Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INTERNACIONAL
INTERNACIONAL
DROGAS
Agente sanitário atende mulher com overdose em Warren (Ohio). SPENCER PLATT (GETTY IMAGES)
MAIS INFORMAÇÕES
John Wayne. Muhammad Ali. Ronald Reagan. Donald Trump. O xerife
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/22/internacional/1500752729_017408.html 1/11
28/08/2019 A ‘solução’ para a epidemia de overdose nos EUA: deixar os viciados morrerem | Internacional | EL PAÍS Brasil
MAIS INFORMAÇÕES
Richard K. Jones vive à sombra de seus ídolos. Sentado em seu
‘Morte Cinza’, o
novo coquetel
escritório, os acaricia com o olhar. Aí estão seus retratos, junto a duas
de opiáceos que bandeiras norte-americanas e uma metralhadora Madsen Ligera de
se alastra pelos 1946. Alcance de 2.800 jardas [cerca de 2,5 metros]; 600 balas por
Estados Unidos
minuto. “Isso mata tanto quanto a heroína”, diz Jones. O xerife é
A epidemia que
encarregado de velar pela segurança no condado de Butler, Ohio.
matou quase Encravado no Meio Oeste dos Estados Unidos, a circunscrição tem
meio milhão de
apenas 376.000 habitantes, mas registrou no ano passado 210
americanos
brancos mortes por overdose, quase a metade da registrada na Espanha, com
uma população 120 vezes maior. É a epidemia. A devastadora onda de
Nova York opiáceos que em 2016 matou nos EUA mais pessoas do que toda a
procura solução
para conter
guerra do Vietnã e que no pequeno condado levou alguns de seus
overdoses de mais notáveis cidadãos a propor uma solução tão insólita quanto
heroína simples: deixar os viciados morrer.
— Cartéis de droga?
— Mas a vida...
“Não ataca a raiz do problema: apenas prolonga. Só do início do ano até hoje foram
registradas 200 mortes. Temos casos de viciados que em um mês sofreram até 20
overdoses. Não sou eu quem decide, são eles que colocam a agulha no braço. Nosso
trabalho é prevenir o crime, não oferecer primeiros socorros”, opina o xerife.
O vereador de Middletown Daniel Picard. — E não sente piedade dos que morrem?
Eles. Os outros. Os viciados. Sarah é uma delas. Acaba de entrar na sala. Chega
algemada e com o uniforme de listras verdes e brancas dos presos do condado de
Butler. Tem 27 anos. Nasceu em Hamilton e nunca saiu de Ohio. Nem para ver o mar. É
toxicômana desde os 13 anos. Esse é seu mundo. Seu pai morreu alcoolizado e sua
mãe, depois de anos de analgésicos, faleceu de overdose de heroína batizada com
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/22/internacional/1500752729_017408.html 4/11
28/08/2019 A ‘solução’ para a epidemia de overdose nos EUA: deixar os viciados morrerem | Internacional | EL PAÍS Brasil
Sarah foi presa por violar a liberdade condicional. Antes roubou e “fez o que tinha de
fazer” por um pico. Passou tantas vezes pelo fio da navalha que se esqueceu de
quantas vezes foi salva. “Houve um mês em que sofri 18 overdoses. Sem o Narcan
estaria morta, bem morta. Uma noite tiveram que me dar quatro para que eu me
recuperasse”, conta.
Sarah não entende bem a discussão. Para ela, salvar a vida é uma obrigação —“é
assim, não?”— e o Narcan é a única forma de fazer isso. “Se tirarem morremos,
simples assim”. Intrigada com as propostas do conselheiro Picard e do xerife Jones,
arregala seus olhos negros e, em todo o caso, pede uma chance. Afirma que está limpa
há oito meses e que tem certeza de que pode levar uma vida normal. Se perguntam o
que quer ser, não sabe responder. E, quando insistem, explica: “Para mim, basta
sobreviver”.
