelho
tida aparece em sua forma mais antiga), a perícope de Marcos atrai a nossa atenção para o momento
está localizada na primeira parte do Evangelho: presente, tido por Marcos e sua comunidade como
o tempo da salvação escatológica. Os relatos de mi-
I. Prólogo (1, 1-13): Apresentação do Messias lagre desempenham importante papel nesse senti-
II. Primeira Parte (1, 14-8, 26): O ministério do do, pois destacam a autoridade do Jesus histórico e
taumaturgo Jesus de Nazaré a fé da comunidade que está por trás dessas tradi-
Quem é Jesus? ções, como elementos essencialmente constitutivos
e vinculantes do ser discípulo e discípula de Jesus
III. Segunda Parte (8, 27-16, 8): Aos poucos, vai-se Cristo2 .
esclarecendo quem é Jesus
Jesus é o Messias Sofredor Tais práticas taumatúrgicas, retomadas pelo
narrador, colaboram com a intenção pedagógica de
IV. Conclusão canônica, apêndice (16, 9-20): Apari- todo o texto, que visa a suscitar a pergunta sobre
ção de Jesus ressuscitado quem - de fato - é esse homem, para que cada um
dos seus seguidores e seguidoras (que não o conhe-
Neste trabalho, optamos pela ceram de perto) dêem a resposta a partir da fé ver-
complementaridade das duas partes acima (a pri- dadeira que possa motivar a prática de novos gestos
meira e a segunda). O Evangelho de Marcos pode concretos em prol da vida, dentro da realidade de-
ser interpretado como um roteiro-viagem, um iti- safiadora do contexto histórico presente, tal qual o
nerário de fé que orienta os seguidores e seguidoras fez Jesus no seu tempo.
de Jesus, desde a Galiléia até Jerusalém. Nessa cami-

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A perícope, objeto do nosso estudo (Mc Jesus e a cegueira do seu povo


5,21-43), está inserida na primeira parte do Evange- (ponto alto do ministério na Galiléia)
lho. Em toda essa primeira parte, como vimos, há Terceira Seção: 6, 6b-8, 26.....O Ministério de
pouca referência ao significado da pessoa de Jesus, à Jesus e a cegueira dos discípulos
sua dignidade oculta de Filho de Deus, dignidade (ministério fora da Galiléia).
essa que perpassa toda a sua vida, sobretudo sua
vida pública como taumaturgo. A Segunda Seção (3, 7-6a) pode ser assim de-
limitada: abre-se com um sumário que dá uma vi-
Para Marcos, parece ser relevante ressaltar são global do ministério de Jesus e da atração que
a atuação do Jesus terreno como algo fundamental ele exercia sobre as multidões (3, 7-12); encerra-se
para o querigma ( khvrugma ), isto é, para o anún- com uma profunda incredulidade por parte daque-
cio da Boa Nova3 . las pessoas que conheciam Jesus desde criança, a
respeito do seu ministério (6, 1-6a). É a
Mas tal agir de Jesus não leva as pessoas a incompreensão e rejeição por parte dos “seus”.
crerem nele automaticamente. E, pior: quanto mais
Jesus revela o seu poder, tanto mais provoca oposi- Em meio a tal situação, a narrativa marcana
ção ou, no mínimo, incompreensão dos que o ro- parece querer sublinhar que:
deiam.4
a) não basta estar próximo de Jesus - ao pon-
Por não compreenderem a prática de Jesus e to de esbarrar no corpo dele - como fazem as multi-
até o perseguirem, as pessoas parecem estar cegas. dões, é necessário aproximar-se dele com a fé de
É sugestivo que a cura do cego de Betsaida (8, 22- Jairo e da hemorroíssa (5, 21-43); b) não basta fazer
26) sirva de conclusão dessa primeira etapa do li- parte da parentela de Jesus, pois ela demonstra mui-
vro. Depois de haver constatado a cegueira total das ta incredulidade, apesar de conhecê-lo de perto (6,
pessoas (a incompreensão dos discípulos de Jesus e 6), é necessário entrar no seu verdadeiro parentesco
a perseguição dos seus inimigos) e antes de come- (num recado indireto para os seus discípulos), dei-
çar a desenvolver com clareza o aspecto da vida de xando-se afetar profundamente por sua Palavra, atra-
Jesus que se torna escândalo (a cruz), a cura adqui- vés da fé testemunhada, como o demonstrou a mu-
re um caráter simbólico: nos dias de seu ministério, lher com fluxo de sangue e o chefe da sinagoga (5,
Jesus transmitia luz à comunidade. Jesus teve de agir 21-43).
com paciência ao curar aquele homem: por duas Mc 5, 21-43 contribui, portanto, com a inten-
vezes impôs as mãos sobre ele, que no princípio ção marcana em apresentar Jesus aos discípulos e
enxergou as pessoas parecidas com árvores ambu- discípulas, num contexto de crise, para aumentar-
lantes; porém, no final, acabou curado e via tudo lhes a fé e o compromisso cristão no discipulado.
com clareza. O mesmo processo se deu com os dis- Um Jesus que se revela com misterioso poder
cípulos no contato com Jesus, pois só gradativamente salvífico que, entre outras coisas, é capaz de restau-
puderam enxergar com clareza a proposta de Jesus, rar as criaturas humanas relegadas à condição sub-
após sucessivos contatos com Ele5 . humana, libertando-as da doença que as diminui e
exclui do convívio social; um Jesus que é capaz de
Na primeira parte do Evangelho de Marcos, salvar a vida das pessoas, resgatando-as da morte
podemos encontrar três seções 6 : que as exclui da vida antes do tempo.

