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A Neurose das Telefonistas

(A síndrome da fadiga nervosa)

Hoje, mais do que antes, o assunto das neuroses, fadiga, stress, etc,
desperta interesse na maioria das pessoas, sejam elas “homens
comuns” ou estudiosos do comportamento humano. As ideologias, as
diferentes conceituações ao abordar a psicopatologia são as mais
variadas e cada qual apresenta “de per si” riquezas e contribuições
que não podem deixar de ser auxiliadas senão sob o prisma histórico
de uma sociedade, seu marco social e os recursos da época. É
exatamente sob esta ótica que traduzimos a clássica experiência
relatada na “neurose das telefonistas” que ainda hoje, em 1984, 28
anos após sua 1ª publicação, mantém sua atualidade.
Hoje as condições de trabalho das telefonistas brasileiras continuam
sendo muito semelhantes às das francesas daquela época; o que nos
faz crer que, infelizmente, o quadro brilhantemente descrito por Le
Guillant mantenha sua validade.
Esperamos que este texto seja útil a todos aqueles que se vem
preocupando em estabelecer relações entre as condições de trabalho
e a saúde mental dos trabalhadores e, principalmente, que
investigações dessa natureza prossigam. 

LE GUILLANT, ROELENS, BEGOIN, BEQUART, HANSEN e


LEBRETON.
CENTRO DE TRATAMENTO E READAPTAÇÃO SOCIAL DE
VILLEJUIF

A escolha deste trabalho foi feita a partir de duas considerações:


de um lado, a freqüência bem conhecida e crescente de alterações
mentais e “nervosas” menores nesta categoria de empregadas (1) e de
outro lado, a natureza de suas atividades profissionais. Estas são
particularmente características de certas condições de trabalho que o
progresso técnico tende a instaurar cada vez mais, nos escritórios e
nas fábricas(2).


Publicado originalmente em “La Presse Medicale”, 1956, n° 13. p. 274-277. Copyright MASSON Editur.
Direts de Reproducsion: F. MAN.

Tradução e revisão científica: DENISE MONETTI e LEDA LEAL FERREIRA – FUNDACENTRO.
(1)
Estes fatos não poderiam ser considerados (...)
Estas condições são definidas antes de tudo por uma
diminuição, pelo menos relativa, dos gastos de energia muscular e por
uma aceleração correlativas da rapidez dos atos de trabalho, das
cadências, causando um aumento às vezes considerável dos esforços
de atenção, precisão e velocidade. A “fadiga nervosa” (esta
expressão, mesmo imperfeita, é melhor que outras e provisoriamente
será utilizada) que resulta disto, embora geralmente pouco conhecida,
nos parece constituir, ao lado de certos fatores psicológicos, um
aspecto essencial da patologia do trabalho moderno.
As alterações observadas nas telefonistas e nas
mecanografistas nos parecem fazer parte de uma “Síndrome Geral de
Fadiga Nervosa” comum e mal conhecida, neste caso manifestadas
muito claramente. Em uma primeira etapa, esforçamo-nos por recolher
dados clínicos indispensáveis. Estes nos parecem suficientemente
concordantes para que pudéssemos tentar descrever formas
particulares desta síndrome nas telefonistas: a antiga “Neurose das
Telefonistas”, da qual vamos examinar sucintamente os traços
essenciais.
É necessário lembrar, porém, que se trata de fatos conhecidos
há muito tempo, mas em geral negligenciados, minimizados ou
interpretados de um modo sumário ou inexato. Já em 1910, o Dr.
Julhard, na “REVUE SUISSE DES ACCIDENTS DU TRAVAIL”,
escrevia: “Os choques de extra-corrente são às vezes fortes o
suficiente para que a telefonista, já nervosa pelo seu trabalho que
exige uma grande tensão de espírito, comece a chorar e não queira
mais trabalhar. Tudo isto, acrescentado à fadiga, à tensão nervosa, ao
aborrecimento de receber observações injustificadas mais ou menos
grosseiras de clientes, contribui para produzir, quando o sujeito está
predisposto, verdadeiras neuroses que devem ser consideradas como
doenças profissionais”.
Estas frases são citadas e retomadas por autores suíços,
Fontegne e Solari, num estudo de junho de 1918 sobre “ O trabalho da
Telefonista” Esses autores ressaltam também a importância dos sinais
de fadiga ligados a esta profissão (cefaléias, insônia, dificuldade para
refletir e fixar sua atenção, humor às vezes massacrante, violento
nervosismo), síndrome descrita correntemente sob o nome de
“Neurose das Telefonistas”.

