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Esse ensaio visa fazer relação entre as três obras: A Utopia, Do Arrependimento e Dos

Canibais. Demonstrando assim os pensamentos filosóficos da época de cada uma das


literaturas.

Em A Utopia, temos o encontro dos personagens Thomas More, com seu amigo Peter
Giles e um velho estrangeiro chamado Rafael Hitlodeu. Esse senhor Rafael então é que
introduz o tema dessa obra, com a descrição da terra ideal chamada Utopia.

Thomas More acredita que um homem como Rafael, detido de tantos conhecimento e
experiências deveria dedicar-se à vida pública para ajudar os outros. E é a partir dessa opinião
que Rafael discorda de Thomas, desconfiando da vida ministerial e explicando suas razões
para isso.
Podemos verificar essa retratação no trecho abaixo:
“Para começar a maioria dos reis preocupa-se mais com a ciência da
guerra- uma ciência que não possuo, nem desejo possuir- do que com atividades
úteis para os tempos de paz. A grande força que os move é a ganância de conquistar
novos reinos a todo e qualquer custo, e com isso se esquecem de bem governar
aqueles que já possuem. Além do mais, alguns conselheiros são sábios demais para
precisar de auxílio alheio, e outros presunçosos demais para solicitá-lo. (...) estão
sempre preparados para bajular os favoritos do rei, motivo pelo qual concordam com
todas as idiotices que venha a dizer.” (UTOPIA – LIVRO 1, P. 23).

Rafael Hitlodeu durante sua conversa com Peter, conta então sua visita a Inglaterra,
em que relata uma conversa com um Cardeal, em que um advogado presente na mesa
comenta com entusiasmo sobre as medidas tomadas contra os ladrões na época, que em
verdade, de nada funcionavam.

Rafael defende a idéia então de uma socialização do ladrão, nesse momento é possível
verificar que o texto se trata de um texto satírico, pois critica a linha européia e seus costumes
da época a favor de uma nova linha. Esse novo pensamento a respeito do tratamento ao
humano é retirado, segundo Rafael, de um povo que visitou quando viajava pela Pérsia, os
politéritos.
E daí começa então a idéia de Utopia, verifiquemos isso em:
“(...) no país dos poliléritos um ladrão condenado tem de devolver o
produto do roubo ao indivíduo roubado, e não ao rei, como acontece em tantos
países. Para eles, o rei não tem maior direito que o ladrão sobre os bens roubados. E,
se estes já houverem desaparecido, o ladrão restitui seu valor com os bens de sua
propriedade. Todo o restante é deixado para sua mulher e seus filhos, e o ladrão é
condenado a trabalhos forçados.” (UTOPIA – LIVRO 1, P. 39).

O trecho acima expõe apenas um pouco dos costumes desse povo, e só relata a questão
do ladrão, mas Hitlodeu observa muitas outras atitudes, que acredita serem positivas e sociais.

O personagem acredita que deve se criar condições de trabalho para todos, a fim de
reduzir o número de pessoas que vivem sem ter nada para fazer, além de limitar o direito dos
ricos de comprar tudo, pois esse fato estimula os criados de famílias nobres, artesãos,
camponeses, a quererem se vestir e alimentar da mesma forma que seus “superiores”.

É importante ressaltar que essa obra, introduz o conceito de direitos humanos, e muitas
das alternativas para os marginalizados descritas aqui, deram “idéias” para as leis da nossa
época.

Rafael também relata durante esse jantar (que mais parece um tribunal), que há uma
obsessão por parte dos reinos da Europa pala guerra e que nunca se busca um acordo pela paz.
A contrapor essa obsessão ele dá um exemplo dos açorianos. Verifiquemos esse exemplo no
trecho:
“Vendo que essa situação desesperadora jamais teria fim, (...), os açorianos
resolveram, finalmente, propor ao rei que escolhesse de sua livre vontade, com qual
dos reinos desejava ficar. Não podia ficar com os dois, explicaram-lhe, porque eram
um povo grande demais para ser governado por um rei pela metade. Nem mesmo
um condutor de bestas de carga seria controlado se não pudesse dedicar-se
integralmente a seu serviço. E, assim, esse monarca exemplar viu-se forçado a ceder
seu novo reino a um amigo(...)”(UTOPIA – LIVRO 1, P. 52).