Primeira Seção: 1, 14-3, 6...... O Ministério de Encontramos relações internas na narrativa,


Jesus e a cegueira das autoridades as quais podem sugerir o seguinte esquema:
(começo do ministério na Galiléia)
Segunda Seção: 3, 7-6, 6a....... O Ministério de

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Chamam a atenção os verbos antitéticos utilizados:


A. 21 Numerosa multidão cerca Jesus (domínio público)
B. 22 O chefe da sinagoga prostra-se diante de Jesus
“cair” / “levantar-se”.
C. 23 Súplica pela filhinha
D. 24a Jesus acompanha Jairo C. O terceiro paralelo (v. 23 / v. 41)
E. 24b Numerosa multidão (massa amorfa)
O pedido de Jairo, para que Jesus salve sua
comprime Jesus filha impondo as mãos sobre ela (v.23), é plena-
F. 25-28 O segredo da mulher e sua mente realizado (v. 41).
secreta atitude

G. 29-31 A cura e a consciência D. O quarto paralelo (v. 24 / vv. 35-40)


do poder de Jesus em No vers. 24, Jesus acompanha Jairo até sua
meio à inconsciência
dos discípulos
casa, enquanto, nos versículos 35-40, percebe-se que,
na verdade, poucos acompanham Jesus. Diante das
F’ 32-33 A mulher se revela e proclama dificuldades que parecem tornar-se intransponíveis,
toda a verdade
E’ 34 Uma filha de Jesus (uma alguém)
Jesus dá um conselho fundamental a Jairo: “Não
emerge da multidão temas; crê somente”. Possivelmente por causa da
falta de fé, muitos vão ficando pelo caminho: da
D’ 35-40 Alguns poucos acompanham Jesus
C’ 41 Ação concreta: Jesus atende a súplica
multidão, não permitiu que ninguém o acompanhas-
B’ 42 A filha do chefe da sinagoga levanta-se e anda se, exceto Pedro, Tiago e João; na casa, ordenou que
A’ 43 Ninguém deve saber (intimidade) saíssem todos, exceto o pai, a mãe da criança e os
que o acompanhavam, e com eles entrou onde esta-
va a criança. Só quem não perde a fé diante das
A. O primeiro paralelo do quiasma: a mol- dificuldades é que consegue ser plenificado pela
dura da perícope (v. 21 / v. 43) graça proveniente da presença de Jesus.
Tomando o vers. 21 como introdutório à
narrativa de cura da filha de Jairo e da hemorroíssa, E. O quinto paralelo (v. 24b / v. 34)
podemos encontrar uma moldura da perícope com Chegamos à narrativa de cura da hemorroíssa.
o vers. 43: Tomando o vers. 24b como introdução, temos a nu-
Na abertura da narrativa, Jesus está cerca- merosa multidão que continua seguindo Jesus. E,
do por numerosa multidão, à beira-mar, sem pri- como conclusão deste relato de milagre, temos o
vacidade alguma. vers. 34, através do qual fica demonstrado que é do
No fecho da narrativa, Jesus está dentro de meio dessa massa amorfa, isto é, sem nome, rosto,
uma casa, num quarto fechado em companhia de sem identidade própria, que emerge alguém com a
algumas poucas pessoas, num ambiente de privaci- dignidade de ter sido salva pela fé que demonstrou
dade, recomendando - inclusive - que ninguém to- em Jesus; curada definitivamente de suas mazelas, é
masse conhecimento do que se passara ali. o próprio Jesus que lhe chama de “minha filha”.

