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ACIDENTES DO TRABALHO*

MARIA DAS GRAÇAS BENDELACK SANTOS**

Este artigo trata dos acidentes do trabalho, to penal, trabalhista, cível e previdenciário, é nes-
na forma como se apresentam no mundo jurídico te último que se encontra o seu fundamento e, em
e na realidade laboral. Inúmeras leis atribuem aos conseqüência, surge a necessidade de
acidentes do trabalho tratamentos diferenciados aprofundamento a fim de que se chegue às con-
que englobam responsabilidades, direitos, garan- clusões constantes no final deste trabalho.
tias e deveres, com a finalidade de alertar os ope-
radores do direito e, principalmente, os trabalha- As bases legais referentes ao assunto ora
dores atingidos pelo acidente, bem como seus analisado envolvem desde nossa Carta Magna até
dependentes, quando vier a ocorrer a perda da outras leis hierarquicamente inferiores à Consti-
vida do obreiro, além da conscientização do tra- tuição da República.
balhador quanto à necessidade do cumprimento
das normas de segurança e medicina do trabalho, A Lei n.º 8.213/91, que instituiu o Plano de
aglutinando em um só texto as variadas nuances Benefícios da Previdência Social em seu artigo
jurídicas existentes em relação ao tema aborda- 19 traz a definição legal relativa a acidente. “Aci-
do. dente do trabalho é o que ocorre pelo exercício
do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercí-
Esses passos apresentam a preocupação cio do trabalho dos segurados referidos no inciso
de tecer comentários de forma didática e crítica VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corpo-
para que, a partir do conceito estritamente legal, ral ou perturbação funcional que cause a morte
se possa perceber a atualidade do tema e a sua ou a perda ou redução, permanente ou temporá-
importância no sentido estrito, para os ria, da capacidade para o trabalho.” Nesta mes-
trabalhadores e, em sentido amplo, para seus ma norma estão enumeradas taxativamente as
reflexos na economia do Estado. A cada acidente contingências acidentárias: auxílio-doença, apo-
ocorrido, que tenha provocado a incapacidade do sentadoria por invalidez, auxílio-acidente e pen-
obreiro, uma renda mensal é despendida com esse são por morte.
trabalhador, em virtude da paralisação do contrato
de trabalho. Analisando-se o número elevadíssimo A legislação civil pátria estabelece o direi-
de acidentes ocorridos, pode-se verificar a to à busca de uma indenização por ocorrência de
expressiva quantia destinada à cobertura desses um dano causado à saúde e à integridade física
eventos, o que exige a reserva de elevadas verbas do trabalhador, desde que isso decorra de uma
que poderiam ser canalizadas para outras fontes ação ou omissão por parte do empregador. Tal
de custeio de natureza mais produtivas para o indenização constitui pesado ônus, em razão do
trabalhador e para o país. grande número de acidentes do trabalho que têm
ocorrido em nosso país.
Embora o tema transite nas áreas do direi-

* Este artigo é parte integrante da dissertação de mestrado, intitulada “Acidentes do trabalho: Efetividade da ação fiscal” da
autora aprovada em 17/11/2000 com grau de excelência pela Universidade da Amazônia.

** Mestra em Direito do Trabalho. Auditora-Fiscal do Trabalho e Coordenadora Regional de Treinamento da DRT-PA. Professora
das disciplinas Direito do Trabalho, Direito Previdenciário e Direito Social da Universidade da Amazônia – UNAMA.

