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O estudo da gramática não faz poetas. O estudo da harmonia não faz compositores.

O estudo da psicologia não faz pessoas equilibradas. O estudo das "ciências da


educação" não faz educadores. Educadores não podem ser produzidos. Educadores
nascem. O que se pode fazer é ajudá-los a nascer. Para isso eu falo e escrevo: para
que eles tenham coragem de nascer. Quero educar os educadores. E isso me dá
grande prazer porque não existe coisa mais importante que educar. Pela educação o
indivíduo se torna mais apto para viver: aprende a pensar e a resolver os
problemas práticos da vida. Pela educação ele se torna mais sensível e mais rico
interiormente, o que faz dele uma pessoa mais bonita, mais feliz e mais capaz de
conviver com os outros. A maioria dos problemas da sociedade se resolveria se os
indivíduos tivessem aprendido a pensar. Por não saber pensar tomamos as decisões
políticas que não deveríamos tomar. Se você desejar saber com detalhes o que
penso sobre a educação, leia os livros que se encontram na sala Biblioteca.

Nas minhas conversas com educadores meus temas favoritos são: A alegria de
ensinar, A educação dos sentidos, O prazer de ler, A arte de pensar, O educador
como sedutor, O educador como feiticeiro, O educador como artista, O educador
como cozinheiro, As leis do pensar criativo, Anatomia do pensamento: informação,
razão, inteligência, conhecimento, alegria, Aprendendo a desaprender, Entre a
ciência e sabedoria: o dilema da educação, Educação e política, Educação e Vida,
Aprendizagem e prazer.

Leia o artigo Como amar uma criança sobre o educador Janusz Korczak, que se
tornou um símbolo pelo seu amor às crianças. Diretor de um orfanato em Varsóvia,
foi morto pelos nazistas com suas crianças numa câmara de gás. Tradução de
Manoel Moraes.

Janusz Korczak: Como amar uma criança...


Rafael F. Scharf
Vice-Presidente da Associação Internacional Janusz Korczak da Inglaterra

A vida de Janusz Korczak é tão tocante que, ao contá-la, é necessário evitar a


ênfase patética que se impõe, a fim de permanecer-se fiel àquele sobre o qual
falamos.

Ele era, na mais profunda acepção do termo, um homem simples, toda afetação lhe
era estranha. É certo que ele não imaginava que seu nome seria célebre, e é por
isto que cada vez que o glorificamos publicamente, inaugurando um monumento
em sua homenagem, eu me pergunto qual seria o seu comentário se sua boca de
pedra pudesse falar.

Sua história foi recontada inúmeras vezes e continuará sendo, porque ela mostra
melhor, sem dúvida, não importando o caso particular, o horror inexprimível da
última guerra e a exterminação dos judeus poloneses.

Em 5 de agosto de 1942, durante a liquidação do gueto de Varsóvia, os hitleristas


ordenaram o agrupamento das crianças do orfanato de Korczak e o envio das
mesmas ao campo de morte de Treblinka. O ‘Velho Doutor’ reuniu duzentos pupilos,
os fez colocar-se sabiamente em fileiras e, à sua frente, partiu com eles para o
‘Umschlagplatz’, no cruzamento das ruas Stawki e Dzika, onde todos foram
colocados em vagões de carga e enviados para os fornos crematórios.
Esta marcha nas ruas do gueto foi vista por algumas centenas de pessoas, e a
silhueta pequena de Korczak dirigindo-se para seu calvário, inconsciente de seu
heroísmo, fazendo aquilo que lhe parecia evidente, excitava as imaginações. A
novidade espalhou-se imediatamente, repetida de boca em boca com a força de
detalhes inventados: que Korczak carregava nos braços os dois menores, coisa
pouco provável, porque ele mesmo estava doente e tinha dificuldades em andar;
que o ‘Jundenrat’ tinha intervindo no derradeiro momento e tinha despachado em
seguida um mensageiro atrás da fila, portador de um salvo conduto somente para
Korczak, que foi por ele rejeitado com desprezo; que para apaziguar as crianças ele
tinha lhes dito que iam em excursão e que eles, confiantes, o seguiam sem choro e
sem protesto. Mas nenhum embelezamento é necessário diante dessa verdade nua
e crua; não é preciso ajuntar qualquer coisa para torná-la mais eloqüente. A
antítese do espírito e das dificuldades é clara e definitiva: um homem sábio por
excelência, desinteressado e bom, opondo-se aos covardes, bárbaros obtusos, que
se mostravam sob seu aspecto mais satânico.

Entre os milhões de mortes anônimas, a de Korczak tem um grande significado. Nos


campos e guetos, ele se tornou para muitos, uma inspiração, pois aí o que mais
ajudava a sobreviver era a convicção obstinada e indestrutível que a dignidade
humana poderia vencer , embora tudo parecesse provar o contrário.

A imprensa clandestina dos campos mostra bem o quanto esta derradeira


caminhada sublime do Velho Doutor foi um reconforto e uma dose de ânimo para
seus contemporâneos. A partir daí sua glória tem crescido e o mundo fez de
Korczak um símbolo moral.