Mais uma vez a imagem criada por Hitlodeu parece estar relacionada a um tribunal,
com as acusações e a defesa vitoriosa, feita pelos açorianos, forçando o rei a tomar a decisão
de que os açorianos esperavam.
Por fim o narrador faz contraposição entre a ganância dos reis e o projeto de aumento
dos tesouros a qualquer custo com o contra-exemplo dos mascarenses. É imaginada uma
situação em que o rei necessita aumentar seus tesouros e vários conselheiros dão opiniões
diversas, porém sempre a favor de uma política capitalista e exploradora dos trabalhadores.

Verifiquemos então, nos trechos a seguir:


“Todos concordam unanimemente com a famosa máxima de Crasso:
nenhum dinheiro é suficiente quando se precisa manter um exército. Também existe
consenso geral quanto ao fato de um rei nunca estar errado, por mais que se esforce
nesse sentido, já que tudo lhe pertence, inclusive as vidas de todos os súditos do
reino, e também porquê a propriedade privada não existe, a não ser que ele seja
suficientemente generoso para concedê-la a alguém. (...)” (UTOPIA – LIVRO 1, P.
56).

“Passo, em seguida, a falar-lhe sobre o sistema vigente no país dos


mascarenses, um país não muito longe de Utopia. No dia da coroação, o rei se
compromete solenemente a nunca ter mais de mil libras de ouro em sua fortuna
pessoal, ou o equivalente em prata. Dizem ele que esse sistema foi criado por um rei
excelente que lá existiu, e que marcou seu reinado por uma preocupação bem maior
com o bem-estar de seus súditos do que com o próprio” (UTOPIA – LIVRO 1, P.
59).

Sendo assim, é possível perceber nessa obra, um humanismo, uma preocupação do


personagem principal com o bem estar do humano em si, e uma crítica atenuante ao
imperialismo.

No livro Ensaios de Michel de Montaigne, capítulo II intitulado: Do arrependimento;


o tema é o próprio autor, ou seja, a obra dele nos convida a refletir filosoficamente sobre o
nosso próprio eu através da reflexão que ele coloca sobre si mesmo. Em sua obra
diferentemente de Utopia, Montaigne não tem como principal objetivo a educação do homem,
mas sim sua descrição.

Na frase: “(...) deparamos em qualquer homem com o Homem.” (DO


ARREPENDIMENTO, p. 153) verificamos que o narrador quer expor uma opinião filosófica
pessoal, sobre a humanidade de cada um. A defesa de Montaigne se faz sobre a questão que
todos os homens nascem com uma forma enraizada, difícil de ser mudada.
Segundo Michel, os homens seguem, em realidade, as suas próprias regras, a
humanidade se constitui por pessoas que possuem grandes diferenças, e o homem, na verdade,
não é somente dotado de bondade, mas também de muita crueldade, egoísmo, etc.

As leis sociais tentam encobrir aquilo que uma pessoa realmente é, na verdade o sonho
pedagógico de mudar o “ser” de um indivíduo é uma verdadeira utopia, pois o humano não
deixa de ser aquilo que realmente é, o que acontece são disfarces sobre a verdadeira
personalidade do homem.

Na frase “Os que tentam corrigir os costumes de nossa época, com as idéias em voga,
só corrigem a aparência viciada das coisas...” (DO ARREPENDIMENTO, p. 157), encontramos
então o tema central do texto que se baseia na idéia que o homem não se modifica de verdade,
e que o que muda são apenas as aparências.

Sendo assim, uma pessoa pode conviver socialmente, por muitos anos e nunca mostrar
a realidade do que pensa e do que sente, o ser humano é capaz de utilizar máscaras para
encobrir seus defeitos imutáveis, para poder ser aceito em sociedade. Até mesmo na
concepção de loucura encontramos uma imposição geral da sociedade, pois o louco só é
louco, porque existe um estereótipo do que é considerado normal.

Para refletir um pouco do que Montaigne diz, atentemos a esse trecho de seu livro:
“Só nós mesmos sabemos se somos covardes e cruéis, ou leais e religiosos;
não nos vêem os outros, tão-somente nos advinham de acordo com conjeturas
duvidosas. Não é a nossa natureza real que percebem, e sim a aparência que,
mediante artifícios, conseguimos exibir. (...) Todos podem fazer-se comediantes e
representar o papel de um personagem honesto. Mas dentro de nós, onde somos
senhores, onde tudo permanece secreto, é difícil não nos afastarmos da regra.” (DO
ARREPENDIMENTO, p. 155).

