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Vou falar sobre como construir células sintéticas e imprimir vida.

Antes, deixe-me
contar uma história.No dia 31 de março de 2013, minha equipe e eu recebemos um e-
mail de uma organização internacional de saúde, alertando-nos que dois homens
morreram na China logo após contraírem a gripe aviária H7N9. O temor era de uma
pandemia global, pois o vírus começou a se alastrar rapidamente pela China. Embora
existissem métodos para produzir uma vacina e impedir a gripe de se espalhar, levaria
cerca de seis meses para ficar pronta, na melhor das hipóteses. Isso porque um lento
e antiquado processo de fabricação, desenvolvido há mais de 70 anos, era a única
opção.

O vírus precisaria ser isolado de pacientes infectados, embalado e enviado para um


local onde os cientistas o injetariam em ovos de galinha, que seriam incubados por
várias semanas, a fim de preparar o vírus para o início de um processo de manufatura
complexo e demorado. Minha equipe e eu recebemos este e-mail porque tínhamos
acabado de inventar uma impressora biológica, que permitiria que as instruções da
vacina fossem instantaneamente baixadas da internet e impressas,acelerando
drasticamente o processo de produção das vacinas e podendo salvar milhares de
vidas.

A impressora biológica impulsiona nossa capacidade de ler e escrever DNA e começa


a colocar em foco o que de chamamos de teletransporte biológico. Sou biólogo e
engenheiro, e construo coisas a partir do DNA. Uma das coisas que mais gosto de
fazer é desmontar o DNA e montá-lo novamente,para entender melhor como ele
funciona. Posso editar e programar o DNA, assim como codificadores programam um
computador. Mas meus aplicativos são diferentes. Eles criam vida. Células vivas que
se autorreplicam, vacinas e terapias que funcionam de maneiras que seriam
impossíveis anteriormente.

Aqui estão Craig Venter, ganhador da Medalha Nacional de Ciência, e Ham Smith,
vencedor do Prêmio Nobel. Eles compartilhavam uma visão semelhante. Uma vez que
todas as funções e características de todos os seres biológicos, incluindo os vírus e as
células vivas, estão escritas em códigos de DNA, se pudermos ler e escrever esses
códigos, podemos reconstruir esses seres em um outro local. Isso é o que chamamos
de teletransporte biológico. Para provar essa visão, Craig e Ham tinham como objetivo
criar uma célula sintética a partir de um código de DNA no computador. Para um
cientista procurando emprego, fazer pesquisa de ponta era como realizar um sonho.

Um genoma é um conjunto completo de DNA dentro de um organismo. Após o Projeto


Genoma Humano em 2003, que foi um esforço para identificar a sequência genética
completa de um ser humano, aconteceu uma revolução genômica. Cientistas
começaram a dominar as técnicas para ler o DNA, para determinar a ordem de A, C, T
e G dentro de um organismo. Mas meu trabalho era diferente. Eu precisava dominar
as técnicas para escrever DNA. Como um escritor, comecei elaborando pequenas
sentenças ou sequências de códigos de DNA. Isso logo evoluiu para parágrafose
romances inteiros escritos com códigos de DNA, produzindo instruções biológicas para
criar proteínas e células vivas. Tais células são as máquinas mais eficientes para
fabricar novos produtos,sendo responsáveis pela produção de 25% do total do
mercado farmacêutico, que é de bilhões de dólares.
Sabíamos que escrever DNA impulsionaria ainda mais essa bioeconomia, uma vez
que as células poderiam ser programadas como computadores. Também sabíamos
que escrever DNA permitiria o teletransporte biológico e a impressão de materiais
biológicos definidos, a partir de códigos de DNA.Procurando viabilizar essas
expectativas, nossa equipe começou a criar uma célula bacteriana sintética a partir de
códigos de DNA no computador. O DNA sintético é uma matéria-prima. Você pode
encomendar peças de DNA de várias empresas que, a partir desses quatro
elementos, G, A, T e C,irão construir pedaços de DNA para você.

Nos últimos 15 anos, minhas equipes têm desenvolvido a tecnologia para costurar
esses pequenos pedaços de DNA e formar genomas bacterianos completos. O maior
genoma que construímos continha mais de um milhão de letras, mais do que o dobro
que um romance médio. E tivemos que colocar cada uma dessas letras na ordem
correta, sem erros de digitação. Conseguimos fazer isso desenvolvendo um
procedimento que tentei nomear como "método isotérmico de recombinação in vitro".

