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CENTRO UNIVERSITÁRIO TIRADENTES

CURSO DE DIREITO
GRADUAÇÃO EM DIREITO

VITOR WILLYAN DE ANDRADE DANIEL

A INEXISTÊNCIA DE MEIOS EFICIENTES EM LEIS ESTADUAIS PARA


INCENTIVAR A EFETIVIDADE DE PROGRAMAS DE INTEGRIDADE BRASILEIROS:
COMO AS VANTAGENS E EXIGÊNCIAS DA LEGISLAÇÃO FAVORECEM A
EXISTÊNCIA DE “COMPLIANCE FANTASMA”.

MACEIÓ
2019
VITOR WILLYAN DE ANDRADE DANIEL

A INEXISTÊNCIA DE MEIOS EFICIENTES EM LEIS ESTADUAIS PARA


INCENTIVAR A EFETIVIDADE DE PROGRAMAS DE INTEGRIDADE BRASILEIROS:
COMO AS VANTAGENS E EXIGÊNCIAS DA LEGISLAÇÃO FAVORECEM A
EXISTÊNCIA DE “COMPLIANCE FANTASMA”.

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título


de Graduação de Bacharel em Direito apresentado ao
Centro Universitário Tiradentes – UNIT.

Orientadora: Prof. Dr. Marizangela Melo Vasconcelos.

MACEIÓ
2019
VITOR WILLYAN DE ANDRADE DANIEL
A INEXISTÊNCIA DE MEIOS EFICIENTES EM LEIS ESTADUAIS PARA
INCENTIVAR A EFETIVIDADE DE PROGRAMAS DE INTEGRIDADE BRASILEIROS:
COMO AS VANTAGENS E EXIGÊNCIAS DA LEGISLAÇÃO FAVORECEM A
EXISTÊNCIA DE “COMPLIANCE FANTASMA”.

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título


de Graduação de Bacharel em Direito apresentado ao
Centro Universitário Tiradentes – UNIT.

Orientadora: Prof. Dr. Marizangela Melo Vasconcelos.

Aprovado em: 5 de dezembro de 2019.

BANCA EXAMINADORA
_______________________/___/___
Prof.ª Fabiana de Moura Cabral Malta
Centro Universitário Tiradentes - UNIT
_______________________/___/___
Prof.ª Clarice Pereira Bezerra de Abreu
Centro Universitário Tiradentes -UNIT
_______________________/___/___
Prof. Othoniel Pinheiro
Centro Universitário Tiradentes -UNIT
Aos meus pais, noiva e professoras
que, com carinho, me apoiaram
nesta trajetória.
RESUMO

O Compliance foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro há muitos anos, mas


recentemente vem tomando grandes proporções nas legislações Estaduais. Este trabalho se
propõe a fazer breve análise destas legislações para compará-las com os avanços internacionais
do assunto, e com esta perspectiva comprar como temos abordado e implantado a estratégia de
compliance no Brasil. Este trabalho levanta perguntas importantes quanto aos métodos e
situações que a Lei brasileira usa para incentivar/exigir de empresas privadas a criação e
funcionamento dos Programas de Integridade (como é chamado no Brasil), levantando dúvidas
quanto a sua eficiência e método. Os avanços internacionais comparados, traçam uma linha
temporal de acontecimentos dos avanços globais do compliance e como alguns países do Globo
utilizam essa proposta. Estudamos também o histórico de sua introdução no país e como foi sua
aceitação. Com tais elementos analisados podemos vislumbrar possíveis falhas graves que
possam comprometer o uso desta abordagem no país.

Palavras-chave: Compliance. Programas de Integridade. Transparência. Combate à corrupção.


ABSTRACT

Compliance was introduced into the Brazilian legal system many years ago, but recently it has
been taking on major proportions in state legislations. This paper intends to make a brief
analysis of these legislations to compare them with the international advances of the subject,
and with this perspective to buy how we have approached and implemented the compliance
strategy in Brazil. This paper raises important questions about the methods and situations that
Brazilian Law uses to encourage/require private companies to create and operate Integrity
Programs (as it is called in Brazil), raising questions about their efficiency and method.
Comparative international advances trace a timeline of developments in global compliance
advances and how some countries in the globe use this proposal. We also studied the history of
its introduction in the country and how it was accepted. With these elements analyzed we can
see possible serious failures that could compromise the use of this approach in the country.

Keywords: Compliance. Integrity programs. Transparency. Against corruption.


LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS

BIS Bank for International Settlements


CMN Conselho Monetário Nacional
COAF Conselho de Controle de Atividades Financeiras
FCPA Foreign Corrupt Practices Act
OAS Organization of American States
OECD Organisation for Economic Co-operation and Development
OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo
PAR Processo Administrativo de Responsabilização
SEC Securities and Exchange Commission
SOX Sarbanes–Oxley Act
UK United Kingdom
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8

CAPÍTULO I - O COMPLIANCE, UMA EVOLUÇÃO HISTÓRICA ............................. 10

1.1. Contexto Atual do Compliance. ........................................................................................ 10

1.2. Difusão Global do Conceito. ............................................................................................. 11

1.3. Origem e Histórico Nacional. ............................................................................................ 20

1.4. Pilares do Programa de Integridade Brasileiro. ................................................................. 26

CAPÍTULO II - DECOMPOSIÇÃO DAS LEGISLAÇÕES ESTADUAIS QUE IMPÕEM


OU REGULAM VANTAGENS DE COMPLIANCE. ......................................................... 28

2.1. Metodologia do Estudo. .................................................................................................... 28

2.2. Compliance como fator de valoração na diminuição de multa em Processo Administrativo


de Responsabilidade. ................................................................................................................ 29

2.3. Compliance como requisito exigido na realização de Acordo de Leniência em Leis


Estaduais. ..................................................................................................................................34

2.4. Compliance como requisito de contratações com o Governo Estadual. ........................... 37

CAPÍTULO III - PROBLEMÁTICA DA EFETIVIDADE DO COMPLIANCE NAS LEIS


ESTADUAIS ........................................................................................................................... 45

3.1. Incentivos de Programas de Integridade Fantasmas no Brasil ......................................... 45

3.2. Contraponto “Law Enforcement” .................................................................................... 51

CONCLUSÃO......................................................................................................................... 53

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 55
INTRODUÇÃO

Sem dúvidas, a presença do Compliance no ordenamento jurídico tem crescido


anualmente desde 2013, ano em que despontou o desejo por integridade no seio nacional. Mais
rápido que alguns esperavam, o compliance vem sendo implantado, direto ou indiretamente,
em mais de seis Estados da Federação. Crescimento que indica futura introdução em novos
Estados ao longo do tempo.

A grande questão diante de tantas aparentes boas notícias é: este conceito internacional
foi recebido da maneira correta? Metodologicamente, as expectativas midiáticas estão corretas
sobre os benefícios do instrumento? Realmente compreendemos o histórico do
desenvolvimento do compliance para entendê-lo corretamente? Há incoerências em sua
introdução nas legislações estaduais? Se sim, quais?

É possível que estejamos amplamente errados quanto sua utilização. E se desfazendo de


aparências adotaremos processos de investigação científica para, brevemente, averiguar a
perspectiva do modo de pensar compliance. Buscaremos esse Norte no desenvolvimento de três
capítulos neste trabalho.

Inicialmente, no capítulo um, nos debruçaremos na origem internacional e nos


propomos a investigar os passos de seu desenvolvimento e aprimoração. Logo em seguida,
compreenderemos como foi introduzido no Brasil, e como foi seu desenvolvimento histórico
aqui.

No capítulo dois propomos uma análise para selecionar, especificar e interpretar as


Legislações Estaduais que tratem de Programas de Integridades em todo país. Nesse aspecto,
compreenderemos como o compliance tem sido tratado legalmente, e nessa explanação
poderemos perceber prováveis falhas e omissões importantes.

Em capítulo último, passaremos a contrapor os conhecimentos colecionados para


interpretar um cenário nacional mais preciso. Possibilitando, como conclusão deste trabalho,
uma crítica sobre o caminho que a nação tem seguido para o incentivo à implantação do
compliance.

Vale ressaltar que, o compliance, diferente do senso comum, não pertence a uma área
do conhecimento jurídico. Ele pode ser aplicado a qualquer situação em que se espera
conformidade com a Lei. Assim, podemos ter “Compliance Trabalhista”, “Compliance

8
Criminal”, “Compliance Tributário” etc. Com essa observação à nossa frente, gostaríamos de
transcrever Rosenvald (2017), citado por Cunha e Souza (2017, p. 21):

“No âmbito de um ordenamento jurídico unitário, aparado no princípio da máxima


atuação da Constituição, já não há mais que tolerar um sistema jurídico
compartimentalizado. Os diversos ramos do Direito rompem as extremas desenhadas
pela dogmática jurídica, emprestam princípios e técnicas e recebem outros em troca,
com o objetivo maior de alcançar soluções reais à pessoa humana e um contexto global
volátil e incerto”.

Pela natureza do instituto aqui abordado acabaremos por tocar em várias cearas do
Direito. Em momentos Direito Penal, em outros Direito Administrativo, Civil, Constitucional
e até Direito Internacional. Passearemos direta ou indiretamente por estes ramos sem perder a
linha bem definida da nossa pesquisa.

Por último, para didática deste trabalho, decidimos adotar como sinônimos de
compliance, as seguintes expressões: “Programa de Integridade”, “Programa” e “Diretrizes de
Compliance”.

9
CAPÍTULO I
O COMPLIANCE, UMA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Um breve desenvolvimento e análise sobre os passos históricos que construíram e


aprimoraram o conceito internacionalmente, e consequentemente como aconteceu sua
introdução no Brasil.

1.1. Contexto Atual do Compliance.

Atualmente, há registros de um crescente uso da palavra compliance no mundo


(TRENDS, 2019a), e esses números tem sido expressivos no Brasil. Recentemente, o serviço
Google Trends, que analisa o que as pessoas pesquisam na ferramenta, relatou que o Brasil
alcançou o nível de interesse 100 (cem) na palavra “compliance” (TRENDS, 2019b), pela
primeira vez na história, em abril de 2019. E esse pico chegou muito próximo de se repetir em
maio, e em outros meses do ano.

Desde o início dos registros de pesquisas do Google, o interesse vem aumentando


exponencialmente. É possível entender o que as pessoas pensam e sabem através das pesquisas
que elas fazem em ferramentas de buscas. Esse é um dado valioso para compreender que
estamos vivendo uma nova fase nacional. Note-se que, um assunto restrito ao dia-a-dia de
executivos de segmentos altamente regulados caiu no interesse geral da população. O que nos
leva a questionar o motivo de seu crescimento e se seu o interesse fica apenas online.

Para isso, precisaremos colocar em perspectiva os recentes acontecimentos de corrupção


em grande escala no Brasil, palavras como: acordo de leniência e Programa de Integridade
começaram a ser mais comuns na mídia e a executivos dos demais setores econômicos.

Assim, a população começou a cobrar mais ética e integridade às instituições privadas


e governamentais. E por este recente contexto histórico, a definição comum de compliance se
tornou: “uma ferramenta contra a corrupção”, concebendo uma visão medíocre sobre o instituto.
Uma visão inclusive que se estendeu a letra da lei.

A palavra vem do verbo inglês “to comply”, que significa “estar de acordo”. A melhor
definição no cenário atual de Compliance, a nosso ver, é: “agir de acordo com a lei, uma
instrução interna, um comando ou conduta ética, ou seja, estar em compliance é estar em
conformidade com as regras internas da empresa, de acordo com procedimentos éticos [...]”
(CARVALHO, 2018, p 34).

10
Apesar de ser uma das definições mais exatas do assunto, uma acentuação notável
precisa ser feita: “Se formos um pouco mais para o lado humano da discussão – como já citei:
compliance é muito mais sobre pessoas/comportamento do que sobre leis [...]” (SERPA, 2018,
p. 40), a final de contas, o Programa de Integridade não é apenas uma ferramenta de
monitoramento, é, principalmente, uma mudança na cultura organizacional voltada para ética.

Uma das maiores evidências que o interesse populacional em pesquisas, nos serviços do
Google, ultrapassou a busca online, é o crescimento ascendente de Leis Estaduais que preveem
a exigência de que a empresa possua um Programa de Integridade. Seja para participar de
Licitações Públicas, ou como benefício na avaliação de uma sanção administrativa. O ponto é
que o Programa já é uma ampla realidade no Brasil.

Estados como o Rio de Janeiro, Distrito Federal, Mato Grosso, Espírito Santo e
Amazonas já preveem tais exigências nas contratações. E outros Estados como Pernambuco,
Rio Grande do Sul e Goiás já possuem legislações que atenuam multa para empresas que
possuem o compliance. Vejamos.

1.2. Difusão Global do Conceito.

Sendo possível que a introdução do compliance na legislação nacional tenha sido


equivocada, e em desarmonia com o desenvolvimento histórico internacional do instrumento,
observaremos leis e convenções internacionais para compreender este cenário externo, e os
usaremos posteriormente como contraponto de comparação com a legislação nacional.

1.2.1. Foreign Corrupt Practices Act de 1977 (US).

O compliance não nasce como um instituto jurídico bem definido, foi construído com
as décadas e geralmente em resposta à grandes escândalos internacionais. Na década de 30, os
Estados Unidos aprovaram a Securities Exchange Act¸ uma lei que regulava a bolsa de valores
americana e criava a US Securities and Exchange Commission (SEC), semelhante à nossa
Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no Brasil.

Naquela época não era ilegal o suborno de funcionários estrangeiros, inclusive era
permitido as empresas declarassem no imposto de renda (LIMA, 2018). Contudo, pela
Exchange Act era ilegal deixar de declarar a propina em seus relatórios para acionistas, uma
vez que, vantagens advindas de subornos eram instáveis e dependiam de operações inteiramente
11
discricionárias. O lucro era ariscado. Por razões como esta, a lei definia várias regulações do
mercado financeiro.

