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APLICAÇÃO DO PROCESSO DE ENFERMAGEM:


ESTUDO DE CASO COM UM PORTADOR DO VÍRUS
DA HEPATITE C

THE NURSING PROCESS IMPLEMENTATION:


A CASE STUDY WITH SOMEONE WHO HAS
HEPATITIS C

IMPLEMENTACIÓN DEL PROCESO DE ENFERMERÍA:


UN ESTUDIO DE CASO CON UN PORTADOR DEL
VIRUS DE LA HEPATITIS C

1
Rudval Souza da Silva
2
Álvaro Pereira
3
Joicineide Cupertino Conceição
4
Iamik Samanta da Costa Biai

Este artigo configura um relato de experiência sobre cuidados de enfermagem, com base em um estudo que teve
como objetivo implementar o Processo de Enfermagem no cuidado a uma pessoa portadora do vírus da Hepatite C
(HCV). Trata-se de um estudo de caso clínico, desenvolvido durante as atividades práticas da disciplina Enfermagem
Clínico-cirúrgica I em um Hospital de ensino na cidade de Salvador, Bahia. Os dados foram obtidos após avaliação
e julgamento clínico para elaboração dos diagnósticos da NANDA-I, intervenção da NIC e avaliação dos resultados
da NOC. Os resultados obtidos demonstraram que as intervenções de enfermagem realizadas contribuíram positiva-
mente para a melhoria das condições do paciente, ajudando-o a melhor compreender a sua condição de portador
do HCV, fato que proporcionou seu envolvimento no autocuidado. Conclui-se que uma assistência sistematizada
e individualizada permitiu uma melhor organização do trabalho e dos cuidados dispensados, proporcionando,
durante a implementação das ações, melhor avaliação dos resultados e, sempre que necessário, a modificação
ou finalização de algumas intervenções. Ressalta-se a importância do processo como foco do trabalho da(o)
enfermeira(o) na clínica, na perspectiva de favorecer o retorno do paciente ao seu contexto familiar, bem como
reforçar a credibilidade do trabalho de enfermagem.

PALAVRAS-CHAVE: Processos de enfermagem. Diagnóstico de enfermagem. Hepatite C.

This article takes into account an experience in nursing care based on a study aimed at implementing care to a pa-
tient with Hepatitis C - HCV. This case study was developed during the clinical activities of Surgical Clinical Nursing
I in a teaching hospital in the city of Salvador, Bahia. The data was collected after evaluation and clinical judgment
for elaboration of nursing diagnosis according to NANDA Taxonomy II, Nursing Interventions Classification (NIC)
and Nursing Outcome Classification (NOC). The results showed that the nursing interventions implemented had
1
Enfermeiro. Mestre e Doutorando em Enfermagem pela Escola de Enfermagem (EE) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor substituto do Departamento
de Enfermagem Médico-Cirúrgico e Administração da EEUFBA. rudvalsouza@yahoo.com.br
2
Enfermeiro. Doutor em Enfermagem. Professor Adjunto do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgico e Administração da EEUFBA.
alvaro_pereira_ba@yahoo.com.br
3
Discentes do curso de graduação em Enfermagem da EEUFBA. joicineide_cupertino@hotmail.com.
4
Aluna do curso de graduação em Enfermagem. Bolsista do covênvio de graduação UFBA/Guiné-Bissau, 2007-2010. iamiksamanta@hotmail.com.

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contributed positively to the improvement of the patient, helping him to better understand his status as carrier of
HCV. That fact gave him involvement in his self- care. The study gives emphasis to the importance of clinical nur-
sing in favor of the patients return to his family, as well as gives credibility to the role of nursing.

KEY WORDS: Nursing process. Nursing diagnosis. Hepatitis C.

