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RESUMO: Quinteiro, M.M.C.; Teixeira, D.C.; Moraes, M. G.; Silva, J. G. Anatomia foliar de Psychotria
viridis Ruiz & Pav. (Rubiaceae). Revista Universidade Rural: Série Ciências da Vida, Seropédica, RJ:
EDUR, v. 26, n2 p. 30-41, jul-dez,2007. Psychotria viridis Ruiz & Pav. é uma Rubiaceae nativa da região
Amazônica que vem sendo cultivada em outras regiões por ser constituinte da Ayahuasca, uma bebida
ritualística e com propriedades medicinais. Neste trabalho foi analisada a anatomia das folhas de P. viridis,
de plantas cultivadas na zona de amortecimento do Parque Estadual dos Três Picos, município de Nova
Friburgo (RJ). Foram observadas as seguintes características: pecíolo circular, passando a plano-convexo
na porção distal, apresenta colênquima angular, parênquima com idioblastos contendo ráfides e feixe vascular
colateral em arco com extremidades fletidas para o interior. A lâmina foliar é dorsiventral, hipostomática, com
estômatos paracíticos e paralelocíticos. Tricomas tectores foram encontrados na face abaxial. Foram obser-
vadas domácias na superfície abaxial da nervura central. Substâncias fenólicas, lipídeos e alcalóides foram
detectados nas células parenquimáticas do mesofilo, nas células ao redor da domácia e na epiderme dos
coléteres. As estruturas morfológica e anatômica das folhas de P. viridis correspondem a de plantas mesófitas,
estão em concordância com as características gerais do gênero Psychotria e da família Rubiaceae. Distin-
guem-se, entretanto, por apresentar, na face adaxial, células epidérmicas contendo uma drusa por célula e
domácias infundibuliformes diferentes das descritas até o momento para a família.
Palavras-chave: Ayahuasca, domácia, Rio de Janeiro
ABSTRACT: Quinteiro, M.M.C.; Teixeira, D.C.; Moraes, M. G.; Silva, J. G. Leaf anatomy of Psychotria
viridis Ruiz & Pav. (Rubiaceae). Revista Universidade Rural: Série Ciências da Vida, Seropédica, RJ:
EDUR, v. 26, n2 p. 30-41, jul-dez,2007. Psychotria viridis Ruiz & Pav. is a native Rubiaceae from Amazon
Region which has been cultivated abroad due its use as a component of Ayahuasca, a ritualistic drink with
medicinal properties. This work was analyzed the leaf anatomy of P. viridis plants growing in the region of
Parque Estadual dos Três Picos, Nova Friburgo, Rio de Janeiro State. The following anatomical features were
found: round petiole to plan-convex on distal portion, with angular collenchyma, parenchyma with raphide
idioblasts, colateral vascular bundle, arch-shaped whose borders are internally curved. Dorsiventral,
hypostomatic leaves, with paracytic and parallelocytic stomata. Trichomes were found on the lower epidermis.
Domatia were found on midvein from lower epidermis. Phenolic compounds, lipids and alkaloids were present
along parenchyma mesophyll cells, around domatia and colleters epidermis. P. viridis leaf morphology and
anatomy match with mesophytic plants features and are in agreement to general attributes of the genus
Psychotria and Rubiaceae family. However it distinguishes by showing upper epidermis with one druse in
each cell and infundibuliformis domatia, which are different from the ones already described for other Rubiaceae
species.
Key words: Ayahuasca, domatia, Rio de Janeiro.
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(Malpighiaceae) com as folhas do arbusto MAO -A, a tet rahi droharmina inibe
Psychotria viridis (Rubiaceae), sendo fracamente a recaptação de serotonina
caracterizada com o alucinógena em sítios pré-sinápticos. Juntas, ambas
(MCKEENA, 1996). as ações aumentam as at iv idades
Algumas v ariações no f ei tio serotoninérgicas central e periférica, além
convencional da bebida são comumente de facilitar a psicoatividade da DMT
encontradas. P. viridis é a espécie mais (CALLAWAY et al., 1999).
comumente utilizada, produzindo um tipo A maioria dos trabalhos sobre P.
de experiência mais alucinógena e do tipo viridis são relacionados aos seus aspectos
visionária. Outras espécies utilizadas são farmacológicos, como os de Mckeena et al.
