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almanaque socioambiental

Parque Indígena do
anos
instituto socioambiental

almanaque socioambiental
Parque Indígena do
anos

Realização

são Paulo, junho de 2011.

DistRibuição gRatuita. VenDa PRoibiDa.


O InstItuto socIoambIental (Isa) é uma O ProGrama XInGu do ISA visa a contribuir com
associação sem fins lucrativos, qualificada como o ordenamento socioambiental da Bacia do Rio
Organização da Sociedade Civil de Interesse Xingu, considerando a expressiva diversidade
Público (Oscip), fundada em 22 de abril de 1994, socioambiental que a caracteriza e a importância
por pessoas com formação e experiência marcante do corredor de áreas protegidas de 28 milhões de
na luta por direitos sociais e ambientais. Tem hectares, que inclui Terras Indígenas e Unidades
como objetivo defender bens e direitos sociais, de Conservação, ao longo do rio. Desenvolve
coletivos e difusos, relativos ao meio ambiente, um conjunto de projetos voltados à proteção e
ao patrimônio cultural, aos direitos humanos e sustentabilidade dos 24 povos indígenas e das
dos povos. O ISA produz estudos e pesquisas, populações ribeirinhas que habitam a região, à
implanta projetos e programas que promovam a viabilização da agricultura familiar, adequação
sustentabilidade socioambiental, valorizando a ambiental da produção agropecuária e proteção
diversidade cultural e biológica do país. dos recursos hídricos.

Para saber mais sobre o ISA consulte coordenador do Programa Xingu


www.socioambiental.org André Villas-Bôas

conselho Diretor: Neide Esterci (presidente), coordenadores adjuntos


Marina Kahn (vice-presidente), Ana Valéria Araújo, Marcelo Salazar, Paulo Junqueira
Anthony R. Gross, Jurandir M. Craveiro Jr. e Rodrigo Gravina Prates Junqueira
secretário executivo: André Villas-Bôas equipe cabeceiras: Cassiano Carlos Marmet, Cleiton
secretária executiva adjunta: Adriana Ramos Marcelino do Santos, Cleudemir Peixoto, Cristina
Velasquez, Eduardo Malta Campos Filho, Fernanda
apoio institucional Bellei, Heber Queiroz Alves, José Nicola Martorano
Neves da Costa, Junior Micolino da Veiga, Luciano
Organização Intereclesiástica para Langmantel Eichholz, Natalia Guerin, Rodrigo
Cooperação ao Desenvolvimento (Icco) Gravina Prates Junqueira, Rosalina Alves da Silva
Loch, Sadi Elsenbach, Valéria Priscilla Lourenço
Leão de Brito e Vanderlei da Costa Silva
Ajuda da Igreja da Noruega (NCA) equipe PIX: Francisco Fortes da Costa Jr., Katia
Yukari Ono, Leticia Soares de Camargo, Paula
Mendonça de Menezes, Renata Barros Marcondes
de Faria e Rosana Gasparini

Isa são Paulo (sede) Av. Higienópolis, 901, 01238-001. São Paulo (SP), Brasil.
tel: (11) 3515-8900, fax: (11) 3515-8904, isa@socioambiental.org
Isa brasílIa SCLN 210, bloco C, sala 112, 70862-530, Brasília (DF)
tel: (61) 3035-5114, fax: (61) 3035-5121, isadf@socioambiental.org
Isa manaus R. Costa Azevedo, 272, 1º andar, Largo do Teatro, Centro, 69010-230, Manaus (AM).
tel/fax: (92) 3631-1244/3633-5502, isamao@socioambiental.org
Isa boa VIsta R. Presidente Costa e Silva, 116, São Pedro, 69306-670 Boa Vista (RR)
tel: (95) 3224-7068, fax: (95) 3224-3441, isabv@socioambiental.org
Isa são GabrIel Da cachoeIra R. Projetada, 70, Centro, 69750-000 S. Gabriel da Cachoeira (AM).
Tel/fax: (97) 3471-1156, isarn@socioambiental.org
Isa canarana Av. São Paulo, 202, Centro, Canarana, CEP 78.640-000.
Tel (66) 3478-3491, isaxingu@socioambiental.org
Isa elDoraDo R. Jardim Figueira, 55, Centro, 11960-000, Eldorado (SP).
Tel: (13) 3871-1697/1545, isaribeira@socioambiental.org
Isa altamIra R. Professora Beliza de Castro, 3253 Bairro Jd. Independente II, 68372-530, Altamira (PA).
tel: ( 93) 3515-0293
almanaque socioambiental Parque Indígena do Xingu 50 anos
Instituto socioambiental

coorDenação Geral aDmInIstração e DIstrIbuIção


André Villas-Bôas e Paulo Junqueira Fábio Endo e Carlos Alberto de Souza
eDItoras colaboraDores
Marina Kahn e Maura Campanili
Alicia Rolla; Ana Paula C. Souto Maior; Beto
Ricardo; Cristina Velasquez; Enrique Svirsky (in
teXtos memorian); Fernanda Bellei; Francisco Fortes da
editoras Costa Jr.; Josy Andrade dos Santos; Katia Yukari
Marina Kahn e Maura Campanili Ono; Leticia Soares de Camargo; Luiz Adriano dos
textos Santos; Maria Martha Mota; Majoí Gongorra; Paula
Bruno Weis, Camila Gauditano, Mendonça de Menezes, Renata Barros Marcondes
Marina Kahn e Maura Campanili de Faria; Rodrigo G. Prates Junqueira; Rosana
revisão de conteúdo Gasparini; Sérgio Mauro Santos Filho.
André Villas-Bôas e Paulo Junqueira
índice remissivo
Leila M. Monteiro da Silva
1 2 3 4 caPa: 1. valter campanato/abr: homens
ImaGens 5 6 7 8
tocam flautas durante festa kuarup; 2.
simone athayde/isa: detalhe de cinto yudjá;
editora 9 10 11 123. simone athayde/isa: detalhe de cestaria
Camila Gauditano kawaiweté;
4. valter campanato/abr; jovem
13 14 15 16
assistente indígena filma a festa kuarup; 5. ayrton
Claudio A. Tavares vignola: coleta de sementes pelo povo ikpeng, 2010; 6. andré
villas-bôas/isa: sobrevoo na bacia do rio suiá-miçu; 7. andré

maPas villas-bôas/isa: ritual ikpeng; 8. pedro martinelli/isa: aldeia


ipatse, povo kuikuro; 9. rosa gauditano/studior: pescaria
Marisa G. Fonseca e Rosimeire Rurico Sacó waurá; 10. valter campanato/abr: tronco kuarup enfeitado;
mapa rota da expedição roncador-Xingu no centro- 11. beto ricardo/isa: mulheres kuikuro; 12. marcus schmidt/
oeste do brasil nos anos 1940: mapa de Alicia Rolla isa: construção de casa ikpeng; 13. valter campanato/abr: luta
sobre foto de Márcio Ferreira/Museu do Índio huka-huka durante kuarup.; 14. vincent carelli: aldeia moygu,
povo ikpeng; 15. andré villas-bôas: posto indígena diauarum;

arte 16. eduardo viveiros de castro: yawalapiti no jawari dos waurá.

Projeto gráfico
Ana Cristina Silveira, a partir de projeto de Sylvia
Monteiro para o Almanaque Brasil Socioambiental Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
editoração eletrônica (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Ana Cristina Silveira
Almanaque Socioambiental Parque Indígena do Xin-
ProDução gu : 50 anos / Instituto Socioambiental (ISA) .
Marina Kahn, Leila M. Monteiro da Silva, -- São Paulo : Instituto Socioambiental, 2011.
Margareth Nishiyama Guilherme e Vera Feitosa Bibliografia
ISBN 978-85-85994-84-6
1. Índios da América do Sul - Brasil - Cultura
2. Índios da América do Sul - Brasil - História 3.
Parque Indígena do Xingu (Brasil) - Descrição 4.
ImPressão Parque Indígena do Xingu (Brasil) - História 5. Povos
Ipsis Gráfica indígenas - Brasil I. Instituto Socioambiental.
tIraGem 11-05479 CDD-980.41
5 mil exemplares
Índices para catálogo sistemático:
1. Parque Indígena do Xingu : Povos indígenas :
Brasil : História 980.41
2. Povos indígenas : Parque Indígena do Xingu :
Brasil : História 980.41
agradecImentos
Ana Gita de Oliveira; Arquivo do Estado de São Paulo; Bruna Franchetto; Carlos Augusto
da Rocha Freire; Cídio Martins; Carlos Fausto; Doris Marins e Francisco; Douglas Rodrigues;
Fábio Maciel; Fernando Mathias Baptista; Fundação Pró-Memória de Canarana; Gabriella
Moyle; Heber Queiroz Alves; Ione Pereira Couto; Jerônimo Villas-Bôas; José Carlos Levinho;
Kulumaka Matipu; Lídia Zelesco; Instituto Moreira Salles; Luiza Zelesco; Marcus Vinícius
Schmidt; Mari Corrêa; Maria Clara Miglicacio; Maria Cristina Troncarelli (Bimba); Marina
Villas Bôas; Marina Vanzolini; Museu do Índio; Natália Macedo Ivanauskas; Noel Villas
Bôas; Orlando Villas Bôas Filho; Patrícia Rech; Paulo Brando; Roberto Baruzzi; Rodrigo
Piquet; Ronaldo Weigand Jr.; Rosely Alvim Sanches; Shirley Silva; Sofia Mendonça; Unifesp;
Veronique Ballot; Vídeo nas Aldeias; Vilma Chiara; Virgínia Maria Albertini; Vivian Vieira.

FotÓgraFos que cederam


Fotos Para PublIcação
Ana Lúcia Pessoa Gonçalves; André Villas-Bôas; Ayrton Vignola; Artêmio Bassoto/Foto
Arte; Beatriz de Almeida Matos; Beth Cruz/Agil; Beto Ricardo; Camila Gauditano; Carlos
Fausto; Christian Knepper; Duda Bentes/Agil; Edson Elito; Edson Rodrigues/Secom-MT;
Eduardo Galvão; Eduardo Viveiros de Castro; Elza Fiúza/ ABr; Emerson Guerra; Emmanuel
de Vienne; Francisco Fortes; Geraldo Silva; Harald Schultz; Helio Mello; Henri Ballot/Ins-
tituto Moreira Salles; Ivaci Matias; Jamil Bittar; Jerônimo Villas-Bôas; Jorge Rosemberg/
Showfoto; José Medeiros/Instituto Moreira Salles; Jurandir Craveiro/NBS; Kátia Yukari
Ono; Leonardo Sette; Leopoldo Silva/Agil; Lulu Costa; Marcello Casal Jr./ABr; Marcelo
dos Santos; Márcio Ferreira; Marcos Bergamasco/Secom-MT; Marcus Schmidt; Marina
Vanzolini; Maurício Torres; Milton Guran/Agil; Murilo Santos; Nancy Flowers; Paula
Mendonça; Paula Simas/Agil; Paulo Junqueira; Orlando Brito; Oswaldo Braga de Sousa;
Pedro Martinelli; Renata Faria; René Fuerst; Rosa Gauditano/StudioR; Rosana Gasparini;
Rosely Alvim Sanches; Simone Athayde; Sthephan Schwartzman; Thomas Gregor; Ton
Koene; Valter Campanato/ABr.
aPresentação

O
Parque Indígena do Xingu é hoje uma forte referência da diversidade
cultural e ambiental da Amazônia. Tornou-se uma ilha de sociobiodi-
versidade no coração do Brasil, no contexto de uma região marcada por
grandes desmatamentos. Criado em 1961, o Parque faz parte do imaginário bra-
sileiro sobre os povos indígenas no Brasil e, durante muito tempo, foi um cartão
postal da política indigenista oficial.

A criação do Parque foi precedida por um longo processo de discussão sobre a


extensão dos seus limites, o que durou quase dez anos. Na época, já se tinha conheci-
mento sobre a existência de vários povos indígenas que viviam entre as bacias dos rios
Araguaia, Xingu e Teles Pires. O limite originalmente proposto era aproximadamente
dez vezes maior do que o limite que o Parque tem hoje. Quando em 1961 decretou-se
uma área muito menor do que a originalmente planejada, estava implícita a necessidade
de trazer outros povos indígenas, ocupantes tradicionais de territórios circunvizinhos
e ameaçados pelas frentes colonizadoras, para dentro do Parque do Xingu.

Apesar dos esforços de integração do Centro-Oeste ao restante do Brasil, levados


a cabo pela Fundação Brasil Central na década de 1940, a região das cabeceiras do
rio Xingu só foi efetivamente ocupada na década de 1970, com a construção das
rodovias BR-163, BR-158 e BR-080, quando surgiram projetos de colonização
privados e governamentais que promoveram um intenso fluxo migratório de colonos
do sul do país. Os índios testemunharam a velocidade desse processo de colonização
regional com muita apreensão, dada a escala do desmatamento, a degradação dos
rios, a formação de uma vasta malha viária e o surgimento de cidades, delineando
um quadro de confinamento territorial e destruição do entorno do Parque.

Houve momentos em que se chegou a duvidar que os limites do Parque, esta-


belecidos antes dessa onda colonizadora, pudesse detê-la. Os índios tiveram que
se mobilizar constantemente para proteger seu território de frequentes investidas.
Algumas etnias ousaram romper os limites estabelecidos e buscaram assegurar e
proteger parcelas de seus territórios que haviam ficado fora dos limites do Parque,
numa tentativa contundente de deter a onda destruidora do desmatamento de áreas
remanescentes de seus territórios ancestrais.

Do lado de fora da fronteira do Parque do Xingu, estava o território da disputa


entre gaúchos, goianos, paulistas e tantos outros que chegavam com seus sonhos de um
novo Eldorado. Para eles, vencer era transformar a diversidade das paisagens florestais
em monótonos campos de gado e lavoura, transportando para o cerrado o mesmo

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modelo de ocupação de paisagem que seus antepassados aplicaram em outras regiões
do país. A presença do Parque e dos índios era um obstáculo indigesto para esses novos
colonizadores porque representava o reverso do modelo que estavam importando.
Muitos na região ainda acreditam que os índios devam ser convertidos em pecuaristas
e sojicultores, ou talvez que devessem franquear suas terras para essas culturas.

Atualmente, os índios fazem parte da paisagem das cidades do entorno do Par-


que. A maioria dos 16 povos que nele habitam recuperou o patamar populacional
de antes do contato, superando as sequelas das epidemias e o fantasma da extinção.
Hoje, continuam zelando pelo seu patrimônio cultural e ambiental e buscam formas
de manter um diálogo intercultural mais equilibrado com a sociedade regional.

Por outro lado, quando lideranças indígenas do Parque foram indagadas sobre
a proximidade da data dos 50 anos de sua criação, ficou claro que a memória desse
tempo suscitava-lhes – a depender do interlocutor e de qual povo pertencia – lem-
branças contraditórias. Existe uma compreensão consensual de que se o Parque
não tivesse sido criado e não houvesse a inestimável dedicação dos irmãos Villas
Bôas, a história poderia ter sido outra, provavelmente muito pior, a exemplo de
outros povos que não tiveram a mesma atenção por parte do Estado. No entanto,
as perdas populacionais e o fantasma da extinção decorrente das epidemias que
enfrentaram no período pré e pós contato são um legado amargo que permanece
vivo na memória de toda uma geração que ainda está aí.