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O Capítulo V da Consolidação das Leis do grande maioria dos empregadores, essa


Trabalho (CLT) traça normas relativas à segu- conscientização, essa ação junto aos seus traba-
rança e à medicina do trabalho, consubstanciadas lhadores, muitas vezes porque grande número de
nas normas regulamentadoras. Por meio dessas empresários não são detentores do conhecimen-
legislações são impostas responsabilidades para to da informação e, por isso, não se preocupam
o empregador, pois evitar acidentes do trabalho é em passar essa realidade para os empregados ou
dever de todas as empresas. Estas são as respon- contratar alguém habilitado para fazê-lo.
sáveis legais pela adoção e pelo uso de medidas
coletivas e individuais de proteção e segurança Em segundo lugar, indicamos e observa-
da saúde do trabalhador, constituindo contraven- mos que os investimentos quanto a saúde e a se-
ção penal, punível com multa o não-cumprimento gurança nos estabelecimentos devem ser
das normas de segurança e higiene do trabalho. direcionados primeiramente para a proteção co-
letiva, mas, como isso representa maior custo, os
Busca-se com exames das legislações es- empresários optam pela proteção individual.
pecíficas relativas ao acidente do trabalho, con-
juntamente com a verificação dos fatos ocorridos Em terceiro lugar, além das medidas cole-
no dia-a-dia laboral dos obreiros, identificar os fa- tivas não-implantadas, ou implantadas apenas em
tores que dão origem a esses eventos danosos parte, é comum a aquisição de equipamentos de
para os trabalhadores do país e sugerir medidas proteção individual de baixa qualidade pelos em-
eficazes e preventivas que tenham em vista a re- presários, pois eles desconhecem a real impor-
dução dos acidentes. A segurança e a medicina tância do EPI e não fazem a escolha adequada.
do trabalho deve ser parte integrante da política Esse fato é rotineiramente encontrado nos esta-
das empresas. A segurança do trabalho é, acima belecimentos e locais de trabalho. A recusa de
de tudo, respeito à vida do trabalhador e à sua implantação das medidas de proteção coletivas e
cidadania1 . individuais ocorrem porque os empregadores não
percebem o retorno positivo desse investimento.
A responsabilidade criminal surge por for-
ça de disposição legal contida na CLT e no de- O quarto fator é ambiente de trabalho
creto que aprova a fiscalização trabalhista2 , quan- agressivo, advindo da falta de proteção nas má-
do ocorrer desobediência o empregador respon- quinas e equipamentos, que, mesmo sendo ins-
derá na forma do artigo 161 da CLT. trumentos novos ou com pouco uso, já se apre-
sentam sem as condições de segurança para seu
Dentre os fatores que dão origem ao aci- manuseio.
dente do trabalho está, em primeiro lugar, a falta
de conscientização dos empregadores, é dever dos O quinto fator é a falta de treinamento es-
empresários orientar os trabalhadores no que diz pecífico para a operação das máquinas e equipa-
respeito à segurança e à saúde no trabalho. No mentos. Para manter seu emprego, mesmo sem
mundo laboral pesquisado não se encontrou, na treinamento, o empregado tenta executar o seu