Psychotria carthagenensis Jacq. e (1984), Callaway et al. (1994) e Mckeena
Psychotria leiocarpa Mart. (LABATE, (1996), o que deixa lacunas na literatura,
2004). Os alucinógenos são uma classe pri ncipal mente no que se ref ere à
de agentes psicof arm acognósti cos taxonomia, anatomia e conservação desta
capazes de causar profundas mudanças espécie. Estudos sobre os efeitos da
no pensamento, no humor, na emoção e bebida sugerem remissão de desordens
na percepção. Os estados experienciais psíquicas prévias, incluindo ansiedade,
produzidos por sua ingestão são depressão e dependências alcoólica e
sem elhantes aos sonhos, estados química, como a da cocaína e do “crack”
meditativos da mente e aos estados (GROB et al., 1996). Por suas
psicóticos, embora não possam ser propriedades, P. viridis e B. caapi
identificados exatamente como nenhum despertam o interesse de pessoas de
destes estados (CALLAWAY et al., 1999). diversas partes do mundo, fato que pode
A bebida, portanto, é considerada como representar um risco para as plantas,
enteógena, o que significa farmaco- devido à exploração indiscriminada deste
logicamente uma ou mais substâncias recurso.
atuando em conjunto, capazes de alterar A família Rubiaceae apresenta 637
a consciência sem provocar alucinações gêneros e aproximadamente 10.700
e que despertam aspectos religiosos nos espécies sendo, portanto, um dos maiores
indivíduos (RUCK et al., 1992). grupos entre as Angiospermas
As folhas de P. viridis contêm um (ROBBRECHT, 1988). A estrutura foliar de
potente alcalóide alucinógeno de ação suas espécies caracteriza-se pela
rápida, a N, N-dimetiltriptamina (DMT), presença de hipoderme, estômatos do
enquanto o caule de B. caapi contém os tipo paracítico e paralelocítico, epiderme
derivados beta-carbolínicos: harmina, adaxial papilosa, mesofilo geralmente
tetrahidroarmina e harmalina como dorsiventral e ocorrência freqüente de
principais alcalóides. Esses são potentes domácias (METCALFE & CHALK, 1979).
inibidores seletivos da enzima monoamina Outra característica típica é a presença
oxidase-A (MAO-A), para a qual a habitual de coléteres nas estípulas
serotonina e, provavelmente, outras (LERSTEN, 1974). Várias espécies de
triptaminas, incluindo a DMT, são os rubiáceas vêm sendo estudadas quanto
substratos preferenciais. A DMT não é a seus aspectos anatômicos, inclusive as
ativa quando ingerida oralmente, mas do gênero Psychotria, que possui cerca
pode se apresentar oralmente ativo de 1000 espécies (STEYERMARK, 1974).
quando na presença do inibidor periférico Dentre os estudos anatômicos no
da MAO e essa interação é a base da ação gênero, destacam-se os de anatomia foliar
alucinógena do chá. Enquanto a harmina de Psychotria nuda (Cham. & Schltdl)
e a harmalina inativam reversivelmente a Wawra e Psychotria leiocarpa Cham. &
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Schltdl (VIEIRA et al., 1992), Psychotria mat erial recém coletado f oram
stenocalyx Mül l. Arg. e Psychot ria submetidos aos testes histoquímicos
tenuinervis Müll. Arg. (VIEIRA & GOMES, Sudam III (SASS, 1951) para detecção de
1995, GOMES et al., 1995), Psychotria lipídeos e Dragendorff para alcalóides
velloziana Benth. (CUNHA & VIEIRA, (YO DER & MAHLBERG, 1976).