Anos depois, em 1974, países da América-Central e Sul se reuniram para fazer oposição
ao oligopólio de três empresas americanas que exportavam, para os Estados Unidos, bananas
da Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá (LAFEVBER,
1993). Inspirados na OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) os presidentes
organizaram a Union of Banana Exporting Countries.

Honduras aprovou uma lei aumentando os impostos de exportação de 25¢ por caixa de
40 libras, para 50¢ (ACADEMIC, 2010). Uma das três empresas americanas instaladas no país,
sofreria grandes perdas nos lucros com o ato, e em uma investida contra a lei o presidente da
United Brands Company, Eli M. Black, conseguiu reverter a lei (LAFEVBER, 1993).

Um ano depois, Black cometeu suicídio pulando do quadragésimo quarto andar do


prédio da Pan Am, em Nova York. Na investigação do suicídio, descobriu-se o escândalo
“Bananagate”, a Securities and Exchange Commission concluiu a investigação levando a
público que Black havia subornado o presidente de Honduras.

Um pagamento de US $ 1,25 milhões em 1974 e outro no ano seguinte. E US $ 750 mil


a um funcionário italiano para não restringir a importação (LAFEVBER, 1993). As tenções
nacionais ante à corrupção já vinham se acumulando e a repercussão foi muito negativa.

Em reação a este e outros escândalos passados Lima (2018), International (1973) e Perry
(1974) lembram da Exxon, Northrop, Lockheed e principalmente o Watergate, o Congresso
Americano produziu um relatório (REPORT, 1977) e fez a seguinte conclusão:

“More than 400 corporations have admitted making questionable or illegal payments.
The companies, most of them voluntarily, have reported paying out well in excess of
$300 million in corporate funds to foreign government officials, politicians, and
pxolitical parties. These corporations have included some of the largest and most
widely held public companies in the United States; over 117 of them rank in the top
Fortune 500 industries. The abuses disclosed run the gamut from bribery of high
foreign officials in order to secure some type of favorable action by a foreign
government to so-called facilitating payments that allegedly were made to ensure that
government functionaries discharge certain ministrial [sic] or clerical duties.” 1

1
“Mais de 400 empresas admitiram fazer pagamentos questionáveis ou ilegais. As empresas, a maioria
voluntariamente, relataram ter pago bem mais de US $ 300 milhões em fundos corporativos a funcionários de
governos estrangeiros, políticos e partidos políticos. Essas empresas incluíram algumas das maiores e mais abertas
empresas públicas dos Estados Unidos; mais de 117 deles estão nas principais indústrias da Fortune 500. Os abusos
divulgados variam desde o suborno de altos funcionários estrangeiros, a fim de garantir algum tipo de ação
favorável de um governo estrangeiro aos chamados pagamentos facilitadores que supostamente foram feitos para
garantir que os funcionários do governo cumpram certas funções ministeriais ou administrativas.” Tradução livre.
12
Como vimos, temendo pela descredibilizarão na economia (CARVALHO, 2018), e com
base neste relatório, o Congresso editou a Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), em 1977.
Primeira lei a tratar de um instrumento/obrigação de “transparência em contabilidade”
(accounting transparency), com referências claras aos deveres da Exchange Act (Lei da Bolsa
de Valores); e da proibição do suborno a funcionários estrangeiros.

Estava iniciado o princípio do dever de compliance, muito embora não existisse ainda
um programa formatado como temos hoje. Para estar em conformidade com os requisitos de
transparência da lei, as empresas começaram a desenvolver procedimento internos que a
permitissem controlar e implantar a ética empresarial.

Com o passar dos anos, a FCPA continuou a se adaptar trazendo emendas e outras
condições. Mas até hoje sanções severas continuam em seu escopo, tais como: a) multas
elevadas; b) dissolução da pessoa jurídica; c) pena de reclusão para pessoa física de 5 anos etc.

1.2.2. Inter-American Convention Against Corruption de 1996 (OAS).

Anos depois, em 1996, a Organização dos Estados Americanos (OEA) se reunia em


Caracas, Venezuela, para assinar o primeiro documento internacional que trata da corrupção
em nível transnacional. A Convenção depositada junto à Assembleia Geral prevê cooperação
internacional entre os Estados-Membros.

A integra do texto original demonstra intensa preocupação com os reflexos da corrupção


na democracia e na credibilidade das instituições públicas (OECD, 1996). E a partir dessa
preocupação, os dois objetivos do Convenção foram definidos em seu “Artigo II”. Eles trazem
o conceito da cooperação e de meios para erradicação da corrupção. Vejamos a integra:

“1. To promote and strengthen the development by each of the States Parties of the
mechanisms needed to prevent, detect, punish and eradicate corruption; and
2. To promote, facilitate and regulate cooperation among the States Parties to ensure
the effectiveness of measures and actions to prevent, detect, punish and eradicate
corruption in the performance of public functions and acts of corruption specifically
related to such performance.”2

2
“1. Promover e fortalecer o desenvolvimento por cada um dos Estados Partes dos mecanismos
necessários para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção; e 2. Promover, facilitar e regular a cooperação
entre os Estados Partes para garantir a eficácia de medidas e ações para prevenir, detectar, punir e erradicar a
corrupção no desempenho de funções públicas e atos de corrupção especificamente relacionados a esse
desempenho.” Tradução livre.
13
O movimento internacional contra a corrupção nasce aqui, com a OEA, e essa iniciativa
passa a ser referência na cooperação transnacional.

A estrutura do documento traz obrigações preventivas, classifica atos de corrupção,


enriquecimento ilícito e extradição. Dá definições de como a cooperação entre os Estados-
Membros funcionará, cria a exigência de que os países legislem localmente sobre o assunto,
entre outros.

Essas definições por si só já aumentavam no âmbito legal, para países que não tinham
leis sobre o assunto, o padrão moral de conduta frente à corrupção. Mas ela também reverberou
o que a FCPA havia definido no ano anterior em território americano, aqui tratado como:
“Transnational Bribery”, ou, Suborno Transnacional.

Tornando um dever para os Estados-Membros signatários, segundo suas respectivas


constituições, a criminalização do suborno de agente público estrangeiro. A previsão do crime
nesses países, somada à cooperação internacional, prejudicaria diretamente a dinâmica do crime
internacional organizado, como também, várias outras ações com operações intercontinentais.
No título VIII (OECD, 1996), a Convenção define que:

“[...] each State Party shall prohibit and punish the offering or granting, directly or
indirectly, by its nationals, persons having their habitual residence in its territory,
and businesses domiciled there, to a government official of another State, of any
article of monetary value, or other benefit, such as a gift, favor, promise or advantage,
in connection with any economic or commercial transaction in exchange for any act
or omission in the performance of that official's public functions.”3

Esse ponto, é essencial para repercussão, além EUA, do incentivo ao combate à


corrupção. Tornou-se o segundo pilar na construção histórica do compliance.

A Convenção não traz um sistema organizado de Programa de Integridade. Em seu


texto, cita várias vezes a expressão de “mecanismos” contra a corrupção em diversas situações,
mas que o Estado os desenvolveria para controlar e detectar melhor a corrupção.

Tais mecanismos, em nosso entendimento, tornaram-se sistemas sofisticados de Receita


Federal e outras ferramentas que o Estado possuí, mas que não foi por ele desenvolvido um
sistema de “programa de compliance” assim como veremos nos próximos tópicos.

3
“[...] cada Estado Parte proibirá e punirá a oferta ou concessão, direta ou indireta, por seus nacionais, de
pessoas com residência habitual em seu território e de negócios domiciliados no país, a um funcionário do governo
de outro Estado, de qualquer artigo de valor monetário ou outro benefício, como presente, favor, promessa ou
vantagem, em conexão com qualquer transação econômica ou comercial em troca de qualquer ato ou omissão no
desempenho das funções públicas desse funcionário.” Tradução livre.
14
1.2.3. Core Principles For Effective Banking Supervision de 1997 (Basel
Committee).

O Bank for International Settlements (BIS) é uma organização financeira criada para
administrar compensações internacionais, estabilidade na economia e para ser o banco dos
brancos centrais. Foi fundado em 1930 e os países membros possuem aproximadamente 95%
do PIB mundial (BIS, 2019).

Em 1974 foi criado o “Basel Committee on Banking Supervision”. Conhecido como o


Comitê de Basileia, o grupo de trabalho pertence ao BIS é composto por representantes e
autoridades na área de monitoramento bancário.

Alguns anos após sua criação, o Comitê publicou um documento contendo vinte e cinco
princípios para supervisão bancária independente de nacionalidade. O texto foi atualizado em
2006, mas desde o original em 1997, como chama atenção Martines, Lima (2018, p. 71), o
Princípio nº14 (SUPERVISION, 1977) é o aspecto mais relevante no desenvolvimento do
Programa e Integridade. Aqui, pela primeira vez em um documento organizacional, é instituído
a Função de Compliance. Vejamos:

“14. Banking supervisors must determine that banks have in place internal controls
that are adequate for the nature and scale of their business. These should include
clear arrangements for delegating authority and responsibility; separation of the
functions that involve committing the bank, paying away its funds, and accounting for
its assets and liabilities; reconciliation of these processes; safeguarding its assets;
and appropriate independent internal or external audit and compliance functions to
test adherence to these controls as well as applicable laws and regulations.” (grifos
nossos).”4 (grifos nossos).

O princípio define que os bancos devem encarregar pessoas da função de conformidade,


para verificar se os outros controles criados pelo documento estão sendo realmente
implementados. Expandindo também a função de compliance para que essa supervisão alcance
todas as leis e “regulamentos aplicáveis” à instituição.

A partir desse momento uma fase organizada começou a estruturar o Programa de


Integridade. A iniciativa econômica percebeu que o preço e o risco da não-conformidade são

4
"14. “Os supervisores bancários devem determinar que os bancos adotam controles internos adequados
à natureza e escala de seus negócios. Estes devem incluir disposições claras para delegar autoridade e
responsabilidade; separação das funções que envolvem comprometer o banco, pagar seus fundos e contabilizar
seus ativos e passivos; reconciliação desses processos; salvaguarda de seus ativos; e auditoria interna ou externa
independente apropriada e funções de conformidade para testar a aderência a esses controles, bem como às leis e
regulamentos aplicáveis. ” Tradução livre.
15
altos para o seguimento bancário, como também, o alto risco de descredibilização e
desestabilização internacional de instituições, podendo causar colapsos financeiros e
monetários a níveis regionais e globais. E a “Sessão I” (SUPERVISION, 1997) é bem clara ao
demonstrar isso:

“Weaknesses in the banking system of a country, whether developing or developed,


can threaten financial stability both within that country and internationally. Theneed
to improve the strength of financial systems has attracted growing international
concern.”5

Vale ressaltar o comentário de Martinez, Lima (2018, p. 72) acerca de outras facetas
que o Comitê trouxe no documento:

“Neles ficou clara também a responsabilidade dos diretores das instituições bancárias
pela efetiva aplicação de sistemas de controles internos, bem como ficaram
pormenorizadas as diretrizes a serem seguidas pelos bancos nessa missão.”

Assim, pelo temor de consequências catastróficas, baseado em gerenciamento de riscos


e prevenção institucional, o departamento de Compliance foi criado para mitigação de perdas e
conformidade com a Lei e regulamentos. Não por ameaças, mas por inteligência concorrencial.

1.2.4. Anti-Bribery Convention de 1997 (OCDE).

No mesmo ano em que o Comitê de Basileia divulgou os vinte e cinco princípios, e no


ano anterior à Convenção da OEA, a OCDE editou uma a Convention on Combating Bribery
of Foreign Public Officials in International Business Transactions, que tratava da corrupção de
funcionários públicos estrangeiros nas transações internacionais de negócios.

A OCDE é uma organização intergovernamental que visa cooperação econômica entre


os países que a compõe. Fundada pelos Estados Unidos, Canadá e países Europeus. A
Convenção da OCDE logo lançava caminhos semelhantes aos praticados pela OEA.
Incentivando os países signatários a implementarem legislações locais que criminalizassem o
suborno de agentes estrangeiros – se ainda não tinham feito – e visassem reduzir a corrupção
(OECD, 2019).

Foi um grande avanço a nível mundial, dois novos continentes estavam sobre
regulamentações que ratificavam os deveres do combate à corrupção. É a partir desta convenção

5
“As fraquezas no sistema bancário de um país, em desenvolvimento ou desenvolvido, podem ameaçar
a estabilidade financeira tanto dentro desse país quanto internacionalmente. A necessidade de melhorar a força dos
sistemas financeiros atraiu crescente preocupação internacional.” Tradução Livre
16
que no futuro o Reino Unido editaria a Bribery Act. Lima (2018, p. 40) parafraseando
Petrelluzzi e Rizek Júnior (2014, pg. 25) diz que a Convenção:

“[...] impôs a todos os Países-membros a se comprometerem a instituir legislações


locais de combate à corrupção transnacional, numa tentativa de retomar a
concorrência igualitária entre as empresas em âmbito internacional.”

A concorrência desguaritaria que Lima (2018) parafraseou se refere ao costume de –


antes da convenção da OCDE – ser comum o pagamento de propina em países como França e
Grã-Bretanha. Assim, os Estados Unidos ficavam em desvantagem concorrencial, uma vez que
já haviam aprovado a FCPA. Lima (2018, p. 43) continua explicando:

“[...] identificou-se uma desvantagem concorrencial às empresas americanas, pois, de


certa forma, a Grã-Bretanha e a França incentivavam o pagamento de vantagens
ilícitas a agentes estrangeiros, já que se permitia, inclusive, que as empresas
descontassem no imposto de rendas esse tipo de pagamento.

Dessa forma, a livre concorrência estava fortemente afetada de modo a veneficiar as


empresas “antiéticas”, que estavam dispostas a dotar práticas de duvidosa legalidade,
e a prejudicar as empresas “éticas”, que tinham que arcar com os elevados custos de
transação derivados do dever de observar as normas éticas e legais, bem como
renunciar aos mercados em que não fosse vantajoso seguir a lei. Tudo isso gerou forte
pressão para adesão dos países às convenções internacionais de combate à corrupção.”