É preciso que nossa atenção à sua morte não obscureça o caráter de sua vida.
Henryk Goldszmit (este era o seu verdadeiro nome – Janusz Korczak foi um
pseudônimo tirado de um romance pouco conhecido de Kra Szewski) nasceu em
Varsóvia há pouco mais de cem anos numa família abastada. O fato de seu pai ter
sido um advogado conhecido e seu avô um médico mostra até que ponto o seu
meio foi assimilado. Ele cresceu na solidão, preservado das influências do exterior,
sem se dar conta de que era judeu e sem saber o que isso significava. Antes de
terminar a escola ele perdeu o seu pai, atingido por uma doença mental. A miséria
sucedeu a abundância. O jovem Henryk tomou sobre si, da maneira como pode, o
encargo de sua mãe e irmã, e nos anos seguintes, freqüentemente passando fome,
estudou medicina com enormes dificuldades. Quando, por fim, obteve seu diploma,
as coisas começaram a melhorar, contribuindo também para isso sua reputação de
escritor que se afirmava. Mas isto não durou muito tempo. Repentinamente um tipo
de necessidade interior mudou completamente seu destino.

Com trinta e quatro anos ele abandonou o exercício da medicina para se ocupar de
um orfanato, que do início ao seu fim, permaneceu associado ao seu nome. A idéia
fixa de consagrar sua vida às crianças parecia possuí-lo. Ele não era um idealista
ingênuo; o que o caracterizava era uma compreensão extraordinária da criança e a
convicção da necessidade de lutar pelos seus direitos no mundo governado pelos
adultos. Ele não tinha confiança no mundo governado pelos adultos, mas como cada
verdadeiro reformador ele julgava que mesmo uma só pequena vela acesa valia
mais que lamentar-se de escuridão. Sua intuição não excluía sua sensibilidade e ela
está edificada sobre uma observação constante, clínica, poder-se-ia dizer, sobre um
estudo minucioso dos fatos. Totalmente absorvido por sua única idéia, não havia
lugar nele para tudo que os outros davam tanta importância – dinheiro, a
celebridade, um lar, uma família.

Seu orfanato, construído e mantido exclusivamente graças às doações de pessoas


caridosas, era destinado às crianças dos bairros pobres de Varsóvia. A obtenção de
fundos para fins de caridade tinha então, como hoje, seu aspecto desagradável, que
freqüentemente irrita aqueles que dela dependem. Korczak balançava a cabeça em
desaprovação perante o preço do material gasto para encerar o assoalho antes de
um baile de benemerência e ele se lamentava do tempo que perdia com quem
vinha visitar o orfanato. Mas a força de sua personalidade fazia que os doadores
considerassem uma honra o financiamento de seu trabalho.

No domínio da educação e da psicologia da criança, ele era um pensador


pragmático original e, ao mesmo tempo, um pioneiro de princípios que serviam de
modelos para outros. Ele se esforçava constantemente de refazer seu sistema
baseado sobre a compreensão das necessidades mais profundas da criança. Sua
influência se exercia tanto por sua presença direta quanto pelo que escrevia no
jornal do orfanato preparado pelas crianças e destinados à elas mesmas; a leitura
em comum dessa publicação era um acontecimento semanal dos mais importantes.
Conta-se que ao longo de 30 anos de seu trabalho intenso, ele jamais deixou de
fornecer um artigo por semana à redação. As regras do orfanato eram seguidas por
um código, cujo parágrafo 1000 previa como a pena mais alta, a expulsão pura e
simples. Cada criança que tinha reclamação contra outra tinha o direito de a fazer
comparecer perante um tribunal composto por seus colegas. Korczak mesmo, se
tivesse sido convocado, teria de se apresentar perante este tribunal e de se
submeter a sua sentença.

À noite, após uma ronda em todos dormitórios, o Velho Doutor retornava ao seu
quarto no sótão, a única ‘casa’ que ele teve durante toda a sua vida adulta, e lá, até
tarde da noite, ele colocava ordem em suas notas e escrevia.

