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A Desconstrução do Real Racional: Breve Análise do Hermetismo

Simbolista de Stéphane Mallarmé

A Desconstrução do Real Racional: Breve Análise do Hermetismo


Simbolista de Stéphane Mallarmé - José Ribeiro Neto

Pastor da Igreja Batista do Vale, Vale das Virtudes, SP. Diretor Pedagógico do
Seminário Teológico Batista Nacional Enéas Tognini. Doutorando e Mestre em
Estudos Judaicos pela Universidade de São Paulo, Mestre em Teologia Bíblica
do Antigo Testamento pelo Seminário Teológico Batista Nacional Enéas
Tognini.

Introdução

Stéphane Mallarmé é a chave para o entendimento do SimbolismoFrancês e


também para o entendimento das raízes do próprio Simbolismo. Com seus
escritos herméticos e cuidadadosamente preparados para um público seleto e
iniciado, Mallarmé é um dos escritores mais complexos do Simbolismo e que
atraiu grande número de discípulos e admiradores.

Pretendemos com esse trabalho, não uma análise profunda da obra de


Mallarmé, mas sim analisar brevemente seus fundamentos históricos-teóricos
para uma posterior análise mais detalhada desse autor tão enigmático do
Simbolismo Francês.

1. Breve história do Simbolismo

1.1 Definição de Símbolo

A palavra símbolo vem do termo grego su,mbolon (sýmbolon) e significa:


‘marca, sinal de reconhecimento, signo, contra-senha, símbolo’, que é a união
de duas palavras: a preposição su,m (com) e o verbo ba,llein (lançar, colocar,
pôr).

O uso do simbólico da palavra não é exclusivo do simbolismo, desde a


antiguidade essa figura de linguagem é utilizada por diversos autores, inclusive
os autores bíblicos.

O símbolo é uma espécie de tipo pelo qual se representa alguma cousa ou


algum fato por meio de outra cousa ou fato familiar que se considera a
propósito para servir de semelhança ou representação.

Exemplos: o leão é considerado o rei dos animais do bosque; assim é que


achamos nas Escrituras a majestade real simbolizada pelo leão. Do mesmo
modo se representa a força pelo cavalo e a astúcia pela serpente (Ap 5.5; 6.2;
Mt. 10.16).[1]

O simbolismo, contudo, leva o uso do símbolo até as últimas consequências,


tornando sua linguagem de difícil interpretação, chegando muitas vezes a
incompreensão. Os simbolistas não se incomodavam com isso, pelo contrário,
muitos chegaram ao ponto de pensarem que quanto mais obscuro melhor,
quanto menos pessoas pudessem entender seus escritos melhor, isso chegou
a ser um orgulho para os simbolistas.

1.2 Baudelaire e a Influência no Simbolismo Francês

No dia 9 de abril de 1821, nasce em Paris na rue

Hautefeuille, Charles-Pierre Baudelaire, filho de JosephFrnaçois Baudelaire,


funcionário do Senado e de sua segunda esposa, Caroline Dufrays. Sua mãe
está então com 28 anos. Seu pai, com 62, virá a falecer três anos mais tarde. [2]

A principal obra de Baudelaire e a que causou grande polêmica foi Les Fleurs
du Mal (As Flores do Mal), que começou a ser vendida em 25 de junho de
1857, poucos dias depois o livro é recolhido por ser considerado um delito de
ultrage à moral publica, foi preciso ser paga uma multa e suspender seis
poemas da obra.[3]

Baudelaire exaltava o uso de drogas e principalemte do ópio, como lemos no


texto abaixo:

Ô justo, sutil e potente ópio! Tu que, ao coração do pobre como ao do rio,


trazes um bálsamo doce para as feridas que não se cicatrizarão jamais, e para
as angústias que induzem a mente à revolta, eloqüente ópio! Tu que, com tua
potente retórica, desarmas as resoluções da raiva, e que, por uma noite,
devolves ao homem culpado as esperanças da juventude e as mãos
purificadas do sangue; tu que, ao homem orgulhoso, concedes um
esquecimento passageiro erros não corrigidos e insultos não vingados; que
citas falsos testemunhos ao tribunal dos sonhos, para o triunfo da inocência
imolada; que confundes o perjúrio; que anulas as sentenças de juízes iníquos;
– tu constróis sobre o seus das trevas, com a matéria imaginária do cérebro e
com uma arte mais profunda que a de Fídias e Praxítele, cidades e templos
que ultrapassam em esplendor Babilônia e Hecatômpilos e, do caos do sono
cheio de sonhos, evocas à luz do sol os rostos de belezas há muito enterradas,
e fisionomias familiares e abençoadas, livres dos ultrajes do túmulo. Somente
tu dás ao homem esses tesouros, e possuis as chaves do paraíso, ô justo, sutil
e potente ópio![4]