E por esse cenário houve a investida da convenção de modo que, agora, abrangesse
também a Europa.

1.2.5. Sarbanes–Oxley Act de 2002 (US).

Como resultado do trabalho do Senador Poul Sarbanes e do deputado Michael Garver


Oxley, a lei Sarbanes-Oxley Act (SOX) foi, novamente, mais uma reação a escândalos
americanos que se acumularam deste a FCPA. Com diferença entre os primeiros mencionados
deste trabalho, estes estavam ligados a fraudes contábeis e não a suborno.

Mesmo que já existisse a Securities and Exchange Commission (SEC), para investigar
obrigações de transparência de contabilidade, com requisitos previstos na Securities Exchange
Act, inclusive na FCPA; empresas praticaram manobras contábeis contornando a SEC e a
FCPA.

Quando a fraude contábil veio a público, ouve um colapso na economia americana.


Milhares de empregos foram perdidos, acionistas perderam cerca de US$ 11 bilhões e mais de
US$ 2 bilhões em planos de pensão ficaram irrecuperáveis. Da noite para o dia (TIMES, 2007).

17
A Enron foi a falência, e a empresa prestadora de serviços de auditoria e contabilidade,
a Arthur Andersen, foi dissolvida. Ficou evidente que a FCPA não era o suficiente para definir
os detalhes contábeis que a empresas estavam sujeitas.

Aprovada em 2002 com 423 “sins”, 3 “nãos” e 8 “nulos” (CONGRESS, 2002) a SOX
ampliava as exigências e dava previa sanções legais mais severas a empresas que estivessem na
Bolsa de Valores. Vejamos como Dallanora (2019, p. 66) traz essas mudanças que a lei fez:

“[...] a Sarbanes-Oxley Act (SOX) nos Estados Unidos da América, que prevê a
necessidade de incluir declarações semestrais e anuais, o compromisso com a
verdade, sob pena de reclusão de até 20 anos, por crime de falsidade.

Ainda, com o intuito de proteger os investigadores, ela obriga a empresa a “verificar


e descobrir” qualquer irregularidade, tento como consequência a previsão de
controles internos que passaram a existir nos “códigos, princípios éticos e deveres de
auto-obrigação”.” (grifos nosso).

Veja quão sutil é a mudança e quão drásticos são os reflexos. A responsabilidade que
estava sobre a SEC de investigar tais ilícitos, foi repassada como dever para a empresa. Desta
forma, se no futuro um crime contábil fosse descoberto e processado pela SEC, a empresa
responderia não só por um, mas por dois crimes. O segundo? Crime de fraude.

Uma vez que, agora, todos os relatórios semestrais e anuais deveriam vir acompanhados
de assinatura declarando a veracidade deles. Os riscos empresariais ligados à conformidade
com a lei aumentaram significativamente. Vinte anos de reclusão. Dallanora (2019) continua
citando o comentário de Benedetti (2013):

“Para Carla Rabah Benedetti, o que ocorreu foi uma “transferência de


responsabilidade de investigação dessas atividades em si para o setor privado”,
tendo em vista a dificuldade que a globalização trouxe ao setor público para, sozinho,
investigar delitos praticados pelas empresas.” (grifo nosso).

Acertadíssimo, a nosso ver, o comentário da Dr.ª Benedetti já que a sutileza que a lei
trouxe foi exatamente este ponto.

1.2.6. Bribery Act de 2010 (UK).

Depois de vários anos após a Convenção Contra Corrupção da OCDE, o Parlamento do


Reino Unido conseguiu chegar a um consenso de como sua legislação trataria o tema. Em 2010,
com o apoio do parlamento, a Bribery Act recebeu da Rainha da Inglaterra o “Royal Assent”.
Entrando em vigor em janeiro de 2011.

18
Ficou mundialmente conhecida por estar entre as leis internacionais mais rigorosas
sobre suborno (UK, 2012). Criou quatro crimes principais (UK, 2012). A lei também colocou
o ônus da prova na empresa, semelhante a SOX, para que fosse responsabilidade da mesma,
demonstrar que possui procedimentos que desestimulam práticas de corrupção.

Isso porque um dos novos crimes previstos é a falha da empresa ao evitar o ato de
corrupção, a organização Transparency International UK descreve como “failure by a
commercial organisation to prevent a bribe being paid to obtain or retain business or a
business advantage”6 (UK, 2019).

Apesar da posição ser severa, quando combinada com as penalidades possíveis, existe
um antidoto (UK, 2012) já mencionado: “should an offence be committed it will be a defence
that the organisation has adequate procedures in place to prevent bribery”7 (grifo nosso). A
empresa poderá demonstrar que possuí os procedimentos que desestimulam e previnem atos de
corrupção.

Para facilitar a compressão e conformidade, o Governo editou guias desses


“procedimentos adequados”. Instruindo as empresas do que fazer para implantar ferramentas,
métodos e princípios importantes na introdução de uma cultura empresarial avessa à corrupção.
Essa defesa através de provas serve para amenizar as penas para a organização empresarial e
não alcança as penas individuais.

Combinada com as leis “Proceeds Of Crime Act” (KINGDOM, 2000a) e a “Company


Directors Disqualification Act” (KINGDOM, 2000b), as penas podem variar. Para as empresas,
estão na lista de possíveis sanções: a) dissolução; b) Proibição permanente de participar de
licitações; c) Multa ilimitada; d) Dever de publicação em mídia nacional se retratando por seus
atos (mídia negativa). Para pessoas físicas as penas podem implicar: a) Prisão de até 10 anos;
b) Perder o cardo de diretor; e c) Proibição de ser diretor por um prazo de até 15 anos.

Para mitigar a possibilidade dos altos riscos de responsabilidades do suborno, o


compliance se torna uma faculdade quase que necessária para uso cotidiano empresarial (UK,
2019). É importante compreender que o compliance não deve ser visto como uma “coisa”, ou

6
“falha de uma organização comercial em impedir que um suborno seja pago para obter ou manter
negócios ou uma vantagem comercial”. Tradução livre.
7
“caso uma ofensa seja cometida, será uma defesa que a organização possua procedimentos adequados
para evitar suborno”. Tradução livre.
19
“ferramenta” ou apenas um “departamento”. Para essas legislações, conformidade é um modo
de agir. Um meio, e não um fim.

1.3. Origem e Histórico Nacional.

No Brasil, o Compliance chega pelos meios bancários em reflexo ao Comitê de Basileia,


o qual fazia parte, e em seguida com a Convenção da OEA contra Corrupção. Com avanços
tímidos ainda se questiona se a repercussão foi eficiente ou não.

1.3.1. Lei de Combate aos Crimes de Lavagem de Dinheiro de 1998 (Nº 9.613).

Em setembro de 1998 a presidência sancionou a Lei 9.613 decretada pelo Congresso


Nacional. Em consonância com a Convenção de Combate à Corrupção da OEA, a lei trata dos
Crimes de Lavagem de Dinheiro e cria o COAF (Conselho de Controle de Atividades
Financeiras).

A lei não aparece no escopo de nosso trabalho por estar ligada à Convenção da OEA,
tratada do capítulo anterior. Tão pouco por ser uma legislação contra corrupção. O corte de
nossa pesquisa, intrinsicamente ligado à compliance, encontra na Lei de Lavagem de Dinheiro
a primeira previsão que abre portas para o conceito de conformidade no Brasil.

A criação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, toma


protagonismo para investigar operações financeiras suspeitas, e dá providências semelhantes à
SOX, quando determina às autoridades bancárias comunicação imediata de transações que não
estejam em harmonia com instruções nacionais.

O não cumprimento do dever previsto em lei: de identificar seus clientes (I, Art. 10 da
lei 9.613/98), de manter registro de toda as operações financeiras que ultrapasse o limite
regulado (II, Art. 10) e de comunicar ao COAF, sem dar ciência a qualquer pessoa, transações
feitas fora das instruções (redação de 1998 do II, Art. 11), não seriam apenas uma
recomendação. Seriam obrigação.

E o instrumento de enforcement que a lei usa é a responsabilização da Instituição


Financeira de não cumprir esta e outras determinações. Assim, os primeiros deveres de
conformidade – repassados do Estado à terceiro – foram instituídos no Brasil.

20
Como a FCPA a Lei não recomenda ou traz benefícios ligados a sanções por políticas e
procedimentos de conformidade empresarial. Mas lhe deposita o dever de agir internamente
para prestar informações, sob ameaça de sanções legais.

Martinez e Lima (2018, p. 75) afirmam que o COAF nascia com o propósito de
“disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar ocorrências suspeitas
de atividade ilícitas”. A lei, taxativamente, já em sua redação original, definia quais eram as
pessoas sujeitas as obrigações (Capítulo V).

Dessa forma, houve o fortalecimento nas necessidades de procedimentos internos para


mitigar os riscos da lei.

1.3.2. Resolução 2.554 de 1998 (CMN).

Mas foi com a resolução do Conselho Monetário Nacional no Brasil, que os princípios
e boas práticas do compliance tomaram corpo. Martinez e Lima (2018, p. 73) ressalta que a
resolução foi o passo histórico inicial mais importante, isso porque a CMN trazia os vinte e
cinco princípios de boas práticas do Basel Committee, também inspirada na SEC (Securities
and Exchange Commission).

Conforme ressaltado por Martinez e Lima (2018, p. 73), é importante transcrever parte
da resolução para se compreender que passos o CMN estava tomando. O trecho a seguir é a
redação original da Resolução Nº 2.554. Banco Central do Brasil. Brasília, sem as recentes
modificações:

“Art. 1º Determinar às instituições financeiras e demais instituições autorizadas a


funcionar pelo Banco Central do Brasil a implantação e a implementação de
controles internos voltados para as atividades por elas desenvolvidas, seus sistemas
de informações financeiras, operacionais e gerenciais e o cumprimento das normas
legais e regulamentares a elas aplicáveis.

§ 1º Os controles internos, independentemente do porte da instituição, devem ser


efetivos e consistentes com a natureza, complexidade e risco das operações por ela
realizadas.

(...)

Art. 4º Incumbe à diretoria da instituição, além das responsabilidades enumeradas


no art. 1º, parágrafo 2º, a promoção de elevados padrões éticos e de integridade e de
uma cultura organizacional que demonstre e enfatize, a todos os funcionários, a
importância dos controles internos e o papel de cada um no processo.” (grifos
nossos).

21
Diferente da Lei de Lavagem de Dinheiro – publicada meses antes – a auto-
regulamentação apresentada pela Comissão Monetária Nacional, teve papel instrutivo no
ambiente de integridade empresarial bancário. Introduziu no cenário local os conceitos
necessários para que pudesse se desenvolver Programas de Integridades.

A resolução também foi a primeira a trazer para o compliance o teor de obrigatoriedade.


Foi imposta à categoria econômica a determinação da criação de um programa de integridade.

1.3.3. Lei Anticorrupção de 2013 (Nº 12.846).

Encaminhada pelo Executivo à Câmara dos Deputados como Projeto de Lei nº 39/13, a
Lei Anticorrupção foi votada e aprovada no Senado em 2013. Publicada no Diário Oficial como
a lei Nº 12.846 de 2013, a lei passava a regular a responsabilização objetiva das empresas na
responsabilidade civil e administrativa em atos contra a Administração Pública.

Cunha e Souza (2017, p. 21) destaque que o Brasil possuía um imenso arsenal de leis
contra a corrupção, no entanto, a maior parte delas era voltada ao agente público esquecendo-
se de que era também a organização privada responsável pelo mesmo crime. É evidente que a
empresa também podia ser processada e penalizada, mas a legislação não era robusta em ter
mecanismos eficientes para isso.

A lei 12.846/13 reequilibrou essa balança ao entregar a responsabilidade objetiva às


empresas, que por sua vez teriam que demonstrar sua “não-participação” com as circunstâncias
de responsabilidades que lhes seriam alegadas. Cunha e Souza (2017) continuam lembrando
que a mencionada lei não possui natureza penal.

Muito pelo contrário, uma vez que “(...) no Brasil, só é admitida a responsabilidade
penal de pessoa jurídica nos crimes ambientais” (CUNHA, SOUZA, 2017, p. 75). Percebe-se
que o alvo da legislação é sim a Organização Empresarial, como meio de trazer sanções que
ainda não eram previstas a essa classe.

Quem delimita isso é seu art. 1º, ao dizer: “Esta Lei dispõe sobre a responsabilidade
objetiva administrativa e civil de pessoa jurídicas pela prática de atos contra a administração
pública, nacional ou estrangeira”. Perceba que a Lei Federal nº12.846/13 adotou inciativa
semelhante à da SOX (posteriormente adotada também pela Bribery Act). A responsabilidade
da empresa provar. O que por si só, já incentiva de certa forma o uso de monitoramento e
procedimentos internos para mitigar os riscos envolvidos.

22
Entretanto, a legislação também traz a avaliação de programa de integridades como
meio de consideração para aplicação das sanções nelas previstas. Fica a encardo do seu art. 7º.
Vejamos:

“Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções:

(...)

VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade,


auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos
de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”.

Seguindo os principais entendimentos internacionais, o compliance foi visto pela


legislação como circunstância a se considerar na avaliação das sanções. Entretanto, diferente
da Bribery Act, por exemplo, as sanções parecem mais leves e o programa de integridade não
grande impacto para atenuar as penalidades das organizações.

A lei deixou a cargo de Regulamentação do Poder Executivo como a diminuição iria ser
valorada.

1.3.4. Decreto Nº 8.420 de 2015.

O que ensejou o Decreto Nº 8.420/15. O artigo 17 do Decreto, elenca as circunstâncias


da valoração no aumento de multa. E é sob essa ótica do art. 17 que se somam toda valoração
que comporá a sentença administrativa. Por exemplo: acrescentar 1% (um por cento) à 2,5%
(dois e meio por cento) caso os atos de corrupção sejam continuados.