(2)
Ver a esse respeito em Le Guilant: Quelques perspectives nouvedes sur la pschologie du travad. (...) /Oct.
193.
O Dr. Schiff, na “Enciclopédia Francesa” (3), infelizmente
classificou esta neurose como sendo de responsabilidade da
desclassificação sofrida e da freqüência e irregularidade das
solicitações psíquicas sofridas pelas telefonistas. Segundo ele, esta
neurose “dita profissional” teria desaparecido completamente com a
instalação de aparelhos automáticos.
Nos últimos anos, a neurose das telefonistas se desenvolveu
muito e apareceu na literatura médico-psicológica. S. Pacauld, em
particular, num estudo psicológico muito interessante da carreira de
telefonista (4), analisou com muita precisão e sutileza certos
mecanismos desta fadiga nervosa.
Trata-se de um quadro polimorfo, com uma sintomatologia rica e
variada, mas onde algumas alterações dominantes se encontram de
uma maneira constante e superposta em todos os sujeitos. Pode-se
estabelecer uma sistematização aproximada, descrevendo
essencialmente:
- Uma “síndrome subjetiva comum” de fadiga nervosa;
- Alterações do humor e do caráter;
- Alterações do sono;
- Um conjunto de manifestações somáticas variáveis;
- A repercussão destas diferentes alterações sobre a v ida das
trabalhadoras.
(5)
A) A síndrome subjetiva comum da fadiga nervosa

a) Pode-se dizer que não há uma só telefonista que não sinta esta
fadiga, em graus diversos. Trata-se (em 33% dos casos) de uma
impressão de lassidão profunda, de verdadeiro “aniquilamento” no fim
do trabalho. Durante o trabalho as telefonistas são mantidas pelo
próprio ritmo de trabalho, permanecendo “com os nervos a flor da
pele”, como dizem. Mas quando saem, é comum um sentimento de
abatimento profundo. Ficam com a “cabeça vazia”. Não podem
estabelecer conversações, não suportam que se lhes dirijam a
palavra. As vezes esquecem seus objetivos pessoais, tomam o metrô
na direção oposta e só percebem no fim da linha. Algumas disseram
que várias vezes quase foram atropeladas quando estavam neste
estado de obnubilação. Para lutar contra estas manifestações
(3)
SCHIFF, La profession et Les Troubles Psychiques. Enciclopédie Française.
(4)
PACAUD, S. Recherche sur le (...) 1919.
(5)
As porcentagens estabelecidas sobre uma base estatística insuficiente não tem mais do que um valor
indicativo. Elas (...)
recorrem a dois procedimentos: algumas vão para casa o mais cedo
possível para se deitar e se esforçam para dormir (36% dos casos);
outra têm uma necessidade imperiosa de caminhar durante longo
tempo, de se cansar fisicamente: vão para casa a pé ou fazem um
longo percurso por Paris (25% dos casos).
b) Esta astenia profunda torna-se para algumas um estado
permanente fora do trabalho. Elas dizem não saber mais organizar sua
atividade em casa, “um vai-e-vem sem fazer nada”, desinteressam-se
completamente de trabalhos domésticos, “deixando tudo em
desordem”, enquanto que anteriormente elas eram preocupadas e
ordeiras em casa. Esta atitude é acompanhada de uma espécie de
indiferença, de um “desgosto de tudo”.
c) O trabalho intelectual lhes é impossível. Quase todas se queixam de
uma queda significativa de suas faculdades intelectuais. Têm
alterações de memória e de atenção, dificuldade em conversar, não
encontram argumentos nas discussões, precisam procurar os nomes,
as datas e mesmo as palavras mais correntes. Têm a impressão de
não saber mais nada, de nunca ter aprendido nada. Freqüentemente a
leitura é difícil, a de um romance quase sempre impossível: limitam-se
a livros ilustrados e até mesmo a histórias infantis, que são mais
fáceis. Outras renunciam completamente a leitura. Muitas têm
dificuldade em ler jornais, onde só vêem “palavras umas ao lado das
outras”. Uma delas nos disse que ficou um ano sem poder ler um
artigo de jornal e 3 anos sem poder fazer qualquer leitura um pouco
mais difícil.
d) Quase todas as telefonistas que tentaram dar a luz sem dor,
segundo o método psicoprofilático, não conseguiram. Parece-nos que
este é um fato bastante demonstrativo da importância de perturbações
globais da atividade nervosa superior causada pelas condições de
trabalho.
e) É freqüente as telefonistas empregarem, por engano, na vida
cotidiana, expressões profissionais que lhes vem automaticamente
aos lábios. A mais comum é “Alô, aguarde um instante”, que
pronunciam em múltiplas ocasiões, por exemplo, quando se lhes
dirigem bruscamente a palavra. Entretanto em algum lugar, elas se
anunciam: “Paris 380”, por exemplo. Ou dizem, ao tocar uma
campainha ou dar a descarga no banheiro, “fim da ligação”. Entre elas
isso provoca risos, mais não raro desencadeia crises de choro. As
telefonistas se anunciam em voz alta no metrô, quando toca a
campainha de partida. Na bilheteria, sem perceberem pedem “duas
unidades” em vez de 2 bilhetes de metrô, e se aborrecem quando se
lhes pedem para repetir. Uma verdadeira intoxicação por frases
profissionais se observa em 20% dos sujeitos examinados.

