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Programa de Residência Médica em Medicina de Família e Comunidade

Secretaria Municipal de Saúde de Joinville


CARVALHO, C.A.C

SILVA, D.N.R

ATUALIZAÇÕES EM RELAÇÃO À LEGISLAÇÃO E USO DOS


AGROTÓXICOS NO BRASIL E SEU IMPACTO NA SAÚDE DO
TRABALHADOR

O termo agrotóxico surge no Brasil a partir da Lei Federal nº 7.802, de


1989, regulamentada pelo Decreto nº 4.074, de 2002, que traz a seguinte
conceituação de agrotóxicos: “Compostos de substâncias químicas destinadas
ao controle, destruição ou prevenção, direta ou indiretamente, de agentes
patogênicos para plantas e animais úteis e às pessoas” (LOPES e
ALBUQUERQUE, 2018). Commented [1]: Art. 1, IV - agrotóxicos e afins -
produtos e agentes de processos físicos, químicos ou
Para que sejam utilizados, esses produtos devem estar de acordo com as biológicos, destinados ao uso nos setores de
produção, no armazenamento e beneficiamento de
diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de
(ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária), do meio ambiente (IBAMA florestas, nativas ou plantadas, e de outros
ecossistemas e de ambientes urbanos, hídricos e
- Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da
da agricultura (Ministério da Agricultura). Devem obedecer alguns critérios para flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação
a aprovação do uso. São proibidos, por exemplo, substâncias que, ao passarem danosa de seres vivos considerados nocivos, bem
como as substâncias e produtos empregados como
por estudos experimentais com animais, tenham apresentado características desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores
carcinogênicas, teratogênicas ou causadoras de distúrbios hormonais; cujos de crescimento.
(é o texto original do decreto.)
resíduos remanescentes causem danos ao meio ambiente ou à saúde pública
ou, no caso de intoxicações, não haja antídoto ou tratamento eficaz, existente no
Brasil. A avaliação técnico-científica para a liberação, de acordo com a lei, deve
ser feita no prazo de 120 dias (BRASIL, Lei 7.802, 1989).
Com o passar dos anos, algumas alterações vêm sendo propostas para a
lei vigente. Está tramitando, desde 2002, o Projeto de Lei nº 6.299, que tem como
principais propostas de mudanças:
● Quem autoriza a liberação
o A proposta centraliza o processo de registro de novos
agrotóxicos no Ministério da Agricultura. A ANVISA e o
IBAMA ainda são encarregados pelas análises em saúde e
meio ambiente, mas a decisão final cabe à pasta da
Agricultura.
● Critérios de avaliação
o A proposta substitui a análise do perigo da substância por
uma avaliação de risco, que considera não apenas a sua
toxicidade como também outras variáveis, como a dosagem,
o tempo e o tipo de exposição ao agrotóxico, as condições
climáticas e o uso de equipamento de proteção individual. O
texto proíbe apenas produtos que apresentem "risco
inaceitável" para seres humanos ou o meio ambiente,
segundo essa análise.
● Prazo para a liberação de novos agrotóxicos
o O texto estipula que a liberação de novos agrotóxicos deve
ser definida dentro de um prazo que varia entre 30 dias e
dois anos, de acordo com o tipo de produto. Caso os
cronogramas não sejam cumpridos, os fabricantes podem
solicitar uma autorização temporária para comercializar
seus produtos até que a análise seja concluída. Para isso, é
preciso que esses agrotóxicos já tenham sido liberados em
pelo menos outros três países da OCDE (Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
o Definição de agrotóxicos
o Propõe substituir o termo "agrotóxico" por "pesticida".

