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CURSO DE DIREITO
GRADUAÇÃO EM DIREITO
MACEIÓ
2019
VITOR WILLYAN DE ANDRADE DANIEL
MACEIÓ
2019
VITOR WILLYAN DE ANDRADE DANIEL
A INEXISTÊNCIA DE MEIOS EFICIENTES EM LEIS ESTADUAIS PARA
INCENTIVAR A EFETIVIDADE DE PROGRAMAS DE INTEGRIDADE BRASILEIROS:
COMO AS VANTAGENS E EXIGÊNCIAS DA LEGISLAÇÃO FAVORECEM A
EXISTÊNCIA DE “COMPLIANCE FANTASMA”.
BANCA EXAMINADORA
_______________________/___/___
Prof.ª Fabiana de Moura Cabral Malta
Centro Universitário Tiradentes - UNIT
_______________________/___/___
Prof.ª Clarice Pereira Bezerra de Abreu
Centro Universitário Tiradentes -UNIT
_______________________/___/___
Prof. Othoniel Pinheiro
Centro Universitário Tiradentes -UNIT
Aos meus pais, noiva e professoras
que, com carinho, me apoiaram
nesta trajetória.
RESUMO
Compliance was introduced into the Brazilian legal system many years ago, but recently it has
been taking on major proportions in state legislations. This paper intends to make a brief
analysis of these legislations to compare them with the international advances of the subject,
and with this perspective to buy how we have approached and implemented the compliance
strategy in Brazil. This paper raises important questions about the methods and situations that
Brazilian Law uses to encourage/require private companies to create and operate Integrity
Programs (as it is called in Brazil), raising questions about their efficiency and method.
Comparative international advances trace a timeline of developments in global compliance
advances and how some countries in the globe use this proposal. We also studied the history of
its introduction in the country and how it was accepted. With these elements analyzed we can
see possible serious failures that could compromise the use of this approach in the country.
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 53
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 55
INTRODUÇÃO
A grande questão diante de tantas aparentes boas notícias é: este conceito internacional
foi recebido da maneira correta? Metodologicamente, as expectativas midiáticas estão corretas
sobre os benefícios do instrumento? Realmente compreendemos o histórico do
desenvolvimento do compliance para entendê-lo corretamente? Há incoerências em sua
introdução nas legislações estaduais? Se sim, quais?
Vale ressaltar que, o compliance, diferente do senso comum, não pertence a uma área
do conhecimento jurídico. Ele pode ser aplicado a qualquer situação em que se espera
conformidade com a Lei. Assim, podemos ter “Compliance Trabalhista”, “Compliance
8
Criminal”, “Compliance Tributário” etc. Com essa observação à nossa frente, gostaríamos de
transcrever Rosenvald (2017), citado por Cunha e Souza (2017, p. 21):
Pela natureza do instituto aqui abordado acabaremos por tocar em várias cearas do
Direito. Em momentos Direito Penal, em outros Direito Administrativo, Civil, Constitucional
e até Direito Internacional. Passearemos direta ou indiretamente por estes ramos sem perder a
linha bem definida da nossa pesquisa.
Por último, para didática deste trabalho, decidimos adotar como sinônimos de
compliance, as seguintes expressões: “Programa de Integridade”, “Programa” e “Diretrizes de
Compliance”.
9
CAPÍTULO I
O COMPLIANCE, UMA EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A palavra vem do verbo inglês “to comply”, que significa “estar de acordo”. A melhor
definição no cenário atual de Compliance, a nosso ver, é: “agir de acordo com a lei, uma
instrução interna, um comando ou conduta ética, ou seja, estar em compliance é estar em
conformidade com as regras internas da empresa, de acordo com procedimentos éticos [...]”
(CARVALHO, 2018, p 34).
10
Apesar de ser uma das definições mais exatas do assunto, uma acentuação notável
precisa ser feita: “Se formos um pouco mais para o lado humano da discussão – como já citei:
compliance é muito mais sobre pessoas/comportamento do que sobre leis [...]” (SERPA, 2018,
p. 40), a final de contas, o Programa de Integridade não é apenas uma ferramenta de
monitoramento, é, principalmente, uma mudança na cultura organizacional voltada para ética.
Uma das maiores evidências que o interesse populacional em pesquisas, nos serviços do
Google, ultrapassou a busca online, é o crescimento ascendente de Leis Estaduais que preveem
a exigência de que a empresa possua um Programa de Integridade. Seja para participar de
Licitações Públicas, ou como benefício na avaliação de uma sanção administrativa. O ponto é
que o Programa já é uma ampla realidade no Brasil.
Estados como o Rio de Janeiro, Distrito Federal, Mato Grosso, Espírito Santo e
Amazonas já preveem tais exigências nas contratações. E outros Estados como Pernambuco,
Rio Grande do Sul e Goiás já possuem legislações que atenuam multa para empresas que
possuem o compliance. Vejamos.
O compliance não nasce como um instituto jurídico bem definido, foi construído com
as décadas e geralmente em resposta à grandes escândalos internacionais. Na década de 30, os
Estados Unidos aprovaram a Securities Exchange Act¸ uma lei que regulava a bolsa de valores
americana e criava a US Securities and Exchange Commission (SEC), semelhante à nossa
Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no Brasil.
Naquela época não era ilegal o suborno de funcionários estrangeiros, inclusive era
permitido as empresas declarassem no imposto de renda (LIMA, 2018). Contudo, pela
Exchange Act era ilegal deixar de declarar a propina em seus relatórios para acionistas, uma
vez que, vantagens advindas de subornos eram instáveis e dependiam de operações inteiramente
11
discricionárias. O lucro era ariscado. Por razões como esta, a lei definia várias regulações do
mercado financeiro.
Anos depois, em 1974, países da América-Central e Sul se reuniram para fazer oposição
ao oligopólio de três empresas americanas que exportavam, para os Estados Unidos, bananas
da Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá (LAFEVBER,
1993). Inspirados na OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) os presidentes
organizaram a Union of Banana Exporting Countries.
Honduras aprovou uma lei aumentando os impostos de exportação de 25¢ por caixa de
40 libras, para 50¢ (ACADEMIC, 2010). Uma das três empresas americanas instaladas no país,
sofreria grandes perdas nos lucros com o ato, e em uma investida contra a lei o presidente da
United Brands Company, Eli M. Black, conseguiu reverter a lei (LAFEVBER, 1993).
Em reação a este e outros escândalos passados Lima (2018), International (1973) e Perry
(1974) lembram da Exxon, Northrop, Lockheed e principalmente o Watergate, o Congresso
Americano produziu um relatório (REPORT, 1977) e fez a seguinte conclusão:
“More than 400 corporations have admitted making questionable or illegal payments.