O Almanaque Socioambiental Parque Indígena do Xingu 50 anos é uma


iniciativa do Programa Xingu do ISA que, há 16 anos, trabalha com as etnias xin-
guanas e, desde 2004, com demais atores da região das cabeceiras do Xingu. Essa
publicação organizou um conjunto de informações de diferentes fontes, inclusive
opiniões dos próprios índios e de pessoas que trabalham ou trabalharam no Parque.
Trata-se de uma publicação pensada para o público da região da bacia do Xingu,
sobretudo para a geração mais nova, mais sensível às questões socioambientais e
ciente dos impactos das mudanças climáticas em nível planetário. São elas que
podem repensar o processo de ocupação e, sobretudo, estabelecer um diálogo
intercultural mais equilibrado e respeitoso com os povos indígenas.

andré Villas-bôas
secretário executivo e coordenador
do Programa xingu do isa

almanaque socioambiental PaRque inDígena Do xingu 50 anos


Parque Indígena do XIngu:
referência em conservação da
sociobiodiversidade da amazônia

O
Fundo Vale para o Desenvolvimento Sustentável, desde sua criação
em 2009, tem o Instituto Socioambiental (ISA) como seu parceiro para
a realização de projetos estruturantes e transformadores, conciliando
conservação e uso sustentável dos recursos naturais com a melhoria das condições
socioeconômicas regionais. Essa parceria vem unindo iniciativas e expertises e
propondo uma rede com diferentes setores da sociedade, rumo a novos caminhos
para o desenvolvimento local sustentável.

Para o Fundo Vale é uma grande honra apoiar o ISA nesta edição especial do
Almanaque Socioambiental. Já é tradição contar com a excelência da publicação,
que conseguiu brilhantemente reunir em uma só fonte esclarecimentos sobre
grandes temas, os maiores fóruns temáticos, bons artigos, histórias, biografias e
uma riqueza gráfica e cartográfica sem precedentes em publicações que remetem
à sustentabilidade.

Além da qualidade e quantidade de conteúdo, a publicação traz o princípio


de ação em rede materializado, afinal são centenas de colaboradores, especialistas
nas mais diversas áreas. O Fundo Vale se identifica com esse modelo de ação por
trazer o conceito de “rede”, tão prezado por nós, em sua concepção. Não bastasse
a inovação trazida nas contínuas e maravilhosas edições do Almanaque Brasil So-
cioambiental, agora somos presenteados com esse verdadeiro tesouro: o volume
dedicado aos 50 anos do Parque Indígena do Xingu.

Por si só o Xingu já é louvável por tudo que simboliza em termos de conquistas


e de sua própria sobrevivência. Ser a maior Terra Indígena do Mato Grosso é um
indicador suficientemente grande se observarmos a pressão que exercem as novas
frentes de desmatamento sobre sua área. Mas o Parque vai além: é uma verdadeira
ilha de grande riqueza no meio da paisagem transformada.

Sua importância para a conservação da paisagem é indiscutível. Em imagens de


satélite da região, nota-se claramente o quanto sua existência assegura a proteção

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das florestas de seu território. A história e o significado do Parque nos provocam
reflexões para além dos limites das terras indígenas, inclusive para as nascentes
formadoras do rio Xingu, sujeitas a brutais pressões de seu entorno.

Os desafios para a sustentabilidade da região demandam um diálogo intercul-


tural, que associe políticas, que estimulem uma economia que valoriza os ativos da
biodiversidade amazônica e o conhecimento tradicional associado. E que também
reconheça e promova a manutenção de serviços ambientais para a manutenção da
biodiversidade e conservação dos recursos hídricos, manutenção do microclima e
de estoques significativos de carbono, visando assegurar o cumprimento das metas
assumidas pelo governo brasileiro frente a acordos internacionais.

Em reconhecimento ao trabalho realizado, o Fundo Vale reforça a parceria com


o ISA para uma nova frente de ação, visando promover uma forma de diálogo dife-
renciada entre os setores da sociedade, além da conservação da sociobiodiversidade
e o uso sustentável dos recursos naturais. Trata-se do projeto “Corredor Xingu de
Sociobiodiversidade, um desafio de sustentabilidade para o Brasil”.

O Fundo Vale reconhece a importância do projeto para a região, promovendo


e incentivando sua replicação em outros territórios, e tem honra de ser parceiro do
ISA nesse momento em que o Parque Indígena do Xingu completa 50 anos e se
consolida como uma referência da conservação da sociobiodiversidade da Amazônia.

O desenvolvimento de ações transformadoras que integrem todos os setores


da sociedade rumo ao desenvolvimento sustentável, refletidos em cada linha dessa
edição do Almanaque e em cada ano de existência do Parque Indígena do Xingu,
merecem ser celebrados.

mirela sandrini
gestora do Fundo Vale

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Parque Indígena do XIngu 50 anos

Q
uem sobrevoa a região nordeste do estado de Mato Grosso se depara com
uma das mais impressionantes cenas de contraste entre conservação e
degradação ambiental.

O que se vê é uma enorme mancha verde de floresta muito conservada, li-


teralmente ilhada em um mar de pastagens, plantios e solos expostos de áreas
desmatadas e abandonadas.

A floresta, em muitos locais geometricamente recortada sem considerar limites


naturais, é uma ilha de biodiversidade com 26,4 mil quilômetros quadrados, equi-
valente ao tamanho do estado de Alagoas, encravada na zona de transição entre o
Cerrado e a Floresta Amazônica, os dois maiores biomas brasileiros.

Mas ao observador mais atento, não escapará a percepção das pequenas clareiras,
geralmente circulares, ocupadas por construções cobertas com folhas de palmeiras
de arquitetura e distribuição espacial muito singulares. São as aldeias indígenas onde
vivem em relativa segurança 16 povos indígenas, somando quase seis mil indivíduos.

Esse é o PIX - Parque Indígena do Xingu, uma das maiores e mais antigas áreas
protegidas criadas no Brasil e uma das mais importantes e bem sucedidas experi-
ências de conservação da diversidade cultural e ambiental brasileiras.

A proposta de se criar o que hoje se tornou o cartão de visita da política indi-


genista brasileira surgiu em 1952. Seus idealizadores certamente não tinham ideia
do que ele significaria 50 anos depois. Naquela época, as questões socioambientais
não constituíam uma preocupação como nos dias de hoje.

Quando foi finalmente criado, em 1961, pelo então presidente Jânio Quadros,
o Parque ficou sob a responsabilidade da Fundação Brasil Central, representada

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pelos irmãos Villas Bôas, e isso fez muita diferença para o destino de seus habitantes.
Hoje, mesmo com todas as dificuldades e descontinuidades que marcam as políticas
indigenista e ambiental brasileiras, o PIX é um exemplo de que é possível escrever
uma história que não seja de degradação ou dominação cultural. É, também, uma
demonstração de que no Brasil do século XXI pode haver convivência respeitosa
e cooperativa entre os culturalmente diferentes, com respeito ao meio ambiente.

Por tudo isso, o Grupo Construcap considera um privilégio apoiar o Instituto


Socioambiental nas atividades que buscam marcar o cinquentenário do Xingu com
um conjunto de iniciativas capazes não apenas de registrar esse importante aconte-
cimento, mas, principalmente, disponibilizar informações altamente qualificadas
sobre o Parque, sua história e sua importância para o presente e para o futuro.

Esperamos que a celebração do cinquentenário do Parque Indígena do Xingu


seja mais do que uma merecida comemoração. Que ela sirva, também, de alerta
e inspiração.

Alerta para a necessidade de intensificarmos a busca de soluções para os pro-


blemas que afligem as populações etnicamente diferenciadas no Brasil, ainda longe
de verem assegurados os seus direitos a as condições adequadas de qualidade de
vida a que fazem jus.

Inspiração para que cada cidadão brasileiro tenha no Parque Indígena do


Xingu o exemplo e o estímulo para a construção de novas experiências de convi-
vência fraterna entre os diferentes seguimentos de nossa sociedade, em harmonia
com a natureza.

grupo construcap

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como usar o almanaque
Este Almanaque está dividido em capítulos temáticos, com verbetes relacionados.
entenda o Formato da PublIcação:

A seção saIba maIs Os Parênteses no meio A seção quem Faz


faz as indicações do texto indicam outros a hIstÓrIa narra
bibliográficas ou sites que verbetes ou seções do brevemente a trajetória de
acrescentam informações Almanaque relacionados personagens marcantes
sobre o assunto que está ao trecho específico em para o assunto que está
sendo tratado. que aparecem. sendo tratado.

A seção Você sabIa? relato Indígena é A seção não conFunda


apresenta curiosidades uma versão narrada por destaca conceitos que
relacionadas ao assunto um índio sobre o tema podem ser usados de
tratado no texto principal. tratado naquele capítulo. maneira equivocada.

As palavras escritas em A seção Veja também Perguntas Frequentes


azul fazem parte do indica outros verbetes apresentam dúvidas que
glossárIo & sIglárIo ou seções do próprio são usualmente colocadas
(pág. 305). Almanaque e que estão pela população brasileira
relacionados ao tema. a respeito dos índios e que,
no caso do Almanaque,
Procura Por assunto: Os temas abordados neste estão relacionadas com
Almanaque podem ser encontrados no Sumário, nas o assunto tratado
aberturas de cada capítulo ou no Índice Remissivo. naquele capítulo.

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sobre a graFIa de PalaVras Indígenas e nome dos PoVos:

os estudos das línguas indígenas do Par- documentos oficiais – laudos, IbGe, leis, de-
que Indígena do Xingu estão em curso e nem cretos etc. É por isso que, em um mesmo texto,
todas têm suas grafias consolidadas. esse é um poderá aparecer a mesma palavra escrita com
processo demorado porque, além de uma língua diferentes grafias. Por exemplo: rio curisevo
não ser estática nem apresentar padrões homo- (conforme o IbGe) e ctl Kurisevo (conforme
gêneos para todos seus falantes, os linguistas documentos da Funai). e pessoas da mesma
não adotam os mesmos conceitos para fazer etnia com sobrenomes grafados nas carteiras
suas análises. Dessa forma, não existe consen- de identidade como cayabi ou Kaiabi, mehinaku
so em como escrever cada língua indígena e, ou meinako, por exemplo.
portanto, a grafia das palavras e dos nomes das no caso de algumas etnias há, ainda, dife-
etnias varia. além disso, nessas línguas existem rentes nomes para identificá-las. Isso é o resul-
sons que não existem em português. Por isso tado de um movimento recente desses povos de
são usadas letras diferentes para representá- assumirem sua autodenominação, substituindo
los (por exemplo, ĩ). os professores índios do o nome pelo qual ficaram conhecidos. assim,
PIX, que são também pesquisadores e apoiam os índios Ikpeng, na época do contato e ainda
o trabalho de linguistas, estão adotando crité- durante muitos anos, eram identificados como
rios próprios, com base em metodologias que txicão. o mesmo aconteceu com os Yudjá,
aprenderam, e se esforçam em criar materiais originalmente identificados por Juruna e com
didáticos com o padrão de escrita que conside- os Kisêdje, tratados por muitos anos por suiá.
ram o mais adequado. Isso se refle em outras diferenças de grafias e de
o almanaque, então, adotou como critérios sobrenomes (pessoas da mesma etnia podem
para grafar os nomes das etnias do PIX aquela ter sobrenomes diferentes, como Yudjá e Juru-
que mais se aproxima da sua pronúncia pelos na, por exemplo). neste almanaque, utilizamos
índios, sabendo o risco que isso implica, pois o nome pelo qual os povos se identificam.Para
quando uma língua tem diferentes dialetos as demonstrar essas diferenças, o encarte das
pronúncias também mudam. em caso de nomes páginas 73 a 140 informa os diferentes nomes
próprios, utilizamos a grafia que consta nos e grafias de cada povo indígena.

trIbo, não! Por quê?


"tribo" é um conceito que se popularizou marcados por técnicas rudimentares de pro-
no século XIX com o desenvolvimento das dução econômica. corresponderiam a uma
ciências sociais, particularmente da antro- etapa de organização social anterior ao estado
pologia, a ciência dedicada ao estudo das e, portanto, mais primitiva e menos evoluída.
diferentes culturas da humanidade e as formas essas noções já não fazem mais parte do atual
de organização social, em um contexto em campo conceitual da antropologia.
que as diferenças entre as sociedades eram as diferentes sociedades e culturas não po-
compreendidas a partir de uma visão evolucio- dem ser vistas como "mais ou menos evoluídas",
nista da humanidade. as organizações sociais pois não existe uma evolução única e linear que
eram classificadas em estágios evolutivos que caminha do primitivo ao civilizado. afastando-se
iam desde os bandos primitivos até o estado- desse olhar equivocado sobre as diferentes cul-
nação, que seria a forma mais desenvolvida. turas, a antropologia trabalha hoje com noções
as tribos seriam pequenos grupos isolados, como etnias, grupos ou povos, e não de tribos.

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sumárIo

o coração do brasIl 19
Parque indígena do xingu 20
criação do Pix 38
complexo altoxinguano 54
Povos indígenas no Parque indígena do xingu 73
conhecimento indígena 141
escolas diferenciadas 155
saúde e agentes indígenas 168
interação com a modernidade 181

cartão Postal ameaçado 199


o entorno do Pix 200
ilha de floresta 220
os índios e as cidades 231

Futuro do PIX 243


Patrimônio material e imaterial 244
Desafio da sustentabilidade 253

linHa Do temPo 278


bibliogRaFia e Fontes consultaDas 299
glossÁRio, siglas e acRÔnimos 305
ínDice RemissiVo 312

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camila gauditano/isa. pintura
e ornamentos alto xinguanos.
O cOraçãO dO Brasil
Localizado praticamente no centro geográfico brasileiro, o Parque
Indígena do Xingu reúne 16 povos e é um símbolo da sociodiversidade
brasileira. Com seu território e população ameaçados pela frente
colonizadora do país, a criação do Parque, em 1961, foi resultado
de uma mobilização de personalidades brasileiras, com os irmãos
Villas Bôas à frente, para delimitar um espaço reservado para os
povos indígenas. Nesses 50 anos, esses povos buscaram se adaptar
a um contexto regional em permanente transformação, lutando
pelo reconhecimento e proteção dos seus territórios, pelo direito de
manter seu conhecimento, ter atendimento à saúde e uma educação
diferenciada. Cada vez mais envolvidos pelo mundo globalizado
que os cerca, os índios xinguanos têm se apropriado dos novos
conhecimentos e mídias como instrumentos de fortalecimento
da sua identidade étnica e cultural.

20 capítulO 1 parque indígena dO xingu


38 capítulO 2 criaçãO dO pix
54 capítulO 3 cOmplexO altOxinguanO
73 pOvOs indígenas nO parque indígena dO xingu
141 capítulO 4 cOnhecimentO indígena
155 capítulO 5 escOlas diferenciadas
168 capítulO 6 saúde e agentes indígenas
181 capítulO 7 interaçãO cOm a mOdernidade
o coração do brasil

da esq. p/ dir., linha de baixo: simone athayde/isa; beto ricardo/isa; ton koene; marcelo casal jr./abr
da esq. p/ dir., linha de cima: camila gauditano/isa; andré villas-bôas/isa; ton koene; camila gauditano/isa
capítulO 1 | parque indígena do xingu

Diversidade dos povos indígenas do PIX, espaço privilegiado de proteção para 16 etnias.

parque indígena dO xingu


A presença de 16 povos, a exuberância da paisagem e a localização
no centro do Brasil fazem do Parque Indígena do Xingu um símbolo
da sociobiodiversidade brasileira.