Faz-se então perceptível a natureza psicológica das reflexões de Montaigne a cerca do


humano, e a crítica que efetua sobre a pedagogia, sobretudo ao pensamento de que é possível
mudar a personalidade de alguém.
No mesmo livro Ensaios de Michel de Montaigne, desta vez no capítulo XXXI, com o
título: Dos Canibais, o assunto principal se revela sobre os índios, denominados pelos
europeus como bárbaros.

O autor nesse capítulo deixa bem claro sua opinião contrária à opinião européia, ele
não vê os índios como bárbaros, pois acredita que o ser humano tende a ver o outro dentro da
perspectiva de si próprio, e por isso, pelos costumes europeus serem tão diferentes das
práticas dos índios, é afirmado que a visão européia está errada.

Essa opinião contrária fica bem clara na frase:


“Podemos, portanto, qualificar esses povos como bárbaros, em dando
ouvidos à inteligência, mas nunca se os compararmos as nós mesmos, que os
excedemos em toda sorte de barbaridades.” (DOS CANIBAIS, P. 263).

A questão de olhar pela própria perspectiva está exposta no trecho: “Mas voltando ao
assunto, não vejo nada de bárbaro ou selvagem no que dizem daqueles povos; e, na verdade,
cada qual considera bárbaro o que não se pratica em sua terra.” (DOS CANIBAIS, P. 259).

O narrador também defende aquilo que é natural, na verdade; a pureza naturalista, no


texto tem um período que fala sobre essa natureza, e que se refere a uma teia de aranha, que o
homem nunca criaria um elemento tão importante da natureza como esse.

“Nem apelando para todas as nossas forças e os nossos talentos seríamos


capazes de reproduzir o ninho do pássaro mais insignificante, com sua contextura e
sua beleza, nem de o tornar adequado ao uso a que se destina; e não saberíamos,
tampouco, tecer a teia de uma mirrada aranha.” (DOS CANIBAIS, P. 259).

Além disso, é relatado que os índios não possuem uma cultura bárbara, e até possuem
alguns contos indígenas que se parecem com contos gregos.No próximo fragmento vamos
verificar a referência do autor aos contos indígenas.

“Lamento que Licurgo e Platão não tenham ouvido falar delas, pois sou de
opinião que o que vemos praticarem esses povos, não somente ultrapassa as
magníficas descrições que nos deu a poesia da idade de ouro, e tudo o que imaginou
como suscetível de realizar a felicidade perfeita sobre a terra, mas também as
concepções e aspirações da filosofia.” (DOS CANIBAIS, P. 259).
O autor também fala do sistema político dos índios que parece ser muito interessante
para o tipo de vida que eles levam, na perspectiva de vida do índio a sua sociedade esta bem
modelada e possui leis que são corretas para o tipo de vida que levam e a cultura que
possuem. Para confirmamos isso em “Dos canibais”, utilizamos um último trecho do texto.

“É um país, diria eu a Platão, onde não há comércio de qualquer natureza,


nem literatura, nem matemáticas, onde não se conhece sequer de nome um
magistrado; onde não existe hierarquia política, nem domesticidade, nem ricos e
pobres. Contratos, sucessão, partilhas aí são desconhecidos; em matéria de trabalho,
só sabem da ociosidade; o respeito aos parentes é o mesmo que dedicam a todos; o
vestuário, a agricultura, o trabalho dos metais aí se ignoram, não usam vinho nem
trigo; as próprias palavras que exprimem a mentira, a traição, a dissimulação, a
avareza, a inveja, a calúnia, o perdão só excepcionalmente se ouvem. Quanto à
República que imaginava lhe pareceria longe de tamanha perfeição! “São homens
que saem das mãos dos deuses” “Como essas, foram as primeiras leis da natureza””
(DOS CANIBAIS, P. 260).

Montaigne acredita que os europeus é que são bárbaros, pois através do processo de
aculturação, ou seja, determinação da sua cultura transforma o que era natural. Nesse Novo
Mundo não existia hierarquia política, propriedade privada, lei, muito menos religião.
Entretanto, os ameríndios não merecem serem chamados de selvagens e nem classificar
alguns de seus atos como cruéis.

Bibliografia:

MORE, THOMAS. Utopia. Trad. Jefferson Luiz Camargo e Marcelo Brandão


Cipollas. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
MONTAIGNE, Michel Eyquem. Ensaios. Trad. Sergio Milliet. Brasileira: EdUnB,
Hucitec, 1987.

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