The companies, most of them voluntarily, have reported paying out well in excess of
$300 million in corporate funds to foreign government officials, politicians, and
pxolitical parties. These corporations have included some of the largest and most
widely held public companies in the United States; over 117 of them rank in the top
Fortune 500 industries. The abuses disclosed run the gamut from bribery of high
foreign officials in order to secure some type of favorable action by a foreign
government to so-called facilitating payments that allegedly were made to ensure that
government functionaries discharge certain ministrial [sic] or clerical duties.” 1
1
“Mais de 400 empresas admitiram fazer pagamentos questionáveis ou ilegais. As empresas, a maioria
voluntariamente, relataram ter pago bem mais de US $ 300 milhões em fundos corporativos a funcionários de
governos estrangeiros, políticos e partidos políticos. Essas empresas incluíram algumas das maiores e mais abertas
empresas públicas dos Estados Unidos; mais de 117 deles estão nas principais indústrias da Fortune 500. Os abusos
divulgados variam desde o suborno de altos funcionários estrangeiros, a fim de garantir algum tipo de ação
favorável de um governo estrangeiro aos chamados pagamentos facilitadores que supostamente foram feitos para
garantir que os funcionários do governo cumpram certas funções ministeriais ou administrativas.” Tradução livre.
12
Como vimos, temendo pela descredibilizarão na economia (CARVALHO, 2018), e com
base neste relatório, o Congresso editou a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), em 1977.
Primeira lei a tratar de um instrumento/obrigação de “transparência em contabilidade”
(accounting transparency), com referências claras aos deveres da Exchange Act (Lei da Bolsa
de Valores); e da proibição do suborno a funcionários estrangeiros.
Estava iniciado o princípio do dever de compliance, muito embora não existisse ainda
um programa formatado como temos hoje. Para estar em conformidade com os requisitos de
transparência da lei, as empresas começaram a desenvolver procedimento internos que a
permitissem controlar e implantar a ética empresarial.
Com o passar dos anos, a FCPA continuou a se adaptar trazendo emendas e outras
condições. Mas até hoje sanções severas continuam em seu escopo, tais como: a) multas
elevadas; b) dissolução da pessoa jurídica; c) pena de reclusão para pessoa física de 5 anos etc.
“1. To promote and strengthen the development by each of the States Parties of the
mechanisms needed to prevent, detect, punish and eradicate corruption; and
2. To promote, facilitate and regulate cooperation among the States Parties to ensure
the effectiveness of measures and actions to prevent, detect, punish and eradicate
corruption in the performance of public functions and acts of corruption specifically
related to such performance.”2
2
“1. Promover e fortalecer o desenvolvimento por cada um dos Estados Partes dos mecanismos
necessários para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção; e 2. Promover, facilitar e regular a cooperação
entre os Estados Partes para garantir a eficácia de medidas e ações para prevenir, detectar, punir e erradicar a
corrupção no desempenho de funções públicas e atos de corrupção especificamente relacionados a esse
desempenho.” Tradução livre.
13
O movimento internacional contra a corrupção nasce aqui, com a OEA, e essa iniciativa
passa a ser referência na cooperação transnacional.
Essas definições por si só já aumentavam no âmbito legal, para países que não tinham
leis sobre o assunto, o padrão moral de conduta frente à corrupção. Mas ela também reverberou
o que a FCPA havia definido no ano anterior em território americano, aqui tratado como:
“Transnational Bribery”, ou, Suborno Transnacional.
“[...] each State Party shall prohibit and punish the offering or granting, directly or
indirectly, by its nationals, persons having their habitual residence in its territory,
and businesses domiciled there, to a government official of another State, of any
article of monetary value, or other benefit, such as a gift, favor, promise or advantage,
in connection with any economic or commercial transaction in exchange for any act
or omission in the performance of that official's public functions.”3
3
“[...] cada Estado Parte proibirá e punirá a oferta ou concessão, direta ou indireta, por seus nacionais, de
pessoas com residência habitual em seu território e de negócios domiciliados no país, a um funcionário do governo
de outro Estado, de qualquer artigo de valor monetário ou outro benefício, como presente, favor, promessa ou
vantagem, em conexão com qualquer transação econômica ou comercial em troca de qualquer ato ou omissão no
desempenho das funções públicas desse funcionário.” Tradução livre.
14
1.2.3. Core Principles For Effective Banking Supervision de 1997 (Basel
Committee).
O Bank for International Settlements (BIS) é uma organização financeira criada para
administrar compensações internacionais, estabilidade na economia e para ser o banco dos
brancos centrais. Foi fundado em 1930 e os países membros possuem aproximadamente 95%
do PIB mundial (BIS, 2019).
Alguns anos após sua criação, o Comitê publicou um documento contendo vinte e cinco
princípios para supervisão bancária independente de nacionalidade. O texto foi atualizado em
2006, mas desde o original em 1997, como chama atenção Martines, Lima (2018, p. 71), o
Princípio nº14 (SUPERVISION, 1977) é o aspecto mais relevante no desenvolvimento do
Programa e Integridade. Aqui, pela primeira vez em um documento organizacional, é instituído
a Função de Compliance. Vejamos:
“14. Banking supervisors must determine that banks have in place internal controls
that are adequate for the nature and scale of their business. These should include
clear arrangements for delegating authority and responsibility; separation of the
functions that involve committing the bank, paying away its funds, and accounting for
its assets and liabilities; reconciliation of these processes; safeguarding its assets;
and appropriate independent internal or external audit and compliance functions to
test adherence to these controls as well as applicable laws and regulations.” (grifos
nossos).”4 (grifos nossos).
4
"14. “Os supervisores bancários devem determinar que os bancos adotam controles internos adequados
à natureza e escala de seus negócios. Estes devem incluir disposições claras para delegar autoridade e
responsabilidade; separação das funções que envolvem comprometer o banco, pagar seus fundos e contabilizar
seus ativos e passivos; reconciliação desses processos; salvaguarda de seus ativos; e auditoria interna ou externa
independente apropriada e funções de conformidade para testar a aderência a esses controles, bem como às leis e
regulamentos aplicáveis. ” Tradução livre.
15
altos para o seguimento bancário, como também, o alto risco de descredibilização e
desestabilização internacional de instituições, podendo causar colapsos financeiros e
monetários a níveis regionais e globais. E a “Sessão I” (SUPERVISION, 1997) é bem clara ao
demonstrar isso:
Vale ressaltar o comentário de Martinez, Lima (2018, p. 72) acerca de outras facetas
que o Comitê trouxe no documento:
“Neles ficou clara também a responsabilidade dos diretores das instituições bancárias
pela efetiva aplicação de sistemas de controles internos, bem como ficaram
pormenorizadas as diretrizes a serem seguidas pelos bancos nessa missão.”
