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ENTREVISTA | PARAG KHANNA

‘‘O mundo
é asiático’’
Para o escritor indo-americano Parag Khanna,
autor de vários best-sellers sobre geopolítica
e relações internacionais, a era sob a liderança
do continente mais populoso do mundo
já começou — e não ficará restrita à China
Gabriela Carelli

K.Y.Cheng/South China Morning Post/Getty Images


Parag Khanna:
“Mesmo que

A
o Ocidente recupere
seu vigor, não
abalará o
ressurgimento
da Ásia”

os 42 anos, o escritor nhou destaque mundial como asses- Century, recém-lançado, ele explica mundial vive na Ásia e o continente, ho- rá perene. Por mais que o Ocidente re-
e consultor indiano- sor de assuntos externos do ex-presi- como a Ásia, e não somente a China, je, produz, exporta e consome mais bens cupere o vigor econômico e político, o
-americano Parag dente americano Barack Obama em vai impactar a economia, a política e do que qualquer outra região. Os países que seria ótimo, não abalará o ressurgi-
Khanna é o tipo de 2009. Fundador e sócio da consultoria a cultura nas próximas décadas. De asiáticos negociam mais entre si do que mento asiático. A ascensão da Ásia é
acadêmico que sabe FutureMap, especializada em aconse- Singapura, onde vive com a mulher e com a Europa ou com a América do Nor- estrutural, e não cíclica.
falar sobre assuntos lhamento estratégico, com sede em as duas filhas, Khanna concedeu a se- te. Várias das maiores economias do
complexos para grandes audiências Singapura, Khanna é autor de seis guinte entrevista a EXAME CEO. planeta estão na Ásia, bem como a maio- Para deixar claro: o futuro será
sem desqualificar o debate. Um dos best-sellers, todos relacionados à cena ria das reservas de divisas e dos maiores da Ásia ou da China?
maiores especialistas em relações in- internacional, entre os quais Connec- bancos e empresas do mundo. Meu livro O pensamento ocidental em relação ao
ternacionais e geopolítica da atualida- tivity: Mapping the Future of Global EXAME CEO Quando a Era Asiática, poderia se chamar O presente é asiático. crescimento asiático é erroneamente
de, formado pela Universidade de Civilization and Technocracy in de fato, vai começar? A proeminência atual da Ásia é incon- centrado no chinês. Mas a ascensão da
Geor­getown, nos Estados Unidos, e ­America: Rise of the Info-State. Em seu PARAG KHANNA Do ponto de vista demo- teste em vários aspectos e se tornará Ásia vai muito além da China. O que es-
com Ph.D. pela London School of Eco- último livro, The Future is Asia: Com- gráfico e econômico, a era da Ásia já ainda mais veemente nos próximos tá acontecendo é o renascimento de um
nomics, no Reino Unido, Khanna ga- merce, Conflict and Culture in the 21st começou. Mais da metade da população anos. O futuro asiático é inevitável e se- amplo sistema que se estende do Golfo

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ENTREVISTA | PARAG KHANNA

“O colonialismo e a guerra Parque em Kuala


Lampur, capital
da Malásia:

fria fragmentaram a Ásia,


enquanto a China
pisa no freio,
vários outros
países asiáticos

mas nos últimos 30 anos começam


a ganhar
velocidade

ela vem recuperando suas


características estruturais”
Pérsico e do Mar Mediterrâneo ao Japão, turas e religiões fluíram pela Ásia, tor-
e da Rússia até a Austrália. Por cerca de nando-as mais relacionáveis entre si do
500 anos, o colonialismo e a guerra fria que se percebe quando se está de fora.
fragmentaram a Ásia, mas nos últimos Se fosse para determinar quando a no-
30 anos o continente vem recuperando va era asiática ganhou forma e peso, eu
suas características estruturais. O sis- arriscaria que foi em 2017, quando de-
tema asiático que está tomando forma zenas de países se reuniram pela pri-
é uma ordem multicivilizacional que liga meira vez em torno da iniciativa Um
5 bilhões de pessoas por meio de redes Cinturão, Uma Rota [Belt and Road Ini-
comerciais, financeiras e de infraestru- tiative, em inglês]. Não se trata da maior
tura que representam quase metade do obra de infraestrutura de todos os tem-
PIB global. Sem dúvida, a China é uma pos, mas do mais importante projeto
das peças mais importantes desse jogo, diplomático deste século, algo que su-

