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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO -

FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO, CONTABILIDADE E


ATUÁRIA.
DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO.

Instituições e Cultura: Desenvolvimento Econômico e Economia da


Estratégia

Gabriel Guimarães Marini

Orientador: Prof. Dr. Nuno Manoel Martins Dias Fouto

São Paulo

2019
2

GABRIEL GUIMARÃES MARINI

Instituições e Cultura: Desenvolvimento Econômico e Economia da


Estratégia

Versão Original

Dissertação apresentada à Faculdade de


Administração, Economia, Contabilidade e Atuária
da Universidade de São Paulo como parte dos
requisitos para a obtenção do título de Bacharel em
Administração.

Área de Concentração: Economia das Organizações

Orientador: Prof. Dr. Nuno Manoel Martins Dias


Fouto.

São Paulo

2019
3

MARINI, Gabriel Guimarães

Instituições e Cultura: Desenvolvimento Econômico e Economia da


Estratégia / Gabriel Guimarães Marini – São Paulo, 2019.

136 pp.

Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária.


Universidade de São Paulo, 2019.

1. Nova Economia Institucional. 2. Cultura. 3. Economia da


Estratégia.
4

Agradecimentos

Este trabalho marca o desfecho de uma fase de cinco anos de curso, mas é
também o ápice de uma série de experiências de vida e de interesses pessoais
muito mais antigos. Cada frase aqui escrita é o resultado de inúmeros
encontros e desencontros, histórias com finais tanto felizes quanto tristes. Este
estudo é, pois, dependente de tantas pessoas merecedoras da minha gratidão
que seria impossível citá-las nominalmente. Mea Maxima Culpa.

Agradeço ao professor Nuno, pelas ótimas conversas e precisas orientações.

Agradeço aos meus colegas e amigos da FEA-USP que, seja na sala de aula,
seja nos cafés dos intervalos ou nas oportunidades mais descontraídas,
coloriram uma experiência que, de outro modo, teria sido acinzentada.

Agradeço ao professor Olavo Luiz Pimentel de Carvalho, que me abriu os


olhos para tantas realidades e tantos autores importantíssimos – muitos deles
presentes neste texto. Sem seus insights, este trabalho seria terminantemente
inviável.

Agradeço à minha namorada Elaine pela paciência e pelo carinho. Muitas das
horas dispendidas nesta tela em branco tinham, na verdade, como fundo, a sua
imagem em meu coração. Talvez você tenha que aguentar mais horas de
estudo e pesquisa no futuro, próximo ou distante.

Agradeço ao Du, por ter ouvido, por anos, tantas ideias estapafúrdias de
pesquisa e pela diligente leitura e crítica do texto.

Agradeço ao Daniel, ao André e ao Rodrigo, pela amizade, pela cerveja


tomada e pela ajuda ofertada. Ter amigos como vocês é ter a certeza de que
nunca se está só, mesmo que a distância e as obrigações do dia-a-dia
dificultem uma cervejinha num bar.

Agradeço ao meu tio Carlos. Seu apoio, puro e desinteressado, foi sempre
uma viga de sustentação indispensável, para mim, individualmente, e para a
nossa família.

Agradeço, principalmente, aos meus pais, Maria Cristina e Silvio. Se eu


represento algo de bom é por conta do brilho e da esperança de vocês. Eu não
mereço tamanha bondade, tamanho amor. Sem vocês, eu não sou nada, não
sou ninguém.

Last not least, eu devo tudo ao Senhor Jesus Cristo, Nossa Senhora e todos
os Santos e anjos, que me guiaram e protegeram, com ou sem o pedido por
orações. Muito obrigado pelas inúmeras graças concedidas, sempre. Perdão
pela minha persistente incapacidade em perceber as bênçãos diárias.
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Dedico este trabalho à saudosa memória de minha avó


Meonézia Grandini, a Dona Mel. O sentimento de dependência
e dívida, tanto existencial quanto intelectual, em relação à
Senhora foi sentido em todo o percurso de minha vida, tendo
se mostrado especialmente forte durante a redação das
páginas que se seguem.
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“Culture, the acquainting ourselves with the best that has been known
and said in the world, and thus with the history of the human spirit”
Matthew Arnold

“Há na vida momentos privilegiados nos quais parece que o universo


se ilumina, que nossa vida nos revela sua significação, que nós
queremos mesmo destino que nos coube, como se nós próprios o
tivéssemos escolhido. Depois o universo volta a fechar-se: tornamo-
nos novamente solitários e miseráveis, já não caminhamos senão
tateando por um caminho obscuro onde tudo se torna obstáculo a
nossos passos. A sabedoria consiste em considerar a lembrança
desses momentos fugidios, em saber fazê-los reviver, em fazer deles
a trama da nossa existência cotidiana e, por assim dizer, a morada
do nosso espírito”
Louis Lavelle

“Penso logo existo é, desde Descartes, o erro básico de todo


conhecimento; o pensar não é o meu pensar, e o ser não é o meu
ser, pois tudo é apenas de Deus ou da totalidade”
Friedrich Schelling
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RESUMO

MARINI, Gabriel Guimarães. Instituições e Cultura: Desenvolvimento


Econômico e Economia da Estratégia. 2019.136 f. Dissertação (Graduação
em Administração) – Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e
Atuária – Universidade de São Paulo, 2019.

O presente trabalho tem por objetivo aproximar a análise promovida pela Nova
Economia Institucional às hipóteses delineadas e defendidas pelo Culturalismo,
projeto de pesquisa iniciado por Max Weber. O status quaestionis de cada um
destes ramos intelectuais, num escopo limitado à História Econômica e à
Teoria do Desenvolvimento Econômico, é levantado por meio de uma densa
análise bibliográfica: questões críticas, tanto de Teoria Social quanto de
Metodologia das Ciências Sociais, são sublinhadas com a finalidade de
destacar limitações de visão, exageros nas hipóteses e relevantes quebras de
paradigmas internos que mudaram os direcionamentos das respectivas
posições científicas. A partir desta massa crítica, parte-se para um escopo
microeconômico, por meio da releitura de um modelo novo-institucionalista, o
modelo de Williamson de escolha de fronteiras verticais, através de uma troca
de variáveis sugerida pela leitura do Culturalismo: sai de cena a variável índice
de especificidade do ativo e entra no palco um índice de confiança. A
interpretação prática do modelo, entretanto, não é alterada, sendo apenas
expandida de um paradigma metodologicamente individualista para um âmbito
social ampliado. Deriva-se daí, por fim, um modelo heurístico de decisão
estratégica de quatro quadrantes, cujas variáveis são a complexidade
econômica e o índice de confiança social. Com base nestas variáveis, decisões
sobre fronteiras verticais ótimas e, consequentemente, sobre o formato de
estruturas organizacionais podem ser realizadas.

Palavras-chave: Nova Economia Institucional, Cultura, Desenvolvimento


Econômico, Fronteiras Verticais, Economia da Estratégia.
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ABSTRACT

MARINI, Gabriel Guimarães. Instituições e Cultura: Desenvolvimento


Econômico e Economia da Estratégia. 2019.136 f. Dissertação (Graduação
em Administração) – Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e
Atuária – Universidade de São Paulo, 2019.

The objective of this study is to bring closer the analysis promoted by the New
Institutional Economics to the hypothesis delineated and defended by
Culturalism, a research project pioneered by Max Weber. The status
quaestionis of each one of these intellectual branches, in a scope limited to
Economic History and Economic Development Theory, is raised through a
dense bibliographical analysis: critical problems, both in Social Theory and in
Social Sciences Methodology, are underlined, aiming to highlight vision
limitations, exaggerations in hypothesis and relevant paradigm shifts that
changed the directions of the respective scientific positions. Stem from this
critical mass, now with a microeconomic scope, a reinterpretation of a new
institutionalist model, the Williamson´s model of vertical frontiers, is offered by
means of a variables switch: exits stage left the asset specificity index, enters
stage right the social trust index. The practical interpretations, nonetheless,
stays the same, being only expanded from a methodological individualist
perspective towards a larger social sphere. From there, is derived, in the end, a
heuristic model of four loci, with two variables: economic complexity and the
index of social trust. Based on these variables, decisions about optimal vertical
frontiers and, consequently, about organizational structures can be made.

Keywords: New Institutional Economics, Culture, Economic Development,


Vertical Frontiers, Economics of Strategy.
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Sumário

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 10

1 – DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E A NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL 12

2 – FONTES CULTURAIS DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ........................ 50

3 – INSTITUIÇÕES E CULTURA NA ECONOMIA DA ESTRATÉGIA .................... 104

4 – CONCLUSÃO E DISCUSSÃO ........................................................................... 127

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 129


10

Introdução

Num estudo atualmente tido como clássico, Acemoglu e Robinson (2012),


resumindo o panorama intelectual da teoria econômica, distinguiram quatro
grandes hipóteses que explicariam as fontes e os porquês do desenvolvimento
econômico ou de sua ausência, seja ela completa ou relativa: a hipótese
geográfica, a hipótese da ignorância dos policy makers locais, a hipótese
cultural e, por fim, defendida pelos autores, a hipótese institucional.

Grosso modo, principalmente, as três últimas hipóteses citadas estão ligadas a


correntes intelectuais bastante distintas, sendo elas, respectivamente, a
economia mainstream, os estudos sociológicos de matriz weberiana e a Nova
Economia Institucional. Entretanto, a posição da dupla de pesquisadores
supracitada, enquanto uma espécie de milestone intelectual da escola novo-
institucionalista, representa também um recrudescimento dogmático,
contrapondo-se frontalmente às outras hipóteses, usando um conceito muito
mais estrito do termo “instituição”, fortalecendo a fonte política dos desenhos
institucionais. Outro estudioso da NEI, Williamson (2000), entretanto, fazia
questão de deixar aberta uma porta de comunicação, talvez intuitivamente
óbvia, entre as normas sociais e culturas e o desenvolvimento das instituições.

A dissertação aqui desenvolvida tentará aproximar, portanto, a hipótese


culturalista e a hipótese institucional, inicialmente, por meio de um estudo
bibliográfico das duas correntes, e, posteriormente, através de um
desenvolvimento teórico – na verdade uma releitura de um modelo clássico da
NEI - e pelo desenho de um modelo heurístico de Economia da Estratégia.

O primeiro capítulo tratará do desenvolvimento intelectual da Nova Economia


Institucional, num escopo limitado à análise da história e do desenvolvimento
econômico. O principal argumento a ser defendido nesta parcela do trabalho
será o de que, a partir do estudo seminal de North e Thomas (1973), que
demonstrava a importância da instituição dos direitos de propriedade para o
surgimento da indústria moderna e do take off inicial da Inglaterra e dos Países
Baixos, houve um número de aperfeiçoamentos teóricos que expandiram a
abrangência teórica da escola, mas que o já citado estudo de Acemoglu e
11

Robinson (2012), condensou e ofertou ao público uma versão intelectualmente


fechada e, na prática, problemática, ao deixar importantes inputs da realidade
política e social relegados à esfera da negação.

No segundo capítulo, por sua vez, será apresentada uma recensão, ainda que
incompleta, do argumento culturalista que se impôs nos debates intelectuais a
partir de Weber (2014). O argumento apresentado, entretanto, será o de que,
se Weber errou na sua apresentação dos fatos, ele acertou no espírito de seu
estudo. A influência cultural no desenvolvimento e nas práticas mundanas da
economia, pela via da confiança social, segundo o estudo antropológico de
Peyrefitte (1999), e pela via do capital social espontâneo, segundo a sociologia
de Fukuyama (1995), assim como pelas análises de Sowell (1994,1996 e 1998)
sobre raça, migrações e conquistas, acaba por vingar o espírito da pesquisa
weberiana. Esta posição é defendida pela apresentação de uma série de
estudos estatísticos sobre o tema, assim como pela leitura de uma série de
importantes críticas à tese weberiana, que correlaciona o surgimento do
capitalismo moderno ao ethos protestante.

Por fim, no terceiro capítulo, a análise se voltará ao desenvolvimento


microeconômico de Williamson (1995), tendo em mente, especialmente, o seu
modelo de escolha ótima de limites verticais ancorado na especificidade de
ativos. Já sabendo que o autor é mais moderado do que outros componentes
da Nova Economia Institucional, será realizada uma releitura do modelo de
Williamson, trocando o índice de especificidade de ativos por um índice de
confiança social, uma alteração baseada na aproximação dos custos de
transação e a confiança social de determinada economia proposta por
Fukuyama (1995) e Peyrefitte (1999). Desta nova leitura, será derivado um
pequeno modelo estratégico autoral, de quatro quadrantes, relacionando a
confiança social e a complexidade de uma determinada economia, que tem
como pares anteriores os modelos de Hofstede (2001) e Ghemawat (2001).
12

1 - Desenvolvimento Econômico segundo a Nova Economia Institucional

Na década de 1930, economistas da escola neoclássica, apesar da fidelidade


aos tradicionais modelos de equilíbrio, começaram a aceitar novos
pressupostos ou construtos explicativos para aproximar seus modelos ao
mundo real. Alfred Marshall apresentou a organização como um quarto fator de
produção (KONDO, 1993), enquanto Frank Knight designou ao empreendedor
o trabalho da coordenação econômica (EMMET, 2010). A apreensão da
necessidade de algum tipo de planejamento, mesmo que não central, ainda
deixava em aberto a questão premente: como explicar a necessidade dessa
coordenação?

Sem desestruturar o paradigma citado, Ronald Coase levantou a explicação


de que havia um custo para a utilização do mercado enquanto mecanismo de
preços (COASE,1937). De modo geral, tais custos podem ser entendidos como
custos de transação. O paradigma de Coase serviu de base para a
estruturação da chamada Nova Economia Institucional (doravante NEI). Por um
lado, importantes estudos foram realizados explicitando a influência de tais
custos nas decisões estratégicas das empresas (como, por exemplo, o trabalho
de Williamson (1981)).

Por outro, a intuição dos custos de transação serviu para a criação de uma
nova abordagem perante o estudo da história econômica, em especial nos
estudos de Douglass North. North buscava, pois, a fonte do crescimento
econômico por meio do ferramental de Coase, chegando, por fim, à tese de
que os direitos de propriedade foram os dispositivos institucionais explicativos
de primordial importância para a “grande divergência”, termo que os
historiadores econômicos usam para definir a deslanchada das economias
capitalistas ocidentais. A seguir, será delineada a evolução desta segunda
abordagem, num status quaestionis, que tem por objetivo dar proeminência às
instituições como fonte do desenvolvimento econômico.
13

1.1 - Um primeiro modelo

Num esboço primitivo, a alteração de preços relativos entre os insumos mais


básicos - como terra e trabalho - era propulsionada por aumentos
populacionais, e acabava por justificar, das sociedades feudais às sociedades
industriais (900-1700), a criação e institucionalização de diferentes direitos de
propriedade (NORTH e THOMAS, 1973). Instituições político-sociais,
instituições comerciais, como os mercados, e até mesmo as inovações
tecnológicas surgem quando os retornos econômicos individuais estão ao
menos em paridade com os retornos sociais. Os motivos para a dificuldade da
criação dos direitos de propriedade são:

1)Technique may be lacking to counteract the free-rider and/or


compel third parties to bear their share of the costs of a
transaction.(…) 2)The cost of creating or enforcing property rights may
exceed the benefits to any group or individual.(North e Thomas, 1973,
p.5)

A narração histórica do economista laureado pelo Instituto Nobel e seu


coautor, a partir do século X, assegura que, apesar da diminuição do perigo
internacional, fruto da instabilidade geopolítica, a instituição do manorial system
feudal, com um grande número de feudos disponíveis, criou as bases para uma
ampliação demográfica e para uma série de ondas migratórias. Na ausência da
disponibilidade de um amplo mercado, a servidão, a vilania e a vassalagem
subsistiram como formas de distribuição de direitos e deveres que
objetivamente diminuíam os custos de transação.

Um comércio potencialmente benéfico pôde ser realizado apenas com a


definição de bolsões populacionais em torno de fortificações, poder militar
centralizado e de governos específicos. Durante os séculos XI e XII, o
desenvolvimento institucional se aprofundou e cidades comerciais
despontaram, como Flandres, por exemplo (ibidem, pp. 11-12). O crescimento
econômico europeu criou um sistema de mercados e permitiu a especialização.
Não obstante “overpopulation and local diminshing returns reduced productivity
in agriculture” (ibidem, p. 45), assim como a limitada adoção do sistema de
14

three-field de rotação de plantações não permitiu um forte desenvolvimento da


renda per capita.

Pressões demográficas, ocorridas a partir do séc. XIII, levaram, então, à


diminuição dos retornos da terra e do trabalho. A menor disponibilidade de terra
e a necessidade de maior concentração dela para obtenção de retornos
satisfatórios fez com que os salários despencassem, enquanto os senhores
feudais tiveram seu poder de barganha, inicialmente, engrandecido. As
chamadas feiras surgiram como uma forma inicial de mercados, com a
concomitante diminuição dos custos de transação, apresentando um sucesso
econômico especialmente interessante. Enquanto a agricultura tinha
problemas, o comércio prosperou. Além disso, pressões fiscais nos governos
durante o meio do século foram importantes fatores causais para a criação dos
direitos de propriedade, inicialmente ligados à alienação de terras (ibidem, p.
69).

A peste bubônica e outras epidemias, entretanto, alteraram a oferta do insumo


trabalho, contrabalanceando a citada alteração dos preços relativos em favor
da mão-de-obra. Tanto no campo quanto em centros urbanos, havia uma clara
dissolução da força do sistema social das mansões.

Um repique populacional só ocorreria novamente no séc. XV. Até lá, o declínio


econômico gerou um ambiente propício para a criação de instituições
“defensivas”, de caráter abertamente monopolístico, como a Liga Hanseática
(ibidem, p.13). Governos e associações voluntárias, em acordo, criaram
dispositivos institucionais para a redistribuição de renda em interesse próprio.
Relações servis foram gradativamente extinguidas e a economia baseada na
moeda serviu como bala de prata para a destruição do sistema feudal
tradicional (ibidem, p. 79), assim como, pouco a pouco, houve a instauração do
estado-nação. A busca por recursos financeiros, por parte dos governos,
novamente deu ensejo à ampliação dos direitos de propriedade (ibidem, p. 80).

O desenvolvimento técnico, as navegações e a descoberta do novo mundo


criaram uma válvula de escape para as pressões malthusianas que surgiram
novamente entre os séculos XVI e XVII. Deu-se, no primeiro desses dois
séculos, perante um grande desenvolvimento das firmas e regiões
15

manufatureiras, a criação de instituições como as joint-stock companies e, pela


primeira vez, um corpo de legislações que versava sobre a propriedade de
ativos intangíveis (ibidem, p. 17). Não obstante,

(...)The general rise in price level during the sixteenth century was
universal. Relative product and factor prices also changed in similar
patterns. The prices of agricultural goods increased relative to
manufactured gods and rents of land increased more rapidly than
wages. The real wages of labor declined significantly (ibidem, p. 109).

Este século teve dois grandes perdedores: a França e a Espanha. Ambos os


países apresentaram desenvolvimentos de instituições tributárias e
alfandegárias semelhantes. Ambos os corpos de legisladores e de
representantes, nos dois países, por falta de palavra melhor, terceirizaram a
arrecadação de impostos, enquanto as coroas mantinham um monopólio da
definição da estrutura tributária. Foi historicamente comum entre os franceses e
os espanhóis a unificação política tardia e demorada, encarando resistências
internas ao que, em ciência política, convencionou-se chamar de centralização
política (ibidem, p.127).

Um resumo sobre o caso francês giraria em torno da política fiscal. Com o


intuito de aumentar as receitas tributárias, houve um desenvolvimento de uma
ampla e detalhada regulamentação industrial, enquanto era mantido e
protegido o monopólio das guildas produtoras. A movimentação de capital era
impedida, assim como a mobilidade de trabalhadores. A sanha colbertista
impedia a adoção de inovações produtoras e havia, até mesmo, a fixação de
preços. (ibidem, pp. 126-127).

Um verdadeiro desenvolvimento da renda per capita ligado a um aumento da


base demográfica só teria lugar a partir do século XVII, em especial na
Inglaterra e na Holanda, sendo o exemplo holandês – com foco em especial
para as sete províncias mais ao norte - historicamente anterior, enquanto o
inglês suscitou maior fama e importância nos estudos históricos.

Sendo a Holanda, desde a idade média, um epicentro comercial, as elites


dirigentes locais tenderam a entender a ausência de recursos naturais como
sinal da predisposição interna aos mercados, transferindo menos poder às
16

regulamentações das guildas. As definições políticas favoreceram a criação de


mercados mais eficientes. Mercados eficientes de bens reais, portanto, criaram
as bases para um pujante mercado de capitais.

(...)it´s clear that in the Netherlands, property Rights appropriate for


the development of both an efficient Market and a short –term capital
Market had been created. The influence of those
developments(...)permeated the entire Dutch economy. (ibidem, p.
141)

Sendo empurrado pelos avanços nos outros setores, o interior rural também
evoluiu, tornando-se mais intensivo no uso de capital, mesmo que dependendo
menos de inovações tecnológicas do que de métodos e especialização
produtiva.

Em uma posição estrategicamente intermediária a todas as potências


supracitadas, o caminho inglês foi o caso mais gritante de desenvolvimento
surgido de uma situação política favorável. A coroa inglesa foi incapaz de
ampliar receitas pela taxação direta, direito que fora relegado ao poder
parlamentar. Foram salientadas por North e Thomas (ibidem, p. 153) várias
vantagens que permitiram o surgimento adiantado de direitos de propriedade e
a subsequente aplicação destes ao desenvolvimento tecnológico. A
centralização política da autoridade e do poder – um tópico que continuará
sendo central em toda análise da NEI – antecede a possibilidade de exploração
econômica de uma dada área.

Entretanto, mesmo antes da centralização política e da limitação da monarquia


durante a Revolução Gloriosa, políticas voltadas à ampliação do capital
intangível e tecnológico já eram parte da experiência britânica. Já no século
XIII, a coroa ofertava amenidades legais a investidores estrangeiros, como, por
exemplo, a liberação de tais empreendedores de regulamentações trabalhistas:
“This policy of encouraging foreigners to bring new innovations from the
Continent was extended to many other areas: mining, metal working, silk
manufacturing, ribbon weaving, etc.” (ibidem, p.153)
17

A nova forma de análise da história econômica vai diretamente contra a versão


popular de que a revolução industrial criara o moderno desenvolvimento
econômico. Concordando parcialmente tanto com Adam Smith quanto com
Karl Marx, esta nova visão institucionalista enfatiza a importância dos direitos
de propriedades que, de facto, expandem as probabilidades da factibilidade da
inovação, ou, para colocar em termos aristotélicos por um lado e
schumpeterianos por outro, aumenta a potência da destruição criadora.
Entretanto, se o pensador socialista alemão errou em sua aposta num
crescimento inevitável, o economista e filósofo escocês falhou na tarefa de
explicar como um aparato governamental serve verdadeiramente como
incubadora do desenvolvimento capitalista, enquanto nutre e cria os direitos de
propriedade:

The industrial revolution was not the source of modern economic


growth. It was the outcome of raising the private rate of return on
developing new techniques and applying them to the production
process (ibidem, p. 157).

1.2 - Uma análise mais refinada

Apesar da nova teoria sobre os porquês da “grande divergência” ser mais


palpável que suas concorrentes, tornando-se mais ligada a um fato real - o
direito de propriedade -, seja ele entendido pelo viés político ou jurídico, em
contrapartida à ampla categoria sociológica e histórica encapsulada no termo
“revolução industrial”, havia ainda uma série de buracos que enfraqueciam a
credibilidade do projeto desenvolvido por North. Se, por um lado, em sua visão,
os historiadores econômicos anteriores falhavam de maneira cabal (NORTH,
1981, p. ix), até então, ele também não havia desenvolvido nenhuma
explicação não-econômica para explicar as mudanças estruturais das unidades
econômicas anteriormente analisadas. E por explicação não-econômica quero
dizer uma explicação que extrapole os limites da análise meramente utilitária
obtida com sua obra anterior, que quase nunca fugiu dos limites metodológicos
estritos da economia mainstream de sua época.
18

Se Inglaterra e os Países Baixos foram os primeiros estados a ultrapassar a


armadilha malthusiana por conta da criação de direitos de propriedade bem
delimitados – um movimento que toma forma quase que espontaneamente do
pressuposto de custos de transação - tal explanação hipotética funciona no
âmbito estático, mas falha, entretanto, como um modelo explicativo para as
dinâmicas das mudanças políticas que, finalmente, no mundo real, criam e
destroem as relações jurídicas entre governantes e súditos, entre estados e
cidadãos. Em suma, North já possuía uma teoria de direitos de propriedade,
bem amparada por suposições prévias advindas tanto da economia clássica
quanto da escola dos custos de transação, o que ele não possuía era uma
Teoria do Estado – sendo o Estado o ente que, decerto, aplica os direitos de
propriedade e é o locus pelo qual os diversos atores políticos batalham -, e
nem uma Teoria das Ideologias, que explicaria, em termos de uma sociologia
do conhecimento, as mudanças de percepção dos indivíduos em relação à
situação estrutural existente. Neste sentido fica clara a afirmativa de que seu
novo framework “overlaps the social sciences and explores both political
organizations and ideology as essential ingredients in explanation of
institutional change” (Ibidem, p. xi).

Tal alteração de caminho ante seus trabalhos anteriores não pode ser julgada
como um alheamento em relação à economia neoclássica, que ainda é uma
das bases de sustentação de sua abordagem. Não obstante, há uma
substantiva crítica à sua capacidade explicativa.

Se, por um lado, a economia neoclássica consegue explicar uma série de


ações autoindulgentes individuais, além de fornecer uma resposta convincente
ao problema do free rider - algo essencial na delimitação de direitos e
obrigações numa perspectiva econômica - há uma deficiência explicativa
quando ações altruístas são tomadas. Há também um problema referente à
explicação da estabilidade das instituições (Ibidem, p. 11).

Enquanto, em seu livro anterior, North e seu colega de pesquisas se limitavam


a analisar a divergência europeia, restringindo o campo de visão aos
acontecimentos econômicos entre o ano 900 e o ano 1700, há agora uma nova
amplitude. Segundo North (1981, p. 15), o mundo passou por duas grandes
19

descontinuidades se levarmos em conta a problemática malthusiana - que


relaciona crescimento populacional e a existência de recursos -: as chamadas
Primeira e Segunda Revoluções Econômicas, sendo a última o foco de atenção
dado no seminal trabalho de 1973, agora reapresentado em um trabalho mais
amplo.

Como uma espécie de coroação de suas teses anteriores, antes de explicitar a


incorporação da teoria política e da sociologia em sua nova empreitada, North
faz três afirmações prévias à condução de seu exercício especulativo: 1) quase
sempre existiu uma diferença entre retornos privados e públicos concernentes
às invenções, advinda, em última instância, de uma dificuldade de mensuração
da propriedade intelectual, mesmo após a definição de direitos – uma
afirmação definitiva da supremacia da teoria de custos de transação; 2)
desenvolvimentos tecnológicos se baseiam no conhecimento adquirido
anteriormente e, derivando-se desta asserção chega-se à conclusão que; 3) o
desenvolvimento técnico sofre com a diminuição de retornos se não há a
ampliação do estoque do conhecimento científico, em especial de caráter
biológico ou de ciência natural. (Ibidem, pp.16-17)

Tal reafirmação da teoria econômica é facilmente reconhecida também na


nova apresentação das estruturas, tanto políticas quanto econômicas, como
animais com as mesmas características basilares: são estruturas que
funcionam como maximizadoras de riqueza para os principais via ganhos de
especialização (violência, primordialmente, para o Estado) e ganhos
comerciais. Ambas as estruturas possuem: 1) regras que limitam o
comportamento dos agentes; 2) procedimentos derivados daquelas regras e; 3)
uma articulação de normas morais com objetivo de reduzir enforcement costs
(ibidem, p. 18). Articulando uma crítica à sua teoria, North conclui que:

In fact, the property rights which emerge are a result of aa on-going


tension between the desires of the rulers of the state, on the one
hand, and efforts of the parties to exchange to reduce transaction
costs, on the other. This simple dichotomy actually is anything but
simple, since the parties to an exchange will devote resources to
influencing the political decision makers to alter the rules. (ibidem. p.
18)
20

North parte, então, para a sua própria definição de Estado, que interpreta um
papel intermediário entre duas teorias distintas. De um lado, a teoria do
contrato social, revivida por interpretações neoclássicas, que relega ao Estado
um caráter de maximizador da riqueza da sociedade. De outro, a teoria
predatória, cujos proponentes advém tanto do marxismo quanto de outlooks
mais mainstream, que julga que o papel do ente estatal é maximizar a riqueza
do indivíduo ou do grupo que o controla. North realiza uma gradação histórica
de um item que, no fundo, as separa, e que será a base de seu modelo: a
teoria contratualista, assumindo a distribuição igualitária de potencial de
violência entre os principais, explica de maneira mais acurada os
desenvolvimentos fetais de um Estado, enquanto a teoria predatória, partindo
de um pressuposto de principais com capacidades de violência desiguais,
explica melhor o caráter não-equilibrado e a formação de diversos grupos de
interesse (Ibidem, p. 22).

Se o Estado é uma entidade com vantagem comparativa da violência, ainda


que limitada geograficamente, e cujo poder é limitado pelo poder de impor
tributos e que a essência dos direitos de propriedade é a exclusão de terceiros
levada a cabo, em termos finalísticos, por tal violência organizada (ibidem,
p.21), chega-se a uma dupla asserção histórica de peso:

The widespread tendency of states to produce inefficient property


rights and hence fail to achieve sustained growth; and the inherent
instability of all states, which to economic change and ultimately to
economic decline (ibidem, p. 23).

Ao fornecer as regras do jogo como um serviço básico, o Estado encara um


trade-off entre taxação máxima e desenvolvimento social, assim como uma
necessária terceirização de poder a agentes cujos objetivos podem ser, no final
das contas, diversos dos do soberano. Além disso, analisando os serviços
ofertados pelo ente público, é perceptível que há tanto bens naturalmente
públicos quanto serviços com ofertas em “U”, cujos custos médios crescentes
dependem, por óbvio, da tecnologia. Um desses bens, a segurança, depende,
pois, do nível da tecnologia militar que, por conseguinte, define uma área
geográfica eficiente de taxação. (ibidem, p. 24-25)
21

Dentro desta área geográfica, com a diversidade de atividades econômicas


existentes, a dação de direitos de propriedade seguirá um existente benefício
extraível pelo governo em termos de renda monopolista. A diversidade de tipos
de propriedade para cada setor econômico estará ligada à tecnologia de
mensuração de resultados destas atividades mesmas. As delimitações
estruturais, em maior ou menor grau, ou criam a dissipação de rendas advindas
de impostos ou mesmo suscitam o conluio entre agentes e constituintes do
estado na divisão do butim econômico. (ibidem, pp. 26-27)

Além de todas as limitações acima dispostas, cada governante tem, ainda,


outros competidores, outros estados que, na prática, funcionam como
monopolistas regionais. Cada qual se deparando com os mesmos trade-offs,
estes estados podem sofrer ainda com a dissenção interna e a traição, com a
aproximação de constituintes com unidades políticas concorrentes, por
exemplo, sendo estes constituintes limitados, também, por custos de
oportunidade “política”. (ibidem, pp. 28-30). Há, logo, um processo de
instabilidade relacionado ao desenvolvimento econômico, por um lado, e, por
outro, há a resiliência de regimes fortes, cercados por concorrentes fracos,
mesmo que num horizonte de baixo desenvolvimento econômico – uma
possibilidade que travaria a limitação dos custos de oportunidade dos
constituintes de uma unidade política.