A mais recente alteração aconteceu em 31 de julho de 2019, foi publicado


no Diário Oficial da União, uma nova classificação desses produtos através do
Marco Regulatório para Agrotóxicos. Segundo matéria no site G1: “A Anvisa diz
que o novo critério segue um padrão internacional e é mais restritivo. Mas admite
que, pelo novo método, produtos que atualmente são considerados muito tóxicos
poderão ter uma classificação mais branda”.
Como era antes:
● Pela lei que rege os agrotóxicos, da década de 1989, existiam 4
classificações: (1) “extremamente tóxicos” (tarja vermelha): produtos que
não necessariamente levariam à morte, mas causariam lesões ou irritação
severa se ingeridos ou entrassem em contato com a pele ou olhos. Ou
seja, risco de morte ou de graves lesões ou intoxicação eram tratados da
mesma maneira. Commented [2]: Portaria PORTARIA NORMATIVA N9
Como fica: 84, DE 15 DE OUTUBRO DE 1996
Art. 3° - A classificação quanto ao potencial de
periculosidade ambiental baseia-se nos parâmetros
● Agora, serão 6 classificações; bioacumulação, persistência, transporte, toxicidade a
● Mas só vai receber o título de "extremamente tóxico" (tarja vermelha) ou diversos organismos, potencial mutagênico,
teratogênico, carcinogênico, obedecendo a seguinte
"altamente tóxico" (vermelha) o produto que levar à morte se ingerido ou graduação: • Classe 1 - Produto Altamente Perigoso •
entrar em contato com pele e olhos. Os que podem causar intoxicação, Classe II - Produto Muito Perigoso • Classe III -
sem risco de morte, levarão a classificação "moderadamente tóxico" Produto Perigoso • Classe IV - Produto Pouco
Perigoso
(amarela), "pouco tóxico" (azul) ou "improvável de causar dano agudo"
(verde).
Pelo padrão internacional GHS (Sistema Globalmente Harmonizado de
Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos), produtos que causem sérios
danos oculares, irritações, na pele, alergias, asmas e dificuldades respiratórias,
câncer, problemas genéticos, infertilidade, entre outros, devem ser incluídos na
categoria 1 de perigo (extremamente tóxico). Portanto, a nova classificação
brasileira flexibiliza a classificação de potencial toxicidade dos produtos e não
leva em conta os impactos no médio e longo prazo.
O novo marco também altera os rótulos das embalagens, que trarão
frases como "mata se for ingerido", "tóxico se em contato com a pele". As
caveiras que aparecem hoje nas embalagens só serão usadas para os produtos
extremamente tóxicos, altamente tóxicos ou moderadamente tóxicos. No
entanto, vale salientar que é grande o baixo índice de escolaridade dos
trabalhadores rurais brasileiros. Um estudo com trabalhadores rurais do Rio de
Janeiro observou que a maioria (64%) não lia os rótulos dos agrotóxicos que
utilizavam, além de não utilizarem maneiras adequadas de proteção
(DOMINGUES, et al, 2004). Commented [3]: Tem a referência?

O ritmo de liberação de agrotóxicos atualmente é o maior já documentado


pelo Ministério da Agricultura, que divulga números desde 2005. A quantidade
de pesticidas registrados vem aumentando significativamente nos últimos 4
anos. Mas, em 2019, o salto é ainda mais significativo – até 14 maio, foram
aprovados 169 produtos, número que supera o total de 2015, marco da recente
disparada.
O governo afirma que os novos agrotóxicos que entraram no mercado são
produtos genéricos de princípios ativos que já foram aprovados anteriormente.
"Claro que não é tão igual assim, porque pode haver algumas misturas (...) Muda
a fórmula final, não muda o ingrediente ativo." Diz Porto, da ANVISA em matéria
do site de notícias G1. Porém, sabe-se que a maioria dos estudos não considera
a interação que os diversos compostos químicos podem estabelecer entre si e
sistemas biológicos orgânicos, podendo até mesmo modificar o comportamento
tóxico de um determinado produto, acarretando efeitos diversos sobre a saúde
(SILVA, J.M. et al, 2005). Commented [4]: Tem a referência?