Este artículo configura un relato de la experiencia sobre los cuidados de enfermería, con base en un estudio que
tuvo como objetivo implementar el proceso de enfermería, en el cuidado a una persona portadora del virus de la
hepatitis C - HCV. Se trata de un estudio de caso clínico, desarrollado durante las actividades prácticas de la discipli-
na Enfermería Clínica quirúrgica I en un hospital de enseñanza en la ciudad de Salvador - Bahia. Los datos fueron
obtenidos a través de evaluación y juicio clínico para la elaboración de los diagnósticos NANDA-I, intervención de
Enfermería NIC y evaluación de los resultados de la NOC. Los resultados obtenidos mostraron que la implemen-
tación de las intervenciones de enfermería contribuyó positivamente para la mejora de los pacientes, ayudándoles
a comprender mejor su condición de portador del HCV, hecho que contribuyo para su autocuidado. Se concluye
que una atención sistematizada e individualizada, permitió una mejor organización del trabajo y de los cuidados
dispensados, proporcionando, durante la implementación de las acciones, una mejor evaluación de los resultados,
así como, la modificación o finalización de algunas intervenciones. Se destaca la importancia del proceso como foco
del trabajo de la (del) enfermera(o) en la clínica, en la perspectiva de favorecer el regreso del paciente al contexto
familiar, bien como, dar credibilidad del trabajo de la enfermería.

PALABRAS CLAVE: Procesos de Enfermería; Diagnóstico de Enfermería; Hepatitis C.

INTRODUÇÃO

O vírus da hepatite C (HCV), um Hepacivirus de infecção pelo vírus da hepatite C. São consi-
da família Flaviviridae, consiste em um vírus RNA derados indivíduos com risco aumentado para
identificado apenas em 1989, e representa um a infecção pelo HCV aqueles que receberam
dos mais relevantes problemas de saúde pública transfusão sanguínea e transplantes de órgãos
na atualidade. Duas características da sua histó- antes de 1992, receptores de hemoderivados,
ria natural conferem-lhe uma grande importân- como pacientes hemofílicos, hemodialisados,
cia epidemiológica: o longo período em que a portadores de doenças hematológicas, além de
infecção permanece assintomática, fazendo com indivíduos usuários de drogas ilícitas injetáveis
que o indivíduo não tome conhecimento dela e, (BRASIL, 2002; SCOTTISH INTERCOLLEGIATE
portanto, não procure os serviços de saúde; e a GUIDELINES NETWORK, 2006).
sua capacidade de se tornar crônica em até 85% Outros grupos de risco para a infecção pelo ví-
dos infectados, elevando o risco de desenvolvi- rus da hepatite C incluem pessoas com tatuagem,
mento de complicações graves, como cirrose e usuários de piercing, indivíduos que tiveram ou-
carciona hepatocelular (PASSOS, 2006). tras formas de exposição percutânea, como acu-
Estima-se que 170 a 200 milhões de indivíduos puntura, e os profissionais de saúde.
apresentam a infecção pelo HCV em todo o A hepatite crônica pelo vírus C é, primaria-
mundo, sendo considerada como uma verdadei- mente, restrita ao fígado. Contudo, os pacientes
ra endemia que desafia a saúde pública mundial. com tal patologia podem eventualmente apre-
Não há dados acurados da prevalência da infec- sentar diversas manifestações extra-hepáticas,
ção pelo HCV no Brasil. Estudo realizado pela que incluem as doenças hematológicas, renais,
Sociedade Brasileira de Hepatologia, divulgado dermatológicas, endócrinas, neuromusculares
em 1999, demonstrou prevalência próxima de e articulares, alterações em glândulas saliva-
1,23%, podendo, portanto, ser considerado um res e oculares, além de desordens autoimunes
país endêmico. A região Norte apresenta a maior e psicológicas (SCOTTISH INTERCOLLEGIATE
prevalência e a Sul a menor (BRASIL, 2002). GUIDELINES NETWORK, 2006).
A transmissão parenteral, por meio da expo- Atualmente, o tratamento é realizado com o
sição ao sangue contaminado, é a principal via uso do Interferon alfa ou Interferon peguilado