Foi um grande avanço a nível mundial, dois novos continentes estavam sobre
regulamentações que ratificavam os deveres do combate à corrupção. É a partir desta convenção
5
“As fraquezas no sistema bancário de um país, em desenvolvimento ou desenvolvido, podem ameaçar
a estabilidade financeira tanto dentro desse país quanto internacionalmente. A necessidade de melhorar a força dos
sistemas financeiros atraiu crescente preocupação internacional.” Tradução Livre
16
que no futuro o Reino Unido editaria a Bribery Act. Lima (2018, p. 40) parafraseando
Petrelluzzi e Rizek Júnior (2014, pg. 25) diz que a Convenção:
E por esse cenário houve a investida da convenção de modo que, agora, abrangesse
também a Europa.
Mesmo que já existisse a Securities and Exchange Commission (SEC), para investigar
obrigações de transparência de contabilidade, com requisitos previstos na Securities Exchange
Act, inclusive na FCPA; empresas praticaram manobras contábeis contornando a SEC e a
FCPA.
17
A Enron foi a falência, e a empresa prestadora de serviços de auditoria e contabilidade,
a Arthur Andersen, foi dissolvida. Ficou evidente que a FCPA não era o suficiente para definir
os detalhes contábeis que a empresas estavam sujeitas.
Aprovada em 2002 com 423 “sins”, 3 “nãos” e 8 “nulos” (CONGRESS, 2002) a SOX
ampliava as exigências e dava previa sanções legais mais severas a empresas que estivessem na
Bolsa de Valores. Vejamos como Dallanora (2019, p. 66) traz essas mudanças que a lei fez:
“[...] a Sarbanes-Oxley Act (SOX) nos Estados Unidos da América, que prevê a
necessidade de incluir declarações semestrais e anuais, o compromisso com a
verdade, sob pena de reclusão de até 20 anos, por crime de falsidade.
Veja quão sutil é a mudança e quão drásticos são os reflexos. A responsabilidade que
estava sobre a SEC de investigar tais ilícitos, foi repassada como dever para a empresa. Desta
forma, se no futuro um crime contábil fosse descoberto e processado pela SEC, a empresa
responderia não só por um, mas por dois crimes. O segundo? Crime de fraude.
Uma vez que, agora, todos os relatórios semestrais e anuais deveriam vir acompanhados
de assinatura declarando a veracidade deles. Os riscos empresariais ligados à conformidade
com a lei aumentaram significativamente. Vinte anos de reclusão. Dallanora (2019) continua
citando o comentário de Benedetti (2013):
Acertadíssimo, a nosso ver, o comentário da Dr.ª Benedetti já que a sutileza que a lei
trouxe foi exatamente este ponto.
18
Ficou mundialmente conhecida por estar entre as leis internacionais mais rigorosas
sobre suborno (UK, 2012). Criou quatro crimes principais (UK, 2012). A lei também colocou
o ônus da prova na empresa, semelhante a SOX, para que fosse responsabilidade da mesma,
demonstrar que possui procedimentos que desestimulam práticas de corrupção.
Isso porque um dos novos crimes previstos é a falha da empresa ao evitar o ato de
corrupção, a organização Transparency International UK descreve como “failure by a
commercial organisation to prevent a bribe being paid to obtain or retain business or a
business advantage”6 (UK, 2019).
Apesar da posição ser severa, quando combinada com as penalidades possíveis, existe
um antidoto (UK, 2012) já mencionado: “should an offence be committed it will be a defence
that the organisation has adequate procedures in place to prevent bribery”7 (grifo nosso). A
empresa poderá demonstrar que possuí os procedimentos que desestimulam e previnem atos de
corrupção.
6
“falha de uma organização comercial em impedir que um suborno seja pago para obter ou manter
negócios ou uma vantagem comercial”. Tradução livre.
7
“caso uma ofensa seja cometida, será uma defesa que a organização possua procedimentos adequados
para evitar suborno”. Tradução livre.
19
“ferramenta” ou apenas um “departamento”. Para essas legislações, conformidade é um modo
de agir. Um meio, e não um fim.
1.3.1. Lei de Combate aos Crimes de Lavagem de Dinheiro de 1998 (Nº 9.613).
A lei não aparece no escopo de nosso trabalho por estar ligada à Convenção da OEA,
tratada do capítulo anterior. Tão pouco por ser uma legislação contra corrupção. O corte de
nossa pesquisa, intrinsicamente ligado à compliance, encontra na Lei de Lavagem de Dinheiro
a primeira previsão que abre portas para o conceito de conformidade no Brasil.
O não cumprimento do dever previsto em lei: de identificar seus clientes (I, Art. 10 da
lei 9.613/98), de manter registro de toda as operações financeiras que ultrapasse o limite
regulado (II, Art. 10) e de comunicar ao COAF, sem dar ciência a qualquer pessoa, transações
feitas fora das instruções (redação de 1998 do II, Art. 11), não seriam apenas uma
recomendação. Seriam obrigação.
20
Como a FCPA a Lei não recomenda ou traz benefícios ligados a sanções por políticas e
procedimentos de conformidade empresarial. Mas lhe deposita o dever de agir internamente
para prestar informações, sob ameaça de sanções legais.
Martinez e Lima (2018, p. 75) afirmam que o COAF nascia com o propósito de
“disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar ocorrências suspeitas
de atividade ilícitas”. A lei, taxativamente, já em sua redação original, definia quais eram as
pessoas sujeitas as obrigações (Capítulo V).
Mas foi com a resolução do Conselho Monetário Nacional no Brasil, que os princípios
e boas práticas do compliance tomaram corpo. Martinez e Lima (2018, p. 73) ressalta que a
resolução foi o passo histórico inicial mais importante, isso porque a CMN trazia os vinte e
cinco princípios de boas práticas do Basel Committee, também inspirada na SEC (Securities
and Exchange Commission).
Conforme ressaltado por Martinez e Lima (2018, p. 73), é importante transcrever parte
da resolução para se compreender que passos o CMN estava tomando. O trecho a seguir é a
redação original da Resolução Nº 2.554. Banco Central do Brasil. Brasília, sem as recentes
modificações:
(...)
21
Diferente da Lei de Lavagem de Dinheiro – publicada meses antes – a auto-
regulamentação apresentada pela Comissão Monetária Nacional, teve papel instrutivo no
ambiente de integridade empresarial bancário. Introduziu no cenário local os conceitos
necessários para que pudesse se desenvolver Programas de Integridades.
Encaminhada pelo Executivo à Câmara dos Deputados como Projeto de Lei nº 39/13, a
Lei Anticorrupção foi votada e aprovada no Senado em 2013. Publicada no Diário Oficial como
a lei Nº 12.846 de 2013, a lei passava a regular a responsabilização objetiva das empresas na
responsabilidade civil e administrativa em atos contra a Administração Pública.
Cunha e Souza (2017, p. 21) destaque que o Brasil possuía um imenso arsenal de leis
contra a corrupção, no entanto, a maior parte delas era voltada ao agente público esquecendo-
se de que era também a organização privada responsável pelo mesmo crime. É evidente que a
empresa também podia ser processada e penalizada, mas a legislação não era robusta em ter
mecanismos eficientes para isso.