B) Alterações do humor e do caráter

a) Mais facilmente percebidas, elas são quase tão constantes quanto


as precedentes (44% durante o trabalho e 52% depois do trabalho).
Muitas das telefonistas têm a impressão de ter mudado
profundamente sob este ponto de vista. Anteriormente eram calmas,
tímidas, agora se tornaram nervosas, irritadas, agressivas, não podem
suportar a menor contrariedade “sem fazer um drama”. Respondem
rudemente a seus superiores e ficam estupefatas em seguida.
Contrariadas, elas dão respostas que ultrapassam seus limites e em
seguida não se recordam mais. Com o público ou seus colegas, elas
ficam irritadas e pouco pacientes.
Tudo isto as leva a verdadeiras “crises de nervos”: atiram seus
fones para longe, no meio da sala, quando uma dificuldade aparece, e
precisam sair por alguns minutos para se acalmar. Ou então, são
crises súbitas de choro (29% dos sujeitos examinados), as vezes
vertigens, desmaios repetidos e toda espécie de incidentes que as
levam a breves visitas à enfermaria.
Este nervosismo é mantido pelo próprio trabalho, que ao mesmo
tempo o exige e o cria: certas telefonistas atingem (140 a 150% em
relação à média), não por excesso de empenho, mas porque o próprio
trabalho, dizem elas, as irrita e “quanto mais se irritam mais se
apressam”. Pode-se dizer, sem exagero, que o nervosismo das
telefonistas é, nas condições atuais, uma doença necessária ao
cumprimento de suas tarefas profissionais: são as mais nervosas as
que apresentam melhor rendimento. O sistema de controle e anotação
favorece este estado de coisas.
b) Ao sair do trabalho elas não suportam que se lhes dirijam a
palavra: isso as irrita. Sentem, com já dissemos, a necessidade de
andar, isso as acalma. Algumas se alegram por ter um longo trajeto a
percorrer para chegar em casa, caso contrário serão capazes, dizem
elas, de quebrar o que lhes vier a mão.
Elas não suportam que os filhos façam o mínimo ruído: precisam
controlar-se para não bater neles. Seus filhos são, na maioria, muito
nervosos, sujeitos a caprichos e crises de birra freqüentes, tendo
pavores noturnos.
c) O ruído é particularmente mal suportado, qualquer que seja ele,
mas sobretudo o são os ruídos violentos e inesperados: batidas de
portas, arranque de um veículo, buzina de automóveis (a proibição de
buzinas à noite, em Paris, tem sido para alguns um alívio
considerável). Os ruídos repetidos e monótonos, o rádio são
absolutamente intoleráveis e podem desencadear verdadeiras crises
de nervos. Nós notamos, por vezes uma hipersensibilidade muito
particular ao ruído: a momentos em que o sujeito tem a impressão de
que a cabeça está “como uma caverna” onde ressoam os menores
ruídos, chegando o simples atrito de papel a causar um estado de
“inquietação nervosa terrível”, enquanto que em outros momentos, ao
contrário, o sujeito tem a impressão de ser surdo e faz repetir tudo
aquilo que lhe disseram.
d) Por outro lado, as telefonistas apresentam freqüentemente (32%
dos casos) períodos de depressão, humor triste, em que a astenia se
complica com o desgosto de viver, com idéias de suicídio mais ou
menos explícitas, por vezes mesmo com tentativas de suicídio.
Quase todas apresentam hiperemotividade e ansiedade latente.
A menor contrariedade é suficiente, freqüentemente, para
desencadear uma crise de choro, que pode também surgir sem razão
aparente, da mesma forma que risos incontidos inexplicados.
Nós pudemos constatar esta hiperemotividade: muitas nos
confessaram ter dúvidas quanto a conversar com um médico sobre
seus problemas, sabendo que isso exigiria delas um esforço muito
grande. Muitas vezes, enquanto nos descreviam o que sentiam,
estavam próximas de desatar em soluços: a evolução de suas
dificuldades e de suas conseqüências era suficiente para despertar
esse estado de nervosismo e de emotividade.