Alamy/Fotoarena
mas os outros países são fundamentais pera até mesmo o Plano Marshall.
nesse processo. Se dependesse apenas
da China, o Século da Ásia terminaria na opinião de muitos analistas,
antes mesmo de começar. a iniciativa um cinturão, uma rota
serve para cristalizar a hegemonia
Qual É o principal fator por trás chinesa na Ásia e no mundo, Japão e Austrália estão alerta em rela- sétima maior economia do planeta em contrário do que muitos pensam, não vai Taiwan. Nesse caso, a máxima “ninguém
do renascimento do sistema asiático? não para fomentar a diplomacia. ção a qualquer intromissão da China em 2020, pelo critério de paridade de poder antecipar nem deflagrar uma possível ou nada é insubstituível” vale para tudo:
De todos os fatores, um dos mais impor- Estar à frente desse projeto não prova seus interesses. A ideia de que a China aquisitivo. Pelo mesmo critério, o Vietnã recessão global. A China, hoje, não ne- gás natural, bens de consumo, tecnolo-
tantes é o que chamo de “asianização” que a China quer governar a Ásia, mas carregará a Ásia soa tão ultrajante para ultrapassou 17 países, entre os quais a gocia apenas com os Estados Unidos gia, produtos agrícolas, e assim por
da Ásia. A ascensão do continente hoje que o futuro da China, assim como seu os asiáticos quanto a afirmação de que Bélgica e a Suíça, no ranking econômico, mas também com o Japão, com a Coreia diante. Isso leva a mais regionalismo e
é resultado de um espírito de colabora- passado, está enraizado e depende do os Estados Unidos carregam a Europa de 2000 para cá. Bangladesh superou do Sul, com a Europa, com o Sudeste a mais substituição. A China, bem como
ção entre os países para o crescimento continente. Os ocidentais enxergam a para os europeus. 13 nações. Outros países da região tam- Asiático. O que vamos ver a partir de a Coreia do Sul e o Japão, está transfe-
de cada um e de todos em vez de várias iniciativa Um Cinturão, Uma Rota como bém estão crescendo. A China é muito agora é o que chamo de substituição. Se rindo algumas manufaturas para outros
histórias isoladas. Os ocidentais costu- um projeto hegemônico chinês, mas na A desaceleração chinesa compromete importante, uma âncora para a ascensão há uma expressão para resumir a estra- lugares da Ásia, principalmente para o
mam enxergar a Ásia de seu próprio verdade ele está dividindo infraestrutu- o futuro asiático? da Ásia, mas não vai dominá-la. tégia chinesa, essa expressão tem duas Sudeste Asiático, como forma de aces-
prisma, e não do ponto de vista oriental, ra e criando oportunidades para outras A história asiática não vai esfriar por palavras: substituição permanente. Não sar melhor esses mercados e manter
o que embaralha a visão. O continente nações asiáticas. Os países do continen- causa da desaceleração da China. Sem Qual é sua avaliação sobre vamos mais comprar semicondutores seus vizinhos na posição de seus prin-
asiático não pode ser visto como um te, ao aderir a essa iniciativa, reconhe- dúvida, a China é o país mais poderoso a guerra comercial entre americanos porque não sabemos se a cipais parceiros comerciais. Essa situa-
conjunto de civilizações espalhadas em ceram tacitamente a China como uma do continente. Mas, enquanto a China os Estados Unidos e a China? pessoa na Casa Branca vai cortar ou não ção também está promovendo uma
um lugar enorme sem nexo algum. Ao potência asiática e global, mas não como pisa no freio, outros ganham velocidade. Do meu ponto de vista, esse conflito es- nossos suprimentos. Então, passamos a aproximação cada vez maior entre os
longo da história, diferentes línguas, cul- um poder hegemônico. Índia, Rússia, A Indonésia está prestes a se tornar a tá ajudando na integração da Ásia e, ao comprar do Japão, da Coreia do Sul, de países asiáticos e europeus.