Em seguida, o art. 18 fica encarregado de definir o oposto, ou seja, quais situações serão
consideradas para subtrair os valores anteriormente somados. Momento em que regulamenta a
vantagem auferida pela empresa ao demonstrar as práticas de compliance. O texto declara:

“Art. 18. Do resultado da soma dos fatores do art. 17 serão subtraídos os valores
correspondentes aos seguintes percentuais do faturamento bruto da pessoa jurídica
do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos:

(...)

V - um por cento a quatro por cento para comprovação de a pessoa jurídica possuir
e aplicar um programa de integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no
Capítulo IV”. (grifo nosso).

Assim, o percentual de subtração dessa circunstância avaliada fica limitado a 4% da


multa, que pode chegar a 20% sem subtrações. Isso se a organização empresarial puder
demonstrar os requisitos que o Capítulo IV traz. Em completa semelhança com a Bribery Act.
23
A legislação inglesa seguiu essa lógica de definir quais parâmetros mínimos a empresa
deveria adotar para demonstrar o cumprimento de deveres de conformidade, e prevenção de
riscos. Para isso, o Governo Inglês desenvolveu as “Adequate Procedures Guidance” (UK,
2019), um guia detalhado com cerca de cem páginas, contendo: princípios, exemplos de
políticas internas e até checklists de integridade separadas por área da empresa.

O Decreto brasileiro traz essas mesmas intenções. Estabelece uma estrutura mínima de
dezesseis diretrizes para o Programa de Integridade a ser seguido pela organização. E é
necessário que os conheçamos, vejamos:

“Art. 42. Para fins do disposto no § 4º do art. 5º, o programa de integridade será
avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes
parâmetros:

I - comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos,


evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa;

II - padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade,


aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente de cargo ou
função exercidos;

III - padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas,


quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço,
agentes intermediários e associados;

IV - treinamentos periódicos sobre o programa de integridade;

V - análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao programa de


integridade;

VI - registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da


pessoa jurídica;

VII - controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade de


relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica;

VIII - procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de


processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer
interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, tal como
pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de autorizações,
licenças, permissões e certidões;

IX - independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela


aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento;

X - canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a


funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de
boa-fé;

XI - medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade;

XII - procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou


infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados;

24
XIII - diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão, de
terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e
associados;

XIV - verificação, durante os processos de fusões, aquisições e reestruturações


societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da existência de
vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas;

XV - monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu


aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos
previstos no art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013; e

XVI - transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos


políticos.” (grifos nossos).

Essa é a estrutura mínima que uma empresa deve demonstrar para obter atenuação de
multa na Lei Anticorrupção.

O decreto também leva em consideração (nos parágrafos subsequentes) a complexidade


da empresa de área de atuação, para que cada programa seja avaliado de acordo com a realidade
empresarial. Faz também um corte de itens não exigidos a microempresas e empresas de
pequeno porte (III, V, IX, X, XIII, XIV e XV respectivamente).

Com esse conteúdo, o decreto Nº 8.420, de 18 de março de 2015, que regulamenta a Lei
Federal nº 12.846/13, se torna o documento legal mais detalhado – fora do seguimento bancário
- abrangendo todas as organizações empresariais, independente de tamanho.

1.3.5. Resolução 4.595 de 2017 (CMN).

Destaca Martinez e Lima (2018, p. 79) “que todo esse processo evolutivo foi
completado, no setor bancário, com a edição da Resolução 4.595/17 do CMN”, que passou a
tratar de maneira exclusiva de “política de conformidade (compliance)”. A Resolução diz:

“RESOLUÇÃO Nº 4.595 (...) O CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL (...)


RESOLVEU:

(...)

Art. 2º As instituições mencionadas no art. 1º devem implementar e manter política


de conformidade compatível com a natureza, o porte, a complexidade, a estrutura,
o perfil de risco e o modelo de negócio da instituição, de forma a assegurar o efetivo
gerenciamento do seu risco de conformidade.

Parágrafo único. O risco de conformidade deve ser gerenciado de forma integrada


com os demais riscos incorridos pela instituição, nos termos da regulamentação
específica.”

25
Os autores ensinam que “apesar do referido ato não trazer novidades conceituais – pois
segue, na prática, as orientações já declinadas pelo Comitê da Basileia -, é mais uma importante
fonte normativa da cultura de compliance (...)”. (MARTINEZ; LIMA, 2018, p. 79).

É com a resolução explanada que o histórico legislativo de programa de integridade no


Brasil termina. É possível notar que se comparado com a legislação internacional a muito o que
se desenvolver, mas ao mesmo tempo, fica demonstrado que o compliance tem raízes fincadas
no Direito Brasileiro.

Por fim, vimos no Decreto Nº 8.420/15 os requisitos mínimos para o Programa, só nos
faz necessário saber a didática de que pilares sustentam a visão brasileira sobre o assunto. É por
isso, que antes da conclusão desse capítulo, passaremos a elucidar tais pilares.

1.4. Pilares do Programa de Integridade Brasileiro.

O Brasil também elaborou seu guia, com muita simplicidade, inspirado no “Adequate
Procedures Guidance”. Através da Controladoria-Geral da União (CGU) foi publicado em
2015, o guia “Programa de Integridade: diretrizes para empresas privadas”8.

Ele retrata o pensamento governamental de quais são os pilares de funcionamento do


programa de integridade e das indicações de como se deve desenvolver um. A publicação é
instrutiva e não tem força legal alguma, e divide o conceito geral em cinco pilares. Os trechos
a seguir são de extração do manual da CGU das p. 9 em diante.

1.4.1. 1º Pilar: Comprometimento e apoio da alta direção.

“O apoio da alta direção da empresa é condição indispensável e permanente para o


fomento a uma cultura ética e de respeito às leis e para a aplicação efetiva do Programa de
Integridade.”

1.4.2. 2º Pilar: Instância responsável pelo Programa de Integridade.

8
BRASIL. Programa de Integridade: diretrizes para empresas privadas. Controladoria-Geral da União.
Disponível em: <https://www.cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-de-integridade-
diretrizes-para-empresas-privadas.pdf>. Acesso em: 14 de nov. de 2019
26
“Qualquer que seja a instância responsável, ela deve ser dotada de autonomia,
independência, imparcialidade, recursos materiais, humanos e financeiros para o pleno
funcionamento (...)”.

1.4.3. 3º Pilar: Análise de perfil e riscos.

“A empresa deve conhecer seus processos e sua estrutura organizacional, identificar sua
área de atuação e principais parceiros de negócio, seu nível de interação com o setor público –
nacional ou estrangeiro (...)”

1.4.4. 4º Pilar: Estruturação das regras e instrumentos.

“Com base no conhecimento do perfil e riscos da empresa, deve-se elaborar ou atualizar


o código de ética ou de conduta e as regras, políticas e procedimentos de prevenção de
irregularidades; desenvolver mecanismos de detecção ou reportes (...)

Como também “(...) definir medidas disciplinares para casos de violação e medidas de
remediação. Para uma ampla e efetiva divulgação do Programa de Integridade, deve-se também
elaborar plano de comunicação e treinamento (...).”

1.4.5. 5º Pilar: Estratégias de monitoramento contínuo.

O manual afirma que “É necessário definir procedimentos de verificação da


aplicabilidade do Programa de Integridade ao modo de operação da empresa e criar mecanismos
para que as deficiências encontradas em qualquer área (...)”

Afirma que o departamento “atue de maneira integrada com outras áreas


correlacionadas, tais como recursos humanos, departamento jurídico, auditoria interna e
departamento contábil-financeiro.”

Depois de conceituar, demonstrar a evolução histórica internacional e situar a chegada


ao Brasil, passaremos a compreender em que situações o compliance tem sido previsto nas
Legislações Estaduais. E a partir desse desenvolvimento poderemos tecer nossas críticas.

27
CAPÍTULO II
DECOMPOSIÇÃO DAS LEGISLAÇÕES ESTADUAIS QUE IMPÕEM OU
REGULAM VANTAGENS DE COMPLIANCE.

Analisado o caminho percorrido para o Programa de Compliance no Mundo e no Brasil,


passaremos a estudar as Legislações Estaduais que tratam do instituto em seu ordenamento.

2.1. Metodologia do Estudo.

Seguindo a máxima heurística da parcimônia e simplicidade, analisaremos o fenômeno


de compliance nas Legislações Estaduais com a menor quantidade de premissas possíveis. Para
tanto, definimos como navalha de Occam três aspectos: a) Que o documento legal seja uma Lei
Estadual; b) Que ela legisle abordando Programas de Integridade; e c) Que trate das relações
público-privado.

Lei, e não outro dispositivo legal, pela ordem hierárquica e pelo maior exercício de
democracia nela praticado. Estadual, por já existir vasta literatura sobre os dispositivos de
compliance a nível Federal. E, Compliance, por ser o campo de estudo em stricto sensu deste
trabalho, cuja relações “Público-Privado”, são o campo latu sensu “Anticorrupção Empresarial”
aqui desenvolvidos.

Sete Leis Estaduais se encaixam nos requisitos definidos pelos critérios metodológicos
desse trabalho, e foram editadas pelos seguintes Estados: Amazonas (lei nº 4.730/18), Distrito
Federal (lei nº 6.112/18), Goiás (lei nº 18.672/14, lei nº 20.489/19), Pernambuco (lei nº
16.309/18), Rio de Janeiro (lei nº 7.753/17) e Rio Grande do Sul (lei nº 15.228/18).

Analisaremos uma a uma dessas Leis sobre a óptica de cinco prismas diferentes. Com
as refrações, poderemos organizar as informações nelas contidas, permitindo analisar
metodologicamente a inserção do instituto de compliance no cenário atual.

Os quatro primeiros prismas serão palco deste capítulo. São eles: P1) Circunstâncias
em que a lei exige/menciona compliance; P2) Como a lei exige que sua efetividade seja
demonstrada; P3) Que vantagens ela usa para incentivo/recompensa da implantação; e P4) Que
sansões são usadas para a ausência do programa nos casos em que exige.

O Prisma Cinco será analisado no último capítulo, que de forma crítica, evidenciará as
problemáticas e deficiências expostas entre a comparação das Legislações Estaduais, e o avanço
do uso internacional do conceito. Usando as informações aqui organizadas, como fundamento
28
de discordância no derradeiro prisma: P5) Que desvantagem a dinâmica traz para a implantação
de programas efetivos de compliance.

Sob a óptica do Prisma Um (P1), percebemos que são três as situações em que as Leis
em análise, exigem ou mencionam compliance: 1) como valoração na diminuição de sanção de
responsabilidade administrativa e cível; 2) como exigência para Acordo de Leniência; e 3)
como requisito para participar de contratações estaduais.

Para não tratamos de cada lei isoladamente repetindo os tópicos, optamos por organizar
esse capítulo nas três situações em que o instituto jurídico aparece na legislação. Passando, a
partir dessa organização, a abordar os demais prismas nas respectivas leis. Vejamos a análise.

2.2. Compliance como fator de valoração na diminuição de multa em Processo


Administrativo de Responsabilidade.

Entre os Estados Brasileiros, no âmbito do Poder Executivo Estadual, somente Goiás,


com a Lei Estadual nº 18.672/14; Pernambuco, Lei Estadual nº 16.309/18; e Rio Grande do Sul,
Lei Estadual nº 15.228/18, regulamentaram a responsabilização objetiva administrativa de
pessoas jurídicas, pela prática de atos contra a Administração Pública Estadual.

2.2.1. Goiás: Lei Estadual nº 18.672/14 (Atenuação de Multa).

Sob o Prisma Um (P1), Goiás, Pernambuco e Rio Grande do Sul, também trouxeram
consigo a mesma estratégia que a Lei Anticorrupção abordou o Programa de Integridade: como
fator de valoração na subtração das multas de decisões administrativas, em desfavor de empresa
ré (além da exigência no Acordo de Leniência abordado mais à frente).

No Estado de Goiás, a previsão vem do inciso VIII, art. 7º da Lei nº 18.672/14. Nos
seguintes termos:

“Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções:

(...)

VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, tais


como o mapeamento de risco de corrupção, a auditoria e o incentivo à denúncia de
irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da
pessoa jurídica.” (grifo nosso).

29
Ressaltasse que para fiscalizar a efetividade do Programa de Integridade, Prisma Dois
(P2), vemos que o Estado de Goiás não se utiliza dos dezesseis requisitos mínimos que traz o
Decreto Federal nº 8.420/15 (que regulamenta a Lei Federal nº 12.846/13). Somente quatros
pontos mínimos são cobrados, e ainda de forma exemplificativa, quais sejam: 1) mapeamento
de risco de corrupção; 2) auditoria; 3) incentivo à denúncia de irregularidades; 4) aplicação
efetiva de códigos de ética e conduta.

Para entender como o Poder Executivo Estadual de Goiás fará a avaliação de efetividade
do Programa de Integridade (P2), esbarramos na inercia legislativa do parágrafo único do
mesmo art. 7º. Vejamos:

“Parágrafo único. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos


previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em regulamento do Poder
Executivo estadual.” (grifo nosso).

Na conclusão deste trabalho, cinco anos após a Lei entrar em vigor, inexiste
regulamentação Estadual para avaliar o Programa. Nesse ponto, podemos supor que: a ausência
de regulamentação, pelo déficit legislativo, torna obsoleta uma fiscalização por não existir
critérios e métodos para afirmar a efetividade do mesmo.

Já sobre o Prisma Três (P3), o Estado de Goiás, de forma controversa, também não
define qual benefício existiria para a valoração, que menciona o próprio artigo art. 7º de sua
legislação.

Como nossa pesquisa não identificou sanção para as empresas, benefícios na


consideração da decisão, muito menos critérios e métodos de fiscalização da efetividade,
podemos concluir que: aparentemente, a presença do Programa de Integridade na Lei Estadual
de Goiás é meramente figurativa. Até que exista um decreto que a regulamente.