Os dois versículos estão, portanto, em F. O sexto paralelo (vv. 25-28 / vv. 32-33)
paralelismo antitético: domínio público (numero- Nos vv. 25-28, é narrada a situação da mu-
sa multidão) X intimidade (poucas pessoas, sigi- lher, até que ela - num fosso profundo de sofrimen-
lo). to que parece não ter fim - resolve secretamente
buscar socorro em Jesus: escondida no meio da
B. O segundo paralelo (v. 22 / v. 42) multidão, por trás, toca nas vestes dele na esperança
Num extremo do quiasma (v. 22), Jairo cai de ficar curada. Nos vv. 32-33, aos pés de Jesus, a
aos pés de Jesus para suplicar a cura de sua filha; no mulher sai da clandestinidade: revela-se diante de
outro extremo (v. 42), a menina se levanta e anda. todos, proclamando toda a verdade.

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G. O centro do quiasma (vv. 29-31): o en- o centro da perícope (Mc 5, 29-30), percebemos
contro com o poder de Deus em Jesus que o evangelista Marcos narra substancialmente
a consciência proveniente da experiência
Uma poderosa energia revitalizadora libertadora, provocada pelo encontro com o po-
(duvnamiV ) foi desencadeada com o toque da der salvífico de Deus na pessoa de Jesus. Este é
mulher nas vestes de Jesus, fazendo estancar ime- concebido pelo evangelista Marcos (e apresenta-
diatamente a hemorragia, ao ponto de ela sentir- do às comunidades marcanas) como um poder
se curada. Ao mesmo tempo, também de forma capaz de salvar.
imediata, Jesus toma consciência de que podero-
sa energia emanara do seu corpo em virtude de Como todo encontro, temos aqui pessoas
um toque especial de alguém. que se deparam e se confrontam, interagindo
mutuamente, a partir de interesses que nascem da
CAPÍTULO 2: O ENCONTRO COM O perspectiva de quem está em missão e da pers-
PODER SALVÍFICO DE DEUS EM JESUS pectiva de quem busca algo imprescindível para a
sua existência.
A partir da exegese realizada no primeiro
capítulo, sobretudo daquilo que destacamos como

1) A PARTIR DO PONTO DE VISTA DA MISSÃO (OFERTA DE SAGRADO)


[a] - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - > [b]
JESUS SE APROXIMA JESUS SE FAZ PRÓXIMO (aproxima-se do seu povo)
“Atravessa o mar” (5, 21) Faz-se corpo com a multidão
(Encarnação) (É solidário)

Jesus foi percebendo, no contato com seu Jesus torna próximo e até sensível o poder
povo sofrido, que a dinâmica da vida poderia ser de Deus, único capaz de provocar uma recriação
restaurada, que a ligação com o autor dessa força (VIDA NOVA). Em Jesus, Deus se aproxima para
vital poderia ser restabelecida e reforçada e o suces- libertar, do mesmo modo que em Ex 3, 7-8.
so dessa ação deveria ser atribuído à fé no poder de
Deus.

2) A PARTIR DO PONTO DE VISTA DE QUEM BUSCA (PROCURA DE SAGRADO)


[a] - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -> [b]
NECESSIDADE CONCRETA BUSCA (Recorre-se a Jesus)
IMEDIATA CAMINHADA DE FÉ
de Jairo - por sua filha
da hemorroíssa - por si mesma

Jairo, prostrado aos pés de Jesus, represen- salvífica de Jesus. Restabelecidas em dignidade, co-
ta o poder sinagogal que estaria capitulando. A ins- locadas de volta no âmbito da convivência social,
tituição antiga, portadora de sentido, perde força e representariam os excluídos da vida que buscam nas
credibilidade: não consegue restaurar a vida dos seus comunidades cristãs uma nova instituição restaura-
filhos. dora de sentido.
Pessoas do sexo feminino (jovem e adulta) Esvaziam-se e perdem sentido os sagrados
são restauradas no contato com a prática ético que ficam presos a templos, a ritos, que não conse-

