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O Senhor Caitanya e o Renascimento da Devoção

Ravindra Svarupa Dasa

A Europa, no século XV, passava por aquela grandiosa transformação sócio-cultural que o
historiador Jules Michelet, olhando para trás em reverência, chamou de Renascimento. O
longo período medieval, com sua visão tão deslumbrada por esplêndidas imagens do
eterno que não podia sequer olhar de relance este mundo passageiro, com sua mente tão
obcecada por coisas vindouras – morte, julgamento, céu e inferno – que encarava esta vida
apenas como uma trilha árdua e preparatória, com seu corpo social construído a partir de
rígidas hierarquias e mantido por uma laboriosa economia – tudo isso terminou.

Como um homem acordando do sono, a Europa recobrou seus sentidos e olhou à sua volta
como se, pela primeira vez, toda a vastidão do tão fascinante mundo que o cercava, rico em
misteriosas promessas, convidasse-a a conhecer suas possibilidades infinitas.

Foto: Pico della Mirandola.

Pico della Mirandola compôs a Oração sobre a Dignidade do Homem. Ainda representando
temas piedosos, Michelangelo gravou em rocha a graça e força de um Davi de músculos
delicados e de proporções perfeitas e compôs um hino em glorificação ao corpo masculino,
enquanto, em toda parte, pintores adornavam paredes com requintadas Virgens Marias de
braços flexíveis e compleições lustrosas. Intrépidos navegantes direcionavam suas proas
em direção a mares desconhecidos e encontravam novos mundos para explorar. Na mesma
fascinação implacável, Leonardo da Vinci apresentou em seus detalhados estudos a
complexidade da anatomia humana e a mecânica dos pássaros em voo. Baseada em um
novo tipo de riqueza feita pelo homem, uma nova aristocracia ganha vida e cria um
gigantesco império de troca, transações bancárias e manufatura. Tirando Deus e colocando
o homem e a matéria no centro, acontece o nascimento do mundo moderno.

No século XV, a Índia também passava por um renascimento – um tanto quanto diferente.
Um renascimento, de fato, quase que oposto ao europeu; acadêmicos o chamaram de “o
renascimento de bhakti”, um grande renascimento da devoção por Deus. A proeminente
figura deste poderoso aparecimento religioso foi Sri Caitanya Mahaprabhu.

Quando pesquisadores modernos explicam mudanças históricas, eles, é claro, consideram


apenas causas mundanas – sociais, políticas, econômicas e outros fatores similares.
Todavia, eu gostaria de explorar outro tipo de causa: a divina. O Bhagavad-gita explica
brevemente como e por que Deus de tempos em tempos intervém na história humana:
“Sempre e onde quer que haja um declínio da prática religiosa”, Krsna declara, “e uma
ascensão predominante de irreligião – aí, então, Eu próprio descendo. Para libertar os
piedosos e aniquilar os malfeitores, bem como para restabelecer os princípios da religião,
Eu mesmo venho, milênio após milênio”. (Bhagavad-gita 4.7-8)

Como um texto introdutório, o Bhagavad-gita apresenta de forma sucinta os princípios


gerais. Textos mais avançados, como o Srimad-Bhagavatam, fornecem informações mais
detalhadas. Baseando-se em tais trabalhos, Srila Prabhupada comenta sobre a afirmação
do Bhagavad-gita: “Não é um fato que o Senhor aparece apenas em solo indiano. Ele pode
Se manifestar em todo e qualquer lugar, e a qualquer hora que Ele queira. Em cada
encarnação, Ele fala sobre religião tanto quanto possa ser entendido pelo povo específico a
quem Sua mensagem se destina – de acordo com as circunstâncias deles. Mas a missão é a
mesma – induzir as pessoas a seguirem os princípios religiosos e a buscarem a consciência
de Deus. Algumas vezes, Ele descende pessoalmente e, outras vezes, envia Seu
representante autorizado na forma de Seu filho, servo, ou Ele mesmo em alguma forma
disfarçada”.

Por que Deus teria que aparecer várias e várias vezes? Afinal, se Deus é perfeito, Ele não
teria de ser capaz de estabelecer a religião perfeitamente? Uma vez não deveria ser o
bastante? Esta é, todavia, a natureza do mundo material: tudo perece com o tempo, e,
embora Deus seja infalível, os seres humanos, que recebem e transmitem as instruções de
Deus, são falíveis. Consequentemente, as tradições religiosas que Deus estabelece se
tornam comprometidas e, com o tempo, são desintegradas. Quando a religião decai dessa
maneira, e a irreligião consequentemente cresce, Deus descende para retificar o equilíbrio e
restaurar os princípios da retidão. A intervenção periódica de Deus é crucial. Krishna diz
no Bhagavad-gita (3.24) que, se Ele não agisse dessa maneira, “todos os mundos seriam
levados à ruína”.

