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DOI: 10.1590/1413-812320141912.

12982014 4679

Modelo de Análise e Prevenção de Acidentes – MAPA:

artigo article
ferramenta para a vigilância em Saúde do trabalhador

Model of Analysis and Prevention of Accidents – MAPA:


tool for operational health surveillance

Ildeberto Muniz de Almeida 1


Rodolfo Andrade de Gouveia Vilela 2
Alessandro José Nunes da Silva 3
Sandra Lorena Beltran 2

Abstract The analysis of work-related accidents Resumo A análise de acidentes de trabalho é


is important for accident surveillance and preven- importante para a vigilância e a prevenção des-
tion. Current methods of analysis seek to over- ses eventos. Métodos atuais de análise buscam
come reductionist views that see these occurrences superar visões reducionistas que enxergam essas
as simple events explained by operator error. The ocorrências como eventos simples explicados por
objective of this paper is to analyze the Model of erros dos operadores. O objetivo do artigo é ana-
Analysis and Prevention of Accidents (MAPA) lisar o modelo de análise e prevenção de acidentes
and its use in monitoring interventions, duly (MAPA) e seu uso em intervenções de vigilância,
highlighting aspects experienced in the use of the destacando aspectos vivenciados na apropriação
tool. The descriptive analytical method was used, da ferramenta. Optou-se por método descritivo
introducing the steps of the model. To illustrate analítico apresentando as etapas do modelo. Para
contributions and or difficulties, cases where the ilustrar contribuições e ou dificuldades foram se-
tool was used in the context of service were select- lecionados casos nos quais foi usada a ferramenta
ed. MAPA integrates theoretical approaches that em contexto de serviço. O MAPA integra abor-
have already been tried in studies of accidents by dagens teóricas já experimentadas em estudos de
providing useful conceptual support from the data acidentes fornecendo apoio conceitual útil desde a
collection stage until conclusion and intervention etapa de coleta de dados à conclusão e intervenção.
stages. Besides revealing weaknesses of the tradi- Além de revelar fragilidades da abordagem tradi-
tional approach, it helps identify organizational cional, ajuda a identificar determinantes orga-
1
Departamento de Saúde determinants, such as management failings, sys- nizacionais como falhas gerenciais, de concepção
Pública, Faculdade de
Medicina de Botucatu, tem design and safety management involved in de sistemas e da gestão de segurança envolvidas
Universidade Estadual the accident. The main challenges lie in the grasp na acidentalidade. Os principais desafios encon-
Paulista Júlio de Mesquita of concepts by users, in exploring organizational tram-se no domínio dos conceitos pelos usuários,
Filho. Av. Prof. Montenegro
s/n, Rubião Junior. 18618- aspects upstream in the chain of decisions or at na exploração de aspectos organizacionais mais à
970 Botucatu SP Brasil. higher levels of the hierarchy, as well as the in- montante na cadeia de decisões ou em níveis su-
ialmeida@fmb.unesp.br tervention to change the determinants of these periores da hierarquia, bem como na intervenção
2
Faculdade de Saúde
Pública, Universidade de events. para mudanças nos determinantes destes eventos.
São Paulo. Key words Work-related accident, Method of Palavras-chave Acidente de trabalho, Método
3
Centro de Referência em analysis, Surveillance and prevention, Operation- de análise, Vigilância e prevenção, Saúde do
Saúde do Trabalhador,
Secretaria Municipal de al health trabalhador
Saúde de Piracicaba.
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Almeida IM et al.