Até aqui, este agregado teórico responde apenas às indagações, per se,
estáticas. Tratam de instabilidade, não de mudança. Explicam porque, até certo
pré-requisito econômico ser conquistado, não existirá uma resposta ao
problema do free rider, com a concomitante manutenção dos direitos de
propriedade ineficientes. Não obstante, não existe uma explicação para a ação
política de grandes grupos de indivíduos que, para North, pode ser importada
da teoria marxista (ibidem, p 31). Existe, pois, uma contraposição dialética
entre a existência de free riders e a ação revolucionária. Deste arrazoado,
explicitam-se as seguintes posições: 1) a existência do free rider é uma das
grandes fontes da estabilidade institucional ao longo do tempo; 2) a inovação
institucional é levada a cabo pelas elites; 3) revoluções serão “palacianas”,
colocadas em prática por agentes do governante ou por grupos de elites de
governantes concorrentes e; 4) quando o governante é agente de um grupo ou
22

de uma classe, criar-se-ão regras de sucessão para a eventual morte do líder.


(ibidem, p. 32)

Em um ambiente de escassez e competição, abstraindo a influência estatal e


seguindo a linha de Coase, haverá a substituição de organizações ineficientes
por suas contrapartes eficientes. Entretanto, neste estado de ceteris paribus,
haverá uma tensão entre os benefícios e o ônus da especialização ou
integração. Disso, pressupõe-se que estruturas hierárquicas, de um tipo ou de
outro, são historicamente precedentes de mercados de tomação de preço –
formas de transação mercadológica que dependem de um set complexo e bem
definido de direitos de propriedade e oferta de justiça (ibidem, p. 41). Ao
desfazer a abstração, retornando ao mundo em que a presença estatal se faz
de uma forma ou de outra, instituições econômicas ineficientes, enquanto
continuarem rentáveis para o governante, permanecerão firmes. O mesmo se
diz para organização com baixíssimo custo de mensuração (ibidem, p. 43).

Apesar de todo o refinamento obtido pela análise neoclássica tanto pelo viés
de uma teoria do estado ou até mesmo por meio da análise mercadológica,
North ainda não está satisfeito com o que subsiste. Por um lado, a difusão do
controle político advinda da habilidade de grupos de interesse em capturar
postos no estado - um retorno esperado do que se sintetizou até aqui - tende a
tornar a predição dos tipos de direito de propriedade de uma dada sociedade
estudada extremamente difícil. Por outro, uma perspectiva advinda dos estudos
de Organização Industrial aponta para, mesmo nos casos mais simples de
realização contratual, a necessidade de certas posições morais mínimas para a
aplicação justa das regras e para o funcionamento organizacional (ibidem, p.
43-44). Em termos mais técnicos,

The measurement costs of constraining behavior are so high that in


the absence of ideological convictions to constrain individual
maximizing, the viability of economic organization is threatened.
Investment in legitimacy is as much as a cost of economic
organization as are the measurements and enforcement costs. (…)
(A) major issue in enforcement is the perceived legitimacy of the
contractual relations (Ibidem, p.44)
23

A solução proposta para o vácuo teórico implícito acima é a agregação de


ideologia, partindo de uma perspectiva socioconstrutivista, como uma ficção
sociológica que explique o comportamento não-disruptivo das regras. North
explicita que

Ideologies are intellectual efforts to rationalize the behavioral pattern


of individuals and groups. Facts do not explain the world around us;
explanations require theory – not necessarily conscious, explicit
theory but nevertheless theory. Theories cannot be proven “true”; they
can be only refuted by evidence. But competing theories are
employed to explain much of the world around us, and no definitive
test exist to eliminate all but one explanation. (ibidem, pp. 48-49)

Tal definição de ideologia não contradiz, por exemplo, a concepção marxista


de ideologia, mas a abarca. Segundo Kolakowski (2005), para Marx, a
ideologia é uma falsa consciência a respeito das forças que guiam os
processos mentais dos incautos, que julgam serem determinados ou por
raciocínio ou por influências intelectuais quando, de fato, a ideologia é
determinada por condições sociais extra-intelectuais. North, no fundo, ao
utilizar a versão diluída, sem um julgamento de valoração ou veracidade sobre
as ideologias, acaba adotando uma espécie do que veio a se chamar, nos
meios filosóficos especializados, de materialismo. Neste contexto, ideologias:
1) são instrumentos de economizing, simplificando decisões; 2) estão
conectadas a padrões morais e éticos, e acabam supondo visões ideológicas
concorrentes, suscitando um julgamento normativo sobre elas mesmas e; 3) as
perspectivas ideológicas individuais são alteradas com as experiências de
inconsistência. (NORTH, 1981, pp. 50-51)

No último ponto apresentado acima, North acaba por atestar que a alteração
de preços relativos é uma fonte de mudanças ideológicas, já que estas trariam
à superfície modificações na interpretação de justeza de um determinado
sistema. Se até agora North apresentou a versão abstratista da ideologia como
padrão, ele não nega que existam desenvolvimentos ideológicos advindos de
“empreendedores intelectuais”. Ele apenas nega que tais exemplos sejam mais
que desenvolvimentos excepcionais, enquanto a regra demonstraria que as
diferenciações ideológicas surgem ou da influência referente à localização
24

geográfica ou da tradicional opinião marxista de que derivariam da


especialização ocupacional (ibidem, p. 51).

Surge, pois, um custo de legitimação, que computa gastos ligados, por


exemplo, à educação, independente do modelo econômico do estado em
questão. De onde se infere que “(T)he costs of maintenance of an existing
order are inversely related to the perceived legitimacy of the existing system”
(ibidem, p. 53). Em sistemas complexos, a ideologia se faz fortemente presente
no debate judicial, e sua força pode inclusive levar atores políticos a tomarem
decisões contrárias aos seus próprios grupos de interesse (ibidem, p. 56).

The greater the specialization and division of labor in a society, the


greater the measurement costs associated with transacting and also
the greater the costs of devising effective moral and ethical codes.
This paradoxical dilemma is the root cause of many of the problems of
modern society stemming from the Second Economic Revolution (…)
and hence is crucial for a further development of economic
theory.(ibidem, p. 56)

Deste paradigma multidisciplinar surge a já levantada anteriormente divisão


entre Primeira e Segunda Revolução Econômica. Tratemos, portanto, da
análise de North sobre estes dois importantes turning points históricos.

A Primeira Revolução Econômica se refere à transição da caça à agricultura


como principal ocupação social da humanidade, ocorrida aproximadamente há
dez mil anos (ibidem, p. 73). North explica, como esperado, que a transição se
deu por conta da criação de direitos de propriedade exclusivos.

Seguindo um modelo clássico, um avanço populacional, coligado à


propriedade coletiva dos bens naturais – tendo em mente, principalmente, no
caso, a fauna transformada em alimento por via da caça – há um desincentivo
tanto ao avanço técnico quanto uma redução do retorno da predação animal. A
escassez promoveu, então, incentivos à aglomeração de grupos humanos em
bandos, criando direitos proprietários específicos e limitados, que, por
conseguinte, suscitaram o avanço tecnológico referente à agricultura e seus
métodos. Essa exclusividade, pois, por meio da limitação da utilização do bem
público, serviu também como um freio demográfico. Através de um processo
25

longo e demorado, com a queda da produtividade da caça, em termos de


benefício relativo, a agricultura recolheu os louros e se tornou mais viável
(ibidem, p. 88).

In sum, there are three changes that could account for the transition
from hunting to agriculture. Individually or acting in concert, a decline
in the productivity of labor in agriculture or a sustained expansion of
the size of the labor force could have resulted in the transition of man
being exclusively a hunter to increasingly a farmer. (ibidem, p. 77)

A exclusão de tribos terceiras e a subsequente instauração de direitos de


propriedade exclusivos, ainda que comunais, deram ensejo ao aumento do
índice de aquisição de conhecimento sobre os recursos de um determinado
local. (ibidem, pp. 63-64). North salienta, entretanto, que o que esta pedra de
toque tem de histórica não é a mera transferência de foco de uma atividade
para outra. A situação realmente revolucionária envolveu a criação de
incentivos para a divergência, nesta transição, e em proporções gigantescas,
que acaba por explicar o salto de desenvolvimento ocorrido neste período, ante
os passos de tartaruga encontrados no velocímetro da era anterior (ibidem, p.
89).

The incentive change stems from the different property rights under
the two systems. When common property rights over resources exists,
there is little incentive for the acquisition of superior technology and
learning. In contrast, exclusive property rights which reward the
owners provide a direct incentive to improve efficiency and
productivity, or, in more fundamental terms, to acquire more
knowledge and new techniques (Ibidem, p. 89)

Tendo em mente este salto qualitativo, dá-se início à estruturação dos estados
das antigas civilizações – cujos formatos e tamanhos diferem-se tanto por
conta do relevo geográfico, de recursos existentes quanto por conta do estado
da tecnologia militar -, num período que termina com a queda do império
romano (ibidem, p. 64). A expansão comercial, os progressos técnicos – a era
do ferro sucedendo a era do bronze -, o desenvolvimento urbano e a criação de
complexas instituições econômicas (ibidem, p. 92) se deram, de maneiras
diversas, em todos os estados clássicos. Entretanto, há a tendência da
ampliação do tamanho estatal (ibidem, p. 96). A codificação de uma lei
26

comercial foi o auge do desenvolvimento histórico-econômico romano (Ibidem,


p.109).

Ao tratar da mudança de regimes e das estruturas dessas unidades políticas


antigas, North aponta para, de um lado, o declínio como consequência das já
conhecidas pressões malthusianas, por outro, para a pilhagem de estados em
franco enriquecimento por exércitos de cidades-estados competidoras em
declínio. Em outras palavras, aqueles que sofriam invasões também sofriam
com pressões econômicas ligadas a elas, ou pela via do apaziguamento dos
invasores com oferta de subornos ou pela via de aumento de investimentos
militares, num cenário apelidado jocosamente pelo autor como “os bárbaros
nos portões” (ibidem, p. 115). Este era contraposto ao cenário de “decaimento
por dentro”, em que a diminuição das rendas de terras levava, por fim, à
redefinição de direitos de propriedade para os ricos, deixando os pobres sem
franquias legais quando a colonização de novas terras ou a invasão de vizinhos
não eram saídas possíveis. (ibidem, p. 116)

A mudança era levada a cabo por indivíduos da elite ou seus agentes, sendo o
populacho, muito provavelmente, limitado por conta da má distribuição de
renda, ajudando na criação de um celeiro inferior para a estabilidade de longo
prazo. Se, por um lado, as burocracias imperiais refletiam uma tensão entre a
vontade maximizadora dos governantes e o controle dos constituintes,
atingindo um sucesso parcial, se muito, na contenção dos interesses diversos,
a maior fonte de crises se encontrava nas sucessões e em seus processos.
(Ibidem, p.119)

Ideologias representavam os papeis de importantes coadjuvantes explicativos


da longevidade de certos regimes e até mesmo da fonte de mudança ou de
discórdia em outros. A estabilidade tanto do império egípcio quanto da
sociedade mesopotâmica antiga tinha como fidúcia a identificação de seus
governantes com deuses. A manutenção da identidade judaica, por exemplo,
assim como a teimosia cristã anterior a Constantino são exemplos de pressões
ideológicas dentro do framework de alteração de preços relativos e busca por
redistribuição de renda. Mesmo com a adoção do catolicismo por parte de
27

primeiro imperador cristão, o cisma gerado pela busca pela forma teológica
mais correta gerou uma série de confrontos. (ibidem, p. 121)

The agents of change too were not all kings, emperors or their agents.
They included such persons as Rabbi Akiba ben Joseph and his pupil
Rabbi Meier, who began to systematize the codes of the Jews; Jesus
of Nazareth; Saul of Tarsus, who was perhaps the decisive influence
in the spread of Christianity; and, in the seventh century A.D.,
Mohammed.(ibidem, p. 121)

Vê-se, aqui, um limite do modelo de análise histórica de North. Ao sair do


âmbito neoclássico e adotar uma visão socioconstrutivista1 da ideologia,
afastando-se do individualismo metodológico, a tendência natural é que suas
análises apontem para uma maior ênfase de fatos sociais abstratos, e não à
ação real dos indivíduos. Sua valorização da ação política de líderes da elite
governante e mesmo dos líderes religiosos acima citados mostram apenas que,
mentalmente – e positivamente – North ainda não estava completamente
deslocado de uma leitura individualista da ação humana, sendo sua hipótese
ainda apenas um apêndice, e não como um resultado genérico de seus
pressupostos. A inclusão da ideologia em seu ferramental, mesmo sendo uma
inovação tremenda, acaba ficando capenga enquanto ele não a associa a uma
teoria da ação dos intelectuais como produtores de ideologias e como atores
políticos a serviço de uma causa, conforme modelo levado a cabo através dos
argumentos de Gramsci (2001), por um lado, e o mais pós-moderno desenho
de multiplicação de focos de conflito com base identitária de Laclau e Mouffe
(2015), por outro2. Uma coisa é tomar a ideologia e seus propagadores como
fonte de alterações políticas e sociais, o que realmente falta no plano de North
– e que é inconcebível dentro de uma janela interpretativa baseada apenas
numa sociologia do conhecimento, mais preocupada com processos de

1
Cabe fazer a ressalva de que, conforme afirma Hacking (1999), a visão de Berger e
Luckmann – autores de The Social Construction of Reality (1966) - adotada por North não é
“fortemente” construtivista, tendo fortes pressupostos weberianos e fenomenológicos, em
oposição ao posterior radicalismo pós-moderno. Para uma análise do fenômeno pós-moderno,
ver Hicks (2011).
2
De fato, houve, além disso, um giro conceitual no marxismo, em especial quando pensamos
em Gramsci, por um lado, os frankfurtianos, por outro, e todos os seus seguidores, que se
preocuparam tanto com a questão cultural quanto o chamado “trabalho do negativo”. Como
fonte geral, ver Kolakowski (2005). Uma fonte interessante sobre a Escola de Frankfurt, em
português, é Merquior (2017). Já sobre Gramsci e, em especial, sua influência no Brasil,
consulte Carvalho (2014).
28

aprendizagem e com uma visão externa, fenomênica, do que com objetivos e


procedimentos de mudança social real – outra é um remendo teórico, um
constructo mental, que serve como ligação explicativa entre alterações de
preços relativos e o julgamento de uma determinada sociedade sobre a justiça
distributiva derivada de tais alterações.

O ocaso romano é tratado como uma consequência de um aparato burocrático


imperial inchado, perda de vantagem militar perante os bárbaros e a
subsequente criação de autonomias e autarquias deste desiquilíbrio, também
influenciado por taxações que barravam o desenvolvimento de negócios que,
por fim, destruíram a base de arrecadação (ibidem, p. 122). Se na perspectiva
ampla da história econômica a queda romana foi tópica, ela significou, para a
civilização ocidental, um breque no desenvolvimento cada vez mais complexo
em termos organizacionais, políticos, técnicos e econômicos. (ibidem, p. 66)

O tratamento dado ao período que vai do medievo ao início do


desenvolvimento industrial não é muito diverso do apresentado por North e
Thomas (1973). Um pequeno descritivo do intermezzo entre a queda romana e
o ano 900 deve ser levado em conta. Para North (1981, p. 66), o surgimento
das pequenas unidades políticas que precederam as unificações nacionais
deriva, em última análise, primordialmente, do avanço da tecnologia militar, e,
em segundo lugar, da mudança dos preços relativos da terra e do trabalho.
Não obstante, tal processo se deu de maneira morosa, já que North afirma que
“(O)nly graduallly do islands of order reappeared in the sea of chaos in western
Europe” (ibidem., p. 66). Ou, de maneira mais completa:

There was a more gradual emergence of feudal structure of


decentralized political organizations, hierarchical fiscal obligations,
and the manorial economic structure marked by relative self-
sufficiency. Economic activity revived, local and long distance trade
grew, towns developed, output from urban artisans increased and the
money economy expanded. Finally, the feudal/manorial structure
disintegrated in a century characterized by famine, plague and
warfare and was gradually replaced by larger political units and a set
of property rights(…) which varied depending upon the bargaining
strength of monarchs and constituent groups (ibidem, p. 126).
29

Assim como no caso do feudalismo, North mantém, grosso modo, as análises


realizadas em seu volume anterior, dando, talvez, apenas um colorido
específico à questão da expansão europeia ultramarina. Afirma-se, num tom
quase burkeano, que houve um legado de direitos básicos de propriedade que
foi passado para as possessões coloniais, funcionando como um delimitador do
desenvolvimento futuro destas unidades econômico políticas (ibidem, p. 145).

Às instituições específicas, as dotações iniciais de recursos acabaram por criar


distintas tonalidades aos quadros econômicos. Por um lado, as instituições
menos bem-sucedidas de Espanha, França e mesmo Portugal ou funcionaram
por meio da violência contra os nativos, ou por meio do trabalho escravo
importado ou até mesmo, no final das contas, não conseguiram atrair mão-de-
obra com objetivo de permanência. Por outro, após alguns problemas iniciais,
as instituições britânicas instaladas em solo americano foram atrativas,
existindo uma importação intensiva de settlers. O uso de escravos nas colônias
mais ao sul teria sido um resultado da escassez de trabalho aliada ao
panorama dos recursos naturais encontrados, enquanto as colônias centrais e
da Nova Inglaterra havia uma diversificação econômica maior e um modelo de
propriedade individual da terra (ibidem, p. 146).

Não obstante, há um comparativo interessante que acaba por delimitar a


distância entre a visão novo-institucionalista da leitura marxiana do
desenvolvimento econômico. Segundo North (ibidem, p. 146), a leitura marxista
trabalha com uma variável endógena principal, a tecnologia, como substrato
para a criação de novas classes sociais - tal qual a burguesia relacionada à
industrialização - gerando um gap de quase três séculos pré-revolução
industrial sem uma explicação definitiva, além de um suposto momento
dialético para a formação de novas forças produtivas. Para North, o movimento
tem a direção contrária.

The marxian emphasis on technology has led Marxians astray (…)


since the technology followed rather than preceded the structural
changes. (…) The technological change associated with the Industrial
Revolution required the prior development of a set of property rights,
which raised the private rate of return on invention and innovation
(ibidem, p. 147).
30

O ápice deste desenvolvimento de seu trabalho anterior se dá na análise da


chamada Segunda Revolução Econômica como uma continuação pavimentada
pela chamada revolução industrial, e que marcaria o segundo ponto de inflexão
do rumo da história econômica mundial.

O ambiente histórico que precedeu e, de certa maneira, fez parte desta


Segunda Revolução pode ser estreitado, em maior ou menor grau de acerto,
entre os anos de 1750 e 1860, quando houve um desenvolvimento econômico
permanente e uma concomitante melhora nos padrões da vida humana. Ele
pode ser distinguido por cinco grandes mudanças em relação ao padrão
anterior: 1) houve um boom populacional sem precedentes; 2) houve, também,
uma melhoria inimaginável nos padrões de vida; 3) a agricultura cedeu lugar de
prioridade econômica aos setores industriais e de serviços; 4) realizou-se uma
ampla urbanização no mundo ocidental, o que trouxe consigo um aumento de
especialização, divisão do trabalho e uma série de externalidades correlatas e;
5) a mudança tecnológica contínua virou padrão. (ibidem, pp. 158-159)

Contra afirmações mais populares, North afirma que este período específico
não foi uma quebra, uma ruptura, mas apenas um desenvolvimento
evolucionário de um número de eventos prévios (ibidem, p. 162). O fato de que
a evolução tecnológica não se deu por si mesma nem ex nihilo, mas sim surgiu
num ambiente em que, além de um set de direitos de propriedade, ainda que
com limitações - mas cujo pináculo pode ser absorvido pelos analistas no
sistema de patentes -, ofertava-se agora bens e serviços para um mercado
consumidor muito maior, fato do qual se depreende a inferência da
dependência do avanço técnico a uma demanda substancialmente suprimida
(ibidem, p.165)

Nesta pauta, há uma crítica à tonalidade ideológica (aqui não no sentido livre
de julgamentos, mas usando a palavra em uma acepção depreciativa) no uso
do “laissez-faire” como resposta à ampliação dos mercados e dos resultados
econômicos da revolução industrial. Mercados eficientes, seguindo o padrão
neoclássico, para o autor, são mercados bem regulamentados, com direitos de
propriedade bem compostos – tais mercados são um sinal de uma ação
governamental positiva, e não negativa (ibidem, p. 167). A revolução teve
31

implicações organizacionais importantes, como a estruturação do sistema


fabril, que levou a uma diminuição de custos de transação (ibidem, pp. 168-
169). Os processos econômicos acima explicitados e os processos políticos já
levantados em sua obra anterior culminaram no desenvolvimento de mercados
impessoais, tanto de fatores quanto de produtos, triturando antigas ligações
ideológicas (ibidem, p. 169):

The period that we have come to call the Industrial revolution was not
a radical break from the past (…) it was an evolutionary culmination of
a series of prior events.(…).The technological events of the Industrial
Revolution period were largely independent of developments from
basic science (ibidem, p.162).

Tal avanço, que teria ocorrido somente nos últimos 100 anos antes do
lançamento de seu estudo, no que é finalmente especificado o âmago da
Segunda Revolução Industrial: o casamento entre ciência e técnica é
sacramentado, criando, por conseguinte, uma curva de oferta de novos
conhecimentos elástica. (Ibidem, p. 171)

Três momentos específicos foram apresentados por North como basilares: 1) o


desenvolvimento das disciplinas científicas específicas; 2) a aproximação entre
inventores e cientistas, em termos intelectuais, durante a revolução industrial;
3) o maior desenvolvimento dos direitos de propriedade (ibidem, p. 172). Pelo
lado tecnológico, a era é bem representada pela substituição do trabalho braçal
pelo das máquinas, pela criação de novas fontes de energia, indo dos
desenvolvimentos de Watt até o desenvolvimento do motor de combustão
interna e mesmo a energia nuclear, assim como o “salto qualitativo” encontrado
na transformação físico-química de materiais, devido os desenvolvimentos
científicos (ibidem, p. 174).

O movimento do processo de economizing, entretanto, não foi nem unívoco


nem livre de complexidades. Se, por um lado, o intensivo investimento em
capital fixo trouxe um grande ganho de escala, especialização e diversificação,
há um custo de transação incluso em cada uma dessas trocas. A revolução
gerencial, ocorrida inicialmente nos EUA, foi posta em prática para extrair a
maior proporção possível de ganhos tecnológicos e reduzir tais custos de
transação (ibidem, pp. 175- 176).
32

A burocratização também surgia como um novo problema, assim como uma


série de comportamentos oportunistas presentes em todas as partes
interessadas (ibidem, p. 178). Outro preço de tal paradigma de transformações
profundas foi a instabilidade política permanente, aliada à interdependência
econômica (ibidem., p 179):

The consequence of occupational specialization and division of labor


were the breakdown of communication and personal ties that formed
the fabric of consensus ideology, and to produce diverse ideologies
built upon the new and conflicting perceptions of reality that emerged
from the environment (…). Alienation activated groups to participate in
control of the state to alter their terms of exchange. (ibidem, p. 183)

A erosão de uma série de modelos entendidos como propulsores da dinâmica


econômica, como o padrão ouro e os mercados impessoais de trabalho e terra,
sucumbindo pela influência das contradições políticas exemplifica a sanha
redistributiva assinalada acima (ibidem, p. 185).

Exemplos muito claros do padrão delimitado por North podem ser encontrados
no desenvolvimento político e econômico dos EUA, em que a ampliação do raio
de ação estatal se deu tanto em termos percentuais quanto um aumento da
representação de diversos interesses. Um pluralismo político estendido, assim
como a alteração das estruturas e limitações regulatórias sobre
empreendimentos econômicos, inclusive a alteração dos focos destas
limitações, mostraram-se patentes (ibidem, p. 187). Já em 1914, apesar de até
então a razão do tamanho estatal em termos percentuais do PNB estar ainda
controlada, o sistema madisoniano de pesos e contrapesos - o desenho levado
a cabo com base nos argumentos dos Federalist Papers - já tinha sofrido
mudanças primárias que levariam à sua subversão (ibidem, p.193). Tais
mudanças ocorreram tanto pela via judicial quanto pela via política – por meio
da hipertrofia dos grupos de pressão (ibidem, p. 196). Uma descentralização da
tomada de decisão do centro político para órgãos comissionados foi levada a
cabo.

A caracterização histórica da época, de um lado com a figura dos robber


barons, e de outro com o jocoso chiste da “mão visível” que empurrava a
33

economia são, em suma, fatores que se espelham em sintomas da Segunda


Revolução Econômica (ibidem, p.196):

What is clear is that the ideological convictions form the farmers and
the Progressive movement led to actions which were used by interest
groups in altering the system. The clearest reflection of ideological
transformation was the evolving attitude of the judiciary. The gradual
transformation of the attitude of the Supreme Court was a long
process, from Chief Justice Waite´s position on the Munn case to the
conflict between Justice Field and Justice Holmes, to the case of
Nebbia vs. New York (1934), where the court declared “there is no
closed case or category of business affected with the public
interest…” The ideological transformation was still in process by 1914,
but it would be established definitely in the 1930´s (ibidem, p. 198).

Redarguindo, em retrospectiva, North explicita que, o termo estrutura, que


perpassa de maneira contumaz todo o livro, é nada mais nada menos que o
arcabouço modelar das instituições, enquanto filtros entre indivíduos, estoques
de capital e a oferta de bens e serviços (ibidem, p. 201). A definição de
instituições é mais formal, já que ela é delimitada por regras, procedimentos e
códigos éticos e morais que restringem a ação maximizadora, que se vê, ao
olhar para as esferas políticas, na apropriação dos ganhos obtidos com
especialização (Ibidem, p. 202) – o que indica que há um pressuposto
hobbesiano3 de que, na falta destas limitações sociais, haveria guerra de todos
contra todos (ibidem, p. 203).

As fontes, principalmente da cultura moral, seriam de caráter construtivista,


ideológico. Regras constitucionais em coligação às correntes ético-morais
suscitam a estabilidade das instituições, que evoluem e são modificadas, em
condições naturais, apenas de maneira incremental, marginal (ibidem, p.205).
Os sistemas político-econômicos são, pois, entendidos como mecanismos de
maximização para os governantes, e se desenvolvem objetivando a
determinação de padrões de distribuição de renda e de defesa frente a estados
concorrentes – duas características fortemente influenciadas pelo nível da

3
Termo que remete, no caso, à visão negativa de Thomas Hobbes, filósofo que teorizou sobre
a instauração do estado por meio de um contrato social, sobre o comportamento humano face
à ausência de limitações no estado de natureza pré-estatal. Para duas leituras divergentes,
mas muito iluminadoras, sobre o pensador inglês, vide Strauss (1952) e Oakeshott (1972).
34

tecnologia militar -, assim como a fundação de sistemas de cooperação com


vistas à redução dos custos de transação (ibidem, pp. 205-206). A inter-relação
entre o estoque tecnológico (determinando ganhos de especialização) e custos
de formas alternativas de organização (inclusos custos de mensuração e
enforcement) influencia a estrutura dos mercados de fatores. (ibidem, pp. 206-
207)

The degree to which the state will implement the development of land
and labor markets will depend on the two constraints specified above.
Such development might, for example, increase potential strife, as in
the case of enclosures in Tudor England, and hence threaten a ruler´s
security (ibidem, p 207).

O fator temporal é uma fonte de desestabilização clara. Mudanças no estoque


de capital, alterando preços relativos e tecnologia militar, por exemplo, criam
uma nova divisão de poder político em termos relativos. A ampliação do
estoque de conhecimento, além de alterar os preços relativos, acaba criando
mudanças permanentes, acíclicas, no horizonte histórico (ibidem, p. 208). A
percepção individual destas mudanças, por sua vez, suscita inovações
ideológicas.

Pode-se resumir a tese de North nas seguintes afirmações: 1) A Primeira


Revolução Econômica, ao criar as entidades estatais e as limitações políticas
que permitiram o surgimento das ordenações econômicas, levou a cabo a
instauração da agricultura como força motriz do desenvolvimento, impulsionada
pelas formas primitivas de direito de propriedade; 2) Experiências distintas,
com base na localização geográfica, criaram diferentes ideologias e culturas, e
esta diversidade insuflou um comportamento conflituoso entre estados e dentro
de estados por alterações na distribuição de riquezas; 3) A ampliação do
estoque de conhecimento abriu os portões do século XX ocidental para um
avanço inimaginável nos padrões de vida, entretanto novos conflitos
ideológicos surgiram tanto da especialização empregatícia quanto de
diferenças experienciais geográficas. A estrutura política criada no noroeste
europeu após a dissolução feudal, em especial os exemplos da Inglaterra e dos
Países Baixos, foi exemplar na disseminação de um ingrediente basilar para tal
avanço: os direitos de propriedade (ibidem, p. 209)
35

The on-going tension between the gains of specialization and the


costs arising from specialization not only is the basic source of
structure and change in economic history but it is at the heart of the
modern problems of political and economic performance (ibidem, p.
209).

1.3 – Cristalização da teoria em termos econômicos, mudança de foco em


termos políticos

Até agora, o leitor pôde vislumbrar uma nova forma de interpretar casos
históricos, um desenvolvimento ao mesmo tempo profundo em termos
conceituais, com resultados interessantes em aplicações práticas, e com ampla
possibilidade de testes de hipóteses antes não imagináveis. Entretanto, a
análise do laureado com o prêmio Nobel em economia havia passado de uma
explicação histórica baseada em custos de transação para um desenho
hipotético dependente de uma explicação política para mudanças estruturais.

Ao incluir a path dependence como uma explicação plausível, mesmo


suscitando uma série de questões laterais, North (1991) acaba por dar um dos
últimos toques em seu trabalho, em especial em sua parcela mais relegada à
teoria econômica. As alterações institucionais, ao contrário do que suas
explicações históricas anteriores poderiam sugerir indiretamente – sejam elas
delimitadas para o caso americano, para o desenvolvimento moderno das
nações do noroeste europeu ou até mesmo na visão mais ampla das duas
revoluções econômicas – não são necessárias.