O Parque Indígena do Xingu (PIX)


foi a primeira grande terra indí-
gena reconhecida no país e também a
em curso, de ocupação desse imenso
território chamado Brasil.
Criado há 50 anos (em 1961) pelo
abrigar várias etnias indígenas (atual- então presidente Jânio Quadros, visto
mente, são 16 povos). Sua localização como cartão de visita da política indige-
praticamente no centro geográfico do nista oficial durante muitos anos, o PIX
país, na região de transição dos bio- localiza-se na região nordeste do Estado
mas Cerrado e Amazônia, associa de do Mato Grosso, na parte sul da Amazô-
forma original sociodiversidade a uma nia brasileira, e está totalmente inserido
riquíssima biodiversidade. A história na bacia do rio Xingu. Sua criação se deu
de contato e convívio de seus povos após uma longa discussão que mobilizou
com o restante da sociedade brasileira diferentes setores e instituições privadas
traduz e representa a longa saga, ainda e públicas. Seus limites foram contesta-

20 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

dos na época por interesses econômicos línguas diferentes, esses povos caracte-

capítulO 1 | parque indígena do xingu


ligados ao mercado mato-grossense de rizam-se por uma grande similaridade
especulação de terras e, posteriormente, no seu modo de vida e visão de mundo,
por vários povos indígenas que tiveram principalmente por estarem há séculos
parcelas significativas de seus territórios articulados em uma rede de trocas, casa-
tradicionais excluídos da sua demarcação. mentos e rituais. No entanto, mesmo que
O Parque significou a delimitação de o intercâmbio cerimonial e econômico
um espaço privilegiado e incontestável celebre a sociedade altoxinguana, cada
de proteção para as etnias que lá viviam um desses grupos faz questão de cultivar
e para aquelas que viviam ameaçadas suas diferenças e identidade étnica.
na sua circunvizinhança e que para lá As demais etnias que habitam o PIX
foram levadas pelos irmãos Villas Bôas, estão mais ao norte e a leste do Parque
algumas debilitadas, com um quadro e não fazem parte do complexo cultural
drástico de redução populacional, à altoxinguano, sendo bastante heterogê-
beira da extinção. Por neas do ponto de vista
outro lado, sua criação RAio X do PARque da organização social.
pode ser vista também iNdígeNA do XiNgu Parte do povo Kawaiweté
como uma ação de orde- etnia pOpulaçãO (conhecidos também
namento territorial por AWETI 195 por Kaiabi) foi trazido
parte do Estado brasilei- IKPENG 459
para dentro dos limites
ro, liberando territórios do PIX, na década de
KALAPALO 385
de ocupação tradicional 1950, em função do ris-
KAMAIURÁ 467
de várias etnias para a co de desaparecimento
KAWAIWETÉ (KAIABI) 1.193
expansão e ocupação ou desagregação social
das frentes colonizado- KISÊDJE (SUIÁ) 330 provocado pelo contato
ras do Centro-Oeste KUIKURO 522 com seringueiros e ga-
e da Amazônia, confi- MATIPU 149 rimpeiros em seus ter-
nando os índios em um MEHINAKO 254 ritórios, localizados na
território muito menor NAFUKUÁ 126 bacia do rio Teles Pires.
do que o que habitavam NARUVÔTU 69 Outros viviam na
tradicionalmente. TAPAYUNA* 60 região circunvizinha ao
Internamente, o TRUMAI 97
Parque, como os Kisêdje
Parque é conformado, (conhecidos como Suiá
WAURÁ 409
em sua porção sul, pela até pouco tempo), que
YAWALAPITI 156
área cultural do Alto sempre ocuparam a re-
YUDJÁ (JURUNA) 348
Xingu , formada pelos gião abrangida pelo rio
povos Aweti, Kalapalo, Fontes: Ipeax 2011 / Unifesp 2010 / Funai 2003. Suiá-Miçu e tributários,
* Estimado a partir de levantamento de Kamani
Kamaiurá, Kuikuro, Mati- Kĩsêdjê (2006). mantendo incursões
pu, Mehinako, Nafukuá, guerreiras com os alto-
Naruvôtu, Waurá e Yawa- veJa tamBÉm: xinguanos. Os ikpeng,
Povos Indígenas..., pág. 73.
lapiti. Apesar de falarem que viviam na região do

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 21


o coração do brasil

rio Jabobá, foram transferidos para o PIX,


você sabia?
capítulO 1 | parque indígena do xingu

junto ao Posto indígena Leonardo Villas


Bôas, em 1966.
Os Yudjá (também conhecidos S O centro geográfico do Brasil já foi dentro
do PIX. Depois, com a criação da TI Capoto-
por Juruna) cruzaram a Cachoeira Jarina, em 1968, o marco ficou dentro desta
Von Martius escapando do assédio outra terra indígena. Em 2008, 50 anos
dos Kayapó, e mantiveram discreta depois que a expedição Roncador-
Xingu calculou e implantou o marco de
competição territorial com os Kisêdje madeira que delimitava o centro geográfico
e os Trumai. Estes últimos, tradicionais do país, dois dos integrantes daquela
ocupantes da região localizada entre os equipe, liderados pelo sertanista Sérgio
Vahia, voltaram para lá com a ajuda dos
rios Tocantins e Araguaia, já estavam índios Kayapó e deixaram um novo marco,
na região dos formadores do rio Xingu agora de alumínio.
no século XIX, onde penetraram
pelo rio Curisevo. Assim, deram
e receberam influências significa-

cartográfica Brasil ao milionésimo, IBGE, 2010); Terras Indígenas (ISA, 2011)


tivas ao complexo altoxinguano.
Por fim, há ainda os Tapayuna,
que viviam originalmente na

Fontes: Limites estaduais e limite da América do Sul (Base


região do rio Arinos, próximo
ao município de Diamantino, no
Mato Grosso. Depois de serem
sistematicamente perseguidos
e assolados por doenças, foram
trazidos para o PIX em 1970 (ver
mapa, pág. 23).
Centro Geográfico
Território e natureza do Brasil
Terras Indígenas
Cada povo xinguano possui
um acervo milenar de conhe-
cimentos peculiares sobre a nature-
za e os processos tecnológicos para
não confunda:
transformá-la a seu favor. Contudo, a
demarcação do Parque deixou de fora
uma parte significativa dos territórios S centro geográfico do Brasil – Fica
no estado do Mato Grosso, município
tradicionais e seus respectivos recursos de Peixoto de Azevedo.
naturais, muitos deles estratégicos para
a reprodução física e cultural desses S centro geográfico da américa – Também
fica no Mato Grosso, mas no município de
povos. Esse fato é mais grave para os Chapada dos Guimarães, a 60 km de Cuiabá.
grupos que sofreram transferência de
outros locais, pois precisaram se ajustar saiBa mais:
www.centrogeografico.com.br
às novas condições ambientais.

22 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

trajetória dos povos indígenas até o pix

capítulO 1 | parque indígena do xingu


TI TI Menkragnoti
Panará
Novo Guarantã TI Terena
Carlinda Mundo do Norte Gleba Iriri TI Capoto/Jarina
Panará Santa Cruz
Peixoto de do Xingu
Nova Matupá Azevedo
Guarita
Metyktire
em Mapa Etno-histórico do Brasil e Regiões Adjacentes, adaptado do mapa de Curt-Nimuendaju, 1944, e em Franchetto, 1987.
Fontes: Terras Indígenas (ISA, 2010), Sedes Municipais e Hidrografia (IBGE, 2010), Áreas de Ocupação Tradicional baseadas

Terra Nova
Nova Canaã

Yudjá
do Norte
do Norte

São José Confresa


Nova Santa do Xingu Porto Alegre
Helena do Norte
Colíder
Canabrava
issauá-miçu
Itaúba Tapayuna Marcelândia Rio Man do Norte
i re s

PI Xingu
sP

União
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Cláudia do Sul
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Kawaiweté u ia-Miçú
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Sorriso
Ri o Matipu Querência
Ikpeng Kuikuro
Mehinako Nafukuá
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Ribeirão
Nova TI Batovi Aweti Kalapalo Cascalheira
Lucas do Ubiratã
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TI Pequizal
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Waurá do Naruvôtu
Rio
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Gaúcha
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do Norte

¦
R i o Jatobá

Cu

en e

de Setembro

Naruvôtu TI Pimentel
R io

ulu

Canarana
Barbosa
R io C

0 50 100 Km TI Marechal
Nova
Nazaré
Rondon
henri ballot/acervo instituto moreira salles

Sedes municipais
Rios principais
Terras Indígenas

Região aproximada de
ocupação tradicional
quando os Villas Bôas
chegaram ao Xingu

Orlando Villas Bôas entre os índios do Alto Xingu.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 23


o coração do brasil
capítulO 1 | parque indígena do xingu

raoni: elza fiúza/abr; karandini: simone athayde/isa; aritana: ana lúcia gonçalves/isa
prepori: geraldo silva/isa; kuiusi: andré villas-bôas/isa; mairawê: rosely alvim sanches;
Os líderes xinguanos

D esde a chegada da Expedição Ron­


cador­Xingu, muitos líderes indíge­
nas se destacaram como mediadores prepOri KaiaBi Kuiussi KisêdJe

das relações entre brancos e índios e


também entre os povos da região. Nes­
ses 50 anos, várias gerações de líderes
xinguanos tiveram papel importante
na história do Parque, entre os quais
destacamos alguns exemplos.
Na primeira fase, quando do con­ mairawê KaiaBi raOni Kaiapó
tato e pacificação entre os índios, de
um lado, e os brancos da expedição de
outro, o grande desafio era a comuni­
cação nas várias línguas diferentes.
Dois destaques nessa fase foram os
poliglotas Paru Yawalapiti e Nahu Kui­
kuro, conhecedores das seis línguas
Karandini YudJá aritana Yawalapiti
altoxinguanas, o que os tornou grandes
intermediadores dos Villas Bôas com
os povos xinguanos. Em um segundo momento, que se
Mais tarde, já nos anos 1960, des­ inaugura nos anos 1980, emergem
tacaram­se figuras como Raoni Kaiapó, novos personagens no contexto de um
Kuiusi Kisêdje, Karandini Yudjá, impor­ PIX já consolidado. Trata­se da geração
tantes na persistência em buscar o re­ recrutada pelos Villas Bôas e, poste­
conhecimento e assegurar o direito dos riormente, por outros diretores do PIX,
povos a territórios excluídos na criação formada por representantes de quase
do Parque. todas as etnias do Parque, que se alter­
Outra grande figura foi Prepori naram para trabalhar como assistentes
Kaiabi, pajé responsável por convencer nos postos indígenas. Desde muito
os Kawaiweté (Kaiabi), hoje a etnia mais jovens, foram barqueiros, cozinheiros,
numerosa do Parque, a migrarem para o abridores de picadas (mateiros), lo­
PIX. Foi ele também o responsável por cutores de rádio, entre muitas outras
mandar buscar as sementes das plantas funções. Convivendo com os valores de
cultivadas em sua terra tradicional para seus povos, quando estavam em suas
que pudessem continuar com sua rica aldeias, e os ensinamentos dos brancos
agricultura no novo território. (vários deles foram alfabetizados nos

24 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

capítulO 1 | parque indígena do xingu


postos), se apropriaram dos elementos de cidadania no Brasil, culminando na
que precisavam para compreender a Constituição de 1988, jovens lideranças
lógica dos brancos em relação ao que do Parque do Xingu passaram a assumir
entendiam por “processo civilizatório”. cargos de chefia nos Postos Indígenas,
Isso os habilitou a compreender e lidar como eram chamadas as unidades ad­
com os dois mundos e traduzir a política ministrativas da Funai dentro da Terra
dos não índios para dentro do Parque. Indígena. Atualmente, Megaron exerce
Vários desses jovens tornaram­se o cargo de coordenador regional da CTR
mais tarde chefes de postos, adminis­ de Colíder, localizada no município de
tradores do PIX, presidentes de asso­ mesmo nome, responsável entre outras
ciações indígenas. Entre eles, podemos pela TI Capoto­Jarina.
citar Maraiwê Kaiabi, Megaron Txuca­ Nos dias de hoje, há mais uma nova
ramãe, Kamani Trumai, Kokoti Aweti, e ampla geração de gestores xinguanos
Tamalui Mehinako, Pirakumã Yawalapiti, ocupando diferentes cargos à frente da
Ararapã Trumai, Aruiawi Trumai e Pionin Funai, do Distrito de Saúde, nas escolas
Kaiabi, entre outros. e na Comissão Gestora de Educação,
Megaron tornou­se, em 1984, o nas áreas proteção e fiscalização do PIX
primeiro índio a ter o cargo de adminis­ e nas próprias associações indígenas.
trador regional da Funai, como diretor Atualmente, praticamente todos os
do PIX. Antes dele, a função tinha sido cargos de gestão das políticas públicas
exercida pelo sertanista Orlando Villas são ocupados por índios. Esta é uma
Bôas, pelo antropólogo Olympio Serra, particularidade do PIX.
o sertanista Apoena Meirelles, o indi-
genista Francisco Assis da Silva e o
antropólogo Claudio Romero.
não confunda:
A posse de Megaron foi o reflexo
de dois fatores importantes na história
da política indígena brasileira nos anos S política indígena – É o conjunto de
manifestações e pleitos produzidos
1980. O primeiro foi o papel de destaque pelos povos indígenas para garantir
que teve, ao lado de seu tio Raoni, na seus interesses e direitos, por
luta pelas terras originais de seu povo, intermédio de suas instituições
que resultaram na criação da TI Capoto­ representativas (conselhos de aldeias,
associações, cooperativas e outras
Jarina (ver Metyktire: território cortado por formas de organização).
estrada, pág. 62). O segundo fator era a
existência de índios atuando nos dois S política indigenista – É aquela traçada
lados de um campo minado – o da Funai pelo Estado brasileiro para atender
necessidades, direitos e interesses dos
da ditadura militar e o da sociedade civil povos indígenas. Quem responde pela
unida para pleitear direitos civis. Como a política indigenista brasileira é a Funai,
década foi rica na construção de direitos órgão do Ministério da Justiça.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 25


o coração do brasil

Também o que acontece fora dos por sua vez, acaba fazendo as vezes de
capítulO 1 | parque indígena do xingu

limites da terra indígena tem reflexos um “ralo regional”. Todos os impactos


internos negativos na dinâmica socio- negativos sobre os rios formadores – po-
cultural e ambiental. Acentuada nos luição por agrotóxicos, desmatamento e
últimos 20 anos, a ocupação do entorno movimentação de terra que produz asso-
do Parque assentou-se inicialmente na reamento – deságuam na calha do Xingu.
atividade madeireira e na pecuária exten- Durante os anos 1990, a percepção
siva e, mais recentemente, na plantação das lideranças indígenas sobre a veloci-
de soja, registrando ao longo ao longo dade do processo de ocupação regional
dos últimos 30 anos significativas taxas e sua ameaça a sítios de patrimônio
anuais de desmatamento. Há, ainda, ati- cultural que não foram contemplados
vidades invasivas ao território indígena, na demarcação do PIX estimulou um
como a exploração madeireira, caça e conjunto de novos pleitos territoriais.
o turismo de pesca, todas predatórias. Dois deles, atendidos, resultaram nas
Outro fator de vulnerabilidade do Ti Wawi e Batovi, respectivamente dos
PIX é o fato das cabeceiras dos rios Kisêdje e dos Waurá, homologadas em
formadores do rio Xingu estarem loca- 1998. Em 2006, também os Naruvôtu
lizadas fora dos seus limites. A calha do conseguiram reaver parte do seu territó-
rio Xingu corta ao meio o Parque e este, rio, a TI Pequizal do Naruvoto.