Mas, para minha surpresa, a comunidade científica não gostou desse nome técnico e
decidiu chamar o procedimento de Gibson Assembly. Gibson Assembly é agora a
ferramenta padrão ouro, usada nos laboratórios do mundo todo, para construir
pedaços curtos e longos de DNA.

Uma vez que sintetizamos quimicamente o genoma bacteriano completo, nosso


próximo desafio foi encontrar um meio para convertê-lo em uma célula viva e
autorreplicante. Nossa abordagem foi pensar no genoma como o sistema operacional
da célula, com a célula contendo o hardware necessário para iniciar o
genoma. Através de muita tentativa e erro, criamos um procedimento que nos permitia
reprogramar células e até converter uma espécie bacteriana em outra, substituindo o
genoma de uma célula por outro. Esta tecnologia de transplante de genoma abriu o
caminho para o surgimento de genomas escritos por cientistas e não pela
natureza. Em 2010, todas as tecnologiasque estávamos desenvolvendo para ler e
escrever DNA culminaram no anúncio da criação da primeira célula sintética, que,
claro, chamamos de Synthia.

Desde que o primeiro genoma bacteriano foi sequenciado, em 1995, milhares de


outros genomas bacterianos foram sequenciados e armazenados em
computadores. Nosso trabalho com a célula sintética foi a prova de que poderíamos
reverter esse processo, extrair uma sequência completa de genoma bacteriano do
computador, e converter essa informação em uma célula viva e autorreplicante,com
todas as características esperadas da espécie que construímos.

Entendo por que poderia haver preocupações sobre a segurança deste nível de
manipulação genética. A tecnologia tem o potencial de ser um grande benefício
social, mas também pode causar danos. Com isso em mente, mesmo antes de realizar
o primeiro experimento, nossa equipe começou a trabalhar com o público e o
governo para, juntos, encontrar soluções para desenvolver e regular esta nova
tecnologia de forma responsável. Uma das precauções é rastrear cada cliente e todas
as suas encomendas de DNA, para impedir que patógenos ou toxinas sejam
produzidos por criminososou, acidentalmente, por cientistas. Todas as encomendas
suspeitas são reportadas ao FBI e a outros órgãos de segurança.
As células sintéticas serão a força da próxima revolução industrial, transformando a
indústria e a economia e solucionando desafios em favor da sustentabilidade. As
possibilidades são infinitas.Podemos pensar em roupas construídas a partir de fontes
biológicas renováveis, carros abastecidos com biocombustível de microrganismos
projetados, plástico feito de polímeros biodegradáveis e tratamentos customizados,
impressos no quarto do paciente. O esforço massivo para criar células sintéticas nos
tornaram líderes mundiais em escrever DNA. Ao longo do processo, descobrimos
como escrever o DNA mais rápido, de forma mais precisa e confiável.

Devido à solidez dessas tecnologias, descobrimos que poderíamos automatizar os


processos e mover o fluxo de trabalho do laboratório das mãos do cientista para uma
máquina. Em 2013, construímos a primeira impressora de DNA, chamada BioXp. Ela
tem sido absolutamente essencial para escrever DNA em diferentes aplicações nas
quais minha equipe está trabalhando ao redor do mundo.

Um pouco depois de construirmos a BioXp, recebemos o e-mail sobre a gripe aviária


H7N9 na China.Uma equipe de cientistas chineses já havia isolado o
vírus, sequenciado o seu DNA e carregado a sequência na internet. A pedido do
governo dos EUA, baixamos a sequência de DNA e, em menos de 12 horas, a
imprimimos na BioXp. Nossos colaboradores na Novartis começaram rapidamente a
transformar esse DNA sintético em uma vacina. Enquanto isso, o CDC, usando uma
tecnologia dos anos 1940, ainda estava esperando o vírus chegar da China, para que
pudessem começar o processo com o ovo. Pela primeira vez, uma vacina contra a
gripe foi produzida antecipadamente, para uma cepa nova e potencialmente
perigosa, e o governo dos EUA encomendou um estoque.

