A modernidade já não tem grande confiança em si mesma, “é indispensável recuar um pouco
para circunscrever, com a maior lucidez possível, a socialidade que emerge sob nossos olhos [...]estamos todos implicados por tal emergência[...] E isso não poderá ser feito se o que está em estado nascente for medido com base no padrão daquilo que já está estabelecido. O establishment, com efeito, não é uma simples casta social, é, antes de mais nada, um estado de espírito que tem medo de enfrentar o estranho e o estrangeiro.” (p.8-9) “O bárbaro não está mais às nossas portas, ultrapassou nossos muros, está em cada um de nós. Portanto, de nada serve julgá-lo, ou mesmo negá-lo. Sua força é tamanha que ele seria capaz de tudo submergir. Assim, como foi o caso em outras épocas, é melhor compreendê-lo, quanto mais não seja para poder integrar, ainda que homeopaticamente, o inegável dinamismo de que é portador.” (P.9) “E, à imagem do que fazia Simmel – esse espírito agudo que foi qualificado de “esquilo filosófico” – a descrição dos fenômenos sociais não há de ser unicamente um “problema”, mas sim uma plataforma a partir da qual vai elaborar-se um exercício do pensamento que responda, da melhor maneira, às audaciosas contradições de um mundo em gestação. Emitir paradoxos. Um deles é a implicação emocional, a empatia com a socialidade e o fato de pensar com desapego [...] À vida do homem sem qualidades são inúteis as injunções morais.” (P.13) É a vida do homem, essencialmente, o que nos interessa. Segundo ele, a moda está com o moralismo. “A mais profunda das subversões não consiste obrigatoriamente em dizer aquilo que choca a opinião, a lei, a polícia, mas em inventar um discurso paradoxal”. Essa observação de Roland Barthes, a respeito de Sade, merece reflexão. Com efeito, o paradoxo, em seu sentido mais estrito, é o próprio da vida comum. Repousando na empiria, esta última é, estruturalmente, polissêmica. Não possui um sentido determinado, mas sentidos que são postos à prova e vividos à medida que vão surgindo. É propriamente isso que deveria interdizernos o espírito sério e sua conseqüência direta: a paranóia. O saber ligado à “razão instrumental” é um saber ligado ao poder. Ao homem de conhecimento só convém um tipo de “inação vigilante” (Raymond Abellio) que era, em seu momento fundador, o próprio da “scholé”, a saber, o lazer estudioso. Assim fazendo, o conhecimento, deixando de lado o poder e sua libido dominandi, pode ficar atento à potência popular, ao seu lento crescimento e à sua irredutível postura.” P.14 “Está entendido: nada mais resta a esperar do saber estabelecido. Sem distinguir tendências, ele vinculou por demais sua causa ao exercício do poder. E mesmo criticando-o, ficou-lhe por demais contradependente. O interesse, agora, está noutro lugar.” P. 15 “Para primeiro afirmar-se, para depois confortar-se, para, por fim, reivindicar sua hegemonia, o nacionalismo produz um “valorizador”, um “duplo” obscuro – o irracionalismo – que, sob nomes diversos, obscurantismo, reação, tradição, pensamento orgânico, permitirá que o primeiro apareça como sendo o discurso de referência em torno do qual vai organizar-se a vida em sociedade. Todos os grandes sistemas de pensamento, das Luzes ao funcionalismo, passando pelo marxismo, estão de fato impregnados da mesma matéria e apresentam-se, todos eles, como variações musicais de um mesmo tema. Mas, ao exacerbar-se, ao tornar-se hegemônico, ao instaurar nos fatos o seu totalitarismo mais ou menos suave, ao ter a pretensão de tudo gerir, tudo prever, tudo organizar, e isto a priori ou de um modo conceptual, tal racionalismo, teórico e prático, necessita, pontualmente, do sobressalto do irracional. Sem pretender dar mostras de provocação gratuita, cabe dizer que aquele foi o precursor deste.” (P.32-33)