Muito pelo contrário, uma vez que “(...) no Brasil, só é admitida a responsabilidade
penal de pessoa jurídica nos crimes ambientais” (CUNHA, SOUZA, 2017, p. 75). Percebe-se
que o alvo da legislação é sim a Organização Empresarial, como meio de trazer sanções que
ainda não eram previstas a essa classe.
Quem delimita isso é seu art. 1º, ao dizer: “Esta Lei dispõe sobre a responsabilidade
objetiva administrativa e civil de pessoa jurídicas pela prática de atos contra a administração
pública, nacional ou estrangeira”. Perceba que a Lei Federal nº12.846/13 adotou inciativa
semelhante à da SOX (posteriormente adotada também pela Bribery Act). A responsabilidade
da empresa provar. O que por si só, já incentiva de certa forma o uso de monitoramento e
procedimentos internos para mitigar os riscos envolvidos.
22
Entretanto, a legislação também traz a avaliação de programa de integridades como
meio de consideração para aplicação das sanções nelas previstas. Fica a encardo do seu art. 7º.
Vejamos:
(...)
A lei deixou a cargo de Regulamentação do Poder Executivo como a diminuição iria ser
valorada.
Em seguida, o art. 18 fica encarregado de definir o oposto, ou seja, quais situações serão
consideradas para subtrair os valores anteriormente somados. Momento em que regulamenta a
vantagem auferida pela empresa ao demonstrar as práticas de compliance. O texto declara:
“Art. 18. Do resultado da soma dos fatores do art. 17 serão subtraídos os valores
correspondentes aos seguintes percentuais do faturamento bruto da pessoa jurídica
do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos:
(...)
V - um por cento a quatro por cento para comprovação de a pessoa jurídica possuir
e aplicar um programa de integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no
Capítulo IV”. (grifo nosso).
O Decreto brasileiro traz essas mesmas intenções. Estabelece uma estrutura mínima de
dezesseis diretrizes para o Programa de Integridade a ser seguido pela organização. E é
necessário que os conheçamos, vejamos:
“Art. 42. Para fins do disposto no § 4º do art. 5º, o programa de integridade será
avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes
parâmetros:
24
XIII - diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão, de
terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e
associados;
Essa é a estrutura mínima que uma empresa deve demonstrar para obter atenuação de
multa na Lei Anticorrupção.
Com esse conteúdo, o decreto Nº 8.420, de 18 de março de 2015, que regulamenta a Lei
Federal nº 12.846/13, se torna o documento legal mais detalhado – fora do seguimento bancário
- abrangendo todas as organizações empresariais, independente de tamanho.
Destaca Martinez e Lima (2018, p. 79) “que todo esse processo evolutivo foi
completado, no setor bancário, com a edição da Resolução 4.595/17 do CMN”, que passou a
tratar de maneira exclusiva de “política de conformidade (compliance)”. A Resolução diz:
(...)
25
Os autores ensinam que “apesar do referido ato não trazer novidades conceituais – pois
segue, na prática, as orientações já declinadas pelo Comitê da Basileia -, é mais uma importante
fonte normativa da cultura de compliance (...)”. (MARTINEZ; LIMA, 2018, p. 79).
Por fim, vimos no Decreto Nº 8.420/15 os requisitos mínimos para o Programa, só nos
faz necessário saber a didática de que pilares sustentam a visão brasileira sobre o assunto. É por
isso, que antes da conclusão desse capítulo, passaremos a elucidar tais pilares.
O Brasil também elaborou seu guia, com muita simplicidade, inspirado no “Adequate
Procedures Guidance”. Através da Controladoria-Geral da União (CGU) foi publicado em
2015, o guia “Programa de Integridade: diretrizes para empresas privadas”8.
8
BRASIL. Programa de Integridade: diretrizes para empresas privadas. Controladoria-Geral da União.
Disponível em: <https://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-de-integridade-
diretrizes-para-empresas-privadas.pdf>. Acesso em: 14 de nov. de 2019
26
“Qualquer que seja a instância responsável, ela deve ser dotada de autonomia,
independência, imparcialidade, recursos materiais, humanos e financeiros para o pleno
funcionamento (...)”.
“A empresa deve conhecer seus processos e sua estrutura organizacional, identificar sua
área de atuação e principais parceiros de negócio, seu nível de interação com o setor público –
nacional ou estrangeiro (...)”
Como também “(...) definir medidas disciplinares para casos de violação e medidas de
remediação. Para uma ampla e efetiva divulgação do Programa de Integridade, deve-se também
elaborar plano de comunicação e treinamento (...).”
27
CAPÍTULO II
DECOMPOSIÇÃO DAS LEGISLAÇÕES ESTADUAIS QUE IMPÕEM OU
REGULAM VANTAGENS DE COMPLIANCE.
Lei, e não outro dispositivo legal, pela ordem hierárquica e pelo maior exercício de
democracia nela praticado. Estadual, por já existir vasta literatura sobre os dispositivos de
compliance a nível Federal. E, Compliance, por ser o campo de estudo em stricto sensu deste
trabalho, cuja relações “Público-Privado”, são o campo latu sensu “Anticorrupção Empresarial”
aqui desenvolvidos.
Sete Leis Estaduais se encaixam nos requisitos definidos pelos critérios metodológicos
desse trabalho, e foram editadas pelos seguintes Estados: Amazonas (lei nº 4.730/18), Distrito
Federal (lei nº 6.112/18), Goiás (lei nº 18.672/14, lei nº 20.489/19), Pernambuco (lei nº
16.309/18), Rio de Janeiro (lei nº 7.753/17) e Rio Grande do Sul (lei nº 15.228/18).
Analisaremos uma a uma dessas Leis sobre a óptica de cinco prismas diferentes. Com
as refrações, poderemos organizar as informações nelas contidas, permitindo analisar
metodologicamente a inserção do instituto de compliance no cenário atual.
Os quatro primeiros prismas serão palco deste capítulo. São eles: P1) Circunstâncias
em que a lei exige/menciona compliance; P2) Como a lei exige que sua efetividade seja
demonstrada; P3) Que vantagens ela usa para incentivo/recompensa da implantação; e P4) Que
sansões são usadas para a ausência do programa nos casos em que exige.
O Prisma Cinco será analisado no último capítulo, que de forma crítica, evidenciará as
problemáticas e deficiências expostas entre a comparação das Legislações Estaduais, e o avanço
do uso internacional do conceito. Usando as informações aqui organizadas, como fundamento
28
de discordância no derradeiro prisma: P5) Que desvantagem a dinâmica traz para a implantação
de programas efetivos de compliance.
Sob a óptica do Prisma Um (P1), percebemos que são três as situações em que as Leis
em análise, exigem ou mencionam compliance: 1) como valoração na diminuição de sanção de
responsabilidade administrativa e cível; 2) como exigência para Acordo de Leniência; e 3)
como requisito para participar de contratações estaduais.