O Renascimento na Europa serve como um claro exemplo do declínio da religião. Mil e


quinhentos anos antes, Jesus Cristo, o filho de Deus, apareceu em uma periferia do Império
Romano e ensinou, tanto quanto possível, os princípios religiosos. Seus seguidores,
adotando e transformando a herança filosófica dos gregos e o legado prático e material dos
romanos, criaram na Europa, por fim, uma civilização centrada em Deus. Mas o
Renascimento, como um grande movimento de secularização, sinalizou a destruição
daquela civilização. A ostentação sacerdotal e a corrupção viciaram o poder espiritual da
Igreja (como qualquer pessoa familiar com a história dos papas renascentistas pode
confirmar). Embora Martinho Lutero e outros reformadores tenham tentado restabelecer a
pureza do cristianismo, eles desintencionalmente proveram os meios para os governantes
europeus se libertarem do controle religioso. Assim, a Reforma contribuiu para o fim da
civilização medieval centrada em Deus.

Se a Europa, durante os séculos XV e XVI ilustram o declínio da religião apresentado


no Bhagavad-gita, a Índia, no mesmo período, ilustra o restabelecimento divino. O agente
transcendental neste caso foi o já mencionado Sri Caitanya, que apareceu em 1486 onde
hoje é a Bengala Ocidental, apenas quatro anos antes do nascimento de Lutero na
Alemanha.

Um homem deve ser aceito como uma encarnação de Deus apenas se Ele for referido nas
escrituras. Muitas escrituras predizem o advento do Senhor Caitanya. O Srimad-
Bhagavatam(11.5.32) diz: “Na era de Kali, pessoas inteligentes executarão o canto
congregacional em adoração à encarnação do Supremo que constantemente canta o nome
de Krsna. Embora Sua tez não seja enegrecida, Ele é o próprio Krsna. Ele é acompanhado
por Seus associados, Seus servos, Suas armas e Seus companheiros confidenciais”.

Esse verso identifica o Senhor Caitanya como um tipo especial de encarnação


chamada yuga-avatara. A literatura védica descreve a história como cíclica, progredindo
através de repetidos ciclos de quatro eras, chamados yugas. A primeira era do ciclo, satya-
yuga, é uma era de ouro de imenso bem-estar material e espiritual; cada era subsequente é
mais degradada do que a anterior. Estamos agora no ano 5000 da era de Kali, a última e
mais desonrosa era. “Nesta era de ferro de Kali”, o Bhagavatam (1.1.10) diz, “os homens
têm vida curta. Eles são briguentos, preguiçosos, desencaminhados, desafortunados e,
acima de tudo, sempre perturbados”.

A prática religiosa tem que ser tecida sob medida para as características particulares de
cada yuga. As práticas meditativas adequadas para Satya-yuga, por exemplo, não serão
efetivas em Kali-yuga. As pessoas não têm mais o tempo, a determinação e a paz mental
necessários para se meditar apropriadamente. O Senhor, portanto, descende em
cada yuga – como o yuga-avatara – para estabelecer a forma apropriada de religião. De
acordo com o Srimad-Bhagavatam, o Senhor Caitanya é o yuga-avatara desta era de Kali.

O Bhagavatam também aponta a prática religiosa específica que o Senhor Caitanya iria
propagar:sankirtana, o canto congregacional do nome de Deus. Sankirtana é
especialmente adequado para Kali-yuga porque é tanto fácil de executar quanto
extremamente poderoso. Nesta era, estamos em uma condição tão mórbida que apenas o
mais poderoso dos remédios pode nos curar. E nós recusaríamos o medicamento se ele não
fosse doce e fácil de tomar. Portanto, o Senhor Caitanya disseminou o santo nome. Não
importa o quão briguentos, preguiçosos, desencaminhados, desafortunados e perturbados
possamos ser; podemos facilmente cantar Hare Krsna com perceptíveis resultados
espirituais. Nós imediatamente sentimos um breve gosto da bem-aventurança
transcendental, e sentimos nossa luxúria, nossa cobiça e nossa ira diminuírem. A
imensurável potência do nome divino livrará mesmo a mais poluída das mentes da
putrefação da existência material.