Sarah vive no limite. Como tantos outros afetados, não tem consciência de que seu
caso se repete país afora. Só no ano passado cerca de 60.000 pessoas perderam a
vida na epidemia. Foi a principal causa de mortalidade em menores de 50 anos. Mais
do que o câncer, as armas ou os acidentes de carro. Cerca de 35.000 dessas mortes se
deveram ao consumo de heroína sozinha ou adulterada. O restante corresponde em
sua maior parte ao abuso de opiáceos com receita médica. Uma praga legal que
começou a se generalizar nos anos noventa e que agora, depois de décadas de ótimo
negócio, extrapolou os diques de contenção. Em 15 anos, segundo o Centro de
Prevenção e Controle de Doenças, as receitas de opiáceos contra a dor triplicaram e
cerca de dois milhões de viciados pululam pelo país. Como demonstrou um estudo do
JAMA Psychiatry, 75% dos viciados em heroína começaram com esses analgésicos.
Foram sua porta de entrada para um mercado no qual os cartéis mexicanos não
deixaram de melhorar suas redes de produção, síntese e distribuição. A equação é
infernal. O material é mais puro, os preços caíram e os consumidores só aumentam.
Sob estas condições, a epidemia saiu do controle.
A reação chegou tarde e, até o momento, nada foi conseguido. O Congresso aprovou
um plano de 1,1 bilhão de dólares, e os Estados buscam cada um sua saída. Em
Maryland, declarou-se estado de emergência, e em Ohio o procurador-geral acionou os
cinco maiores fabricantes por estimular o vício. São paliativos para uma crise que,
como reconhecem os especialistas, exige uma ação muito mais poderosa e conjunta.
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/22/internacional/1500752729_017408.html 5/11
28/08/2019 A ‘solução’ para a epidemia de overdose nos EUA: deixar os viciados morrerem | Internacional | EL PAÍS Brasil
“Ou estamos todos nisso, ou não há o que fazer”, admite o indômito xerife Jones.
Nas ruas também não se vê uma solução de curto prazo. As mortes continuam
aumentando e os afetados permanecem abandonados por um sistema de saúde que
não existe para 28 milhões de norte-
americanos. “Neste país, se você cai,
ninguém te ajuda. Querem você morto.
Por isso pretendem tirar o Narcan”,
afirma Errol Monroe, de 57 anos. É um
homem mais velho. Olhos azuis, gestos
secos. Em sua juventude foi mecânico,
mas uma lesão nas costas o incapacitou.
Para mitigar a dor, lhe receitaram
comprimidos. Durante catorze anos
tomou opiáceos legais até que um dia
descobriu a heroína. Mais barata, mais
potente. Vinte dólares por um pedacinho
do céu. E aí se afundou.
ARQUIVADO EM:
MAIS INFORMAÇÕES
DROGAS
DROGAS
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/22/internacional/1500752729_017408.html 7/11
28/08/2019 A ‘solução’ para a epidemia de overdose nos EUA: deixar os viciados morrerem | Internacional | EL PAÍS Brasil
CRACOLÂNDIA
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/22/internacional/1500752729_017408.html 8/11
28/08/2019 A ‘solução’ para a epidemia de overdose nos EUA: deixar os viciados morrerem | Internacional | EL PAÍS Brasil
CRACOLÂNDIA
CONTENIDO PATROCINADO
E TAMBÉM…
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/22/internacional/1500752729_017408.html 9/11
28/08/2019 A ‘solução’ para a epidemia de overdose nos EUA: deixar os viciados morrerem | Internacional | EL PAÍS Brasil
‘Youtuber’ morre após gravar salto Turquia inunda 10.000 anos de O jovem que conduziu nove horas
de paraquedas de empresa de história para provocar um banho de
cimento na… sangue em El Paso
Recomendado por
NEWSLETTERS
Receba o boletim diário do EL PAÍS Brasil
PODE TE INTERESSAR
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/22/internacional/1500752729_017408.html 10/11
28/08/2019 A ‘solução’ para a epidemia de overdose nos EUA: deixar os viciados morrerem | Internacional | EL PAÍS Brasil
© EDICIONES EL PAÍS S.L. Contato Venda de conteúdos Publicidade Aviso legal Política cookies Mapa
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/22/internacional/1500752729_017408.html 11/11