Todo esse tópico do capítulo dois possui o mesmo “P1” e “P4”. Assim, não trataremos
mais deles para abordar a Lei Estadual de Pernambuco nem do Rio Grande do Sul. Pois, todas
as três mencionam compliance como parte de valoração na decisão administrativa (P1) e não
possuem sanção por não exigir o programa (P4).

Se passarmos a observar a legislação do Estado de Pernambuco (Lei Estadual nº


16.309/18) poderemos perceber que os mesmos erros não foram cometidos.

2.2.2. Pernambuco: Lei Estadual nº 16.309/18 (Atenuação de Multa).

30
Para a legislação de Pernambuco, a fiscalização da efetividade do programa de
compliance (P2) na empresa, será realizada em sede de Processo Administrativo de
Responsabilidade – PAR. E ocorrerá nos moldes do Decreto Estadual nº 46.856/18, que dispõe
sobre os critérios de avaliação de Programas de Integridade para o mencionado Estado.

Sua Lei Estadual deixa claro os critérios para fiscalização no §1º SS, do art. 35:

1° A avaliação do programa de integridade, para a definição do percentual de


redução da multa, deverá levar em consideração as informações prestadas, e sua
comprovação, nos relatórios de perfil e de conformidade do programa.

§ 2º A autoridade responsável poderá realizar entrevistas ou outras diligências, bem


como solicitar novos documentos para fins da avaliação de que trata este artigo.

§ 3º O programa de integridade meramente formal e que se mostre absolutamente


ineficaz para mitigar o risco de ocorrência de atos lesivos da Lei Federal nº 12.846,
de 2013 não será considerado para fins de aplicação do percentual de redução de
que trata este artigo.” (grifos nossos).

Para deixar claro quais informações deverão conter nesses respectivos relatórios,
critérios e método de avaliação foram organizados pelo Decreto Estadual para que a comissão
do PAR possa avaliar a efetividade do Programa.

O Decreto (PE) traz quase a mesma estrutura de dezesseis requisitos que a


regulamentação da Lei Anticorrupção traz (no Decreto Federal 8.420/15), já transcritos neste
trabalho. A única diferença é a supressão do último requisito de avaliação de efetividade, qual
seja, o inciso “XVI” que menciona a “transparência da pessoa jurídica quanto a doações para
candidatos e partidos políticos”. Mas este é um assunto à parte.

É importante destacar que a legislação estadual de Pernambuco também traz o contexto


em que a organização empresarial está inserida, como parte da avaliação correta dos critérios
de fiscalização por ela definidos. Essa proposta de contextualização também é uma cópia da
Lei Anticorrupção. Vale a transcrição do § 1º, do art. 3º do mencionado Decreto Estadual:

“§ 1º Na avaliação dos parâmetros de que trata este artigo, serão considerados o


porte e especificidades da pessoa jurídica, tais como:

I - a quantidade de funcionários, empregados e colaboradores;

II - a complexidade da hierarquia interna e a quantidade de departamentos,


diretorias ou setores;

III - a utilização de agentes intermediários como consultores ou representantes


comerciais;

IV - o setor do mercado em que atua;

31
V - os países em que atua, direta ou indiretamente;

VI - o grau de interação com o setor público e a importância de autorizações,


licenças e permissões governamentais em suas operações;

VII - a quantidade e a localização das pessoas jurídicas que integram o grupo


econômico; e

VIII - o fato de ser qualificada como microempresa ou empresa de pequeno porte.

§ 2º A efetividade do programa de integridade em relação ao ato lesivo objeto de


apuração será considerada para fins da avaliação de que trata o caput.” (grifo
nosso).

Interessante é a determinação do §2º que vincula à comissão do Processo Administrativo


de Responsabilidade, não só analisar todos os pontos das diretrizes de compliance, mas
fiscalizar sua efetividade no objeto de apuração do PAR. Definindo um caminho para a
comissão investigar, identificando se foi uma deficiência proposital do Programa.

Outro aspecto interessante é a avaliação de microempresa e empresa de pequeno porte.


Onde o Decreto remove critério – daqueles dezesseis – dessas pessoas jurídicas (seguindo a
proposta Federal). No relatório de perfil e no relatório de conformidade a ser entregue pela
empresa à comissão do PAR (Exigidos pela Lei Estadual), deverá conter, respectivamente:

“Art. 5º No relatório de perfil, a pessoa jurídica deverá:

I - indicar os setores do mercado em que atua em território nacional e, se for o caso,


no exterior;

II - apresentar sua estrutura organizacional, descrevendo a hierarquia interna, o


processo decisório e as principais competências de conselhos, diretorias,
departamentos e setores;

III - informar o quantitativo de empregados, funcionários e colaboradores;

IV - especificar e contextualizar as interações estabelecidas com a administração


pública nacional ou estrangeira, destacando:

(...)

V - descrever as participações societárias que envolvam a pessoa jurídica na


condição de controladora, controlada, coligada ou consorciada; e

(...)

Art. 6º No relatório de conformidade do programa, a pessoa jurídica deverá:

I - informar a estrutura do programa de integridade, com:

a) indicação de quais parâmetros previstos nos incisos do caput do art. 3º foram


implementados;

32
b) descrição de como os parâmetros previstos na alínea "a" deste inciso foram
implementados;

c) explicação da importância da implementação de cada um dos parâmetros previstos


na alínea "a" deste inciso, frente às especificidades da pessoa jurídica, para a
mitigação de risco de ocorrência de atos lesivos constantes do art. 5º da Lei Federal
nº 12.846, de 1º de agosto de 2013;

II - demonstrar o funcionamento do programa de integridade na rotina da pessoa


jurídica, com histórico de dados, estatísticas e casos concretos; e

III - demonstrar a atuação do programa de integridade na prevenção, detecção e


remediação do ato lesivo objeto da apuração.

§2º A comprovação pode abranger documentos oficiais, correios eletrônicos, cartas,


declarações, correspondências, memorandos, atas de reunião, relatórios, manuais,
imagens capturadas da tela de computador, gravações audiovisuais e sonoras,
fotografias, ordens de compra, notas fiscais, registros contábeis ou outros
documentos, preferencialmente em meio digital.” (grifos nossos).

A empresa, se valendo dos recursos mencionados no §2º, tem claro o que lhe será
cobrado e como poderá exercer sua defesa na demonstração da efetividade do Programa de
Integridade. Vê-se que não era complexo definir a avaliação de de efetividade (P2) que poderia
ser cobrada pela Legislação Estadual de Goiás.

No que tange as vantagens trazidas pela Lei Estadual de Pernambuco na implantação de


compliance (P3), notamos que estão sob os mesmos percentuais da Regulamentação da Lei
Anticorrupção (Decreto Federal 8.420/15): redução de um por cento a quatro por cento da multa
total (art. 34, Lei Estadual 16.309/18).

2.2.3. Rio Grande do Sul: Lei Estadual 15.228/18 (Atenuação de Multa).

O Estado do Rio Grande do Sul segue as mesmas precariedades da Lei Estadual (GO)
18.687/14. Dessa forma, para o Estado sulista não há previsão de demonstração de efetividade
(P2) nem informa quais exatamente seriam as vantagens da implantação (P3).

Mas diferente de Goiás, não há previsão de que existirá regulamento do Executivo


Estadual para definir o “P1” e “P2”. Nas disposições finais da Lei, o art. 46 faz uma virada no
déficit legislativo.

Vejamos: “Art. 46. A Lei Federal nº 12.846/13 é aplicável aos casos regulados por esta
Lei, preservados os procedimentos administrativos estabelecidos no âmbito do Estado do Rio
Grande do Sul”. Sanados todos os problemas, uma vez que, subsidiariamente, o Decreto Federal

33
8.420/15 e a Lei Federal 12.846/13 serão aplicados para atender aos importantes prismas não
legislados.

2.3. Compliance como requisito exigido na realização de Acordo de Leniência em


Leis Estaduais.

O Acordo de Leniência é um relevante instituto jurídico, principalmente quanto a Lei se


utiliza dele para obrigar a empresas candidatas ao acordo a assinar cláusula de implantação de
Compliance. Analisaremos nestes tópicos os aspectos da Leniência e o Programa de
Integridade.

2.3.1. Rio Grande do Sul: Lei Estadual 15.228/18 (Acordo de Leniência).

Embora a Legislação do Rio Grande do Sul use, subsidiariamente, a legislação federal


para regulamentar a comprovação de efetividade de compliance, assim como a porcentagem de
atenuação da multa. Ela também trata diretamente da exigência do Programa de Integridade
como requisito para celebrar o Acordo de Leniência (P1).

Em suma, a empresa, ao celebrar o termo do acordo precisará preencher requisitos


mínimos. No Estado sulista é o §1º SS, do art. 30 da Lei 15.228/18 que traz as exigências.
Vejamos:

“Art. 30. O acordo de leniência poderá ser celebrado com as pessoas jurídicas
responsáveis pela prática dos atos lesivos previstos nesta Lei e dos atos ilícitos
previstos na Lei Federal n.º 8.666, de 21 de junho de 1993, que colaborem
efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa
colaboração resulte:

(...)

§1º O acordo de que trata o “caput” deste artigo somente poderá ser celebrado se
preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar


para a apuração do ato ilícito;

II - a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada


a partir da data de propositura do acordo;

III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e


permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo,
sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu
encerramento;

34
IV - fornecer informações, documentos e elementos que comprovem a infração
administrativa;

V - o comprometimento da pessoa jurídica na implementação ou na melhoria de


mecanismos internos de integridade.”

Diferente do tópico anterior, onde o Programa de Integridade era uma faculdade


benéfica à empresa. Aqui, é tratado como imposição à sua implantação. Não há meios termos
caso a empresa queira se beneficiar das vantagens do Acordo de Leniência. E de forma
obrigatória, assim como veremos à frente, a proposta é ineficiente.

Há uma dinâmica diferente quanto às vantagens dessa abordagem (P3), uma vez que
não é a implantação de um Programa de Integridade que traz benefício à empresa. É o Acordo
de Leniência. E são vantagens robustas a serem consideradas.

Trataremos elas aqui para compreender que o Programa de Integridade é uma exigência
fantoche e meramente formal. Também na linha da Lei Anticorrupção, o art. 34 da Lei Estadual
(RS) 15.228/18 demonstra com muita clareza os benefícios:

“Art. 34. Uma vez cumprido o acordo de leniência pela pessoa jurídica
colaboradora, serão declarados em favor da pessoa jurídica signatária, nos termos
previamente firmados no acordo, os seguintes efeitos:

I - isenção da publicação extraordinária da decisão administrativa sancionadora;

II - isenção da proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou


empréstimos de órgãos ou entidades públicos e de instituições financeiras públicas
ou controladas pelo Poder Público; e

III - redução do valor final da multa aplicável.

§1º Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que


integrarem o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que tenham
firmado o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas. (...)”
(grifos nossos).

O art. 30, §2º detalha que a redução da multa pode chegar a dois terços do valor total.
Os benefícios são tão atrativos que é possível perceber que o compliance é inserido na Lei
apenas como tendência normativa. Isso porque, quando vamos analisar como a Lei define que
ele seja fiscalizado, ou como sua efetividade deve ser demonstrada (P2), vemos que somente o
art. 33 da Lei Estadual do Rio Grande do Sul trata sobre esse prisma. Diz:

“Art. 33. O acordo de leniência estipulará as condições para assegurar a efetividade


da colaboração e o resultado útil do processo, do qual constarão cláusulas e
obrigações reputadas necessárias e adequadas diante das circunstâncias do caso
concreto, contemplando, dentre outras, as seguintes disposições:

35
I - o compromisso de cumprimento dos requisitos previstos no § 1.º do art. 30 desta
Lei;

(...)

IV - a adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de programa de integridade.” (grifos


nossos).

Com a leitura atenciosa, se torna perceptível que não há aparente preocupação quanto a
efetividade do programa exigido para o acordo, se destaca a nosso ver uma preocupação com a
efetividade da colaboração da Leniência e de seu processo. Sendo, para lei, desnecessária a
fiscalização ou a eficácia de conformidade (P2).

A nosso ver, é tamanho o desinteresse que o Programa de Integridade seja efetivo, que
a Lei define que: para garantir os resultados do acordo e de seus requisitos (que já incluí a
implantação, Art. 30, §1º, V) ela deve usar, novamente, a “a adoção, aplicação ou
aperfeiçoamento de programa de integridade” (art. 33, IV). Uma redundância irracional que
demonstra falta de técnica legislativa ou desconhecimento crasso do assunto.

Para analisar o Quarto Prisma (P4) – que trata das sanções - na Lei do Rio Grande do
Sul, notamos um paradoxo. O art. 30, V, §7º diz que: “Em caso de descumprimento do acordo
de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três)
anos, contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento.”

Mas não haverá possibilidade de aplicar esta sanção, pelo descumprimento de


implantação de mecanismos internos de integridade (Art. 30, §1º, V), uma vez que não existem
meios definidos em Lei para auferir sua eficácia (P2). Tornando-se uma sanção infrutífera na
temática abordada.

2.3.2. Pernambuco: Lei Estadual nº16.309/18 (Acordo de Leniência).

Em outra análise, com a Lei Estadual nº16.309/18, o Poder Executivo de Pernambuco


mantém a previsão (P1) do Rio Grande do Sul: implementação ou melhoria de mecanismos
internos de integridade como requisito para celebração do Acordo de Leniência. Com algumas
diferenças.

A primeira delas começa com previsão de fiscalização da efetividade do compliance


(P2). E para frustação da nossa parte, não é da efetividade pós-acordo para monitorar a eficácia
do mesmo, é na fase de avaliação da pessoa jurídica como candidata à leniência. O art. 45, V
da Lei Estadual (PE) nº16.309/18, afirma:
36
“Art. 45. Compete à comissão responsável pela condução da negociação do acordo
de leniência:

(...)

IV - proceder à avaliação do programa de integridade, caso existente, nos termos


do decreto citado no art. 35; (...)”. (grifos nossos).

Dessa forma, novamente, não há demonstração evidente de interesse com o


acompanhamento da implantação – que veio por obrigação do próprio acordo – muito menos
com sua efetividade.