O Senhor Caitanya possuía tamanho poder espiritual que ondas de devoção nasceram dEle
e inundaram toda a Índia com amor por Deus. Sua vida e Seus ensinamentos foram
peritamente recontados por Krsnadasa Kaviraja Gosvami no Sri Caitanya-caritamrta,
universalmente reconhecido como um clássico da literatura bengali. Podemos ter uma ideia
da potência do Senhor Caitanya a partir desta descrição do impacto causado pelo Senhor a
algumas pessoas durante Sua excursão pelo sul da Índia:
A qualquer momento que o Senhor Caitanya Se encontrasse com outros, Krsnadasa Kaviraja
descreve, Ele lhes pedia para cantarem Hare Krsna. “Quem quer que ouvisse o Senhor
Caitanya Mahaprabhu cantar ‘Hari, Hari’ também cantava o santo nome do Senhor Hari.
Desta forma, todos eles seguiam o Senhor, muito ávidos por vê-lO. Depois de algum tempo,
o Senhor abraçava afetuosamente tais pessoas e solicitava que voltassem para casa, após
investi-las com potência espiritual. Estando devidamente dotadas de poder, voltavam para
suas vilas, sempre cantando o santo nome de Krsna e ora rindo, ora chorando, ora
dançando. Tais pessoas dotadas de poder costumavam pedir a toda e qualquer pessoa –
qualquer um que vissem – que cantasse o santo nome de Krsna. Dessa maneira, todas os
habitantes daquelas vilas também se tornavam devotos da Suprema Personalidade de Deus.
E simplesmente por receberem o olhar misericordioso de tais devotos, tais sujeitos também
se tornavam devotos poderosos. Quando esses indivíduos retornavam para suas vilas, eles
convertiam seus concidadãos em novos devotos. Dessa forma, a medida que os devotos
iam de uma vila a outra, todas as pessoas do sul da Índia se tornaram devotos. Assim,
muitas centenas de pessoas se tornaram vaishnavas [devotos de Krsna] ao se encontrarem
com o Senhor Caitanya e serem abraçadas por Ele”. (Caitanya-caritamrta, Madhya 7.98-
105)

Uma característica marcante do aparecimento de Krsna como o Senhor Caitanya é que,


embora o Senhor Caitanya seja o próprio Krsna, Ele não aparece como Deus, mas como um
devoto de Deus. Há duas razões para Deus assumir o papel de Seu próprio devoto, uma
delas externa e pública, e outra interna e privada.

A razão pública pela qual Deus Se torna um devoto é ensinar o cantar dos nomes de Deus
da forma mais atrativa e poderosa. Fazendo o papel de Seu próprio devoto – o maior devoto
de todos –, Krsna foi capaz de demonstrar através de Seu próprio exemplo imaculado o
esplendor do serviço devocional puro. Uma vez que o Senhor Caitanya é Deus revelando a
nós como Ele deseja ser servido, os ensinamentos do Senhor Caitanya são os ensinamentos
mais autorizados.

A razão privada para Deus descender como o Senhor Caitanya é mais complexa, e, para
entendê-la, será preciso adentrar nas atividades internas e confidencias de Deus. É
basicamente, de fato, graças ao Senhor Caitanya que tais assuntos tornaram-se acessíveis a
todos nós. (Eles são, certamente, descritos nas escrituras antigas, mas o Senhor Caitanya
esclareceu o significado desses textos e fez sua importância ser reconhecida por todos).

O aparecimento de Krsna como o Senhor Caitanya é o tributo pessoal de Krsna às


insuperáveis atividades do serviço devocional, especialmente de Seus devotos puros.
Ademais, quando Krsna assumiu a posição de Seu maior devoto, Ele tinha, de fato, um
devoto em particular em mente: Seu maior e mais íntimo devoto, que, na verdade, é uma
devota: Srimati Radharani.

Você já deve ter visto pinturas que representam Radha e Krsna juntos; o Senhor Krsna
aparece como um jovem rapaz de tez azul-enegrecida, refulgente como uma nuvem de
chuva recém-formada iluminada pelo Sol. Srimati Radharani é uma jovem mocinha
igualmente bela; Sua tez é brilhante como ouro derretido. Krsna toca Sua flauta, e
Radharani, com Seu braço repousado suavemente sobre o ombro de Krsna, ouve encantada.
É visível pela postura dEles e pela forma como Se olham mutuamente que são
profundamente apaixonados.
Foto: Radha e Krsna.