Foi quando comecei a apreciar, mais do que nunca, o poder do teletransporte


biológico.

Naturalmente, com isso em mente, começamos a construir um equipamento. Nós o


chamamos de DBC, uma abreviação para conversor digital-biológico. Diferentemente
da BioXp, que começa a partir de pequenos pedaços de DNA pré-fabricados, o DBC
começa a partir do código de DNA digitalizado e converte esse código em entidades
biológicas, como DNA, RNA, proteínas ou mesmo vírus. Podemos pensar na BioXp
como um leitor de DVD, que requer que um disco físico seja inserido, enquanto o DBC
é como a Netflix. Para construir o DBC, minha equipe trabalhou com engenheiros de
software e de instrumentação para colapsar vários fluxos de trabalho laboratorial em
uma única caixa. Isso incluiu algoritmos de software para prever qual DNA
construir, química para ligar os elementos, construindo pequenos blocos de
DNA, Gibson Assembly para costurar os pedaços, formando sequências mais
longas, e biologia para converter o DNA em outras entidades biológicas, como
proteínas.

Este era o protótipo. Embora não fosse bonito, era eficaz. Produziu drogas
terapêuticas e vacinas.Fluxos de trabalho que levariam semanas ou meses no
laboratório, poderiam ser realizados em um ou dois dias. Isso tudo sem qualquer
intervenção humana e simplesmente ativado pelo recebimento de um e-mail, enviado
de qualquer lugar do mundo. Gostamos de comparar o DBC aos aparelhos de fax. Da
mesma forma que as máquinas de fax recebem imagens e documentos, o DBC recebe
materiais biológicos. Agora, considere como as máquinas de fax evoluíram. O
protótipo da década de 1840 é irreconhecível se comparado às máquinas de fax
atuais. Na década de 1980, a maioria das pessoas não sabia o que era uma máquina
de fax, e, mesmo se soubessem, era difícil compreender o conceito de reproduzir
instantaneamente uma imagem do outro lado do mundo. Mas, hoje, todas as funções
de um aparelho de fax estão em nossos smartphones, apesar de não valorizarmos
essa rápida troca de informação digital.

Esta é a versão mais recente do DBC. Imaginamos que ele evolua assim como as
máquinas de fax.Estamos trabalhando para reduzir seu tamanho, e para fazer com
que sua tecnologia seja mais confiável, barata, rápida e precisa. A precisão é
extremamente importante ao sintetizar DNA, porque uma simples mudança em uma
letra pode fazer um medicamento funcionar ou não ou uma célula sintética estar viva
ou morta.

O DBC será útil para a produção de remédios a partir do DNA. Todos os hospitais do
mundo poderiam usar um DBC para imprimir medicamentos personalizados para um
paciente. Posso imaginar que, um dia, será comum as pessoas terem um
DBC conectado ao computador ou ao smartphone, como um meio para baixar suas
prescrições, como tratamentos com insulina ou anticorpos. O DBC também será
valioso quando colocado em áreas estratégicas ao redor do mundo, para responder
rapidamente a surtos de doenças. Por exemplo, o CDC de Atlanta, Georgia, poderá
enviar códigos de vacina para um DBC do outro lado do mundo, para ser fabricada
onde for necessário. Essa vacina poderia ser especificamente adaptada para a
cepa circulando na área em questão. Enviando vacinas em um arquivo digital, em vez
de estocar essas mesmas vacinas e enviá-las, promete salvar milhares de vidas.

Existem inúmeras possibilidades. Não é difícil imaginar um DBC em outro


planeta. Cientistas na Terra poderiam enviar as instruções digitais para a produção de
novos medicamentos ou de organismos sintéticos que produzam oxigênio, comida,
combustível ou materiais de construção, na tentativa de tornar o planeta mais
habitável para o ser humano.

Com informação digital sendo transmitida na velocidade da luz, levaria apenas alguns
minutos para enviar essas instruções da Terra até Marte, enquanto levaria meses para
transportar fisicamente essas mesmas amostras em uma nave espacial. Mas, por
enquanto, ficaria satisfeito enviando medicamentos para o mundo todo, de forma
automatizada e sob demanda, curando doenças infecciosas e salvando vidas, e
imprimindo medicamentos contra o câncer para quem não tem tempo de esperar.

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