C) Distúrbios do sono

Eles representam também um elemento vital, quase constante (o


sono só é normal em 14% dos sujeitos examinados). Trata-se
essencialmente de:
a) Hipersonia diurna (34% dos casos): elas tem constantemente
vontade de dormir durante o dia. Uma nos disse que seu desejo era
ser “uma rainha preguiçosa, constantemente deitada em sua cadeira”.
Algumas chegam a dormir uma ou duas horas ao voltar para casa e
assim recuperam, em parte, suas forças. A maioria não consegue.
b) Insônia noturna: o sono é quase sempre perturbado em graus
variáveis: - adormecimento tardio e difícil, sono leve, despertar fácil e
precoce; - sono agitado, pouco repousante (53% dos casos), com
sonhos, relacionados a profissão ou não, com pesadelos; - insônia
quase total (38% dos casos), pelo menos em certos períodos, que
podem durar muitos meses; - os tratamentos prescritos pelos médicos
consultados para estas insônias são freqüentemente mal tolerados. Os
soníferos ou sedativos as fazem dormir, mas na manhã seguinte
deixam um estado de obnublação e de “embrutecimento” tal que
atrapalha o trabalho e obriga a interrupção do tratamento. Por outro
lado o café é consumido abundantemente: “a gente gosta de tomar
café quando está no interurbano”, disse-nos uma delas. Uma nos
disse que havia tentado tomar o “Maxiton” durante o dia quando tinha
sono, mas que teve que renunciar a essa prática pois ela causava
uma necessidade de dormir ainda maior.

