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Artigo original
RESUMO
O objetivo do presente trabalho foi verificar a evolução de pacientes que tiveram
alta por cura do tratamento contra a tuberculose (TB) quanto à ocorrência de
recidiva, no período entre 2002 e 2003. O método envolveu estudo transversal
retrospectivo, com os seguintes critérios de inclusão: casos de TB com cultura
positiva, HIV positivo, >18 anos, curados do tratamento da TB e com seguimento
ambulatorial em um serviço de referência para HIV/Aids, em São Paulo (SP),
Brasil. Foram avaliadas as seguintes variáveis: idade, sexo, forma clínica,
internação, tipo de caso, esquema de tratamento TB e mudança de esquema,
hepatoxicidade, resistência, alcoolismo, tabagismo, usuário de drogas, HAART,
CD4, carga viral e classificação da imunodeficiência. Para detecção das recidivas,
os pacientes foram seguidos por 6,5 anos após a cura pelo sistema de informação
TB-Web do Núcleo de Vigilância Epidemiológica do Instituto de Infectologia
Emilio Ribas. Para avaliar a significância estatística dos resultados foram
utilizados os testes qui-quadrado ou exato de Fisher. Foram estudados 39
pacientes. Ocorreram sete recidivas (17,9%). Na analise univariada a não
utilização de HAART [RR=0,11 (IC95%:0,011-0,88); p = 0,05] mostrou-se
associada à recidiva. Os resultados sugerem que deva ser incentivado para
pacientes coinfectados com M. tuberculosis e HIV o uso de HAART para redução
da ocorrência de recidiva.
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INTRODUÇÃO
A persistência de bacilos da tuberculose recidiva mais elevadas em pacientes infec-
(TB) em pacientes considerados curados, tados com HIV, enquanto outros mostram
determinando a recidiva da doença, é uma valores semelhantes aos obtidos em estudos
questão importante nos dias de hoje.
1
anteriores.3
Segundo a Organização Mundial da Saúde Além disso, pessoas com HIV/Aids
(OMS), pessoas coinfectadas pelo Mycobac- expostas à intensa transmissão do M. tuber-
terium tuberculosis e vírus da imunodefi- culosis em locais com elevada prevalência de
ciência humana (HIV) estão em risco de TB são fortemente susceptíveis ao desenvol-
desenvolver tuberculose por reativação da vimento de tuberculose primária aguda ou
1,2
infecção latente. 2
reinfecção exógena. Em locais com baixa
Com o surgimento da epidemia pelo HIV, incidência de TB, a recidiva geralmente se
3,5
alguns estudos têm mostrado taxas de deve à reativação endógena.
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eram alcoolistas e tabagistas e 4 (57,1%) pacientes que tiveram seu diagnóstico confir-
apresentaram a classificação C3 (Tabela 1). Em mado tanto de TB como de HIV, o que difere dos
relação à forma clínica, a apresentação extra- achados em outros estudos que demonstram
pulmonar ocorreu em 3 (42,8%) e 4 (57,0%) associação entre infecção pelo HIV e taxas
3
utilizaram esquema IR. maiores de recidiva com desfecho desfavorá-
6
A contagem de CD4 <200 ocorreu em 4 vel como falência e óbito.
(57,1%) pacientes, 5 (71,4%) a dosaram a Não houve significância estatística quanto
carga viral, 3 (42,8%) utilizaram HAART às variáveis de alcoolismo, tabagismo, UDIV e
durante o tratamento da recidiva de TB (Tabela classificação da imunossupressão pelo HIV no
3) e 1 (14,3%) evolui para óbito após 11 meses presente estudo, à semelhança do descrito por
3,9
da cura do segundo episódio de tuberculose outros autores.
(Tabela 4). Em relação à apresentação clínica, nas
Tabela 4. Evolução dos casos de tuberculose/HIV novos e com recidivas de TB ocorreram mais formas
recidiva. São Paulo (SP), Emilio Ribas, 2002-2003.
extrapulmonares.6 Foi observada a associação
novos recidiva
Encerramento de baixos níveis de CD4 e apresentações
n % n %
Abandono 0 0,0% 0 0,0%
atípicas de TB como formas extrapulmonares e
Cura 39 100,0% 7 100, 0%
disseminadas.