O parque é pop

O Parque Indígena do Xingu inspirou


e segue inspirando obras artísticas
na televisão, literatura, cinema, moda,
contou com a assessoria dos irmãos
Villas Bôas para escrever a história, cujo
protagonista era Aritana (interpretado por
entre outras linguagens, que enrique­ Carlos Alberto Riccelli), filho de uma índia
cem o imaginário coletivo do país e e de um homem branco que vive no Xingu.
valorizam sua história, culturas e os Seu tio era um fazendeiro rico que
desafios que seus povos enfrentam hoje não queria dividir com ele a herança
e no futuro. familiar e pretendia negociar as terras
Uma das primeiras abordagens popu­ onde habitavam os índios com um grupo
lares sobre o parque e os povos indígenas de empresários norte­americanos. Arita­
foi feita pela extinta TV Tupi em 1978, na vai à cidade para lutar pelos direitos
quando produziu e veiculou em seu ho­ de seu povo e lá conhece Estela, médica
rário nobre a telenovela Aritana, escrita veterinária por quem se apaixona. A mo­
por Ivani Ribeiro. Foi a primeira produção cinha é interpretada por Bruna Lombardi
televisiva, ainda durante a ditadura mili­ que, durante as filmagens, começa a
tar, a tratar da questão indígena. Ribeiro namorar Riccelli (o casal está junto até

26 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

Dando curso a esse processo, atual- compartilham a mesma gestão político-ad-

capítulO 1 | parque indígena do xingu


mente os Ikpeng vêm se articulando para ministrativa. Com área equivalente ao ter-
reivindicar parte de seu território tradi- ritório do estado de Alagoas, o PIX incide
cional na região do rio Jatobá, que ficou em parte dos municípios mato-grossenses
fora da demarcação. Os Waurá também de Canarana, Paranatinga, São Félix do
estão negociando para que a região que Araguaia, São José do Xingu, Gaúcha do
chamam Kamukuaká, considerada sa- Norte, Feliz Natal, Querência, União do
grada e localizada numa fazenda vizinha Sul, Nova Ubiratã e Marcelândia.
ao Parque, seja transformada em área de O PIX tem uma taxa de desmata-
preservação ambiental. mento baixíssima (ver O entorno do PIX,
pág. 200) e é a área mais preservada da
Paisagem variada
região das cabeceiras do Xingu, forman-
Hoje, o que se chama de Parque do uma verdadeira ilha de floresta face ao
Indígena do Xingu é um território de desmatamento regional. Sua população é
2.825.470 hectares, formado pelas áreas de aproximadamente 5.500 pessoas, com
contíguas das terras indígenas Parque Indí- elevadas taxas de crescimento populacio-
gena do Xingu (com 2.642.003 hectares), nal, e vive em 77 aldeias.
Batovi (5.159 ha), Wawi (150.328 ha) e
Pequizal do Naruvôtu (27.980 ha), que
jorge rosenberg/showfoto

hoje) e o romance vira um grande acon­


tecimento nacional, aumentando ainda
mais a repercussão da novela.
Em 1989, estreia nos cinemas o filme
Kuarup, baseado no livro do escritor Antô­
nio Callado publicado em 1967. O filme,
dirigido por Ruy Guerra, conta com elenco
de atores conhecidos, como Cláudia Raia, Sting com o cacique Raoni Metuktire,
Maitê Proença, Fernanda Torres e Claudio “Show pela Anistia”, 1988.
Mamberti, entre outros, e destaca os ritu­
ais indígenas tradicionais do Xingu, como O PIX também atraiu a atenção
o kuarup. O filme também reconstrói a de artistas e celebridades. Recebeu a
histórica expedição para instalação do visita do cantor inglês Sting em 1989,
marco que identifica o centro geográfico quando os movimentos ambientalista
do país, hoje na TI Capoto­Jarina. Kuarup, e indígena se uniam contra o projeto
o filme, pode ser assistido hoje em DVD da hidrelétrica de Belo Monte. Mais re­
ou baixado da internet. centemente, a modelo Gisele Bündchen

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 27


o coração do brasil

O clima alterna a estação chuvosa, nele as águas dos rios Batovi , Von den
capítulO 1 | parque indígena do xingu

de novembro a abril, quando os rios Stein e Ronuro, quando então se forma


enchem e o peixe escasseia, e o período o rio Xingu. Mais ao norte do Parque,
de seca nos meses restantes, época da deságuam ainda no Xingu os rios Suiá-
tartaruga tracajá e das grandes cerimô- Miçu, Manisauá-Miçu, Auaia-Miçu,
nias interaldeias. Preto e Huaiá-Miçu, fechando a lista
Ao sul do Parque, está o rio Culuene, dos principais formadores da bacia do
principal formador do Xingu, que den- rio Xingu no Mato Grosso.
tro do Parque recebe as águas dos rios A paisagem local exibe uma grande
Sete de Setembro, Tanguro, Curisevo e biodiversidade e uma exuberância de
Tuatuari. Quando o rio Culuene alcança paisagens, sobretudo por estar em uma
a região conhecida como Morená, na região de transição ecológica, das sava-
região central do Parque, deságuam nas e florestas semideciduais mais secas
ao sul para a floresta ombrófila amazô-
nica ao norte, apresentando cerrados,
campos, florestas de várzea, florestas de
terra firme e florestas em Terras Pretas
Arqueológicas. (ver O que são as florestas
lulu costa/grandene

de transição, pág. 222)

filme Avatar), por ocasião da mobilização


contra a construção de Belo Monte, um
projeto prioritário do governo federal
para a região.
Gisele Bündchen ao lado do cacique Kuiusi Em 2011 – ano do 50º aniversário do
Kisêdje, aldeia Ngojhwere, 2006. Parque – o Xingu volta às telas nacionais
com o lançamento do filme sobre a vida e
levou seu então namorado americano, o trajetória dos irmãos Villas Bôas. Dirigido
ator Leonardo Di Caprio, a passar férias por Cao Hamburger (de O ano que meus
na região. Gisele, por sinal, se envolveu pais saíram de férias e Castelo Ra­tim­
tanto com o Xingu que voltou em 2006 bum) e produzido pela O2, produtora do
para afirmar seu apoio à campanha 'Y cineasta Fernando Meirelles (de Cidade
Ikatu Xingu em defesa das cabeceiras de Deus), o filme tem nos papéis dos
do rio e gravar um comercial na aldeia três irmãos Cláudio, Orlando e Leonardo
Ngojhwere, do povo Kisêdje. os atores João Miguel, Felipe Camargo e
Em 2010, as lideranças xinguanas Caio Blat, respectivamente. O filme tem
puderam conhecer pessoalmente o previsão de estreia nos cinemas do Brasil
diretor americano James Cameron (do no primeiro semestre de 2011.

28 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

ivaci matias

capítulO 1 | parque indígena do xingu


Vista aérea do CTL Diauarum.

Como o PIX é administrado


Mehinako, respectivamente. Com a
A demarcação de uma Terra Indígena reestruturação da Funai, em 2010, a
é feita pelo governo federal, por meio da cidade de Canarana passou a abrigar
Fundação Nacional do Índio (Funai), a VCR do Xingu, dirigida atualmente
que é subordinada ao Ministério da por Nhamkomberi Trumai.
Justiça. A Funai é o órgão indigenista No Parque do Xingu, existem quatro
do governo federal, ou seja, é respon- CTL voltadas para a assistência de seus
sável pela gestão legal, administrativa e moradores (saúde, educação, associati-
financeira das terras indígenas e proteção vismo etc.), todas com chefia indígena:
das populações indígenas, o que inclui ao sul do Parque está a CTL Leonardo,
o PIX. Sua sede é em Brasília, mas tem cujo responsável é Kokoti Aweti. Um
ramificações regionais – as Unidades pouco mais ao norte, já na beira do
de Coordenação Regional (UCR) – e rio Xingu, encontra-se a CTL Pavuru,
as ramificações locais, que ficam dentro chefiada por Kumaré Txicão. Quase na
das terras indígenas, que são as Coorde- confluência do rio Xingu com o rio Suiá-
nações Técnicas Locais (CTL). Miçu está o Diauarum, hoje chefiado
A Coordenação Regional do Parque por Moiwup Kaiabi. Na TI Wawi, fica
do Xingu, que durante muitos anos a CTL Leste, chefiada por Kamani Tru-
foi realizada a partir de São Paulo e mai. Dentro do Parque, existem ainda
depois de Brasília, tem desde 1984 no quatro CTL voltadas para fiscalização:
seu comando índios – Megaron Txu- Kuluene, Kurisevo, Batovi, na porção sul
caramãe, Ianuculá Rodarte, Piracumã do Paque, e Tywapé, na fronteira oeste,
Yawalapiti, Payê Kaiabi e Tamalui na beira do rio Arraias.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 29


o coração do brasil

pedro martinelli/isa
capítulO 1 | parque indígena do xingu

Sobrevoo sobre o rio Xingu, rio Suiá ao fundo, 1999.

Um movimento recente importante e os órgãos ambientais federal (ibama)


é o surgimento de várias associações e estadual (Sema). A infraestrutura de
indígenas no PIX, um modelo de or- vigilância, atividade para a qual os índios
ganização emprestada do mundo dos contaram com apoio do Instituto Socio-
brancos voltada a organizar e facilitar a ambiental (ISA) nos últimos 15 anos,
relação das comunidades com as políti- protege, prioritariamente, as áreas que
cas indigenistas dos governos (federal, propiciam um acesso direto ao Parque,
estadual e municipal). A maioria das como a intersecção dos principais rios
associações está associada às demais e com os limites do PIX e o ponto em que
atende ao interesse de uma determinada a BR-80 margeia esses limites.
etnia do PIX. Nesse contexto, destaca-se
a Associação Terra Indígena Xingu(Atix)
como uma associação que busca repre-
você sabia?
sentar os interesses e articular os 16
povos em torno de temas e questões de
interesse comum. S Estamos acostumados a atribuir apenas
a influência do tupi na língua portuguesa
A proteção e fiscalização do território do Brasil. No entanto, há empréstimos de
e o atendimento à saúde são presença outras línguas indígenas, como é o caso de
certa na agenda dos assuntos políticos mizu, que em trumai significa "água". Pode
ser essa a razão de tantos tributários do
do Parque, sendo discutidos tanto em rio Xingu terem "miçu" como sufixo, como
encontros de lideranças e assembleias da vemos com os rios Suiá-Miçu, Maritsauá-
Atix, como na interlocução com a Funai Miçu e Auaiá-Miçu.

30 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

capítulO 1 | parque indígena do xingu


Os índios e a legislação
A Constituição Federal de 1988 res­ Convenção 169 da oiT sobre Povos
palda os direitos dos povos indígenas indígenas e Tribais em Países in-
nos seguintes artigos: dependentes, em vigor desde 1991
– Dezessete países, entre eles o Brasil,
assinaram esse acordo que reconhece o
Artigo 3º, linha iV – Estabelece como
direito dos povos indígenas de participar
um dos objetivos fundamentais do
dos processos de decisão sobre políticas
Estado brasileiro a promoção do bem
governamentais ou obras de infraestrutu­
de todos, sem preconceito de origem,
ra que causem impacto sobre seus modos
raça, sexo, cor, idade ou outras formas
de vida ou territórios. A Convenção 169
de discriminação.
foi ratificada pelo Congresso Nacional do
Artigo 20º – Estabelece que a terra ocu­ Brasil, por meio de Decreto Legislativo no
pada tradicionalmente pelos índios é 143, em 20 de junho de 2002. Segundo
bem da União. as regras da OIT, foi considerado em
vigência no país em julho de 2003.
Artigo 210, § 2º – Assegura aos índios o
declaração sobre os direitos dos Povos
direito de falar suas línguas nas salas
indígenas da oNu, assinada em 2007
de aula do ensino fundamental em
– O texto, extremamente avançado,
suas aldeias.
reflete o conjunto das reivindicações
Artigo 215 – Assegura o pleno exercício dos atuais dos povos indígenas em todo o
direitos culturais a todos os brasileiros. mundo acerca da melhoria de suas rela­
ções com os Estados nacionais e serve
Artigo 216 – Estabelece qual é o patrimônio para estabelecer parâmetros mínimos
cultural brasileiro. para outros instrumentos internacio­
nais e leis nacionais. Na declaração
Artigo 231 e seus 7 parágrafos – Capítulo constam princípios como a igualdade
dedicado exclusivamente aos índios bra­ de direitos e a proibição de discrimina­
sileiros, dando­lhes o direito de perma­ ção, o direito à autodeterminação e a
necerem com seus costumes diferentes. necessidade de fazer do consentimento
e do acordo de vontades o referencial
Artigo 232 – Estabelece que os índios de todo o relacionamento entre povos
podem acessar o sistema judiciário indígenas e Estados. O Brasil participou
brasileiro assim como qualquer outro ativamente na aprovação da Declara­
cidadão. ção das Nações Unidas sobre os direi­
tos fundamentais dos povos indígenas.
Existem, ainda, acordos e decla­
rações de organismos internacionais veJa tamBÉm: Quando uma lei é boa,
sobre os direitos dos povos indígenas velhas mentalidades resistem, pág. 184.
do mundo todo. Os principais são:

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 31


o coração do brasil
capítulO 1 | parque indígena do xingu

índios no Brasil

A diversidade cultural é a maior ri­


queza do Brasil. A cultura brasileira
se formou por meio do encontro entre
de pessoas divididas em mais de mil
povos indígenas. Hoje, no Brasil, exis­
tem e resistem mais de 234 povos, que
povos indígenas, europeus e africanos, falam 180 línguas diferentes, espalha­
e se transforma constantemente em dos por todos os estados brasileiros.
função das circunstâncias históricas. A Somam mais de 750 mil pessoas que
cultura pode ser entendida como um en­ vivem em aldeias, comunidades ou
contro de diferentes povos que trocam, mesmo em cidades.
emprestam ou roubam conhecimentos A cultura indígena não é uma só. Cada
uns dos outros, seja na paz ou na guerra. povo indígena tem um modo de viver, de
Antes da chegada dos colonizado­ pensar e de fazer as coisas. Além de ser
res, habitavam nestas terras inúmeros brasileiro e ter direitos como qualquer
povos indígenas que mantinham uma cidadão, o índio possui uma identidade
rede social intensa, travavam alianças anterior e específica, que é a identidade
ou guerras entre si, e já constituíam herdada de seus ancestrais. Foram estes
um grande mosaico cultural. Estima­se que transmitiram os conhecimentos e sa­
que, na época em que os portugueses beres que sobrevivem até hoje: jeitos de
chegaram por aqui, havia 5 milhões falar, de morar, de trabalhar, de manejar

andré villas-bôas/isa

Festa de iniciação do povo ikpeng.