Introdução diretrizes da Vigilância em Saúde do Trabalhador


(VISAT).
Acidentes de trabalho (AT) constituem o princi-
pal agravo à saúde dos trabalhadores no Brasil. Bases e origens conceituais do MAPA
Dados oficiais revelam verdadeira epidemia com
elevados custos humanos, sociais e financeiros1. Nas últimas décadas foi crescente o número
Tendo em vista seus impactos foram eleitos de estudos apoiados em conceitos de diferentes
como prioridades de intervenção do Ministério áreas do conhecimento dedicados a acidentes,
do Trabalho e Emprego (MTE) e da Saúde (MS) com destaque para desastres, caracterizados por
por meio da Rede Nacional de Atenção integral à crítica ao reducionismo de análises tradicionais
Saúde do Trabalhador (RENAST). que explicam o ocorrido de modo centrado no
Trata-se de eventos complexos e multicau- indivíduo. Em contraposição, foram introduzidas
sais, socialmente determinados, quase sempre ideias de acidente sistêmico ou (psico) organiza-
previsíveis e preveníveis, com origens em rede cional estimulando compreensão desses eventos
de múltiplos fatores técnicos e sociais em intera- como fenômenos complexos com origens em
ção2. Alguns métodos de análise buscam superar redes de múltiplos fatores em interação e ou em
visões reducionistas oriundas da segurança com- inadequações da capacidade de adaptação desses
portamental, que enxergam essas ocorrências sistemas às mudanças com que se deparam.
como eventos simples explicados por erros dos Sem preocupação com cronologia destacam-
operadores ou por aspectos técnicos pontuais se a seguir alguns dos campos de conhecimen-
normalmente contemplados nas normas legais. to e conceitos que participaram das origens do
Se bem analisados, os acidentes são oportu- MAPA. Noções da Ergonomia da atividade trou-
nidades de aprendizado organizacional3 abrindo xeram aportes para a compreensão da atividade
possibilidade de prevenção de novas ocorrências. real ou de comportamentos humanos em situa-
Na prática cotidiana dos serviços, constata-se a ções de trabalho7,8.
necessidade de melhorar os métodos e a capa- Perrow desenvolveu teoria de acidente nor-
cidade analítica dos profissionais da área, uma mal ou sistêmico e destacou contribuições da
vez que a formação destes é influenciada pela complexidade interativa, uma propriedade des-
abordagem tradicional, na qual ainda vigoram ses sistemas nas origens de acidentes9. Em 1997,
as abordagens oriundas das disciplinas clássicas Turner e Pidgeon reeditaram obra de 1978 em
como a medicina do trabalho, higiene e seguran- que, pela primeira vez, foi usada a noção de de-
ça do trabalho, que tendem a focalizar a atenção sastre feito pelo homem para descrever ocorrên-
nos fatores de risco de acidentes, especialmente cias em sistemas que incorporavam modernas
o comportamento dos operadores e ou aspectos tecnologias10. Reason e Llory retomaram a noção
técnicos próximos ao evento, deixando de lado de modelo de acidente organizacional de Turner
os determinantes organizacionais, o que pode re- e Pidgeon, difundindo ideias como falhas ativas,
sultar em intervenções parciais e mesmo de baixa condições latentes, incubação do acidente, aci-
eficácia4. dentes sem falhas ativas ou erros humanos3,11. Em
Este texto apresenta e discute experiência sintonia com as abordagens sistêmicas Rasmus-
de desenvolvimento e implantação do Modelo sen introduziu as bases do modelo SRK (“skill
de Análise e Prevenção de Acidente de Trabalho -rule-knowledge”) relativo a níveis ou formas de
(MAPA)5, criado como instrumento para apri- gestão psíquica em consonância com os tipos de
morar o Sistema de Vigilância de Acidentes de situações, ou seja, rotineiras, baseada em regras e
Trabalho SIVAT Piracicaba6. ou em conhecimentos12. Os trabalhos de Reason
Optou-se por método qualitativo descritivo, contribuíram para o uso dessa noção em análises
de modo a abranger, a partir da percepção dos de acidentes pelo mundo todo. No Reino Unido,
autores, a descrição de objetivos e principais eta- o Health and Safety Executive (HSE) recomen-
pas do modelo, seus pressupostos teóricos e fer- dou formalmente a exploração da forma de ges-
ramentas de apoio para a condução das análises, tão psíquica na tarefa em análises de acidentes13.
bem como sugestões de elaboração e implemen- Amalberti avançou nesse campo destacando a
tação das propostas de prevenção. importância das noções de compreensão e de
Para ilustrar a utilização de conceitos, bem quebra de compromisso cognitivo na segurança
como o alcance e desafios na sua aplicação foram e confiabilidade de sistemas14. Vaughan realizou
selecionados casos de análise e intervenção de estudo de antropologia histórica na NASA ex-
modo a verificar se as ações ocorrem à luz das plicando o desastre da nave espacial Challenger
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com a noção de normalização de desvios15 que Apenas o método de árvore de causas, desenvol-