1
Élida Sá e Renato Batista Saldanha explicam: “... o que é a Cidadania? Inegavelmente, é mais que ser cidadão. É exercer em sua
plenitude os direitos previstos no Pacto Social e na Legislação Ordinária. É assumir os deveres impostos pelos mesmos diplomas
legais, necessitando conhecer seus direitos para poder cumprir seus deveres, pois a melhor garantia de que os direitos de todos serão
respeitados é o interesse de cada um pelo seus próprios direitos, criando, assim, uma espécie de consciência coletiva de cidadania”.
(O exercício e cidadania e a atividade protetiva do Estado. Ensaios Jurídicos - O Diretio em Revista. Niteroi ¾ Rio de Janeiro: IBAJ,
1996, p. 41)
2
CLT, art. 161, § 4º. Responderá por desobediência, além das medidas penais cabíveis, quem, após determinada a interdição ou
embargo, ordenar ou permitir o funcionamento de um de seus setores, a utilização de máquina ou equipamento, ou ordenar
prosseguimento de obra, se em consequência, resultar em danos a terceiros.
Decreto nº 55.841/65, art. 5º. A inspeção do trabalho será promovida em todas as empresas, estabelecimentos e locais de trabalhos
sujeitos à legislação do trabalho, estendendo-se aos profissionais liberais e instituições sem fins lucrativos que mantiverem
trabalhadores como seus empregados.
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trabalho e, por imperícia desse trabalhador, algu- tralizar os riscos infortunísticos; EPI adequados
mas vezes ocorre o acidente. ao clima quente-úmido da região amazônica, onde,
calor, umidade, ruídos - além de outros fatores -
Em relação à figura do empregado, cons- na sua forma excessiva, no mundo real do traba-
tatou-se que: a) o baixo nível de instrução faz com lho, estimulam uma reação contrária no trabalha-
que esse trabalhador não tenha sensibilidade para dor, pois o uso não adequado do EPI torna-se in-
perceber a importância dos ensinamentos e, por cômodo, o excesso de calor provoca sudorese
desconhecer seus próprios direitos, não percebe abundante e o aquecimento do corpo do trabalha-
que, descumprindo as normas, está pondo em ris- dor leva-o a não querer usar o equipamento. Esse
co sua própria vida; b) as influências negativas, fato é corriqueiramente verificado nos locais de
dos próprios companheiros de trabalho, ainda não trabalho, mesmo tendo ele consciência de que sua
conscientizados, incentivam o operário a não usar vida corre risco. Todos esses cuidados aliados à
o EPI - acontecimento corriqueiro no universo das fiscalização nos locais de trabalho, efetuada pelo
indústrias, especialmente na indústria da constru- próprio empregador, pelas autoridades adminis-
ção civil. Essa influência é percebida no início do trativas, pelas entidades sindicais e pelo próprio e
processo de conscientização, quando os primei- maior interessado, o obreiro, que, sentido-se con-
ros que absorvem os ensinamentos são discrimi- fortável, usará o equipamento durante o tempo
nados pelos demais companheiros, mas essa ten- que estiver executando suas tarefas, o que prote-
dência tende a desaparecer, conforme o proces- gerá sua saúde e integridade física.
so de aprendizagem vai atingindo os demais inte-
grantes do grupo profissional.
BIBLIOGRAFIA
Dentre as medidas eficazes, a primeira
seria a inserção de uma disciplina relacionada à BASTOS, Celso Ribeiro, MARTINS, Ives
prevenção acidentária, desde o ensino fundamen- Gandra. Comentários à Constituição do
tal até o terceiro grau. Brasil. São Paulo: Saraiva,1998. V.2.
CUNHA, Lázaro Cândido. Reforma da Previ-
Por meio dessa conscientização, as crian- dência. 3 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
ças - que serão, no futuro, os adultos do mundo MARTINEZ, Vladimir Novaes. Comentários à
laboral - passarão a ter, desde muito cedo, como Lei Básica da Previdência Social. 3 ed. São
parte integrantes dos aspectos cultural e educa- Paulo: LTr, 1995.
cional, os meios necessários para proteger a vida MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho.
dos trabalhadores. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2000.
OLIVEIRA, Aristeu de. Previdência Social:
Como segunda medida estariam os treina- Legislação. 24 ed. São Paulo: Atlas, 2000.
mentos intensivos e constantes dos empregados, PINTO, Antônio Luiz de Toledo, WINDT,
direcionados para o âmbito de suas necessidades Márcia Cristina Vaz dos Santos,
de trabalho. Um operário que conhece os instru- SIQUEIRA, Luiz Eduardo Alves de (colab).
mentos necessários para o desenvolvimento de Consolidação das Leis do Trabalho. 26
seu labor, opera os equipamentos com destreza e ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
segurança, o que é importante para a prevenção ______. Constituição da República Federati-
acidentária. va do Brasil. 24 ed. São Paulo: Saraiva ,
2000.
Em terceiro, estariam medidas coletivas e ______. Previdência Social. 3 ed. São Paulo:
individuais eficazes que, realmente, viessem a neu- Saraiva, 1999.

Parágrafo único. A recusa de quaisquer exigências julgadas necessárias pelos Agentes de Inspeção do Trabalho, implicará para o
infrator, as sanções previstas na Consolidação das Leis do Trabalho, sem prejuízo de ação penal cabível (grifo nosso).

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