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guem revitalizar a vida. conseguiam tocá-lo com a profundidade com que


a mulher o tocou, rompendo a multidão. Do mes-
3) ENCONTRO LIBERTADOR mo modo, na narrativa de cura da filha de Jairo,
Experiência de Deus chama a atenção a iniciativa corajosa de ele rom-
Encontro com a duvnamiV de Deus (Sagrado per a barreira de pertença à sinagoga e suplicar a
Salvífico) Jesus pela cura de sua filha.
Nesse ENCONTRO, nesse contato, forta-
lece-se a experiência salvífica que brota da interação Dessa forma, a mensagem de Marcos para
entre o poder da fé da pessoa necessitada e o po- as comunidades cristãs do seu tempo parece ser esta:
der restaurador da vida, próprio da onipotência o movimento inaugurado por Jesus (a exemplo dEle)
de Deus. O Reino de Deus irrompe na história, no precisa manter-se solidariamente aberto para todos,
cotidiano das pessoas. sobretudo para os que sofrem qualquer tipo de ex-
clusão social. Essa deve ter sido uma das grandes
Que elementos do contexto marcano teri- preocupações do evangelista.7 Mas parece que Mar-
am motivado tal narrativa no que se refere à pers- cos também está consciente de que a pertença a esse
pectiva do encontro salvífico libertador com a pes- movimento não garante a transformação na vida das
soa de Jesus Cristo? pessoas; é preciso que elas (a exemplo de Jairo e da
Levantemos aqui algumas possibilidades... hemorroíssa) estejam predispostas a acolher o dom
de Deus que se faz próximo. É preciso que se dis-
A) Retomada de uma mística da libertação ponham a fazer (e façam!) todo um itinerário de
amadurecimento da fé.
Marcos parece estar querendo lembrar às comuni-
dades cristãs do seu tempo que “tocar” em Jesus Um outro aspecto característico da mística
(como o fez a hemorroíssa) e “ser tocada” por Ele cristã que Marcos parece sugerir a partir dessa du-
(como o foi a filha de Jairo) é manter relação íntima pla narrativa de milagres (Mc 5, 21-43), é que a li-
com a expressão do Amor, que se realiza na entrega berdade para acolher o dom de Deus se dá na medi-
do próprio Deus à humanidade. da em que a pessoa não tem mais nada e ninguém a
O evangelista bebe do próprio poço de sua quem se prender como tábua de salvação. Todas as
cultura judaica. Ele sabe que essa experiência místi- tábuas em que podiam agarrar-se no afã de se sal-
ca libertadora tem suas raízes no Antigo Testamen- varem, a realidade lhes tirou do alcance: médicos,
to: Deus se faz tão próximo que chega a ouvir o recursos financeiros e até a própria religião.
clamor do povo por causa dos seus opressores; Deus
se faz tão íntimo do cotidiano do povo que “conhe- Tal realidade desgraçada os torna livres...
ce as suas angústias” (Ex 3,7); Deus está tão solidá- Podem, finalmente, sem mais nada que os prenda,
rio com o povo, que desce “a fim de libertá-lo da colocar-se na estrada do seguimento de Jesus, no
mão dos egípcios, e para fazê-lo subir daquela terra caminho da graça. No texto, Jairo se pôs na estrada
a uma terra boa e vasta, terra que emana leite e mel” e aproximou-se de Jesus para lhe suplicar a cura de
(Ex 3, 8). sua filha (5, 22); a hemorroíssa, por sua vez, tam-
bém se pôs em caminho para ousar tocá-lo
Contudo, nas entrelinhas de sua narrativa, secretamente, no meio da multidão, na esperança de
Marcos parece querer lembrar às comunidades cris- ficar curada (5, 27). Deixaram tudo e a todos e se
tãs que essa realidade salvífica, embora próxima e lançaram por inteiro no seguimento de Jesus, na es-
ao alcance de todos, precisa de ser livremente aco- perança de conseguirem o milagre a que tanto aspi-
lhida, o que é um respeito profundo à liberdade ravam. O texto marcano sugere, portanto, que a ex-
humana. Na narrativa de cura da hemorroíssa, cha- periência salvífica consiste em assumir o seguimen-
ma a atenção o fato de que muitos esbarravam no to de Jesus, participar de sua vida, do seu movimen-
corpo de Jesus no arrocho da multidão, mas não to, num seguimento dinâmico e radical.