D) Alterações somáticas

Trata-se de manifestações “cortiço-viscerais” evidentes que


exprimem as repercussões orgânicas do esgotamento nervoso,
aparecendo e pelo menos inicialmente, desaparecendo com ele.
No decorrer do nosso trabalho, as telefonistas referiram-se a
uma série de indisposições mais ou menos intensas: angústias,
palpitações, dores pré-cordiais, sensações de opressão torácica,
“bolas” no estômago, etc..
Também se queixavam de cefaléias, as vezes relacionadas ao
uso dos telefones, que davam a algumas a impressão de queimaduras
violentas. Mais raramente, vertigens, tremores, náuseas. Muito
freqüentemente, síncopes.
Fora do trabalho, notaram-se:
- Sobretudo alterações digestivas: anorexia (35% dos casos)
quase sempre importantes; dores gástricas, tendo por vezes um
horário e uma periodicidade que lembra as dores de úlcera,
vômitos, emagrecimento;
- Cefaléias persistentes, freqüentes (34% dos casos);
- Alterações cardiovasculares: síncopes, palpitações, vertigens,
zumbido nos ouvidos,alterações da visão, que davam a alguma
medo de ter uma hipertensão arterial, se bem que nenhum sinal
objetivo tenha sido observado nas nossas doentes;
- Alterações menstruais.
Todas essas alterações se distribuem de maneira variável,
segundo os sujeitos. É comum serem encontradas associadas,
embora algumas predominem. Por exemplo, as telefonistas se
queixaram sobretudo das alterações do sono ou de nervosismo, ou de
diversas alterações somáticas. Embora se trate, em geral e a primeira
vista, de indisposições em si pouco graves, parece-nos que terminam,
muito freqüentemente, por tornar a existência das telefonistas
absolutamente intolerável, por lhes suprimir toda a possibilidade de
calma e felicidade. A intensidade e a permanência das alterações
chega a constituir uma verdadeira neurose.
Algumas têm verdadeiramente levado, durante muitos meses e
até mesmo muitos anos, uma existência totalmente perturbada,
conseguindo somente executar seu trabalho, mas não podendo ter
absolutamente nenhuma outra atividade e experimentando em certos
momentos a impressão de “tornarem-se loucas” e de perderem
completamente o controle de si mesmas. Foi apenas muito
lentamente, por meio de um trabalho de readaptação progressiva
muito prudente e graças a um posto de trabalho menos cansativo, que
elas puderam vencer uma situação verdadeiramente dramática.
Muitas vezes nos disseram: “eu não sei viver”. E, de fato, elas
têm, quase todas, uma vida social muito reduzida: poucas distrações,
poucos passeios e centros de interesses. È o oposto de uma vida
leviana ou de orgia, como algumas com rara inconsciência, poderiam
ter pretendido. Elas levam, em geral, uma existência muito limitada,
pobre, da qual a maior parte tem consciência e pela qual sofrem muito.
Elas perderam o seu dinamismo, tornaram-se indiferentes, sem
energia, recusam o que anteriormente lhes atraía, a música, o teatro,
os esportes, os estudos. Tudo lhes parece acima de suas forças e
quando elas tentam reagir, pagam caro, com uma fadiga que lhes
custa muitos dias para compensar.
Elas experimentam freqüentemente a necessidade de atividades
ao ar livre: algumas fazem acampamento aos domingos, sentem a
necessidade absoluta de sair de Paris para conseguir relaxar um
pouco. Algumas nos disseram da ajuda que têm encontrado em
interesses e mesmo nas tarefas pesadas extra-profissionais,
subentendidos pelas fortes convicções, por objetivos claros que lhes
permite dominar na ação uma vida em que outras áreas está atrofiada
pela fadiga, dedicada, por vezes, inteiramente a reparação de suas
forças. Estas influências, em aparência paradoxais – por outros bem
conhecidas dentro das outras neuroses -, mereciam longas
considerações psicofisiológicas que ultrapassam o quadro desse
artigo. Muitas telefonistas nos exprimiram a certeza de que, sem essas
atividades e essas perspectivas, elas não teriam podido resistir, e
poderiam ter sido mesmo levadas ao suicídio.
A gravidade real desses estados de esgotamento nervoso
aparece no fato de que o dia de descanso semanal é, não raro,
insuficiente para fazer desaparecer os sintomas: “a gente nem se
apercebe de que houve um dia de repouso”, dizem elas. Somente
algumas, afetas a postos privilegiados disseram-nos que no dia em