32 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

capítulO 1 | parque indígena do xingu


a terra e os recursos naturais; modos de zadores portugueses, que exportaram
cantar, de dançar, de se pintar e enfeitar, para a metrópole de origem os recursos
de contar histórias, de se relacionar; naturais e matérias­primas daquela re­
formas de se alimentar, de respeitar os gião. Hoje restam apenas 7% de Mata
espíritos dos seres vivos e não vivos. Es­ Atlântica. Mesmo após o genocídio dos
ses conhecimentos são compartilhados povos da região Nordeste, lideranças
há muito tempo e fazem com que cada Pataxó (BA) e Tingui Botó (AL) lutam
cultura seja o que é e se renove sempre. pelo direito de garantir sua identidade,
Os povos que falam a língua do seus conhecimentos e modos de vida.
tronco linguístico macro Jê, por exem­ Até agora foram demarcados apenas
plo, como Xavante, Panará e Kayapó, 20% dos territórios indígenas reivindi­
localizados na região Centro­Oeste do cados nessa região – e as terras demar­
Brasil, tinham o costume de sair de suas cadas são muito pequenas.
aldeias por longos períodos e andar com Não foi diferente com os povos do Sul
suas famílias por um vasto território e Sudeste do país – privados, por violên­
para caçar e coletar frutos e cocos. No cia ou fraude, do direito sobre a terra.
caminho, encontravam recursos naturais Os povos Krenak, Maxacali, Xacriabá
para confeccionar enfeites utilizados e Xucuru de Minas Gerais e os Guarani
em grandes festas nas aldeias, como M’Bya e Pankararu, de São Paulo, per­
acontece ainda hoje. Naquelas expedi­ deram grande parte de seus territórios
ções, encontravam pessoas de outras tradicionais, mas ainda assim mantêm e
aldeias e de outros povos e a troca de transmitem seus conhecimentos para as
conhecimentos entre culturas acontecia. novas gerações.
Hoje, quando esses povos saem de O maior contingente indígena no
suas aldeias e ultrapassam o limite de Brasil está fixado nas regiões Norte e
seus territórios, que até há pouco tempo Centro­Oeste, e a maior extensão de área
não eram delimitados, eles se relacionam verde, manejada de maneira sustentável
com a sociedade envolvente. Ela é com­ há séculos por essa população, está lo­
posta por migrantes não indígenas que calizada em suas terras hoje demarcadas.
ocuparam seus territórios tradicionais e No entanto, estão em franca expansão
formaram vilas e cidades. Nesse contexto, grandes empreendimentos como hidre­
influenciados pela difusão da televisão, létricas, estradas e hidrovias, e o agro­
da religião e do consumo, os empréstimos negócio baseado na produção extensiva
culturais continuam e as culturas indíge­ de grãos e de carne. Em consequência
nas se relacionam com a nova realidade. da ocupação desenfreada, em 2010 foi
registrado o maior índice de queimadas
RESISTÊNCIA na região Centro­Oeste e a maior seca dos
A maior parte dos povos da costa últimos tempos na região Norte. Por conta
leste do país foi dizimada pelos coloni­ disso, estamos assistindo à devastação

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 33


o coração do brasil
capítulO 1 | parque indígena do xingu

dos recursos naturais e partilhando as como utilizá­los e manejá­los ao longo


consequências do aquecimento global. do tempo.
Mesmo que as culturas indígenas
façam parte da nossa base social e TERRA INDíGENA
cultural, elas são pouco conhecidas, em Os povos indígenas têm na Consti­
geral vistas como algo que pertence ao tuição brasileira de 1988 um capítulo
passado e não ao futuro do Brasil. Os especial que trata dos seus direitos
povos indígenas enfrentam os desafios coletivos. São direitos especiais, além
da realidade atual e lutam por melhores daqueles direitos individuais que valem
condições no atendimento de saúde e para todos os cidadãos brasileiros.
de educação, obrigatoriamente promo­ Entre os direitos coletivos, o mais im­
vido pelo Estado. Ao mesmo tempo, portante é o direito à terra. Com base
transmitem às novas gerações os seus no reconhecimento desse direito origi­
valores culturais e ambientais. Fazem nário, os povos indígenas têm direito
questão de não esquecer quem são e o ao usufruto exclusivo das terras que
que sabem, assim como lhes ensinaram ocupam tradicionalmente.
seus antepassados. Hoje no Brasil as terras indígenas
A terra tem um valor fundamental já demarcadas ou em processo somam
para os povos indígenas. Ela não é só 12,83% do território nacional e 21,5%
utilizada para as atividades produtivas da Amazônia brasileira. A extensão
como roça, caça, pesca e coleta, como das terras indígenas apresenta duas
também para a reprodução física e cul­ situações bem diferentes: nas regiões
tural de um povo. As terras indígenas Nordeste, Sudeste e Sul, os povos
são ocupadas desde tempos imemoriais, indígenas estão confinados em micro­
em que, segundo contam os índios, os territórios; nas regiões Centro­Oeste e
primeiros criadores inventaram todas as Norte estão as terras mais extensas,
coisas que existem como a água, o fogo, via de regra demarcadas depois da
os animais, as plantas, as pessoas e Constituição de 1988.
suas diferentes culturas. Os conhecimen­ As Terras Indígenas podem ser
tos indígenas transmitidos de geração consideradas áreas protegidas nos dois
a geração dependem da organização sentidos da palavra, já que são prote­
social de cada povo e da relação que ele gidas pela legislação brasileira, mas
mantém com o território onde vive: quais também protegem a biodiversidade
são os recursos naturais disponíveis, de suas terras. As imagens de satélite
mostram esse fato claramente, são ver­
dadeiras “ilhas verdes”, com o entorno
saiBa mais: Povos Indígenas no Brasil
desmatado, como é emblemático o
(http://pib.socioambiental.org). caso do Parque Indígena do Xingu (ver
Ilha de floresta, pág. 220).

34 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

capítulO 1 | parque indígena do xingu


O índio é dono da terra? Por que os índios são tratados
Não, a propriedade das terras indí­ de forma diferente (protegidos)
genas é da União. Os índios têm a posse pelo Estado?
permanente delas e o usufruto sobre seus Os povos indígenas são os primei­
recursos naturais. Nenhum índio pode ros habitantes do território que veio a se
vender o pedaço de terra que ocupa. chamar Brasil. Por isso, a Constituição
de 1988 assegurou alguns direitos
O que é usufruto? específicos a essas populações. Quem
É o direito de tirar proveito, de gozar, trata disso é o artigo 231 da Constitui­
de utilizar os recursos naturais que exis­ ção. Nele se faz menção aos “direitos
tem no solo, nos rios e nos lagos. Numa originários sobre as terras que tradi­
terra indígena, são unicamente os índios cionalmente ocupam”.
que podem exercer esse direito.
O que é “direito originário”
Quem resolve que uma sobre as terras?
terra é indígena (TI)? É o reconhecimento dos direitos que
É a Funai e o processo é longo, os povos indígenas têm por serem os
passando por sete etapas: (1) primeiro primeiros habitantes do território atual­
a TI é identificada por antropólogos ou mente brasileiro. Podemos dizer que os
profissionais especializados, que fazem índios têm um direito congênito sobre
o “relatório de identificação”; (2) a Funai as terras que ocupam. Essa é a fonte
deve aprovar o “relatório de identifica­ primária de seu direito, que é anterior
ção” e divulgar os estudos no Diário a qualquer outro. Consequentemente, o
Oficial da União (DOU); (3) fase de 90 direito dos índios a sua terra independe
dias para qualquer pessoa ou empresa de reconhecimento formal.
contestar o relatório de identificação
publicado do DOU; (4) o Ministério da Os índios têm leis próprias, que
Justiça emite uma portaria autorizando constituem um “direito indígena”
a demarcação física dos limites da TI; (5) e vigoram em suas terras?
a Funai contrata empresa de engenharia Sim, embora sejam menos visíveis
ou topografia para fazer o trabalho de aos nossos olhos porque são sociedades
demarcação física; (6) o(a) presidente(a) sem escrita, cujas regras se estabele­
assina um decreto confirmando a de­ cem pelo costume e seus usos. Existem
marcação e a terra é homologada; (7) a medidas punitivas aos infratores, como
TI é, finalmente, registrada em cartório. expulsão do grupo e ostracismo.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 35


o coração do brasil
capítulO 1 | parque indígena do xingu

O xingu antes e depois dos brancos


mutuá mehinaku

Antes de tudo, os povos do conseguiram derrotá­lo porque aliaram­


Alto Xingu viviam tranqui­ se com outras etnias (os antepassados
los, sem se preocupar com dos Aweti, Bakairi, Kisêdje etc.). Assim,
a demarcação ou divisão a guerra acabou quando o herói foi mor­
da terra, mas sim cada etnia tinha seu to. Para entendermos porque a guerra
território com uma fronteira imaginária. acontecia, precisamos voltar à akinhá
Nessa época, ainda existiam muitos de origem dos povos.
ngikogo, índios bravos, os índios dos ín­ Contam que nossos criadores Kua­
dios, assim como na Europa havia povos mutsini e Kuatungü resolveram esculpir
bárbaros que atacavam outras regiões as madeiras, a fim de transformá­las em
da Europa. Os índios bravos raptavam mulheres. As mulheres eram enviadas
mulheres e crianças. Os mestres de para casar com o chefe dos Jaguares,
narrativa contam que os feiticeiros eram Nitsuegü. No final da akinhá, somente
sempre acusados de fazer a miniatura duas irmãs chegaram à aldeia dos Ja­
(hutoho) do índio bravo, eles faziam isso guares, outras quatro irmãs morreram
para assustar e dar medo nas pessoas. no meio do caminho.
Nas aldeias antigas da lagoa Tahu­ Assim, apenas duas irmãs consegui­
nunu, que está localizada à margem ram chegar à aldeia da onça, depois de
direita do rio Culuene, os índios bravos ultrapassarem vários obstáculos. Depois
atacavam nosso povo. Segundo a de algum tempo, uma das esposas de
narrativa, eles enfrentavam o arqueiro Nitsuegü ficou grávida. Mas a sogra­onça
(tahaku oto) Tamakahi, um herói que suspeitou que a nora tinha nojo dela, e
enfrentava os índios bravos. A narra­ por isso a matou. Ela estava grávida de
tiva (akinhá) conta que esses ataques gêmeos, que só conseguiram nascer
terminaram quando um chefe da aldeia porque tiveram parteiras especiais (for­
Tahununu cansou de enfrentar os índios migas e outros insetos), que os tiraram da
bravos – um povo canibal (kengeni, nos­ barriga da mãe morta. Assim, nasceram
so comedor) e falante de outra língua – e os dois filhos gêmeos do Jaguar: Taugi e
resolveu casar sua filha com um dos Aulukuma. Como a outra mulher de Nit­
chefes guerreiros inimigos. Nessa épo­ suegü não engravidava, os dois irmãos
ca, as aldeias eram muito populosas. tiveram a ideia de engravidar a irmã da
Mesmo depois do casamento, a mãe deles, por meio do pó da flecha.
guerra ainda continuou por um tempo. Eles queimaram pedaços de flecha e
Muitos índios bravos continuaram a com a cinza temperavam a comida da tia.
perseguir o herói Tamakahi. Eles só Assim, ela ficou grávida. Como a gravidez

36 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

capítulO 1 | parque indígena do xingu


foi causada pela cinza da flecha, todos dele o viu correndo e foi atrás para pegá­
os filhos que nasceram da irmã da mãe lo. Meu pai lembra que muitas pessoas
seriam povos indígenas bravos. Junto correram para se esconderem no mato.
com eles, nasceu também o Branco. Depois do ataque dos Txicão waxayu,
Depois do nascimento dos irmãos, a comunidade mehinako resolveu mudar
os gêmeos comandaram a guerra contra a aldeia para outro lugar, onde o inimigo
o povo do pai, que eram todos animais, não pudesse chegar. Depois de muito
para vingar a morte de sua mãe. tempo, os Mehinako lembram que, na
No fim da batalha, Taugi juntou todo época em que os pequis estavam flores­
mundo para impor a ordem. Segundo a cendo, foram visitar o pequizal que eles
akinhá, Taugi disse: “a partir de agora tinham deixado na área antes ocupada.
cada povo irá numa direção diferente. Foram três pessoas. Ao chegarem ao
Um dia, quando vocês se encontrarem, porto da aldeia antiga, perceberam que o
em qualquer lugar, vocês farão guerras mato estava diferente, parecia que iriam
entre vocês”. Cada povo partiu, cada encontrar índios bravos. Uma pessoa
um com sua língua diferente. Por isso, resolveu ficar para pescar enquanto
nossos povos guerreavam entre si antes outros foram visitar o pequizal. Quando
da invasão do nosso território pelos chegaram próximo da aldeia antiga, avis­
Brancos. Essa guerra durou até os anos taram alguém correndo por debaixo do
de 1960. Quando a civilização ocidental pequizal. Logo suspeitaram que fosse um
atingiu em cheio nosso sistema social e Txicão a procura das aldeias mehinako.
cultural, os indígenas, que tinham uma Meu avô mehinako tinha uma carabina,
tradição guerreira, pararam de fazer isso. mas apenas três cartuchos. Ele ficou tão
Os Ikpeng são um exemplo: eles vieram assustado que atirou com um cartucho
para a região dos formadores do Xingu no atrás dos índios, que correram para o
início do século XX e viviam em estado de mato. Como o tio do meu pai conhecia
guerra com seus vizinhos altoxinguanos. bem o lugar, ele deu uma volta usando
As relações entre os kuge e os ngi- um atalho para esperar os índios. Ficou
kogo, ‘índios bravos’, que habitavam agachado. Poucos minutos depois, viu
os territórios vizinhos, sempre foram uma pessoa que vinha correndo com
tensas, ora com conflitos belicosos, ora os olhos arregalados; mesmo assim
com alianças instáveis. Os mais velhos não conseguiu ver que alguém o estava
ainda têm lembranças vivas daquele esperando. Assim que se aproximou, o
tempo. Meu pai me contou que, quando Mehinako deu um tiro, que pegou na
ele era uma criança, os Txicão (Ikpeng) barriga do inimigo; este caiu no chão e o
atacaram uma aldeia. Como ele era tio correu para dentro do mato com seus
ainda criança, ficou assustado, correu outros companheiros. Esta é a história
na direção onde os inimigos estavam do último ataque dos Txicão/Ikpeng à
agrupados; enquanto isso, o outro tio aldeia dos Mehinako.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 37


o coração do brasil

não consta/acervo última hora. arquivo do estado de são paulo.


capítulO 2 | criação do pix

Reunião em que foi apresentado ao vice-presidente Café Filho o anteprojeto de criação do Parque.

criaçãO dO pix
Diante do avanço inexorável da frente colonizadora, os irmãos Villas Bôas
se aliaram a outras personalidades brasileiras para delimitar um espaço
reservado para os povos indígenas ameaçados.

A ideia de que o território brasileiro era


uma terra de ninguém à espera de ser
ocupada, muito difundida até o século
justificava uma colonização destinada ao
amansamento, à conversão e à escravidão.
Não somente a violência caracterizou
passado, não é verdadeira, mas veio sendo o contato com os índios, mas também
mote desde os tempos coloniais, quando o interesse científico. Muitas expedições
a igreja católica e o Estado trabalharam europeias e brasileiras foram organizadas
juntos na ampliação das fronteiras do para explorar a riqueza da flora e da fau-
Brasil e os bandeirantes cortaram o país na no país, o que gerou a oportunidade
em busca de minerais preciosos. Embora de se registrar a existência de inúmeros
o território não fosse exatamente um grupos indígenas com suas característi-
vazio demográfico, mas sim ocupado cas e hábitos culturais (ver Os viajantes
por uma infinidade de povos indígenas, a e seus impactos nas populações do Alto
convicção da não civilidade desses povos Xingu, pág. 40).