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Marcos escreve para comunidades cristãs que diz. Isso é uma grande novidade (Boa Nova)
inseridas em ambientes marcados pela cultura greco- naquela cultura patriarcal. Nesse testemunho pú-
romana. Nesse contexto cultural, as pessoas tam- blico (muito melhor narrado por Mc do que por
bém buscavam sagrados na esperança de alcançar Lc, enquanto Mt nem menciona), pode estar implí-
milagres. Talvez por trás de narrativas de milagre cito o reconhecimento marcano de que a mulher
como a que encontramos em Mc 5, 21-43, estaria estava desempenhando importante papel na missão
presente uma sugestão para as comunidades evangelizadora da Igreja primitiva.
marcanas: por que não propiciar este encontro com
o Sagrado (que salva vidas, que cura, que liberta e, Contudo, na casa de Jairo, Jesus se posiciona
portanto, que gera vida nova) nas comunidades que de forma radicalmente diferente: impede que se
continuam o movimento iniciado por Jesus? Nessa anuncie a salvação da filha do chefe da sinagoga (5,
perspectiva, as comunidades cristãs estariam 43a). Talvez porque as pessoas que ali estavam (fiéis
vocacionadas a ser o espaço em que as pessoas en- praticantes da religião oficial) já celebravam os ritu-
contrariam a presença viva do Sagrado Salvífico ais próprios do funeral (celebravam a morte), de-
Cristão, a presença viva de Jesus ressuscitado. monstrando, inclusive, profunda incredulidade
quanto à possibilidade de que a situação da menina
Uma outra intuição interessante que se per- pudesse ser revertida através da intermediação de
cebe na narrativa de Mc 5, 21-43 é a de que a salva- Jesus, uma vez que só Deus e mais ninguém poderia
ção está em função da vida. Na Bíblia, a salvação fazê-lo; tal pretensão seria motivo de zombaria, como
também é oferecida em função da totalidade da pes- realmente o foi (5, 40).
soa, que compreende a sua corporalidade, a sua his-
tória pessoal e a sua relação com a comunidade da Fica evidente, portanto, que essas pessoas
qual faz parte. não participavam do movimento em torno do se-
guimento de Jesus: não acompanhavam de perto os
Na narrativa de cura da hemorroíssa, Jesus ensinamentos do Mestre; não presenciaram o seu
insistiu em saber quem o tocou, ao perceber que, poder sobre as forças do caos (tempestades, doen-
naquele instante, um poder saíra dele; a mulher, cu- ças, espíritos malignos etc.); não escutaram - por
rada do seu fluxo de sangue, viu-se obrigada a con- exemplo - o testemunho vivo de fé da hemorroíssa;
tar toda a verdade (5, 30. 32-34). Isso sugere que a enfim, não conheciam Jesus. Nesse ambiente carre-
experiência profunda que nasce do contato com o gado negativamente por espíritos armados contra a
Sagrado Mistério de Deus na pessoa de Jesus Cristo Boa Nova, relatar que Jesus salvara da morte a filha
(mística cristã), por ser intensa e transformadora, de Jairo seria perda de tempo: bastava que a vissem
não pode ficar guardada na intimidade de quem a de pé, saudável, após o contato com Ele.
viveu (intimismo espiritualista). Tem que ser teste-
munhada. Em clima de incredulidade, as palavras são
De fato, as transformações causadas pelo praticamente ineficazes; se o testemunho não servir
contato com o Sagrado Salvífico são, muitas vezes, para nada, de que adiantam as palavras? A própria
tão perceptíveis, que não podem ficar escondidas; filha de Jairo seria - a partir do contato com Jesus -
devem ser proclamadas corajosamente (sem temer testemunho vivo do poder salvífico do taumaturgo,
conseqüências), para todos saberem que Deus está em pleno coração do ambiente judaico: a casa de
solícito em atender a quem se aproxime - com fé - um dos chefes da sinagoga. O próprio Jairo seria
do seu poder revigorador. também testemunho vivo da fé no poder de Jesus,
uma vez que, diante de todos (da numerosa multi-
Assim, a transformação do corpo daquela dão e dos discípulos), suplicara ao taumaturgo que
mulher hemorrágica implicou uma postura que re- salvasse sua filha da morte. É, portanto, uma narra-
vela a nova condição da MULHER motivada por tiva carregada de ironia para com a cultura religiosa
Jesus: dar testemunho público e ser acreditada no da época, tomada como símbolo dos que duvidam

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e, conseqüentemente, como antimodelo (anti- ponsáveis pela qualificação do cristianismo com


paradigma) para o seguimento de Jesus e para o de- o sagrado que estrutura e dá sentido à vida como
senvolvimento de uma mística cristã. um todo.

Com isso, a narrativa de cura da hemorroíssa Tal sagrado, na expressão religiosa judai-
e da filha de Jairo parece sugerir um aspecto funda- ca daquele período histórico, perdera a mediação
mental da mística cristã: a transformação só se dá de encontro profundo do ser humano com Deus,
como experiência da ressurreição na secreta experi- à medida que foi perdendo a sensibilidade para
ência da fé. com a dimensão antropológica.