Ele era um escritor fecundo tanto no seu domínio profissional quanto, e antes de
tudo, na sua criação para as crianças e sobre as crianças. Seus livros ilusoriamente
simples nas suas formas e conteúdos, impregnados na mesma proporção de
melancolia e humor, refletindo seus anseios interiores, muitas vezes satiricamente
áspero em relação a sociedade, sempre cheios de emoção e compreensão,
deixavam traços duráveis na memória de seus leitores jovens e velhos, destinando-
se a ficar gravados na história da literatura desse gênero.
Lá pelos meados dos anos trinta Korczak envolveu-se em dois empreendimentos na
Palestina. O que ele aí viu o comoveu e o refrescou espiritualmente. Sob o
encorajamento de numerosos amigos e antigos discípulos ele começa então a
pensar seriamente em fixar-se lá para sempre. Mas havia obstáculos. O que o
atormentava sobretudo, era o medo de não encontrar um sucessor adequado para
continuar seu trabalho em Varsóvia. Ou seja, o pensamento de se afastar de sua
terra natal lhe era insuportável. Nas cartas que ele escrevia aos seus amigos para
explicar as causas de suas hesitações ele invocava o ‘seu Vístula’ e ‘sua Varsóvia
bem-amada’, das quais ele jamais se consolaria se tivesse que deixar. Além do
mais, ele estava sem dinheiro e hesitava em se colocar dependente de qualquer
um.
Quando os hitleristas fecharam os judeus de Varsóvia dentro do gueto, o orfanato
perdeu sua casa à Rua Kruchmalna, do lado ‘ariano’, e transportou-se para locais
provisórios, no interior dos muros do gueto. Naquele momento Korczak já percebia
melhor que a maioria das pessoas que a máquina impiedosa os mataria a todos.
Mas ele pensava em não renunciar ao seu direito de aliviar os sofrimentos.
Alquebrado e doente, cada dia ele reunia as forças que lhe restavam e partia à
procura de viveres e de medicamentos para as crianças. Às vezes ele não trazia
nada de suas buscas obstinadas, outras vezes ele voltava somente com uma ínfima
parte do necessário. Ele não temia solicitar com impertinência, de mendigar, de
envergonhar as pessoas que se esquivavam de sua nobre ação. Nos dias em que
ele nada encontrava ele não hesitava em dirigir-se mesmo aos piores especuladores
e opressores judeus. Apesar de fome incessante cada vez mais insuportável e às
doenças sempre mais freqüentes, ele cuidava para que seu orfanato funcionasse
normalmente, a fim de que seus alunos pudessem sentir-se bem. Freqüentemente
ele trazia dos locais mais distantes uma nova criança encontrada na rua, no fim de
suas forças, para quem a bondade do Velho Doutor significava a salvação durante
algum tempo ainda.

Nestas condições rigorosas levadas ao extremo e que em tempo normal é difícil de


se imaginar, nós temos em Korczak, no seu trabalho cotidiano, um exemplo do que
pode fazer um genuíno homem guiado pelo amor.

Sua vida é um modelo e somos tentados a ver nele, nesta silhueta franzina
revestida de avental de inspetor que ele usava habitualmente, um exemplo típico de
toda uma geração, uma encarnação da ‘idade da criança’. Sua grandeza, que
consistia nem mais nem menos em fazer seu dever, podia ser aquela de qualquer
um, e mesmo sua morte trágica foi uma coisa comum, lá onde o martírio estava na
ordem do dia.

Durante o ‘Ano Korczak’, instituído pela UNESCO para celebrar o centenário de seu
nascimento, os escritores, os sábios, as pessoas de boa vontade em todas as partes
do mundo, procuraram enriquecer-se com o conhecimento desse homem e de suas
idéias, de sua vida e de sua morte, através de livros, de artigos e simpósios.

É de se supor que graças a isto, numerosos são aqueles que tomaram


conhecimento do seu nome e do que ele significa. Sem dúvida é na Polônia e em
Israel que ele é mais conhecido. Mas, nesse mundo barulhento e apressado de hoje
em dia, a lembrança empalidece rapidamente. A despeito de todos os esforços ela
desaparece progressivamente, sob uma massa de outros negócios. Aqueles que
amam Korczak e que crêem na força de seu exemplo sentiam que era necessário
encontrar um modo mais concreto de imortalizar sua figura e suas idéias. Assim
souberam com alegria que uma obra grandiosa seria realizada na Polônia com a
aprovação e a sustentação financeira do governo: um Instituto Científico de
Proteção e Educação Janusz Korczak.

Foi-lhe destinado um espaço deslumbrante de uma centena de hectares lá onde


Vístula – o Vístula bem-amado de Korczak – contorna a localidade de Lomianski. O
projeto já está pronto.

É um empreendimento magnífico que levará seu nome. Não uma estátua de bronze
ou de mármore, mas um centro cheio de vida, para onde virão crianças de perto e
de longe, onde elas crescerão, se instruirão, se divertirão juntas, próximas à
natureza, numa atmosfera de compreensão e boa vontade para com todos. Os
educadores e os professores aí se reunirão para aprender observar, para participar
das experiências de trabalho com as crianças e os adolescentes, para aproximar-se
da realização dos sonhos de Korczak, mesmo que isso seja um passo apenas para
um mundo no qual as crianças possam viver felizes.

É um empreendimento magnífico que levará seu nome. Não uma estátua de bronze
ou de mármore, mas um centro cheio de vida, para onde virão crianças de perto e
de longe, onde elas crescerão, se instruirão, se divertirão juntas, próximas à
natureza, numa atmosfera de compreensão e boa vontade para com todos. Os
educadores e os professores aí se reunirão para aprender observar, para participar
das experiências de trabalho com as crianças e os adolescentes, para aproximar-se
da realização dos sonhos de Korczak, mesmo que isso seja um passo apenas para
um mundo no qual as crianças possam viver felizes.

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