As vantagens (P3) mantidas por Pernambuco são semelhantes à Lei do Rio Grande do
Sul. Há apenas uma grande diferença entre elas. Na segunda, há possibilidade de remissão
completa de todas as sanções e multas. É o que resolve o art. 48, III da Lei Estadual (PE)
nº16.309/18:

“III - no caso de a pessoa jurídica ser a primeira a firmar o acordo de leniência


sobre os atos e fatos investigados, a redução poderá chegar até a sua completa
remissão, não sendo aplicável à pessoa jurídica qualquer outra sanção de natureza
pecuniária decorrente das infrações especificadas no acordo.” (grifos nossos).

Verificamos mais uma vez que o interesse da lei nos parece notável ao que tange o
Acordo de Leniência, ao lê-la, é possível perceber que seus desejos se atentam, quase que
exclusivamente ao acordo. A sanção (P4) para o descumprimento do acordo é a perda de todos
os benefícios (art. 49, VIII da Lei 15.228/18).

Em análise da lei do Estado de Goiás, percebemos que não há exigência de implantação


de compliance para Acordo de Leniência (P1), sendo prejudicado todos os outros prismas e não
se enquadrando na baila de nosso estudo.

2.4. Compliance como requisito de contratações com o Governo Estadual.

Essa proposta teve adesão do maior número de Estados da Federação, sendo eles:
Amazonas, Distrito Federal, Goiás, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Esta última abordagem
legislativa trata o compliance, na relação entre o Público-Privado, como requisito para
participar de contratações com o Poder Executivo Estadual (P1).

Desta forma, qualquer empresa que queira participar de uma contratação através de
consórcio, convênio, concessão ou parceria público-privado precisaria demonstrar que possuí
diretrizes de compliance funcionando na organização.

37
Cada Estado conferiu valores mínimos nas contratações para a imposição deste
requisito. Organizamos abaixo como cada um deles se posicionaram nesse sentido. Vejamos:

Tabela 1 – Valores Mínimos para Exigência de Compliance nas Contratações com os Poderes Executivos
Estaduais.
Estado Lei Estadual Obras e Serviços Compras e
de Engenharia prestações de
Serviços
Amazonas Nº 4.730/18 R$ 3,3 milhões R$ 1.4 milhões
Distrito Federal Nº 6.112/18 R$ 80 mil R$ 80 mil
Goiás Nº 20.489/19 R$ 1,5 milhões R$ 650 mil
Rio de Janeiro Nº 7.753/17 R$ 1,5 milhões R$ 650 mil
Rio Grande do Sul Nº 15.228/18 R$ 330 mil R$ 176 mil
Fonte: Leis Estaduais.

2.4.1. Amazonas: Lei nº 4.730/18.

O Estado do Amazonas (Lei nº 4.730/18) exige que a efetividade do Programa seja


demonstrada (P2) na mesma didática que a Lei Anticorrupção Empresarial. Em seu art. 4º, há
inclusive uma transcrição, ipisis literis, dos mesmos dezesseis requisitos do Decreto que
regulam a Lei Federal. Ou seja, há uma estrutura mais robusta de critérios de avaliação para
atender a este prisma.

Para fiscalizar os critérios, há determinação de que se forme uma comissão de três


membros. É o art. 4º, Parágrafo Único que define a comissão:

“Art. 4.º O Programa de Integridade será avaliado, quanto a sua existência e


aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:

(...)

Parágrafo único. A avaliação do Programa de Integridade será efetuada por


comissão formada por 03 (três) membros, com a seguinte formação:

I - 01 (um) membro oriundo da Controladoria-Geral do Estado, que exercerá a


função de Presidente da comissão;

II - 01 (um) membro oriundo da Procuradoria-Geral do Estado, que exercerá a


função de Vice-Presidente;

III - 01 (um) membro oriundo da Secretaria da Fazenda.”

Sabe-se os critérios e quem os avaliará, mas a maior questão é como será feita a
fiscalização. Uma vez que, mesmo que os critérios e pessoas sejam de gabarito exemplar, a
execução pode levar tudo a perder. E é o que acontece no art. 9º da lei. Vejamos:
38
“Art. 9.º A empresa que possuir o Programa de Integridade implantado deverá
apresentar, no momento da contratação, declaração informando a sua existência,
nos termos do artigo 4.º da presente Lei.”

Isso é o que deve fazer a empresa para demonstrar que possui um Programa de
Integridade, e essa é a declaração que a comissão terá que avaliar. Apenas por modo documental
o compliance será é avaliado, nos parece que nessa lógica, aquele que o estruturar bem seu
relatório para a comissão, poderá implantar as diretrizes do modo que quiser, ou até mesmo,
nunca efetivar. E possivelmente ainda assim estar longe de ser identificado.

As vantagens oferecidas à empresa ante a implantação do Programa de Compliance (P3)


são evidentes, e mais uma vez, sobressaltam os olhos, pois participar de licitações nos valores
acima demonstrados tem um alto grau de benefício econômico. A vantagem e requisito aqui se
confundem, tornando-se um só. Não há saída para a empresa que deseje concorrer em licitação
estadual.

As sanções aplicadas pela Lei Amazonense (P4) ante a não-implementação dessas


diretrizes, estão previstas em dois de seus artigos: Art.6º e Art. 7º. Respectivamente:

“Art. 6.º Pelo descumprimento da exigência prevista nesta Lei, a Administração


Pública Direta, Indireta e Fundacional do Estado do Amazonas aplicará à empresa
contratada multa de 0,02% (dois centésimos por cento), por dia, incidentes sobre o
valor do contrato.

1.º O montante correspondente à soma dos valores básicos das multas moratórias
será limitado a 10% (dez por cento) do valor do contrato.

2.º O cumprimento da exigência da implantação fará cessar a aplicação da multa.

3.º O cumprimento da exigência da implantação não implicará ressarcimento das


multas aplicadas.

Art. 7.º O não cumprimento da exigência durante o período contratual acarretará


na impossibilidade da contratação da empresa com o Estado do Amazonas até a
regularização da situação.” (grifos nossos)

Ter multa de 0,02% (dois centésimos por cento) até o limite de 10% (dez por cento) do
contrato, somado a não poder contratar enquanto não implantar o Programa, são riscos
baixíssimos. Ainda mais quando se junta à perspectiva do modo como o programa é avaliado
pelo Governo Estadual. É fácil e lucrativo não ter um programa efetivo.

2.4.2. Distrito Federal: Lei nº 6.112/18.

39
O Distrito Federal também definiu, no art. 6º de sua legislação, que os critérios de
avaliação e complexidade da empresa seriam os mesmos do Decreto Federal 8.420/15. No
entanto, não definiu quem seriam os avaliadores do Programa.

Neste caso, para averiguar a efetividade do compliance implantado pela empresa (P2),
ela deve apenas entregar um relatório de perfil e outro de conformidade. É o que determina art.
7º da Lei.

A empresa deverá provar a efetividade através do mencionado relatório e de provas


anexadas a ele, podendo, se quiser, a autoridade responsável fazer entrevistas ou solicitar novos
documentos. Nesse aspecto vale transcrever o texto do artigo:

“Art. 7º Para que o Programa de Integridade seja avaliado, a pessoa jurídica deve
apresentar relatório de perfil e relatório de conformidade do Programa, nos moldes
daqueles regulados pela Lei federal nº 12.846, de 2013, pelo Decreto federal nº 8.420,
de 18 de março de 2015, e pelo Decreto nº 37.296, de 29 de abril de 2016, ou pela
legislação correlata superveniente, no que for aplicável.

§1º A pessoa jurídica deve comprovar suas alegações e zelar pela completude,
clareza e organização das informações prestadas.

§2º A comprovação pode abranger documentos oficiais, correios eletrônicos, cartas,


declarações, correspondências, memorandos, atas de reunião, relatórios, manuais,
imagens capturadas da tela de computador, gravações audiovisuais e sonoras,
fotografias, ordens de compra, notas fiscais, registros contábeis ou outros
documentos, preferencialmente em meio digital.

§ 3º A autoridade responsável pode realizar entrevistas e solicitar novos documentos


para fins da avaliação de que trata o caput.” (grifos nossos)

A análise do Programada de Integridade é, principalmente, superficial. Fica claro o


incentivo da lei à departamentos de compliance “no papel”. Há uma evidente incoerência entre
o que a lei pede e o que ela mesma pratica. Vejamos o que diz o §4º do art. 7º:

“§4º O Programa de Integridade que seja meramente formal e que se mostre


absolutamente ineficaz para mitigar o risco de ocorrência de atos lesivos previstos
na Lei federal nº 12.846, de 2013, não é considerado para fins de cumprimento desta
Lei.”

Ou seja, a autoridade irá, de modo meramente formal, verificar se o programa de


compliance também é meramente formal. Nos parece um tanto incoerente. Nossa crítica perde
o sentido se a autoridade fiscalizadora quiser “realizar entrevistas, conforme §3º do art. 7º da
Lei. Assim, a regra são os formulários, e a visita, exceção.

No passo que as vantagens (P3) são nitidamente as mesmas propostas pelo Estado do
Amazonas, qual seja: participar das licitações com o Distrito Federal em valores acima de

40
oitenta mil reais. Percebemos que a Lei adota as seguintes sanções (P4) pelo Art. 8º, §1º: multa
de 0,1% (um por cento) ao dia de descumprimento da exigência, até 10% (dez por cento) do
valor do contrato. Mas traz uma inovação para o campo das contratações públicas, já realizada
no Estado do Rio Grande do Sul quando trata do Acordo de Leniência. Vejamos o art. 10:

“Art. 10. O não cumprimento da obrigação implica inscrição da multa em dívida


ativa da pessoa jurídica sancionadora e justa causa para rescisão contratual, com
incidência cumulativa de cláusula penal e impossibilidade de contratação da
empresa com a Administração Pública do Distrito Federal, de qualquer esfera de
Poder, pelo período de 2 anos ou até a efetiva comprovação de implantação e
aplicação do Programa de Integridade.” (grifos nossos).

Essa é uma narrativa mais garantista que não objetiva uma sanção irreversível, mas que
oportuniza a empresa a se adequar as exigências legais. Pois a empresa pode voltar a participar
de licitação quando produzir relatórios suficientemente bons para à comissão. Mesmo que não
busque obter boas práticas de integridade em sua empresa.

2.4.3. Goiás: Lei Estadual nº 20.489/19.

O Estado de Goiás possuí duas Leis que tratam de compliance: a primeira aqui
trabalhada regula a Lei Anticorrupção, a segunda é a Lei Estadual nº 20.489/19 abordada nesse
tópico. Que, em nossa opinião, comete erros tão graves quanto a primeira.

A imposição legal para fiscalização da efetividade do Programa de Integridade (P2) no


Estado de Goiás, também ocorre através de declarações formais a serem entregues as
autoridades competentes (art. 6º), com uma lista exemplificativa de provas recomendadas
(assim como nas demais leis). Os critérios para avaliação também foram removidos do Decreto
Federal.

No entanto, uma série de diretrizes não foram trazidas para os critérios de avaliação
desta Lei. Os incisos removidos são cruciais para análise da efetividade do Programa na
organização empresarial. Em um comparativo entre o art. 5º da Lei Estadual (GO) nº 20.489/19
e o Decreto Federal 8.420/15 encontramos a ausência dos seguintes pontos:

“I - comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos,


evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa;

(...)

III - padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas,


quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço,
agentes intermediários e associados;

41
(...)

XIII - diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão, de


terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e
associados;

XIV - verificação, durante os processos de fusões, aquisições e reestruturações


societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da existência de
vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas;

XV - monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu


aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos
previstos no art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013; e

XVI - transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos


políticos.” (grifo nossos)

Se houve uma cópia do Decreto, é perfeitamente possível concluir que houve supressão
intencional desses incisos. Como vimos no primeiro capítulo, o comprometimento da alta
gestão é o pilar mais essencial do Programa. Aqui, por exemplo, simplesmente não é avaliado.

As contratações de terceiros, conhecidas como “duo diligence”, é o ato de monitorar, se


necessário, a integridade dos terceiros fornecedores. Sem essa barreira, a empresa pode estar se
envolvendo e patrocinando práticas fora das suas diretrizes.

Não nos parece razoável pedir (mesmo que supostamente de modo) com o compliance
da empresa contratada, e não pedir que a mesma faça isso com os terceiros envolvidos. Pode
ser quase o mesmo de não cobrar da empresa o Programa de Integridade como requisito.

Sem contar com o perigoso posicionamento de não avaliar se o Programa não vem se
adaptando, nem ao menos sendo monitorado seu funcionamento. O mesmo segue para não
cobrar como requisito de avaliação a transparência de doações para candidatos e partidos
políticos. Justamente quando compliance é mencionado na relação público-privado. Nos parece
um claro conflito de interesses.

Quanto as sanções aplicadas pela Lei Estadual (P4) pelo não cumprimento dos deveres
de compliance, encontramos: multa de 0,1% (um décimo por cento) diários, até 10% (dez por
cento) do contrato (art. 7º); inscrição de dívida em multa ativa (art. 8º); justa causa para rescisão
contratual, com incidência cumulativa de cláusula penal (art. 8º); e impossibilidade de
contratação por dois anos ou até implantação do Programa.

A abordagem da Lei do Estado de Goiás, a nosso ver, é também dá fortes indícios de


ser meramente formal. Possuir um sistema de avaliação documental, sem os critérios acima
relatados dá ampla margem para se interpretar como um sério erro.

42
2.4.4. Rio de Janeiro: Lei Estadual nº 7.753/17.

Para o Rio de Janeiro, as empresas devem demonstrar que tem implantação de


Programas de Integridade (P2) através de declaração (art. 9º; art. 11, §2º) no ato da contratação.
Também há uma comissão com três representantes para fazer a fiscalização desses documentos
(art. 4º, parágrafo único).