38 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

você sabia?

capítulO 2 | criação do pix


expedição roncador-xingu
S Quando foi criada a Expedição Roncador- dos portos e áreas de mais fácil acesso de
Xingu e o Parque do Xingu foi idealizado, possíveis invasores. Desde então, essa
o Distrito Federal e o Congresso Nacional transferência sempre esteve nos planos
brasileiros ficavam no Rio de Janeiro. A dos dirigentes brasileiros e foi incluída
ideia de transferir a capital para o interior na Constituição de 1891, que previa a
do Brasil existia desde 1810, quando havia construção da capital no Planalto Central.
preocupação com a segurança nacional Somente em 1955, porém, foi delimitada
e se pensava em deixar a capital longe uma área de 50 mil km2, onde hoje fica o
atual Distrito Federal, que começou a ser
projetado a pedido do presidente Juscelino
Kubitschek de Oliveira no ano seguinte.
Marco da interiorização do país, Brasília foi
raiO x da expediçãO inaugurada um ano antes da criação do PIX,
em 21 de abril de 1960.
S Abriu cerca de 1.500
quilômetros de picadas; S A Expedição Roncador-Xingu foi
acompanhada em ritmo de novela pela
S Navegou e explorou cerca de população brasileira durante os anos 1940.
1.000 quilômetros de rios; Na época, a Associated Press e a revista O
Cruzeiro enviaram repórteres e recebiam
S Nomeou e explorou informes regulares dos irmãos Villas
6 rios desconhecidos; Bôas sobre as ocorrências da expedição,
principalmente as relacionadas ao contato
S Abriu 19 campos de pouso; com os índios xinguanos. Na época, a
imprensa ajudou a divulgar a ideia da
S Abriu 4 bases militares com criação de um parque nacional e o público
campo de pouso que, até a década acompanhou as invasões de terras, os
de 1980, foram fundamentais para a contratos de colonização, as brigas com
segurança de voo na Amazônia; a FBC, além das visitas ilustres e as
expedições científicas.
S Implantou 6 marcos geodésicos
de coordenadas geográficas. S Os Naruvôtu e os Kalapalo foram os
primeiros índios altoxinguanos a
acervo museu do índio/funai-brasil

entrar em contato direto com a Expedição


Roncador-Xingu e com os irmãos Villas Bôas.
Já os Kisêdje (Suiá), os ikpeng (Txicão) e os
Panará foram, respectivamente, as últimas
etnias a serem contatadas.

S No roteiro da Expedição Roncador-Xingu,


nasceram posteriormente mais de 40
municípios e vilas além de quatro bases
de proteção de voo do Ministério da
Aeronáutica (Aragarças, Xavantina,
Jacaré e Cachimbo). Dentre elas, Cachimbo
é a única que permanece até hoje como
Pista de pouso no meio da mata. Base da FAB.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 39


o coração do brasil

Além dessas expedições, ações de fortemente ameaçados pelo avanço da


capítulO 2 | criação do pix

natureza desenvolvimentista, como a ocupação do território brasileiro, cuja


implantação de linhas telegráficas pelo meta era ocupar e integrar a região ao
interior do país, no início do século XX, restante do país. Com essa finalidade,
geraram o que veio mais tarde a se consoli- o presidente Getúlio Vargas criou, em
dar como política indigenista brasileira. A 1943, a Fundação Brasil Central (FBC)
famosa frase do Marechal Cândido Ron- e seu braço operacional foi a Expedição
don “morrer se preciso for, matar nunca” Roncador-Xingu. Sua missão era abrir
expressava a visão humanitária associada estradas, construir campos de pouso, dar
ao positivismo que orientava o exército as condições logísticas para viabilizar a
brasileiro na época, empenhado em mo- rota aérea Rio de Janeiro-Manaus e ex-
dernizar o Brasil. Os índios precisavam plorar o potencial mineral da nação. A
ser poupados da violência, da escravidão partir dela, pequenos vilarejos, como o
e do genocídio porque tinham os mesmos núcleo garimpeiro de Aragarças, se es-
direitos de tornarem-se cidadãos brasilei- truturaram ou, ainda, surgiu Xavantina,
ros, trabalhadores livres e educados nos formada como base de apoio para suprir
moldes da civilização moderna. a Expedição de alimentos e materiais.
No início da década de 1940, os Desde o início se sabia que o plano
índios do Brasil Central continuavam necessariamente traria impactos aos

Os viajantes e seus impactos


nas populações do alto xingu

O primeiro etnógrafo a viajar para a


região do Alto Xingu foi o alemão
Karl Von den Steinen, em duas viagens
lembra os primeiros encontros com os
brancos, na segunda metade do século
XVIII, a época dos bandeirantes, que, em
– 1884 e 1887 –, quando mencionou suas expedições no interior do Brasil,
os povos karib altoxinguanos, entre os capturavam e matavam os índios.
quais os Kuikuro no rio Culuene. Steinen Após Steinen, outras expedições
é lembrado nas narrativas desse povo científicas e militares entraram na re­
como Kalusi, o primeiro branco que gião e registraram a presença de seus
“veio em paz”, trazendo presentes e habitantes: Hermann Meyer (1896),
bens para trocar. Max Schmidt (1900/1901), Ramiro No­
Segundo os relatos do pesquisador, ronha (1920), Vicente de Vasconcelos
no final do século XIX, viviam no Alto Xin­ (1924/1925), Vicent Petrullo (1931).
gu mais de 3.000 índios em 31 aldeias. A partir de 1915, intensificou­se a
A memória oral dos altoxinguanos, exploração das cabeceiras do rio Xingu,
porém, vai além da visita de Steinen e inclusive com a participação de militares

40 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

inúmeros povos indígenas conhecidos Participantes da Expedição desde o

capítulO 2 | criação do pix


e registrados por viajantes europeus seu início, os irmãos Orlando, Cláudio
desde o século XVII. e Leonardo Villas Bôas acabaram se
Em 1945, extensas terras devolu- destacando e liderando os trabalhos,
tas no norte do Mato Grosso foram incluindo as frentes de contato com os
destinadas à Fundação Brasil Central, povos da região. Interrompida por falta
que assumiu amplos poderes de gestão de apoio político e, portanto, de recursos,
territorial sobre elas. No ano seguinte, a a Roncador-Xingu foi retomada, a partir
Expedição Roncador-Xingu chegou às de 1951, quando o Serviço de Proteção
cabeceiras do rio Culuene e foram aber- ao Índio e os irmãos Villas Bôas recebe-
tas duas pistas de pouso (Garapu e Sete ram mais apoio logístico para o trabalho.
de Setembro). Um convênio assinado
Espaço reservado
entre a FBC e o Museu Nacional do
Rio de Janeiro possibilitou a presença de Uma das consequências desse modelo
pesquisadores na Expedição, que incluiu de ocupação colonizadora é que ele nunca
também o Instituto Oswaldo Cruz e o veio acompanhado de uma política séria
Departamento de Zoologia da Secretaria de ocupação territorial, deixando campo
de Agricultura do Estado de São Paulo. aberto para a especulação, grilagem e inva-
reprodução/unter den naturvölkern zentral-brasiliens.

Equipe da expedição de Von den Steinen no rio Curisevo, 1887.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 41


o coração do brasil

são dos territórios indígenas. Preocupados Com base no conceito antropológico


capítulO 2 | criação do pix

com esse desdobramento da empreitada de “áreas culturais” (ver A cultura do


colonizadora, é que os irmãos Villas uluri, pág. 58), foi redigido o primeiro
Bôas, aliados a universidades do Rio de anteprojeto de Lei que criava o Parque
Janeiro e São Paulo e lideranças políticas do Xingu, com uma área de 20.575.000
mais progressistas passaram a cogitar a hectares. O Projeto de Lei no 14/53, que
delimitação de um espaço reservado para tratava da criação do Parque começou a
os povos indígenas ameaçados. A ideia, tramitar em 1953, ao mesmo tempo em
porém, encontrou resistência de setores que o governo do Mato Grosso promovia
interessados no mercado de terras, princi- a concessão de terras tratadas como devo-
palmente daquelas em poder do governo lutas para empresas colonizadoras do sul
federal. Com isso, em 1952, o decreto-lei do Brasil. Extensas glebas passaram a se
que destinava terras à Fundação Brasil sobrepor às áreas de ocupação tradicional
Central foi revogado e assinado um con- dos povos xinguanos, parte delas previstas
vênio entre a Fundação e o governo de na proposta de delimitação do Parque.
Mato Grosso, onde “algumas áreas” foram Essa situação perdurou até o início dos
destinadas à continuidade dos trabalhos anos 1960, quando o governo do presi-
de desbravamento e as demais loteadas dente Jânio Quadros fez ressurgir a dis-
pelo estado de Mato Grosso. posição de criar o Parque do Xingu, uma

da Comissão Rondon. Os grupos karib até a confluência dos formadores do


continuavam nas mesmas localidades Xingu eram os mesmos lá encontrados
registradas por Steinen e Meyer. Todos no final do século XIX por Steinen. A
os relatos mostraram um processo partir daí, abre­se um novo capítulo na
incrivelmente rápido de ocupação, que história dos povos xinguanos junto com
resultou em estimativas trágicas do a história da criação do PIX, respaldada
choque bacteriológico e virótico levado por expedições científicas do Museu
pelos brancos aos índios (ver Saúde e Nacional e pesquisadores associados,
agentes indígenas, pág. 168). Entre o final cujos registros foram valiosos para a
do século XIX e 1926, a população da formação da etnologia brasileira.
região teria sido reduzida de 3 mil para Essas incursões, por mais bem in­
1.840 pessoas e, no final dos anos tencionadas que fossem, provocaram
1940, para pouco mais de 700. sucessivas epidemias de gripe e saram­
Quando, a partir de 1946, a Expedi­ po que causaram ciclos de depopulação
ção Roncador­Xingu chegou à região dos indígena cujo ápice foi a de sarampo, de
formadores do Xingu, os irmãos Villas 1954. Com ela, grupos karib dos rios
Bôas também observaram que os povos Curisevo e Culuene foram obrigados
encontrados descendo o rio Culuene a se deslocar para mais próximos ao

42 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

henri ballot/acervo instituto moreira salles

capítulO 2 | criação do pix


Getúlio Vargas veste cocar em índio altoxinguano na inauguração da Base do Cachimbo (PA), 1954.

Posto Leonardo, ao norte dos territórios A recuperação populacional, a orga­


tradicionais, já que os índios Kalapalo, nização e o protagonismo dos índios,
Kuikuro, Matipu e Nafukuá, dizimados além dos novos marcos constitucionais de
desde a gripe trazida pela Expedição direitos territoriais indígenas, motivaram
Roncador­Xingu (início dos anos 1940), várias etnias a buscar a recuperação de
passaram a depender da assistência parcelas dos seus territórios tradicionais,
médica dispensada nos postos da FBC. de fato nunca abandonados e continua­
A partir da década de 1960 se inicia mente visitados por conterem sítios his­
a recuperação demográfica dos povos tóricos, cemitérios e recursos essenciais.
xinguanos, graças às campanhas de vaci­
nação levadas a cabo pela Escola Paulista
de Medicina (hoje Unifesp). A partir dos
saiBa mais: Villas Bôas, Orlando
anos 1980, ocorre uma outra tendência, – Expedições, Reflexões e Registros,
que é a divisão dos grupos locais e o sur­ 2006; Hemming, John – A Pax Xin-
gimento de novas aldeias, um processo guana in Roberto Baruzzi e Carmen
Junqueira (org.) – Parque Indígena do
de clara recuperação demográfica e de Xingu – Saúde, Cultura e História, São
reconstituição da situação original tal Paulo: Unifesp/Terra Virgem, 2005.
como documentada no final do século XIX.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 43


o coração do brasil
capítulO 2 | criação do pix

Os irmãos villas Bôas

É praticamente impossível pensar


na existência do Parque Indígena
do Xingu, como o conhecemos, sem o
do interior de São Paulo, os três irmãos
foram sempre unidos tanto em seu es­
pírito de aventura quanto, mais tarde, já
sertanista Orlando Villas Bôas e seus no Xingu, na convicção da necessidade
irmãos Cláudio e Leonardo. A partir da de assegurar aos povos indígenas uma
Expedição Roncador­Xingu, foram os base territorial onde pudessem manter
responsáveis pelo contato com a maior seus modos tradicionais de organização
parte dos índios xinguanos e também social e de subsistência.
por garantir que, apesar de todos os Incorporaram­se à Expedição Ron­
percalços que sofreram com a chegada cador­Xingu e, em 1945, fizeram con­
da civilização ocidental aos seus terri­ tato com os índios Xavante. A partir de
tórios, tenham sobrevivido como povos 1946, na região das cabeceiras do rio
autônomos e com a posse de parte de Xingu, iniciaram contato com os povos
suas terras originais. Kalapalo, Trumai, Kuikuro, Yawalapiti,
Nascidos na segunda década do sé­ Nafukuá, Matipu e Tsuva (este último
culo XX, em uma família de classe média já desaparecido), Kamaiurá , Juruna e

jesco von puttkamer/acervo puc goiás/igpa

Os irmãos Cláudio, Leonardo e Orlando Villas Bôas.

44 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

capítulO 2 | criação do pix


Kaiabi. Já na década de 1960, encon­ passava alguns meses em São Paulo
tram os Suiá, os Txicão e os Krenaca­ (onde ficava então a sede da admi­
rore (hoje chamados Panará). Nesse nistração do PIX) e outros no Xingu,
processo, criaram bases de apoio para sempre acompanhado da família: sua
onde atraíram os índios, onde podiam mulher Marina, enfermeira que con­
oferecer cuidados com a saúde e pro­ centrou esforços em trabalhar com a
teção. Esse trabalho envolveu, ainda, saúde infantil no Posto Leonardo, e os
o esforço para criar meios de estabe­ dois filhos, Orlando e Noel. A gestão
lecimento de uma convivência pacífica de Orlando Villas Bôas viabilizou um
entre etnias que viviam em conflito. programa sistemático de saúde públi­
Leonardo, Cláudio e Orlando foram ca, vacinações e assistência médica
os principais idealizadores da cria­ aos índios (a partir de convênio com
ção do Parque do Xingu, para a qual a Unifesp), o que favoreceu o cresci­
contaram com apoio de um grupo de mento populacional.
personalidades que incluiu o marechal Por seu trabalho no Xingu, os irmãos
Cândido Mariano da Silva Rondon, Orlando e Cláudio foram reconhecidos
Heloísa Alberto Torres (diretora do Mu­ internacionalmente e chegaram a ser
seu Nacional do Rio de Janeiro), Café indicados ao Prêmio Nobel da Paz em
Filho (vice­presidente da República), 1976. Também o irmão mais novo, Ál­
brigadeiro Raimundo Vasconcelos de varo Villas Bôas, ainda muito jovem na
Aboim, o antropólogo Darcy Ribeiro época da Expedição Roncador­Xingu,
(como funcionário do Serviço de Pro­ se dedicou à questão indígena e foi
teção ao Índio), José Maria da Gama presidente da Funai, em 1984. Álvaro
Malcher (diretor do SPI) e o médico faleceu em 1995, Cláudio em 1998 e
sanitarista Noel Nutels. Orlando em 2002. A permanência efe­
Em 1961, mesmo ano em que o Par­ tiva dos irmãos Villas Bôas na área do
que foi criado, morreu Leonardo Villas sertão foi de mais de 40 anos.
Bôas em consequência de uma miocar­
dite aguda, causada pelo reumatismo
crônico adquirido em razão das suces­
você sabia?
sivas doenças tropicais, como a malária,
que atingiam todos os membros da
Roncador­Xingu. Desde então, o Posto S Para serem aceitos na Expedição
Roncador-Xingu, os três irmãos Villas
indígena Capitão Vasconcelos passou a Boas – Leonardo, Orlando e Cláudio -
se chamar Leonardo Villas Bôas. tiveram que esconder sua escolaridade
Com a criação do Parque, Orlando e formação de família de classe média.
Eles se fizeram passar por sertanejos,
Villas Bôas assumiu sua direção, car­
pois era apenas esse o perfil aceito para
go que ocupou por 17 anos, morando os trabalhos de abrir picadas, construir
no Parque até 1970. Depois disso, pontes e caçar para comer.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 45


o coração do brasil

figura administrativa e jurídica com dupla 14 de abril de 1961, através do Decreto


capítulO 2 | criação do pix

finalidade e dupla gestão administrativa: no 50.455, foi criado o Parque Nacional


ser um território destinado à proteção do Xingu com “um polígono irregular
ambiental e à sobrevivência social, política com área aproximada de 22 mil quilôme-
e comunitária das populações indígenas tros quadrados”, ou seja, 2,2 milhões de
que habitavam a região, cuja responsa- hectares (dez vezes menos do que a área
bilidade seria do Serviço de Proteção ao estipulada inicialmente).
Índio (SPI), e ao mesmo tempo proteger
Vários desenhos
as paisagens e diversidade ambiental,
pela qual respondia o Serviço Florestal, O desenho atual do PiX não é o mes-
ambos os órgãos na época subordinados mo do Parque Nacional do Xingu. Re-
ao Ministério da Agricultura. Assim, em gulamentado em 31 de julho de 1961,

evolução dos limites do pix

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Fontes: Limites estaduais, Capitais estaduais, Hidrografia e Rodovia (Base


cartográfica Brasil ao milionésimo, IBGE, 2010), Terra Indígenas (ISA, 2011)
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limite da bacia do rio Xingu
limite da bacia do rio Xingu
limites estaduais
limites estaduais
terras indígenas no
entorno dosterras indígenas
limites do PIX no
entorno dos limites do PIX
0 80 160Km
Decreto Federal 68.909 de 13/07/1971
Decreto Federal 68.909 de 13/07/1971 ISA, 2011
Decreto Federal 63.082 de 13/06/1968
Decreto Federal 63.082 de 13/06/1968
Decreto Federal 50.455 de 14/04/1961 MATO GROSSO DO SUL
Decreto Federal 50.455 de 14/04/1961
Anteprojeto de Lei de 1952
Anteprojeto de Lei de 1952