que não trabalham são mais calmas, mais relaxadas. Os dois
primeiros dias da semana elas vão bem: somente a partir de quarta-
feira sentem que se tornam cansadas e nervosas. Mas a maioria delas
necessita, para se recuperar, de um repouso de ao menos duas
semanas, mudando completamente de ambiente. Então, rapidamente,
o sono e a calma retornam mas, quando voltam ao trabalho, são
suficientes poucos dias para que toda a síndrome se reconstitua,
exatamente como antes. Um período na praia é, em geral, nefasto, por
vezes mesmo catastrófico. O repouso no campo e sobretudo na
montanha é, ao contrário, muito mais eficaz. Assinalamos que muito
poucas tiram licença por doença ou para repouso, mesmo quando elas
estão no limite de suas forças. Essas licenças têm, de fato,
repercussão na suas avaliações e prejudicam suas promoções.
A data de aparecimento das alterações em relação ao início do
trabalho das telefonistas é difícil de estabelecer-se de maneira precisa.
Quase todas que examinamos exerciam suas funções havia vários
anos e lhes foi difícil traçar a cronologia de manifestações, por vezes
já antigas. Parece, porém, que no primeiro ano as alterações sejam
limitadas: repetição automática de frases profissionais, sonhos
relacionados com seu trabalho, anorexia, leve emagrecimento, ligeira
insônia. Essas alterações desaparecem depressa com o repouso e
não conduzem a perturbações importantes na vida das pacientes.
Entretanto, pouco a pouco, o repouso se torna insuficiente para
recolocar tudo em ordem, as alterações se tornam permanentes, se
agravam e se multiplicam. Aparecem então o nervosismo, a insônia, a
astenia profunda, a diminuição das possibilidades intelectuais, uma
repercussão mais ou menos grave sobre o estado geral.
Certos fatores acentuam os sintomas de maneira muito clara:
são o período menstrual e a gravidez, quando o agravamento se
produz de maneira muito precoce, desde as primeiras semanas, e só
termina depois do parto. As dificuldades pessoais, os conflitos afetivos
e familiares desempenham também, naturalmente, um papel
agravante muito nítido, mas não determinante, como alguns podem
pretender.
Nós tentamos determinar quais eram os elementos do trabalho
mais patogênicos. É impressionante constatar que o trabalho em si
mesmo – isto é, sua natureza particular entre outras atividades
profissionais, as operações ou mesmo as relações com os usuários
que ele comporta – é bem pouco questionado pela empregadas.
Raras foram aquelas que assinalaram – sem que insistíssemos – a
fadiga devido aos gestos necessários, as dificuldades de vencer ao
uso do fone, ao ruído das salas, adefeito do material, a falta de
aeração, a iluminação, etc.
Todas, ao contrário, insistiram nas condições gerais nas quais se
efetuou o trabalho, na sua atmosfera. Os dois elementos fundamentais
incriminados foram o rendimento e o controle.
O rendimento, a rapidez das operações que ele exige foram
unanimemente julgados como excessivos. É esse ritmo, como o de
múltiplos outros postos de trabalho semi-automatizados das empresas
modernas, que sobrecarrega os processos nervosos, excede as
possibilidades normais de adaptação e se traduz na telefonista por
esta impressão subjetiva de estar partida, pressionada,
sobrecarregada, enervada pela execução de tarefas que, todavia, são
fáceis de serem cumpridas.
O modo de cálculo deste rendimento contribui muito a dar ao
ritmo seu caráter penoso. Ele é determinado em relação a uma média
efetuada sobre o grupo de operadoras e em seguida cada uma é
obrigada a efetuar uma porcentagem em relação a esta média. As
operadoras têm horror desta média a ser cumprida, pois caso não a
cumpram, pensam, suas notas serão rebaixadas e sua promoção será
comprometida. Este modo de proceder provoca uma competição entre
as telefonistas, que disputam entre si as comunicações, para manter
suas médias. Elas se anunciam várias vezes sobre a mesma chamada
e é aquela que grita mais alto que pega a chamada. Elas “provocam
ruídos nos fones das outras” durante estas pequenas disputas, ruídos
estes que representam verdadeiros sofrimentos para muitas delas.
Este sistema provoca o seguinte fato paradoxal: nas horas de menor
movimento a competição entre elas é mais forte, enquanto que
quando há chamadas “para todo mundo”, elas se enervam menos e,