Óbito 0 0,0% 1 14,3 % O esquema terapêutico utilizado nesse
Total 96 100,0% 7 100,0% estudo foi adequado em termos de compo-
Fonte: Banco de dados – TB Web, 2008 sição, tempo de uso, indicação e doses
prescritas. De acordo com o Ministério da
DISCUSSÃO Saúde, em pacientes com coinfecção
Segundo JASMER et AL. e MARUZA et
5 TB/HIV recomenda-se o uso de esquema I
AL. 7, em locais de alta incidência de tuber- que, segundo dados do inquérito epidemio-
culose a recidiva geralmente está associada lógico, tem eficácia de 85%.
à reativação endógena. Nesta série cerca de A deficiência imunológica e as conse-
60% dos casos de recidiva ocorreram nos quentes reinfecções ocorrem basicamente
primeiros 24 meses (chamada recidiva nos pacientes que não aderiram ou não
precoce), com probabilidade de tratar-se de responderam ao highly active antiretrovi-
3
reativação endógena, o que é semelhante ao ral therapy (HAART). Isso é corroborado
citado por outros autores, 3,5,8 porém não em nossos resultados, nos quais a recidiva
foram realizadas técnicas moleculares para ocorreu em cerca de 10% dos pacientes
individualizar a ocorrência nesse estudo, se que utilizaram HAART e em 50% dos
por reativação endógena ou por reinfecção pacientes que não receberam antivirais.
exógena. Essa pode ser uma hipótese que explique a
O estudo revelou que as recidivas foram maior ocorrência de recidivas em nosso
mais frequentes em pacientes do sexo masculi- estudo. Além disso, estudos indicam que
no.
3,5,9,10
Entretanto, foram trabalhos que não pacientes com coinfecção TB/HIV que não
estudaram especificamente pacientes HIV utilizaram HAART tiveram maiores taxas
positivos, sendo a coinfecção apenas uma das de mortalidade.
variáveis relatadas como fator de risco. Em O Ministério da Saúde recomenda iniciar
nosso estudo a casuística foi composta de a terapia antiretroviral aproximadamente
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30 dias após o início do tratamento para HAART deve ser incentivado para pacientes
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tuberculose. Entretanto, em um estudo no coinfectados com M.tuberculosis.
Rio de Janeiro (Capital) verificou-se que a A estreita e forte interação dessas duas
taxa de mortalidade em pacientes com a doenças demanda interação das ações de
coinfecção TB/HIV que faziam uso de HAART controle desenvolvidas pelos programas de TB
foi de 8%, enquanto que naqueles sem HAART e de HIV/Aids.
12
foi de 55%. Deste modo, considera-se oportuno que
15
NAKATAMI et AL. , após a introdução de sejam traçadas estratégias especiais de
HAART em uma coorte de pacientes coinfecta- acompanhamento desses indivíduos, que
dos TB/HIV, observaram um declínio em torno poderão se beneficiar com a implantação
de 50% da tuberculose e de outras doenças de um sistema de vigilância pós-
oportunistas em locais de alta prevalência de tratamento para que eventuais recidivas
M. tuberculosis. possam ser detectadas precoce mente.
Como limitações do estudo encontram-se Planeja-se ampliação da casuística para
obter melhor evidência científica.
o reduzido número de pacientes incluídos e
o desenho transversal e retrospectivo, pois
não foi possível dispor de informações para AGRADECIMENTOS
todas as variáveis, o que pode ter gerado um À Dra. Sandra Musa, do Setor de Vigilância
efeito semelhante ao da não resposta. Epidemiológica do Instituto de Infectologia
Acredita-se que, apesar dessas limitações, é Emílio Ribas, pelo fornecimento dos dados,
possível concluir neste estudo que o uso de observações técnicas e sugestões.
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Correspondência/Correspondence to
Nilton Cavalcante
Av. Dr. Arnaldo, nº 165
CEP: 01246-900 – São Paulo/SP – Brasil
Tel.: 55 11 3896-1422
E-mail: ncavalcante2009@hotmail.com
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