parece ter influenciado a noção de migração de vido no início dos anos 70 e parcialmente inspi-
sistemas para acidentes trabalhada por Rasmus- rado nessa trajetória conceitual, ganhou relati-
sen16 e Dekker17. Segundo esses autores, as mes- va difusão entre nós23. Posteriormente, lidando
mas estratégias usadas nos sistemas para lidar prioritariamente com acidentes ampliados, Frei-
com sucesso, com constrangimentos advindos da tas et al. desenvolveram proposta de análise in-
escassez de recursos e pressões de produtividade, terdisciplinar e participativa de acidentes (AIPA)
contribuiriam para os acidentes. inspirada na análise sociotécnica de acidentes
Enfoque especial vem sendo dado à noção de industriais24, Paté-Cornell, na França. A elabora-
armadilhas cognitivas não apenas em casos que ção do MAPA também se deu em diálogo com
envolvam omissões em passos de tarefas como conceito de vigilância em saúde tido como eixo
em situações já descritas como de surpresas au- orientador de práticas da Vigilância em Saúde
tomáticas, erros de modo, by-passes previsíveis, do Trabalhador (VISAT), que se caracteriza por
feedbacks que obstaculizam ou impedem a com- abranger três níveis de atuação: sobre as causas
preensão dos operadores sobre modo ou estado ou determinantes; sobre os riscos ou exposição e
do sistema, etc.17,18. Llory e Montmayeul enri- sobre os danos ou consequências25-27.
quecem a discussão afirmando que os aspectos Esse conceito possibilita situar a dimensão
técnicos e organizacionais estão profundamente das causas ou macrodeterminantes em escolhas
relacionados e se complementam, o que cria um políticas estratégicas relativas ao desenvolvimen-
problema, pois enquanto os aspectos técnicos di- to econômico e tecnológico, à regulação e legi-
zem respeito às ciências da engenharia, os organi- timação de riscos. A noção de VISAT ampliou
zacionais dizem respeito a conhecimentos sobre explicitamente os horizontes da intervenção para
o homem e a organização, às ciências humanas além dos limites do sistema empresa, de modo
e sociais19. Enquanto os aspectos técnicos pro- a alcançar determinantes de condições latentes e
piciam aproximação explicativa fundamentada origens incubadas de acidentes.
em noções de causalidade e objetividade – uma Atuar em consonância com esse enfoque exi-
explicação racional do acidente pelo encadea- ge ampliações dos objetos de ação, de recursos
mento de causas e efeitos (técnicos e humanos) mobilizados e do espaço de atuação para além
–, analisados tipicamente com métodos como dos limites do setor saúde25-27.
árvores de falhas, árvores de causas etc, aspectos A experiência de desenvolvimento do MAPA
organizacionais requisitam aproximação com- pressupõe que conceitos sugeridos em campos
preensiva fundamentada na noção de intersubje- de conhecimento diversos podem ser assumidos
tividade e de causalidades diferentes. Os autores como guias de construção de diferentes narrati-
então propõem método denominado de análise vas de redes de fatores envolvidos em origens de
organizacional, uma análise densa da organiza- acidentes3,7,11,18,19.
ção explorando as dimensões transversal, vertical
e a dimensão temporal histórica. A análise de acidentes segundo o MAPA
Quais os impactos da emergência dessas con-
tribuições e, em particular, de seu uso em estudos O MAPA teve seu desenvolvimento inspirado
de acidentes? A resposta a essa questão ainda está na ideia de que grande parte dos conceitos que
por ser construída, mas fato é que muitas delas vêm sendo usados nas últimas décadas em aná-
parecem ter influenciado: a) emergência de no- lises de desastres e acidentes ampliados pode ser
vas técnicas de análises como os chamados ma- usada em análises de acidentes de trabalho do
pas verticais de acidentes20 e a nova proposta do tipo que habitualmente é enfrentada na VISAT.
Health and Safety Executive13; b) conteúdos de Não se tratava de reinventar a roda, mas facilitar
treinamentos de equipes de análises de aciden- aos integrantes dessas equipes a apropriação de
tes21; c) novas práticas de vigilância de acidentes concepção e ferramentas já testadas com suces-
como o projeto Workgroup Occupational Risk so em outras situações de análises de acidentes e
Model (WORM), na Holanda, que deu destaque em diálogo com a forma como se dava no SUS a
ao modelo da gravata-borboleta como represen- implantação de ações de vigilância de acidentes
tação do fenômeno acidente22. do trabalho.
A difusão dessas contribuições no Brasil tem A escolha adotada no MAPA foi a de associar,
sido restrita e acontece principalmente em inicia- em uma mesma análise, narrativas guiadas por
tivas de universidades e instituições de pesquisa. conceitos da ergonomia da atividade, da análise
A maioria dessas obras não foi lançada no país. de barreiras, da análise de mudanças e até em
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Almeida IM et al.