Ocidentais frequentemente entendem errado Radha e Krsna. Uma geração anterior,


puritana, estava espantada com a noção de que Deus poderia ter uma consorte e estar
envolvido em uma relação conjugal. Atualmente, pode-se encontrar pessoas de uma
geração mais jovem que são muito apegadas à vida sexual, e estão empolgadas com a ideia
de que Deus também seja. Ambos os grupos estão radicalmente equivocados quanto à
relação de Radha e Krsna, porque ambos cometem o mesmo erro: achar que a relação entre
Radharani e Krsna é como uma relação sexual mundana.

Masculino e feminino e a atração entre eles são encontrados neste mundo unicamente
porque a polaridade sexual e a atração entre eles existem originalmente em Deus, em
Radha-Krsna. Tem lá em cima, tem cá em baixo. Mas há diferença também.
Relacionamentos sexuais mundanos são meramente reflexos pervertidos do relacionamento
conjugal transcendental entre Radha e Krsna, que é puro e espiritual e destituído de
qualquer vestígio de luxúria. Enquanto nossas mentes materialmente maculadas estiverem
condicionadas por desejos ordinários, não seremos capazes de conceber o amor imaculado
entre Radha e Krsna. Nós projetamos nossas relações doentias e nosso amor mundano em
Deus. Isso é um grande erro. Uma pessoa só pode entender o amor conjugal de Radha e
Krsna como ele é se ela primeiramente se tornar livre da luxúria. O Senhor Caitanya foi
capaz de revelar de forma sem precedentes a confidencialíssima relação entre Radharani e
Krsna porque Ele também ensinou o cantar de Hare Krsna, que destrói a luxúria e outras
impurezas materiais com uma eficiência imbatível.

Podemos entender a posição de Srimati Radharani em termos de “a potência” (shakti) e “o


potente”(shaktiman), ou seja, de poder ou energia, de um lado, e o possuidor do poder, a
fonte energética, do outro. Para usar uma ilustração, o fogo é o potente, e o calor e a luz
são as potências do fogo. A potência suprema, a fonte última de todas as energias, é Krsna;
tudo o mais, material ou espiritual, é Sua potência, emanando dEle como o calor e a luz
emanam do fogo. (Calor e luz são potências em relação ao potente fogo; o fogo, potência
em relação ao potente Sol; o Sol, potência em relação a Krsna, o potente supremo. Tudo o
que pode e não pode ser concebido pode ser exaustivamente descrito como Krsna e Suas
potências).

Três das numerosas potências de Krsna são proeminentes. Uma delas manifesta todo o
mundo material; outra, inumeráveis almas espirituais. A terceira – chamada de potência
interna – manifesta o reino transcendental de Deus. Essa potência interna tem três
subdivisões. Através de uma dessas potências transcendentais, Krsna mantém Sua
existência e a existência de Seu reino eterno; através de outra, Ele conhece a Si mesmo e
permite que outros O conheçam, e, através da terceira potência interna, Ele desfruta bem-
aventurança transcendental e permite que Seus devotos também desfrutem.

Tal potência interna de bem-aventurança, chamada hladini-shakti, é Srimati Radharani.


Como a personificação da potência de prazer transcendental de Krsna, Srimati Radharani é
a devota mais perfeita de Krsna; Ela vive apenas para satisfazê-lO com Seu amor devocional
puro. Toda forma de serviço devocional está sob o auspício de Srimati Radharani, e, apenas
por Sua misericórdia e supervisão, os devotos são capazes de dar prazer ao Seu amado
Krsna. Ela é o devoto ideal, o exemplo de amor incondicional.

Krsna e Radha são simultaneamente unos e distintos, assim como o fogo e sua luz são unos
e distintos ao mesmo tempo. Assim, embora Radharani e Krsna sejam unos em Suas
identidades, Eles são eternamente individuais. Radha e Krsna juntos exemplificam a
simultânea igualdade e diferença da Suprema Personalidade de Deus e Sua energia, o que
constitui a Verdade Absoluta. Assim, Eles ilustram o mais profundo princípio da metafísica.