Na verdade, a persistência de modelos transacionais primitivos, como os


mercados de bazar, no norte da África e no Oriente Médio, os Suq – nos quais
há altíssimos custos de mensuração, relações clientelísticas e barganha pela
margem, uma situação na qual a informação cria o vencedor em uma
transação – ou os antigos exemplos dos mercadores de caravanas no
Marrocos – onde a zettata, uma espécie de mix de propina com tributo envolto
por conotações espirituais e culturais – impele o analista a entender que em
36

sistemas tribais há a ausência de pressupostos necessários para o


desenvolvimento de direitos de propriedade. (NORTH, 1991, p. 103-104)

Se os padrões econômicos europeus evolutivos puderam, entre os séculos XI


e XVI, por meio de organizações cada vez mais complexas, inovar em termos
de aumento de mobilidade do capital através da diminuição de custos de
informação e pela transmutação da incerteza em risco atuarialmente
mensuráveis - seja por meios de contornar das Leis de Usura, pela criação de
bills of Exchange -, (Ibidem, p. 105-108), isto só se deu por uma relação
especificamente interdependente entre as instituições básicas, estruturas
organizacionais e mudança institucional (conforme expresso em trabalhos
anteriores) e a path dependence presente na natureza das mudanças
econômicas (Ibidem, p. 108). A evolução institucional depende, pois, da
expansão de entidades voluntárias com finalidades comerciais, de um lado, e,
do outro, do desenvolvimento estatal. (ibidem. p. 109)

Path dependence is more than the incremental process of institutional


evolution in which yesterday´s institutional framework provides the
opportunity set for today´s organizations and individual entrepreneurs
(political or economic). The institutional matrix consists of an
interdependent web of institutions and consequent political and
economic organizations that are characterized by massive increasing
returns. That is, the organizations owe their existence to the
opportunities provided by the institutional framework. Network
externalities arise because of the initial setup costs (…), the learning
effects described above, coordination effects via contracts with other
organization, and adaptive expectations arising from the prevalence of
contracting based on the existing institutions. (Ibidem, p. 109)

Em outras palavras, apesar do rumo de um determinado país ou de uma


determinada região depender de sua organização prévia, de suas escolhas
institucionais anteriores – que, primordialmente, funcionam como um sistema
de autopreservação, portanto de caráter conservador e que se permite
modificar apenas na margem, segundo sua natureza -, seria falso supor que
inexiste a possibilidade de mudança. Por óbvio, tais apreensões da realidade
política e econômica estão preenchidas de sentido e de insights para a
aplicação no desenho de políticas públicas para o desenvolvimento. North
37

(1992) se preocupa, especialmente, com conexão implícita entre melhoria de


desempenho econômica e mudança institucional.

Dada a existência de escassez e de interação entre agentes organizacionais e


instituições, a competição, que impele as organizações a investirem em
conhecimento, num ambiente culturalmente determinado, emerge como fator
primordial da mudança (NORTH, 1992, p. 15). Da análise que, antes, era
meramente ideológica, surge um desenvolvimento mais complexo dos
pressupostos mentais individuais, que agora incluem até modelos científicos
discrepantes (ibidem, p. 17) e ideologias “estereotipadas”. Há, então, uma
subdivisão dos modelos mentais – o novo construto teórico que abarca tanto
visões científicas quanto não-científicas pelas quais os participantes do
mercado de ideias leem o mundo – como dependentes parcialmente de : 1)
uma cultura; 2) da experiência prática; e 3) do que se ensina (ibidem, p. 18).

Se North percebe como factual a tendência à mudança incremental das


instituições ser barrada por organizações burocráticas bem instituídas (ibidem,
p 27), sugerindo a alteração radical de suas estruturas como uma resposta
prática concomitante, tal mudança revolucionária, que ocorre apenas quando
há uma paralização do processo político normal, sem um acordo de pares,
tende a não ser tão forte (ibidem, p. 13):

Inconsistency between the formal rules and the informal constraints


(which may be the result of a deep-seated cultural inheritance,
because they have traditionally resolved basic exchange problems)
results in tensions that are typically resolved by some restructuring of
the overall constrains – to produce a new equilibrium that is far less
revolutionary than the rhetoric. (Ibidem, p. 13).

Sabendo, portanto, que organizações e instituições efetivas podem cortar os


custos de transação, amplificando os ganhos potenciais das atividades
econômicas, depreende-se que: 1) como a divergência de visões científicas
sempre será amplificada pelas partes antagônicas nos discursos políticos,
organizações devem investir em pesquisa e também disseminar seus
resultados, o que aumenta a assertividade a respeito de custos e benefícios
ligados às diferentes alternativas de políticas públicas; 2) há um problema tanto
ligado à reestruturação institucional quanto à compensação dos agentes
38

perdedores, que, se não forem consolados, podem, por meio da oposição


política, impedir a instauração plena das novas políticas e, last not least; 3)
Entidades privadas evoluem, naturalmente, frente às oportunidades lucrativas
suscitadas por incentivos derivados dos arranjos institucionais, inclusive
recursos do tipo common pool, entretanto, se os benefícios forem puramente
sociais, estes devem ser bem conhecidos para que o governo tome a iniciativa
(ibidem, p. 29-30).

Houve, entretanto, pari passu com uma série de estudos históricos individuais,
uma guinada cada vez mais definitiva em direção às preocupações
concernentes à política. Se, antes, a preocupação de North girava sempre em
torno de suposições econômicas e transformações econômicas, em seu
trabalho em parceria com Weingast e Wallis (2009), é levantada a questão até
então sutilmente suprimida por entre os modelos suscitados: como de fato
surgem as mudanças estatais em termos institucionais?

A nova taxonomia política separa dois tipos estatais genéricos, as Open


Access Orders – caracterizadas por desenvolvimento político econômico,
pouca experiência com crescimentos negativos, sociedades civis plurais, um
governo tanto maior quanto mais descentralizado e relações sociais impessoais
e de caráter legalista – (NORTH, WALLIS, WEINGAST, 2009, p. 11) e as
Limited Access Orders, ou Estados Naturais – economias vagarosas e
vulneráveis a choques, governos sem consentimento, número reduzido de
organizações, um governo menor e mais centralizado e nas quais preponderam
as relações sociais pessoais (Ibidem, p. 12). A criação de renda, no modelo de
Limited Access, funciona como uma barreira à violência, originada pelos
acordos entre as elites (ibidem, p. 21). A Ordem de Acesso Aberto está
correlacionada com a abertura política, sendo esta biunívoca com a abertura
econômica, num cenário de ampla variedade organizacional e destruição
criativa (ibidem, pp. 24-25).

Estes Estados Naturais são estáveis, mas a alteração das coalisões


dominantes, assim como a limitação das decisões destas, geram problemas
por assim dizer gerenciais. Eles podem, portanto, ser: frágeis, quando
inexistem quaisquer organizações além do estado; básicos, nos quais as
39

únicas organizações existentes são dependentes do estado; e maduros,


quando há uma série de organizações elitistas fora do controle estatal.

Resta, pois, a delimitação das condições para a travessia de um tipo estatal


para outro. São elas: 1) império da lei para elites; 2) organizações públicas e
privadas, elitistas, mas de duração perpétua e; 3) controle consolidado do
exército pelas forças políticas (ibidem, p. 26). As crenças, no modelo
apresentado, são tratadas de modo amplo, pouco rigoroso (ibidem, p. 29), não
obstante, diferentemente da visão anterior de North sobre ideologia, elas têm
uma relação mais direta com a ação humana:

Most belief systems, religious or otherwise, involve ideas about the


structure of organizations, institutions, and human interactions. Beliefs
not only shape individual choices but they also shape organizations
and institutions. (…) the practice of Christianity affected the
development of organizations and institutions within European society.
(ibidem, p. 39)

Os Estados Naturais se deparam com problemas relativos ao tamanho, por um


lado, das coalizões e como estas eram afetadas por fatores externos, e, por
outro, por conta das dimensões geográficas (Ibidem, p. 40). O crescimento
social, com a concomitante especialização, gera problemas outros, já que
suscita a abertura econômico-política (ibidem, p. 41).

Se os Estados Naturais frágeis sofrem com instituições simples, com a


incapacidade de comprometimento estratégico intra elites, com a violência à
espreita (ibidem. P 42), os Estados Naturais básicos, que daqueles evoluem
gradualmente, já convivem com uma lei pública delimitada, com estruturas
mais duráveis, com soluções padronizadas para os diversos problemas
políticos, como, por exemplo, sucessão de lideranças e determinação de
impostos (ibidem, p. 43). A grande evolução em direção ao Estado Natural
maduro toma corpo com o nascimento das organizações de sobrevida
perpétua, assim como a estrutura institucional durável que suporta
organizações elitistas fora do âmbito estatal (ibidem, p. 47). Tal processo, no fio
da meada, é de caráter institucional, sendo que o Estado maduro é o que
adquire primeiramente as características que a teoria sociológica entenderia
40

como sendo tipicamente weberianas, com o controle monopolístico do exército


por parte do governo (ibidem, p. 73).

Já nas Ordens de Acesso Abertas há um sistema de pesos e contrapesos,


suscitados por uma crença geral dos cidadãos na ideia de igualdade e
inclusão: a competição política ocorre por meio de partidos institucionalizados e
eleições, e, por fim, há uma série de limitações aos desígnios de limitação de
acesso ou criação de rendas por parte de um partido temporariamente
dominante, como, por exemplo, a mobilidade de capital (ibidem, p. 111). Há,
logo, uma independência entre a política e a economia, já que os agentes
econômicos dependem apenas das instituições apolíticas para a sua
manutenção legal; existe, também, uma ampliação do governo, em especial ao
oferecer bens públicos complementares aos bens ofertados pelos mercados
(ibidem, p.112). North, Wallis e Weingast enumeram, pois, cinco características
indispensáveis a um estado do tipo:

1. A widely held set of beliefs about the inclusion of and equality for all
citizens.
2. Entry into economic, political, religious, and educational activities
without restraints.
3. Support for organizational forms in each activity that is open to all
(for example, contract enforcement).
4. Rule of Law enforced impartially for all citizens.
5. Impersonal exchange” (Ibidem, p. 114)

A existência da destruição criativa schumpeteriana provocada pelo modelo


aberto tem influência direta sobre a esfera política. A mudança de interesses
econômicos é canalizada para a política por meio de empreendedores políticos,
que, por influência da pressão da inovação, propagam novos programas ideias
tendo por objetivo o sucesso eleitoral (ibidem, p. 116). O panorama diverso e
variado de interesses gera, também, uma forte sociedade civil organizada, que
funciona como um anteparo contra ameaças governamentais à própria
característica de abertura da ordem em questão (ibidem, p. 117). A já citada
hipertrofia estatal, por sua vez, advém da inclusão de diversos interesses sob o
guarda-chuva da cidadania, do caráter impessoal do regime, assim como da
necessidade de uma estrutura institucional mais articulada do que a existente
nos estados naturais (ibidem, p. 123).
41

Existe um ciclo vicioso de competição política e econômica que impele a


oposição a avançar contra governos que não apresentam resultados (Ibidem,
p133). Apesar de uma relação superficial entre democracia e eleições,
instituições agem de maneira distinta, entre sociedades de acesso livre e
Estados Naturais, já que há a criação de barreiras por conta da ausência dos
elos intermediários, ou seja: as famigeradas entidades da sociedade civil
organizada são fator imprescindível para a manutenção de uma ordem aberta
(ibidem, p. 137). A independência entre o mundo político e o econômico é o
que cria uma eficiência adaptativa do modelo (ibidem, p.147).

Resta, entretanto, a pergunta sobre como ocorre a transição institucional de


um ambiente de pessoalidade para um de impessoalidade. Há alguns
anteparos lógicos, como a necessidade dos comportamentos institucional e
organizacional, no momento inicial da transição serem compatíveis com o
esperado num Estado Natural, ou seja, as mudanças devem ser consistentes
com os interesses da coalizão dominante e deve ocorrer historicamente passo-
a-passo, de maneira incremental (ibidem, p. 150). Não obstante, há três
pressupostos, que os autores chamam de doorstep conditions, bem definidos,
a saber, o império da lei para as elites; organizações de sobrevida perpétua,
tanto no âmbito privado quanto público e; controle consolidado sobre as forças
armadas (ibidem, p. 151)

Combined, the three doorstep conditions create the possibility of


impersonal relationships within the elite, even though that was not
necessarily the result elites intended. (ibidem, p. 154)

As primeiras sociedades que atingiram os pressupostos acima delimitados


foram os EUA, o Reino Unido, os Países Baixos e a França, nas quais houve
uma restrição dos líderes das organizações estatais (ibidem, p. 166). As
condições citadas, entretanto, são necessárias, mas não são suficientes, e a
transição pode falhar (ibidem, p. 189).

Apesar de ressaltarem a importância de aspectos culturais, intelectuais,


tecnológico-militares, climáticos, demográficos e econômicos (ibidem, p. 248), o
aspecto institucional, contextualmente interpretado, é o que explica a transição.
A criação das Ordens de Acesso Aberto resume-se, pois, à limitação legal, em
42

cooperação com as doorstep conditions, das capacidades estatais arbitrárias.


(ibidem, p. 250)

1.4 - Uma leitura teórica mais estrita e mais popular

Se, até aqui, os textos citados e os autores estudados estavam limitados a um


universo mais especializado, técnico e, mesmo assim, com uma característica
bastante moderada, incorporando ou ao menos não tirando a importância de
fatores externos aos modelos propostos, passaremos agora à análise do último
grande modelo institucionalista deste trabalho, apresentando características
distintas e mais fechadas. Acemoglu e Robinson, com a sua análise
comparativa sobre as causas do desenvolvimento socioeconômico, surgiram
com o best seller Por Que as Nações Fracassam em 2012, remodelando os
termos do debate econômico ao lado de uma série de outros autores menos
preocupados com as questões macroeconômicas tradicionais do que ou com a
desigualdade econômica e com a questão da influência das instituições sobre
os avanços econômicos.

Acemoglu e Robinson (2012) elencam um número de argumentos a respeito


do desenvolvimento econômico ou de sua ausência – a saber, as hipóteses
geográficas, culturais e sobre a ignorância dos gestores político-econômicos –
e, capitulo após capítulo, num interessante mix de história, política, economia
comparada e teoria social cujas bases não ofendem ideólogos suaves de
nenhum dos lados do espectro político moderno, oferecem a sua versão
atualizada da hipótese novo-institucionalista como resposta ao consagrado
agregado de perguntas a respeito do crescimento econômico: como e porque
ele ocorre?

Superficialmente, pode-se resumir o argumento da seguinte maneira: as


sociedades funcionam com um determinado número de regras econômicas e
políticas aplicadas por um ente estatal, e os processos políticos antecedem as
instituições econômicas, e, portanto, as definem, num jogo em que grupos
atuam coletivamente em benefício próprio e em malefício de seus concorrentes
43

(ACEMOGLU e ROBINSON, 2012, p. 32). A grande inovação apresentada


pelos estudiosos encontra-se na definição de instituições econômicas
extrativistas e inclusivas, por um lado, e instituições políticas extrativistas e
inclusivas por outro.

A quem leu o presente ensaio até agora, as correlações parecerão óbvias.


Instituições econômicas são as que formam os incentivos econômicos (ibidem,
p.32), e são inclusivas quando estimulam a participação positiva das massas
em atividades economicamente maximizadoras, dando liberdade de escolha
tanto de compra quanto de opção por profissões aos indivíduos, inclusive por
meio de propriedade privada, de um judiciário imparcial e de um número de
serviços públicos que permeiem a sociedade de maneira igualitária (ibidem, pp.
58-59), enquanto as extrativistas são suas opostas, tendo por fim a extração de
renda de uma parte da sociedade em benefício de outra (ibidem, p. 60). As
instituições políticas são o poder e a capacidade estatal de regular e governar
uma determinada sociedade, inclusive pensando nos fatores que versam sobre
a distribuição deste poder pela sociedade (ibidem, p. 32).

Se a distribuição deste poder for restrita a um grupo pequeno, tem-se


instituições absolutistas, se for ampla, tem-se instituições pluralistas. Há, no
primeiro caso, uma conexão com as práticas extrativistas e, no segundo, com
instituições inclusivas. Há um jogo entre estas duas formas institucionais e a
centralização do poder. Sociedades pluralistas sem centralização despencam
para o exemplo anárquico somali. Instituições políticas inclusivas, por definição,
dependem desta centralização de poder (ibidem, p. 63). Apesar de Instituições
políticas extrativistas tenderem à estagnação, o crescimento econômico pode
ocorrer em dois casos: i- quando elites alocam recursos para atividades de alta
produtividade sob o próprio controle (ibidem, p. 72) ou; ii – quando a elite
permite a existência de instituições econômicas moderadamente inclusivas
(ibidem, pp. 72-73). De qualquer forma, o desenvolvimento obtido por meios
extrativistas ou atinge um limite superior ou as instituições permitem alguma
abertura que libera, ainda que em pequeno grau, alguma destruição criativa
(ibidem, 74).
44

A distribuição e a capacidade de exercer o poder acabarão, em última


instância, solapando as próprias fundações da prosperidade
econômica, a menos que as instituições políticas se convertam de
extrativistas em inclusivas. (Ibidem, p.75).

O conflito político, tendo em mente instituições pluralistas, por meio de um


feedback positivo, pode aumentar a probabilidade da persistência institucional
e mesmo sua expansão. A lógica institucional pluralista suscita uma maior
dificuldade para a usurpação e canalização do poder, algo exemplificado pelo
avanço da lei eleitoral no exemplo Inglês, sob o império da lei. Outro
mecanismo gira em torno da influência institucional econômica inclusiva, que
tende a limitar e destruir outras instituições extrativistas, como foi o caso da
escravidão e da servidão em meio ao avanço econômico europeu no séc. XVIII
e XIX (ibidem, pp. 258-259).

Por outro lado, o ciclo vicioso também se dá por duas vias. Instituições
políticas extrativistas determinam as instituições econômicas extrativistas
enquanto as últimas enriquecem as elites que ampliam sua força política. Por
outro, e de modo mais complexo, através da Lei de Ferro das Oligarquias,
conforme idealizada pelo sociólogo Robert Michels, há uma troca da coalizão
que lidera politicamente por meio de uma derrubada de regime, mas, como não
há limitação do poder discricionário pelas instituições, há um duplo incentivo
para a manutenção da qualidade extrativista das instituições. (ibidem, pp. 283-
284)

Apesar da existência tanto de círculos viciosos advindos das inter-relações


elitistas entre instituições políticas extrativistas e instituições econômicas
extrativistas quanto de virtuosos atrelados à interação dialética das instituições
econômicas inclusivas e das instituições políticas inclusivas, eventos históricos
de caráter ímpar funcionam como catalizadores de mudanças institucionais.
Tais circunstâncias críticas, como a peste negra, as novas rotas comerciais
atlânticas e mesmo o desenvolvimento da industrialização foram importantes
historicamente, numa visão não-determinista, para o desenvolvimento
econômico, servindo como fator de monta no modelo dos autores (ibidem, p.
333). Grosso modo, caso os leitores estejam mais atentos para as sutilezas
45

acima delimitas, fica mais claro o excerto que se encontra em um local no início
do livro:

Não é necessário que uma sociedade desenvolva ou adote as


instituições que são melhores para o crescimento econômico ou o
bem-estar de seus cidadãos porque outras instituições podem ser
ainda melhores para aqueles que detêm o controle da política e das
instituições políticas. (Ibidem, p. 33).

Talvez, para além das características estilísticas e informativas que


impulsionaram o texto para a categoria de must read para economistas,
administradores e interessados em política em geral, o caráter mais
transgressor da obra se encontra na aberta negação de hipóteses que, nas
análises dos teóricos anteriormente estudados, poderiam ser, no mínimo,
aceitas como, ao menos, confluentes, a saber: as hipóteses geográfica e
cultural. Duas análises problemáticas, encontradas enquanto o livro se dirige
ao seu encerramento, colocam a tese institucionalista tal qual Acemoglu e
Robinson imaginam em cheque.

Em primeiro lugar, a correlação entre democracia e crescimento econômico e


renda, conforme inicialmente apresentada por Acemoglu, Johnson, Robinson e
Yared (2008), que serve como forte backbone intelectual para a tese do livro se
choca com a questão chinesa. Acemoglu e Robinson (2012) afirmaram, então,
que o crescimento chinês prosseguiria por algum tempo, mas não seria
sustentado por conta das instituições extrativistas. Cabe julgar se 7 anos de
manutenção de crescimento sem democracia é tempo suficiente para invalidar
a leitura política dos estudiosos. Se não invalida totalmente, ao menos levanta
fortes dúvidas.

Em segundo lugar, surge um problema metodológico do uso do arcabouço


teórico de Acemoglu e Robinson como lente preditiva ou julgadora de eventos
atuais e suas subsequentes influências na economia real. Ao tratar do Brasil
pós-redemocratização, os autores fazem tanto loas ao dito “orçamento
participativo” gestado pelo Partido dos Trabalhadores como um “modelo
internacional de prestação de contas” (Ibidem, p.353) e o avanço ocorrido,
tanto nas administrações tucanas quanto petistas como um desenvolvimento
com base popular em direção a “instituições políticas inclusivas” (ibidem,
46

p.355). Pouco tempo depois, Acemoglu, em entrevista à Exame, foi obrigado a


abaixar o tom de suas falas e dizer que ele e Robinson haviam sido
excessivamente otimistas sobre o Brasil (RODRIGUES, 2016). Rosenfield
(2013) delimita muito bem a “evolução” do orçamento participativo, tanto em
termos midiáticos globais quanto em termos de o quanto ele foi absorvido pela
burocracia do Partido dos Trabalhadores, mostrando também como o partido
de Lula se aproximava de ideias e atores autoritários e criminosos.

Em última análise, sem um conhecimento mais próximo das realidades


subjacentes às instituições, sejam elas de caráter verdadeiramente cultural,
sejam elas anedotas sobre o dia-a-dia da política de baixo nível, o tiro analítico
pode sair bem longe do alvo, podendo até mesmo sair pela culatra. Além disso,
a polêmica visão negativa sobre a influência cultural no desenvolvimento, algo
que, se não é central no novo-institucionalismo anterior, ao menos é levado em
conta, apenas traz mais dificuldades para uma aceitação ampla e científica do
texto. O caráter polêmico, que poderia muito bem apimentar a obra, acaba
exagerando questões menos importantes e tirando o foco de algumas das
intuições mais interessantes da NEI.

1.5 - Conclusão

No capítulo que aqui se encerra foi realizada uma análise sobre os principais
argumentos da NEI no debate econômico que tem por cerne as fontes do
desenvolvimento econômico, partindo de Douglass North e seus colaboradores
até os populares escritos de Acemoglu e Robinson.

North e Thomas (1973) inovaram a história econômica através da utilização do


cabedal teórico da economia de custos de transação, chegando à conclusão de
que a grande divergência econômica europeia ocorreu não por conta da
industrialização, mas sim pela criação e enforcement de direitos de
propriedade.
47

Já North (1982) tanto ampliou a abrangência histórica de sua pesquisa quanto


agregou novos pressupostos teóricos à sua análise: por meio da economia
clássica, neoclássica e da economia de custos de transação, acrescidas de
uma teoria do estado neoclássico e de uma teoria sobre a ideologia muito afim
à de Karl Marx, North delimita dois pontos de inflexão da história econômica, a
Primeira Revolução Econômica – que trocou a caça pela plantação como ação
econômica primordial da humanidade, associada à criação dos primeiros
exemplos de entes estatais – e a segunda Revolução Econômica – na qual,
após a grande divergência estudada por North e Thomas em 1973, ciência,
direitos de propriedade e formas sociais mais democráticas abraçaram a
destruição criativa e as armadilhas malthusianas foram, por fim, solapadas,
apesar de a sociedade ser mais instável, ao ser influenciada por mudanças
políticas e estruturais advindas de questões ideológicas e da alteração de
preços relativos.

A path dependence é agregada ao pool de recursos intelectuais na análise do


desenvolvimento institucional por North (1991) enquanto ocorre uma maior
granularidade na definição mesma do vocábulo “instituição”. Um novo olhar é
lançado para a questão ideológica, afastando North (1992) da sua anterior
proximidade com a visão marxista do conceito de “ideologia”. North, Wallis e
Weingast (2009) seguem, pois, o caminho em direção à teoria política,
distanciando-se cada vez mais da teoria econômica, oferecendo uma nova
taxonomia para o fenômeno estatal, delimitando concomitantemente sua
correlação com o desenvolvimento socioeconômico. Estados Naturais se
aproximam daqueles descritos entre a Primeira e Segunda Revolução
Econômica, e evoluem, passo a passo, dos estados fracos – quase anárquicos
– básicos e, por fim, maduros – já com quase todas as características
necessárias para a evolução para Ordens de Acesso Livre. Ordens de Acesso
Livre, por sua vez, são os estados modernos bem desenvolvidos, ofertando
tanto democracia formal quanto estado de bem-estar social numa economia
relativamente livre.

Se todos os estudos supracitados são textos estritamente acadêmicos e, em


maior ou menor grau, não fazem uso de possibilidades teóricas concorrentes
da NEI, como as que versam sobre a influência cultural no arranjo econômico
48

das nações, Acemoglu e Robinson (2012) tanto popularizaram as teses da NEI


quanto estreitaram as hipóteses aceitas a respeito do desenvolvimento político
e econômico. Num texto abertamente polêmico, os autores apresentam os
conceitos de instituições políticas extrativistas e pluralistas assim como de
instituições econômicas inclusivas e extrativistas, facilmente relacionáveis com
o modelo de North, Wallis e Weingast (2009). As instituições pluralistas
engendram um ciclo virtuoso, enquanto as extrativistas um ciclo vicioso, levado
a cabo, entre outras coisas, pela chamada Lei de Ferro das Oligarquias. O
desenvolvimento econômico sob o jugo de instituições extrativistas, entretanto,
ou é temporalmente limitado ou as instituições extrativistas se abrem, mesmo
que de maneira sutil, à presença de traços institucionais pluralistas. As teses
dos autores, entretanto, encontram dois problemas: a persistência do
desenvolvimento econômico da China comunista e a falha, já aceita
publicamente, de análises acerca do desenvolvimento institucional brasileiro
pós-redemocratização.

Ao longo do texto, foram encontrados tanto pontos positivos, como a abertura


para teses que, a rigor, advém de ideologias díspares, quanto “escotomas
teóricos” importantes. A absorção de uma sociologia do conhecimento
socioconstrutivista, a aceitação de uma teoria da mudança política que deixa
de levar em conta desenvolvimentos sobre a atuação de intelectuais no
ambiente político como agentes mais ativos que a alteração de preços-relativos
na mudança política nos trabalhos de North e seus diversos coautores, assim
como a hubris excessiva na aceitação da veracidade da tese institucionalista,
desconsiderando importantes desenvolvimentos sobre a influência cultural na
política e na economia – aceitos, aliás, direta ou indiretamente por autores da
NEI, como já apresentado em vários textos de North e por Williamson (2000) –
podem levar, em última instância, aos problemas de análise de Acemoglu e
Robinson (2012).

A separação das teorias institucionais, de um lado, das práticas políticas mais


“pé-no-chão”, estudadas e aplicadas, por exemplo, por intelectuais socialistas,
e de outro dos aspectos culturais que, segundo uma série de pensadores
importantes, nutrem o próprio desenvolvimento social e econômico, coloca as
análises institucionais numa posição por demais abstratista. Deste
49

distanciamento da realidade, é hipertrofiada a situação política como uma


explicação importante, mas esta situação política subsiste alheia tanto à ação
estratégica de entes partidários quanto da cultura que engloba, no mundo
prático, as esferas privadas e públicas de ação4.

4
“Nothing is real in the political life of the nation that would not already be present in its
literature as spirit, nothing in this vital, dreamless literature that did not realize itself in the life of
the nation”(HOFMANNSTHAL, 2011, p.159).
50

2 - Fontes Culturais do Desenvolvimento Econômico

Mesmo que as bases habituais do pensamento econômico tenham sido


respeitadas na tradição neoclássica, o desenvolvimento da ciência econômica
em bases matemáticas ou em uma visão mais axiomática, entretanto, num
primeiro momento, pôs a perder a antiga qualidade humanística do estudo das
relações humanas. Se Adam Smith era um filósofo moralista antes de ser
economista (HIMMELFARB, 2012), a ciência posterior relegou as bases éticas
a um segundo plano, aceitando os pressupostos utilitaristas de braços abertos.

No debate da época, entretanto, a explicação mais abrangente sobre o


comportamento humano e cultura diante das relações econômicas era
proveniente da teoria marxista da ideologia, que chegou a ser absorvido
inclusive em propostas teóricas liberais como a do próprio Douglass North –
tema já tratado no capítulo anterior. Uma corrente explicativa distinta,
entretanto, tomou corpo, julgando que a cultura importa, tanto pelo viés das
decisões dos consumidores e produtores quanto através de sua influência na
criação de instituições (VRIES, 2001). É justo dizer que tal abordagem surgiu
com o ímpeto inicial de Max Weber contra a explicação materialista de Marx,
em seu empreendimento inacabado que teve, como centro, o estudo das éticas
religiosas mundiais e suas relações com o ambiente socioeconômico e cujo
subproduto mais famoso foi o ensaio A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo.

Seguindo a intuição inicial de Weber, diversos estudiosos e análises se


debruçaram sobre o problema cultural. O presente capítulo tem por objetivo
recontar, ainda que de maneira limitada, segundo um recorte de fontes, a
história e as teorias dos principais pensadores que defenderam, seja pelo viés
sociológico, etnográfico ou pela Escola de Chicago de economia, que a cultura
seria uma variável preponderante na equação do desenvolvimento econômico.

2.1 - O giro copernicano de Max Weber


51

Educado numa Alemanha com um clima intelectual dominado, por um lado,


pelo marxismo e, por outro, pelo kantismo com sua tradicional dualidade
fenômeno-espírito – fenômenos naturais por um lado e, por outro, as questões
humanas dependentes de valores –, o esforço da obra sociológica de Max
Weber foi direcionado para uma aproximação entre as ciências naturais e as
ciências do espírito, ainda que sublinhando suas diferenças (TIMASHEFF,
1965, p. 224).

Segundo o sociólogo Nicholas Timasheff (1965, p.226), o interesse de Weber


pela hipótese marxista de que o protestantismo teria sido um subproduto do
desenvolvimento capitalista datava de sua juventude. A hipótese alternativa, de
que o ethos puritano, devidamente dessacralizado, era em si a fonte cultural do
desenvolvimento do capitalismo moderno, é desenvolvida no estudo mais
famoso do autor alemão, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.
Weber buscava uma ciência social liberada dos valores (ibidem, p. 224),
relativista e idealmente neutra5.

Neste texto seminal em que ocorre, por assim dizer, uma importante revolução
para a ciência do desenvolvimento cultural e social, Weber (2013), num
primeiro momento, delimita bem o foco de sua atenção. O capitalismo industrial
moderno, racional e impessoal - diferente dos modelos capitalistas de
patrocínio estatal, do capitalismo financeiro-, ainda que tivesse embriões em
exemplos da antiguidade, possuía características específicas e novas
(WEBER, 2013, p. 22). O progresso científico, político-econômico e cultural do
ocidente, diferentemente do levado a cabo em outras partes do globo,
desenvolveu-se por meio de uma racionalização peculiar, informada por uma
ética religiosa específica (ibidem, p. 25).