Se o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, a região Sul


é responsável por, aproximadamente, 30% desse consumo (LOPES e
ALBUQUERQUE, 2018)
Consequentemente é onde estão concentrados os maiores números de
intoxicações:

Estes produtos são amplamente utilizados nas monoculturas, sendo as


que mais utilizam as de soja, cana-de-açúcar, milho, café, cítricos, arroz irrigado
e algodão. Mas, não só o setor agropecuário tem exposição ocupacional à estes
produtos, também, as firmas desinsetizadoras, transporte, comercialização e
produção de agrotóxicos, e saúde pública. A exposição ambiental, contaminação
alimentar também coloca em risco outros grupos populacionais. Também é
importante destacar as populações circunvizinhas a unidades produtivas e as
famílias dos agricultores (SILVA, J.M. et al, 2005). O contato com misturas
complexas de produtos químicos, ingredientes ativos e subprodutos utilizados
nas formulações como impurezas, solventes, e outros compostos, que podem
ser tão ou mais tóxicos que o próprio ingrediente ativo (DOMINGUES, et al,
2004)
Dados fidedignos sobre eventos de intoxicação pelo uso de agrotóxicos
são subnotificados e subdiagnosticados. Seja pela dificuldade de acesso dos
agricultores às unidades de saúde, despreparo dos profissionais de saúde em
identificar e correlacionar problemas de saúde com o trabalho em geral,
inexistência de biomarcadores precoces ou confiáveis (SILVA, J.M. et al, 2005).
Segundo a Organização Mundial da Saúde, para cada caso notificado de
intoxicação, haveria outros cinquenta não notificados.
Dados do SINAN de 2007 a 2014, mostram registro das principais causas
de intoxicação as por uso habitual, as acidentais e as por tentativa de suicídio.
Os homens são a população mais atingida, e a faixa etária de 20-39 anos.

A classificação da intoxicação pode ser aguda ou crônica. Sendo a


primeira a exposição em grandes doses por um curto período, geralmente
causando náuseas, vômitos, cefaleia, tontura, desorientação,
hiperexcitabilidade, parestesias, fasciculações musculares, dificuldade
respiratória, hemorragia, convulsões, coma e morte. A relação causa-efeito é
mais facilmente atribuída. Os chamados efeitos crônicos correspondem à
exposição por um longo período a baixas concentrações do produto e são de
difícil reconhecimento. Quando há exposição a múltiplos contaminantes, podem
causar alterações imunológicas, genéticas, câncer, efeitos deletérios sobre os
sistema nervoso, hematopoiético, respiratório, cardiovascular, gastrointestinal,
geniturinário, hepático, reprodutivo, endócrino pele e olhos, comportamentais,
etc. (SILVA, J.M. et al, 2005) Commented [5]: Tem a referência?