Esse louvor ao ópio será freqüente nos autores simbolistas, exemplo clássico é
o Edgar Allan Poe ( ) que era um viciado em ópio e morreu drogado em uma
sargeta.

O uso de intorpecentes foi uma forma do homem fugir do racional e entrar no


irracional, no místico. Kierkegaard (1813-1855) já havia advogado “o salto”, ou
seja, o homem racional tem que dar um salto rumo a irracionalidade, em rumo
ao místico.[5] Tais argumentos se encaixavam nos ideiais simbolistas, pois
reivindicavam algo parecido para a arte e a literatura.

A utilização explícita do símbolo na poesia francesa da segunda metade do


séc. XIX já se insinua, e de modo inequívoco, no soneto das
‘Correspondances’, de Baudelaire, geralmente tomado como ponto de partida
para o estabelecimento dos cânones estéticos e conteudísticos do Simbolismo.
Mas o autor das Fleurs du Mal (1857; Flores do Mal) deve algo, no que respeita
às suas próprias convicções, à doutrina poética de Poe, que, como outros, já
preludia, ainda que de forma não tão flagrante, o advento da arte simbolista.
(…)

O fato de situar Baudelaire como percursor doSimbolismo já implica uma série


de dificuldades. Há quem considere, inclusive, que Baudelaire foi o maior dos
simbolistas, pois em sua poesia não estariam apenas esboçadas, mas até
mesmo cristalizadas, as diretrizes fundamentais do movimento. De fato, a
poesia de Baudelaire é intensamente simbólica, e o soneto das
‘Correspondance’ talvez signifique mais, do ponto de vista da concretização do
ideário estético simbolista, do que o manifesto de Jean Moréas e o hermetismo
de Mallarmé. Outro dado sintomático das afinidades profundas de Baudelaire
com o Simbolismo reside na singularidade de que quatro dos principais autores
que serviam de base à informação estética do movimento – Novalis, Poe,
Wagner e o místico sueco Emanuel Swedenborg – eram também da
preferência de Baudelaire.

Precursor apenas ou poeta maior do Simbolismo, o fato é que Baudelaire


exerceria influência decisiva para o triunfo do movimento, pois dele provêm, em
linha quase direta, os três outros poetas ligados ao movimento na França:
Rimbaud, Verlaine e Mallarmé.[6]

Assim Baudelaire influenciou o Simbolismo Francês sendo seu precursor ou


maior poeta, e Mallarmé será seu discípulo mais influente que levará o
Simbolismo Francês ao hermetismo que veremos mais abaixo.

1.3 O Simbolismo como reação ao racionalismo parnasiano

Ambos de origem francesa, o Parnasianismo e o Simbolismo constituem,


respectivamente, o último estilo do século XIX defensor da tradição e o primeiro
estilo deste mesmo século anunciador da modernidade, ou seja, do século
XX.[7]

Enquanto o parnasianismo pretende ser descritivo, exato, claro, o simbolismo


pretende o oposto, ser simbólico, inexato, obscuro; o segundo é uma clara
oposição ao primeiro.

Embora as razões históricas para essa oposição sejam muito abrangentes de


complexas, podemos resumir essa oposição ao descontentamento do real
racional. As pessoas não eram completas somente com o racionalismo
científico, parecia lhes faltar algo, um imenso vazio do ser, o qual o simbolismo
procurou preencher justamente se opondo ao racionalismo cego e racionalista
do parnasianismo.

Abaixo apresentamos um quadro comparativo[8] entre o parnasianismo e a


antítese simbólica:

Parnasianismo Simbolismo

Rigor formal Flexibilidade formal

Impessoalidade Interesse pelo particular

Contenção lírica

Fator influente: crise da concepção


Presença da cultura clássica positivista da vida

Arte pela arte Arte pela arte

Interesse pelo indefinido e pelo mistério

Conhecimento ilógico e intuitivo

Concepção mística do mundo

Alienação do social
Podemos perceber nos quadros acima as claras distinções dos dois
movimentos e a oposição que o simbolismo faz ao parnasianismo, senão em
todos os itens, pelo menos nos mais importantes, ou seja, as cosmovisões de
ambos são opostas, a segunda oposta a primeira.