Por isso, de um lado, é importante que se Ao lembrar isso em plena cultura greco-
publique, para que a mulher (símbolo por excelên- romana, o evangelista Marcos parece estar cons-
cia dos excluídos) ressuscite no meio da multidão; ciente de que, com a vinda de Jesus, se esvaziam e
doutro lado, não adianta dizer, porque se trata de perdem sentido os sagrados que não conseguem
uma experiência pessoal. revitalizar as pessoas, trazendo-lhes vida nova.
Parece estar consciente de que se esvazia e perde
De qualquer modo, o testemunho substan- sentido todo e qualquer sagrado que fica longe
cial não vem simplesmente das palavras, mas, sobre- da vida real, circunscrito a templos, preso a cul-
tudo da transformação que o encontro com o Sa- tos estéreis, limitado a pessoas e objetos cada vez
grado Salvífico causa na vida, no corpo das pessoas. mais inacessíveis, intocáveis.
Isso, por fim, causa interferência positiva no corpo
social e cultural de um povo. De fato, em plena cultura greco-romana,
o cristianismo contraria alguns comportamentos
B) O rompimento com o sagrado não-salvífico culturais e religiosos vigentes no século I. Ele re-
cusa uma religião fechada, reservada apenas a um
Na perícope em estudo, fica claro o esvazia- pequeno número de iniciados. As exigências mo-
mento e a perda de sentido do sagrado na religião rais do Evangelho se opõem ao desprezo pela
oficial. No caso do chefe da Sinagoga, nem ele que, vida, ao laxismo sexual, ao gosto do luxo e do
segundo a sua religião, está mais perto do sagrado, dinheiro, que freqüentemente caracterizam a so-
não consegue salvar a sua filha querida de uma morte ciedade imperial. A mensagem cristã rejeita o
prematura. No caso da mulher com fluxo de san- relativismo religioso. Ele não deseja ser incluído
gue, tal cultura aprofunda ainda mais o preconceito entre os outros cultos e não aceita a divinização
social para com ela, uma vez que a considera impu- do Estado. Acrescente-se a isso o tratamento in-
ra, marginalizando-a definitivamente de suas práti- ferior dado à mulher e o desrespeito para com as
cas religiosas, já bastante restritas para a mulher. crianças.

O evangelista Marcos parece sugerir que são C) Valorização da mística do povo


os próprios judeus, começando pelo Mestre e
Taumaturgo Jesus de Nazaré, passando por pes- Com a sua religiosidade funcional, a
soas com a influência religiosa de um Jairo (chefe hemorroíssa deixa claro que a busca desse sagra-
da Sinagoga), até a mais humilde e humilhada das do do tipo funcional e mágico não é um produto
pessoas excluídas (personificada na mulher que novo, criado pela Modernidade. Trata-se, sim, de
sofre de fluxo de sangue contínuo), são eles pró- um fenômeno antigo que perpassa todas as cul-
prios que denunciam a descaracterização da reli- turas em todos os tempos. Poderíamos dizer até
gião oficial da época, como estrutura de sentido. que se trata de um fenômeno próprio da pessoa
À medida que se põem no movimento de cons- humana que, em situações extremas da vida, re-
trução da Boa Nova, tais pessoas também são res- corre ao sagrado como única tábua de salvação.

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Humanidades, Ciências e Letras

Jesus soube acolher aquela mulher com de.