outros conceitos de acordo com o caso. Partin- que algum dos conceitos já usados em estudos de
do da ideia de que cada caso é único e acontece acidentes pode ser útil, aportando novas contri-
em momento histórico singular, as análises ba- buições e narrativa adicional ao caso. Os exem-
seadas no MAPA se aproximam da abordagem plos mais facilmente reconhecidos por equipes
da análise organizacional proposta por Llory e de análises parecem ser os de uso das noções de
Montmayeul19, que estimula estudo clínico em armadilha cognitiva e ou by-passes previsíveis em
profundidade, cujas etapas devem propiciar a acidentes em que o trabalhador omitiu passos ou
montagem de quebra cabeça que possibilite com- adotou atalhos e estava sendo culpabilizado.
preensão de aspectos técnicos e organizacionais Idealmente, as intervenções devem estimu-
envolvidos na ocorrência. No modelo, a escolha lar aperfeiçoamentos das políticas públicas que
da gravata-borboleta22 como representação des- abordem o universo das consequências de saú-
ses eventos ressalta a necessidade de incluir, mas de, sociais, ambientais, jurídicas etc., de acidentes
ultrapassar os aspectos proximais habitualmente propondo mudanças em características sócio-
contemplados nas análises feitas no âmbito das técnicas dos sistemas em questão, por exemplo,
empresas. A gravata-borboleta (Figura 1) destaca recomendando melhorias na concepção de sub-
a existência de origens e consequências proxi- sistemas técnicos, interditando práticas sociais
mais e distais nesses eventos. que fragilizam a segurança e a saúde de traba-
O acidente passa a ser compreendido como lhadores no conjunto de empresas que realizam
ocorrência com história a ser narrada e, ao mes- a mesma atividade ou que compõem a cadeia de
mo tempo, a equipe de vigilância passa a ser es- produção em questão.
timulada a não declarar encerrada sua atividade Intervenções baseadas no MAPA também
enquanto não identificar condições do sistema buscam estimular diálogos entre as diferentes
associadas às suas origens (e eventualmente con- lógicas ou interesses presentes e em disputa no
sequências), mesmo as mais remotas. sistema em que se deu o acidente, de modo a pro-
Os conceitos selecionados como guias de piciar a construção de novos tipos de processos de
construção de diferentes narrativas do acidente decisões que considerem os interesses de todos ou
foram os de: a) descrição sistemática do traba- do maior número possível de atores envolvidos e
lho normal ou real em conformidade com a Er- não apenas aqueles de curto prazo do tomador de
gonomia da Atividade seguida de descrição do decisão. Caso as narrativas obtidas incluam exem-
acidente apoiada nas noções apontadas a seguir; plos evidentes de como escolhas adotadas em um
b) análise de barreiras, a ser concluída em termos segmento, geralmente de mais poder, do sistema
de falhas na gestão de segurança e saúde no tra- interferiram negativamente em outros subsiste-
balho, associada ou não a falhas de concepção e mas, é possível estimular mudanças de natureza
em outros subsistemas de gestão; c) análise de democratizadora das relações no interior desse
mudanças concluída em termos de falhas na or- sistema. A narrativa apoiada em conceitos da Er-
ganização do trabalho e falhas em subsistemas de gonomia da atividade7,8 tende a evidenciar que as
gestão de pessoal, de material, de manutenção, de práticas tradicionais de gestão sistematicamente
materiais, de projetos, de comunicações etc, de excluem de suas negociações o ponto de vista dos
acordo com a situação específica; e d) amplia- trabalhadores, ou seja, daqueles que se expõem
ção conceitual, a ser usado quando se considere aos riscos e recebem a fatura do custo humano do
trabalho. Essa é, portanto, uma das lógicas que o
processo de negociação aberto em defesa da pre-
venção deve procurar empoderar.
A proposta do MAPA embute questões que
permitem checar os desfechos estabelecidos em
cada caso. Entre elas, destacam-se: O acidente é
P
e explicado como fenômeno sociotécnico com ori-
r Distais Proximais Proximais Distais gens organizacionais e gerenciais? Problemas lo-
i
g 2. Evento
calizados, descumprimento flagrante de normas
o indesejado são alvo de recomendações específicas? Há reco-
1. Antecedentes 3. Consequências mendações de prevenção e de proteção em con-
formidade com modelo da gravata-borboleta? A
explicação final contempla as três dimensões da
Figura 1. Modelo da Gravata borboleta.
VISAT e propõe recomendações em todas elas? O
Adaptado de Hale et al.22. diagnóstico, as recomendações firmadas e as ne-
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gociações estabelecidas estimulam protagonismo tros colegas enfatizando estratégias, modos ope-
dos trabalhadores? ratórios usados, constrangimentos mais comuns,
margens de manobras e adaptações ou ajustes
Contribuições e dificuldades percebidas adotados pelos operadores de modo a conside-
em análises de acidente conduzidas rar perigos, riscos e medidas de prevenção nas
com apoio do MAPA diferentes situações. No exemplo do setor saúde,
nota-se que a equipe tinha margem de manobras
Numa prensa em que atuavam três trabalha- para lançar mão da cooperação e que tal recurso
dores e em que a descida do martelo era coman- era habitual, já tendo sido usado com sucesso em
dada por apenas um deles uma ajudante sofreu outras situações. Os desafios desse tipo de aná-
amputação depois que seu colega acionou esse lise passam a ser não só descrever quais e como
comando28. A máquina era de grande porte e são essas estratégias na “vida como ela é”, como
praticamente ocultava a vítima que trabalhava esclarecer as razões de seu fracasso por ocasião
do lado oposto ao do colega responsável pelo co- do acidente. Essa compreensão é facilitada para
mando bimanual. quem conhece o que esteve associado ao seu uso
A análise mostrou ser a primeira vez que a com sucesso no passado.
vítima trabalhava naquela máquina e a com- Esse caminho de descrição já representa um
preensão do ocorrido foi facilitada ao se buscar primeiro movimento no sentido da ampliação
esclarecer como era o trabalho normal (habitu- conceitual da análise apoiado na Ergonomia.
al sem acidente) naquela prensa. Quem eram os Diferentemente das abordagens tradicionais que
operadores habituais? Como o responsável pelo tendem a descrever o acidente se referindo a des-
acionamento sabia que já podia comandar a des- cumprimento de normas, esse tipo de narrativa
cida do martelo? Em que consistia o trabalho da os situa como eventos em estreita relação com
novata e que variabilidades de sua atividade po- decisões habitualmente tomadas pelas chefias
deriam prolongar sua permanência na zona de de serviços ou grupos de trabalhadores ao lidar
prensagem? Como eram tomadas as decisões que com constrangimentos e manter os sistemas em
culminaram com a indicação da ajudante para o funcionamento. Se o trabalho realizado por oca-
trabalho naquele equipamento? sião do AT foi descrito nessa fase, a condução e
O conceito de trabalho real oriundo da ergo- compreensão do restante da análise tende a ser
nomia da atividade7,8 recomendado no MAPA se facilitado29.
revela ferramenta de apoio à análise incentivan-
do que a equipe de vigilância formule perguntas Narrativas do acidente propriamente dito
desse tipo.
Esse mesmo caminho levou a equipe que O modelo recomenda três ajudas para descri-
analisou acidente com picada de agulha em um ção do acidente propriamente dito. A primeira é
hospital a esclarecer tratar-se de evento em que a descrição sucinta do ocorrido: as conseqüên-
a vítima cuidava de paciente “de uma de suas cias, com ênfase nas lesões sofridas pela vítima;
colegas” (e não dela), ocorrido em horário ma- o acidente propriamente dito que provocou essas
tinal de troca de turnos, que encavalava com o lesões e as origens imediatas desse evento.
de transporte de pacientes agendados para pro- Na experiência de vigilância de acidentes em
cedimentos eletivos para centro cirúrgico, e com Piracicaba, o uso do MAPA foi fundamental na
período de admissão de pacientes de convênios, introdução de exploração de consequências tar-
não SUS, com cirurgias eletivas marcadas para dias de acidentes. No caso da picada de agulha, a
aquele mesmo dia. Essa forma de organizar as existência de norma relativa à conduta terapêu-
três atividades criava outros tipos de dificulda- tica e ao acompanhamento do estado sorológico
des sentidas no serviço, seja quando de demora da vítima por até seis meses no pós-acidente ilus-
de pessoas agendadas, seja de atrasos no trans- tra de modo mais claro que o evento não deve ser
porte de pacientes para o centro cirúrgico seja de considerado encerrado na lesão provocada pela
concomitância com recebimento de informações agulha. Nesse acidente e em todos envolvendo
relativas aos grupos a serem cuidados pela equipe traumas, a busca de sequelas ou lesões tardias, in-
que entrava. clusive na esfera mental, vem se tornando usual.
As narrativas abrangem o trabalho normal, As outras duas ajudas sugeridas no modelo
variabilidades de componentes como o respon- como guias da construção de narrativas adicio-
sável pela execução da tarefa nos casos acima, nais do caso são os conceitos de análises de mu-
interações com supervisores hierárquicos e ou- danças e análises de barreiras.
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Almeida IM et al.