46 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

acervo villas bôas

capítulO 2 | criação do pix


Presidente Jânio Quadros desembarca no Parque Nacional do Xingu.

o decreto federal de criação do Parque mado de parque indígena, denominação


foi alterado várias vezes desde então. finalmente oficializada em 1978, com o
Em 1968, o Decreto Federal no 63.082 Decreto Federal no 82.263.
fixou seus limites oficialmente. Já o Já como Parque Indígena do Xingu,
Decreto no 68.909, de 1971, alterou os o PIX teve o seu memorial descritivo de
limites, pela primeira vez, para excluir demarcação publicado através de Porta-
a porção norte (território tradicional ria da Funai, em 1983, com 2.642.002
dos Kayapó), que fora cortada pela hectares, e sua demarcação como Terra
rodovia BR-80. Em 1984, os Kayapó Indígena homologada por Decreto Fe-
conseguiram o reconhecimento desta deral, em 25 de janeiro de 1991.
porção, que passou a ser denominada Atualmente, o PIX tem 2,8 milhões
Ti Capoto-Jarina. de hectares, considerando as terras indí-
O Parque, administrado até 1967 genas contíguas Wawi, Batovi e Pequizal
pelo SPI, com interface com à área do Naruvoto, conquistas recentes do
ambiental do governo, passou a ser povos Kisêdje, Waurá e Naruvôtu, res-
administrado pela Funai, voltando-se, pectivamente. Sua demarcação permite
primordialmente, para a proteção da que continuem usando seus territórios
sociodiversidade nativa. Desde essa tradicionais legalmente e não na posição
época passou a ser, informalmente, cha- de invasores de terras privadas.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 47


o coração do brasil
capítulO 2 | criação do pix

O contato com os brancos


tempty suyá o caminho. Eles chegaram até a aldeia
Ngôkotâtxi. Eles deram muitos presentes
Antes do contato, os Yudjá para os Kisêdje. Depois eles voltaram
já conheciam os Kisêdje no para o Diauarum.
Posto Diauarum. Os Kisêdje brigavam Cláudio queria que todos os Kisêdje
muito com os Trumai, Yawalapiti, Ka­ fossem com ele para o Diauarum. Ele
maiurá e Waurá. dizia que se a gente não descesse até
Nesse tempo de guerras, os Kisêdje o Diauarum os peões iam trazer doen­
estavam procurando um lugar melhor ças para as mulheres Kisêdje. Naquela
para morar. Encontraram o lugar onde época, já tinha muitos seringueiros
hoje é o Posto Diauarum. Eles acha­ passando pelo rio Suiá­Miçu.
ram que era um bom lugar para morar Cláudio voltou para o Diauarum, mas
porque podiam vigiar os inimigos que logo retornou para buscar os Kisêdje.
viessem pelo rio Xingu. Os Kisêdje e Novamente os Yudjá vieram com ele e
o pessoal do Alto brigavam de arco e trouxeram dois barcões para embarcar
flecha. Mas naquele tempo alguns povos os Kisêdje. Ele conseguiu que todos os
já tinham armas de fogo dos brancos. Kisêdje embarcassem para o Diauarum.
Quando os Kisêdje foram amedron­ Isso aconteceu em 1958.
tados por outros povos, mudaram­se Nesse primeiro contato, Cláudio
para a aldeia Rop Hw ká Kapajtá. Foi lá cuidava da gente como se fôssemos
que Cláudio Villas Bôas encontrou os crianças. Ele dava presentes para todo
Kisêdje. Os Yudjá já tinham conhecido mundo. Nessa fase, ele nos trouxe para
os Kisêdje. Eles tinham levado um rapaz o Diauarum. O nome do lugar onde ele
que é o pai do Ndombetxi. Os Yudjá leva­ nos contatou é Rop Hw ká Kapajtá.
ram o pai de Ndombetxi até o Diauarum, Ele falou para o pessoal que era
onde ele conheceu Cláudio e depois o melhor ficar no Diauarum, porque tinha
levaram para a aldeia Yudjá. atendimento médico. Esse foi um tempo
Na aldeia Kisêdje, tinha uma mu­ difícil, porque faltou comida para nós.
lher Yudjá.
O pai de Ndombetxi levou muito
tempo para regressar. Depois que ele iokore ikpeng
voltou, começou a aparecer avião so­
brevoando a aldeia Kisêdje. Todo mundo O meu povo conta que o
ficou superamedrontado. primeiro contato foi assim:
Depois o Cláudio foi subindo o rio, primeiro os Villas Bôas foram de avião
alguns Yudjá foram com ele para mostrar para a aldeia Ikpeng. Eles levaram

48 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

capítulO 2 | criação do pix


algumas coisas para dar de presente. Kanawayuri Kamaiurá
Quando chegaram lá e pousaram no
campo, em meia hora o meu povo se O contato do povo Ka­
acercou, ressabiado. O Orlando des­ maiurá com os brancos foi
ceu do avião e mostrou os presentes uma fase difícil. Quando os Kamaiurá
para eles. Os Ikpeng se aproximaram e viram objetos novos como chapéus,
começaram a trocar facão por flecha e roupas, cobertores, botas, redes, mi­
outras coisas. çangas, facões, machados e sabões,
Antes do contato com os Villas queriam todos esses objetos para
Bôas, eles já tinham conhecido os eles. Mas Orlando não dava essas
homens brancos garimpeiros, que na­ coisas para qualquer pessoa, ele só
vegavam pelo rio Jatobá. No princípio de entregava ao cacique de cada aldeia
todos esses acontecimentos, apareceu para ele fazer distribuição. Isso acon­
um avião pela primeira vez sobrevoan­ tecia periodicamente.
do a aldeia. Nesse sobrevoo, soltaram O pessoal conta que uma vez um
do avião um saco de rapadura, que o cacique foi solicitar o jipe para levá­lo
meu povo chamou de cocô do avião. com sua família para a aldeia.
O meu povo diz que a ideia dos Orlando mandou­o ir embora a pé,
Villas Bôas de trazê­los do território alegando que se andassem de carro
deles para o Xingu foi errada. Os Villas do posto até a aldeia, ou vice­versa,
Bôas podiam ter feito o contato com acabariam acostumando. Ele libera­
eles e deixá­los por lá mesmo, porque va o jipe só para atender pacientes.
aqui no Xingu não tem os materiais que Orlando foi muito rigoroso na sua
eles usam, como concha para fazer administração. Ele não deixava os
brinco, uma árvore que servia para Kamaiurá usarem roupa dizendo que
ponta de flecha, ervas e outros recursos era para não acabarem os costumes,
preciosos para nós. Meu povo diz que as festas. Permitia só o uso de anzol,
Orlando alertou que aqui no Xingu tinha linha, fósforos, ferramentas e algu­
de tudo, por isso que eles entraram na mas coisas.
conversa dele e vieram para o Xingu, Eu acho que o lado bom do Or­
mas na verdade não havia nada das lando foi se preocupar em preservar
coisas que eles utilizavam. a nossa cultura, demarcar a nossa
Meu povo diz que apesar dele con­ terra e de começar a unir os povos
tatar os índios e reconhecer a área junto indígenas da região para uma luta só
ao governo brasileiro, ele acostumou em defesa do nosso ecossistema. Se
os índios com o paternalismo, com ele não tivesse essa preocupação,
presentes. Por isso até hoje em dia há eu e outros jovens com certeza não
pessoas no Xingu que querem ganhar teríamos uma infância divertida e uma
presentes dos brancos. adolescência tranquila.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 49


o coração do brasil
expedições históricas

reprodução/o brasil-central. expedição em


1884 para a exploração do rio xingu.

Karl Von den Steinen, ao centro, e seus companheiros de expedição ao Xingu em 1884.

50 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

1884 para a exploração do rio xingu.

expedições históricas
reprodução/o brasil-central. expedição em

Índio trumai durante a expedição de Karl Von den Steinen ao Xingu em 1884.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 51


o coração do brasil
expedições históricas

reprodução/índios do brasil
- cabeceiras do xingu, rio araguaia e oiapoque.
Expedição do Serviço de Proteção ao Índio, 1924.

reprodução/índios do brasil
- cabeceiras do xingu, rio araguaia e oiapoque.

Capitão Vasconcelos presenteia roupas aos índios do Alto Xingu.

52 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

henri ballot/acervo instituto moreira salles

expedições históricas
Cláudio e Orlando Villas Bôas levam presentes para índios altoxinguanos, provavelmente Kuikuro.
henri ballot/acervo instituto moreira salles

Cláudio (em pé) e Orlando Villas Bôas trabalham no Parque do Xingu.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 53


o coração do brasil

marcelo casal jr./abr


capítulO 3 | complexo altoxinguano

Luta huka-huka durante a festa kuarup, aldeia kamaiurá.

cOmplexO altOxinguanO
O Alto Xingu é uma das áreas onde pode ser demonstrada com
clareza a continuidade da ocupação indígena dos tempos
pré-históricos até o presente na Amazônia brasileira.

U m dos aspectos mais intrigantes


sobre as comunidades do Alto
Xingu é entender como elas conseguiram
contada: a história da formação da socie-
dade altoxinguana. Sociedade que surgiu
aos poucos, de forma não intencional e
compartilhar costumes e valores tão pa- não planejada, mas fundamentalmente
recidos mesmo falando quatro idiomas com a emergência gradual de uma ideo-
ininteligíveis entre si. No entanto, os logia compartilhada por seus membros.
estudiosos mostram que, entre os índios Segundo as pesquisas arqueológicas
da região, histórias de casamentos entre mais recentes, a pré-história do Alto
estrangeiros (de diferentes etnias), nar- Xingu começa por volta de mil anos
rativas sobre fundação de comunidades atrás. Datações de radiocarbono apon-
e biografias de personalidade são, na tam as primeiras ocupações como sendo
verdade, transformações de uma mesma de povos de língua aruak, entre 950 e
história, mais geral, porém ainda não 1050 anos d.C. Estabeleceu-se naquele

54 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

capítulO 3 | complexo altoxinguano


A prática de rituais faz parte do cotidiano das aldeias; são atividades intimamente
relacionadas com a permanência da condição de ser gente na forma humana.
Formam os indivíduos porque fazem referência à criação e à história de cada povo.

período o padrão cultural da tradição Jawari*


altoxinguana, reconhecível arqueolo- O jawari é celebrado para co­
gicamente por uma indústria cerâmica memorar a morte de um velho cam­
distinta, padrão de aldeamento e aldeias peão da competição, que consiste
circulares com praça central. Esse padrão no arremesso de dardo de ponta
persiste intacto até hoje nos povos alto- rombuda, à curta distância, contra
xinguanos: Aweti, Kalapalo, Kamaiurá, um oponente. A celebração do ja-
Kuikuro, Matipu, Mehinako, Nafukuá, wari sempre envolve duas aldeias
Naruvôtu, Waurá e Yawalapiti. e se desenrola num clima de tensa
O Alto Xingu é a principal área expectativa; é um ritual parecido
na Amazônia brasileira onde pode ser com o da guerra, para o povo do
demonstrada com clareza a continui- Alto Xingu. Os oponentes são con­
dade da ocupação indígena dos tempos cebidos e tratados como parceiros
pré-históricos até o presente. Por volta de relações ao mesmo tempo joco­
de 1400 d.C., se não antes, as aldeias sas e agressivas. A decoração do

* Extraído de Viveiros de Castro, 1996.


alcançaram proporções imponentes (en- corpo no jawari é, para os padrões
tre 20 e 50 hectares), como as maiores xinguanos, “desordenada” e carna­
em qualquer área das terras baixas da valesca. A pintura preta nos olhos
América do Sul em época equivalente. (feita com carvão) representa aves
Essas aldeias foram erguidas com uma de rapina e a pintura estilizada
variedade de estruturas, incluindo ater- no peito e nos braços representa
ros lineares que marcavam as margens cobras, peixes e insetos.
de caminhos principais, praças centrais
harold schultz

e amplos fossos, sem dúvida associados


com estruturas elevadas acima do solo,
como paliçadas, pontes e portais de
entrada. Calcula-se que elas abrigavam
por volta de mil pessoas e que a oeste
do rio Culuene, no Alto Xingu, viviam,
provavelmente, mais de 10 mil índios.
Os índios de língua karib altoxin-
guanos entraram na região possivel-
mente na primeira metade do século Lançamento de flechas.
XVIII, provenientes do leste. A oeste

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 55


o coração do brasil

do Culuene, eles encontraram povos blocos populacionais. O sítio arque-


capítulO 3 | complexo altoxinguano

aruak. Povos tupi chegariam depois. ológico de Tehukugu, com uma casa
Há evidências arqueológicas de uma circular de 55 metros de diâmetro,
ocupação única entre 1400 e 1500 ao data de 1510, tendo sido ocupado pos-
leste do rio Culuene, com dois ou três teriormente pelos Kamaiurá e outros
grupos não altoxinguanos.
Ainda ao leste, na lagoa de Tahunu-
nu, o sítio Kuguhi data de 1610. Trata-se
de uma época em que se podia distinguir
Kuarup* um complexo oriental karib, que inclui-
O kuarup é a festa dos mortos. Re­ ria os extintos Yarumá (ou Jaruma), e
úne na estação seca a maior parte das um complexo ocidental aruak, separados
aldeias do Alto Xingu para homenage­ pelo rio Culuene. Em meados do século
ar os mortos recentes de cada aldeia. XVIII, grupos karib falando uma mesma
O kuarup atua como uma espécie língua passaram a ocupar os territórios a
de segundo ritual fúnebre (o primeiro oeste do Culuene, deslocando para oeste
tendo sido o sepultamento). Seu e norte os aruak que lá estavam.
simbolismo é baseado no mito de
Outros povos do PIX
criação: os gêmeos Sol e Lua fizeram
o primeiro kuarup para comemorar a Na história de formação do que
morte de sua mãe, morta por jagua­ é hoje o Parque Indígena do Xingu,
* Extraído de Viveiros de Castro, 1996.