5
A visão relativista de Weber tende, na prática, como veremos ainda neste capítulo, a ser
deixada de lado. Strauss (2014) via nessa característica pretensamente neutra de Weber
traços de niilismo. Voegelin (2000), concordando com Strauss, aponta que, por um lado, o
relativismo do método weberiano integrava uma mudança da percepção sobre o significado do
racionalismo, que, na prática, transmutava-se em irracionalismo por conta do fechamento da
ciência às inquirições metafísicas e, por outro, em suas pesquisas de monta sobre religião,
acabou por, sem perceber, tomar posições valorativas, principalmente no que diz respeito à
escolha das fontes.
52

Um indício inicial para a preponderância de tal base confessional peculiar é


depreendido da análise de dados sociais da época:

(...) o fato é que os líderes empresariais e detentores do


capital, assim como os trabalhadores com maiores níveis de
qualificação, e tanto mais o pessoal mais bem treinado técnica
e comercialmente das empresas modernas, são, em
esmagadora maioria, protestantes (ibidem, p. 33).

A transição de uma dominação sociocultural católica, nominalmente forte


enquanto objetivamente lassa, para uma dominação mais estrita,
surpreendentemente, suscitou um caráter “heroico” na burguesia (ibidem, p.
35). As diferenças entre católicos e protestantes na Alemanha, inclusive no que
diz respeito à inclinação destes para os cursos tecnicamente direcionados e
aqueles para as humanidades tradicionais, sugerem inclusive que a inclinação
social negativa das comunidades católicas minoritárias também não respeita a
conhecida proeminência nos negócios por comunidades numericamente
subrepresentadas em tempos de perseguição – as minorias intermediárias -,
como ocorreu com diversas outras minorias6. Eis um indicativo de que a
questões políticas ou históricas, por si, não explicam muito, e que fontes mais
profundas deveriam ser investigadas (ibidem, p. 37).

Weber se pauta, pois, em desenvolver uma análise do espírito do capitalismo


moderno enquanto um tipo ideal7, e não enquanto um conceito classificável por
gênero próprio e diferença específica (ibidem, p. 51). Um exemplo talvez tardio
e já secularizado da cristalização deste espírito se encontra em uma série de
conselhos oferecidos por um dos founding fathers dos Estados Unidos da
América, Benjamin Franklin, cujo pano de fundo é o ímpeto pela aquisição de
dinheiro, a poupança, o pagamento correto de dívidas, além de uma série de
outros comportamentos, reais ou aparentes (ibidem, p. 56), favoráveis ao
ambiente econômico. Tal visão de mundo surgiu com o passar do tempo e teria
encontrado barreiras tanto no mundo antigo quanto no medievo (ibidem, p.59),
quando, apesar do desenvolvimento inicial do capitalismo, as tendências éticas
predominantes ainda lhe eram opostas (ibidem, p. 61). O exemplo da transição

6
Vide, como será mostrado adiante, Sowell (1996).
7
Para um detalhamento do conceito de tipo ideal, vide Weber (2001).
53

de um ambiente econômico tradicionalista para um contexto moderno pode ser


encontrado na indústria têxtil domiciliar que, apesar de depender de uma série
de racionalizações organizacionais, ainda subsistia em um ciclo plácido de
ampliação de mercados e lucros (ibidem, p. 68) e que, com a debacle
competitiva, abriu lugar para o surgimento de uma nova classe
empreendedora, com um ethos diferente (ibidem, p.70), em que a vocação
devotada com vias à obtenção de dinheiro estava ligada à sobrevivência
(ibidem, p. 73).

Segundo Weber, apesar do racionalismo subjacente deste desenvolvimento


parecer um argumento interessante, ele não consegue explicar a ética prática
do empreendedor que, em termos tanto utilitários quanto eudaimonísticos, seria
irracional (ibidem, p. 78). Neste irracionalismo subsiste a explicação, e ela
depende do conceito reformista da vocação, desenvolvido, inicialmente, por
Lutero (ibidem, p. 96), que via a introspecção e a fuga do mundo real como
subprodutos do egoísmo, enquanto o trabalho diligente, vocacionado, seria
uma demonstração amorosa em relação à sociedade (ibidem, p. 97).

Se, entretanto, o ponto de vista luterano podia ter várias características


tradicionais e contrárias ao desenvolvimento econômico (ibidem, p. 98), o seu
trabalho foi imprescindível, e só seria completado pelo calvinismo (ibidem, p.
102) e por outras seitas puritanas, não pela influência literal dos programas
éticos, mas, talvez, como resultado não esperado dos projetos dos
reformadores (ibidem, p.104). Existe, pois, na análise de Weber, uma
matização: a reforma não formata o espírito capitalista, mas, por meio da
cultura, influenciou o modelo econômico em questão (ibidem, p.105).

O calvinismo encerra o ciclo de racionalismo e fechamento à “mágica” religiosa


iniciado com o judaísmo dos velhos profetas, com a famosa oposição às
cerimônias religiosas e seus sinais (ibidem, p.135) e um concomitante anti-
sentimentalismo (ibidem, p. 136), que levam a religião de Calvino a um
profundo isolamento espiritual (ibidem, p. 137). Dada a importância da
apreensão do estado de graça no seio da doutrina da predestinação (ibidem,
p.140), com o tempo e as alterações da interpretação dogmática, chegou-se à
54

valorização do trabalho vocacionado como dever prévio à obtenção da certeza


da salvação individual da alma (ibidem, p. 141):

Aquela atividade mundana deveria ser tomada como capaz dessa


realização, e o fato de que ela poderia, por assim dizer, ser
considerada como o mais adequado meio de contrabalancear os
sentimentos de ansiedade religiosa encontra sua explicação nas
peculiaridades fundamentais do sentimento religioso da igreja
reformada, que se tornam mais claras à luz de suas diferenças em
relação ao luteranismo na doutrina da justificativa pela fé. (ibidem, p.
141)

O ascetismo prático dos puritanos, contra as fundamentações emocionais,


contra a fruição do momento, é uma racionalização parecida com as
racionalizações monásticas do catolicismo, sendo, entretanto, completamente
mundanizada (ibidem, p. 147).

Por fundar sua ética na doutrina da predestinação, ele (o calvinismo)


substituiu a aristocracia espiritual dos monges realizada fora e acima
do mundo pela aristocracia espiritual dos santos predestinados de
Deus dentro do mundo. Tratava-se de uma aristocracia que, com seu
character indelebilis, era apartada de todo o restante dos
eternamente condenados da humanidade pelo mais aterrorizante
abismo intransponível e invisível. (ibidem, 149)

A conduta ética sistematizada do calvinismo tinha algo em comum com a vida


dos ordenados católicos, em especial quando se pensa na supervisão e numa
espécie de contabilidade espiritual (ibidem, p. 150-151). O caráter do processo
de santificação calvinista tinha ares de um empreendimento negocial (ibidem,
p. 151). Enquanto o luteranismo e a sua doutrina da graça, da qual se deriva
uma menor penalidade psicológica aos indivíduos, oferecem um arcabouço
menos direcionado à sistematização da vida ordinária, agregada a uma
antipatia em relação à ascese, o Calvinismo oferece uma prática social mais
estrita (ibidem, p.154).

O pietismo, por sua vez, em especial a sua versão alemã, instaurou em


correntes não calvinistas a posição metodicamente ascética e padronizada em
termos comportamentais (ibidem, p. 158). A versão alemã, temperada pelo
luteranismo, pois, está em uma disposição intermediária entre as doutrinas de
55

Lutero e Calvino, adquirindo um caráter mais emocional do que o calvinismo


tradicional, no qual o ímpeto pelo sucesso deu lugar ao trabalho duro
humildemente abnegado (ibidem, p. 162).

Socialmente, portanto, a posição da ética pietista favorecia posições


subalternas, sendo o ponto de partida da vida de trabalhadores e funcionários
como “escriturários” e “trabalhadores domésticos”, por um lado, e, por outro, o
do proprietário patriarcal. O calvinismo, em contrapartida, era mais bem
observado nas ações dos rígidos empreendedores da burguesia capitalista
(ibidem, p. 163).

O metodismo inglês e americano, segundo Weber, deve ser visto como um


desenvolvimento tardio que pouco adicionou à ideia de vocação (ibidem, p.
167). Não obstante, deve-se destacar que a seita em questão possuía um
caráter próximo ao pietismo, mas com um ascetismo mais acentuado (ibidem,
p. 163), em que a bem-aventurança surgia como uma opção de emergência
para a substituição da doutrina da predestinação em um ambiente de
incertezas derivadas do emocionalismo (ibidem, p. 166).

Já os batistas e os quakers apresentam-se como alternativas ao calvinismo,


com bases éticas divergentes deste ramo protestante. Para começar, ambas
mostram-se realmente mais como seitas de fato do que como religiões
estruturadas (ibidem, p. 168), onde a salvação individual era realizada pelo
trabalho do Espírito Santo, o que tira a necessidade social do relacionamento
com os infiéis e outros indivíduos mundanos (ibidem, p. 169). A conduta
moderada, quietista e racional, pela rejeição da política e do mundo, tomava,
pois, um caminho que havia sido iniciado pela ética calvinista (ibidem, p. 172).
O desenvolvimento de seitas dispersas, pois, suscitou a criação de grupos
voluntários (ibidem, p. 174).

A conduta santificada da profissão, substrato do espírito do capitalismo, pois,


com um olhar teleológico para o outro mundo em sua racionalização da vida
mundana, era resultado da vida religiosa atuante fora dos limites monásticos,
no mundo e nas instituições mundanas (ibidem, p. 175):

O ascetismo cristão, que de início fugia do mundo pela solidão, já


havia dominado o mundo a que ele renunciara pelo monastério e pela
56

Igreja. Mas ele tinha, no seu conjunto, deixado intocado o caráter


naturalmente espontâneo da vida cotidiana dentro do mundo. Agora
ele caminhou para dentro do mercado da vida, fechou a porta do
monastério atrás de si e comprometeu-se em penetrar justamente
naquela rotina cotidiana com seu caráter metódico, para transformá-la
em uma vida no mundo, mas não para este mundo. (ibidem, p. 175)

A oposição à fruição das coisas da vida (ibidem, p. 247), por um lado, e a


tendência da uniformização da vida, com fundamentos na aversão à idolatria
da carne (ibidem, p. 249), por outro, são de imensa ajuda ao capitalismo
moderno. A posição psicológica em prol da aquisição, sem os freios
tradicionalistas, como se a abastança fosse algo desejado por Deus,
contrabalanceado por uma visão racionalista, não predatória, do uso da
riqueza, assim como a visão de que Deus não quer mortificar, mas sim utilizar
positivamente o homem rico para boas finalidades pragmáticas (ibidem, p. 250)
são características puritanas par excellence. Outro impulsionador do espírito do
capitalismo, talvez o maior deles, foi a valorização religiosa do trabalho, tanto
como fonte de comprovação da salvação quanto como fonte de ascetismo: a
limitação do consumo adicionada à libertação da capacidade aquisitiva resulta
numa “acumulação de capital por meio de uma compulsão ascética de poupar”
(ibidem, p. 251).

O homo economicus moderno, segundo Weber, recebeu, portanto, sua


principal influência da ampliação da perspectiva puritana para um leque de
circunstâncias sociais, algo mais radical do que o mero favorecimento do
acumulo capitalista (ibidem, p. 253). Sua significância sentiu-se, entretanto, não
num primeiro momento de ímpeto da fé, mas sim, num segundo, após o
término do entusiasmo espiritual, quando a busca pelo reino de Deus,
lentamente, transmigra-se em moderada virtude econômica: a religião caminha
para o utilitarismo contemporâneo (ibidem, p. 254).

Finalmente, o poder do ascetismo religioso deu ao homem a


reconfortante segurança de que a distribuição desigual dos bens
deste mundo era uma especial distribuição da Divina Providência,
que, nessas diferenças, assim como na graça particular, perseguia
fins secretos, não conhecidos pelos homens (ibidem, p. 255).
57

Weber, por meio de uma lente metodologicamente relativista, realizou sua


própria pequena revolução copernicana, se não destronando por completo, ao
menos atingindo fortemente a visão marxista em voga. Esta, por sua vez,
futuramente, através do trabalho de pensadores e filósofos marxianos
preocupados com as interações culturais, absorveria a proposição weberiana,
por meio de um aparato teórico mais complexo e menos determinista do que o
criado pelo próprio Marx.

2.2 - O problema da Confiança segundo Peyrefitte

Se a análise dos problemas franceses data do lançamento do seminal O


antigo Regime e a Revolução, em que Tocqueville (2016) faz uma detalhada
análise de como a centralização administrativa ocorrida no Ancien Regime de
fato criara as bases propulsoras para a revolução francesa, num processo de
modernização em que os chamados “corpos intermediários” entre a alta
nobreza, camponeses e trabalhadores - ou seja, a burguesia e a aristocracia
em decadência -, deixou de cumprir o seu papel social de liderança, num
espírito tanto tocquevilleano quanto parcialmente weberiano, em Le Mal
Français, Peyrefitte (1976) levanta a hipótese de que há algo de especial no
caráter cultural do povo francês que causa suas recorrentes malaises,
suplementando seu mentor intelectual liberal.

O tantas vezes ministro gaulista passou toda a sua carreira acadêmica girando
em torno desta questão, mas acabou por apresentar uma hipótese para um
problema mais abrangente do que o comparativo atraso da nação francesa
ante suas pares europeias ou atlânticas: quais seriam as fontes psíquicas das
mudanças econômicas? (PEYREFITTE, 1999, p. 29). O seu magnum opus, A
Sociedade de Confiança, é o grande resultado de uma vida dedicada à questão
do desenvolvimento.

Contra outros estudiosos, Peyrefitte (1999, p. 65) coloca na conta dos


empreendedores, impulsionados tanto por um aparato estatal mínimo (ibidem,
p. 57) quanto por uma revolução nas mentalidades (ibidem, p. 62) que precede,
58

portanto, o início da reforma protestante do século XVI, as várias explosões


locais de focos da futura divergência econômica (ibidem, p. 70).

Contra a visão mainstream que correlaciona diretamente protestantismo e


alfabetização, juntamente com as inúmeras qualidades liberais relacionadas ao
progresso da comunicação e da liberdade individual, Peyrefitte relembra o caso
de Erasmo de Roterdã como um pensador católico que defendia ideias
humanistas e pró-desenvolvimento econômico, numa “pedagogia da confiança”
(ibidem, pp.80-81).

Não obstante, se o que distingue a mentalidade contemporânea da antiga, em


relação à economia, é a função do dinheiro como ferramenta de crédito
baseada na confiança (ibidem, p. 101), Peyrefitte não nega que a concepção
nascente de capital mobiliário surgiu com Calvino (ibidem, p. 111), que mudou
o foco da mentalidade econômica da divisão de bens para a criação destes
(ibidem, p. 119).

A resposta da contrarreforma católica, antes de abraçar os ideais erasmianos


e mesmo a tradicional teoria tomista da confiança, criou um ambiente soturno.
Antes fosse apenas limitada à condenação à usura (ibidem, p. 123): a
contrarreforma, em especial através do Concílio de Trento, suscitou o
surgimento de uma sociedade de desconfiança, de maneira não deliberada
(ibidem, p. 131):

Em oposição ao clima de livre investigação gerado pela Renascença,


a Contra-Reforma católica cria uma atmosfera de estrita vigilância: à
“confiança” (fidúcia) ela contrapõe uma “devoção” que subordina as
ações ao controle eclesiástico, verdadeiro monopólio mental (ibidem,
p. 133).

Ao tratar diretamente da grande divergência econômica, ao menos, em tese se


contrapondo a Weber, Peyrefitte lembra que o poderio comercial holandês
precede a hegemonia calvinista (ibidem, p 139). A divergência na Inglaterra,
cujo auge fora o desenvolvimento industrial, apesar da posição inconclusiva
dos especialistas sobre quando este se iniciou, seria impossível sem a atuação
da madureza da formação das mentalidades subjacentes (ibidem, p.149). A
oposição de formas mentais pode ser mais facilmente vista na distinção entre o
59

colonialismo português e hispânico, de viés agrário e extrativista, e o inglês e


holandês, de características mercantis e comerciais (ibidem, p 153).

O ocaso espanhol do séc. XVI, após o resplendor da época dourada, é


resultado de um foco muito grande na reconquista dos terrenos dominados
pelos muçulmanos e de uma repressão do espírito empreendedor em uma
cultura mais preocupada com a exibição de riquezas extraídas do exterior do
que com o desenvolvimento econômico de fato (ibidem, p. 160). Uma nova
dicotomia é apresentada, agora mostrando a diferença do caráter inovador na
França e na Inglaterra: os franceses dão menos atenção à aplicação fabril do
que os ingleses (ibidem, p. 180). A semente inovadora, um tipo mental, está
presente na Inglaterra com ao menos um século de antecedência em relação
ao pico dos desenvolvimentos científicos da industrialização (ibidem, p. 185). A
mesma oposição se vê no caráter estatista do colbertismo francês, enquanto a
realidade britânica, com uma política aberta ao comércio, repleta de
sociedades anônimas, era amplamente desregulamentada (ibidem, p. 194-
196).

Se não pensarmos em termos generalizados, pode-se levantar a correlação do


êxito empresarial protestante à migração (ibidem, p, 232). A inovação é
propagada de maneira mais positiva por imigrantes quando estes são
relativamente absorvidos em suas sociedades novas (ibidem, p, 233), o que
pode ser visto no caso da posição de liderança econômica dos huguenotes em
França.

Após analisar profundamente uma série de fontes intelectuais tradicionais,


como filósofos e pensadores políticos, assim como papéis privados de
mercadores e materiais religiosos, Peyrefitte chega à conclusão de que, entre
1530 e 1780, a justificativa culturalista da antecedência do material humano ao
desenvolvimento era amplamente levantada (ibidem, p. 244).

O desenvolvimento industrial, dada a sua amplitude, trouxe à tona uma série


de novas explicações, desta vez dogmáticas e potencialmente cheias de
problemas (ibidem, p. 306): seja na transposição de Adam Smith 8 do animal

8
Vide Smith (2003). Para uma leitura que considera o lado mais humanista de Adam Smith,
vide a já citada Himmelfarb (2012).
60

político aristotélico em animal econômico num sistema newtoniano da natureza


humana (ibidem, p. 309), seja na visão marxista de que o desenvolvimento
tecnológico por si levaria o capitalismo à derrocada (ibidem, p. 321) 9 e de que
as relações sociais ocorrem sempre em termos negativos (ibidem, p. 335). Seja
nas bases estatísticas e análises iniciais banais de Weber que desembocam
num paradoxo do desenvolvimento surgido no ambiente mentalmente iliberal
do calvinismo (ibidem, p. 336-337), sendo o ascetismo e a racionalização ideias
distantes das motivações essenciais do empreendedor (ibidem, p. 349), seja na
visão de Braudel10, que, apesar de desqualificar o fator mental-intelectual
(ibidem, p. 354), não consegue achar a “mola” que impulsionou o
desenvolvimento ocidental (ibidem, p. 360).

Ao tirar a responsabilidade romana, no lado católico, de refrear o


desenvolvimento propositalmente (ibidem, p. 363), a Igreja parte para um
processo evolutivo de sua visão de mundo. Com a encíclica Rerum Novarum
do Papa Leão XIII, concede-se valor por si a organizações sociais, entretanto,
estas ainda estão transpassadas pelos valores corporatistas (ibidem, p. 375).
Já a Quadragesimo Anno, de Pio XI, tanto antissocialista quanto antiliberal
(ibidem, p. 377), absorve a possibilidade de empreendimentos úteis serem
entendidos como “exercício da virtude generosa” (ibidem, p. 379), e, mesmo
mantendo a visão corporatista, insere o princípio da subsidiariedade como uma
característica suavizadora na Doutrina Social da Igreja (ibidem, p. 381).

Já o Papa reformista João XXIII, na encíclica Mater et Magistra, apesar de


manter a prioridade máxima para as obras espirituais (ibidem, p. 382),
apresenta, por outro lado, uma valorização da iniciativa individual, pessoal,
como anteparo à tirania, e da criatividade como subproduto desta liberdade,
sem destronar o papel harmonizador do ente estatal (ibidem, p. 383): a
subsidiariedade acaba sendo o caminho da absorção da modernidade em
termos econômicos, do desenvolvimento (ibidem, p. 384), sendo a confiança
apresentada como uma das palavras chaves do texto (ibidem, p. 385). O ciclo
se completa com a Centesimus Annus de São João Paulo II, que parte de uma
crítica antropológica do socialismo, colocando o homem como o determinante

9
Um bom resumo da teoria marxista está presente em Schumpeter (2008).
10
Vide Braudel (1978).
61

das estruturas sociais e econômicas (ibidem, p. 386). Sem proximidade com a


ideologia calvinista extraída das análises weberianas, a virtude e a capacidade
de empreendimento surgem como práticas do “terceiro fator imaterial” da
economia (ibidem, p. 389). Enfim, apresenta-se então uma visão católica
menos crítica às bases do capitalismo, mas que ainda julga que o mercado
deve ter seus limites (ibidem, p. 390):

Quatro séculos após as condenações que, visando a liberdade,


atingiam em cheio o desenvolvimento, o humanismo profundo da
igreja venceu. Ela recoloca a liberdade no coração do homem, diante
dele mesmo, do próximo, de Deus. Antes, e mais que qualquer outra
instituição, a Igreja católica estabelece a primazia do fator mental, do
“terceiro fator imaterial”.(ibidem, p. 391)

A literatura intelectual que serve como referência para Peyrefitte em relação à


importância do ethos da confiança é vasta. Montesquieu11 sugere a conexão
entre mentalidades e geografias físicas que devem ser sobrepujadas pelo
empenho humano (ibidem, p. 397). Hegel12 intuiu sobre a questão mental em
sua visão sobre a diferença entre a América do Norte, com a confiança
engendrada pelo protestantismo, e a América do Sul, onde a submissão
católica é vista como criadora de desconfiança social (ibidem, p. 400).

Michael Walzer13, contrariando Weber, afirma que o calvinismo foi um agente


de modernização do regime socioeconômico capitalista, e não sua causa. A
disciplina puritana e seu regramento prático, em suma, permitiram que aí
surgisse, num ambiente mais aplainado e asséptico, a democracia liberal, o
autogoverno (ibidem, 401) e um ambiente de confiança das possibilidades
humanas (ibidem, p. 402). Frederic Bastiat14, partindo de sua visão
jusnaturalista do direito da propriedade (ibidem, p. 404) e tendo sido pioneiro
na oposição radicalizada ao Estado no metier liberal (ibidem, p. 405), sinalizou
a característica latina de dependência em relação ao leviatã (ibidem, p. 407),

11
Vide o clássico de Montesquieu (2010).
12
A asserção pode ser encontrada em Hegel (2001).
13
Confira em Walzer (1965) que é, entretanto, mais conhecido por seus textos sobre guerra e
justiça.
14
Vide o popular livreto liberal de Bastiat (2010), facilmente encontrado na internet em diversas
edições e línguas.
62

tendo, portanto, “pintado o quadro” que representa, ainda que de maneira


limitada, o modelo da sociedade de confiança (ibidem, p. 411).

Dentre os austríacos, Peyrefitte destaca Schumpeter e Hayek. O criador da


teoria da destruição criadora coloca a energia produtiva e inteligência do
empresário no cerne do debate (ibidem, p. 412), fugindo de uma leitura que
julga o mundo econômico como um palco de racionalidade (ibidem, p. 413),
implicando que a inovação é a etapa final de um processo que se inicia com a
15
ação humana de uma personalidade (ibidem, p. 414). Já a defesa hayekiana
16
do mercado como o planejamento descentralizado, possível e econômico
num ambiente “irracional” desferiu um forte golpe contra a planificação estatal
(ibidem, p. 417), sendo resultante de uma visão complexa acerca dos
processos econômicos. Contra a cortina de fumaça levantada por abstrações
estatísticas e o medo de mudança presente nos analistas, consultores e
especialistas cientificistas (ibidem, p. 419), o mecanismo de preços suscitado
pelas trocas individuais, coordenadas por valorações subjetivas substitui a
visão racionalista, por exemplo, do já citado Adam Smith (ibidem, p. 421);

Mesmo entre os economistas ligados ao mainstream acadêmico, indícios


culturais já eram levantados. A tecnologia no modelo de Solow (ibidem, p. 423)
e a leitura realizada por Robert Lucas de que a variável tecnológica seria
endógena (ibidem, p. 424) figuram ao lado da noção de custos de ajuste e
fatores residuais propostos por Denison para a contabilidade do crescimento
econômico (ibidem, p. 425) são exemplos óbvios. A visão estratégica que
exalta o papel da combinação de fatores econômicos no processo
desenvolvimentista de Hirschmann, apesar de não ofertar explicações,
apresenta muito bem o paradigma em termos práticos (ibidem, p.426).

Estudos sobre motivação individual de empreendedores, como a necessidade


de realizações de David McClelland, a tipologia piramidal de Maslow e a
questão da tensão social e psicológica entre patrões e liderados suscitada por
McGregor são outros exemplos (ibidem, p. 427). O foco nos desafios
gerenciais, seja lida por toda carreira de Peter Drucker ou pela análise do

15
Vide Schumpeter (2008).
16
Vide Hayek (1981).
63

atraso francês realizada por Géllinier, também acabam por levantar a bola da
questão da confiança (ibidem, p. 429).

O desenvolvimento do conceito de capital humano por Gary Becker, calculado


pela soma dos rendimentos futuros gerados por conhecimento, segue, pois na
mesma linha (ibidem, p. 429). Romer, por sua vez, ressaltou o baixo custo da
dispersão do conhecimento individual para a coletividade, enquanto, por um
lado, Kaldor levantou a questão de que a própria produção prática gera um
conhecimento e, por outro, Mervyn King trouxe o insight de que o
conhecimento pode ser adquirido também pela visualização de uma ação
(ibidem, p. 430).

Os estudos econômicos e de negócios, entretanto, apresentam limitações


estruturais, já que esse fator imaterial não é reduzível a uma determinação
(ibidem, p. 432). O direcionamento à confiança ou à desconfiança ocorre,
primordialmente, pela via da educação (ibidem, p. 435), sendo cada qual um
tipo de resposta, em suma, à condição humana, seja em termos atomísticos ou
coletivos (ibidem, p. 437).

Em termos etológicos, apenas com Konrad Lorenz, navegando entre o


behaviorismo e o finalismo, um estudo que parte da liberdade humana se fez
compreensível e realizável (ibidem, p. 439). Entre a história e a antropologia
lorenziana, Peyrefitte cimenta seu argumento final que surge como uma
alternativa interessante às explicações tradicionais da divergência econômica
do séc. XIV ao séc. XVI europeu (ibidem, p 446).

O que confere unidade à dinâmica acumulativa que suscita o desenvolvimento


(ibidem, p. 447) não são características internas aos homens:

(...) existem, sempre existiram, sempre existirão as decisões ou a


desistência dos homens, sua energia, sua passividade, sua
imaginação seu imobilismo. É inútil procurar do lado de fora, no que
economistas chamam – palavra erudita – “externalidades”, a causa
profunda dos avanços ou das estagnações. “não vás para fora”, diz
Santo Agostinho, “entra em ti mesmo, a verdade mora no interior do
homem”. É em nós que reside o desenvolvimento. Enterrá-lo ou fazê-
lo frutificar depende de nós. (ibidem, p. 448)
64

A confiança em si mesmo, que imprime a autônima, a confiança no outro, que


precede a divergência e a delegação (ibidem, p. 449), a confiança no homem,
facilitadora das inovações e que resguarda os direitos naturais, e, por fim, a
confiança em Deus, como base do fortalecimento da dignidade humana e como
guia para a ação humana (ibidem, p. 450) são enunciadas por Peyrefitte. Num
desenvolvimento próprio, o ser humano individual, ao eliminar a visão fatalista
que vê, nas conjunturas reais, a impossibilidade, cria o desenvolvimento
(ibidem, p. 450).

A sociedade de confiança e seu ethos possuem uma “visão” liberal do


dinheiro, fornecendo liquidez à sociedade (ibidem, p. 451). As relações
empresariais estão imbuídas, profundamente, de confiança, suscitando um
mercado de trabalho aberto. A relação de mercado, por assim dizer, ultrapassa
seus limites, e a visão dos entes sociais individuais de uma devida sociedade
se vira para uma defesa deste “antissistema" (ibidem, p. 451).

Peyrefitte (2000), numa análise quase que espelhada, sustenta doze


características que, amparadas num ethos da confiança, combinadas,
imprimem um caminho desenvolvimentista, assim como doze características
antitéticas, de retrocesso.

As sociedades de confiança são permeadas por mobilidade social; aceitam e


valorizam a perseguição da novidade por meio da pesquisa; há uma
simplificação social que termina por gerar uma espécie de homogeneização;
reina a tolerância em relação aos ideais heterodoxos; a intuição é seguida,
como uma forma de confiança nas capacidades intelectuais e no
compartilhamento de uma cultura comum; a legitimidade política, majoritária, é
um fim; há uma autonomia do ambiente econômico da sociedade; a
mortalidade é combatida, sendo a saúde pública uma finalidade primordial; há
um ideal de natalidade responsável e controlada; a alimentação é racionalizada
por um mercado, e não por um ente estatal e, por fim; a violência é controlada
por um aparato jurídico e policial com legitimidade (PEYREFITTE, 2000, p. 23 -
24). As sociedades de desconfiança, por sua vez, são representadas por
características diretamente contrárias às levantadas acima (ibidem, p.21-23).
65

A posição moral sobre o desenvolvimento de Peyrefitte não se confunde com


uma visão “selvagem” do desenvolvimento (1999, p. 454), afirmando que um
custo humano foi pago pelo progresso técnico-econômico (ibidem, p; 455). O
próprio desenvolvimento, por assim dizer, obscurece suas premissas imateriais
(ibidem, p. 457). A extensão da evolução econômica para o Japão, por meio de
uma revolução mental caracteristicamente nipônica mostra um bom exemplo
da necessidade de imitação de um sistema ocidental que funciona, enquanto a
Rússia pós-comunista foi tomada por um sistema mafioso (ibidem, p. 459).
Questionando-se se existem, de fato, sociedades terminantemente
desenvolvidas, Peyrefitte responde:

Desenvolvidas? Definitivamente? A tarefa foi completada? Pensando


bem não há sociedades desenvolvidas. Existem apenas sociedades
em desenvolvimento – assim como as sociedades ditas por
eufemismo “em vias de desenvolvimento” são apenas sociedades
não-desenvolvidas. É preciso reduzir as ambições para melhor
assegurar as ambições. (ibidem, p. 461)

A análise do estadista francês emboca em suas últimas etapas quando é


apontado o fato de que, além do desenvolvimento ser um processo
interminável, ele pode retroagir (ibidem, p. 464). Mesmo os países de ponta
passam por crises que colocam o ethos de confiança em cheque.