No folder “O que você precisa saber sobre defensivos


agrícolas” destinado à população geral, desenvolvido pelo SINDIVEG (Sindicato
Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal), com apoio da Secretaria
de Agricultura do Estado de São Paulo e de algumas universidades, frisa em seu
texto:
“No caso específico de câncer, que muitas vezes é
citado por entidades da sociedade civil organizadas
politicamente como causa do uso de defensivos
agrícolas, nenhum produto é autorizado para uso
sem a comprovação de que não são cancerígenos,
teratogênicos e mutagênicos, conforme os critérios
exigidos pelos órgãos governamentais (...) [e que]
seriam apenas alguns dos argumentos para
minimizar as estatísticas tendenciosas que circulam
em torno da atribuição das causas de câncer aos
defensivos agrícolas”.
E que, no caso de intoxicações, abranda o risco com o seguinte texto:
“Nos últimos 10 anos, desde que a notificação no
sistema nacional se tornou obrigatória, as
notificações de intoxicações por defensivos agrícolas
têm representado menos de 10% do volume total de
notificações, sendo que nos últimos 4 anos este
índice esteve abaixo de 5%. Ao analisar somente os
dados de notificações de intoxicações por defensivos
agrícolas, verificamos que, nos últimos 10 anos, são
em média 3600 notificações de intoxicações anuais
envolvendo diversas circunstâncias, das quais, 80%
dos casos tem evolução de cura sem sequelas,
mesmo considerando que, em média, 39% das
notificações estão relacionadas à circunstância de
tentativa de suicídio.”
Entretanto, em um artigo publicado pela Saúde em Debate em 2018,
encontrou-se associação entre o uso de agrotóxicos e o aumento de incidência
de neoplasias nas populações agrícolas com uso intensivo de agrotóxicos,
sendo as mais comuns: neoplasia no cérebro, linfoma não-Hodgkin, melanoma
cutâneo, câncer no sistema digestivo, sistemas genitais masculino e feminino,
sistema urinário, sistema respiratório, câncer de mama e câncer de esôfago,
assim como mortes fetais, alterações nos tecidos hematopoiéticos, tireoidianos,
reprodutivos (masculino e feminino) e danos no aparelho auditivo. (LOPES e
ALBUQUERQUE, 2018). Além desses, o artigo também revela associação do
uso de agrotóxicos com doenças respiratórias, neurológicas e mentais, além de
frisar a associação de uso dos agrotóxicos com altas taxas de intoxicação devido
acidentes de trabalho e de tentativa de suicídio (LOPES e ALBUQUERQUE,
2018).
Carecemos com urgência incluir o registro dos casos de intoxicação por
agrotóxicos nos Sistemas Nacionais de Informação de Saúde, de forma a
monitorar constantemente o impacto da utilização destes produtos para a saúde
e termos dados para contrapor à respeito dos impactos desta exposição.
Fomentar a pesquisa sobre os impactos da exposição à médio e longo prazo a
estes produtos, visto que a maioria das pesquisas se restringe aos efeitos
agudos. Definir e implementar estratégias de educação e informação para a
população sobre a questão, em especial às pessoas com exposição
ocupacional, pois, estudos revelam que muitos agricultores não possuem a
percepção desse risco e que ainda existe uma escassez de práticas chamadas
de segurança e saúde no trabalho, muitas vezes, os trabalhadores armazenam
tais venenos em casa, queimando ou enterrando embalagens vazias de
agrotóxico. Organizar a atenção à saúde do trabalhador rural, em particular na
Atenção Básica, ampliando o acesso à saúde, diagnóstico e notificação de
casos. Formar e capacitar profissionais de saúde para intervir nos problemas de
saúde e meio ambiente relacionados ao uso de agrotóxicos.
Referências Bibliográficas

BOMBARDI, Larissa Mies. Geografia do uso de agrotóxicos no Brasil e conexões


com a União Europeia. São Paulo: FFLCH - USP, 2017, p. 296

BRASIL. Lei nº 7.802, de 11 de Julho de 1989. Diário Oficial da União - Seção 1


- 12/7/1989, Página 11459 (Publicação Original).

DOMINGUES, Mara Regina, et al. Agrotóxicos: risco à saúde do trabalhador


rural. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde, Londrina, v.24, p. 45-54, jan/dez
2004.

LOPES, Carla Vanessa Alves; ALBUQUERQUE, Guilherme Souza Cavalcanti


de. Agrotóxicos e seus impactos na saúde humana e ambiental: uma revisão
sistemática. Saúde debate, Rio de Janeiro , v. 42, n. 117, p. 518-534, June
2018 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
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MELO, Luísa. Ritmo de liberação de agrotóxicos em 2019 é o maior já registrado.


G1, maio/2019. Disponível em:
https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2019/05/26/ritmo-de-
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02/11/2019

SILVA, Jandira Maciel da; NOVATO-SILVA, Eliane; FARIA, Horácio Pereira and
PINHEIRO, Tarcísio Márcio Magalhães. Agrotóxico e trabalho: uma combinação
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vol.10, n.4, pp.891-903. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/csc/v10n4/a13v10n4.pdf. Acesso em 31/10/2019

SINDIVEG. O que você precisa saber sobre defensivos agrícolas. [internet]


Disponível em: <https://sindiveg.org.br/wp-
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Acesso em 03/11/2019. Sem data de publicação.
TOOGE, Rikardy; MANZANO, Fabio. Entenda o que muda na classificação dos
agrotóxicos pela Anvisa. G1, junho/2019. Disponível em:
https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2019/07/24/entenda-o-
que-muda-na-classificacao-dos-agrotoxicos-pela-anvisa.ghtml. Acesso em
01/11/2019

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