Análise de Mudanças sistema e não como resultado da falta ou ausên-


cia de algo. Se a narrativa tende a explicar o ocor-
O roteiro inclui sugestões de questões que rido como evento sem mudanças a equipe deve
visam esclarecer razões associadas a mudanças ser cuidadosa na análise de barreiras. O trabalho
ocorridas no acidente. O processo é mais simples real pode estar se dando em condições que lem-
e direto quando se trata de esclarecer aspectos bram “acidente esperando para acontecer”.
das origens de dimensão técnica envolvida no
acidente como a quebra de um equipamento, um Análise de barreiras
incidente, choque elétrico, explosão, intoxicação,
etc. A mudança deve ser identificada de modo A análise de barreiras explica o acidente pela
específico e as perguntas sobre suas origens ex- falta ou falha de barreiras de prevenção e de pro-
ploradas buscando “causas das causas”. Com esse teção contra fontes de energia potencial ou noci-
procedimento, consegue-se chegar a contribui- vidades identificadas na empresa. Os problemas
ções de aspectos sociais ou comportamentais, identificados devem ser adotados como pontos
que também devem ser explorados de modo a es- de partida de exploração das suas origens. Que
clarecer padrões de decisões adotados no sistema aspectos do sistema permitiram suas origens?
quando em face de variabilidades. As perguntas devem explorar aspectos do ci-
Como são designados substitutos quando o clo de vida das barreiras: concepção; instalação,
operador titular falta ao trabalho? Quem e como operação, manutenção, qualidade e vida útil de
decide que a colhedora de cana vai ser usada para seus componentes.
desencalhe do trator de transbordo ao invés de No exemplo já citado da prensa, o perigo de
aguardar a chegada de trator “certo” para essa ta- prensagem de partes do corpo de trabalhador na
refa? Como se explica que o equipamento novo zona de operação da máquina, é evidente. A aná-
tenha sido recebido e instalado com defeito na lise mostrou descumprimento de norma que exi-
fiação e que não tenha sido aterrado conforme gia tantos comandos bimanuais quantos fossem
normas da empresa? Como se dá na empresa a os trabalhadores na máquina e também que o sis-
programação simultânea de duas atividades em tema de frenagem associado aos sensores de pre-
que uma requer o sistema ligado e a outra, desli- sença não impediu a descida do martelo quando
gado? Como se explica que o dispositivo recebido a trabalhadora estava dentro da zona perigosa da
pela equipe para ser instalado seja de formato e máquina.
dimensões diferentes daquele a ser retirado e não A conclusão da análise de barreiras tende a
encaixe no equipamento a ser consertado? se dar na forma de falhas na gestão de segurança
No acidente da prensa a análise mostrou que e saúde do trabalho e meio ambiente (SGSSTA).
o comando bimanual estava com defeito e foi No caso dessa prensa emerge também a possibili-
mantido em operação, desconsiderando impli- dade de falhas na contratação de serviço especia-
cações dessa condição na segurança da máqui- lizado. Afinal, ou a contratante não soube avaliar
na. O defeito fazia com que alguns comandos de ou preferiu aceitar erros grotescos na montagem
descida do martelo não fossem obedecidos, ou dos dispositivos de prevenção na prensa, como
seja, falhassem, exigindo novo acionamento. Essa foi o caso da possibilidade de seu acionamento
condição introduzia fator potencial de confusão por apenas um dos trabalhadores.
para o operador, porque a não descida do martelo
também acontecia se o comando de descida fosse Ampliação conceitual da análise
acionado durante o período em que algum dos
trabalhadores tivesse inserido partes do corpo na De acordo com o MAPA é fundamental que a
zona perigosa da máquina, provocando a frena- análise busque explicar, e não julgar, os comporta-
gem por conta dos sensores da cortina de luz. mentos de trabalhadores que contribuíram para o
Essa narrativa pode evoluir de modo que per- ocorrido. Aplicadas ao exemplo da prensa, as pa-
mita alcançar a dimensão transversal da empresa lavras de Dekker seriam “cabe à equipe de análise
e identificar problemas e falhas gerenciais diver- buscar compreender por que, para o operador, fa-
sas, de acordo com a situação: falhas na gestão de zia sentido acionar o comando com a colega ainda
mão-de-obra, de manutenção, de suprimentos, embaixo do martelo”17. E não mais atribuir a cau-
de gestão de segurança, na divisão de tarefas, de sa do corrido a esse comportamento.
comunicações, etc. Vale lembrar que a máquina era apresentada
Na análise de mudanças, o acidente é expli- pela empresa como protegida, em conformidade
cado com origens naquilo que estava presente no com exigências legais e apresentava cortina de luz
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visível, instalada verticalmente, na área de entra- desrespeitando abertamente normas trabalhistas