A crise do Estado e sua administração são exemplificadas pelo próprio


exemplo francês, que, em duas épocas distintas, realizou, primeiramente,
tarefas que não eram de sua alçada – do governo de Filipe Augusto até Luís
XIV -, e, depois, derramou no âmbito local responsabilidades que seriam do
ente central – de Luís XVI em diante- (ibidem, p. 465). Mesmo uma reforma
descentralizadora nos anos de 1970 serviu apenas para denegrir o nome da
subsidiariedade – relegando às municipalidades os problemas insolúveis do
ente federal -, quando esta deveria ser desmitificada e colocada em prática
(ibidem, p. 466). O comportamento humano com relação ao dinheiro não deve
ser nem o de loas a um ídolo nem o silêncio perante um tabu, ambos sendo
contrários ao desenvolvimento, cada qual à sua maneira (ibidem, p. 467).

A crise demográfica é outro indício dos problemas da confiança nas regiões


ditas avançadas, desembocando em uma situação de medo em relação ao
66

futuro (ibidem, p. 470). Os problemas burocráticos de origem interna – além


dos externos – (ibidem, p. 471), assim como a crença no caráter destruidor de
empregos do progresso técnico (ibidem, p. 472), ao lado das respostas
paternalistas em relação ao problema do desemprego, alheias ao
desenvolvimento per si (ibidem, p. 473), são alguns dos principais problemas
da época em que o texto foi escrito, com óbvia relevância para os dias
recentes.

Em suma, a visão etológica do ensaio de Peyrefitte humaniza e moraliza o


desenvolvimento como sendo indissociável do caráter cultural de uma
determinada população. Sem cair nas limitações da tese weberiana, o autor
expande o espírito da visão culturalista de Weber, partindo de uma base muito
mais ampla de fontes e de métodos de pesquisa. Curiosamente, outro
pensador, trabalhando em paralelo, vindo de outro ângulo de análise, lançou
um livro cuja pesquisa reivindica a mesma hipótese explicativa.

2.3 - Fukuyama – Confiança e Capital Social

O cientista político nipo-americano Francis Fukuyama se debruçou sobre as


mesmas questões que Weber e Peyrefitte tinham como centrais. Sabendo que,
dentro de um arcabouço capitalista e democrático, diferenças de riqueza
financeira e espiritual perduravam entre as sociedades – diferenças estas que
não podem ser mitigadas por engenharia social (FUKUYAMA, 1995, p. 4)-, e
que os hábitos culturais criam uma sociedade civil pujante (ibidem, p.5),
Fukuyama também correlaciona o bem-estar e o nível competitivo de uma
nação ao nível de confiança dentro de uma sociedade (ibidem, p.7).

A visão de Fukuyama, entretanto, não é etológica, mas sim sociológica. A falta


de capacidade que certas sociedades encontram para aproveitar possibilidades
de ganhos econômicos advém dá pela ausência do que James Coleman17
designou por Capital Social – uma habilidade coletiva que suscita a criação de
grupos e organizações com finalidades comuns (ibidem, p. 10). Sociedades,
17
Vide Coleman (1988).
67

sem tal habilidade, são, por sua vez, denominadas sociedades familísticas.
Nelas, os indivíduos têm relações específicas com o ente estatal, que age
como indutor do desenvolvimento:

In societies such as China or Italy, state intervention is often the only


avenue by which a nation can build a large-scale industry and is
therefore relatively important if the country is to play in the global
economic sector demanding large scale. On the other hand, societies
with a high degree of trust and social capital like Japan or Germany
can create large organizations without state support. (ibidem, p. 16)

Fukuyama critica, pois, a visão mais tradicional da aplicação de políticas


industriais, dizendo que a principal variável a ser levada em conta para o
sucesso de qualquer tipo de intervenção do tipo é a cultura (ibidem, p. 21).

Em termos gerenciais, a ausência de confiança cria incentivos contrários à


criação de redes de fornecedores, fortalecendo a hierarquia interna de um
empreendimento, enquanto um índice de confiança forte suscita a criação de
uma rede de pequenas firmas, aproveitando o capital social generalizado de
uma sociedade e utilizando tecnologia para atingir picos de eficiência
informacional (ibidem, pp. 25-26).

Uma definição mais assertiva de confiança é oferecida: “Trust is the


expectation that arises whithin a community of regular, honest, and cooperative
behavior, based on commonly shared norms, on the part of other members of
that community” (ibidem, p. 26). Desta confiança é que surge o capital social
anteriormente delimitado (ibidem, p. 26). Este não pode ser obtido pela virtude
individual, mas sim pela atuação virtuosa da sociedade in totum (ibidem, p. 27).
Por fim, um subset do capital social é a sociabilidade espontânea, que se
reflete na criação de grupos alheios ao seio familiar ou aos coletivos
determinados por governos (ibidem, p. 27).

Partindo de uma aproximação das estruturas sociais a características culturais,


através da descrição de cultura como hábito ético obtido por meio da herança
(ibidem, p. 24), Fukuyama afirma que estas fontes de regulação
comportamental (ibidem, p. 35), conforme Weber havia sublinhado, influenciam
a organização e a delimitação dos empreendimentos econômicos:
68

there are ethical habits, such as the ability to associate


spontaneously, that are crucial to organizational innovation and
therefore to the creation of wealth. Different types of ethical habits are
conductive to alternate forms of economic organization and lead to a
large variation in economics structure. (ibidem, p. 37)

A grande importância das virtudes sociais decorre do fato de que as atividades


econômico-profissionais são realizadas em grupos: primeiramente se aprende
a trabalhar em conjunto, e, posteriormente, são criadas formas organizacionais
(ibidem, p. 47). Contra Weber, entretanto, Fukuyama afirma que as virtudes
individuais possuem influência muito menor sobre a economia (ibidem, p. 48).

Segundo o autor, o caráter antiestatista do público americano (ibidem, p.51)


suplantou o fato de que, conforme o próprio Tocqueville18 havia afirmado, os
Estados Unidos da América possuem fortes estruturas comunais (ibidem, p. 50)
que, entretanto, em tempos recentes, estariam se degradando (ibidem. 51). O
Japão, erroneamente colocado como contraparte ao exemplo americano,
apesar de um padrão menos claro de limitação entre o âmbito privado e
público, por conta de ideais nacionalistas, ainda apresenta uma rede de
relações privadas bastante fortes, como vista na criação dos zaibatsus e dos
keiretsus (ibidem, p. 53).

Um contraste mais justo se faz entre os exemplos acima e as nações católicas


e o próprio caso chinês, modelos socioeconômicos formados comumente por
pequenas empresas familiares, ondes grandes empreendimentos têm alta
dependência em relação ao Estado ou a investimentos estrangeiros (ibidem,
p.57).

It is no accident that the United States, Japan and Germany were the
first countries to develop large, modern, rationally organized ,
professionally managed corporations. Each of these cultures had
certain characteristics that allowed business organizations to move
beyond the family rather rapidly and to create a variety of new,
voluntary social groups that were not based on kinship. (…) (T)here
was a high degree of trust between individuals who were not related
to one another, and hence, a solid basis for social capital (ibidem, p.
57).

18
Vide o clássico do já citado Tocqueville (2010).
69

Fukuyama afirma que há três caminhos possíveis para o desenvolvimento da


sociabilidade, seguidos por três tipos de formatos organizacionais correlatos: o
baseado em proximidade familiar, que se transmigra, economicamente, na
firma familiar; o das associações voluntárias, cuja forma mais desenvolvida são
os negócios gerenciados profissionalmente e, por fim; o estado, com a
empresa estatal ou com fortes ligações com o governo. Os tipos das pontas
estão ligados (ibidem, p. 62).

Negócios, naturalmente, começam na família (ibidem, p. 63), mas a


necessidade de ampliação para capturar ganhos de escala imprime o problema
da escolha entre a manutenção do controle e a profissionalização (ibidem, p.
64). O familísmo, enquanto direcionamento cultural, surge como uma amarra
para as potencialidades do desenvolvimento, assim como a ausência extrema
de ligações familiares se mostra um inibidor da sociabilidade mais básica
(ibidem, p. 67).

A cultura chinesa, nas mais diversas nações e mesmo em grupos de chineses


expatriados (ibidem, p. 70), os negócios tendem a ter caráter familiar e de
pequena escala (ibidem, p. 71). Curiosamente, apesar do familismo que causa
essa aversão à profissionalização, há grande distância social entre gerentes e
seus administrados (ibidem, p. 75). Na prática, os negócios chineses passam
por três etapas: i) o negócio iniciado por um patriarca é gerenciado de maneira
paternalista, de modo centralizado, sem modernização da gestão; ii) após a
morte do patriarca, com a divisão igualitária da firma entre os descendentes
homens, com maior probabilidade de sobrevivência do negócio caso haja a
tomada da liderança por um dos filhos e; iii) o controle passa para os netos e a
firma tende a se desintegrar (ibidem, pp. 77-78). Não obstante, ainda que de
maneira limitada, os laços familiares possibilitaram a ampliação de pequenas
redes de firmas (ibidem, p. 81), algo que provavelmente deriva da ética
personalista do confucianismo (ibidem, p. 85).

Algo parecido ocorreu na Itália, em especial no sul. O que Edward Banfield19


chamou de familismo amoral, lido economicamente na visão de maximização

19
Vide Banfield (1958).
70

de curto prazo para a família (ibidem, p. 99) e que Robert Putnam 20 leu como
baixo índice de visão cívica – correlacionado com o catolicismo italiano –
influenciou negativamente a economia local, assim como na criação de
sociedades delinquentes, máfias, enfraquecedoras dos laços intermediários da
comunidade (ibidem, p.101). A parte bem sucedida do país, a Terza Itália, ao
centro, possuindo maior capital social (ibidem, p.104), criou uma série de
pequenas redes de empresas flexíveis, voltadas a objetivos profissionais, e não
familiares, como ocorria com as redes chinesas (ibidem. p.105). O sucesso
desta parte da Itália se deve à centralização do poder estatal mais antiga e às
características comunais absorvidas via conexão geográfica com o norte
(ibidem, p. 108).

Já o caso francês, com um dirigismo estatal gerando alguns resultados


positivos em setores específicos, como o de alta tecnologia, está dentro do
padrão recorrente nos últimos 500 anos de sua história (ibidem, p.113).
Seguindo os arquétipos familistas da China, a burguesia francesa assumiu, um
caráter aristocrático e anticapitalista, passando de conservadora a marxista em
poucos séculos (ibidem, p. 116). A ausência de confiança social espontânea
deriva do processo de centralização administrativo que teve finalidades
políticas (ibidem, p. 119), suscitando uma cultura que padece pela rigidez:

There is, in other words, a very pronounced French cultural distaste


for informal, face-to-face relationships required in new informal
associations and Strong preference for authority that is centralized,
hierarchical, and legally defined. Frenchmen of equal status, in other
words, find it difficult to solve problems between themselves without
reference to a higher, more centralized form authority. (ibidem, p.
119).

O setor privado francês, então, cresceu dependente do Estado (ibidem, p.


122), sendo muitas vezes nacionalizado quando em problemas (ibidem, p.
123). Como contraparte da inabilidade empresarial, o aparato estatal possui
algum talento e energia (ibidem, p.124).

Dentro dos países analisados na categoria “baixa confiança, com


direcionamento familiar e instituições intermediárias ausentes”, nos quais
20
Vide Putnam (1993).
71

impera uma grande quantidade de empresas familiares e poucas empresas


grandes, o padrão sul-coreano surge como um exemplum in contrarium
(ibidem. p. 127). O fato se deu por conta da política de criação de gigantes
conglomerados a partir das décadas de 1960 e 1970 (ibidem, p. 128).

Mais individualista que o Japão e com uma estrutura de autoridade mais


voltada à família do que à figura política (ibidem, p. 131), o exemplo da Coreia
do Sul e seus Chaebols, uma imitação do modelo japonês, é mais hierárquico
do que sua contraparte, cujo modelo era o sonho de consumo do presidente
Park Chung Hee (ibidem, p. 137). O método governamental para incentivar tais
gigantes nacionais incluía a aplicação direta de altas somas e a escolha de
alguns mercados específicos (ibidem, p. 138). Além disso, um planejamento de
caráter indicativo criava um ambiente econômico estável, mas métodos
autoritários contra executivos e firmas específicas também eram utilizados
(ibidem, p. 139). Se o sucesso japonês era razão de exaltação do orgulho
nacional, o nacionalismo, não um racionalismo econômico, foi a justificativa
coreana para política pública deliberadamente direcionada à grande escala
(ibidem, p. 141).

Apesar da “anomalia”, a hipótese de Fukuyama manteve-se de pé: dentre os


países destacados, até a publicação de seu livro, a proeminência das firmas de
médio e pequeno porte, dirigidas por famílias, eram a regra, existindo um setor
privado de grande porte e escopo apenas por meio da intervenção estatal
(ibidem, p. 145). A segunda parcela da explicação levantada pelo autor diz
respeito à influência não-racional da cultura, via sociabilidade espontânea, na
criação de lideranças industriais nacionais é investigada tendo em mente, em
especial, o Japão, a Alemanha e os Estados Unidos (ibidem, p. 150).

Levantando a importância do debate institucionalista já discutido no capítulo


anterior deste trabalho, com especial atenção direcionada à questão dos
direitos de propriedade e da existência de instituições legais (ibidem, p. 151),
Fukuyama afirma que a existência de um alto nível de solidariedade comunal
numa dada sociedade a torna economicamente mais eficiente em relação ao
problema do free rider do que sociedades individualistas (ibidem, p. 155). Não
obstante:
72

while groups exhibiting a high degree of trust and solidarity can be


more economically efficient than those lacking either, not all forms of
trust and solidarity are necessarily advantageous. If loyalty overrides
economic rationality, then communal solidarity simply leads to
nepotism or cronyism. A boss´s favoritism to his children or a
particular subordinate is not good for organizations (ibidem, p. 156).

A economia japonesa se destaca por sempre ter sido dominada por grandes
firmas, antes da dominação americana, pelos zaibatstus e, após a ocupação,
pelos nascentes keiretsus (ibidem, p. 162), e, por outro lado, pela rápido
processo de mudança para um modelo profissional nas administrações das até
então empresas familiares (ibidem, p. 166). Se o governo teve alguma
influência na expansão do modelo de grandes firmas, ele não o criou
deliberadamente, apenas acelerou um processo previamente colocado em
prática (ibidem, p. 169), que, apesar da burocracia corporativa lenta, permitiu
que o país se destacasse em alguns setores chave (ibidem, p. 170).

Apesar do caráter familista advindo do background confuciano, a versão


Japonesa se mostra mais aberta ao desenvolvimento tanto pela questão da
progenitura (ibidem, p. 174) – em oposição à divisão igualitária de bens entre
os filhos homens na China – quanto pela ampliação do rol familiar para agregar
pessoas de fora, adotando-as, por exemplo, algo visto como humilhante na
China (ibidem, p. 173). Instituições como o ie, o ambiente caseiro (ao invés de
família fechada) (ibidem, p. 172) e o iemoto – grupos voluntários que são como
que famílias ad hoc – (ibidem, p. 176) surgiram por conta do caráter
descentralizador do poder político japonês (ibidem, p. 182). O caráter
comunitário da sociedade japonesa também se encontra no emprego vitalício
(ibidem, p. 186) que, apesar de ter possuir modelos de remuneração
aparentemente irracionais pelo viés da economia neoclássica (p. 188), parece
não afetar negativamente a produtividade do país (ibidem p.188).

Algumas características que diferenciam os keiretsus japoneses de redes


empresariais existentes em muitos outros países são a importância perante a
economia japonesa in totum, a característica oligopolista dos keiretsus em
mercados específicos, o caráter de reciprocidade entre as partes e a confiança
derivada da intimidade entre os participantes (ibidem, pp. 198-199). Fruto de
73

um ambiente com baixos custos de transação, a indústria japonesa é,


majoritariamente, capitalizada por grandes bancos locais e pelo mercado
secundário de dívida (ibidem, p. 202).

O exemplo da economia alemã, delimitada em padrões absolutamente não


neoclássicos (ibidem, p. 209), é o de um comunitarismo sem igual na Europa
central (ibidem, p. 210). Ostentando larga escala desde o inicio da
industrialização em 1840, a indústria alemã era legalmente concentrada em
uma época em que, nos EUA, as instituições antitruste quebravam os
oligopólios (ibidem, p. 211). O formato racional e hierárquico das firmas alemãs
tomou forma, saindo de um modelo familiar, ao mesmo tempo em que a
profissionalização ocorria nas firmas americanas (ibidem, p. 212).

Assim como no Japão, os grupos industriais se desenvolveram em torno de


bancos, o que quer dizer que a emissão de ações não era um modelo comum
de capitalização (ibidem, p. 213). Os cartéis industriais eram comuns, e foram
formalmente institucionalizados pelos IGs (Comunidades de Interesses) e
Konzernes, arranjos de cruzamento de poder acionário de diversas firmas
controladas ou por famílias ou por grupos (ibidem, p. 215). Mesmo depois da
quebra destas instituições por conta da presença dos Aliados no pós-2a
Grande Guerra, o espírito de colusão continuou presente por meio das
entidades patronais (ibidem, p. 216). Outros fatores do comunitarismo alemão
são as instituições trabalhistas da chamada “economia de mercado social”
(ibidem, p. 216), instaurando relações de grande confiança entre os
trabalhadores e os empregadores (ibidem, p.217).

Uma grande codificação das instituições em lei também diferencia a


Alemanha, por exemplo, do Japão, sendo várias relações comunais da
sociedade civil determinadas pelo Estado, de cima para baixo (ibidem, p.218).
Apesar do caráter intervencionista do governo alemão ser conhecido, ele não é
típico de sociedades de alta confiança e sociabilidade espontânea, os fatores
que realmente tornam a economia alemã impressionante são vistos nos
sistemas de aprendizagem (ibidem, p. 219). Se a aplicação do Taylorismo –
uma prática ótima para situações de baixa confiança social- gerou
consequências nefastas sobre a confiança entre empregados e patrões na
74

primeira metade do século XX (ibidem, p. 226), o modelo nunca foi adotado de


maneira irrefletida em terras alemãs, sendo preterido em nome de um set de
relações de confiança que tornaram as indústrias alemãs mais flexíveis que as
americanas (ibidem, p. 230).

The willingness of German managers to trust blue-collar workers with


greater responsibilities is closely related to the high level of worker
skills in Germany, and, consequently to the apprenticeship system
that has served to develop and maintain them. (ibidem, p. 237)

Cerca de 70% dos trabalhadores alemães iniciam suas carreiras por este
sistema (ibidem. p. 237), que é administrado em parte pelas empresas e em
parte pelo governo (ibidem, p. 238). O maior nível de habilidade dos
funcionários permite uma confiança maior por parte dos chefes, assim como o
ambiente de trabalho torna-se menos alienante (ibidem, p. 242) O sistema
alemão realiza um equilíbrio entre um custo trabalhista alto, nichos de alto valor
agregado e instituições comunais que produzem alta estabilidade econômica
(ibidem, p. 243) e é fruto da manutenção histórica de instituições feudais, como
guildas, por mais tempo do que em países vizinhos (ibidem, p. 246).

Se, de um ponto de vista político, uma limitação na aplicação de princípios


liberais teve efeitos nefastos na esfera política (ibidem, p. 248), por outro, teve
resultados benéficos na modernização econômica do país (ibidem, p. 249). A
cultura comunal alemã, assim como a japonesa, explica como duas nações que
não foram delineadas pelo ethos igualitário tenham, na prática, ao longo de
séculos, criado sociedades mais igualitárias na prática (ibidem, p. 252).

Em comparação com os exemplos positivos citados há pouco, as práticas


industriais americanas pareceriam mais ligadas ao paradigma taylorista, de
baixa confiança (ibidem, p. 255), não obstante, mesmo Henry Ford imprimiu
uma série de práticas paternalistas em sua administração (ibidem, p. 256). Os
problemas de confronto trabalhista ocorreram principalmente na indústria
automotiva após a Grande Depressão, tornando-se padrão após a 2ª Guerra
Mundial (Ibidem, p.257).

Com a revolução da produção lean (ibidem, p. 258), a aplicação do novo


formato de produção em fábricas após a crise do petróleo nos anos 1970
75

suscitou uma série de problemas no setor automotivo. Na GM, em 1980, além


de problemas com a robotização, com a visão dos sindicatos sobre o sistema
de rotação de trabalho e o padrão de alta bonificação para o CEO em um
momento de vacas magras obstaculizaram uma justa aplicação do modelo
(ibidem, p. 262). Contra um estudo do MIT21, que justificava a diferença na
absorção do sistema lean em termos de curva de aprendizagem, Fukuyama
afirma que os dados não negam a tese da influência da sociabilidade
espontânea (ibidem, p. 263) Os Estados Unidos, de uma herança de alta
confiança, uma cultura individualista e que já ostentou práticas industriais de
baixa confiança, são, pois, um exemplo intermediário (ibidem, p. 263 -264),
sendo esta característica dual de confiança e individualismo mais
impressionante por existir num ambiente culturalmente diverso (ibidem, p. 272).

Tomando emprestados os termos de Ferdinand Tönnies22, para Fukuyama, a


Gesellschaft (sociedade) americana, criada segundo a Constituição e a
Declaração da Independência, é individualista e baseada em uma linguagem
de direitos, enquanto a Gemeinschaft (comunidade), derivada da religião e da
cultura, tem caráter moderador do ímpeto atomista (ibidem, p. 273). Durante o
período da industrialização, apesar dos robber barons, verificou-se nos EUA a
existência de um alto índice de confiança social, onde as ações
governamentais tinham por objetivo limitar as instituições privadas, e não
fomentá-las (ibidem, p. 276). Sendo ausente uma casta verdadeiramente
aristocrática, uma padronização de comportamento e um conformismo pode
ser lido pelas lentes críticas de pesquisadores como David Riesman 23 e William
Whyte24 (ibidem, p. 277). Semanticamente, criou-se uma confusão pois o
individualismo americano era, na verdade, antiestatismo, uma visão contrária
ao inchaço governamental, e não contraria às instituições intermediárias da
sociedade civil (ibidem, p. 279).

From the moment of its founding up through its rise at the time of
World War I as the world´s premier industrial power, the United States
was anything but an individualistic society. It was, in fact , a society

21
Vide Womack, Jones et al (1991).
22
Vide Tönnies (1977) e Timasheff (1965).
23
Vide Riesman, Glazer et al (1950).
24
Vide Whyte (1956).
76

with a high propensity for spontaneous sociability, which enjoyed a


widespread degree of generalized social trust and could therefore
create large economic organizations in which nonkin could cooperate
easily for common economic ends (ibidem, p. 281)

O caráter sectário dos puritanos da América do Norte criou uma base para
posteriores usos do capital social em organizações e objetivos alheios à
religião, sendo, ao mesmo tempo, fonte da visão comunitarista e individualista
do caráter americano. A revolta contra a igreja estabelecida abre espaço para a
criação de novas organizações, mas enfraquece os laços hierárquicos (ibidem,
p. 293). A sociabilidade puritana, pois, era autodestrutiva (ibidem, p. 294).

Outra fonte moderadora do individualismo adveio das etnias, apesar de


diferenças de output de sociabilidade (ibidem, p. 296), sendo exemplos
extremos as comunidades asiáticas, com altos índices de propriedades de
pequenos negócios, e a afro-americana, com baixos resultados nestes
indicadores (ibidem, p. 297). O problema da comunidade afro-americana é,
muito provavelmente, fruto da escravidão, já que algumas comunidades
imigrantes, como a jamaicana, apresentam mais coesão social que os
americanos descendentes de escravos (ibidem, p.303). Outros exemplos
extremos são as comunidades judaicas, muito direcionadas para a
sociabilidade espontânea, e os Irlandeses, muito pouco representados como
proprietários de negócios, sendo a comunidade italiana um exemplo
intermediário:

The Italians, who advanced more rapidly than the Irish but less rapidly
than the Jews, fell somewhere in between the two in terms of
community self-organization. A number of mutual aid societies were
created by workers and shopkeepers, but the Italian community never
spawned large, community-wide or welfare organizations like B´nai
B´rith. (Ibidem, p. 305)

Desde os anos 1940, houve uma queda na qualidade da sociabilidade norte-


americana (ibidem, p 308), sendo o senso de comunidade diluído num
ambiente de crise da base familiar e uma proliferação de grupos de interesses
na arena pública (ibidem, p.309). Tal afirmação tem como grande sintoma a
jurisfação observada tanto pelo lado civil quanto pelo lado criminal na
77

sociedade americana (ibidem, p. 310), sendo as causas da hipertrofia do


individualismo presentes no próprio modelo capitalista (ibidem, p. 311), a
criação do estado de bem-estar social pelo New Deal (ibidem, p. 313) e, por
fim, a evolução tecnológica (ibidem, p. 316).

Todo este enredo teve como pano de fundo a então novidade da globalização
e sua influência na criação de novos modelos organizacionais e de marketing,
mais facilmente aplicáveis em sociedades de alta sociabilidade (ibidem, p.318).
Os EUA, enquanto sociedade, como personagens com sociabilidade
declinante, atuam erroneamente, apostando nos resultados e policies de
estudos multiculturais, supervalorizando culturas externas, ao invés de se
preocupar com a sua própria (ibidem, p. 320).

Outras explicações para a existência de grandes empresas e economias de


escalas, como o tamanho do mercado externo e tecnologia (ibidem, p. 326), o
nível de desenvolvimento da economia (ibidem, p. 328), a tese do
desenvolvimento atrasado (ibidem, p. 329) e a ausência de instituições e
estruturas legais (ibidem, p. 330) são aventadas, mas refutadas. A política
estatal, entretanto, é levantada como uma hipótese menos problemática, mas
Fukuyama continua defendendo que o fator cultural tem sido subestimado
(ibidem, p. 333). A questão da prevalência competitiva de um tipo ou outro de
organização industrial, com a mudança dos rumos da economia global, pode
ser fonte de incertezas (ibidem, p. 341), e, em última análise, uma economia
com menos escala, ou intermediária, pode se tornar mais interessante – sendo
esse tipo de modelo divergente dos modelos de comunidades de alta
sociabilidade (ibidem, p. 342).

Complementando a sua antiga visão de que a democracia e o liberalismo


venceram suas ideologias concorrentes, atingindo o fim da história
(FUKUYAMA, 1989), surge o aspecto negativo da modernidade e sua limitação
em relação às engenharias sociais que, ainda que mínimas, mostram-se
desastrosas (FUKUYAMA, 1995, pp. 352-353). Se, à época, conhecido como
um teórico político, o tratado de Fukuyama foi lido com espanto por, para
leitores superficiais, ser um trabalho alheio à política, sendo econômico em sua
substância, o texto, próximo de seu fim, retoma a clave tradicional de análise
78

social ao correlacionar sociabilidade espontânea a sistemas de políticos de


liberdade ordenada, organizados efetivamente (ibidem, p. 357). Além das
firmas ineficientes, o baixo capital social oferece aos países um ambiente de
corrupção pública e ineficiência na administração governamental (ibidem, p.
358).

O exemplo dos regimes políticos em países que sofreram com o totalitarismo


no leste europeu resume bem o problema:

The totalitarian Project envisioned the destruction of an independent


civil society and the creation of a new socialist community centered
exclusively around the state. When the latter, highly artificial
community collapsed, there were virtually no alternative forms of
community beyond those of family and ethnic groups, or else in the
delinquent communities constituted by criminal gangs. In the absence
of a layer of voluntary associations, individuals clung to their ascriptive
identities all the more fiercely. (…) In developed capitalistic societies
with strong civil societies, by contrast, the economy itself is the locus
of a substantial part of social life. (ibidem, p. 361)

2.4 - Sowell – Raça, Migração, Conquistas e Cultura

Oriundo das hostes da Escola de Economia da Universidade de Chicago,


tendo sido aluno de Milton Friedman e de George Stigler, Thomas Sowell, um
economista negro de renome, além de polemista de vasta bibliografia, dedicou
três livros a um projeto portentoso de apreciação eminentemente cultural do
desenvolvimento econômico.

Sowell (1994) ofereceu, no primeiro tomo de sua trilogia, uma análise da


questão cultural em métiers econômicos, sem prescrições políticas (ibidem,
p.xii). Sua tese gira em torno da preponderância das mudanças de padrões
culturais, contra explicações que giram em torno de concepções de
“sociedade”, (ibidem, p. 7), sendo aquelas mudanças importantes já que se
materializam em comportamentos práticos (ibidem, p. 10), tratando, neste livro
especialmente, da relação entre raças, amplamente entendidas pela lente
79

cultural – ou seja, não por um viés biológico -, e variáveis importantes para o


desenvolvimento.

Comunidades etnicamente heterogêneas oferecem variabilidade de


prospectos de trabalho, tanto por conta de habilidades necessitadas quanto
pela aceitação cultural de grupos (ibidem, p. 83), sendo tais grupos
heterogeneamente afetados por políticas públicas racialmente discriminantes,
intencionalmente ou não (ibidem, p. 84). Segregações empregatícias não
podem ser inferidas por estatísticas finais de representação grupal, já que
estas são influenciadas pelas habilidades e escolhas dos indivíduos (ibidem, p.
84): os resultados realmente fortes de discriminação surgem da segregação da
oferta de bens públicos, e não da influência dede grupos privados, já que estes
não são, geralmente, monopolistas – comumente, cabe ressaltar, países com
grandes controles públicos e intervenção direta na economia tendem a
apresentar maior discriminação intergrupal (ibidem, pp. 98-99). O mercado e
sua influência desprovida de preconceitos, amparado em dados reais relativos
a custos e benefícios, diminui a influência das instituições discriminatórias, que
são diversas em seu efeito e continuidade. Há uma série de fenômenos que,
apesar de serem taxados como frutos de preconceitos, não são remediados
pela devida regulamentação: aparentemente não se consegue remodelar a
sociedade de modo a beneficiar as minorias discriminadas (ibidem, p. 100).

Um exemplo de fato taxado como discriminatório se dá no pool de agregações


étnicas em ofertas residenciais, que permite proximidade de compatriotas,
agregação de conhecimentos técnicos específicos e sobre a nova sociedade
entendida de forma mais ampla (ibidem, p. 104). O fato é que mudanças
sociais locais promovidas por uma mudança da base populacional de uma
localidade criam uma pressão nos custos de integração residencial de etnias
diversas, para o bem ou para o mal (ibidem, p. 107). Levando em conta, além
das questões estereotípicas, o fundamento econômico real, o economista afro-
americano afirma que:

Behavioral differences between groups can impose costs on either or


both. If one group is more prone to crime or disease, that impose
costs on any other group in contact with them, whether at work or
living in the same neighborhood. Where there are language
80

differences, costs are imposed on both groups. Such costs are real
and do not depend upon perceptions or stereotypes, nor do they
necessarily entail prejudice or animosity. (…) People tend to minimize
their own costs in various ways – such as job segregation, residential
segregation or the offering of different credit terms to different groups
(SOWELL, 1994, p. 113)

O estudo das instituições políticas em relação à questão racial deve ser levado
a cabo tendo em mente o jogo de incentivos, e não a régua das finalidades
ideológicas de caráter propositivo (ibidem, p. 118), já que se sabe que o
governo funciona como uma entidade de captura de renda e de poder (ibidem,
p.119). Tendo o conhecimento de que a arbitrariedade e corrupção não
conduzem à prosperidade econômica (ibidem, p. 121), a lei e a ordem, que
surgiram em processos históricos longos e tortuosos (ibidem, p. 122) tendem a
proteger grupos minoritários, enquanto ações de grupos que julgam as como
leis injustas tendem a desfavorecer estas mesmas minorias quando há um
arrefecimento da aplicação legal (ibidem, p. 123). A democracia, ainda que
benéfica, não é suficiente para avaliar o direcionamento racial de uma dada
comunidade política (ibidem, p. 125), e o surgimento de partidos raciais,
quando ligados a uma etnia exclusiva e com retóricas de antagonismo étnico,
tende a acentuar as condições de polarização (ibidem, p.126).