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“Enquanto a democracia
parece estar enfraquecendo
no Ocidente, com o avanço
do populismo, na Ásia a
democracia se fortalece”
A China, então, tem mais chance dantes aprendem chinês, empreende- da população da região. Atualmente, o
de vencer essa disputa? dores abrem negócios em grandes ci- número de pessoas que vivem em de-
Todo mundo quer saber quem será o dades da Ásia e imigrantes asiáticos mocracias na Ásia é maior do que o das
número 1, mas a verdade é que não estão retornando a seu país de origem, que não vivem. Muitos países asiáticos,
existe mais essa posição. As tensões apenas para citar alguns exemplos. A inclusive, herdaram os sistemas parla-
comerciais entre os dois países não maior parte do que somos hoje como mentares ocidentais, mas acrescenta-
podem ser definidas como uma espécie pessoas e como nações foi influenciada ram mecanismos mais tecnocráticos a
de guerra fria entre as duas maiores pelas dominações europeia e america- esses modelos em busca de um bem-
potências econômicas do mundo. Pela na. Nosso modo de governar, de gerir, -estar social maior. Enquanto a demo-
primeira vez na história, vivemos em nossas crenças, valores e até mesmo cracia parece estar enfraquecendo no
um mundo realmente multipolar. O preferências têm origem nesses dois Ocidente, com o crescimento do popu-
crescimento chinês não torna a China legados. A ascensão da Ásia certamen- lismo, na Ásia a democracia se fortalece,
uma substituta imediata dos Estados te levará a uma “asianização” do mun- com a diferença de que no caso asiático
Unidos, mas parte relevante de um sis- do, mas isso não significa tornar o mun- a legitimidade se dá por meio do desem-
tema multipolar global em que diversas do menos americano nem menos euro- penho, e não só das eleições.
supereconomias, como Japão, Alema- peu. Nenhuma era ou civilização subs-
nha e Índia, coexistem. Essa nova dinâ- titui ou se sobrepõe à outra — ela ab- A Índia, em algumas décadas,
mica, muito mais abrangente, reflete sorve aspectos de suas antecessoras e deverá ser a segunda economia
uma mudança no centro de gravidade acrescenta novos elementos. do mundo, atrás da China. Como
do comércio global, que agora passa a o senhor, que é indiano, percebe
ter como foco maior a Eurásia. Se a O predomínio da Ásia pode a evolução de seu país natal?
China perde, outro ganha: a Asean [As- levar a um enfraquecimento A Índia está finalmente no caminho pa-
sociação de Nações do Sudeste Asiáti- da democracia? ra atingir seu potencial. A população
co]. Se os Estados Unidos perdem, Fora da Ásia, o pensamento dominante indiana em breve vai superar a chinesa,
outro ganha: a Europa. é que a Ásia inteira é autoritária e que a economia do país está crescendo rápi-
os asiáticos não querem democracia. do, os investimentos em infraestrutura
A ascensão dos Estados Unidos Isso é ridículo. Recentemente, mais de estão aumentando dramaticamente, a
à posição de líder americanizou 2 bilhões de pessoas foram às urnas na digitalização e a urbanização continuam
o mundo. A chegada da Era Asiática Ásia para escolher seus governantes, a avançar e o governo deu início a uma
também vai impactar a cultura, mas a imagem que predomina do con- série de reformas necessárias. Tal como
os hábitos e os costumes? tinente é a do autoritarismo. A Ásia não no Brasil, o maior problema da Índia ho-
Sem dúvida. O mundo ganha uma tona- é, definitivamente, um inimigo autoritá- je é a corrupção, que é enorme. A Índia
lidade mais asiática a cada dia. Mais do rio que ameaça a democracia ocidental. está no rumo certo, mas resolver essa
que em qualquer outro momento, estu- A China responde por apenas um terço questão é vital para o país.

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