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alfa-2a associado ou não a doses diárias de riba- Ela trata, no seu Art. 1º, sobre o Processo de
virina, dependendo do genótipo viral. Devido a Enfermagem, o qual “[...] deve ser realizado,
diferentes efeitos colaterais atribuídos ao trata- de modo deliberado e sistemático, em todos
mento, pacientes só se submetem a este após as- os ambientes, públicos ou privados, em que
sinatura de Termo de Consentimento Informado ocorre o cuidado profissional de Enfermagem”
(TEIXEIRA, 2005). (CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM, 2009,
No decurso das atividades práticas da disci- p. 1). Sendo assim, conforme consta no Art. 4º,
plina Enfermagem Clínico Cirúrgica I, do Curso cabe ao enfermeiro:
de Graduação em Enfermagem, em unidade de [...] a liderança na execução e avaliação do Processo
internação de um Hospital de Ensino, teve-se a de Enfermagem, de modo a alcançar os resultados
de enfermagem esperados, cabendo-lhe, privativa-
oportunidade de cuidar de uma pessoa portado- mente, o diagnóstico de enfermagem acerca das res-
ra do Vírus da Hepatite C (HCV). postas da pessoa, família ou coletividade humana
em um dado momento do processo saúde e doença,
O objetivo da disciplina é desenvolver no es- bem como a prescrição das ações ou intervenções
tudante conhecimento e habilidades para siste- de enfermagem a serem realizadas, face a essas res-
postas. (CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM,
matização da assistência de enfermagem a pessoa 2009, p. 1).
com demandas clínico-cirúrgicas, considerando
o perfil epidemiológico. São desenvolvidas ati- Em seu Art. 5º, contempla as responsabili-
vidades de consulta de enfermagem, aplicação dades do Técnico e Auxiliar de Enfermagem,
do Processo de Enfermagem pela Sistematização os quais devem participar “[...] da execução do
da Assistência de Enfermagem (SAE), realização Processo de Enfermagem, naquilo que lhes cou-
da coleta de dados (anamnese e exame físico), ber, sob a supervisão e orientação do Enfermeiro”.
formulação de diagnósticos de enfermagem, pla- (CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM, 2009, p. 2).
nejamento da assistência, implementação e ava- Desta maneira, como escrevem Ramos e
liação dos resultados. Veiga (2006), o Processo de Enfermagem im-
O Processo de Enfermagem é definido por plica numa atitude multidisciplinar, envolven-
Horta (1979) como ações sistematizadas e interre- do todos os profissionais de enfermagem da
lacionadas, dirigidas para a assistência ao pacien- estrutura organizacional onde se desenvolve o
te, executadas de forma dinâmica. Do ponto de trabalho. Todo esse processo leva a maior sa-
vista do enfermeiro, representa o caminho para a tisfação profissional de cada membro da equipe
autonomia profissional. A autora afirma: “A auto- de enfermagem, por não exercer uma assistência
nomia profissional só será adquirida no momento de enfermagem não-coordenada, do tipo erro e
em que toda a classe passe a utilizar a metodolo- acerto, mas com embasamento científico e pau-
gia científica em suas ações, o que só será alcan- tada num julgamento crítico direcionado a um
çado pela aplicação sistemática do Processo de resultado esperado, contribuindo, assim, para o
Enfermagem.” (HORTA, 1979, p. VII). crescimento profissional, tal como argumental
Para Alfaro-LeFevre (2005), o Processo de Silva e Santos (2009).
Enfermagem é definido como um método que Dessa forma, o Processo de Enfermagem
possibilita à estrutura teórica da Enfermagem ser desenvolvido por meio da Sistematização da
aplicada à prática e uma forma sistemática, di- Assistência de Enfermagem deve ser direcionado
nâmica e humanizada de prestar os cuidados de para um cuidado individualizado, participativo e
enfermagem. Consiste em cinco fases interliga- colaborativo, centrado na pessoa humana e não
das entre si: investigação, diagnóstico, planeja- apenas na doença. Isto implica na interligação
mento, implementação e avaliação. entre a prática e a teoria, conduzindo o enfermei-
A Resolução COFEN nº 358/2009 traz o ro ao desenvolvimento de um julgamento crítico
apoio legal para a implementação do Processo para a tomada de decisão, com a devida partici-
de Enfermagem em âmbito nacional, dispondo pação do paciente. Objetiva a promoção, manu-
sobre a SAE nas instituições de saúde brasileiras. tenção e recuperação da saúde do indivíduo sob