da de suas zonas perigosas estimulando ilusão de e estimulando degradação progressiva de condi-
segurança. A situação era agravada por condição ções e capacidade de trabalho.
desconhecida pelos trabalhadores, a saber, que a A intervenção preventiva nesse caso se deu
frenagem do martelo comandada por sinais en- em colaboração com o Ministério Público do
viados pelos sensores de detecção de presença era Trabalho, com negociação de Termo de Ajuste
temporizada. Passado o tempo programado, uma de Conduta cujas cláusulas obrigavam a usina a
vez acionado, o martelo desceria. adotar sistema de gerenciamento de serviços de
terceiros e estratégias de controle e diminuição
O MAPA como ferramenta da vigilância dos ritmos de trabalho. Ou seja, diferentemen-
de acidentes em ST te de abordagens tradicionais que, em casos as-
semelhados, poderiam tender a centrar-se em
Queda em altura de montagem exigências de respeito às normas de prevenção
de plataforma em usina de açúcar de quedas em altura, optou-se por, sem ignorar
O acidente fatal ocorreu com o Sr K, tra- esse aspecto, abordar a contratação de serviços de
balhador de empresa de montagem industrial terceiros em toda a sua amplitude.
contratada por terceira, que prestava serviço de Um dos limites da intervenção está no fato de
instalação de novas caldeiras de bagaço de cana seu alcance restringir-se a apenas uma empresa e
antecedendo início de safra em usina de açúcar. não ao conjunto das que atuam na mesma ativi-
A atividade era de montagem de esteiras de ali- dade no município, região, estado ou país. Olhar
mentação de caldeiras fundamentais para a reto- para esse tipo de exemplo, com foco na dimensão
mada do processo de moagem e estava atrasada de macrodeterminação, permitiria questionar a
tanto por falta de materiais quanto em função de forma como se dá atualmente a regulação de prá-
chuvas. No período que antecedeu ao acidente, a ticas de terceirização, estimulando a politização
vítima trabalhou, em média, 10,44h/dia, durante do debate sobre os caminhos da prevenção.
25 dias seguidos, sem nenhuma folga. Nesse pe- Numa fábrica de móveis populares, cuja pro-
ríodo trabalhou 261 horas, sendo 54% normais e dução era destinada exclusivamente a uma gran-
46%, extras5. de rede de lojas, o CEREST Piracicaba detectou
No dia do AT, um sábado, trabalhara 12 horas verdadeira epidemia de acidentes envolvendo o
e ainda trabalharia por mais duas. Por volta das uso de grampeadores industriais30.
19h50min teve inicio uma chuva e a chefia deter- A análise dos casos mostrou que os grampe-
minou o recolhimento do material em platafor- adores, eram dotados de barreiras de prevenção,
ma mal iluminada, a 21m de altura, quando caiu que eram retiradas logo que eram recebidos na
por buraco presente no piso metálico, que estava fábrica. O olhar tradicional estimulava ideia de
em fase de finalização. A análise de barreiras re- que a mera determinação de uso dessas proteções
velou falhas na gestão de segurança do trabalho, resolveria a questão, mas a equipe resolveu inves-
em especial contribuições de falta de barreiras tigar as razões que explicavam aquela retirada e
de prevenção definidas em lei. Não havia siste- as resistências da empresa a essa “solução” sim-
ma de permissão de trabalho para intervenções ples, que apesar de exigida repetidas vezes não
em altura e nem especificação e ou checagem de era acatada.
requisitos de segurança a serem observados pelas A retirada das proteções e o insucesso das
contratadas que, por sua vez, não possuíam ser- intervenções anteriores viraram pontos de par-
viços de gestão de segurança. A usina não possuía tida da análise. O trabalho de montagem exigia
qualquer controle sobre a atividade das contrata- de cada operador cerca de 50.000 disparos do
das. A observação no local de acidente constatou grampeador por dia, com modos operatórios
que nenhum dos trabalhadores, inclusive chefias que aproximavam grampos de partes do corpo
aderia ao uso de cinto de segurança para prote- do trabalhador e de colegas. O uso do grampe-
ção contra quedas de altura. ador com proteções exigia mais esforço e imobi-
A conclusão revelou o acidente emergindo lização das estruturas a serem grampeadas para
de práticas de gestão apoiadas em contratação impedir o acionamento do grampo ao ar livre, o
de serviços de terceiras e subcontratadas em con- que tornava as operações mais lentas e dificultava
junto com falhas de logística, em especial falta o alcance das metas de produção.
de materiais necessários, ensejando atrasos que, Acidente analisado com o MAPA evidenciou
por sua vez, alimentavam aumento de pressões ainda que o atraso na produção no dia anterior
de produção, repassado à cadeia de contratadas, impedira o fechamento de carga de um cami-
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Almeida IM et al.