Os critérios de avaliação são quinze dos dezesseis trazidos pelo Decreto Federal. O
único que fica de fora é o “XVI”, que pede transparência da pessoa jurídica quanto a doações
para candidatos e partidos políticos. Substituindo por “XVI – ações comprovadas de promoção
da cultura ética e de integridade por meio de palestras, seminários, workshops, debates e
eventos da mesma natureza.”

Por sanções (P4) o art. 6º estabelece multa nos mesmos termos de Goiás; no art. 8º o
não cumprimento da exigência impede a contratação, e o art. 12 determina a cessação de
repasses e respectivo ressarcimento. Tudo com muita semelhança com o que vem sendo
estudado nesse trabalho.

2.4.5. Rio Grande do Sul: Lei Estadual nº 15.228/18.

O Estado do Rio Grande do Sul legisla sobre compliance como requisito na contratação
com o ente público, na mesma lei que trata da regulamentação estadual da Lei Anticorrupção
Empresarial.

Estabelece os valores já mencionados no início do capítulo e cobra a seguinte sanção


(P4) no art. 41:

Art. 41. O não cumprimento da exigência prevista no art. 37 desta Lei, durante o
período contratual, acarretará a impossibilidade de nova contratação da empresa
com o Estado do Rio Grande do Sul até a sua regular situação, bem como a sua
inscrição junto ao Cadastro Informativo das pendências perante órgãos e entidades
da Administração Pública Estadual – CADIN/RS –, de que trata a Lei nº 10.697, de
12 de janeiro de 1996.

Mais uma vez no seguimento das outras legislações que tratam sobre o assunto. A
peculiaridade é a inscrição junto ao Cadastro Informativo das pendências perante órgãos e
entidades da Administração Pública Estadual – CADIN/RS.

43
Não há previsão de que momento a empresa demonstrará a efetividade do Programa de
Integridade para a contratação (P2). Quanto ao método de aferição da efetividade, a solução é
a mesma já vista neste trabalho: a Lei Estadual do Rio Grande do Sul nº 15.228/18 estabelece
que o Decreto Federal 8.420/15 e a Lei Federal 12.846/13 serão usadas subsidiariamente para
que se cumpra a lei.

Logo, é possível concluir que mesmo não sabendo em que momento a empresa ou o
Estado irá fiscalizar, os critérios e contextos a serem analisados são os mesmos dezesseis já
estudados.

44
CAPÍTULO III
PROBLEMÁTICA DA EFETIVIDADE DO COMPLIANCE NAS LEIS ESTADUAIS

Depois de extensa leitura, o leitor pôde, em vários momentos, perceber por quais
caminhos este trabalho estava seguindo. Neste capítulo aprofundaremos nossa crítica e
organizaremos nossa problemática para visualizar o último prisma: desvantagens que a
dinâmica de Lei traz para a implantação de programas efetivos de compliance.

3.1. Incentivos de Programas de Integridade Fantasmas no Brasil

Nessa trajetória conhecemos bem como as Legislações Estaduais têm tratado o


Programa de Integridade no Brasil. E pudemos ter a oportunidade de apreciar o histórico pouco
conhecido do compliance, e quase não trabalhado pela doutrina brasileira.

A nosso ver, muito tem sido especulado sobre uma nova geração de Programas de
Integridade no Brasil, principalmente, por vários Estados adotarem a abordagem; mas essa
especulação se verificou possivelmente infundada e muitas vezes apenas midiática. Temos a
impressão de que muito se conhece sobre softwares e diretrizes internas de compliance,
estrutura de departamentos etc.

Mas muito pouco tem se discutido se o que estamos incentivando é realmente


conformidade? Ou uma iniciativa, que hoje, tem margens para ser mais artificial que efetiva?
Há escassos questionamentos sobre como esse instrumento foi introduzido e está sendo cobrado
em nossa legislação de maneira correta.

Por nossa análise, a falta destes questionamentos pode ter um preço muito alto. Nas
palavras de Bertoccelli em Carvalho (2019, p. 40):

“No estágio de maturidade em que o País se encontra, assim entendidos diversos


grupos de cidadãos, sobretudo empresários, executivos e consultores em geral, há
um grande risco de que se subestime elementos, tais como a importância, a
complexidade e a abrangência de um Programa de Compliance. Assim o fazendo,
pode-se chegar aos seus efeitos aparentes, mas de nenhum modo produzir os seus
efeitos reais, e ainda serem considerados atos de simulação de uma realidade
jurídica pelas autoridades, a fim de iludir clientes, reguladores, governo e a
sociedade, o que pode ser ainda pior que não ter compliance.” (grifos nossos).

Concordamos claramente com o autor quando menciona o grau de maturidade do país,


e o alto risco de estamos praticando Programas de Integridade meramente fictício. Sem que se
empenhe real mudança de cultura empresarial, ou que monitore com total independência os atos
internos.
45
Incentivar a prática de Compliance da maneira errada coopera para um cenário em que
nomeamos de “Programas de Integridade Fantasmas”.

As intenções, que estão por traz do desenvolvimento de um departamento como este na


organização empresarial, são as verdadeiras definidoras da efetividade do Programa. Com
intenções equivocadas é perfeitamente possível enganar a todos de que o departamento é
efetivo. É possível enganar até o próprio departamento. Isso porque se o principal pilar do
conceito não for preenchido todo o resto será falso.

O Comprometimento da Alta Gestão é o principal pilar e o fator mais crucial. A


legislação não compreendeu, aparentemente, quais mecanismos usar para conseguir forçar o
envolvimento real da Alta Gestão. E é apenas nesse ponto que discordamos de Bertoccelli. Não
acreditamos que os motivos destaques para incentivo desse cenário simulado seja “a
importância, a complexidade e a abrangência de um Programa de Compliance”.

Afinal, uma organização empresarial de grande porte pode montar um departamento que
tenha grande importância, que seja complexo e até considerado abrangente. Mas sem o
comprometimento da alta gestão será, facilmente possível, criar responsabilidades que o
departamento não supervisione corretamente. Não é preciso conjecturar muito estas
possibilidades, temos exemplos práticos em nossa realidade.

A Petrobras, estatal do Governo Federal, possuía fortes estruturas e um grande


departamento de integridade. Aparentemente, o compliance possuía importância, complexidade
(principalmente dado o tamanho da operação da empresa) e abrangia uma longa lista de itens.
E, mesmo assim, percebemos com os escândalos de corrupção iniciados com “Pasadena” que
o Programa de Integridade falhou drasticamente (BRASIL, 2019).

Este não é o único exemplo recente. Serpa (2016, p. 47) comenta o caso da Odebrecht
da seguinte forma:

“Ou seja, o Suporte da Alta Administração é muito mais que, simplesmente, ter o
presidente da empresa adicionando e repetindo como um papagaio um slide padrão
sobre o programa de compliance em suas apresentações. Pois, apenas ler um slide
não é apoiar o programa de compliance. Basta ver o exemplo recente de um
presidente de uma grande construtora que está preso por envolvimento em diversos
crimes, mas que abria apresentações em sua companhia exaltando a ética e o fazer
certo.” (grifos nosso).

É notável que a Alta Gestão sempre estará no topo do comando controlando todas as
coisas, e terá acesso a todas as áreas. É simples criar um departamento para dupla função, onde
a segunda é voltada para corrupção. É simples fazer com que este departamento siga funções
46
organizacionais corretamente, gere relatórios, participe de reuniões e, no fim, tenha um
propósito ilegal para além do conhecimento dos demais. Martines e Lima (2018, p. 104)
afirmam:

“Exemplo dessa verdadeira simulação de comprometimento com a cultura ética era


o chamado “Setor de Operações Estruturadas” criado pela empresa Odebrecht, um
dos alvos da Operação Lava Jato.

Como restou identificado nas investigações, aquele setor tinha o único propósito de
cuidar das propinas pagas pela empresa a agentes públicos. Ou seja, de nada
adiantava a empresa se dizer honesta e seguidora de preceitos éticos e morais,
inclusive com a adoção de um Código de Conduta anterior à Lava Jato se, na prática,
seus dirigentes coordenavam diretamente um setor exclusivamente para cometer
ilícitos (pagamento de propinas).” (grifos nosso).

Esses trechos foram removidos de capítulos que tratavam do primeiro pilar do Programa
de Integridade, e seus autores exemplificam que o comprometimento é a pedra fundamental da
iniciativa de compliance. Serpa (2016, p. 40) elucida questões importantes para revelar a
possível efetividade do Programa, vejamos:

“De maneira não acadêmica: o Suporte da Alta Administração pode ser entendido
de forma bastante simples quando se responde à seguinte pergunta: Qual é a forma
que a empresa encara o Programa de Compliance?

Se a resposta para esta pergunta for ‘o Programa de Compliance é apenas uma


obrigação’ então não existe suporte da alta administração. Mas em contrapartida,
se a resposta passar por se entender que o programa de compliance é necessário para
auxiliar a empresa a operar de maneira ética e respeitando as leis aplicáveis e, por
consequência, minimizar possíveis danos à imagem, e ao caixa, da empresa, então já
temos o primeiro passo na direção certa.” (grifos nossos).

Veja que por traz das intenções de implantações moram fortes indicadores do presente
e futuro do departamento. O próprio manual da CGU, embora, a nosso ver, não possua esse
forte entendimento, e se mostra demasiadamente ausente nesse ponto, reconhece rapidamente
a questão. Vejamos:

“Quando há a participação de membros da alta direção em atos lesivos, fica patente


a ausência de comprometimento institucional.

(...)

Caso os dirigentes tenham conhecimento sobre possíveis irregularidades e não


adotem as providências cabíveis, ou se evitam intencionalmente tomar conhecimento
de fatos que lhe criariam responsabilidades, torna-se evidente a falta de
comprometimento real com o Programa de Integridade.”

O mesmo manual, ao definir o Comprometimento da Alta Gestão, explica na pág. 8:

“A alta direção da empresa pode demonstrar por diversos modos seu compromisso
com o Programa de Integridade. O presidente e diretores podem reafirmar seu
47
comprometimento, por exemplo, ao incorporarem o assunto a seus discursos, de
forma a demonstrar que conhecem os valores éticos pelos quais a empresa se pauta
e as políticas que são aplicadas.

(...)

Os membros da alta direção devem ser exemplo de boa conduta, aderindo


prontamente ao Programa de Integridade.”

A percepção do manual está, aparentemente, incompleta, e perece de verdadeiras


compreensões do que é o Comprometimento da Alta gestão. O manual passa a mensagem de
comprometimento formal, o mesmo incentivo que acima mencionamos como criador de um
cenário de falsa efetividade de compliance. É o mesmo pensamento dos cases abordados acima.

Ao comentar Ghillyer (2015), Lima (2018, p. 15) concluí que o sistema de capitalismo
flexível, onde o que importa são as vantagens auferidas pela empresa, é como funciona a
recompensa e desejos de muitas corporações. Seu acréscimo é importante ao trabalho, vejamos:

“(...) baseado em um jogo de interesses, prevalecendo as decisões estimuladas pelo


capitalismo flexível, onde o melhor é o que tem mais poder e dinheiro, e todos os
meios para alcançar o objetivo desejado são válidos, ainda que tenha que suplantar
seus sistemas de valores morais e éticos. E mais, toda essa cultura foi construída em
cima de uma certeza de impunidade, ante a falta de uma estrutura eficiente de
combate à corrupção, tanto no setor privado quanto no público (...)”. (grifo nosso).

Seria ingenuidade tentar combater à corrupção sem compreender as motivações.


Existem livros, leis, estruturas, sistemas, convenções e a lista não é pequena; mas toda essa
envergadura, no fundo, trata-se de pessoas e comportamentos.

Mudar a cultura ou estruturar sistemas que exigem ética das empresas, nos obriga a
entrar no campo das motivações para manuseá-las de forma a atingir severamente seus ganhos.
Nos parece que é no capital e na liberdade que encontramos as fragilidades a serem atingidas
corretamente, se assim o fora, é possível forçar mudanças em um imenso paradigma: a
corrupção.

Não estamos sendo idealistas ao tratar deste assunto, veremos os conceitos de “law
enforcement” mais afrente para demonstrar a viabilidade do nosso entendimento.

Ao decidirmos adotar cinco prismas, estávamos organizando quais visões procurávamos


para cada texto legal. Agora, estas categorias serão essenciais para tratamos das motivações. O
primeiro prisma se perguntava como a Lei se referia ou exigia o compliance: como era
mencionado? Em que momento usado? Qual sua finalidade?

48
O segundo prisma se perguntava como o Estado esperava que a empresa demonstrasse
a efetividade de seu Programa: quais critérios a Lei usa? Quem avalia o Programa? Como essa
avaliação é feita? Já como terceiro prisma entendemos as vantagens oferecidas: como a lei
recompensava um Programa efetivo? Sucedendo o prisma quatro vimos quais sanções eram
aplicadas para os que não tinham conformidade: quais os prejuízos? Os danos colaterais?

Observamos que os Estados que legislaram regulamentando da Lei Federal nº 12.846/13


traziam a mesma vantagem na atenuação de multa. Goiás, Pernambuco e Rio Grande do Sul
mantiveram semelhantes os supostos erros. O Estado de Goiás, por exemplo, definia apenas
quatro critérios de avaliação que eram apenas exemplificativos, e não traziam legislação
complementar. Não dá nenhum benefício em multa e não se entende, a priori, o porquê trata
do Programada de Integridade.

A Lei de Pernambuco e do Rio Grande do Sul são mais robustas e possuem poucas
brechas. Mas traz uma vantagem, a nosso ver, simbólica, de até 4% (quatro por cento) de
atenuação da multa. As intenções de estruturar um departamento complexo, neste caso, nos
fazem concluir que possivelmente não são bem estimuladas pelo que a lei dá em troca da multa
de até 20% do faturamento.

Implantar um Programa efetivo possui gastos significativos, a depender do faturamento


da empresa, a atenuação da multa é possível chegar ao mesmo valor de implantação e
manutenção de compliance. Não dando, nessa hipótese provável, estímulo correspondente ao
esforço organizacional e financeiro para a recompensa.

