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II – A hipótese repressiva
1. A incitação aos discursos – “Ora, considerando-se esses três
últimos séculos em suas contínuas transformações, as coisas
aparecem bem diferentes: em torno e a propósito do sexo há
uma verdadeira explosão discursiva. É preciso ficar claro.
Talvez tenha havido uma depuração — e bastante rigorosa —
do vocabulário autorizado.” “Ela se integra nessa política da
língua e da palavra — espontânea por um lado e deliberada por
outro — que acompanhou as redistribuições sociais da época
clássica.” “incitação institucional a falar do sexo e a falar dele
cada vez mais; obstinação das instâncias do poder a ouvir falar
e a fazê-lo falar ele próprio sob a forma da articulação explícita
e do detalhe infinitamente acumulado.” “Este projeto de uma
"colocação do sexo em discurso" formara-se há muito tempo,
numa tradição ascética e monástica. O século XVII fez dele uma
regra para todos.” “Mas, no final das contas, também a pastoral
cristã procurava produzir efeitos específicos sobre o desejo,
pelo simples fato de colocá-lo integral e aplicadamente em
discurso: efeitos de domínio e de desinteresse, sem dúvida,
mas também efeito de reconversão espiritual, de retorno a
Deus, efeito físico de dores bem-aventuradas por sentir no seu
corpo as ferroadas da tentação e o amor que lhe resiste.”
“cumpre falar do sexo como de uma coisa que não se deve
simplesmente condenar ou tolerar mas gerir, inserir em
sistemas de utilidade, regular para o bem de todos, fazer
funcionar segundo um padrão ótimo” “Polícia do sexo: isto é,
necessidade de regular o sexo por meio de discursos úteis e
públicos e não pelo rigor de uma proibição” “Os governos
percebem que não têm que lidar simplesmente com sujeitos,
nem mesmo com um "povo", porém com uma "população", com
seus fenômenos específicos e suas variáveis próprias:
natalidade, morbidade, esperança de vida, fecundidade, estado
de saúde, incidência das doenças, forma de alimentação e de
habitat.” “Não se deve fazer divisão binária entre o que se diz e
o que não se diz; é preciso tentar determinar as diferentes
maneiras de não dizer, como são distribuídos os que podem e
os que não podem falar, que tipo de discurso é autorizado ou
que forma de discrição é exigida a uns e outros. Não existe um
só, mas muitos silêncios e são parte integrante das estratégias
que apóiam e atravessam os discursos.” “Confidência sutil ou
interrogatório autoritário, o sexo, refinado ou rústico, deve ser
dito.” p. 39. “Do singular imperativo, que impõe a cada um fazer
de sua sexualidade um discurso permanente, aos múltiplos
mecanismos que, na ordem da economia, da pedagogia, da
medicina e da justiça incitam, extraem, organizam e
institucionalizam o discurso do sexo, foi imensa a prolixidade
que nossa civilização exigiu e organizou.” p. 39 “falar tanto de
sexo, organizar tantos dispositivos insistentes para fazer falar
dele, mas sob estritas condições, não é prova de que ele
permanece secreto e que se procura, sobretudo, mantê-lo
assim?” p. 41. “O que é próprio das sociedades modernas não é
o terem condenado o sexo a permanecer na obscuridade, mas
sim o terem-se devotado a falar dele sempre, valorizando-o
como o segredo.” p. 42.