dizem, sentem uma fadiga “mais física”.
O controle é efetuado de vários modos: sobretudo pelo sistema
de “mesas de escuta” e por controladoras que circulam
constantemente atrás das operadoras. As “escutas” têm por finalidade
verificar se as telefonistas utilizam bem o “modo operatório” fixado, isto
é, frases fixas e determinadas por uma espécie de código, as quais
devem obrigatoriamente ser pronunciadas em qualquer eventualidade,
e de controlar a distração, a conversa, a “amabilidade”, etc. As
operadoras ignoram quando são “escutadas”: sabem apenas, através
de um “clic” no fim da operação, que acabaram de controla-las durante
15 minutos ou meia hora. Por outro lado, as controladoras estão lá
para impulsionar o trabalho, através de lembretes como: “prestem
atenção as luzes...apressem-se, atenção a maquete...atenção ao
controle...etc.”, constantemente repetidos durante todo o dia. As
operadoras devem pedir permissão a controladora para sair quando
têm necessidade fisiológica a satisfazer, o que é chamado de “ir e vir”,
com duração de 5 minutos. Quando este tempo é ultrapassado,
desencadeia interrogatórios cerrados sobre a utilização do sexto
minuto. Tudo isto cria uma atmosfera que, se não chega a ser de
medo, pelo menos é de apreensão continua, um “ambiente sufocante”,
um sentimento de humilhação. A impressão exasperante de serem
“dirigidas como crianças”, de estarem na escola maternal, de serem
incompreendidas e injustamente repreendidas.
Outras condições de trabalho são igualmente mencionadas: a
automatização cada vez mais crescente causa uma grande
monotonia: as operadoras sofrem por trabalhar como “robôs”, fazer um
trabalho “mecânico”, não ter que tomar nenhuma iniciativa, não poder
organizar elas mesmas o seu trabalho, não acrescentar nada delas
mesmas a este trabalho. Isto provoca desencorajamento, a impressão
de trabalhar “bestamente”, ou acessos de raiva quando elas percebem
até que ponto seu trabalho é pouco interessante, sem participação
pessoal, sem nenhuma iniciativa. Algumas telefonistas mais idosas
nos falaram com saudades das antigas condições de trabalho.
Não poderá ser inútil lembrar a esses sujeitos que nossas
observações relativas ao clima no qual desenvolvem seu trabalho e
aparecem suas fadigas não são mais do que uma ilustração da
importância dos fatores psicossociais relacionados a fadiga industrial a
qual numerosos autores têm dado atenção (E. KRAEPELIM, S.
MYERS, E. P. CATHEART, B. MAYO, J. M. LAHY, G. FRIEDMAN).
Sabemos que a descrição de um quadro clínico tão subjetivo,
embora todos nós que participamos dos exames das telefonistas não
tenhamos dúvidas sobre sua realidade, chocasse a um certo número
de críticas as quais devemos responder. Isto é objeto de pesquisas
atualmente em curso, as quais pretendemos publicar ulteriormente.
(...) Texto ilegível. Neste sentido, elaboramos um questionário
bem detalhado para este fim. A validade das respostas será
assegurada pela comparação com dados obtidos através de exames
clínicos anteriores.
b) Sem dúvida, será necessário levar em conta o conjunto das
condições de vida: idade, situação familiar, condições de moradia,
importância das ocupações extra-profissionais, adaptação a vida
parisiense pelas numerosas interioranas do P. T. T., etc. Achamo-nos
diante de um enorme complexo de fatores, ficando muito difícil
isolarem-se os aspectos determinantes dos aspectos contingentes, o
que necessitaria de um levantamento muito longo e detalhado.
Nem se precisa dizer que, por outro lado, será artificial e falso
considerar isoladamente a vida profissional e a vida pessoal das
telefonistas (de quem quer que seja). É bem evidente, de fato, que as
alterações das quais sofrem repercutem inevitavelmente, e por vezes
profundamente, nas suas relações conjugais, familiares, etc. A
alteração dessas relações, em troca, as tornam mais intolerantes as
suas condições de trabalho.
Com essas reservas, nossa impressão atual é a de que os
fatores extra-profissionais são quase sempre secundários na gênese
das alterações das telefonistas que examinamos. Encontramos quase
os mesmos sintomas quaisquer que sejam as condições de vida:
origem parisiense ou não, vida isolada ou em família, “antecedentes”,
(...).
È seu trabalho suas condições materiais e “morais” que