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cuidado, o que, consequentemente, resultará em METODOLOGIA


maior reconhecimento do profissional enfermei-
ro, diante da qualidade da assistência prestada, Trata-se de um estudo de caso clínico, utili-
contribuindo para sua autonomia e maior satisfa- zando o Processo de Enfermagem nas suas fa-
ção profissional (SILVA; SANTOS, 2009). ses de investigação, diagnóstico de enfermagem,
A SAE torna-se um instrumento para o de- planejamento, implementação e avaliação dos
senvolvimento das atividades do enfermeiro e resultados. Como referencial teórico, foi utiliza-
passa a ser vista como norteadora da assistência da a teoria das Necessidades Humanas Básicas
de enfermagem em todo o contexto de atuação (NHB) proposta por Horta (1979). Segundo
dos profissionais de enfermagem. Está intrin- Galdeano, Rossi e Zago (2003), o estudo de caso
secamente relacionada ao desenvolvimento da é um dos mais antigos métodos utilizados no en-
prática do cuidado profissional de enfermagem, sino de enfermagem, representando as primeiras
objetivando que o conjunto constituído pela in- tentativas de definição e sistematização da assis-
vestigação, diagnóstico, intervenção e avaliação tência de enfermagem. Os estudos de caso pos-
possa contribuir ainda mais para a autonomia sibilitaram a definição dos planos de cuidados
e cientificidade da Enfermagem. Deste modo, o que, por sua vez, se constituíram nas primeiras
Processo de Enfermagem é visto como um ins- expressões do Processo de Enfermagem.
trumento facilitador da metodologia de desen- Para o preenchimento do histórico, realizou-
volvimento das ações e avaliação da qualidade -se a consulta de enfermagem, na qual foi de-
da assistência prestada ao paciente de maneira senvolvido o levantamento de dados por meio
individualizada (NÓBREGA; SILVA, 2009). da entrevista e do exame físico, bem como con-
Justifica-se o presente estudo, ao considerar sulta ao prontuário do paciente, para subsidiar
a gravidade da Hepatite C, um dos maiores pro- os diagnósticos de enfermagem, a segunda fase
blemas de saúde pública da atualidade, respon- do processo.
sável pelas mais altas taxas de morbimortalidade Na identificação dos diagnósticos de enfer-
devido às doenças hepáticas em todo o mundo. magem, utilizou-se o julgamento clínico e o
A principal forma de contaminação pelo HCV raciocínio diagnóstico estabelecido por Alfaro-
consiste no contato com sangue infectado pelo -LeFevre (2005). A primeira fase do estudo com-
vírus, o que inclui os profissionais de saúde em preendeu a análise e a síntese dos dados obtidos
grupos de riscos à infecção. A hepatite C pode na entrevista e no exame físico, seguida pelo es-
tornar-se crônica, levando a consequências gra- tabelecimento do diagnóstico propriamente dito.
ves, como cirrose hepática e carcinoma hepato- Para a elaboração dos diagnósticos foi uti-
celular (BRASIL, 2003). lizada a taxonomia da NANDA-I, uma vez que
Dada a gravidade da doença e a inclusão da esses representam a base para seleção de inter-
equipe de enfermagem em grupo de risco para venções e resultados terapêuticos de acordo com
a hepatite C, maiores conhecimentos a respeito as taxonomias NIC e NOC, respectivamente. As
dessa endemia fazem-se indispensáveis para a intervenções de enfermagem tiveram como base
prática clínica. Assim, o presente artigo tem por os cuidados de enfermagem para o atendimen-
objetivo apresentar um estudo de caso sobre a to das necessidades básicas e específicas do ser
implementação do Processo de Enfermagem no humano.
cuidado a uma pessoa portadora do vírus da O cenário do estudo foi a unidade de clínica
Hepatite C – HCV. Trata-se de uma experiência médica de um hospital público de ensino na ci-
discente durante as atividades práticas da dis- dade de Salvador, Bahia, no período de abril e
ciplina Enfermagem Clínico Cirúrgica I, em um maio de 2009.
hospital de ensino na cidade de Salvador, Bahia. Os aspectos éticos foram baseados nos
preceitos da Resolução 196/96, do Conselho
Nacional de Saúde, sobre pesquisas em seres