1993-1997) e Psychotria suterella Müll. Substâncias fenólicas foram detectadas
Arg. (BARROS et al. , 1997) todas com sulf ato f erroso em f ormol
espécies ocorrentes na Mata Atlântica. (JOHANSEN, 1940). Cristais de oxalato
O conhecimento sobre a biologia de cálci o f oram i denti f icados pela
das plantas e as variedades usadas sol ubili dade em ácido clorídrico e
constitui uma etapa importante para o insolubi lidade em ácido acét ico
melhor entendimento de características (STRASBURGER, 1986).
peculiares da bebida. Pesquisas sobre a Fragmentos da porção mediana
estrutura anatômica de folhas desta das folhas foram dissociados pelo método
espécie podem servir como subsídios de Jeffrey (JOHANSEN, 1940) e corados
para estudos taxonômicos, propiciar seu com safranina (1%) para visualização da
diagnóstico como matéria prima para epiderme. Todos os procedimentos foram
elaboração de medicamentos, além de feitos de acordo com a metodologia
contribuir para o conhecimento de sua descrita em Kraus & Arduim (1997).
relação com o ambiente no qual se As estruturas anatômicas foram
desenvolve. Neste trabalho foi descrita a analisadas através de secções trans-
anatomia foliar de P. viridis, visando obter versais, longitudinais e das epider-mes
dados para o mel hor m anej o e dissociadas da lâmina foliar, pecíolo e
conhecimento desta espécie. estípulas em microscópio óptico Olympus,
modelo CX40 e fotografadas em fotomi-
croscópio Olympus CX30. Os desenhos
MATERIAL E MÉTODOS esquemáticos foram realizados com
auxílio de câmara clara acoplada ao
Folhas completamente desenvol- microscópio estereoscópico, modelo
vidas, provenientes do terceiro nó caulinar, Olympus SZX12, seguindo o diagrama de
f oram coletadas de plantas que se Metcalfe & Chalk (1950).
desenvolvem na zona de amortecimento A classificação dos estômatos foi
do Parque Estadual dos Três Picos, feita de acordo com Metcalfe & Chalk
município de Nova Friburgo (RJ), em (1979), a do sistema vascular de acordo
altitude de 700 m, clima mesotérmico com LEAF ARCHITECTURE WORKING
sempre-úmido, com temperatura média GRO UP (1999) e a descrição das
de 17,8o C (LIMA & GUEDES-BRUNI, domácias seguiu os modelos analisados
1994). Estípulas presentes nos ápices por Barros (1959; 1961; 1962).
caulinares foram também coletadas. Um
ramo fértil foi herborizado e a exsicata RESULTADOS E DISCUSSÃO
depositada no Herbário do Jardim
Botânico do Rio de Janeiro, sob o número As folhas de Psychotria viridis
de registro RB 401.374. possuem pecíolo circular em sua parte
O material foi fixado em FAA50 proximal e plano-convexo em direção à
(JOHANSEN, 1940). Os cortes foram parte distal, t endo a part e adax ial
feitos à mão livre e corados com Azul de projeções laterais na região distal (Figura
Ast ra (1%) e Saf ranina (0, 5%) 1B). Seu limbo é do tipo lanceolado, com
(BUKATSCH, 1972). Cortes feitos em base cuneada e ápice agudo (Figura 1A),
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b
Figura 2. (A) Sec ção transversal do pecíolo,
evidenciando a epiderme (ep) unisseriada e o
colênquima angular. Barra = 50µm. (ST). (B)
Pecíolo evidenciando o sistema vascular do feixe
10µm
1 mm
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MCKEENA, D.J.; BRITO, G.S.; GROB,
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increased in drinkers of ayahuasca. adaptation of the leaf mesophyll to
Psychopharmacology, v.116, p.385-387, shading. Russian Journal of Plant
1994. Physiology, v.49, n.3, p.419–431, 2002.
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