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Hoje, mais do que antes, o assunto das neuroses, fadiga, stress, etc,
desperta interesse na maioria das pessoas, sejam elas “homens
comuns” ou estudiosos do comportamento humano. As ideologias, as
diferentes conceituações ao abordar a psicopatologia são as mais
variadas e cada qual apresenta “de per si” riquezas e contribuições
que não podem deixar de ser auxiliadas senão sob o prisma histórico
de uma sociedade, seu marco social e os recursos da época. É
exatamente sob esta ótica que traduzimos a clássica experiência
relatada na “neurose das telefonistas” que ainda hoje, em 1984, 28
anos após sua 1ª publicação, mantém sua atualidade.
Hoje as condições de trabalho das telefonistas brasileiras continuam
sendo muito semelhantes às das francesas daquela época; o que nos
faz crer que, infelizmente, o quadro brilhantemente descrito por Le
Guillant mantenha sua validade.
Esperamos que este texto seja útil a todos aqueles que se vem
preocupando em estabelecer relações entre as condições de trabalho
e a saúde mental dos trabalhadores e, principalmente, que
investigações dessa natureza prossigam.
Publicado originalmente em “La Presse Medicale”, 1956, n° 13. p. 274-277. Copyright MASSON Editur.
Direts de Reproducsion: F. MAN.
Tradução e revisão científica: DENISE MONETTI e LEDA LEAL FERREIRA – FUNDACENTRO.
(1)
Estes fatos não poderiam ser considerados (...)
Estas condições são definidas antes de tudo por uma
diminuição, pelo menos relativa, dos gastos de energia muscular e por
uma aceleração correlativas da rapidez dos atos de trabalho, das
cadências, causando um aumento às vezes considerável dos esforços
de atenção, precisão e velocidade. A “fadiga nervosa” (esta
expressão, mesmo imperfeita, é melhor que outras e provisoriamente
será utilizada) que resulta disto, embora geralmente pouco conhecida,
nos parece constituir, ao lado de certos fatores psicológicos, um
aspecto essencial da patologia do trabalho moderno.
As alterações observadas nas telefonistas e nas
mecanografistas nos parecem fazer parte de uma “Síndrome Geral de
Fadiga Nervosa” comum e mal conhecida, neste caso manifestadas
muito claramente. Em uma primeira etapa, esforçamo-nos por recolher
dados clínicos indispensáveis. Estes nos parecem suficientemente
concordantes para que pudéssemos tentar descrever formas
particulares desta síndrome nas telefonistas: a antiga “Neurose das
Telefonistas”, da qual vamos examinar sucintamente os traços
essenciais.
É necessário lembrar, porém, que se trata de fatos conhecidos
há muito tempo, mas em geral negligenciados, minimizados ou
interpretados de um modo sumário ou inexato. Já em 1910, o Dr.
Julhard, na “REVUE SUISSE DES ACCIDENTS DU TRAVAIL”,
escrevia: “Os choques de extra-corrente são às vezes fortes o
suficiente para que a telefonista, já nervosa pelo seu trabalho que
exige uma grande tensão de espírito, comece a chorar e não queira
mais trabalhar. Tudo isto, acrescentado à fadiga, à tensão nervosa, ao
aborrecimento de receber observações injustificadas mais ou menos
grosseiras de clientes, contribui para produzir, quando o sujeito está
predisposto, verdadeiras neuroses que devem ser consideradas como
doenças profissionais”.
Estas frases são citadas e retomadas por autores suíços,
Fontegne e Solari, num estudo de junho de 1918 sobre “ O trabalho da
Telefonista” Esses autores ressaltam também a importância dos sinais
de fadiga ligados a esta profissão (cefaléias, insônia, dificuldade para
refletir e fixar sua atenção, humor às vezes massacrante, violento
nervosismo), síndrome descrita correntemente sob o nome de
“Neurose das Telefonistas”.
(2)
Ver a esse respeito em Le Guilant: Quelques perspectives nouvedes sur la pschologie du travad. (...) /Oct.
193.
O Dr. Schiff, na “Enciclopédia Francesa” (3), infelizmente
classificou esta neurose como sendo de responsabilidade da
desclassificação sofrida e da freqüência e irregularidade das
solicitações psíquicas sofridas pelas telefonistas. Segundo ele, esta
neurose “dita profissional” teria desaparecido completamente com a
instalação de aparelhos automáticos.
Nos últimos anos, a neurose das telefonistas se desenvolveu
muito e apareceu na literatura médico-psicológica. S. Pacauld, em
particular, num estudo psicológico muito interessante da carreira de
telefonista (4), analisou com muita precisão e sutileza certos
mecanismos desta fadiga nervosa.