Radharani e Krsna revelam que a natureza última de Deus contém variedade eterna, e a
reciprocidade interminável de amor entre Eles é a base de um dinâmico processo interno
pelo qual Krsna está eternamente se expandindo em beleza e bem-aventurança. Embora
Radha não tenha nenhum desejo de desfrute pessoal, quando Ela vê Krsna, Seu desfrute
aumenta sem limites. Porque Seu desfrute aumenta, Sua doçura e beleza também
aumentam. Quando Krsna vê Radha se tornando mais e mais bela, Seu desfrute também
aumenta, fazendo a beleza e a doçura dEle crescerem. Quando Radha vê que Ela deu prazer
a Krsna, Ela Se torna dominada por um grande prazer e, na proporção que Seu desfrute é
multiplicado, Ela Se torna ainda mais bela e doce. Isso novamente aumenta o desfrute
pessoal de Krsna, bem como Sua beleza e doçura… Então essa reciprocidade segue, sem
fim ou limites.

O nome Krsna significa “todo-atrativo”, e saber da reciprocidade do amor sempre crescente


entre Radha e Krsna nos permite apreciar o quão atrativo é Deus – mais atrativo do que
qualquer coisa deste mundo. Quando Deus é conceituado erroneamente como estático ou
destituído de variedade, isso faz com que o mundo material pareça mais interessante e
atrativo do que a transcendência. Esse conceito estacionário de Deus foi pego emprestado
pelos filósofos cristãos de Aristóteles e consagrado na teologia medieval, e esta é uma das
razões pelas quais o Renascimento se voltou para o mundo material em busca de
promessas, aventuras e possibilidades crescentes. Deus foi filosoficamente entendido
como actus purus, que significa que Ele era tudo o que Ele poderia ser; Ele era
completamente estático, uma espécie de perfeição congelada ou cristalizada.

Concluiu-se que se Deus possui a plenitude da perfeição infinita, então a perfeição divina
estaria no máximo absoluto e não mais poderia crescer. Contudo, Krsnadasa Kaviraja diz
que, embora Deus esteja na plenitude da perfeição, Ele ainda assim continua a crescer. O
aparente paradoxo pode ser mais fácil de aceitar se considerarmos um “paradoxo” similar
descoberto pelos matemáticos modernos em suas investigações das propriedades dos
conjuntos infinitos. Consideremos, por exemplo, um hotel com infinitos números de
quartos, sendo que todos estão ocupados. Embora o hotel esteja cheio, você pode sempre
hospedar mais pessoas – de fato, um número infinito de pessoas. Imaginemos que o
hoteleiro queira receber mais um hóspede. Ele soa um apito, e todas as portas se abrem. O
ocupante da sala 1 se muda para a sala 2, o da sala 2 para a sala 3 e assim por diante ad
infinitum. O hóspede entra na sala 1, agora vazia. Similarmente, muito embora uma
infinidade de número de hóspedes deixe o hotel, ele permanecerá completamente ocupado.
OIsopanisad faz uma consideração similar sobre a Suprema Personalidade de Deus: Ele é
tão completo que, embora incontáveis energias emanem dEle, Ele permanece completo e
não reduzido. E embora Krsna seja pleno e completo, ainda assim, através de Sua troca
amorosa com Radha, Ele está Se expandindo eternamente e sem limites.

O Senhor Caitanya também personifica outra fase na psicologia transcendental da troca


amorosa entre Radha e Krsna. Já vimos como Krsna é incessantemente fascinado e atraído
por Radha. Ele acha que o amor dEla por Ele é igualmente incrível. Tal amor é livre de
qualquer egoísmo e aumenta Sua admiração por Ela. Krsnadasa Kaviraja nos diz que Krsna
pensa conSigo: “Qualquer prazer que Eu sinta desfrutando do Meu amor por Srimati
Radharani, Ela desfruta dez milhões de vezes mais do que Eu através do Seu amor”.
(Caitanya-caritamrta, Adi 4.126) Krsna é o desfrutador supremo, mas Ele percebe que
Srimati Radharani, por Seu amor por Ele, desfruta de mais bem-aventurança do que Ele.
Krsna, então, anseia por experimentar pessoalmente o gosto do amor de Srimati Radharani
por Ele.

A beleza e a doçura de Krsna são tão ilimitadas que atraem todo o universo. Krsnadasa
Kaviraja diz: “A beleza de Krsna tem uma força natural: ela estremece o coração de todos os
homens e mulheres, começando com o do próprio Senhor Krsna. Todas as mentes são
atraídas ao ouvirem Sua doce voz e o som de Sua flauta, ou ao verem Sua beleza. Mesmo o
Senhor Krsna busca experimentar tal doçura”. (Caitanya-caritamrta, Adi 4.147-148) Mas
aquele que mais desfruta da beleza e da doçura de Krsna é Srimati Radharani. Seu amor
imaculado é como um impecável espelho, e, nesse espelho, a beleza e a doçura pessoal de
Krsna brilham com grande esplendor. Krsna, assim, deseja experimentar Sua beleza e
atração da mesma forma que o faz Srimati Radharani.