todos os seus problemas e com toda a sua men- CAPÍTULO 3: RESERVA DE SENTIDO
talidade. Com tal exemplo, Marcos parece que- PARA HOJE
rer propor às comunidades cristãs de seu tempo
compreensão e apoio para com a grande maioria Nos dois primeiros capítulos da Tese, cons-
que se encontra em situações-limite e tatamos elementos de grande atualidade na dupla
desumanizantes, o que faz emergir em suas ca- narrativa de milagres em Mc 5, 21-43.
beças uma mentalidade mágica, própria de uma
etapa pré-cristã. Esse fenômeno se observa en- Embora estejamos numa realidade bastan-
tre pessoas que, inclusive, já têm uma formação te diferente, percebemos a presença do mesmo
cristã. fenômeno que fazia multidões se aglomerarem em
torno de Jesus. Em virtude disso, fala-se muito
É preciso ter, portanto, paciência históri- em “volta” ou em “retorno” do religioso, mas
ca, pois a rapidez com que o sagrado salvífico é talvez estejamos nos deparando mesmo com a
elaborado na reflexão dos teólogos não é a mes- “permanência” do religioso.8 A proliferação de
ma com que é captado e realmente vivido pelo seitas neopentecostais que oferecem curas
povo de Deus. Para tanto, é necessário manter miraculosas, a reação de setores da Igreja Católi-
viva a opção pelos empobrecidos e por todas as ca por intermédio da Renovação Carismática de-
pessoas que padecem algum tipo de sofrimento, monstram a atualidade desse fenômeno.
as quais, de alguma forma, sentem na própria pele
as necessidades concretas da vida. O que fazer diante de tal realidade?
a)Desconhecer o fenômeno ou fechar os olhos
A práxis salvífica de Jesus vem ao encon- diante dele, não dando a atenção pastoral devida?
tro dessas mesmas necessidades humanas concre- Há toda uma prática pastoral que não leva em
tas. A práxis salvífica das comunidades cristãs deve conta essa realidade, chegando até mesmo a
manter-se sintonizada com essa preocupação, pos- menosprezá-la, na sua orientação religiosa.
sibilitando:
b)Responder ao fenômeno no mesmo nível, ou
• a intermediação e o encontro entre a pessoa seja, dando soluções pseudopastorais, tais quais
(que vê a vida de alguém querido ou a própria são solicitadas? Muitos fazem isso, abrindo Igre-
vida gradativamente esvair-se) e o Deus da Vida jas que oferecem curas, incentivando a busca de
(que lhe restaura e lhe devolve a vida em ple- sagrado através da intermediação de determina-
nitude); das pessoas tidas como santas, ou através de lu-
• a proclamação da novidade salvífica desse en- gares tidos como miraculosos, os quais, com o
contro místico com Deus deve ser feita pelos passar dos anos, se tornam centros de romaria.
próprios místicos, isto é, pelas mesmas pesso-
as que experimentaram, na intimidade de suas c)Ou dar uma resposta missionária séria, estuda-
próprias entranhas, esse encontro salvífico, por da cientificamente e refletida à luz da contribui-
meio das palavras (como o fez a hemorroíssa) ção bíblico-teológica atual?
e, sobretudo, por meio do testemunho
irrefutável do corpo plenamente restaurado Tendo presente todo esse contexto desa-
(como o fez a filha de Jairo). fiador, à luz dos estudos sobre os relatos de mi-
lagres em Mc 5, 21-43 (Cap. I e II), procuramos
O central da fé cristã, enquanto testemu- levantar no Cap. III proposições que geraram a
nho expresso, não é somente se sentir salvo, mas, seguinte conclusão:
sobretudo, dizer que o Sagrado que salva está em
Jesus de Nazaré. Isso reforça a própria identida- a) A busca do sagrado nasce da experiência exis-

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Revista SymposiuM

tencial. tem plena consciência do poder que dele saíra.


São os problemas existenciais do cotidiano d) No encontro com Jesus, é sugerida uma mística
que levam muitas vezes às experiências antropo- encarnada na realidade.
lógicas mais profundas, tais como a experiência
religiosa. Um outro aspecto importante é que o encon-
tro com o Sagrado Cristão implica o seguimento
Paradoxalmente, quando entramos em con- radical de Jesus Cristo. Nesse seguimento, a pessoa é
tato com o mais profundo do fosso da limitação levada a se comprometer com a continuidade do
humana, quando nos deparamos com a nossa in- Projeto da Encarnação de Deus na história. Nesse
digência e finitude, é justamente aí que temos a seguimento, a pessoa é conduzida a uma mística en-
oportunidade de “tocar” no infinito, ilimitado carnada, isto é, a uma experiência de Deus que se dá
poder de Deus. no contato com os que sofrem, através de gestos
que se preocupam com a corporalidade das pessoas,
b) Na busca do sagrado cristão, é sugerido um através de um serviço humilde e amoroso em prol
caminho do seu bem-estar físico e psíquico, sobretudo da-
quelas pessoas mais pobres, oprimidas, marginaliza-
O sagrado caminho que leva ao encon- das e excluídas e / ou daquelas que, embora privile-
tro com Deus é algo que todas as culturas, ao giadas socialmente, se colocam na condição dos em-
longo dos séculos, procuraram abrir e trilhar, em pobrecidos e empobrecidas, condição de
virtude da necessidade de o ser humano “tocar” necessitado(a), e são capazes de suplicar ajuda.
no Divino Mistério Salvífico que passa pela vida,
na busca de sentido para uma existência tão frá- e) No encontro com o sagrado cristão, o poder da fé
gil quanto passageira. sai fortalecido para a missão.