Trata-se de um quadro polimorfo, com uma sintomatologia rica e
variada, mas onde algumas alterações dominantes se encontram de
uma maneira constante e superposta em todos os sujeitos. Pode-se
estabelecer uma sistematização aproximada, descrevendo
essencialmente:
- Uma “síndrome subjetiva comum” de fadiga nervosa;
- Alterações do humor e do caráter;
- Alterações do sono;
- Um conjunto de manifestações somáticas variáveis;
- A repercussão destas diferentes alterações sobre a v ida das
trabalhadoras.
(5)
A) A síndrome subjetiva comum da fadiga nervosa
a) Pode-se dizer que não há uma só telefonista que não sinta esta
fadiga, em graus diversos. Trata-se (em 33% dos casos) de uma
impressão de lassidão profunda, de verdadeiro “aniquilamento” no fim
do trabalho. Durante o trabalho as telefonistas são mantidas pelo
próprio ritmo de trabalho, permanecendo “com os nervos a flor da
pele”, como dizem. Mas quando saem, é comum um sentimento de
abatimento profundo. Ficam com a “cabeça vazia”. Não podem
estabelecer conversações, não suportam que se lhes dirijam a
palavra. As vezes esquecem seus objetivos pessoais, tomam o metrô
na direção oposta e só percebem no fim da linha. Algumas disseram
que várias vezes quase foram atropeladas quando estavam neste
estado de obnubilação. Para lutar contra estas manifestações
(3)
SCHIFF, La profession et Les Troubles Psychiques. Enciclopédie Française.
(4)
PACAUD, S. Recherche sur le (...) 1919.
(5)
As porcentagens estabelecidas sobre uma base estatística insuficiente não tem mais do que um valor
indicativo. Elas (...)
recorrem a dois procedimentos: algumas vão para casa o mais cedo
possível para se deitar e se esforçam para dormir (36% dos casos);
outra têm uma necessidade imperiosa de caminhar durante longo
tempo, de se cansar fisicamente: vão para casa a pé ou fazem um
longo percurso por Paris (25% dos casos).
b) Esta astenia profunda torna-se para algumas um estado
permanente fora do trabalho. Elas dizem não saber mais organizar sua
atividade em casa, “um vai-e-vem sem fazer nada”, desinteressam-se
completamente de trabalhos domésticos, “deixando tudo em
desordem”, enquanto que anteriormente elas eram preocupadas e
ordeiras em casa. Esta atitude é acompanhada de uma espécie de
indiferença, de um “desgosto de tudo”.
c) O trabalho intelectual lhes é impossível. Quase todas se queixam de
uma queda significativa de suas faculdades intelectuais. Têm
alterações de memória e de atenção, dificuldade em conversar, não
encontram argumentos nas discussões, precisam procurar os nomes,
as datas e mesmo as palavras mais correntes. Têm a impressão de
não saber mais nada, de nunca ter aprendido nada. Freqüentemente a
leitura é difícil, a de um romance quase sempre impossível: limitam-se
a livros ilustrados e até mesmo a histórias infantis, que são mais
fáceis. Outras renunciam completamente a leitura. Muitas têm
dificuldade em ler jornais, onde só vêem “palavras umas ao lado das
outras”. Uma delas nos disse que ficou um ano sem poder ler um
artigo de jornal e 3 anos sem poder fazer qualquer leitura um pouco
mais difícil.
d) Quase todas as telefonistas que tentaram dar a luz sem dor,
segundo o método psicoprofilático, não conseguiram. Parece-nos que
este é um fato bastante demonstrativo da importância de perturbações
globais da atividade nervosa superior causada pelas condições de
trabalho.
e) É freqüente as telefonistas empregarem, por engano, na vida
cotidiana, expressões profissionais que lhes vem automaticamente
aos lábios. A mais comum é “Alô, aguarde um instante”, que
pronunciam em múltiplas ocasiões, por exemplo, quando se lhes
dirigem bruscamente a palavra. Entretanto em algum lugar, elas se
anunciam: “Paris 380”, por exemplo. Ou dizem, ao tocar uma
campainha ou dar a descarga no banheiro, “fim da ligação”. Entre elas
isso provoca risos, mais não raro desencadeia crises de choro. As
telefonistas se anunciam em voz alta no metrô, quando toca a
campainha de partida. Na bilheteria, sem perceberem pedem “duas
unidades” em vez de 2 bilhetes de metrô, e se aborrecem quando se
lhes pedem para repetir. Uma verdadeira intoxicação por frases
profissionais se observa em 20% dos sujeitos examinados.
C) Distúrbios do sono
D) Alterações somáticas
(7)
Ler a esse respeito: POZNANSKATA, L.B. e EFIMOV,V.Y. Influence de la fadigue... 1930. PAVLOV,
T.N.... 1934.