A ética como um fim em si mesma deveria ser a busca das organizações ao implantarem
um Programa de Integridade. Mas como o interesse econômico nem sempre funciona da mesma
maneira, dar motivos para ser integro e recompensas por isso, nos parece ter sido a abordagem
da evolução de compliance. Ocasionalmente não considerada corretamente aqui.

Quando se trata do Acordo de Leniência, se torna escandalosa, em nossa análise, como


a Lei exigiu o Programa de Integridade. Diante das amplas vantagens, em alguns estados
chegando à remissão completa das penas, o compliance é exigido com promessa de implantação
ou melhoria nas cláusulas do acordo.

Não sendo possível a pessoa jurídica celebrar a parceria sem que assine essa obrigação.
É manifesto que o incentivo à empresa imposta pela Lei não é se preocupar com integridade e
ética. Nem ao menos se a organização irá fazer de forma efetiva (uma vez que nem menciona

49
nada a respeito). É apenas pelas vantagens de redução drásticas das penas. Integridade se tornou
punição.

A empresa foi punida a ter um Programa de Integridade. Como acreditar, inicialmente,


que a Alta Gestão está realmente comprometida com o departamento? Quem traz esses
ensinamentos é Alexandre Moraes da Rosa em Lamy (2019, p. 26), quando comenta o assunto
concluindo assim: “A rendição do investigado/acusado não é só uma decisão de arrependimento
ou confissão e sim, fundamentalmente, de estar encurralado; uma decisão de custo/benefício.”

Não há o que se pensar duas vezes em: aceitar o acordo, ou, rejeitá-lo por não estar
realmente envolvido com as intenções do Programa que (como consta na lei estudada) não será
fiscalizado posteriormente. Ante a exigência legal, é só uma decisão de custo/benefício.

Reprisamos o ensinamento: “Sem o verdadeiro comprometimento e engajamento da


administração da instituição, todo o sistema de compliance não passaria de uma falácia; não
seria nada além de um arremedo de programa.” (MARTINEZ e LIMA, 2018, p. 103).

Ao examinarmos as legislações que estabelecem a exigência de compliance para


contratação com o Governo Estadual, encontramos as mesmas incapacidade legislativas. Os
Estados impõem novamente a implantação, mas aparentemente não organizam maneiras
eficientes de fiscalização, e possuem riscos baixos de não-conformidade.

Mais uma vez há uma aparente expectativa de que a Alta Gestão das empresas passe, a
partir deste ponto, ter alto comprometimento com integridade. Como se o modo com que foi
feito a exigência na legislação fosse capaz de alcançar este fim. Nos parece improvável.

Em nossa crítica, enquanto compliance for um obstáculo para se obter uma grande
vantagem, e não houver ainda meios aparentemente mais eficientes e viáveis de fiscalização,
haverá forte incentivo a Programas de Integridade Fantasmas. A fiscalização deve estar no
campo de duas variáveis, a “eficiência” e a “viabilidade”, é possível compreender que
fiscalizações eficientes geralmente são morosas e caras, neste caso não viáveis.

Nas leis que tratam de licitação, examinamos que nenhum Estado define um meio de
fiscalização inicialmente robusto, há estados que nem mencionam, na legislação que tratam no
assunto um meio de comprovação de efetividade do Programa.

Em conclusão primária, nenhuma das modalidades expostas trouxeram nos elementos


analisados (P1, P2, P3 e P4) suficiência para incentivo do primeiro pilar de compliance. Como
nos coube analisar nesse último capítulo a as desvantagens que a dinâmica que Lei impôs as

50
empresas traz ao Programa de Integridade. E, a nosso ver, ficou claro quais desvantagens
existem para o crescimento e verdadeiro fomento deste instituto, no cenário levantado por nossa
pesquisa.

Para nos aprofundarmos um pouco mais na questão, decidimos ir um pouco além da


problemática e lançar possíveis exemplos de como a legislação brasileira poderia se comportar
para melhorar o incentivo de Programas verdadeiros de integridade. Para isso, precisaremos
entender qual foi a estratégia externa adotada em outros países. Consideremos o último tópico
antes da conclusão deste trabalho.

3.2. Contraponto “Law Enforcement”

A expressão “Law Enforcement” é de uso americana, ligada à ciência da criminologia


(CAREERS, 2019). Em tradução livre “força da lei” e ainda pode significar “assegurar
obediência às leis” (DICTIONARY, 2019). Quando um determinado assunto possuí “law
enforcement” significa que a lei obteve eficiência em criar meios para que ela fosse cumprida.

No caso em análise, o que a Lei quer é incentivar a integridade e reprimir a corrupção.


Seguindo os exemplos das legislações dos Estados Unidos e Reino Unido, que em uma possível
percepção, notamos um fator em comum: elas não exigem que suas empresas criem Programas
de Compliance. Em nosso estudo, chegamos à conclusão de que estes países possuem penas
elevadas para atos de corrupção, mas não obrigam nem legislam sobre eles.

A exemplo da SOX, que a responsabilidade do diretor é cível e penal para relato falso
em relatórios financeiros. Para não correr este risco, o diretor precisa, supostamente, se
certificar de que as informações que estão naqueles relatórios semestrais e anuais são
verdadeiras. E para ser possível que ele consiga fazer isso, precisaria de um sistema de
monitoramento, coibição à corrupção e que de forma estruturada mudasse a cultura da empresa.

No exemplo, o compliance não é uma obrigatoriedade é uma necessidade que surge


diante de exigências severas ligadas à própria integridade e conformidade legal. A conduta
exigida é a ética em si mesma, não a criação de um departamento.

Em outra situação temos a Bribery Act, considerada a lei mais severa do mundo no
assunto de corrupção. Ao ler suas guidelines, é perceptível que não há exigência de um
Programa de Integridade. O que vemos, no entanto, é a possibilidade de a empresa reverter as
severas sanções demonstrando a efetividade de seu Programa. Neste caso, os responsáveis vão

51
ser processados, mas a empresa enquanto pessoa jurídica, provou que não coaduna com aquela
conduta, e, assim, tem sua pena (antes altíssima) diminuída.

No primeiro e no segundo exemplo a Alta Gestão tem, ao que parece, interesse muito
maior com a criação do departamento, porque este método segue a lógica do capital. No Brasil,
essa abordagem não foi, ao que tudo indica, considerada em nenhuma das várias legislações
que possuímos. Aqui, a responsabilização da empresa é a compensação dos atos que cometeu
e uma multa de até 20% do faturamento.

No Reino Unido e Estados Unidos o diretor pode ficar por quinze anos impossibilitado
de estar à frente de uma empresa, além de estar diretamente responsabilizado pelas falhas de
integridade, a menos que demonstre a efetividade.

Não é difícil concluir que, possivelmente, haja um certo “modismo” na introdução em


território nacional do compliance. Veja a preocupação de Serpa (2015, p. 49):

“Tenho percebido durante minha participação em congressos, conferências e


treinamentos que existe um problema de foco por parte dos profissionais de
compliance, tanto antigos quanto novos. Especificamente falo sobre o foco
exagerado, que fera longas discussões, nos aspectos de aplicação dos itens de
penalidade da lei 12.846/2013.

Não sei se o foco limitado é fruto da inexperiência de alguns profissionais de


compliance, se surge da vontade exagerada de se discutir apenas os tópicos da moda,
se se deriva de intenções mercantis por parte de prestadores de serviços, se é uma
limitação dos palestrantes que não conseguem trazer outros tópicos – e há uma
pletora de tópicos relevantes – à discussão por falta de conhecimento ou por falta de
capacidade de torná-los também interessantes aos ouvintes; mas sei que essa visão
de túnel é um perigo para profissão pois limita as discussões, o aprendizado e as
práticas.

No final do dia temos que responder à pergunta Queremos discutir programas de


“compliance” ou de “anticorrupção”? Há espaço para os dois, e não me entendam
mal, anticorrupção é sim muito importante, mas precisamos balancear os tópicos.”

Porque se mantermos somente a visão de anticorrupção não conseguiremos a


abrangência da ética e conformidade. A legislação internacional tem demonstrado em nossa
pesquisa, ter conseguido manter essa visão da ética de forma mais ampla, e teoricamente
diferente do Brasil, ela não tem praticado o compliance como um fim em si mesmo. Mas como
um meio cujo objetivo é criar enforcement à ética.

52
CONCLUSÃO

Para concluir, responderemos diretamente as perguntas do início deste trabalho. “Este


conceito internacional foi recebido da maneira correta?”: o compliance, supostamente não foi
introduzido no ordenamento brasileiro da forma correta, e suas possíveis falhas trabalhadas
podem cooperar para um cenário em que a conclusão é o incentivo de Departamentos de
Integridade Fantasmas. Que por sua vez, desencadearia uma perspectiva de objetificação do
compliance em detrimento de um law enforcement à ética e integridade.

Nosso trabalho concluí que, metodologicamente, as expectativas midiáticas estão


erradas quanto aos benefícios do compliance introduzido no Brasil. Que há um exagero otimista
quanto a expectativa de integridade que a lei incentiva e proporciona. O que incentiva baixar a
guarda de monitoramento (como aparentemente fazem as Leis Estaduais) na crença de que, por
estarem legislando sobre Programas de Integridade, os resultados sejam positivos. Reprisando
o comentário de Bertoccelli “o que pode ser ainda pior que não ter compliance.”

Não nos parece que o legislador brasileiro compreendeu a real utilização do compliance
e sua construção histórica. A doutrina nacional trabalhada nesta pesquisa, trata pouco desse
assunto e quando o faz, a nosso ver, faz de forma resumida e apenas referencial. E talvez este
seja um reflexo de que a preocupação de como a lei tem gerido o assunto é genérica e tem se
voltado mais a falar sobre vantagens do compliance que questionar o modo como o adotamos.

Há evidentes incoerências em sua introdução nas legislações estaduais. Em nosso


julgamento, o maior erro das legislações estaduais foi legislar sobre compliance, tornando ele
o objetivo final. A nosso ver a lei não deveriam impor compliance, mas que ele deveria existir
no ordenamento como uma solução para as organizações empresariais. Que, como ocorre no
Reino Unido, possuem legislação que traz altos riscos a liberdade e ao capital da empresa que
o compliance quase que se torna uma faculdade necessária para sobreviver à lei e suas sanções.

Nas Legislações Estaduais encontramos outro panorama: um desleixo quanto a


fiscalização e sanções ou barganhas que não possuem sentido lógico para o incentivo do
verdadeiro compliance. Vejamos as legislações que tratam da licitação, os prejuízos por burlar
a lei são baixos, e podem ser facilmente corrigidos se a empresa for pega na ilegalidade. As
multas são baixas e a facilidade de manter um departamento fantasma é muito mais viável.

Quando observamos a irresponsabilidade legal de exigir a implantação do Programa de


Integridade (em decorrência do acordo) através de cláusula para celebrar o feito é desnorteador.
Não há compromisso algum da lei de fiscalizar estas implantações pós-acordo e tudo o que o
53
empresário precisa é assinar um papel que lhe dará amplas vantagens em seu PAR, e nenhuma
fiscalização aparente para aferir a efetividade do Programa.

Sem contar com a atenuação das multas oferecidas por alguns Estados, que são
baixíssimas as vantagens. Em alguns casos o valor da atenuação é menor que os possíveis gastos
na implantação do Compliance. Assim a lei não força circunstâncias em que as diretrizes são
aliadas antes, porém, se tornam mais uma burocracia.

Esse conjunto de falhas tratadas no corpo do trabalho colocam em xeque toda a


efetividade utilizada pelos Estados mencionados. O legislador brasileiro tem ainda um longo
caminho para corrigir os erros da má introdução de um instituto tão importante para o combate
à corrupção. E mais, importante para contribuir com a mudança da cultura da corrupção no país.

Esperamos que mais provocações como esta sejam realizadas nessa temática. A
corrupção é um problema real que afeta diretamente a estabilidade financeira de governos,
credibilidade das instituições e mina a democracia. Que todos aqueles que possam se dispor,
mais que em temas partidários, sejam ativistas contra a corrupção.

54
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ACCOUNTING TRANSPARENCY - Contabilidade transparente, uma expressão usada para os


deveres de contabilidade da empresa.

BASEL COMMITTEE - Comitê do BIS para assuntos de regulamentação do setor bancário


mundial.

BRIBERY ACT - Lei do Reino Unido que trata de suborno transnacional e práticas de
integridade.

COMPANY DIRECTORS DISQUALIFICATION ACT - Lei do Reino Unido que trata da


desqualificação de diretores de empresas, e outras sanções.

CONVENTION ON COMBATING BRIBERY OF FOREIGN PUBLIC OFFICIALS IN


INTERNATIONAL BUSINESS TRANSACTIONS - Convenção que trata da corrupção de
funcionários públicos estrangeiros nas transações internacionais de negócio

DUO DILIGENCE - Investigação de uma oportunidade de negócios para avaliar os riscos e


conformidade nela existente.

ENFORCEMENT - Meios ou agentes que a lei usa forçar seu cumprimento.

EXCHANGE ACT - Lei dos Estados Unidos da América que regulamenta os mercados
financeiros e de seus participantes.

FOREIGN CORRUPT PRACTICES ACT - Lei dos Estados Unidos contra corrupção e suborno.
PROCEEDS OF CRIME ACT - Lei do Parlamento Inglês que recuperar bens como frutos de
crimes.

ROYAL ASSENT - Aprovação da Rainha da Inglaterra para uma determinada lei.

SARBANES–OXLEY ACT - Lei dos Estados Unidos que cria mecanismos de auditoria e
segurança para empresas.

SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION - Semelhante à nossa Comissão de Valores


Mobiliários (CVM).

TRANSNATIONAL BRIBERY - Suborno transnacional. Ato de subornar funcionário público de


outro país.

TRANSPARENCY INTERNATIONAL UK - Organização Inglesa sem fins lucrativos que visa


disseminar conteúdo anticorrupção relacionada a legislação do Reino Unido.

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