2. Stéphane Mallarmé, vida e estilo literário[9]

Stéphane Mallarmé (1842-1898), nascido em 18 de março na rua chamada


beco Laferrière, em Paris, de família de funcionários da Administração e do
Registro, Mallarmé diz ter se desviado desta carreira a qual havia lhe destinado
desde as fraldas.[10] Ouçamos agora o próprio Mallarmé:

Perdi bem pequeno, aos sete anos, minha mãe, adorado por uma avó que
primeiro me criou: depois passei por muito internato e liceu de alma
lamartiniana com um secreto desejo de substituir, um dia, Béranger, porque
tinha encontrado com ele em uma casa amiga. Parece que era complicado
demais para ser posto em execução, mas tentei muito tempo numa centena de
caderninhos de versos que sempre me tiraram, se não me falha a memória.

Não era, você sabe, para um poeta viver de sua arte, mesmo rebaixando-a em
vários níveis, quando ingressei na vida; e nunca o deplorei. Tenho estudado
inglês simplesmente para melhor ler Poe, fui aos vinte anos para a

Inglaterra, a fim de fugir, principalmente; mas também para falar a língua e


ensiná-la em algum canto, tranqüilo e sem outro ganha-pão forçado: eu casara
e isto era urgente.[11]

Mallarmé ensinou Francês na Inglaterra e Inglês na França é considerado o


mestre da poesia simbolista moderna.

2.1 Mallarmé, o hermético


O hermetismo já é antigo a palavra tem origem no grego ~Ermhj/ (Hermes) que
era o deus mitológico grego responsável por trazer as mensagens dos deuses
para os homens. O culto a Hermes era diferente de todos os outros, o cultuante
ficava dentro do templo e pedia ao deus uma resposta, saia então correndo e a
primeira palavra que ouvisse seria a sua resposta, daí vem o ditado “a voz do
povo é a voz de deus”. De hermes vem também a palavra er` mhnei,a
(hermenêía), que significa em grego, interpretação.

Uma religião antiga chamada gnosticismo, bem popular na Grécia e depois


infiltrada no cristianismo dos primeiros séculos e combatida veementemente
nos escritos do Novo Testamento, já reivindicava a obscuridade como superior
à clareza, para eles a linguagem óbvia e clara era para as pessoas comuns já a
linguagem obscura difícil de decifrar era para os iniciados que estavam em um
nível mais elevado do que os outros.

O hermético então é o fechado, obscuro, difícil,

O pensamento hermético diz que a nossa linguagem, quanto mais ambígua e


polivalente for, valendo-se de símbolos e metáforas, tanto mais habilitada
estará a nomear o Uno no qual se realiza a coincidência dos opostos. Mas
onde triunfa a coincidência dos opostos, cai por terra o princípio de
identidade. Tout se tient.

Por conseguinte, a interpretação será infinita. Na tentativa de procurar um


sentido último e inatingível, aceitase um deslizamento irrefreável do sentido.
Uma planta não é definida por usas características morfológicas e funcionais,
mas com base na sua semelhança, ainda que apenas parcial, com outro
elemento do cosmos. Se se assemelhar vagamente com uma parte do corpo
humano, a planta tem sentido porque remete para o corpo. Mas aquela parte
do corpo, por sua vez, tem sentido porque remete para uma estrela, a qual tem
sentido porque remete para uma escala musical, e esta porque remete para
uma hierarquia angélica, e assim infinitamente.[12]
A literatura simbolista não está preocupada com a clareza e Mallarmé muito
menos, para ele não se pode sacrificar a poesia com a clareza e a poesia mais
bela é a mais hermética.