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humanos, bem como nos princípios do Código alimentar e/ou medicamentosa, etilismo e taba-
de Ética de Enfermagem – Resolução COFEN gismo e história de doenças na família. Informou
311/2007 (BRASIL, 1996; CONSELHO FEDERAL uso de suplementos energéticos parenteral “neo-
DE ENFERMAGEM, 2007). -cebetil” e “Glucoenergan”, com compartilha-
mento de agulhas e seringas na juventude.
CASO CLÍNICO – PESSOA PORTADORA DO HCV O Quadro 1 apresenta os achados do paciente
no exame físico:
L.A.D.S., 55 anos, sexo masculino, afrodes-
cendente, ensino médio completo, microempre- Exame físico Achados do paciente
sário, religião declarada espiritismo, natural de por sistemas
Juazeiro (BA). Divorciado, três filhos maiores, Percepção/ consciente e orientado
Cognição aparência de tranquilidade
reside com um dos filhos e sua nora, em casa disposto e colaborativo
própria de alvenaria, com cinco cômodos, provi- vigil e comunicativo
da de saneamento básico e luz elétrica. Cabeça couro cabeludo sem alteração
Portador do HCV, diagnosticado em fevereiro acuidade visual diminuída à D
acuidade auditiva preservada
de 2008, e da Síndrome de Raynaud. Admitido escleróticas ictéricas (++/4+)
(1)

na unidade de internação de um hospital públi- mucosas hipocrômicas (+/4+)


dentição incompleta (uso de
co de ensino de Salvador (BA), em 11 de maio prótese)
de 2009, via ambulatório. Apresenta redução da face edemaciada (+/4+)
acuidade visual à direita; refere dor abdominal Pescoço ausência de gânglios palpáveis
de forte intensidade, difusa, mais intensa em hi- Tórax simétrico, com boa
expansibilidade
pogástrio, tipo cólica, com piora aos movimen-
respiração espontânea
tos e melhora com o repouso, ressaltando que
Ausculta ausculta pulmonar de murmúrios
não diminuía com analgésicos comuns e elimi- Pulmonar vesiculares bem distribuídos
nação de flatos; dor e astenia em MMII. Ausculta sem alterações perceptíveis
Sua história clínica teve início em fevereiro de Cardíaca
2008, posterior a uma crise hipertensiva que deter- Abdômen levemente distendido
timpânico, referia dor em região
minou sua internação. Para elucidar o diagnóstico, hipogástrica, tipo cólica
foi realizada uma biópsia renal e constatado um RHA presentes
quadro clínico de glomerulonefrite. Apresentava Genitália não visualizada, porém relatava
equimoses na pele, da qual foi realizada uma ausência de alterações
Pele presença de petéquias em região
biópsia e constatada uma Vasculite. Referia co-
torácica e membros superiores
nhecimento da sua patologia e co-morbidades, (MMSS)
bem como tinha consciência da necessidade do Extremidades membros superiores e inferiores
tratamento e da internação. Era bastante confian- com mobilidade preservada,
porém os membros inferiores
te em sua recuperação. Mostrava-se esperançoso, (MMII) apresentavam-se
colaborativo, disposto e satisfeito com o apoio levemente
edemaciados (+/4+)
da família e dos profissionais que o assistiam.
pulso periférico, cheio e rítmico
Demonstrava saudade da sua casa, do trabalho e Sinais vitais PA = 130 x 80 mmHg, P = 75
do convívio social. Relatou bom relacionamento bpm, R = 20 inc/min e
com os filhos. Gostava de ler jornal e livros espí- T.ax. = 35˚C

ritas durante a internação e demonstrava dificul- Terapia Anlodipina, Losartan, Prediniso-


medicamentosa na, Complexo B, Ácido Fólico,
dades de leitura, devido à “mancha” no olho D. durante a Dimeticona, Cilostazol,
Relatou padrão de sono normal; pouca aceitação internação Hidroclorotiazida, Interferon,
Eritropoetina e Ribavirina
da dieta, por ser hipossódica; falta de privacida-
QUADRO 1 – Achados do paciente com
de para a realização dos desejos sexuais; função
base no exame físico por sistemas
intestinal e vesical sem alterações. Negou alergia (1)
Avaliação quantitativa em escala de uma a quatro cruzes (+,++,+++,++++).