Para não tratamos de cada lei isoladamente repetindo os tópicos, optamos por organizar
esse capítulo nas três situações em que o instituto jurídico aparece na legislação. Passando, a
partir dessa organização, a abordar os demais prismas nas respectivas leis. Vejamos a análise.
Sob o Prisma Um (P1), Goiás, Pernambuco e Rio Grande do Sul, também trouxeram
consigo a mesma estratégia que a Lei Anticorrupção abordou o Programa de Integridade: como
fator de valoração na subtração das multas de decisões administrativas, em desfavor de empresa
ré (além da exigência no Acordo de Leniência abordado mais à frente).
No Estado de Goiás, a previsão vem do inciso VIII, art. 7º da Lei nº 18.672/14. Nos
seguintes termos:
(...)
29
Ressaltasse que para fiscalizar a efetividade do Programa de Integridade, Prisma Dois
(P2), vemos que o Estado de Goiás não se utiliza dos dezesseis requisitos mínimos que traz o
Decreto Federal nº 8.420/15 (que regulamenta a Lei Federal nº 12.846/13). Somente quatros
pontos mínimos são cobrados, e ainda de forma exemplificativa, quais sejam: 1) mapeamento
de risco de corrupção; 2) auditoria; 3) incentivo à denúncia de irregularidades; 4) aplicação
efetiva de códigos de ética e conduta.
Para entender como o Poder Executivo Estadual de Goiás fará a avaliação de efetividade
do Programa de Integridade (P2), esbarramos na inercia legislativa do parágrafo único do
mesmo art. 7º. Vejamos:
Na conclusão deste trabalho, cinco anos após a Lei entrar em vigor, inexiste
regulamentação Estadual para avaliar o Programa. Nesse ponto, podemos supor que: a ausência
de regulamentação, pelo déficit legislativo, torna obsoleta uma fiscalização por não existir
critérios e métodos para afirmar a efetividade do mesmo.
Já sobre o Prisma Três (P3), o Estado de Goiás, de forma controversa, também não
define qual benefício existiria para a valoração, que menciona o próprio artigo art. 7º de sua
legislação.
Todo esse tópico do capítulo dois possui o mesmo “P1” e “P4”. Assim, não trataremos
mais deles para abordar a Lei Estadual de Pernambuco nem do Rio Grande do Sul. Pois, todas
as três mencionam compliance como parte de valoração na decisão administrativa (P1) e não
possuem sanção por não exigir o programa (P4).
30
Para a legislação de Pernambuco, a fiscalização da efetividade do programa de
compliance (P2) na empresa, será realizada em sede de Processo Administrativo de
Responsabilidade – PAR. E ocorrerá nos moldes do Decreto Estadual nº 46.856/18, que dispõe
sobre os critérios de avaliação de Programas de Integridade para o mencionado Estado.
Sua Lei Estadual deixa claro os critérios para fiscalização no §1º SS, do art. 35:
Para deixar claro quais informações deverão conter nesses respectivos relatórios,
critérios e método de avaliação foram organizados pelo Decreto Estadual para que a comissão
do PAR possa avaliar a efetividade do Programa.
31
V - os países em que atua, direta ou indiretamente;
(...)
(...)
32
b) descrição de como os parâmetros previstos na alínea "a" deste inciso foram
implementados;
A empresa, se valendo dos recursos mencionados no §2º, tem claro o que lhe será
cobrado e como poderá exercer sua defesa na demonstração da efetividade do Programa de
Integridade. Vê-se que não era complexo definir a avaliação de de efetividade (P2) que poderia
ser cobrada pela Legislação Estadual de Goiás.
O Estado do Rio Grande do Sul segue as mesmas precariedades da Lei Estadual (GO)
18.687/14. Dessa forma, para o Estado sulista não há previsão de demonstração de efetividade
(P2) nem informa quais exatamente seriam as vantagens da implantação (P3).
Vejamos: “Art. 46. A Lei Federal nº 12.846/13 é aplicável aos casos regulados por esta
Lei, preservados os procedimentos administrativos estabelecidos no âmbito do Estado do Rio
Grande do Sul”. Sanados todos os problemas, uma vez que, subsidiariamente, o Decreto Federal
33
8.420/15 e a Lei Federal 12.846/13 serão aplicados para atender aos importantes prismas não
legislados.
“Art. 30. O acordo de leniência poderá ser celebrado com as pessoas jurídicas
responsáveis pela prática dos atos lesivos previstos nesta Lei e dos atos ilícitos
previstos na Lei Federal n.º 8.666, de 21 de junho de 1993, que colaborem
efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa
colaboração resulte:
(...)
§1º O acordo de que trata o “caput” deste artigo somente poderá ser celebrado se
preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:
34
IV - fornecer informações, documentos e elementos que comprovem a infração
administrativa;
Há uma dinâmica diferente quanto às vantagens dessa abordagem (P3), uma vez que
não é a implantação de um Programa de Integridade que traz benefício à empresa. É o Acordo
de Leniência. E são vantagens robustas a serem consideradas.
Trataremos elas aqui para compreender que o Programa de Integridade é uma exigência
fantoche e meramente formal. Também na linha da Lei Anticorrupção, o art. 34 da Lei Estadual
(RS) 15.228/18 demonstra com muita clareza os benefícios:
“Art. 34. Uma vez cumprido o acordo de leniência pela pessoa jurídica
colaboradora, serão declarados em favor da pessoa jurídica signatária, nos termos
previamente firmados no acordo, os seguintes efeitos:
O art. 30, §2º detalha que a redução da multa pode chegar a dois terços do valor total.
Os benefícios são tão atrativos que é possível perceber que o compliance é inserido na Lei
apenas como tendência normativa. Isso porque, quando vamos analisar como a Lei define que
ele seja fiscalizado, ou como sua efetividade deve ser demonstrada (P2), vemos que somente o
art. 33 da Lei Estadual do Rio Grande do Sul trata sobre esse prisma. Diz:
35
I - o compromisso de cumprimento dos requisitos previstos no § 1.º do art. 30 desta
Lei;
(...)
Com a leitura atenciosa, se torna perceptível que não há aparente preocupação quanto a
efetividade do programa exigido para o acordo, se destaca a nosso ver uma preocupação com a
efetividade da colaboração da Leniência e de seu processo. Sendo, para lei, desnecessária a
fiscalização ou a eficácia de conformidade (P2).
A nosso ver, é tamanho o desinteresse que o Programa de Integridade seja efetivo, que
a Lei define que: para garantir os resultados do acordo e de seus requisitos (que já incluí a
implantação, Art. 30, §1º, V) ela deve usar, novamente, a “a adoção, aplicação ou
aperfeiçoamento de programa de integridade” (art. 33, IV). Uma redundância irracional que
demonstra falta de técnica legislativa ou desconhecimento crasso do assunto.