É rara a representação justa de minorias nos exércitos (ibidem, p. 132), o que


pode tanto servir para moderar os espíritos cheios de animosidade quanto
pode segregar raças por conta de tradições e de realidades sociais locais,
criando um ambiente perigoso, já que a centralização do poder armado estatal
pode ser usada ilegalmente em golpes de estado (ibidem, p. 134). Os padrões
das políticas nacionais nos países que recebem estrangeiros dependem dos
esforços destes imigrantes promovidos na influência dos laços entre sua nova
casa com o país de origem, assim como o esforço diplomático dos países de
origem direcionado ao país receptor dos imigrantes, com a finalidade de que
sejam adotadas políticas favoráveis, sendo também importante a sua influência
política nos compatriotas alhures em benefício próprio (ibidem, p 135). No curto
prazo, as soluções políticas oferecem apenas símbolos, e não respostas
práticas (ibidem, p. 141), e a evolução educacional, quando focada em
diplomas direcionados a mercados cativos de trabalho, e não em habilidades
81

verdadeiras, tende a ampliar os conflitos grupais (ibidem, p. 143). Dentro desta


realidade prática, guiada por lideranças políticas (ibidem, p. 145), o uso de
palavras como “percepção” e “estereótipos” são predominantes no léxico
ideológico para negar ou suavizar diferenças comportamentais de grupos
(ibidem, p. 153).

Já a correlação entre raça e inteligência é extremamente polêmica, tanto pela


grande miscigenação genética quanto pela lassidão da definição de inteligência
(ibidem, p. 156). Testes internacionais tendem a seguir padrões demográficos e
econômicos (ibidem, p. 157), enquanto as comparações intergrupais locais e a
diferença de resultados, não podendo ser explicada demográfica e
economicamente, não é totalmente explicada pelas diferenças educacionais
(ibidem, p. 159), o que se complica pela propagação de análises deformadas
por vieses de seleção (ibidem, p. 161). Há uma dificuldade inerente em
explicar, por exemplo, as fontes da diferença de resultados em testes de
pensamento abstrato como advindas de questões culturais, que influenciam até
mesmo resultados de questionários não-verbais, ou mesmo da diferença de
interesse por e esforço direcionado ao desenvolvimento destas habilidades por
parte dos pertencentes aos grupos estudados (ibidem, p 164). A alteração
temporal dos resultados tende a dar forças à explicação ambiental contra a
hipótese hereditária, entretanto, quando pensamos nos grupos que não
apresentaram grande desenvolvimento dos resultados ao longo do tempo, o
tabu erigido sobre a questão de raça e QI criou apenas uma visão socialmente
negativa, que fortalece o argumento genético (ibidem, p. 168).

Em termos reais, hereditariedade e o ambiente dificilmente são totalmente


separados (ibidem, p. 170), sendo o segundo termo uma palavra que condensa
uma enormidade de outras variáveis, o que apenas complica ainda mais o
problema (ibidem, p. 172). Apesar do caráter eminentemente empírico da
questão, ela foi alçada aos andares políticos e jurídicos (ibidem, p. 173). A
execução de ações para a ampliação da representação de estudantes
minoritários, por exemplo, teve resultados negativos tanto nas instituições de
elites quanto nas medíocres, assim como influenciou negativamente
estudantes negros e os provenientes de outras etnias (ibidem, p. 177).
Questiona-se, politicamente, o quão culturalmente guiados são os testes
82

aplicados para a mensuração intelectual, entretanto, os perpetradores deste


discurso não percebem que culturas são eficientemente direcionadas para a
obtenção de certos resultados locais específicos (ibidem, p. 178), e, já que
sociedades livres de cultura inexistem, pensar em testes livres de cultura seria
uma contradição prática (ibidem, p. 179). Em geral, os dados suportam a
afirmativa de que grupos de baixa renda estejam fadados à permanência na
mesma posição (ibidem, p. 183).

Se a baixa correlação de posições nos testes e desempenho posterior levou a


terríveis resultados por meio da aceitação de estudantes com resultados pouco
elevados (ibidem, p. 185), estas ações e políticas educacionais são postas em
prática num ambiente em que o nosso conhecimento sobre as estruturas da
inteligência humana é, ainda hoje, bastante limitado (ibidem, p. 184), donde se
depreende o fato de que

Although the discussion of intelligence has been almost exclusively in


terms of mental tests, this has been a matter of convenience rather
than importance. It is by no means established that mental tests have
been devised for all (or most) of the vast spectrum of human skill.
Even activities normally thought as physical have mental dimensions
that can make major differences in outcomes. (ibidem, p. 183)

Se a questão racial, em especial na América, traz a escravidão à tona como


fator histórico formador das desigualdades, tal identificação é mal fundada
(ibidem, p. 186). A escravidão foi mundialmente praticada, como, tendo
existido, por exemplo, na Europa e na Ásia (ibidem, p. 187), e foi aplicada tanto
intrapovos quanto externamente (ibidem, p 188). Além disso, há uma gradação
do nível de escravidão, derivada das formas como os escravos eram tratados e
dos serviços para os quais eles eram utilizados (ibidem, p. 191).

A escravidão pura derivava de incentivos práticos, e não de uma ideologia


racista, surgindo, principalmente, da ausência de barreiras legais e militares
dos povos conquistados (ibidem, p. 193). A argumentação racional para a
escravidão, de fato, surge apenas a posteriori (ibidem, p. 195). Versões mais
brandas de escravidão tendiam a ser praticadas nos casos de trabalhos
domésticos (ibidem, p. 204) ou até mesmo nos casos de escravidão urbana,
83

uma situação em que os contatos sociais eram, pois, mais livres (ibidem, p,
206).

O pioneirismo britânico no combate ao escravismo, suscitando movimentos


abolicionistas na América e legislações no mesmo espírito em França, delimita
o caráter ocidental do movimento, que era combatido no oriente, especialmente
em terras islâmicas (ibidem, p. 212). O investimento em escravos, em várias
partes do globo, era mais um ato de luxo do que um investimento de capital
(ibidem, p. 214), gerando uma posterior aversão ao trabalho duro (ibidem, p.
215), mais dependente da visão negativa da labuta do que de uma condição
naturalmente preguiçosa (ibidem, p. 216). De maneira geral, a escravidão não
gerou desenvolvimentos culturais positivos (ibidem, p. 217). Contra as visões
materialistas do desenvolvimento econômico, o processo da abolição é um
grande exemplo da ação moral como driver econômico mais poderoso que o
interesse próprio (ibidem, p. 218).

Sowell vê uma ironia no fato de que, em épocas mais contemporâneas, tanto


no ocidente quanto fora, o destaque tenha sido dado ao escravismo ocidental,
e não ao processo de emancipação e seus líderes, pontos fora da curva na
história mundial (ibidem, p. 222). Sabendo-se que as circunstâncias práticas,
não ideológicas, criaram a escravidão, Sowell afirma que:

Slavery and racial ideologies have indeed been related in many


societies around the world, but to say that slavery was based on race
is top ut the cart before the horse. Where those who were enslaved
were of a different race, that race has been despised, whether in
Western or non-Western societies, and whether the slave or the slave
owner had the lighter complexion. Slavery has therefore left a legacy
of attitudes toward race, as toward work, and both sets of attitudes
have handicapped former salve societies long after the institution of
slavery itself has been destroyed. (ibidem, p. 223)

O cerne da análise de Sowell surge com a afirmação de que a história nos


apresenta padrões (ibidem, p. 224), e que o dogma das ciências sociais que
planifica as diferenças culturais entre povos ignora o fato de que, grosso modo,
as culturas competem entre si (ibidem, p 225), algo que vai de encontro à tese
do multiculturalismo (ibidem, p. 226). Tal visão histórica, indispensável para o
84

entendimento dos processos sociais, é o alvo preferencial de uma classe


intelectual que defende suas próprias ideologias e fins políticos (ibidem, p.
227).

Delineando o clima intelectual como uma disputa entre teóricos que


argumentam pelas influências externas como explicações para o
desenvolvimento – como no caso marxista – e suas contrapartes defensoras de
argumentos sobre fatores internos – como os weberianos – (ibidem, p. 228),
Sowell defende o óbvio, a mescla dos dois fatores (ibidem, p. 229):

In short, peoples have lived in different cultural universes, rooted in


different histories, evolved from different imperatives. Understanding
the nature and the scope of the cultural universe us essential to
understanding differences in the ways in which different peoples
confront the same challenges and opportunities in the external world
of the present (ibidem, p. 229)

Culturas variam em função de características próprias, efetividade prática na


obtenção de resultados e escopo (ibidem, p. 233), sendo, em geral, contra-
atacadas por forças econômicas internacionais, que necessitam de bases
homogêneas como, por exemplo, uma língua internacional (ibidem, p. 235). Os
ambientes geográficos e naturais se influenciam uns aos outros (ibidem, p.
241), sendo fatores decisivos na história política das nações (ibidem, p. 242),
mas uma posição geograficamente vantajosa é, de certo modo, variável em
relação ao tempo e em relação ao desenvolvimento cultural, de modo que
nunca houve uma região ótima, estática, para o desenvolvimento da espécie
(ibidem, p. 245). Dizer que a cultura moderna, do empirismo científico, nasceu
na Europa, apesar de ter se espalhado pelo mundo, entretanto, não é defender
um preconceito, mas apresentar um fato (ibidem, p. 249).

A mensagem final de Sowell pode ser lida em sua afirmação acerca da


dependência da moralidade e da causalidade de fatos moralmente importantes
(ibidem, p. 249), enquanto ele lamenta o erro de especificação comum tanto
nos debates quanto nas políticas defendidas no âmbito do desenvolvimento
(ibidem. p. 250). A história foi, de certo modo, tão instrumentalizada que
chegou a perder o significado (ibidem, p. 254), por meio do mau uso das
abstrações nacionais, (ibidem, p. 254) e abstrações estatísticas que, para
85

serem bem utilizadas, deveriam ser avaliadas de maneira crítica (ibidem, p.


256):

If statistics are to be used to produce a deeper understanding of


history, rather than to support presuppositions, then the dull and
tedious task of scrutinizing definitions and analyzing the process by
which numbers are generated must be performed as thoroughly as
the more interesting and rewarding task of applying high-powered
statistical techniques.(ibidem, p. 257).

A história pode prover, pois, entendimento claro da realidade (ibidem, p. 258),


caso seja realizada de maneira íntegra (ibidem, p. 257).

As questões culturais são levantadas novamente por Sowell (1996) através de


uma pormenorizada análise da literatura a respeito do papel transmissor das
migrações. Tomando-se como dada a tendência objetivamente seletiva das
imigrações, ou seja, a existência de uma decisão sobre o país de chegada
escolhido a partir de um país nativo (SOWELL, 1996, p. 4), cujas culturas
sofrem influências geográficas de escopo internacional (Ibidem, p. 15), os
avanços migratórios são temporalmente diversos, podendo ser temporários ou
permanentes (ibidem, p. 20), distinguindo-se o motivo de refúgio, muitas vezes
usado criminosamente como pretexto facilitador para a mudança nacional
(ibidem, p. 26), além de serem funcionalmente diversos, como nos exemplos
das minorias de caráter econômico mediativo – middleman minorities , como o
clássico exemplo do povo judeu -, perseguidas por demagogos (ibidem, p. 35).
Ao longo do tempo, mudanças nos modais de transporte (ibidem, p.39), de
políticas nacionais migratórias, passageiras ou bem delimitadas (ibidem, p. 44),
e mesmo características de aculturação dos povos, de caráter bilateral (ibidem,
p. 47), servem como variáveis explicativas para as variações quantitativas e
qualitativas dos fluxos migratórios.

Imbuídos de um valor cultural que concedia primazia à educação (ibidem, p.


54), os alemães, em suas migrações, levaram partes da cultura germânica para
suas novas moradas, expandindo o horizonte local (ibidem, p. 55). A
capacidade de trabalho árduo (ibidem, p. 101), uma visão apática sobre a
importância da militância política, correlata a um alto grau de deferência às
autoridades - ainda que não às autoridades da terra originária (ibidem, p.102) -,
86

tem, de certo modo, uma origem familiar, não nacionalista (ibidem, p. 103).
Grosso modo, tais características foram importantíssimas na industrialização
do Brasil (ibidem, p. 91), imprimiram uma forte marca, por meio de nomes que
se tornaram icônicos, por meio de grandes firmas, gestores, atletas e
intelectuais nos Estados Unidos (ibidem, p. 82), além de, em tempos remotos,
terem sido de imprescindível importância para a área russa do Báltico, que fora
um entreposto germânico conquistado pelo exército czarista (ibidem, p. 57),
para a agricultura próxima ao Volga (ibidem, p. 62), e para a área do Mar
Negro, que, com uma mudança de Czar, foi base para um segundo fluxo
migratório alemão, desta vez para os EUA (ibidem, p. 64). Cabe ressaltar
também a posição de isolamento dos Alemães no Paraguai, que resultou num
exemplo positivo de população minoritária que prosperou gerando pouca inveja
(ibidem, p. 94) e a antiga, mas ambivalente, posição social dos alemães na
Austrália, sendo, em alguns casos, tradicional e separada da comunidade
australiana (ibidem, p.95), e, em outros, bem assimilada e aclimatada (ibidem,
p. 96).

A capacidade de trabalho contínuo, ainda que meticuloso, dos japoneses,


segundo Sowell, provavelmente deriva da sua posição ambiental e histórica,
com uma produção agrícola realizada em uma pequeníssima extensão de terra
(ibidem, p. 111), e figura parelha a uma forte capacidade de iniciativa
econômica empreendedora (ibidem, p. 113). Se inicialmente os japonese que
imigraram para os EUA eram trabalhadores agrícolas, em cerca de três
gerações, eles viraram proprietários e gerentes, tanto de fazendas quanto de
negócios (ibidem, p. 117). Tirando o ocorrido no caso específico do Havaí, em
que a presença politicamente ativa se contrapunha à posição
comparativamente menos enriquecida do que a dos japoneses no resto do
território yankee (ibidem, p. 125), os nipônicos eram distantes da política,
conforme o exemplo dos imigrantes no Canadá (ibidem, p. 125). Um exemplo
de sucesso político, posterior, entretanto ao sucesso econômico, se deu no
Peru (ibidem, p. 128). Já a migração para o Brasil se deu no contexto das leis
de limitação dos EUA, após a 1ª Guerra Mundial (ibidem, p. 128), tendo sido,
em geral, organizada por corporações privadas, e não pelo Estado japonês
(ibidem, p. 130). Após o sucesso nas fazendas, houve um movimento em
87

direção às cidades (ibidem, p. 135), mas o ímpeto educacional japonês em


terras brasileiras teve início no campo, apesar do trabalho rural, com o envio de
crianças para o estudo nas cidades (ibidem p. 136). Não foram as habilidades
japonesas, mas sim o capital humano genérico, presente nos hábitos, que
promoveu o sucesso econômico destes imigrantes, dadas as opções
disponíveis localmente (ibidem, p.138), e acabaram por servir também para
mudar a visão dos nativos sobre os anteriormente belicosos asiáticos (ibidem,
p. 139).

Já o exemplo do desenvolvimento de migrantes italianos, por exemplo, no


Brasil, não dependeu nem de educação nem de habilidades, mas se realizou
apenas por meio do trabalho duro nas lavouras de café (ibidem, p. 159), que,
em conjunção com a atuação de outros grupos, acabou por modernizar o país
(ibidem, p. 160). Em terras norte-americanas, sem a oferta de terra vasta e
barata, os Italianos se urbanizaram (ibidem, p. 161), sendo julgados
positivamente por sua sobriedade e diligência (ibidem, p. 164). O sucesso nos
EUA, entretanto, é muito mais tímido do que o ocorrido no Brasil e na Argentina
(ibidem, p. 166), destinação preferencial dos italianos (ibidem, p. 152) e que se
transformou internamente por conta da ampla presença itálica (ibidem, p. 155).
O baixo nível de educação, assim como a falta de representatividade dos
italianos em profissões especializadas, se mostrou também no caso da
imigração para a Austrália (ibidem, p. 172). A região de nascimento do
imigrante, entretanto, teve, em todos os exemplos citados, forte influência
(ibidem, p. 167). Segundo Sowell, o grande sucesso dos italianos,
especialmente enquanto empreendedores, se deu quando eles se depararam
com situações de subdesenvolvimento comparativo: nestas situações, os
atores foram, especialmente, os italianos do norte (ibidem, p.174).

Já os chineses se destacaram como a maior comunidade de intermediários


econômicos alhures (ibidem, p. 175), tendo sido usados como trabalhadores
intermitentes por muitos séculos no sudeste asiático: a migração em massa se
materializou apenas desde o século XIX (ibidem, p. 178). Em geral, as
comunidades chinesas, na média, apresentaram rendas mais altas do que as
das populações locais (ibidem, p. 179). O sucesso chinês nos países asiáticos
vizinhos se deu, primordialmente, pela confiança nos acordos verbais, que
88

forneceram uma vantagem competitiva tanto com credores quanto com clientes
(ibidem, p. 182). Especialmente no ocidente, a mão de obra chinesa foi
utilizada na agricultura no Caribe e na América do Sul, onde os imigrantes
eram tratados de maneira bastante violenta (ibidem, p. 215). Não obstante, eles
emergiram como proprietários de pequenas lojas na região (ibidem, p. 218).
Apesar de setbacks legais, os chineses nos EUA atingiram tanto proeminência
econômica quanto intelectual e social (ibidem, p. 226). Se o sucesso dos
chineses em evoluir socioeconomicamente não teve correlação nenhuma com
as sociedades hospedeiras, dada a diversidade de exemplos de bons
resultados (ibidem, p. 227), boa parte do sucesso empresarial deles se deveu à
prática de preços competitivos sem a requisição de colateral (ibidem, p. 229).

A diáspora judaica, por sua vez, mostrou seu caráter único por ser uma
comunidade exterior maior do que a disposta dentro dos seus limites nacionais,
por conta da perda reiterada do território nacional e por uma constante
mudança nos padrões de dispersão populacional, tendo sido, se não a maior
comunidade de middleman minorities, a mais tradicional (ibidem, p. 235).
Apesar da história desde os tempos antigos (ibidem, p. 236), cabe ressaltar,
modernamente, a excepcional contribuição judaica para o comércio e a
indústria na América Latina (ibidem, p. 282), criando, por exemplo, a indústria
têxtil nos EUA, Chile, Brasil e Argentina (ibidem, p. 286). Os judeus se
identificaram com as práticas comerciais e, como outras minorias
intermediárias, converteram tal sucesso em negócios de maior monta e em
práticas derivadas da educação especializada (ibidem, p. 306).

As posições socioeconômicas dos indianos expatriados, grosso modo,


dependiam da posição de cada subgrupo na pátria-mãe (ibidem, p. 368). Em
alguns casos, foram minorias intermediárias, em outros não, sendo os
sucessos nos negócios correlacionados à crescente especialização e
educação, algo em comum tanto com as comunidades de expatriados chineses
quanto com a diáspora judaica (ibidem, p. 368). A frugalidade, lado a lado com
a tenacidade e a persistência, foram comportamentos bastante proeminentes,
sendo os indianos muito mais bem sucedidos economicamente que suas
contrapartes locais em países em que a subsistência era praticamente
garantida (ibidem, p. 369). O número de gestores e técnicos indianos
89

expatriados, em 1981, chegava ao montante de 400 mil pessoas, talvez pela


falta de demanda nacional por atividades especializadas (ibidem, p.369).

Em suma, o argumento de Sowell é o de que, estatisticamente, há uma


disparidade de representatividade, racial e étnica, nos dados de ocupação
profissional e de índices econômicos, uma desigualdade historicamente
persistente (ibidem, p. 372), e que tal realidade se dá pelo fato de que
habilidades não são distribuídas aleatoriamente pelas sociedades (ibidem, p.
373), sendo as explicações ambientais e meramente biológico-hereditárias
para tal questão bastante problemáticas (ibidem, p. 375). Apresentando uma
posição histórica, não dogmática, o economista nos lembra de que políticas de
protesto também pouco explicam as grandes mudanças econômicas
analisadas acima, e que as políticas públicas apenas moderaram ou
exacerbaram as consequências que, na verdade, encontram seu fundamento
na história e nos comportamentos dos povos (ibidem, p. 378):

The dogma that the immediate environment or the history of the


surrounding society is virtually all that matters need not be replaced
by a dogma that only internal culture patterns matter. But the balance
between them cannot be struck by any a prior formula. That is why
history has to be studied and not constructed from theories. Unique
events, specific leaders, passions of the moment and accidental
confluences of circumstances all make history more than a simple
pattern predetermined by social, geographic, or other forces.
Nevertheless, the skills, habits, and values which constitute the
cultural endowment of a people usually play a powerful role in shaping
the kinds of outcomes experienced by the people. The fashionable
false dichotomy between “blaming the victim” and blaming “society”
ignores factors for which no blame is in order (Ibidem, p. 337)

Em um ponto específico, Sowell é antiweberiano, enquanto ele afirma que o


relativismo cultural é uma posição preferida apenas por uma ínfima parcela da
humanidade – inclusos aqui os intelectuais e muitos analistas do
desenvolvimento econômico - (ibidem, p. 381) e que as diferenças de capital
cultural tornam a disparidade socioeconômica inevitável (ibidem, p. 382). A
imigração, como um forte transmissor cultural, tende a afetar fortemente o
tecido social, podendo até destruir as sociedades hospedeiras (ibidem, p. 387),
90

e a atual agenda política que não permite a seletividade dos imigrantes a


serem aceitos cria uma dicotomia: as políticas imigratórias se resumem ou a
fronteiras abertas ou à imigração altamente restrita (ibidem, p. 388).

No terceiro tomo de criminosamente desconhecido seu trabalho, Sowell (1998)


se debruça sobre a conquista militar e política como um meio transmissor
cultural. Inicialmente, Sowell atesta o caráter ambíguo, tanto disseminador de
capital humano, quando os conquistadores são tecnologicamente mais
avançados, quanto destrutivo, quando os overlords são intelectualmente e
economicamente inferiores (SOWELL, 1998, pp. 3-4). Entretanto, não é
somente a fonte da dominação que importa, já que a disseminação cultural
entre os conquistados não é homogênea (ibidem, p. 8). As disposições
geográficas são citadas como variáveis ambientais por excelência, tanto nas
conquistas quanto na história cultural (ibidem, p. 11), apesar das conquistas
terem perdido espaço a partir da consolidação dos estados nacionais (ibidem,
p. 13).

O exemplo do povo britânico é levantado, inicialmente, através de um ângulo


preocupado com a influência que a dominação romana exerceu sobre a
pequena ilha europeia. As classes altas se abriram à cultura romana, como
costuma ocorrer, com vistas à obtenção de benesses e oportunidades (ibidem,
p. 24). Assim como a pax Romana civilizou e criou a infraestrutura básica na
ilha inglesa, houve retrocesso com a debandada romana (ibidem, p. 25),
quando tribos pré-cristãs disseminaram a destruição (ibidem, p. 26). Já
enquanto Inglaterra, o início de seu desenvolvimento comercial, industrial e
financeiro deveu-se à presença estrangeira (ibidem, p. 31) e a evolução
institucional do país seguiu pari passu o esfacelamento do poder público,
minado pela limitação de poder derivada da Revolução Gloriosa (ibidem, p. 33).
Aliada a isso, a experiência comercial centenária se mostrou um fator
importantíssimo no posterior desenvolvimento industrial (ibidem, p.34). O
padrão do País de Gales, enquanto conquistado pelos britânicos, foi parecido
com o do país conquistador (ibidem, p. 51), mas a criação de uma elite
intelectual de cunho nacional, ao invés de desenvolver a população, criou um
ambiente de rusgas com os conquistadores (ibidem, pp. 51-52). Já os
escoceses chegaram a representar, dentro da comunidade inglesa, uma força
91

dominante na intelectualidade mainstream (ibidem, p 59), apesar da tradicional


distinção entre os highlanders mais afastados e aguerridos e os lowlanders
mais pacíficos (ibidem, p 60). Os irlandeses, de certo modo, mantiveram-se
religiosamente e politicamente separados da esfera pública inglesa (ibidem, p.
66).

Um dos principais desenvolvimentos civilizacionais ofertado pelos britânicos


para o mundo foi a prática liberal, concretizada tanto na batalha contra o tráfico
de escravos quanto pela ação antinazista na 2ª Guerra Mundial (ibidem, p. 86).
Se a proximidade de insumos importantes facilitou o desenvolvimento industrial
inglês, fatores culturais foram igualmente importantes para a proeminência do
país (ibidem, p. 97).

O caso africano é o da separação total, não só em relação aos povos


externos, mas também em relação aos povos vizinhos dentro do continente
(ibidem, p. 100). Os rios navegáveis ali são pouquíssimos, fator imprescindível
na falta de urbanização africana, uma das mais problemáticas no mundo
(ibidem, p. 102). A falta de conexão do interior africano com o mar foi a
principal barreira natural contra o desenvolvimento econômico e cultural local
(ibidem, p. 106). Fugindo da óbvia questão da escravidão, cabe ressaltar que
as doenças locais foram, de certo modo, aliadas contra os conquistadores
externas (ibidem, p. 114), e, contra este inimigo biológico, a imposição da
ordem política europeia nas terras africanas teve um efeito próximo ao da pax
Romana na Inglaterra (ibidem, p. 117). Do mesmo modo, quando o
imperialismo europeu fugiu da África, as consequências tecnológicas e sociais
foram desastrosas, em um ambiente de golpes e contragolpes militares
incompatíveis com as esperanças iniciais de independência (ibidem, p. 120). A
influência ocidental criava disparidades internas nos países independentes,
como no exemplo de áreas da Nigéria favorecidas pela educação britânica
(ibidem, p. 125) e na minoria ocidental que impulsionou o desenvolvimento
econômico de Gana (ibidem, p. 143).

Pensando na diáspora africana, advinda da escravidão, Sowell ressalta que


ela é basicamente ocidental, já que, nos países muçulmanos, sobraram poucos
descendentes africanos por conta tanto do agressivo ambiente onde ocorria o
92

transporte dos escravos quanto pelo tratamento geral, violento, dado pelos
dignitários maometanos à mão de obra subjugada (ibidem, p. 157).

Utilizados nas plantations ocidentais, os africanos perderam boa parte da sua


cultura, sem ganharem o domínio total da cultura local, o que os colocou em
desvantagem (ibidem, p. 159), o que permitiu a manutenção dos efeitos da
escravidão após a abolição (ibidem, p. 167). Uma influência assaz nefasta do
ocidente no jogo político da África ocorreu por meio da exportação de
ideologias radicais, absorvidas por intelectuais africanos que estudaram fora,
criando consequências práticas catastróficas (ibidem, p. 173).

Já a análise de Sowell sobre os eslavos – donde surgiu a palavra escravo –


parte da questão da diferença geográfica entre a Europa ocidental e oriental –
com limitações de acesso aos oceanos economicamente interessantes e um
clima gelado- , por um lado, e , por outro, da ausência da influência romana no
oriente (ibidem, p. 175). A influência ocidental-latina, inclusive, ajudou a
desenvolver um cisma na cultura eslava, onde havia dominância grego-
ortodoxa (ibidem, p. 184).

Como no caso africano, a geografa complicada insuflou desunião institucional


e política (ibidem, p. 191). A dominação otomana, por exemplo, subjugou a
cultura sérvia, sem mesclá-la à cultura dominante, enquanto, sob o jugo
Habsburgo, o relacionamento entre conquistadores e conquistados foi muito
mais complexo, dependendo de, por assim dizer, lideranças intermediárias
(ibidem, p. 195). Se, geralmente, a ascensão do estado moderno no ocidente
se deu através de agregações internas, os países eslavos surgiram por meio
de guerras contra invasores (ibidem, p. 196). O papel dos intelectuais foi,
nestas nações, o de criação de polarizações e instabilidades (ibidem, p. 205).

O Império russo, atrasado, dependeu da mão de obra externa para se


modernizar (ibidem, p. 212), e sua relação com os povos subjugados foi ampla,
tanto partindo de uma posição mais desenvolvida – na Ásia- quanto de um viés
dominador subdesenvolvido – na região do Báltico (ibidem, p. 217). O povo
ucraniano foi conquistado desde sempre por outras nações (ibidem, p. 225),
enquanto as republiquetas da Ásia Central foram criadas de modo artificial, a
despeito das grandes diferenças populacionais de minorias religiosas (ibidem,
93

p. 232). Apesar do atraso relativo, o povo eslavo atingiu altos resultados nas
artes e nas ciências (ibidem, p. 241). O declínio democrático eslavo entre as
duas grandes guerras serve como indicador da limitação do capital humano e
das bases intangíveis necessárias para o desenvolvimento (ibidem, p. 247).

O caso dos índios do ocidente, talvez, seja o mais extremo exemplo deste rol.
O ambiente geográfico impediu não somente as trocas econômicas e culturais
com o exterior, mas também entre as tribos locais (ibidem, p. 252), criando
universos culturais minúsculos (ibidem, p. 253). Com a chegada dos europeus,
houve um “ataque” unilateral de uma potência amparada por inúmeras culturas
antepassadas contra culturas localizadas e fechadas (ibidem, p. 255). Um
grande aliado do homem branco foi o aglomerado biológico de doenças contra
as quais os indígenas não tinham defesa alguma (ibidem, p. 254).

A descoberta das Américas pelos ocidentais teve resultados duradouros,


mudando o foco internacional do comércio (ibidem, p. 260). De fato, as culturas
indígenas mais avançadas facilitaram a ação do homem branco, enquanto as
mais atrasadas, dispersas, apresentaram maior oposição à escravidão (ibidem,
p. 263). Segundo Sowell:

In general, the expansion of the White settler in North Amercia was


directed primarily toward taking over the land itself, rather than
acquiring Indians as subjects of the government or as vassals ow
white landowners or of European ecclesiastical establishments, as
happened in much of Spanish America. One consequence of this
difference was that Indian and European races were much less mixed
in British North America than in Spanish America, where substantial
part of the entire population was of mixed blood after three centuries
of rule of Spaniards (ibidem, p. 299).

Sowell ressalta, entretanto, que houve um processo de semi-conquista,


dependente muito mais das particularidades culturais e geográficas locais, já
que a ação dos conquistadores, sejam eles britânicos ou espanhóis, possuía o
mesmo direcionamento (ibidem, p. 300), apesar de, ao norte, ter ocorrido um
transplante de sociedade ocidental, enquanto, ao sul, manteve-se uma cultura
indígena, ainda que subjugada, com menos influência ocidental. Os nativos
94

abraçaram uma preferência pela tecnologia e produção ocidental (ibidem, p.