Por essas razões, então, Krsna deseja aceitar a posição de Srimati Radharani. Esse desejo é
eternamente satisfeito pela pessoa do Senhor Caitanya. Em sua forma como o Senhor
Caitanya, Krsna assume a compleição dourada e os sentimentos devocionais de Radha, e
experimenta pessoalmente a ilimitada bem-aventurança do serviço devocional.

Foto: Caitanya como Radha e Krsna.

Krsnadasa Kaviraja traz dois versos, nos quais ele sintetiza a natureza do Senhor Caitanya:
“As atividades amorosas de Sri Radha e Krsna são manifestações transcendentais da
potência interna de prazer do Senhor. Embora Radha e Krsna sejam unos em Suas
identidades, são eternamente distintos. Agora, essas duas identidades transcendentais se
uniram novamente na forma de Sri Krsna Caitanya. Ofereço minhas reverências a Ele, que Se
manifestou com o sentimento e compleição de Srimati Radharani, embora Ele seja o próprio
Krsna. Desejando entender a glória do amor de Radharani, as qualidades dEle que Ela
desfruta sozinha através de Seu amor, e a felicidade que Ela sente quando experimenta a
doçura de Seu amor, o Supremo Senhor Hari, ricamente adornado com a tez de Radharani,
apareceu no ventre de Srimati Sacidevi, assim como a Lua aparece do oceano”. (Caitanya-
caritamrta, Adi 1.5-6)
As três personalidades transcendentais de Radha, Krsna e Caitanya juntos manifestam a
dialética transcendental do amor divino, a atemporal dinâmica do sempre crescente oceano
de bem-aventurança transcendental. O Senhor Caitanya descendeu para inundar o mundo
com um oceano de amor distribuindo para todos o cantar dos nomes de Deus.
Simplesmente por cantar Hare Krsna, qualquer um pode entrar no ilimitado oceano do
néctar da devoção.

O Senhor Caitanya inaugurou o renascimento de bhakti e voltou a visão das pessoas para
Deus no mesmo tempo em que o Renascimento na Europa voltava a visão das pessoas para
o homem e para o mundo. Homens como Da Vinci, fascinados pela estonteante e precisa
complexidade da natureza material, começaram a se aprofundar em seus segredos e foram
retribuídos com descobertas. No mesmo tempo, como que em contrabalanço, o Senhor
Caitanya, através do renascimento de bhakti, deu ao mundo uma visão sem precedentes
acerca da dinâmica interna do infinito amor da todo-atrativa Suprema Personalidade de
Deus. Da mesma forma que os renascentistas tentaram desvendar os segredos do mundo,
o Senhor Caitanya e Seus associados desvendaram o reino de Deus e os segredos do amor
transcendental.

Para as pessoas do Renascimento, o mundo e o homem pareciam imbuídos de ilimitadas


possibilidades e promessas. A civilização ocidental, nos dias atuais, segue com essa visão,
mas parece cada vez mais que o mundo não satisfaz o homem. A mudança da visão
renascentista de Deus para o homem e a matéria isolou as pessoas de qualquer fonte
transcendental de significados e valores, e o relativismo e niilismo resultantes – o fruto
maduro do Renascimento – lançaram energias baixas que devastaram o planeta em que
vivemos atualmente. E há mais por vir.

O aparecimento do Senhor Caitanya, portanto, não poderia ser mais oportuno. A civilização
nascida na Europa durante o Renascimento se espalhou por toda a Terra. Mas houve uma
contraposição, na forma do movimento de sankirtana do Senhor Caitanya, que também se
espalhou pelo globo em cumprimento a uma profecia do próprio Senhor Caitanya.
Mostrando como Krsna é imensamente amável e todo-atrativo, e fazendo Krsna facilmente
acessível através do cantar de Seus nomes, o Senhor Caitanya tornou possível que
voltássemos novamente nossa visão para Deus. Isso é preciso. O homem e o mundo não
podem atender a expectativa que projetamos neles. Apenas Krsna e Seu reino
transcendental, onde Ele revela eternamente Seus passatempos amorosos, podem fazer
isso. O Seu reino é rico de promessas infinitas, convidando-nos a possibilidades ilimitadas.

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