nhão com prazo de entrega e que o sistema não Considerações finais:


possuía margem de manobras que permitissem desafios da intervenção
equacionar o atraso com reprogramação de pra-
zos de entrega, mobilização de outros recursos É possível afirmar que as experiências atuais de
ou ajuda de outras equipes. A estratégia adotada, uso do modelo por parte de equipes de vigilância
na tentativa de retirar o atraso, era a intensifica- em saúde do Trabalhador assumem dois forma-
ção do ritmo de produção numa situação em que tos distintos: intervenções centradas em análises
o sistema já dava sinais de degradação, em espe- de acidentes, vivenciadas como processos isola-
cial, rotatividade de 85% da força-de-trabalho e dos de vigilância, e intervenções que associam
perdas elevadas da produção que implicavam em análise e esboço de diagnóstico organizacional
retrabalho. do sistema em questão. No primeiro grupo, as in-
A análise do funcionamento da empresa tervenções da equipe em empresas são centradas
associou o uso do MAPA com a abordagem da no acidente e seu alcance parece mais limitado no
ergonomia da atividade8 e possibilitou detectar tempo e no espaço. As análises e intervenções que
que a retirada das proteções era aceita pelos tra- ampliam seu objeto para os determinantes orga-
balhadores, pois as equipes de montagem rece- nizacionais colocam mais desafios, exigem mais
biam um salário base (piso da categoria) adicio- tempo e maturação dos atores.
nado a um bônus mensal a título de Participação A experiência permite inferir que os concei-
nos Lucros e Resultados (PLR), que, a depender tos usados se mostram úteis como guias de cons-
da quantidade mensal de sofás produzida pelas trução de diferentes narrativas do acidente. O
equipes, mais que dobrava o salário inicial. No MAPA não criou essas formas de conduzir nar-
entanto, legalmente o PLR só poderia ser parce- rativas, mas as aglutina e incentiva difusão atua-
lado em duas vezes ao final do ano. O pagamento lizada de cada uma delas. Além disso, as equipes
mensal era de interesse dos trabalhadores e havia têm recebido treinamentos e têm a possibilidade
sido acordado com o Sindicato de Trabalhadores. de interlocução apoiada em página internet do
Como intervir em tais condições? Ao apontar a fórum de acidentes de trabalho http://forumat.
relação entre acidentes e pagamento por produ- net.br/at/ e ou e-mails. No entanto, as atividades
ção, o CEREST Piracicaba ficou isolado dada a de capacitação se limitam às equipes de vigilância
defesa dessa prática pela empresa e pelo sindicato e pouco dialogam com os trabalhadores e outros
de trabalhadores. No entanto, a alta taxa de aci- profissionais no interior das empresas.
dentes era apenas um dos aspectos da patologia A possibilidade de associar achados das di-
organizacional. O pagamento por produção in- ferentes narrativas amplia leque de argumentos
duzia a uma degradação da qualidade dos sofás. passíveis de uso quando de negociações ou en-
Cerca de 30% deles voltavam para retrabalho na frentamentos com representantes de empresa,
fábrica. como subsídios à elaboração de propostas de
A negociação conduzida envolveu também a negociações a serem construídas como desfechos
busca de solução pontual que resultou na substi- dessas intervenções e diminui chances de lacunas
tuição do grampeador por outro descrito como nas análises.
adequado pelos trabalhadores, por não lhes exigir As reflexões aqui apresentadas surgiram de
aumento de esforço na operação. Alguns anos de- processo de discussão que incluiu numerosas
pois a empresa sofreu importante revés ao perder idas e vindas no uso do MAPA. As dificuldades
seu principal cliente e reduziu substancialmente identificadas parecem indicar não só a necessida-
seu efetivo. A equipe do CEREST Piracicaba não de de formação precedendo a adoção do modelo,
conseguiu fazer com que a negociação envolvesse como a de oferta de apoio e interlocução perma-
a cadeia produtiva de fabricantes e fornecedores nente com as equipes, a exemplo do que se pre-
de móveis à rede nacional contratante da pro- tende com as experiências virtuais e presenciais
dução. Em princípio, a situação permitia pensar do fórum de acidentes de trabalho.
que problemas assemelhados se repetissem em Os fatos apresentados levam a considerar a
outros fornecedores, indicando a necessidade de experiência até aqui como animadora. As dificul-
inclusão na agenda política de ST de discussões dades identificadas, no que se refere à apropria-
sobre a constituição de instâncias Intersetoriais, ção conceitual, podem ser consideradas espera-
estaduais e nacional, capazes de agir como con- das num contexto de serviço. O mesmo se pode
dutor, dinamizador e ou coordenador desse tipo dizer em relação às propostas de intervenções
de intervenção de vigilância. que visam desencadear processos de negociação
pela prevenção, trazendo para a ordem do dia
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Ciência & Saúde Coletiva, 19(12): 4679-4688, 2014