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PLANEJAMENTO DA ASSISTÊNCIA comunicação, evitando uma interpretação dúbia


das informações. Destaca-se que o desenvolvi-
Os seguintes problemas foram identifica- mento e a aplicação dessa tecnologia leve de
dos na história clínica do paciente: dificuldade Enfermagem ajudam a desenvolver o conheci-
na aceitação da dieta, devido à diminuição do mento, favorecendo uma prática efetiva, eficaz,
sal – dieta hipossódica; edema na face; tórax e minimizando barreiras e proporcionando maior
MMSS – presença de petéquias; dor abdominal, autonomia à(o) profissional enfermeira(o).
flatulência; fadiga ao esforço e astenia muscular; A experiência vivenciada na implementação
pele – presença de equimoses; edema de MMII; da SAE, durante as atividades práticas da discipli-
desejo sexual inibido; cianose de extremidades na Enfermagem Clínico Cirúrgica I, possibilitou
– Síndrome de Raynaud. a identificação de algumas dificuldades, como:
A elaboração de diagnósticos de enferma- desinteresse de alguns membros da equipe de
gem é um processo complexo, que envolve o enfermagem em contribuir com a sistemática,
comportamento humano relacionado à saúde deficiência de conhecimento e despreparo dos
(SILVA; CIAMPONE, 2003). O Quadro 2 apresen- profissionais para lidar com esse método de tra-
ta os Diagnósticos de Enfermagem (DE) de acor- balho, recursos materiais e humanos insuficien-
do com a NANDA-I, às intervenções e resultados tes para dispensar o cuidado. No entanto, não
propostos, tomando por base as taxonomias NIC obstante as dificuldades, pôde-se concluir que
e NOC, respectivamente (CARPENITO-MOYET, uma assistência sistematizada e individualizada
2008; GARCIA; NÓBREGA, 2005; NÓBREGA; permitiu uma melhor organização do trabalho e
SILVA, 2009; NORTH AMERICAN NURSING dos cuidados dispensados, proporcionando, du-
DIAGNOSIS ASSOCIATION, 2009). rante a implementação das ações, uma melhor
avaliação dos resultados e, sempre que neces-
CONSIDERAÇÕES FINAIS sário, a modificação ou finalização de algumas
intervenções.
A aplicação do Processo de Enfermagem nes- Vale ressaltar a importância do processo
te estudo possibilitou o desenvolvimento de uma como foco do trabalho da(o) enfermeira(o) na
assistência com embasamento científico, aplican- clínica, na perspectiva de favorecer o retorno dos
do as taxonomias NANDA-I, NIC e NOC (NNN). pacientes ao seu contexto familiar e de trabalho
Por conseguinte, vale ressaltar que o uso de o mais precocemente possível, bem como refor-
uma linguagem uniformizada melhora a prática çar a credibilidade do trabalho de enfermagem.
do cuidado, haja vista que facilita o processo de

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(continua)
Diagnósticos de Intervenções de enfermagem – NIC Resultados esperados - NOC
enfermagem – NANDA-I
1. Nutrição desequilibrada: 1. Controle da nutrição; monitoração 1. Estado nutricional,
menos do que as necessida- nutricional autocuidado, alimentação
des corporais, relacionado
à relutância em comer por • Pesar diariamente e monitorizar O paciente deverá ingerir a exi-
diminuição na quantidade do os resultados laboratoriais; gência nutricional diária, de acordo
sal, influenciando no sabor, • explicar a importância da nutrição com seu nível de atividade diária.
evidenciado por relatar inges- adequada, negociando com o
tão inadequada em paciente as metas de ingesta em INDICADORES
quantidade menor do que a cada nutrição; • Relata a importância da boa
recomendada. • proporcionar um ambiente nutrição;
agradável e relaxante para a alimen- • identifica deficiências na
tação. ingestão diária;
• relata métodos para aumentar
o apetite.
2. Risco de desequilíbrio do 2. Controle hidroeletrolítico, 2. Equilíbrio eletrolítico e ácido
volume de líquido relaciona- monitoração hídrica básico, equilíbrio hídrico,
do à retenção de sódio e de hidratação
água, secundário a doença • Investigar as preferências e os desa-
hepática. grados, proporcionar os líquidos fa- O paciente deverá manter a densi-
voritos dentro da restrição dietética; dade específica da urina dentro de
• planejar uma meta de ingestão para uma variação normal.
cada 8 h (600 mL durante a manhã,
400 mL durante a tarde e 200 mL INDICADORES
à noite); • Aumenta a ingestão de
• investigar a compreensão do pa- líquidos;
ciente quanto à razão para manter a • identifica os fatores de risco de
hidratação adequada; déficit de líquido;
• monitorar a ingestão; • não demonstra sinais e sinto-
• monitorar a eliminação e a mas de desidratação.
densidade específica da urina.
3. Dor aguda relacionada a 3. Controle da dor, controle de 3. Nível de conforto, controle da
desconforto abdominal, medicamentos; suporte emocional dor
evidenciado por queixa de
dor abdominal e flatulência. • Proporcionar ao paciente o alívio O paciente deverá relatar alívio
ideal da dor com os analgésicos após uso de medicação analgésica.
prescritos;
• após administrar analgésico, retornar INDICADORES
em 30 minutos para avaliar a eficá- • Relata os fatores que aumen-
cia; tam a dor;
• ensinar medidas de relaxamento • relata as intervenções eficazes;
como massagem para alívio da dor. • percebe que os outros com-
provam a existência da dor.
4. Intolerância à atividade 4. Terapia com exercício, imobilidade 4. Tolerância à atividade
relacionada ao aumento das articular, ensino de atividade
demandas metabólicas, secun- O paciente deverá progredir para a
dário a Hepatite C, eviden- • Verificar pulso, pressão sanguínea e realização de atividades de forma
ciado por fadiga ao esforço e respiração em repouso e imediata- gradual, esperando-se uma melhora
fraqueza. mente após a atividade; do cansaço.
• aumentar gradualmente a tolerância
aos exercícios; INDICADORES
• ensinar métodos de conservação de • Identifica fatores que agravam
energia para as atividades: ter perío- a intolerância à atividade;
do de repouso durante as atividades, • identifica métodos que agra-
em intervalos durante o dia e uma vam a intolerância à atividade;
hora após as refeições. • mantém a pressão sanguínea
dentro dos limites de normali-
dade após os exercícios.