Para analisar o Quarto Prisma (P4) – que trata das sanções - na Lei do Rio Grande do
Sul, notamos um paradoxo. O art. 30, V, §7º diz que: “Em caso de descumprimento do acordo
de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três)
anos, contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento.”
(...)
As vantagens (P3) mantidas por Pernambuco são semelhantes à Lei do Rio Grande do
Sul. Há apenas uma grande diferença entre elas. Na segunda, há possibilidade de remissão
completa de todas as sanções e multas. É o que resolve o art. 48, III da Lei Estadual (PE)
nº16.309/18:
Verificamos mais uma vez que o interesse da lei nos parece notável ao que tange o
Acordo de Leniência, ao lê-la, é possível perceber que seus desejos se atentam, quase que
exclusivamente ao acordo. A sanção (P4) para o descumprimento do acordo é a perda de todos
os benefícios (art. 49, VIII da Lei 15.228/18).
Essa proposta teve adesão do maior número de Estados da Federação, sendo eles:
Amazonas, Distrito Federal, Goiás, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Esta última abordagem
legislativa trata o compliance, na relação entre o Público-Privado, como requisito para
participar de contratações com o Poder Executivo Estadual (P1).
Desta forma, qualquer empresa que queira participar de uma contratação através de
consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privado precisaria demonstrar que possuí
diretrizes de compliance funcionando na organização.
37
Cada Estado conferiu valores mínimos nas contratações para a imposição deste
requisito. Organizamos abaixo como cada um deles se posicionaram nesse sentido. Vejamos:
Tabela 1 – Valores Mínimos para Exigência de Compliance nas Contratações com os Poderes Executivos
Estaduais.
Estado Lei Estadual Obras e Serviços Compras e
de Engenharia prestações de
Serviços
Amazonas Nº 4.730/18 R$ 3,3 milhões R$ 1.4 milhões
Distrito Federal Nº 6.112/18 R$ 80 mil R$ 80 mil
Goiás Nº 20.489/19 R$ 1,5 milhões R$ 650 mil
Rio de Janeiro Nº 7.753/17 R$ 1,5 milhões R$ 650 mil
Rio Grande do Sul Nº 15.228/18 R$ 330 mil R$ 176 mil
Fonte: Leis Estaduais.
(...)
Sabe-se os critérios e quem os avaliará, mas a maior questão é como será feita a
fiscalização. Uma vez que, mesmo que os critérios e pessoas sejam de gabarito exemplar, a
execução pode levar tudo a perder. E é o que acontece no art. 9º da lei. Vejamos:
38
“Art. 9.º A empresa que possuir o Programa de Integridade implantado deverá
apresentar, no momento da contratação, declaração informando a sua existência,
nos termos do artigo 4.º da presente Lei.”
Isso é o que deve fazer a empresa para demonstrar que possui um Programa de
Integridade, e essa é a declaração que a comissão terá que avaliar. Apenas por modo documental
o compliance será é avaliado, nos parece que nessa lógica, aquele que o estruturar bem seu
relatório para a comissão, poderá implantar as diretrizes do modo que quiser, ou até mesmo,
nunca efetivar. E possivelmente ainda assim estar longe de ser identificado.
1.º O montante correspondente à soma dos valores básicos das multas moratórias
será limitado a 10% (dez por cento) do valor do contrato.
Ter multa de 0,02% (dois centésimos por cento) até o limite de 10% (dez por cento) do
contrato, somado a não poder contratar enquanto não implantar o Programa, são riscos
baixíssimos. Ainda mais quando se junta à perspectiva do modo como o programa é avaliado
pelo Governo Estadual. É fácil e lucrativo não ter um programa efetivo.
39
O Distrito Federal também definiu, no art. 6º de sua legislação, que os critérios de
avaliação e complexidade da empresa seriam os mesmos do Decreto Federal 8.420/15. No
entanto, não definiu quem seriam os avaliadores do Programa.
Neste caso, para averiguar a efetividade do compliance implantado pela empresa (P2),
ela deve apenas entregar um relatório de perfil e outro de conformidade. É o que determina art.
7º da Lei.
“Art. 7º Para que o Programa de Integridade seja avaliado, a pessoa jurídica deve
apresentar relatório de perfil e relatório de conformidade do Programa, nos moldes
daqueles regulados pela Lei federal nº 12.846, de 2013, pelo Decreto federal nº 8.420,
de 18 de março de 2015, e pelo Decreto nº 37.296, de 29 de abril de 2016, ou pela
legislação correlata superveniente, no que for aplicável.
§1º A pessoa jurídica deve comprovar suas alegações e zelar pela completude,
clareza e organização das informações prestadas.
No passo que as vantagens (P3) são nitidamente as mesmas propostas pelo Estado do
Amazonas, qual seja: participar das licitações com o Distrito Federal em valores acima de
40
oitenta mil reais. Percebemos que a Lei adota as seguintes sanções (P4) pelo Art. 8º, §1º: multa
de 0,1% (um por cento) ao dia de descumprimento da exigência, até 10% (dez por cento) do
valor do contrato. Mas traz uma inovação para o campo das contratações públicas, já realizada
no Estado do Rio Grande do Sul quando trata do Acordo de Leniência. Vejamos o art. 10:
Essa é uma narrativa mais garantista que não objetiva uma sanção irreversível, mas que
oportuniza a empresa a se adequar as exigências legais. Pois a empresa pode voltar a participar
de licitação quando produzir relatórios suficientemente bons para à comissão. Mesmo que não
busque obter boas práticas de integridade em sua empresa.
O Estado de Goiás possuí duas Leis que tratam de compliance: a primeira aqui
trabalhada regula a Lei Anticorrupção, a segunda é a Lei Estadual nº 20.489/19 abordada nesse
tópico. Que, em nossa opinião, comete erros tão graves quanto a primeira.
No entanto, uma série de diretrizes não foram trazidas para os critérios de avaliação
desta Lei. Os incisos removidos são cruciais para análise da efetividade do Programa na
organização empresarial. Em um comparativo entre o art. 5º da Lei Estadual (GO) nº 20.489/19
e o Decreto Federal 8.420/15 encontramos a ausência dos seguintes pontos:
(...)
41
(...)
Se houve uma cópia do Decreto, é perfeitamente possível concluir que houve supressão
intencional desses incisos. Como vimos no primeiro capítulo, o comprometimento da alta
gestão é o pilar mais essencial do Programa. Aqui, por exemplo, simplesmente não é avaliado.
Não nos parece razoável pedir (mesmo que supostamente de modo) com o compliance
da empresa contratada, e não pedir que a mesma faça isso com os terceiros envolvidos. Pode
ser quase o mesmo de não cobrar da empresa o Programa de Integridade como requisito.
Sem contar com o perigoso posicionamento de não avaliar se o Programa não vem se
adaptando, nem ao menos sendo monitorado seu funcionamento. O mesmo segue para não
cobrar como requisito de avaliação a transparência de doações para candidatos e partidos
políticos. Justamente quando compliance é mencionado na relação público-privado. Nos parece
um claro conflito de interesses.