questões relacionadas às escolhas estratégicas das quanto tal, até mudanças culturais e de posturas,
empresas no que se refere às formas como deci- tais como a valorização do saber prático. Enfim,
dem organizar a produção. pressupõe uma interação diferenciada entre os
O MAPA, enquanto ferramenta de análise, atores no interior das próprias organizações e
centrada no papel do agente de inspeção ou do destes com os agentes públicos33. Esforços nesta
pesquisador externo à organização, precisa ser direção parecem necessários e deverão ser pensa-
articulado a uma metodologia participativa e de dos em próximas iniciativas, de modo a ampliar
aprendizado nos locais de trabalho, de modo que o leque de alianças, o alcance e os impactos das
o conhecimento e a inovação do olhar não se res- ações públicas em defesa da vida.
trinjam à equipe de vigilância que conduz a aná-
lise. Por outro lado, a intervenção e a criação de
soluções requisita ampliação e comprometimen-
to dos atores implicados na situação. Sem estes
pré-requisitos, o diagnóstico será sempre externo
e parcial, pois seus achados não passaram pelo
crivo da resistência do real. Segundo Virkkunen
et al.31, para conhecer é preciso também trans-
formar. Esta transformação, para ser sustentável
e duradoura, terá que passar pela confrontação e
mudança dos diferentes pontos de vista existen-
tes no interior das organizações, de modo a asso-
ciar o diagnóstico à criação conjunta de soluções,
como preconizado, por exemplo, em ferramentas
de intervenção formativa como o Laboratório de
Mudanças32.
O MAPA associa a utilização de conceitos
sociotécnicos com estratégias que reconhecem
nos trabalhadores o papel de protagonistas na
defesa de sua saúde no trabalho. No formato atu- Colaboradores
al, condizente com a atual conjuntura de pouca
participação da sociedade civil, a dinamização do IM Almeida e RAG Vilela participaram da elabo-
uso da proposta ainda se mostra dependente da ração do manuscrito em todas as fases. AJ Nunes
contribuição de profissionais dos serviços envol- da Silva e SL Beltran contribuíram na revisão
vidos. A despeito de obter diagnósticos organiza- bibliográfica e na apresentação e discussão dos
cionais, as recomendações oriundas das análises casos.
efetuadas com o MAPA encontram dificuldades
de serem acolhidas pelas organizações, mesmo
quando pressionadas pelos órgãos públicos em Agradecimentos
atuação intersetorial. Uma das razões é que as
mudanças organizacionais requeridas escapam à À FAPESP pelo apoio aos três projetos de pesqui-
lógica produtiva vigente, ou seja, sua implemen- sa que fundamentaram este texto e à Equipe do
tação requer, além de diagnósticos, um reposicio- CEREST Piracicaba e aos Procuradores do Mi-
namento das organizações diante do problema, nistério Público do Trabalho da 15ª Região pelas
que pressupõe desde o seu reconhecimento en- parcerias e viabilização das pesquisas.
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Almeida IM et al.

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