Mallarmé, acima de qualquer outro, foi mestre consumado do hermetismo. Sua


poesia cifrada e enigmática ganhou muito nas mãos de hábeis exegetas, que
pretenderam distinguir, sob a intricada trama simbólica dos poemas do autor,
até mesmo sistemas filosóficos. Modernamente, porém, a crítica vem
encarando de modo diverso o problema do hermetismo, chegando mesmo a
afirmar, como fez E. Noulet, em seus Études Litéraires (1944; Estudos
literários), que o verdadeiro hermetismo não existe. Segundo esse autor, o que
se desenvolve é um processo, ou vários, de ressuscitar vocábulos já
desgastados pelo uso utilitário da linguagem através do fascínio e da força de
uma mensagem nova.[13]

Considerações Finais

Analisamos brevemente a construção do ideal Simbolista no que diz respeito a


seus fundamentos histórico-teóricos, verificou-se a profundidade e a
necessidade de uma abordagem mais detalhada.

O Simbolismo mudou a forma de pensar do mundo moderno e teve grande


influênica na cosmovisão do homem do séc. XX e XXI. Mesmo autores
modernistas irão se utilizar dos princípios simbolistas do verso livre e da
liberdade poética. Tal cosmovisão e tal “liberdade” de expressão não seria
possível sem o início marcante do Simbolismo Hermético de Stephané
Mallarmé.

É evidente que esse breve trabalho não pretendeu aprofundar a poesia de


Mallarmé e nem mesmo se atreveu a analisá-la, visto que tal empreitada
necessitaria de uma análise mais demorada sobre o tema e de maior tempo de
pesquisa. Serve entretanto para um vislumbre da obra de Mallarmé e para
despertar o interesse para pesquisas posteriores mais detalhadas.

Bibliografia
ENCICLOPÉDIA MIRADOR. “Simbolismo”. São Paulo/Rio de Janeiro:
Encyclopaedia Britânica do Brasil Publicações Ltda, 1987

BRUCHARD, Dorotheé (Tradução). Prosas de Mallarmé. S/L: Editora Paraula,


S/D

LANSON, G.; TUFFRAU, P. Manuel Illustré d’Histoire de la Litérature


Française. Paris/Buenos Aires: Librairie Hachette, 1952

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 2.ª ed. São Paulo:
Cultrix, 1972

CADEMARTORI, Lígia. Períodos Literários. 9.ª ed. São Paulo: Ática, 2003

SEVERINO ANTÔNIO; AMARAL, Emília. Novíssimo Curso Vestibular Nova


Cultural. São Paulo: Nova Cultural, 1991

ABAURRE, Maria Luiza et alli. Português, Língua e Literatura. São Paulo:


Moderna, S/D

<www.beatrix.pro.br/literatura/mallarme_poesias.html> acesso em:


03/03/2005

LUND, E.; NELSON, P. C. Hermenêutica. São Paulo: Vida, 1995

TAYLOR, W. C. Dicionário do Novo Testamento Grego. 9.ª ed. Rio de Janeiro:


Juerp, 1991

CAMBE, A. P. Marie (Tradução); GUZZI, Paolo (Introdução). Baudelaire, um


comedor de ópio. Rio de Janeiro: Newton

Compton Brasil Ltda., 1996

SCHAEFFER, Francis. A Morte da Razão. 5.ª ed. São José dos Campos: FIEL,
1989

ECO, Humberto. Os limites da interpretação. São Paulo: Perspectiva, 2000


[1] E. LUND e P. C. NELSON. Hermenêutica, pg. 80, 81

[2] A. P. Marie CAMBE (Tradução); Paolo GUZZI (Introdução). Baudelaire, um


comedor de ópio, pg. 12

[3] ibidem, pg. 13

[4] apud A. P. Marie CAMBE (Tradução); Paolo GUZZI


(Introdução). Baudelaire, um comedor de ópio, pg. 21

[5] Francis SCHAEFFER. A Morte da Razão, in passim

[6] ENCICLOPÉDIA MIRADOR, Simbolismo, pg. 10414a

[7] Emília AMARAL; SEVERINO ANTÔNIO. Novíssimo Curso Vestibular Nova


Cultural, pg.111

[8] quadros adaptados de Lígia CADEMARTORI. Períodos Literários, pgs. 51,


55

[9] Abaixo quadro de Manet a seu amigo Mallarmé

[10] BRUCHARD, Dorotheé (Tradução). Prosas de Mallarmé, pg. 11

[11] ibidem, pg. 13

[12] Humberto ECO. Os limites da interpretação, pg. 25

[13] ENCICLOPÉDIA MIRADOR, Simbolismo, pg. 10413a

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