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A CULTURA JURÍDICA EUROPEIA

seus aliados políticos, o imperador Frederico II concede aos estudantes


de direito de Bolonha, “particularmente aos estudiosos das leis divinas e
sagradas”, garantias de proteção e imunidade (Autentica habita, 1158)306.
Em 1224, o imperador, para maior segurança, resolveu estabelecer uma
universidade imperial em Nápoles, sobre a qual podia exercer um con-
trolo mais efetivo307. O Papa Onório II (1216-1227) também reconheceu

respondeu-lhe que, à maneira de proprietário, não o era. Martinho, pelo contrário, respondeu-
-lhe (timore vel amore, comenta Acúrsio, maldosamente) que sim. O imperador, satisfeito,
ofereceu o cavalo que montava a Martinho, perante o que Búlgaro, fazendo um trocadilho
em latim, comentou: “Amisi equum, quia dixit aequum, quod non fuit aequum”. [Perdi um cavalo
(equuus), pois disse o que era justo (aequum), o que não foi justo (aequum)] (cf. uma das ver-
sões em Pennington, 1993, 16). Esta pergunta sobre o senhorio do mundo é ainda a base da
discussão sobre os títulos sobre as terras descobertas, invocados pelos reis de Espanha e de
Portugal com fundamento na doação papal. Mas, de facto, a opinião de Búlgaro, que excluía
o poder dos reis sobre as terras dos seus reinos tanquam proprietatem foi a que veio a triunfar,
sobretudo depois de uma decisiva distinção de Baldo de Ubaldis “na verdade, não têm a mesma
razão e condição o direito público do imperador (sobre o reino) e o das pessoas privadas (sobre
as suas propriedades)”, Proemium in Dig. Vet, § Omnem, apud. Canning, 1987, 37; já Acúrsio
ensaiara a mesma distinção: “É mais verdadeiro dizer que são suas [do imperador] todas as
coisas que estão na sua disposição, como as fiscais e patrimoniais [...]. De onde se conclui
que o meu livro não é dele e que é a mim e não a ele que é concedida a reivindicatio [ação de
recuperar uma coisa própria sua] directa”, Acúrsio, Glosa ad C., 7,37,3, Bene a Zanone, v. omnis
principis (cf. também Nicolini, 1952, 91 ss.).
306
 “Estabelecemos portanto com esta lei universal e que deverá valer para toda a eternidade,
que daqui para o futuro ninguém seja tão atrevido como para fazer alguma ofensa aos esco-
lares, e muito menos por causa de alguma dívida em relação a alguém da mesma província,
o que ouvimos acontecer em virtude de um costume preverso [...] E aos que ousarem violar
esta sagrada lei, e a quem os dirigentes do lugar deixarem de punir, saibam que se deverá
exigir a restituição em quádruplo das coisas indevidamente exigidas, e aplicada a pena de
infâmia com todo o rigor da lei e serão privados para sempre dos seus lugares e dignidades”
(texto em Giorgini, 1988).
307
 Umberto Eco, no seu romance Baudolino (2000), dá uma impressiva versão das relações en-
tre o imperador e os doutores bolonheses e das estratégias políticas envolvidas nesta questão:
“Foi dar com o imperador triste e iroso, andando para trás e para a frente nos seus aposentos,
e a um canto Reinaldo de Dassel esperava que ele se acalmasse. Frederico a certa altura
parou, fixou Baudolino nos olhos e disse-lhe: «Tu és testemunha, meu rapaz, de quanto me
tenho atormentado a pôr sob uma única lei as cidades de Itália, mas de todas as vezes tenho
de recomeçar do princípio. Será errada a minha lei? Quem me diz que a minha lei é justa?».
E Baudolino, quase sem pensar: «Senhor, se começas a pensar assim nunca mais acabas, e afinal
o imperador existe mesmo para isso; ele não é imperador por lhe virem as ideias justas, mas as
ideias é que são justas por virem dele, e basta». Frederico fitou-o, e depois disse a Reinaldo:

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