QUADRO 2 – Planejamento da assistência: diagnósticos, intervenções e resultados de


enfermagem

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(conclusão)
Diagnósticos de Intervenções de enfermagem – NIC Resultados esperados - NOC
enfermagem – NANDA-I

5. Risco de integridade da 5. Controle da pressão sobre áreas do 5. Integridade tissular:


pele prejudicada relaciona- corpo, cuidados para evitar o apareci- pele e mucosas
da à redução de sangue e mento de úlceras de pressão, supervi-
nutrientes para os tecidos, são da pele O paciente deverá manter integri-
secundária a alterações vascu- dade do tecido.
lares periféricas. • Reduzir o risco de lesão, reduzindo
os pontos de pressão externa; INDICADORES
• incentivar a realização de exercícios • Participa da investigação de
de amplitude de movimentos; riscos;
• manter os MMII elevados com • descreve a etiologia e as medi-
travesseiro; das de prevenção;
• massagear delicadamente a pele • expõe as justificativas para
saudável para estimular a circulação; as intervenções.
não massagear caso esteja hipere-
miada;
• proteger as superfícies da pele sau-
dável, cobrindo a área com um cura-
tivo permeável à umidade.
6. Risco de padrões 6. Controle do comportamento: se- 6. Autoestima, desempenho do
de sexualidade ineficazes, xual, aconselhamento, suporte emo- papel
relacionado à falta de priva- cional
cidade. O paciente deverá envolver-se em
• Identificar métodos alternativos para atividades alternativas.
a dispersão da energia sexual, con-
siderando a necessidade do interna- INDICADORES
mento hospitalar, um ambiente sem • Identifica o impacto de
privacidade. estressores, na mudança na
função sexual;
• modifica o comportamento
para reduzir estressores.
7. Perfusão tissular periférica 7. Controle de sensibilidade periféri- 7. Função sensorial: cutânea,
ineficaz relacionada ao ca, cuidados circulatórios, posiciona- perfusão tissular periférica
comprometimento do fluxo mento
sanguíneo e aos vasoespas- O paciente deverá relatar diminui-
mos, secundário à síndrome • Ensinar o paciente a manter as ex- ção da dor e do frio.
de Raynaud, evidenciado por tremidades aquecidas;
cianose de extremidades. • usar roupas quentes durante o clima INDICADORES
frio; • Identifica modificações neces-
• usar meias de algodão ou lã; sárias no estilo de vida;
• define o problema vascular
periférico com suas próprias
palavras;
• identifica fatores inibidores da
circulação periférica.

QUADRO 2 – Planejamento da assistência: diagnósticos, intervenções e resultados de


enfermagem

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magem e os sistemas de classificação dos elementos
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