Quanto as sanções aplicadas pela Lei Estadual (P4) pelo não cumprimento dos deveres
de compliance, encontramos: multa de 0,1% (um décimo por cento) diários, até 10% (dez por
cento) do contrato (art. 7º); inscrição de dívida em multa ativa (art. 8º); justa causa para rescisão
contratual, com incidência cumulativa de cláusula penal (art. 8º); e impossibilidade de
contratação por dois anos ou até implantação do Programa.
42
2.4.4. Rio de Janeiro: Lei Estadual nº 7.753/17.
Os critérios de avaliação são quinze dos dezesseis trazidos pelo Decreto Federal. O
único que fica de fora é o “XVI”, que pede transparência da pessoa jurídica quanto a doações
para candidatos e partidos políticos. Substituindo por “XVI – ações comprovadas de promoção
da cultura ética e de integridade por meio de palestras, seminários, workshops, debates e
eventos da mesma natureza.”
Por sanções (P4) o art. 6º estabelece multa nos mesmos termos de Goiás; no art. 8º o
não cumprimento da exigência impede a contratação, e o art. 12 determina a cessação de
repasses e respectivo ressarcimento. Tudo com muita semelhança com o que vem sendo
estudado nesse trabalho.
O Estado do Rio Grande do Sul legisla sobre compliance como requisito na contratação
com o ente público, na mesma lei que trata da regulamentação estadual da Lei Anticorrupção
Empresarial.
Art. 41. O não cumprimento da exigência prevista no art. 37 desta Lei, durante o
período contratual, acarretará a impossibilidade de nova contratação da empresa
com o Estado do Rio Grande do Sul até a sua regular situação, bem como a sua
inscrição junto ao Cadastro Informativo das pendências perante órgãos e entidades
da Administração Pública Estadual – CADIN/RS –, de que trata a Lei nº 10.697, de
12 de janeiro de 1996.
Mais uma vez no seguimento das outras legislações que tratam sobre o assunto. A
peculiaridade é a inscrição junto ao Cadastro Informativo das pendências perante órgãos e
entidades da Administração Pública Estadual – CADIN/RS.
43
Não há previsão de que momento a empresa demonstrará a efetividade do Programa de
Integridade para a contratação (P2). Quanto ao método de aferição da efetividade, a solução é
a mesma já vista neste trabalho: a Lei Estadual do Rio Grande do Sul nº 15.228/18 estabelece
que o Decreto Federal 8.420/15 e a Lei Federal 12.846/13 serão usadas subsidiariamente para
que se cumpra a lei.
Logo, é possível concluir que mesmo não sabendo em que momento a empresa ou o
Estado irá fiscalizar, os critérios e contextos a serem analisados são os mesmos dezesseis já
estudados.
44
CAPÍTULO III
PROBLEMÁTICA DA EFETIVIDADE DO COMPLIANCE NAS LEIS ESTADUAIS
Depois de extensa leitura, o leitor pôde, em vários momentos, perceber por quais
caminhos este trabalho estava seguindo. Neste capítulo aprofundaremos nossa crítica e
organizaremos nossa problemática para visualizar o último prisma: desvantagens que a
dinâmica de Lei traz para a implantação de programas efetivos de compliance.
A nosso ver, muito tem sido especulado sobre uma nova geração de Programas de
Integridade no Brasil, principalmente, por vários Estados adotarem a abordagem; mas essa
especulação se verificou possivelmente infundada e muitas vezes apenas midiática. Temos a
impressão de que muito se conhece sobre softwares e diretrizes internas de compliance,
estrutura de departamentos etc.
Por nossa análise, a falta destes questionamentos pode ter um preço muito alto. Nas
palavras de Bertoccelli em Carvalho (2019, p. 40):
Afinal, uma organização empresarial de grande porte pode montar um departamento que
tenha grande importância, que seja complexo e até considerado abrangente. Mas sem o
comprometimento da alta gestão será, facilmente possível, criar responsabilidades que o
departamento não supervisione corretamente. Não é preciso conjecturar muito estas
possibilidades, temos exemplos práticos em nossa realidade.
Este não é o único exemplo recente. Serpa (2016, p. 47) comenta o caso da Odebrecht
da seguinte forma:
“Ou seja, o Suporte da Alta Administração é muito mais que, simplesmente, ter o
presidente da empresa adicionando e repetindo como um papagaio um slide padrão
sobre o programa de compliance em suas apresentações. Pois, apenas ler um slide
não é apoiar o programa de compliance. Basta ver o exemplo recente de um
presidente de uma grande construtora que está preso por envolvimento em diversos
crimes, mas que abria apresentações em sua companhia exaltando a ética e o fazer
certo.” (grifos nosso).
É notável que a Alta Gestão sempre estará no topo do comando controlando todas as
coisas, e terá acesso a todas as áreas. É simples criar um departamento para dupla função, onde
a segunda é voltada para corrupção. É simples fazer com que este departamento siga funções
46
organizacionais corretamente, gere relatórios, participe de reuniões e, no fim, tenha um
propósito ilegal para além do conhecimento dos demais. Martines e Lima (2018, p. 104)
afirmam:
Como restou identificado nas investigações, aquele setor tinha o único propósito de
cuidar das propinas pagas pela empresa a agentes públicos. Ou seja, de nada
adiantava a empresa se dizer honesta e seguidora de preceitos éticos e morais,
inclusive com a adoção de um Código de Conduta anterior à Lava Jato se, na prática,
seus dirigentes coordenavam diretamente um setor exclusivamente para cometer
ilícitos (pagamento de propinas).” (grifos nosso).
Esses trechos foram removidos de capítulos que tratavam do primeiro pilar do Programa
de Integridade, e seus autores exemplificam que o comprometimento é a pedra fundamental da
iniciativa de compliance. Serpa (2016, p. 40) elucida questões importantes para revelar a
possível efetividade do Programa, vejamos:
“De maneira não acadêmica: o Suporte da Alta Administração pode ser entendido
de forma bastante simples quando se responde à seguinte pergunta: Qual é a forma
que a empresa encara o Programa de Compliance?
Veja que por traz das intenções de implantações moram fortes indicadores do presente
e futuro do departamento. O próprio manual da CGU, embora, a nosso ver, não possua esse
forte entendimento, e se mostra demasiadamente ausente nesse ponto, reconhece rapidamente
a questão. Vejamos:
(...)
“A alta direção da empresa pode demonstrar por diversos modos seu compromisso
com o Programa de Integridade. O presidente e diretores podem reafirmar seu
47
comprometimento, por exemplo, ao incorporarem o assunto a seus discursos, de
forma a demonstrar que conhecem os valores éticos pelos quais a empresa se pauta
e as políticas que são aplicadas.
(...)
