No capítulo "Clockwork oranges" de "1985", declara os seus
pressupostos ético-políticos:A chemical substance injected into [Alex's] blood induces nausea while he is watching the films, but the nausea is also associated with the music. It was not the intention of his State manipulators to introduce this bonus or malus: it is purely an accident that, from now on, he will automatically react to Mozart or Beethoven as he will to rape or murder. The State has succedeed in its primary aim: to deny Alex free moral choice, which, to the State, means choice of evil. But it has added an unforeseen punishment: the gates of heaven are closed to the boy, since music is a figure of celestial bliss. The State has commited a double sin: it has destroyed a human being, since humanity is defined by moral choice; it has also destroyed an angel.O Estado aqui descrito não é imoral, como o de Orwell, por opção metafísica da oligarquia que o dirige: é, mais realisticamente, um Estado amoral. Há, e houve, Estados imorais, mas nunca houve nenhum que se definisse exclusivamente pela imoralidade. Burgess tem razão neste ponto. Monstros desta natureza relevam mais de ficções como Harry Potter ou Lord of the Rings do que da realidade política que vivemos. O Mal absoluto, diz Burgess, é tão desinteressado como o Bem; e todas as tiranias estáveis estão ao serviço de interesses.Não é que não nos sintamos tentados, por vezes, a elaborar fantasias deliciosamente assustadoras sobre os "Senhores do Mal"; mesmo nós, portugueses, cá no nosso cantinho, detectamos um eco distante destas fantasias quando ouvimos um político, um economista ou um empresário deixar no ar a ideia de que tudo o que é impopular é necessariamente justo e acertado e tudo o que beneficia o cidadão comum é injusto e desastroso. Levada inteiramente a sério, esta ideia implicaria uma negação total e radical da democracia; mas somos, tal como Burgess, demasiado sensatos para levar muito a sério ou muito à letra tudo o que diz o poder, e é por isso que não confundimos José Sócrates ou Maria de Lurdes Rodrigues com Voldemort.Ao contrário de Thatcher e de Reagan, Burgess não via no Estado a única, nem necessariamente a principal, fonte de opressão. O Estado que Burgess denuncia não é o pesadelo de Orwell, que para Burgess não passa disso mesmo: dum pesadelo.