parecem, no essencial, ser responsáveis pela neurose das
telefonistas.
c) Além disso, mesmo dentro da profissão, são observadas diferenças
muito sensíveis segundo o tipo de trabalho efetuado. Certos postos,
onde a vigilância e a exigência do rendimento são menos rigorosas,
onde a maior iniciativa é deixada para as operadoras, parecem
verdadeiramente privilegiados em relação aos outros. As telefonistas
têm muito menos alterações. Isso é para elas um refúgio ao qual
aspiram por muito tempo e que não deixaram por nada no mundo.
A comparação entre telefonistas pertencentes a esses diferentes
grupos permitirá melhor evidenciar a influência das diferentes
condições “técnicas” ou psicológicas do trabalho. Enfim, outras
comparações serão estabelecidas com os grupos “controles” diversos,
inteiramente diferentes ou similares.
Com efeito, a síndrome que descrevemos não é certamente
própria das telefonistas. Ocorre em todos os empregos que exigem,
com ou sem fadiga muscular, um ritmo excessivamente rápido de
operações e propiciam condições de trabalho objetiva ou
subjetivamente penosas: mecanização dos atos e monotonia,
vigilância rígida, relações humanas na empresa alteradas, etc.
A síndrome geral da fadiga nervosa pode ser provocada por
múltiplos prejuízos mais ou menos diretos na atividade nervosa
superior. É assim que se descreveu a síndrome da “fadiga dos
combates”, a “fadiga dos aviadores”, o “nervosismo das tecelãs” e as
múltiplas formas da “fadiga industrial” dos psicotecnicistas anglo-
saxões.
È sabido que a velha “neurastenia” - talvez injustamente
esquecida - , cujo quadro clínico se aproxima em vários pontos
daquele da neurose das telefonistas, é freqüentemente acidental,
aparecendo na ausência de toda predisposição e em seguida a
causas graves de esgotamento nervoso: choques morais, infecções,
etc.. (6)
d) Enfim, será necessário objetivar a existência deste esgotamento
nervoso que, no momento em que se torna irreversível, constitui, como
vimos, uma verdadeira neurose. Infelizmente as provas que permitem
medir a fadiga em geral e singularmente aquela que causa o
esgotamento direto dos processos nervosos não têm, como sabemos,
grande valor.
Assim, sem renunciar ao exame nas telefonistas e
mecanografistas do estado dos analisadores sensoriais, dos tempos
de reação e a algumas provas psicológicas elementares (atenção
ativa, por exemplo), é por outra via que pretendemos orientar nossa
pesquisa.
Essa via é constituída pelos estudos da “atividade nervosa
superior” (no sentido pavloviano da expressão), utilizando o método
dos reflexos condicionados. Não é o caso de expormos aqui as
grandes linhas deste método. Lembraremos somente seu princípio.
Sabemos que é possível criar reflexos condicionados tanto no
homem quanto no animal (reflexos positivos ou negativos, com
excitadores visuais ou sonoros, simples ou complexos – de uma
espécie semelhante àqueles que entram em jogo no trabalho das
(6)
HESNARD, A. Les syndromes...
telefonistas). Uma vez estabelecidos esses reflexos, é muito fácil
observar suas modificações sob influências diversas (aqui a fadiga). (7)
Assim, pensamos colocar em evidência a existência de
perturbações importantes e permanentes da atividade nervosa
superior, em particular daquelas descritas por Pavlov com o nome de
“estado de fase”, dentro das “neuroses” provocadas
experimentalmente no animal. Nossa hipótese é que a “neurose das
telefonistas” é uma verdadeira “neurose experimental” caracterizada
em espécie, essencialmente pelo prejuízo dos processos de inibição
interna, processos estes os mais experimentados dentro do trabalho
das telefonistas e, aliás, os mais frágeis. Esta hipótese nos parece
fornecer muito bem os dados do quadro clínico.
A demonstração da existência dessa neurose e de sua patogenia
permitirá somente tratar de uma maneira racional as causas que a
provocam: as condições de trabalho desfavoráveis, e de fazer
reconhecer como doenças profissionais as afecções nervosas e
mentais cada vez mais numerosas, ligadas ao esgotamento nervoso a
que as novas formas de trabalho conduzem.

(7)
Ler a esse respeito: POZNANSKATA, L.B. e EFIMOV,V.Y. Influence de la fadigue... 1930. PAVLOV,
T.N.... 1934.

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