319-321).

Ao cabo, o vasto trabalho de Sowell serviu para eclipsar as teorias “esotéricas”


que tem por objetivo explicar as diferenças relativas dos povos enquanto
ignoravam fatos econômicos básicos (ibidem, p. 330). A explicação baseada na
diferença de produtividade devida ao capital humano heterogêneo seria, pois,
mais consistente do que suas concorrentes (ibidem, p. 331). O capital humano
disponível é mais influente que as riquezas naturais e as habilidades individuais
de alguns sujeitos geniais, fora da curva (ibidem, p. 335). O autor, entretanto,
não vê capital humano ou cultural de maneira abstratista:

Even purely cultural developments have often originated not in the


realm of ideas but as by-product of geographic, military, and political
developments. The cultural division of Europe in the twentieth century
reflects fault lines going back to the days of the Roman Empire, when
Western Europe was for centuries part of a literate and technologically
advanced Roman culture, and much of Eastern Europe was not
(ibidem, p. 357).

Sabendo que ideias, por si sós, não tinham impactos, Sowell ressalta, além
dos fatores acima delimitados, a importância da abertura da cultura receptora
(ibidem, p.361), sem contar a visão de que há, também, um capital cultural
negativo em relação ao desenvolvimento, como as atitudes tipicamente
aristocráticas, contrárias ao empreendedorismo (ibidem, p. 339). Sowell está,
portanto, em uma posição diametralmente oposta à de Acemoglu e Robinson.
É contra os reducionismos e contra os abstratismos. Sua visão é preocupada
com a história econômica, por assim dizer, palpável.

2.5 - O debate econômico recente

Desde o entorno dos anos 2000, uma série de pesquisadores da área de


economia política se voltaram para as causas culturais do crescimento,
tentando verificar as diversas hipóteses e responder às inúmeras dúvidas que
95

surgem das análises mais qualitativas, como as que foram apresentadas


anteriormente aqui.

Barro e McClerly (2002), em um estudo de painel em que foram realizadas


surveys sobre atitudes relacionadas à religião, concluíram que a hipótese de
que a religião afeta o crescimento econômico é razoável, tendo em mente que
o peso se deve ao crescimento da variável “crença” e não ao comparecimento
em igrejas – e com a ressalva de que os padrões de aderência às grandes
religiões não são correlacionados ao crescimento econômico - sendo a
religiosidade positivamente correlacionada com maiores índices de educação e
negativamente relacionada à urbanização.

Como a amostra do paper supracitado dificultava uma análise em filigrana das


conexões de cada religião, separadamente, por conta da amplitude institucional
derivada da diversidade de países amostrados, Guiso, Sapienza e Zingales
(2002) buscaram ultrapassar esta barreira controlando os efeitos estatísticos
nos países individuais, tendo um foco específico na criação religiosa. Os
autores encontraram correlação entre religiosidade e atitudes favoráveis ao
crescimento econômico, em especial na religião cristã, com o curioso resultado
de que os Católicos seriam mais favoráveis à propriedade privada que os
Protestantes.

Tendo em escopo dados sobre a Itália, Guiso, Sapienza e Zingales (2004a)


encontraram correlações entre níveis de capital social e a maior utilização de
instrumentos financeiros em áreas onde a aplicação da lei é falha ou
demorada, sendo este fator sem importância em áreas com um rule of law mais
desenvolvido, apesar de estudos de Knack e Zac (2001), com dados
internacionais e controlando a variável relativa à qualidade da aplicação da lei,
terem encontrado correlações positivas entre os índices de confiança e índices
de desenvolvimento. Voltando-se para a influência cultural no desenvolvimento
da confiança, por meio do controle de características históricas e particulares
de cada país da amostra, e para a influência da variável confiança no
comportamento de negócios internacionais, Guizo, Sapienza e Zingales
(2004b) concluíram que maior confiança bilateral resulta em maiores negócios
96

entre as partes, assim como o investimento direto alhures está correlacionado


à confiança direcionada ao país a receber o influxo de capitais.

Concluindo, provavelmente, que confiança não serve como proxy para a


aversão a risco e a perdas, Guizo, Sapienza e Zingales (2005) descobriram,
entretanto, que a sua ausência serve para explicar a motivação de indivíduos
não investirem em ações. Dada a inexistência de custos externos, a presença
de confiança explica a proclividade de indivíduos a realizarem investimentos
em ativos de risco. Fatores culturais, como raça, também são influências nas
decisões em questão.

Tabellini (2005), indo numa direção contrária às hipóteses institucionalistas


apresentadas no capítulo anterior, enfatizou a influência de fatores históricos
antigos, especialmente fatores políticos, no desenvolvimento das instituições
de fato e mesmo no florescimento de culturas regionais distintas, tanto em
termos de capital social quanto em termos de valores individuais, sendo ambos
impactantes do desenvolvimento econômico. Guizo, Sapienza e Zingales
(2006) resumiram o debate teórico até então e, por uma conceptualização mais
estrita do vocábulo cultura, mostraram a influência da variável nas questões de
redistribuição econômica pela via política.

A questão da manutenção de situações de fraco desenvolvimento por


influência da persistência de fatores culturais negativos foi analisada por Guizo,
Sapienza e Zingales (2007), por meio de um modelo que leva em conta a
transmissão de crenças entre gerações, com a conclusão de que a confiança
pode ser influenciada, de maneira permanente, por choques que alteram a
situação de equilíbrio de longo prazo.

Tabellini (2007) voltou à carga com a confirmação analítica de que a existência


de governos não despóticos no passado distante torna mais provável a
existência de uma moralidade generalizada, e que boas instituições geralmente
surgem em localidades em que há a concordância entre valores individuais e a
moralidade generalizada – em outras palavras, os valores individuais nestes
casos influenciam as instituições. Guiso, Sapienza e Zingales (2008),
comparando o norte e o sul da Itália, avaliam que a experiência histórica com o
autogoverno, uma característica nortista, explica cerca de metade do gap de
97

capital social obtido pela comparação entre as regiões. Tabellini (2008)


desenvolveu um modelo teórico de economia política que leva em conta os
valores e os comportamentos de agentes, sendo resultados de equilíbrio
negativos obtidos através de condições iniciais problemáticas e com
enforcement legal tíbio.

Alesina, Algan, Cahuc e Giuliano (2010), verificaram tanto no caso específico


da migração interna nos EUA e com dados referentes à Europa, datando ao
menos desde o medievo, que há forte correlação entre a força de laços
familiares e a presença de legislação mais restritiva sobre o trabalho, tornando
a mobilidade mais presente nas regiões em que há laços mais fracos. Algan e
Cahuc (2010), numa tentativa metodológica de bloquear a influência de outras
variáveis que teoricamente afetam o crescimento da renda per capita (como,
por exemplo, influência da lei), chegaram à conclusão de que a confiança
explica a falta de evolução econômica dos países em desenvolvimento.

Durante (2010), por meio da análise de dados climáticos históricos do período


de 1500 a 2000 e pesquisas de opinião locais, justificou a hipótese de que a
confiança social surgiu como um fator de segurança em localidades com alta
variância climática. Algan, Cahuc e Schleifer (2011) encontraram correlação
entre práticas ditas progressistas de educação e crenças que dão vazão ao
capital social, o que apoia a hipótese de que não são apenas as famílias as
fontes do capital social, mas também a instituição escolar. Por fim, Nannicini,
Stella, Tabellini e Troiano (2013), analisando dados de distritos italianos,
encontraram correlação negativa entre o mau comportamento político –
representado, primordialmente por absenteísmo em votos no parlamento e
indiciamentos criminais – e o capital social do local das eleições, sendo a
chamada “punição eleitoral” mais forte nas áreas com maior capital social.

2.6 - A crítica a Weber

Tendo em mente que há uma vasta bibliografia tratando do tema deste


capítulo, o que me levou a delimitar minha análise a um número limitado de
98

fontes, faz sentido, para apresentar um contraponto à visão culturalista, dar


uma atenção direcionada às vozes crítica ao pensamento weberiano. Tal
decisão é justificada pelo fato de que, apesar de discordâncias pontuais, o
espírito presente nas obras de Fukuyama, Peyrefitte e Sowell, assim como na
dos economistas da seção anterior, tem o mesmo caráter anti-materialista,
avesso a reducionismos, que o da obra de Max Weber. Em outras palavras,
com a leitura de um rol de críticas ao iniciador do projeto, pode-se obter uma
visão justa dos limites tanto da tese weberiana inicial quanto do próprio projeto
de pesquisa tocado por seus seguidores.

Crowell (2006) faz um ótimo trabalho ao tratar dos primeiros críticos da tese
weberiana. Destacam-se, além dos argumentos de alguns historiadores
alemães, as objeções levantadas por Werner Sombart e T. H. Tawney.
Sombart via na tese com fundo de “tipo ideal” duas limitações: a de tempo e a
de religião. Apesar de concordar com Weber sobre a influência espiritual na
criação do capitalismo, Sombart cria que o judaísmo teve um papel
fundamental, e não o calvinismo, e que, de fato, o capitalismo teria surgido
muito antes do período da revolução industrial, tendo nascido na renascença.
Tawney, por sua vez, vai além: o florescimento inicial do capitalismo teria suas
fontes na Europa medieval, afirmando, ainda, que Weber desconsiderou uma
série de pensadores sociais cuja influência criou movimentos e visões
favoráveis ao desenvolvimento da iniciativa privada.

Schumpeter (2008, p. 11) demonstra que a visão de Weber, ao nem


considerar as ideias religiosas nem motores iniciais nem algo de valor ínfimo,
mas sim como veículos intermediários, “cintos de transmissão”, acaba por fazer
sentido dentro do sistema de Marx. Em outras palavras, para Schumpeter, a
leitura comumente feita da interpretação histórica marxista deixa de levar em
conta que, em Marx, a explicação dos motivos não-econômicos é importante.

Strauss (2014, p. 72) afirma que, se muito, Weber, por uma falha derivada de
seu próprio método relativista, acabou confundindo a prática calvinista
degradada com a verdadeira teologia calvinista. Por medo de aplicar juízos de
valor, Weber haveria confundido a prática histórica dos calvinistas,
99

secularizada, mundanizada, com a versão superior da doutrina religiosa de


Calvino.

Michael Novak (1991, p. 36) faz questão de notar o caráter negativo dado a
Weber para o capitalismo em um mundo desencantado, que terminaria por
desembocar em um estado existencial burocrático, prisional. Em um ensaio
para o periódico católico First Things, Novak (2006) faz questão de, para
contrabalancear o fato, lembrar que o desenvolvimento econômico de tempos
recentes em diversos cantões do planeta de certo modo vingou a teoria
weberiana que conecta o lado espiritual à prática econômica. Não obstante, o
autor critica a cegueira weberiana perante a verve economicamente criativa da
ética católica. Hayek (1981, p. 203) aponta para a fonte escolástica do espírito
do capitalismo, ao defender que os jesuítas espanhóis codificaram, eticamente,
o que havia sido praticado nas cidades mercantes italianas e holandesas.

Peyrefitte (1999, p. 117) vê na leitura de Weber sobre o calvinismo uma


complicação. O que é visto pelo sociólogo alemão como uma ética do
ascetismo racional, o pensador francês lê como uma ética desenvolvimentista
em termos de capacitação pessoal, em suma, uma ética das trocas e da
comunicação. O Calvinismo seria um, então, antifatalismo que abre a
possibilidade humana da auto-superação terrena perante Deus.

Fernand Braudel (1983, p. 402) enxerga nas teses “idealistas”, tanto de


Sombart quanto de Weber, apenas fugas contra as conclusões finais da teoria
marxista, sendo o debate entre os dois pensadores preenchido por uma visão
que tomava a realidade europeia de então como a culminação e o centro do
mundo, além da falta da experiência do que viria posteriormente, com os fatos
do pós-2ª Guerra Mundial, que colocaram o modelo capitalista em cheque,
como um frágil estágio intermediário (ibidem, p. 581). Em outro texto, Braudel
(1978, p. 67) assevera que a falha de Weber nasceu de uma leitura
exacerbada sobre a influência do capitalismo na criação do mundo moderno.
Já o historiador Hugh Trevor-Roper (1967) via tanto em Weber e Sombart
quanto em Marx o erro de julgamento que relegava o capitalismo como uma
realidade posterior ao período do medievo, já que cidades-estado medievais
tinham tido modelos econômicos capitalistas de sucesso. Para o inglês, em um
100

argumento abraçado por Peyrefitte, a Contrarreforma mudou as atitudes dos


governos para com as elites econômicas, o que, por assim dizer, deu alguma
vantagem para o desenvolvimento de cidades protestantes.

Tanto Chafuen (2003) quando Alves e Moreira (2010) viam nos


desenvolvimentos intelectuais da escolástica tardia, de certa forma,
pensamentos protoliberais, a seu modo, capitalistas.

Cantoni (2013) testou a hipótese weberiana com dados populacionais de 272


cidades alemãs, entre 1300-1900, não conseguiu encontrar correlações entre o
protestantismo e o desenvolvimento econômico, nem pelo meio da
manipulação controlada dos dados. Usando dados sobre a Prússia no século
XIX, Becker e Wößmann (2009) encontraram na educação uma resposta à
proeminência econômica protestante, julgando que Weber errou ao não focar
no caráter educacional do protestantismo em sua hipótese.

2.7 – Conclusão

A revisão bibliográfica apresentada no capítulo aqui concluído teve a finalidade


de delinear a evolução histórica do argumento culturalista acerca do
desenvolvimento econômico, avaliando criticamente o fio condutor que evoluiu
do trabalho seminal de Max Weber - que versava sobre a conexão entre
capitalismo e protestantismo -, passando pelas análises sociológicas,
antropológicas e econômicas de Peyrefitte, Fukuyama e Sowell, até atingir os
trabalhos acadêmicos de caráter quantitativo e estatístico de uma série autores
mais recentes, muitos deles egressos da Universidade de Bocconi25.

Contra o materialismo de Marx, Weber (2014) revolucionou as ciências sociais,


correlacionando o desenvolvimento econômico e prático de sociedades
protestantes a fontes ascéticas, de caráter, por assim dizer, mental. Entretanto,
os comportamentos sociais suscitados pelo protestantismo teriam sido

25
Como os Chicago boys da liberalização chilena, foi criado o epíteto Bocconi boys para
identificar os autores italianos em questão, que perpassam pelos departamentos de Economia
e Finanças da Universidade de Harvard, Universidade de Chicago e da Northwestern
University.
101

atualizados, de fato, a partir da secularização da ética religiosa, num ambiente


de desencantamento.

Peyrefitte (1999), de maneira crítica ao postulado weberiano, apesar de seguir


o fio condutor do plano de estudos do pensador alemão, analisando o take off
industrial da Europa, percebeu que o que diferenciou as sociedades adiantadas
e atrasadas teria sido o nível de confiança interno de cada nação. No horizonte
histórico europeu do período que precedeu a revolução industrial, a Reforma e
a Contrarreforma foram os principais condutores de, respectivamente, um
maior e um menor grau relativo de confiança social. Para o autor, a
mentalidade católica não se modernizou inicialmente tão rápido quanto suas
opositoras por ter tido que apresentar uma reação politico-espiritual a um
movimento cívico-intelectual radical, perdendo, assim, a oportunidade de
abraçar as ideias humanistas de Erasmo de Roterdã.

Numa leitura parecida, ainda que com uma disposição menos crítica a Weber
e mais tradicionalmente sociológica, Fukuyama (1995) correlacionou o
desenvolvimento econômico mais estruturado e rápido a sociedades menos
familistas e com mais capital social – sendo este derivado dos fortes laços de
confiança comunitária. O desenvolvimento industrial nas sociedades familistas
e de baixo capital social espontâneo é fortemente dependente da ação estatal.
Além disso, conforme Peyrefitte, o sociólogo nipo-americano, aproximou o
conceito de custo de transação à questão da desconfiança, desvendando,
então, o “elo perdido” que separa as duas escolas estudadas no presente
trabalho.

Numa trilogia extensa, Sowell (1994, 1996 e 1998) quebrou mais um


paradigma weberiano, ao mostrar que a transgressão da neutralidade
valorativa, no estudo do desenvolvimento de culturas e economias, era
inevitável26. Com isso, o economista afroamericano pôde tanto justificar
racionalmente a posição de que as desigualdades são inerentes à realidade
humana, quanto pôde entender os agrupamentos étnicos, os processos
migratórios e mesmo as grandes conquistas como meios transmissores de
cultura e comportamento.

26
Vide a nota de rodapé número 5.
102

O estudo estatístico das hipóteses weberianas apresentou resultados


interessantes, como, por exemplo, o de Barro e McClerly (2002), que
correlacionou a religião ao crescimento econômico, o de Guiso, Sapienza e
Zingales (2003), que seguiu na mesma direção do seu antecessor, mostrando
que religiosidade tem correlação com comportamentos que favorecem o
desenvolvimento econômico, e, por fim, o de Guiso, Sapienza e Zingales
(2006), que correlacionou a ausência de confiança social à falta de apetite por
risco nos investimentos.

Crowell (2006) apresentou as críticas iniciais de Sombart e Tawney à tese de


Weber. Schumpeter (2008) julgou que o capitalismo antecedeu, e muito, a
reforma – uma crítica parecida com a de Trevor-Roper (1967). Strauss (2014)
percebeu, na leitura de Weber sobre o Calvinismo, uma confusão entre o
subproduto prático da religião, que de fato gerou um comportamento
capitalista, e a teologia calvinista entendida num grau intelectualmente superior
e canônico. Hayek (1981), Chafuen (2003) e Alves e Moreira (2010) viam, na
escolástica tardia, prenúncios da visão econômica liberal e, portanto,
capitalista. Não obstante, Ferrara (2010) se posicionou contra tal leitura,
sublinhando fortemente o contraponto entre a doutrina social da Igreja Católica
e a teoria econômica libertária.

Já para Braudel (1978, 1983), o grande problema de Weber seria a


exacerbação da influência do modelo econômico capitalista como parteiro do
mundo moderno, tratando-o não como um modelo historicamente intermediário,
mas sim de modo finalista27.

Ainda que Weber tenha, conforme Schumpeter (2008) afirma, entendido mal o
materialismo de Marx, ele, com razão, encontrou a chave para a realização de
pesquisas indispensável para as ciências sociais, ainda que fossem
plenamente irrealizáveis dentro das limitações de sua metodologia positivista,
caso ferreamente interpretada. O fato de que, textualmente, tanto Fukuyama
quanto Peyrefitte tenham estudado e correlacionado um fator imaterial – a
confiança – ao constructo teórico dos custos de transação abre um fértil

27
Braudel leu em Weber, de certo modo, o argumento intelectual proposto por Fukuyama
(1989) a respeito da pax pós Guerra Fria.
103

caminho de aproximação entre o novo-institucionalismo e o culturalismo. A


arena mais favorável a um experimento de aproximação é a microeconomia,
em especial, a de Oliver Williamson e seu modelo de otimização das decisões
concernentes à verticalização empresarial. Este será o tema do próximo
capítulo.
104

3 - Instituições e Cultura na Economia da Estratégia

Após os dois capítulos anteriores, nos quais as teorias institucionalista e


culturalista foram delineadas intelectualmente, em termos macro,
especialmente voltadas para a interpretação histórica e social do
desenvolvimento econômico, o enfoque, neste capítulo final, será reorientado
para aplicações micro, locais, primordialmente voltadas à análise econômica da
estratégia empresarial.

A corrente institucionalista será representada pelo modelo de Oliver


Williamson (1985), restrito a um dos principais problemas da Economia da
Estratégia, a verticalização empresarial. Ao tentar analisar o dilema “comprar
ou produzir?”, o autor parte de um paradigma de custos de transação, tendo
como variáveis centrais os custos de governança, de produção e o nível
tecnológico do produto, devidamente absorvidos na chamada especificidade do
ativo.

Uma aproximação do modelo de Williamson ao culturalismo, por meio de um


insight de Fukuyama (1995) e Peyrefitte (1999), será oferecida como uma
possível interpretação, provavelmente menos abstrativa, do modelo do prêmio
Nobel em economia de 2009. Mesmo que tal interpretação não possua
finalidades práticas óbvias, ela pode ter valor didático e até mesmo servir de
base para futuras aproximações entre os dois campos teóricos retratados neste
trabalho.

Já na seara culturalista, serão apresentados os modelos de Hofstede (2001), a


chamada teoria das dimensões culturais, e de Ghemawat (2001), o CAGE,
amplamente utilizados na análise da internacionalização de firmas.

Por fim, um modelo autoral, representado por um gráfico de quatro


quadrantes, que relaciona o insight sobre especificidade dos ativos de
Williamson com as análises sobre a importância da confiança no ambiente de
negócios, conforme Fukuyama e Peyrefitte, será apresentado. Sua finalidade é,
basicamente, servir de apoio à decisão estratégica, como um atalho heurístico,
levando em contra a complexidade de uma dada economia local em termos
105

tecnológicos e os padrões culturais de uma sociedade ou subgrupo local de


uma sociedade em relação à confiança social.

3.1 - O modelo de Williamson

Antes de representarem seus papéis públicos de compra e venda de bens e


serviços, advindos idealmente do modelo microeconômico de equilíbrio entre
oferta e demanda no teatro do mercado, as empresas e suas respectivas
administrações, num ambiente tanto com competidores quanto com
colaboradores - sejam estes internos ou externos - se deparam com uma série
de problemas estratégicos. Um deles – possivelmente um dos principais - é
referente às fronteiras verticais da firma.

Sabendo-se que o produto ou serviço final ofertado ao público é um dos


últimos elos de uma grande cadeia que se inicia na aquisição de matérias
primas (BESANKO et al, 2012, p, 139), a gerência empresarial deve decidir, em
suas fronteiras, se deve “produzir” ou “comprar”, dois extremos em uma linha
contínua imaginária na qual, na verdade, diversas modalidades de organização
e contratação estão disponíveis (ibidem, p. 140). De modo geral, o tomador de
decisão deve medir custos e benefícios para definir suas fronteiras (ibidem, p.
142).

Objetivamente, Besanko et al (2012, p. 147-150) relegam à compra três razões


principais, sendo elas: 1) a vantagem indireta de firmas com economias de
escala e de aprendizagem; 2) a diminuição dos custos de agência ao não se
“inflar” o tamanho de uma firma, e; 3) a redução dos custos de influência, pelos
quais funcionários fazem lobby interno para amealharem maiores orçamentos
para projetos com rentabilidade provavelmente baixa.

Já as razões defensivas para a produção interna, giram em torno do


comportamento oportunista, trazido ao mundo pela incompletude dos contratos.
Lido através da racionalidade limitada dos agentes de mercado, da dificuldade
106

de mensuração de desempenho e da assimetria informacional, tais


comportamentos nos oferecem questões intrigantes, por exemplo, como
problema do vazamento de informações sigilosas e privadas, que culminam,
com o rol de dificuldades anteriormente apresentadas, nos custos de
transação, interpretados pelas complexas lentes da questão da especificidade
dos ativos, das rendas e quase rendas e do problema de holdup (ibidem, p.
150-160), temas que, entretanto, não serão devidamente analisados no
presente estudo.

Um dos modelos que analisam a otimização da escolha entre comprar e


produzir foi desenhado pelo prêmio Nobel em economia Oliver Williamson,
tributário da tradição institucionalista dos custos de transação, que já foi, ainda
que em termos limitados, explicada e sumarizada em suas visões mais ampla
e históricas, no 1º capítulo deste trabalho.

Segundo Williamson, existe um ponto ótimo que relaciona eficiência técnica,


por um lado, e eficiência de agência, por outro, onde a empresa realiza o
economizing, ou, para utilizar uma fraseologia mais direta, onde a firma
minimiza os custos advindos das ineficiências técnicas e de agência (ibidem, p.
169).

O debate tradicional e as políticas regulatórias sobre integração vertical, nos


EUA, originados no final dos anos 1960, giravam em torno de questões de
monopólio e tecnologia, tendo, em contrapartida, absorvido uma linguagem de
preocupação com a eficiência apenas em meados dos anos 1980
(WILLIAMSON, 1985, p. 85-86). Não obstante, a opção de uma determinada
tecnologia, em último caso, não é uma determinante da formatação
organizacional pelo viés econômico desde que opções contratuais para o uso
desta mesma tecnologia estejam disponíveis (ibidem, p.89).

Imaginando, primeiramente, um ambiente com economias de escala e escopo


desprezíveis e um output constante, e sabendo que os mercados possuem
mais incentivos para minimizar burocracias, uma curva de custos de
governança pode ser delimitada para analisar a tomada de decisão sobre a
verticalização. O custo B(k) de governança será mais alto internamente do que
o custo de governança derivado do uso do mercado, representado pela letra
107

M(k), sendo k o índice de especificidade de ativo. A curva de custos ∆C é


resultado diferença entre B(k) e M(k). Infere-se, pois, que, quanto menor a
especificidade do ativo, maior a vantagem de custo da contratação de
empresas terceiras especializadas na tecnologia escolhida, sendo o custo
zerado num devido k* (ibidem, p. 91).

∆𝑪 = 𝑩(𝒌) − 𝑴(𝒌) (𝟏)

Gráfico 1 – Curva de Custos de Burocracia

Fonte: Adaptado de Williamson (1985)

Relativizando o pressuposto de ausência de economias de escala e escopo


por meio a inclusão de uma curva de custos de penalidade ∆G assintótica, que
compara os custos de produção em relação à especificidade de ativos –
resultando da diferença do custo de produção interna Ci(k) e do custo de
produção relativo ao mercado, no caso de uma compra externa, Cm(k) -,
sempre positiva enquanto decrescente em relação à especificidade dos ativos,
vê-se que há benefícios de escala maiores quando a especificidade é alta. É
possível, pela soma de ∆G e ∆C, criar uma linha comparativa que zera os
custos somados num devido k^. (ibidem, p. 93)

∆𝑮 = 𝑪𝒊(𝒌) − 𝑪𝒎(𝒌) (𝟐)

∆𝑮 + ∆𝑪 = 𝟎 𝒏𝒐 𝒑𝒐𝒏𝒕𝒐 𝒌 ^ (𝟑)
108

Gráfico 2 – Agregação de Curvas de Custos de Governança e de


Penalidade

Fonte: Adaptado de Williamson (1985)

Levando-se em conta que a firma necessita de um ativo de especificidade K,


obtemos os seguintes resultados28:

1 – A produção interna tem vantagens quando K<k^, enquanto a utilização do


mercado é mais economicamente vantajosa quando K>k^. (ibidem, p. 93-94);

2 – A influência sempre negativa obtida com os custos ∆C – o que sublinha a


vantagem do mercado em relação à firma - leva à interpretação de que a
tomada de decisão não será realizada tendo-os em mente de maneira atômica,
sendo sempre influenciada por fatores de outra ordem (ibidem, p. 94);

3 – Quando houver variação sutil de K entre os ponto k* e k^, ou seja, em


posições de especificidade intermediária, os acordos de tipo misto entre
28
Um resumo didático do modelo de Williamson pode ser encontrado em Besanko et al (2012,
pp. 169-173).
109

compradores e produtores podem ser interpretados como formas não-ótimas,


mas realistas, de decisão para as firmas (ibidem, p 94);

4 – Firmas maiores serão mais verticalmente integradas que suas


contrapartidas, empresas menores (ibidem, p. 94) e;

5 – empresas com estruturas divisionais, em tese com burocracias mais


controladas que firmas com estruturas organizacionais lineares tradicionais,
possuem uma curva de custos de governança mais baixa, o que resulta em
maior verticalização (ibidem, p. 95).

Williamson, entretanto, não para por aí. Ele avança sua análise para além do
modelo centrado em um índice ideal de especificidade, avaliando
qualitativamente tipos de especificidade de ativos (ibidem, p. 95-96) e de
análise de barreiras de eficiência (ibidem, p. 96-98). Além disso, toda a análise
de Williamson se comunica, seja correlacionando-se ou contrapondo-se, aos
estudos do fenômeno problemático do Hold-up (BESANKO et al, 21012, pp.
159-162) e a própria teoria de Grossman, Hart e Moore sobre a questão
proprietária dos ativos específicos na análise sobre a verticalização (ibidem, pp.
175-179). Não obstante, tais desenvolvimentos não serão levados em conta
neste trabalho.

3.2 - Por uma nova interpretação de Williamson: uma proposta culturalista

Se o aparato analítico desenvolvido por Williamson nos oferece uma série de


poderosos insights sobre integração vertical, a apresentação gráfica oferecida
pelo autor compacta uma série de conceitos que, por si sós, seriam abstratos e
de difícil absorção intelectual. Seu modelo, que correlaciona custos de
transação e de produção com um índice de especificidade de ativos é, de
maneira objetiva, fechado em si mesmo.
110

Sabendo que o próprio Williamson (2000) já havia apresentado um elo entre a


posição institucionalista e a culturalista, e que Fukuyama29 (1995, p. 27-28) já
havia indicado tanto que os custos de transação surgem por conta da aplicação
de normas e regulamentos para diminuir os impactos da falta de confiança
quanto o fato de que altos índices de confiança reduzem tais custos,
aumentando a eficiência (idem, p. 151), abre-se o caminho para uma nova
interpretação do modelo de Williamson.

A criação das curvas de custos de governança e de produção em relação à


especificidade de ativos, apesar de cumprir os pressupostos racionais dentro
do modelo proposto pelo prêmio Nobel, levanta, primeiramente, dúvidas sobre
a sua aproximação em relação à prática empresarial corriqueira. Apesar dos
custos de transação serem reais, apesar da literatura ligada à questão dos
custos correlatos aos custos de transação ser de enorme importância, a
atuação direta de empresários e gestores dificilmente leva em conta as
abstrações dos modelos.

Seria inclusive até mais racional imaginar que, no que tange à decisão sobre
tecnologias, as escolhas são baseadas mais em opiniões de especialistas, ou
análises mais práticas de mercado e de escalabilidade. O próprio problema do
holdup, cerne da visão estratégica da economia de custos de transação, surge
extremamente ligado à questão jurídica dos contratos. É, pois, a agregação
para a decisão empresarial preambular de um elemento ex post. Em outras
palavras, há um aparente gap temporal entre os custos das funções propostas
por Williamson e a variação de especificidade dos ativos.

Dada toda a estrutura intelectual apresentada nos primeiros capítulos,


argumenta-se aqui que os custos burocráticos e as penalidades ligadas à
decisão de verticalização seriam, de fato, melhor interpretados como existindo
em função de um índice de confiança, e não de um índice de especificidade de
ativos. Tal posição tem como pressuposto o fato de que a especificidade,
ligada à propriedade de capital intelectual, é efêmera em sociedades com
economias pouco complexas e sem instituições adequadas.

29
Se o tratamento de Fukuyama é direto e positivo, podemos tratar da leitura de Peyrefitte
(1999) acerca do terceiro fator imaterial de produção como o outro lado da moeda. Indireto mas
indispensável.
111

Em outras palavras, a decisão de verticalizar um determinado ativo específico


se faz mais clara tendo em mente que, quanto maior a desconfiança entre os
atores contratantes e contratados, menor é o custo de verticalização.