c) O caminho do sagrado cristão leva ao encon- Mc 5,21-43 sugere que esse “caminho” deve
tro consciente com o poder salvífico de Deus. ser trilhado como um “itinerário de fé”, cujo pri-
meiro passo consiste em sair do comodismo e pôr-
Conforme sugerimos no Cap. I, a constru- se no seguimento de Jesus, Sagrado Salvífico Cris-
ção da narrativa em esquema quiásmico tem seu tão, na esperança de encontrá-lo mais adiante, como
ponto central na consciência do poder salvífico o fizeram Jairo e a hemorroíssa.
de Deus (vv. 29-31): ao tocar nas vestes de Jesus,
a mulher percebe imediatamente que a hemorra- Esse caminho é sugerido como um itinerá-
gia estancou, sentindo no corpo que estava cura- rio de fé para todas as pessoas que desejem superar
da de sua enfermidade; no exato instante em que, situações-limite, em meio à ausência de sentido na
de forma especial, foi tocado em suas vestes, Jesus

vida:

situação 1 ———> situação 2 ———> situação 3


AUSÊNCIA DE SENTIDO PÔR-SE NA BUSCA, ENCONTRO COM O SAGRADO,
COM FÉ EM ALGUM LUGAR DA
CAMINHADA

———> situação 4 ———> situação 5 ———>

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NOVA VIDA PÔR- objetos, carrancas, fetiches, amuletos, despachos,


SE A CAMINHO, SEMPRE... mandingas, símbolos, cosmogonias (sistemas que
f) A missão evangelizadora, hoje. procuram explicar a origem do universo e do mun-
do), pessoas consagradas, animais, plantas, lu-
Em meio à crise da Modernidade, lá todo um gares santos, superstições, magias etc. LIBÂNIO,
recrudescimento da busca de sagrado como fonte J. B.; MURAD, Afonso. Introdução à teologia: perfil,
de sentido para a vida, o qual tem gerado um mer- enfoques, tarefas. São Paulo: Loyola, 1996, pp. 289-
cado religioso cada dia mais diversificado e plural. 290. “O círculo dos objetos sagrados não pode ser
determinado de uma vez por todas; sua extensão é
O evangelista Marcos parece sugerir que não infinitamente variável conforme as religiões”.
percamos o elã missionário de apresentar, sempre DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida
de novo, a todos os que buscam o Sagrado Salvífico, religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo:
a pessoa de Jesus Cristo. Martins Fontes, 1996, p. 20.

Fazendo isso, além de retomarmos a nossa 2 GNILKA, Joachim. El evangelio segun San Marcos:
própria identidade cristã, estaremos contribuindo Mc 1,1-8,26. Salamanca: Sigueme, 1992, v. 1, p.26.
para o diálogo com as demais instituições que pro-
3 GNILKA., op. cit., p. 110.
curam intermediar o sagrado, nesse mercado religi-
oso em expansão. 4 ALEGRE, Xavier. Marcos ou correção de uma ideolo-
gia triunfalista: chave de leitura de um evangelho
Através desse diálogo, temos muito o que beligerante e triunfalista. Belo Horizonte: CEBI,
aprender e contribuir. Quem sabe, possamos cons- 1988 (A Palavra na Vida, 8), pp.13-15.
truir juntos juízos teológicos que nos ajudem a
discernir melhor sobre o sagrado salvífico (sagra- 5 TAYLOR, Vincent. The gospel according to St.
do capaz de salvar / libertar / refazer vidas novas) Mark. London: Macmillan & Co. Ltd. London:
e o sagrado não-salvífico, na busca de aperfeiçoar 1957, p. 97.
nossa missão evangelizadora.
6 Id., ibid., pp. 107-108.
NOTAS
7 THEISSEN, Gerd. Sociologia do movimento de
Jesus. Petrópolis: Vozes; São Leopoldo: Sinodal;
1 Sagrado é aquilo que tem como intuito propiciar 1989, pp. 21-23; 131. BATTAGLIA, Oscar. Introdu-
o acesso ao Divino e, como que, ajudar a “tocar” ção aos evangelhos. Petrópolis: Vozes, 1984, p.25.
em Deus. As formas dadas ao sagrado são inúme-
ras: cultos, tabus, ritos, mitos, gestos, danças, jogos, 8 BINGEMER, Maria Clara L. Alteridade &
Vulnerabilidade - Experiência de Deus e pluralismo
religioso no moderno em crise. São Paulo: Loyola,
1993, p. 30.

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