Ao comentar Ghillyer (2015), Lima (2018, p. 15) concluí que o sistema de capitalismo
flexível, onde o que importa são as vantagens auferidas pela empresa, é como funciona a
recompensa e desejos de muitas corporações. Seu acréscimo é importante ao trabalho, vejamos:
Mudar a cultura ou estruturar sistemas que exigem ética das empresas, nos obriga a
entrar no campo das motivações para manuseá-las de forma a atingir severamente seus ganhos.
Nos parece que é no capital e na liberdade que encontramos as fragilidades a serem atingidas
corretamente, se assim o fora, é possível forçar mudanças em um imenso paradigma: a
corrupção.
Não estamos sendo idealistas ao tratar deste assunto, veremos os conceitos de “law
enforcement” mais afrente para demonstrar a viabilidade do nosso entendimento.
48
O segundo prisma se perguntava como o Estado esperava que a empresa demonstrasse
a efetividade de seu Programa: quais critérios a Lei usa? Quem avalia o Programa? Como essa
avaliação é feita? Já como terceiro prisma entendemos as vantagens oferecidas: como a lei
recompensava um Programa efetivo? Sucedendo o prisma quatro vimos quais sanções eram
aplicadas para os que não tinham conformidade: quais os prejuízos? Os danos colaterais?
A Lei de Pernambuco e do Rio Grande do Sul são mais robustas e possuem poucas
brechas. Mas traz uma vantagem, a nosso ver, simbólica, de até 4% (quatro por cento) de
atenuação da multa. As intenções de estruturar um departamento complexo, neste caso, nos
fazem concluir que possivelmente não são bem estimuladas pelo que a lei dá em troca da multa
de até 20% do faturamento.
A ética como um fim em si mesma deveria ser a busca das organizações ao implantarem
um Programa de Integridade. Mas como o interesse econômico nem sempre funciona da mesma
maneira, dar motivos para ser integro e recompensas por isso, nos parece ter sido a abordagem
da evolução de compliance. Ocasionalmente não considerada corretamente aqui.
Não sendo possível a pessoa jurídica celebrar a parceria sem que assine essa obrigação.
É manifesto que o incentivo à empresa imposta pela Lei não é se preocupar com integridade e
ética. Nem ao menos se a organização irá fazer de forma efetiva (uma vez que nem menciona
49
nada a respeito). É apenas pelas vantagens de redução drásticas das penas. Integridade se tornou
punição.
Não há o que se pensar duas vezes em: aceitar o acordo, ou, rejeitá-lo por não estar
realmente envolvido com as intenções do Programa que (como consta na lei estudada) não será
fiscalizado posteriormente. Ante a exigência legal, é só uma decisão de custo/benefício.
Mais uma vez há uma aparente expectativa de que a Alta Gestão das empresas passe, a
partir deste ponto, ter alto comprometimento com integridade. Como se o modo com que foi
feito a exigência na legislação fosse capaz de alcançar este fim. Nos parece improvável.
Em nossa crítica, enquanto compliance for um obstáculo para se obter uma grande
vantagem, e não houver ainda meios aparentemente mais eficientes e viáveis de fiscalização,
haverá forte incentivo a Programas de Integridade Fantasmas. A fiscalização deve estar no
campo de duas variáveis, a “eficiência” e a “viabilidade”, é possível compreender que
fiscalizações eficientes geralmente são morosas e caras, neste caso não viáveis.
Nas leis que tratam de licitação, examinamos que nenhum Estado define um meio de
fiscalização inicialmente robusto, há estados que nem mencionam, na legislação que tratam no
assunto um meio de comprovação de efetividade do Programa.
50
empresas traz ao Programa de Integridade. E, a nosso ver, ficou claro quais desvantagens
existem para o crescimento e verdadeiro fomento deste instituto, no cenário levantado por nossa
pesquisa.
A exemplo da SOX, que a responsabilidade do diretor é cível e penal para relato falso
em relatórios financeiros. Para não correr este risco, o diretor precisa, supostamente, se
certificar de que as informações que estão naqueles relatórios semestrais e anuais são
verdadeiras. E para ser possível que ele consiga fazer isso, precisaria de um sistema de
monitoramento, coibição à corrupção e que de forma estruturada mudasse a cultura da empresa.
Em outra situação temos a Bribery Act, considerada a lei mais severa do mundo no
assunto de corrupção. Ao ler suas guidelines, é perceptível que não há exigência de um
Programa de Integridade. O que vemos, no entanto, é a possibilidade de a empresa reverter as
severas sanções demonstrando a efetividade de seu Programa. Neste caso, os responsáveis vão
51
ser processados, mas a empresa enquanto pessoa jurídica, provou que não coaduna com aquela
conduta, e, assim, tem sua pena (antes altíssima) diminuída.
No primeiro e no segundo exemplo a Alta Gestão tem, ao que parece, interesse muito
maior com a criação do departamento, porque este método segue a lógica do capital. No Brasil,
essa abordagem não foi, ao que tudo indica, considerada em nenhuma das várias legislações
que possuímos. Aqui, a responsabilização da empresa é a compensação dos atos que cometeu
e uma multa de até 20% do faturamento.
No Reino Unido e Estados Unidos o diretor pode ficar por quinze anos impossibilitado
de estar à frente de uma empresa, além de estar diretamente responsabilizado pelas falhas de
integridade, a menos que demonstre a efetividade.
52
CONCLUSÃO
Não nos parece que o legislador brasileiro compreendeu a real utilização do compliance
e sua construção histórica. A doutrina nacional trabalhada nesta pesquisa, trata pouco desse
assunto e quando o faz, a nosso ver, faz de forma resumida e apenas referencial. E talvez este
seja um reflexo de que a preocupação de como a lei tem gerido o assunto é genérica e tem se
voltado mais a falar sobre vantagens do compliance que questionar o modo como o adotamos.
Sem contar com a atenuação das multas oferecidas por alguns Estados, que são
baixíssimas as vantagens. Em alguns casos o valor da atenuação é menor que os possíveis gastos
na implantação do Compliance. Assim a lei não força circunstâncias em que as diretrizes são
aliadas antes, porém, se tornam mais uma burocracia.
Esperamos que mais provocações como esta sejam realizadas nessa temática. A
corrupção é um problema real que afeta diretamente a estabilidade financeira de governos,
credibilidade das instituições e mina a democracia. Que todos aqueles que possam se dispor,
mais que em temas partidários, sejam ativistas contra a corrupção.
54
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BRIBERY ACT - Lei do Reino Unido que trata de suborno transnacional e práticas de
integridade.
EXCHANGE ACT - Lei dos Estados Unidos da América que regulamenta os mercados
financeiros e de seus participantes.
FOREIGN CORRUPT PRACTICES ACT - Lei dos Estados Unidos contra corrupção e suborno.
PROCEEDS OF CRIME ACT - Lei do Parlamento Inglês que recuperar bens como frutos de
crimes.
SARBANES–OXLEY ACT - Lei dos Estados Unidos que cria mecanismos de auditoria e
segurança para empresas.