Logo, por analogia, pode-se repetir o primeiro passo do modelo de Williamson


tratando dos custos de burocracia internos B(t) e dos custos relacionados ao
uso do mercado M(t) como relacionados a um índice de confiança t.

∆𝑪 = 𝑩(𝒕) − 𝑴(𝒕) (𝟒)

Uma curva de custos de burocracia seria delimitada pela equação que atinge
custo zero no ponto t*.

Gráfico 2 – Curva de Custos de Governança em função de índice de


Confiança

Fonte: desenvolvido pelo autor

A intuição por trás do primeiro passo, que desconsidera ganhos de escala e


utiliza um output imaginário constante, é a de que quanto maior a confiança,
mais barato é utilizar o mercado como fornecedor de um insumo estratégico,
enquanto a desconfiança gera um alto custo interno de burocracia.

A segunda etapa, que trata da inclusão da variável custo de produção é mais


próxima ao mindset aplicado por Williamson. É plausível supor que a curva de
custos ∆G – a diferença entre os custos de produção internos Ci(t) e os custos
112

de produção de mercado Cm(t) - é sempre positiva, mas de caráter assintótico


decrescente, à medida que a confiança diminui os custos de utilização do
mercado – com os respectivos ganhos de escala ou escopo de fornecedores
especializados – algo que está de acordo com a teoria de custos de transação.
A soma de ∆G e ∆C, ambos em função de um índice de confiança, pode ser
descrita em uma linha decrescente que atinge um ponto de custo zero no ponto
t^.

∆𝑮 = 𝑪𝒊(𝒕) − 𝑪𝒎(𝒕) (𝟓)

∆𝑮 + ∆𝑪 = 𝟎 𝒏𝒐 𝒑𝒐𝒏𝒕𝒐 𝒕 ^ (𝟔)

Gráfico 4 – Curvas de Custos de Governança e de Penalidades,


agregadas, em função de índice de Confiança

Fonte: Desenvolvido pelo autor.

A leitura analógica do modelo de Williamson não contradiz nenhuma das


análises decorrentes deles. Apesar de a analogia básica nesta releitura ser
fundada na proximidade dos conceitos de custo de transação e confiança,
depreende-se de tal imagem uma forte conexão entre o índice de
especificidade de um ativo k e o índice de confiança t aqui apresentado. Ou
seja, por meio da diminuição dos custos de transação, o uso do mercado como
fornecedor de ativos específicos se torna mais economicamente viável.
113

Além do necessário substrato legal já citado, há também uma variável


psicológica em jogo. A decisão empresarial de subcontratar uma empresa para
fornecer ativos específicos depende, mesmo tendo em mente as ressalvas
levantadas pela teoria dos contratos incompletos, de uma confiança na gestão
e no pessoal da empresa ofertante. Por exemplo, entre duas empresas que
ofertam a possibilidade de criar um ativo específico qualquer, com custos
parecidos e condições de produção parecidas, a empresa que ofertará o
melhor valor será a que tiver um trato mais próximo e de maior confiança com a
empresa contratante.

Uma segunda possibilidade seria a releitura do 2º passo de Williamson


destacando a curva de custos de produção para um segundo gráfico, à moda,
por exemplo, das análises keynesianas das curvas de IS x LM30. Enquanto o
gráfico de custos de governança segue como já remodelado, em função de
uma variação do índice de confiança t, o segundo gráfico, de custos de
produção, surge em função do índice de especificidade de ativo k. Esta opção,
mais moderada na reinterpretação do framework williamsoninano, não oferece
nenhuma alteração interpretativa em relação a um modelo dependente
unicamente de t.

∆𝑪 = 𝑩(𝒕) − 𝑴(𝒕) (𝟕)

∆𝑮 = 𝑪𝒊(𝒌) − 𝑪𝒎(𝒌) (𝟖)

∆𝑮 + ∆𝑪 = 𝟎 𝒏𝒐 𝒑𝒐𝒏𝒕𝒐 𝒕𝒌 ^ (𝟗)

Gráfico 5 – Curva de Custo de Governança em função de índice de


Confiança e Curva de Custo de Penalidade em função de índice de
especificidade de ativo – Leitura empilhada
30
Para clarificar, a inspiração do modelo keynesiano se limita ao formato, sem considerar o conteúdo. O
modelo IS X LM deriva de dois gráficos separados, ambos com os eixos y tratando de taxa de juros, mas
com os eixos x, de um lado, mensurando os Encaixes Monetários e, de outro, Renda, Produção e PIB.
Destes dois gráficos, deriva-se um terceiro, em que cruzam-se as curvas IS-LM Para uma descrição
didática, vide Mankiw (2015, pp. 215-250).
114

Fonte: Desenvolvido pelo autor.

Os upsides do uso da releitura aqui proposta são deprrendidos da maior


abrangência de aplicações. A utilização de ativos específicos é apenas uma
das possibilidades. Uma segunda, tocada apenas parcialmente pela análise de
Williamson, mas ligada à questão da verticalização de maneira prática é a
própria análise da viabilidade de estruturas organizacionais. Sabendo que
115

burocracias mais lineares ocorrem como decorrência da necessidade de


controles (i.e. desconfiança), ganhos obtidos por padrões organizacionais mais
descentralizados e lean dependem, como nas práticas japonesas bem
estudadas por Fukuyama (1996), de bons índices de confiança.

Em última análise, a explicação de todas as instâncias dos custos de


transação, por uma série de temas ligados à gestão corporativa, poderia ser
melhorada utilizando o cabedal da sociologia e da antropologia da cultura
apresentado no capítulo 2 deste trabalho. A confiança e a desconfiança são
realidades humanas muito mais reais e palpáveis para a maioria dos
estudantes e dos praticantes da gestão que o construto intelectual – de valor
inestimável, ressalve-se – delimitado por Ronald Coase. A leitura cultural dos
custos de transação, por meio das lentes da confiança e desconfiança social,
clarifica o caráter arcano do dialeto microeconômico da Escola Institucionalista,
mesmo que não simplifique a sua apresentação gráfica.

3.3 - Visões culturalistas aplicadas à estratégia internacional: Hofstede e


Ghemawat

Modelos de decisão empresarial e ferramentas que acentuam a importância de


traços culturais não são novidades. Há uma ampla aplicação de construtos do
gênero, em especial, na gestão de negócios internacionais.

Talvez o mais famoso e mais disseminado modelo tenha sido o proposto por
Hofestede (2001), que surgiu de uma análise realizada em mais de 50
subsidiárias em diferentes países da IBM, tendo sido posteriormente replicada
com 400 entrevistados não afiliados à empresa em mais de 30 países.
Segundo o estudo, amparado por fontes teóricas da psicologia e dos estudos
sociológicos, cinco dimensões culturais forneceriam indícios para a
31
diferenciação comparativa de diferentes unidades culturais .

31
A primeira edição do estudo levava em conta apenas quatro dimensões.
116

Após anos de pesquisa, Hofstede (2011), por meio de uma curta análise
histórica do desenvolvimento de seu modelo, forneceu ao público a descrição
das seis dimensões que, por fim, resumem o seu modelo em sua forma mais
avançada. As dimensões são: Power Distance, que serve como índice de
leitura sobre a desigualdade de poder nas relações sociais; Uncertainty
Avoidance, um termômetro sobre o desconforto de uma dada sociedade
perante incertezas; Individualism/Collectivism, sobre a integração de
indivíduos aos grupos; Masculinity/Femininity, relacionada à divisão
psicológica de papeis entre os sexos; Long Term/Short Term Orientation,
relacionada ao foco temporal dos esforços empreendidos; e, por fim,
Indugence/ Restraint, que mensura o controle de gratificões ou a disposição a
aproveitar os prazeres mundanos (HOFSTEDE, 2011, p.8).

Por meio de uma intuição muito parecida com a de Hofstede, Panjak


Ghemawat (2001), preocupado com o excessivo otimismo em investimentos
internacionais seguidos por péssimos resultados financeiros no boom da
globalização, teorizou sobre o impacto da distância entre o investidor e o local
de investimento como fonte de riscos então pouco mensurados. Para tal tarefa,
o autor delimitou quatro dimensões de avaliação de distância.

A distância cultural envolve atributos como crença religiosa, raça, normas


sociais e linguagem, e sua influência mais comum é sentida nas preferências
dos consumidores por bens substitutos tendo em mente pequenas
características. Cabe ressaltar que a influência cultural pode ser tanto mais
sutil, no caso das normas sociais, quanto mais radical, quando se resvala em
assuntos de ordem identitária (GHEMAWAT, 2001, pp. 3-4).

Já com uma veia mais histórica, a distância administrativa e política


aumenta quando inexistem conexões coloniais ou mesmo ligações artificiais na
forma de uniões políticas, aduaneiras e monetárias. Influenciam ainda as
políticas públicas atreladas ao comércio exterior, a hostilidade política mais
visceral e possíveis fraquezas institucionais, a serem levadas em conta no
momento da comparação. (Ibidem, pp. 4-6)

Custos de transporte aumentam com a distância geográfica, mas esta não é


limitada por uma distância em quilómetros entre duas nações, sendo composta
117

também por uma série de atributos da geografia física das unidades


comparadas. Fluxos de investimento e de comércio internacional são
fortemente influenciados por esta dimensão (ibidem, p.7).

A última distância, a econômica, é primordialmente constituída pela diferença


de tamanhos de PIB. Entretanto, variáveis ligadas aos custos locais, diferenças
de capital humano e qualidade do setor financeiro também são importantes. As
decisões estratégicas gerais das firmas dependem de inputs deste grupo de
variáveis (ibidem, p.8).

Tanto Hofstede quanto Ghemawat, com sucesso, conseguiram capturar em


fórmulas práticas, a sabedoria sutil que foge dos modelos econômicos mais
matematizados e frios, aproximando-se do cabedal descrito no capítulo 2 do
presente trabalho. Se o modelo de Hofstede é realmente estrito, tratando de
variações comportamentais de viés cultural, Ghemawat, por sua vez, conseguiu
trazer seu modelo para um ambiente mais maleável e prático, abrangendo
questões mais ligadas às próprias estruturas físicas e institucionais das
unidades a serem comparadas.

Entretanto, a influência da confiança social, por um lado, e da complexidade


econômica, por outro, surgem - quando surgem -, apenas de maneira sub-
reptícia, indireta, em ambos os modelos. Na próxima seção, um modelo autoral
será delineado com o objetivo de preencher este vazio.

3.4 - Cultura, tecnologia e limites verticais: Um modelo de quatro


quadrantes

3.4.1 – O Modelo de quatro quadrantes

Partindo da aproximação proposta entre as visões institucionalistas e


culturalistas na releitura do modelo de Williamson e da apresentação de
modelos culturalistas, mesmo que não puristas, de clara utilidade prática na
118

gestão de negócios internacionais, este trabalho dirige-se ao seu desfecho:


para o desenvolvimento de um pequeno modelo de apoio à decisão
empresarial no tocante à gestão de limites verticais.

Em termos gerais, o modelo de quatro quadrantes será guiado por duas


variáveis: no eixo horizontal, será mensurada a complexidade econômica do
ambiente a ser analisado; no eixo vertical, será mensurado o índice de capital
social espontâneo do mesmo ambiente.
Complexidade Complexidade
Econômica

IV -Economia Desenvolvida em
Alta

Degradação/ Economia III -Economia Desenvolvida


Desenvolvida Burocratizada
Econômica
Baixa

I -Economia Subdesenvolvida II - Economia em Take Off

Baixo Capital Social Espontâneo Alto Capital Social Espontâneo

Fonte: desenvolvido pelo autor.

O quadro desenhado acima, com inspiração em Fukuyama (1995) e Peyferitte


(1999), pode ser lido de duas maneiras. Por um lado, ele apresenta quatro
possibilidades estáticas, quatro situações do desenvolvimento econômico que
podem ajudar, em termos práticos, na delimitação de estratégias factíveis em
um determinado ambiente de negócios. Por outro, mostra dois possíveis
desenvolvimentos históricos de economias nacionais, o das economias
subdesenvolvidas em direção ao desenvolvimento burocratizado – passando
do quadrante I ao IV diretamente - ou, por outro lado, o desenvolvimento das
economias em take off inicial para um platô avançado, seguido da não
necessária degradação – passando do quadrante II ao III, sendo o IV um
descarrilamento possível.
119

No primeiro quadrante, combinando baixa complexidade econômica e baixo


capital social espontâneo, temos o locus clássico das Economias
Subdesenvolvidas. Nesta situação de familismo extremo e dificuldades
institucionais, há a necessidade de centralização por conta da desconfiança
generalizada entre os agentes econômicos. Não é á toa que o desenvolvimento
industrial, nesses locais, tende a depender da ação do estado empreendedor
ou indutor. Formas complexas de organização empresarial, com alto grau de
descentralização e cooperação, dificilmente serão bem sucedidas. A aposta
externa em setores das economias deste tipo depende tanto da defesa de uma
posição de monopólio quanto da estrita boa relação com o governo local. Em
outras palavras, o poder, ultrapassando – e muito - suas acepções
econômicas, é uma variável importantíssima.

Com baixa complexidade econômica, mas com alto grau de capital social
espontâneo, temos o tipo histórico das nações que despontaram cedo. No
segundo quadrante, das Economias em Take Off, há a abertura para uma
maior importância legada aos ativos específicos e formas iniciais de relações
complexas de descentralização. No passado, em países como Inglaterra,
Holanda e EUA, os primeiros experimentos com direito de propriedade e com
formas jurídicas de relações empresariais foram realizados com sucesso.
Dentre todos os quadrantes, é o de menor valor prático, dado seu
anacronismo. Possui, entretanto, valor teórico para o modelo, como um
precedente para uma situação existente e economicamente positiva.

A Economia Desenvolvida típica é derivada de uma situação de alta


complexidade econômica e alto capital social espontâneo. Aqui, desenhos
institucionais inusitados, desconcentrações verticais, especialização e
coordenação de baixo custo são alternativas gerenciais práticas, sendo muitas
vezes a regra em diversos setores. Como, via de regra, tais modelos
econômicos subsistem em países ocidentais ou orientais democráticos, há uma
possibilidade de degradação institucional por conta do avanço de políticas
estatistas e burocratizantes.

O quarto e último quadrante encastela duas posições que, apesar de


possuírem fenômenos econômicos próximos, são efetivamente distintas
120

historicamente. Enquanto a Economia Desenvolvida em Degradação, cujo


exemplo central em Fukuyama é os Estados Unidos da América durante os
anos 1990, ocorre por conta de uma debilitação do capital social espontâneo,
levando à hipertrofia burocrática estatal e organizacional, a Economia
Desenvolvida Burocratizada é levada a cabo em situações em que a baixa
confiança pública é estável, mas o aprofundamento da complexidade
econômica é levado a cabo especialmente pelo fiat do poder público. O fato é
que nenhuma dessas posições permite uma flexibilidade organizacional, uma
obtenção de vantagens econômicas por meio de desverticalizações sem muitos
problemas colaterais, por exemplo. A regra é aqui é a criação de estruturas
grandes, internalizadas e burocráticas.

O modelo resume o ambiente econômico e sua posição histórica, em termos


comparativos, delineando a possibilidade de desenvolvimento nos dois
caminhos possíveis, oferecendo uma guia para a tomada de decisão
empresarial que tem relação sólida com todo o desenrolar teórico disposto nos
dois primeiros capítulos deste trabalho. Resta, pois, discutir como usá-lo na
prática, como analisar e usar dados, informações e proxies de indicadores para
aproximar a realidade prática do modelo.

3.4.2 – Como analisar complexidade econômica e capital social

Em termos práticos, há diversas maneiras de comparar a complexidade


econômica, em especial diferenciando o âmbito geográfico levado em conta
nas prováveis aplicações do modelo. Tratar-se-á, aqui, especialmente de
possíveis comparações entre nações, entre regiões e/ou Estados e, por fim, no
âmbito mais local, realizando comparações municipais ou mesmo tendo como
unidades básicas bairros.

Uma maneira mais fácil de comparar países é levando em conta o Economic


Complexity Index (ECI)32, divulgado pelo do Massachussets Institute of
Technology. Baseado na metodologia de Hidalgo e Raussman (2009), o índice
32
Acesso os dados em https://oec.world/en/rankings/country/eci .
121

se ancora em análise de redes, comparando dados sobre comércio exterior e


avaliações sobre vantagens comparativas dos produtos exportados pelas
unidades nacionais.

Apesar de sabermos, conforme Williamson (1985), que a tecnologia per se não


é um fator de influência mais importante que a especificidade do ativo ou da
existência de contratos direcionados ao uso da tecnologia do ativo em questão,
para o estudo das formas de relação a serem levadas a cabo tendo em mente
uma empresa que busca maximizar seus resultados pelo processo de
economizing, uma leitura indutiva sobre o desenvolvimento de um país ou de
uma região em termos tecnológicos pode ser utilizada como proxy para a
variável relacionada à complexidade econômica, funcionando como alternativa
ao uso dos resultados do ECI. Se não é a forma mais tecnicamente perfeita, é
uma alternativa factível.

Conforme analisaram Nepelski e De Prato (2015), várias tentativas foram


realizadas no âmbito dos estudos sobre desenvolvimento para analisar a
correlação entre crescimento econômico e tecnologia. Primeiramente, o foco
recaiu sobre o acumulo de estoque de capital tecnológico dos países, mas,
posteriormente, o ponto focal foi transferido para questões como a política
local, instituições, investimento em Pesquisa e Desenvolvimento, etc. Fica claro
que, dada a convergência de tantos bens políticos e econômicos para o
desenvolvimento, é possível utilizar como inputs para a leitura de uma
determinada situação de complexidade econômica – que suscita a oferta de
ativos mais específicos – toda a oferta de bens públicos já discutidos nos dois
primeiros capítulos deste trabalho. Tal abordagem se torna mais útil em
comparações macro, sejam eles regionais ou nacionais, quando a oferta
desses bens públicos é excessivamente distinta, mas análises sobre a
variedade da oferta de bens e serviços privados se torna mais útil em casos
pontualmente detalhados e locais, já que a disparidade de oferta de bens
públicos entre, por exemplo, duas municipalidades grandes de um mesmo
estado tendem a ser menores, idealmente, que a que ocorre entre dois países
distintos. Além do mais, há menos dados agregados que comparem a oferta
desses bens públicos em termos municipais ou distritais, por exemplo.
122

Em termos citadinos, pois, municípios mais ricos e com economias


diversificadas podem ser considerados mais complexos economicamente que
contrapartes interioranas ou mesmo de caráter praiano ou meramente turístico,
tomando, por exemplo, uma comparação entre a cidade de São Paulo
(complexa) e Ilhabela e Taquaritinga (pouco complexas). A comparação pode
ser levada ao nível regional, comparando-se a região Sudeste (complexa) com
a região Norte (pouco complexa), até mesmo ao nível nacional. São
contrapostos aqui, por simplicidade, casos mais extremos, enquanto a
realidade é extremamente sinuosa, não obstante, o modelo e os exemplos
simplificados acabam por sublinhar o caráter intuitivo da comparação de
complexidade econômica. Um exemplo mais focado, como a comparação entre
bairros é ainda mais explicativo.

Comparemos dois bairros do município de São Paulo: o Brooklin Novo e o


Jardim Previdência. Apesar da histórica mudança em direção ao foco
comercial, ainda há resquícios de pequenos bolsões residenciais no Brooklin,
mas o caráter econômico distinto se faz patente pela enorme oferta de serviços
especializados e pela diversidade de firmas que ali possuem escritórios. Já no
caso do Jardim Previdência e de outros bairros “jardim” da Zona Oeste, a
preponderância da função residencial é clara, sendo a oferta de bens e
serviços bem direcionada ao uso dos moradores, ficando, portanto, limitada. A
existência marginal de empreendimentos comerciais, especialmente serviços
especializados, não desdiz a limitação da complexidade econômica da região:
a maioria dos moradores realiza suas atividades econômicas produtoras fora
do bairro. Em outras palavras, bolsões residenciais tendem a ser
economicamente menos complexos na oferta agregada de bens e serviços que
grandes centros comerciais e empresariais.

Em suma, quanto mais detalhada a unidade de análise, mais dependente de


informações genéricas fica o analista. Quanto mais amplo o escopo, maior a
disponibilidade de estudos, índices, pesquisas e proxies que podem servir
como fonte de informação.

A devida análise do capital social espontâneo, se levada a cabo


cientificamente, pode ser relativamente complexa. Não há índices genéricos e
123

globais, apesar do incentivo da OCDE, com a padronização de um banco de


perguntas e uma metodologia esquadrinhada especialmente para a aplicação
(SCRIVENS e SMITH, 2013), a tendência dos estudos da área, desde o
seminal trabalho de Putnam (1993), é direcionada às análises locais e
pontuais. Para que o modelo tenha alguma aplicabilidade útil, tal situação nos
impele à utilização de informações aproximadas e analogias.

Sabendo que a regulamentação excessiva é característica de situações


sociais de baixa confiança (PEYREFITTE, 1999, FUKUYAMA, 1995) e que
diversas questões relativas à aplicação e à complexidade do sistema legal e
sua interação com empreendedores são sublinhadas nos dados da pesquisa
Doing Business do Banco Mundial33, a publicação se torna uma fonte
indispensável, principalmente ao se tratar da comparação entre países, já que
análises subnacionais são pontuais.

Pensando numa comparação intermediária, nem macro nem local, com caráter
regional, estudos como o já citado trabalho de Putnam oferecem análises
interessantes. A leitura sobre a diferenciação entre a Itália atrasada e a Itália
desenvolvida a partir dos passos de Banfield (1958), tomada emprestada por
Fukuyama, é um ótimo exemplo. Sem depender de nenhuma fonte específica,
posso citar a diferença tradicional entre o caráter social do norte dos Estados
Unidos e o sul, com suas consequentes distinções sociais, inclusive com a
proclividade nortista em direção à prosperidade. Tal mote é popularíssimo na
sociologia e na política comparada, sendo, pois, estas duas searas de estudo
fontes interessantes para análises regionais.

Já em termos micro, seja pensando em estados, municípios ou distritos, a


presença de proxies interessantes parece ser mais abundante, mas, por
simplicidade, índices criminais devem ser levados em conta. Lederman, Loayza
e Menéndez (2002), num estudo internacional, descobriram que a confiança
social tem forte influência negativa na taxa de homicídios. Messner, Baumer e
Rosenfeld (2004), sem diagnosticar fortemente a posição no nexo de causa e
efeito, afirmam que, o aumento de confiança diminui a taxa de homicídios, e o
aumento da taxa de homicídios diminui a confiança social, tendo como base

33
Acesse em https://portugues.doingbusiness.org/pt/reports.
124

dados de 40 regiões da geografia norte-americana. Buonanno, Motolio e Vanin


(2006), no contexto das províncias italianas, descobriram que tanto normas
cívicas quanto redes de associação afetam de maneira negativa as taxas de
incidência de crimes contra a propriedade. Com um escopo limitado aos Países
Baixos, Akçomak e Weel (2008) sugerem que um maior capital social tende a
gerar índices de criminalidade mais baixos, sendo os índices de capital social
responsáveis por 10% da variância do crime. As pesquisas, pois, servem como
um reforço para a sugestão de uso de índices locais de criminalidade como
aproximações aceitáveis de taxas de capital social: baixos índices de crime
podem ser lidos como indicativos da existência de alto capital social
espontâneo na localidade. Nenhum empresário, se tivesse a opção, abriria um
negócio de caráter aberto, descentralizado e realmente conectado com a
comunidade local em ambientes de altíssimo risco tanto de vida quanto de
propriedade.

Com isso, o gestor pode comparar, seja no nível nacional, regional ou local,
com aproximações e informações com um custo de obtenção relativamente
baixo, bem ao modo como são utilizados os modelos de Hofstede e o CAGE,
duas ou mais unidades – a depender do nível de análise- em termos de
complexidade econômica e confiança social. Neste trabalho, o foco foi
direcionado, primordialmente, às decisões concernentes à verticalização e, em
segundo lugar, en passant, à própria estrutura organizacional da firma, ligada
fortemente a decisões do gênero.

3.5 - Conclusão

Foi o objetivo deste capitulo aproximar o novo-institucionalismo de Williamson,


Acemoglu e Robinson à hipótese tradicionalmente weberiana do culturalismo.

Williamson (1985), ao olhar para o histórico das preocupações teóricas e


regulatórias relacionadas ao antitruste nos EUA, partindo de um paradigma de
custos de transação, construiu um modelo que explica, em miúdos, que a
delimitação das fronteiras verticais de uma determinada firma será balizada
125

pela especificidade dos ativos de sua operação. Caso um novo produto a ser
produzido necessite de um ativo específico, a relação entre os custos
burocráticos de governança – mais precisamente, a diferença dos custos
burocráticos internos e dos custos burocráticos incorridos ao utilizar o mercado
como fornecedor - e a diferença entre os custos de produção internos e
externos – i.e. do vendedor, no caso de compra do produto pronto - impele à
decisão de produção interna. Já no caso de um ativo não-específico, o pêndulo
tende para melhores resultados econômicos na compra do produto.

Partindo de Fukuyama (1995) e Peyrefitte (1999), que relacionam os custos de


transação à confiança (ou falta desta), respectivamente, direta e indiretamente,
nos ambientes de negócios específicos, uma nova leitura do modelo de
Williamson foi levada a cabo. Num modelo mais direto, pode-se substituir
completamente a variável índice de especificidade por um índice de confiança.
Um modelo intermediário, em que os custos de produção continuam
correlacionados ao índice de especificidade é apresentado, sendo igualmente
viável, apesar de ser menos prático. O resultado dos modelos não nega os
achados de Williamson, mas pode tanto simplificar a sua apresentação didática
– fugindo da abstrusidade de relacionar dois conceitos abstratos - custos de
transação e especificidade de ativos – por meio de um conceito mais
assimilável, o da confiança, quanto pode ampliar a sua leitura para além das
dinâmicas, por assim dizer, biunívocas entre compradores e vendedores, em
direção a uma arena de análise mais ampla, social.

Apresentando-se modelos culturalistas bastante populares na academia e no


mercado, como os de Hofstede (2001) e Ghemawat (2001), justifica-se que da
releitura de Williamson se obtenha um modelo heurístico de apoio às decisões
de verticalização, e, por conseguinte, de estruturação organizacional. O modelo
de quatro quadrantes correlaciona a complexidade de uma determinada
economia ao seu respectivo nível de confiança social espontânea.

Realidades subdesenvolvidas – com baixa complexidade e confiança – são


loci desfavoráveis a experimentações de desverticalização. Caso ocorra um
desenvolvimento neste tipo de economia, ele tende a derivar apenas de um
aumento da complexidade possibilitado por monopolização, seja ela estatal ou
126

fruto de investimentos estrangeiros. Economias em take off- com alta confiança


e baixa complexidade -, hoje presentes apenas nos livros de história, foram
palco de relevante experimentação organizacional. Nas economias realmente
desenvolvidas, complexas e com alta confiança, são encontradas as melhores
possibilidades de desverticalização e de experimentação organizacional. Não
obstante, tais economias podem sofrer de degradação social, o que favorece a
burocratização organizacional, impedindo escolhas de fronteiras verticais
dependentes de confiança mútua.
127

4 – Conclusão e Discussão

Este trabalho buscou aproximar dois importantes ramos intelectuais das


ciências sociais. Através da criteriosa e crítica análise dos textos clássicos
tanto do novo-institucionalismo quanto do culturalismo, demonstrou-se que, de
fato, há focos de sinergia latentes, ocultados tanto por purismos tecnicistas
quanto por uma aposta excessivamente grande na primazia de algumas
hipóteses explicativas perante posições entendidas como contrárias – mesmo
que tais teses contrárias sejam, a bem da verdade, complementares, e não
antagônicas.

Acemoglu e Robinson (2012), figurando como as principais e mais conhecidas


fontes atuais da Nova Economia Institucional, erigiram um muro contra diversas
hipóteses e variáveis alheias à posição por eles propagada. Weber (2014),
limitado por sua metodologia positivista, terminou por obscurecer a intersecção
entre religião e economia, ainda que sua motivação crítica ao materialismo
histórico tenha sido acertada.

Viu-se que tanto os antecessores de Acemoglu e Robinson quanto os


continuadores de Weber, entretanto, não incorreram nos erros citados acima. A
vasta literatura, exemplificada aqui, ainda que de maneira limitada e parcial,
oferece, portanto, uma escapatória ao monismo intelectual e uma abertura
mais clara à realidade da vida econômica concreta.

A releitura do modelo de Williamson (1985) – um autor institucionalista que já


se mostrava mais aberto que seus pares à argumentação cultural-, usando o
prisma culturalista dos custos de transação levada a cabo tanto por Fukuyama
(1995), explicitamente, quanto por Peyrefitte (1999), implicitamente, através da
troca da variável índice de especificidade do ativo por um índice de confiança,
mantendo-se a interpretação geral canônica, possibilitou tanto um
entendimento mais simplificado da modelagem quanto uma abertura da teoria
de Williamson para além do âmbito do individualismo metodológico, o que
permite um entendimento mais abrangente, social, da estrutura williamsoniana,
128

o que, argumenta-se, é justo, já que empresas produtoras e compradoras


sofrem pressões advindas das culturas nas quais estão inseridas34.

Outro resultado obtido foi um pequeno modelo de quatro loci, desenvolvido


para ser utilizado à moda de Ghemawat (2001) e Hofstede (2001), que
relaciona a complexidade econômica de uma sociedade à sua respectiva
confiança social espontânea. Por meio deste modelo, decisões sobre fronteiras
verticais e sobre a devida estrutura organizacional de empresas são
informadas por um framework que, apesar de simples, é aberto à dinâmica
histórica do desenvolvimento econômico, sendo, também, utilizável em
diversos níveis de análise, de comparações internacionais a estudos mais
localizados.

Cabe ressaltar, entretanto, que tanto a releitura de Williamson quanto o


modelo desenvolvido acima são completamente baseados em análises
bibliográficas. Há, pois, a necessidade de um desenho de uma pesquisa
estatística para a devida validação dos modelos, o que, entretanto, foge
completamente do escopo de um mero trabalho de conclusão de curso, e resta
como possível caminho para futuros estudos.

Além disso, e como ocorre com o próprio modelo original de Williamson, há


uma série de pontos de contato entre este trabalho e diversas outras teorias
econômicas muito bem resumidas em Besanko et al (2012), como a teoria
GHM e os estudos de Milgrom e Roberts, por exemplo. As limitações do
escopo desta pesquisa, entretanto, foram respeitadas. Há, imagino eu, uma
seara muito interessante, ainda que, por enquanto, um pouco solitária, a ser
cultivada no âmbito microeconômico. Que este primeiro passo seja bem vindo
e bem recebido por quem quer que continue a partir daqui.

34
Vide a argumentação de Arrow (1994) para a essencialidade das variáveis sociais, alheias
ao individualismo metodológico, para os estudos econômicos.
129

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