res. Na cerimônia, os adolescentes há ainda outros povos que não fazem


em reclusão pubertária são apresen­ parte da “área cultural altoxinguana”,
tados à comunidade, as jovens recém mas foram aí penetrando por iniciativa
saídas da reclusão se casam e uma própria. É o caso dos Kisêdje, também
luta intertribal tem lugar. Assim, a conhecidos como Suiá, já instalados no
cerimônia da morte é também uma Alto Xingu bem antes da chegada da
afirmação da vida. expedição Roncador-Xingu, e dos Yudjá,
também conhecidos como Juruna, que
valter campanato/abr

subiram o rio fugindo de conflitos com


brancos na região em que o Xingu já está
no estado do Pará. É o mesmo caso dos
Metyktire, um subgrupo dos Kayapó,
que habitava a parte norte do PiX na
época de sua criação.
Além desses, os irmãos Villas Bôas
levaram para viver dentro dos limites do
Parque povos que estavam em situação
de extrema ameaça por encontrarem-
Pajés cantam para os espíritos dos mortos. se no caminho da frente de expansão.
Entre eles estão os ikpeng, na época cha-

56 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

mados de Txicão, e os Kaiabi, que hoje na época do contato identificados por

capítulO 3 | complexo altoxinguano


se autodenominam Kawaiweté. Outros Krenakarore, os “Índios gigantes” (ver
foram levados ao PIX, mas conseguiram Panará..., pág. 60), e dos Tapayuna,
depois recuperar parte de suas terras que moram desde meados da década
originais, como é o caso dos Panará, de 1980 em duas terras indígenas con-

alguns pOvOs extintOs, Ou


cOm pOucOs sOBreviventes tawarawanã
atuais, que haBitavam a É uma festa introduzida no Alto
regiãO dO xingu: Xingu pelos Trumai (assim como o
jawari). Simples e alegre, é realizada
S naguhutu – Os sobreviventes pela manhã. Os homens vestem uma
se juntaram aos Kalapalo e hoje espécie de saia feita de buriti e se
conseguiram a demarcação de uma enfeitam com folhas de bananeira,
pequena terra na região do Parque
Indígena do Xingu, que é uma parte cocares e folhas de uma ár vore
de seu território tradicional. cheirosa (hik'ada xudak), usadas
nos braços e no rosto. Eles dançam,
S tsúva – Na época do contato com enquanto dois cantores ficam senta­
Orlando Villas Bôas ainda existiam
dos. Um deles toca chocalho e outro
duas famílias Tsúva, de língua Karib.
Essas famílias se juntaram aos Kuikuro. o acompanha, tocando um tipo de
tambor de taquara. As mulheres,
S manitsauá – Grupo tupi, que vivia com pinturas corporais, dançam
na região do rio Manitsauá. Von den em pé sozinhas, acompanhando o
Steinen encontrou dez prisioneiros
Manitsauá entre os Kisêdje em 1884. ritmo dos homens. Depois se juntam
a eles, segurando na ponta da saia
S Yaruma – Povo de língua karib que dos homens. Dançam então rodando
vivia na região do rio Tanguro. Há com eles pelo centro da aldeia.
atualmente sobreviventes entre os
Kalapalo e os Kisêdje.
camila gauditano/isa

S custenaus – Os sobreviventes se
juntaram aos Waurá.

S arawine – Grupo tupi extinto que


morava próximo aos rios Culuene e
Sete de Setembro.

S enumaniá – Esse povo se juntou


aos Aweti e ainda hoje existem
seus descendentes.
Dança do tawarawanã.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 57


o coração do brasil

tíguas, Ti Wawi, do povo Kisêdje, e TI mo tempo que os xinguanos originais


capítulO 3 | complexo altoxinguano

Capoto-Jarina, dos Metyktire, que não vinham também incorporando novas


estão mais no Parque do Xingu (ver práticas com a presença de novos vizi-
Metyktire..., pág. 62). nhos. Todos eles são também influen-
A aproximação entre esses povos, ciados pelo contato com a comunidade
nem sempre tranquila, fez com que não índia, cada vez mais próxima de
os novos habitantes passassem por um seu dia a dia.
processo de ‘xinguanização’, ao mes-

reprodução/unter den naturvölkern zentral-brasiliens.


a cultura do uluri

A existência de relatos mais constan­


tes sobre os povos indígenas no
Brasil, a partir do final do século XIX,
permitiu que antropólogos contempo­
râneos fizessem seus estudos tomando
por referência os registros de viajantes,
de exploradores e, nos últimos 30 anos,
de etnografias e pesquisas arqueoló­
gicas. São registros enriquecidos por
relatos orais indígenas que respaldam
hipóteses e teses dos cientistas sociais.
Construiu­se então modelos explica­
tivos para a forma com que os diferentes
povos foram se unindo e se acomodando mas cerimoniais (kuarup, yamuricumã e
de maneira particular em determinadas jawari), padrões de pinturas corporais e
regiões do Brasil. É o que a antropolo­ adornos, a prática do huka-huka, o cor­
gia chama de “áreas culturais” e que te de cabelo, a preferência por peixe em
etnólogos brasileiros aplicaram à nossa detrimento da carne, o beiju de polvilho
realidade. O Alto Xingu seria então uma como base alimentar, a arquitetura das
área cultural, também identificada por casas e a forma da aldeia. No entanto,
“região do uluri”. Esse nome tornou­se há também muitas diferenças entre
referência dos povos do Alto Xingu por eles, que se referem às singularidades
conta do uso de uma peça do vestuário de cada povo.
feminino até pouco tempo utilizada por
todas as mulheres altoxinguanas.
Outras similaridades entre esses saiBa mais: Galvão, Eduardo. 1979
povos são: a prática do moitará, siste­

58 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

capítulO 3 | complexo altoxinguano


mapulawá*
xingu, O pássarO guerreirO
Os Waurá, na safra do pequi,
Samba Enredo de 1985 da realizam a festa mapulawá, que
Escola de Samba Tradição (RJ)
significa beija­flor, um dos princi­
pais polinizadores e dispersores de
Pintado com tinta de guerra
sementes do pequi. Divide­se em
O índio despertou
Raoni cercou dois eventos, um para o início da
Os limites da aldeia safra – matabu –, que ocorre quan­
Bordunas e arcos e flechas e facões do o pequi começa a cair e no qual
De repente eram mais que canhões é utilizado um tipo de “zunidor”, cuja
Na mão de quem guerreia vibração acelera a maturação dos
Caraíba quer civilizar o índio nu frutos; e, no final da safra – mapu-
Caraíba quer tomar as terras do Xingu (bis)
lawá –, quando são preparados os
Quando o sol resplandece bonecos de madeira que represen­
os raios da manhã tam os pássaros e mamíferos rela­
Na folha, na fruta, na flor e na cascata cionados à polinização das flores
Reclama o pajé pra Tupã e à dispersão das sementes. Cada
Que o curimatã sumiu dos rios chefe de família faz um boneco para
E o uirapuru fugiu pro alto da mata presentear todos os outros donos
Toda caça ali se dispersou

* Extraído de Viveiros de Castro, 1996.


de pequizais da aldeia. No final da
Ô Deus Tupã
Benze a pedra verde, a muiraquitã tarde, eles vão aos seus pequizais e
Que os índios deixam os bonecos recebidos pró­
Estão se juntando igual jamais se viu ximos a alguns pesquizeiros. Esse
Pelas terras do pau-brasil tipo de manifestação pode ocorrer
na maioria dos grupos xinguanos,
É Krenakarore, Kaiabi, Kamaiurá porém com algumas diferenças.
É Txukaramãe, é Kretire, é Carajá (bis)
harald schultz

Eh! Xingu
Ouvindo o som do seu tambor
As asas do Condor, o pássaro guerreiro
Também bateram se juntando
ao seu clamor
Na luta em defesa do solo brasileiro

Um grito de guerra ecoou


Calando o uirapuru lá no alto da serra
A nação Xingu retumbou
Mostrando que ainda é o índio
o dono da terra Representação de um beija-flor em barro.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 59


o coração do brasil
capítulO 3 | complexo altoxinguano

panará: da quase extinção à


reconquista da terra original

A história da relação dos índios Panará


(na época conhecidos como Kre­
nakarore) com o mundo branco começa
após a tentativa frustrada dos índios
de entrar em contato com soldados da
base aérea do Cachimbo em busca de
antes do contato, com a divulgação pela ferramentas e armas de fogo, interpre­
imprensa da existência de Mengrire, um tada pelos soldados como tentativa de
panará de 2,05 metros sequestrado de invasão. A primeira expedição, chefiada
sua aldeia ainda criança e criado pelos por Cláudio e Orlando Villas Bôas em
Kayapó Metyktire (Txucahamãe), que 1968, não teve sucesso em contatá­los, o
viviam naquela época no Parque Indígena que só veio a acontecer em 1973, quando
do Xingu. A partir de então, a lenda da a Rodovia Cuiabá­Santarém (BR­163) já
existência de índios gigantes povoou a cortava seu território tradicional.
imaginação brasileira até serem finalmen­ Na ocasião, máquinas, soldados e
te encontrados pelos irmãos Villas Bôas operários que trabalhavam na estrada
e ser constatado que possuíam estatura se encontravam próximos das áreas de
parecida com a média indígena brasileira. circulação indígena. Sem que nenhum
As tentativas de aproximação com os plano de proteção ou assistência aos
Krenakarore começaram em 1967, logo índios tivesse sido adotado previamente

pedro martinelli/isa

Primeiro contato com o povo panará.

60 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

capítulO 3 | complexo altoxinguano


pela Funai, o processo de contato com os os rios. Um sobrevoo realizado com um
Panará foi quase um genocídio. avião alugado, porém, mostrou um tre­
Antes do contato, os Panará ocupa­ cho do território, nas cabeceiras do rio
vam dez aldeias e tinham uma população Iriri, próximo à serra do Cachimbo, com
estimada entre 300 e 600 indivíduos. as matas ainda preservadas.
Apesar de arredios antes do contato, Depois dessa expedição, os Panará
foram sendo atraídos pela construção da não descansaram até conseguir do go­
rodovia e pelos veículos que chegaram verno federal o direito de voltar a suas
com a abertura ao tráfego. Incapazes de terras. Decidiram, também, cobrar na
associar o surgimento das novas doen­ Justiça uma indenização pelos danos
ças à presença dos brancos, passaram sofridos com o contato forçado com os
a frequentar a estrada e instalaram uma brancos. Em 1995, a primeira parte da
pequena aldeia a apenas 4 quilômetros reivindicação começou a se concretizar,
dela. As doenças foram se espalhando quando 50 Panará deixaram o PIX para
para outras aldeias, provocando conflitos fundar a nova aldeia nas cabeceiras do
entre os próprios índios, que acreditavam rio Iriri. Depois de um ano e meio de tra­
tratar­se de feitiçaria. Nesse período, era balho para construir casas e fazer roças,
comum encontrá­los mendigando às trouxeram o restante do grupo. Assim,
margens da Cuiabá­Santarém. mais 130 pessoas fizeram, em março de
A solução encontrada para evitar que 1997, o voo de volta ao lar.
desaparecessem foi transferi­los para Outra vitória foi obtida a partir de
o Parque Indígena do Xingu. Quando uma decisão inédita do Tribunal Regio­
chegaram ao Parque, em 12 de janeiro nal Federal de Brasília, em 2000, que
de 1975, eram apenas 79. Entre 1973 e condenou a União e a Funai a pagar
1975 morreram, por doenças epidêmicas uma indenização de 4.000 salários
no Peixoto de Azevedo, 176 pessoas. mínimos (mais de R$ 2 milhões de re­
Longe de suas terras ancestrais, os ais no valor de hoje) aos Panará pelos
Panará nunca se conformaram com o danos materiais e morais provocados
exílio e sempre sonharam em retornar pelo trágico contato com a civilização. A
ao território original. ação indenizatória foi movida em 1994
Em 1991, com o auxílio de várias pelos advogados do ISA. A decisão, que
entidades, entre elas o Instituto Socio­ confirma sentença proferida em outubro
ambiental (ISA), um grupo de seis índios de 1997, foi a primeira do Judiciário bra­
Panará e seis brancos fizeram, de ônibus, sileiro a reconhecer a responsabilidade
a primeira viagem de reconhecimento do Estado com relação a sua política
ao vale do rio Peixoto de Azevedo. para os índios. A Terra Indígena Panará
Encontraram uma região devastada foi declarada oficialmente pelo Ministé­
por garimpos e fazendas, que haviam rio da Justiça em 1996, com extensão
derrubado a mata, poluído e assoreado de 488.000 hectares.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 61


o coração do brasil

carlos fausto
capítulO 3 | complexo altoxinguano

Ritual de iniciação (furação de orelhas) em aldeia kuikuro.

metyktire: território cortado por estrada

A “pacificação” dos Metyktire, pelos


irmãos Villas Bôas, foi em 1953.
Nessa época, eles eram chamados de
precisava definir estratégias de sobrevi­
vência em relação aos não índios. Uma
dessas cisões ocorreu justamente em
Txukahamãe, “os donos da borduna”, 1953, quando os Mekragnoti ocupavam
como os identificavam os tradicionais a região conhecida como Kapot, entre o
inimigos Yudjá (ou Juruna). Os Metyktire rio Liberdade e as cabeceiras do rio Iriri
são um subgrupo dos Mekragnoti, por Novo. Os Villas Bôas atraíram para dentro
sua vez pertencente aos poderosos
Kayapó, cujo território tradicional era
o vale do rio Tocantins, de onde foram veJa tamBÉm:
obrigados a sair em função da pressão Os líderes xinguanos, pág. 24.
belicosa dos brancos contra eles. Com saiBa mais:
isso, foram se deslocando defensiva­ FRANCHETTO, Bruna. O Parque do Xin-
gu, in Dossiê índios em Mato Grosso,
mente para o oeste.
org. Busatto, Ivar e Barcellos, Maurício.
Nesse processo, vivenciaram várias Cuiabá: Opan/Cimi, 1987, pp. 119-158.
divisões internas à medida que o grupo

62 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

Convivência pacífica
quando os brancos apareceram apresen-

capítulO 3 | complexo altoxinguano


O relativo equilíbrio das relações tando ferramentas de metal.
sociais entre os povos altoxinguanos – e A recuperação dos Kisêdje só foi faci-
que serviu como importante referência litada quando se uniram aos Tapayuna,
para o trabalho de construção geopolíti- grupo com a mesma língua e que há
ca do PIX pelos irmãos Villas Bôas - não muito haviam se separado dos Kisêdje
pode ser vista como parte “da natureza indo viver mais a oeste. A ferocidade
dos povos xinguanos”. desses últimos explica o bom entendi-
Sobre o passado não muito distante mento que os demais povos xinguanos
dos Trumai, por exemplo, estudos rela- mantinham entre si, o que não impedia,
tam a força e o poder desse povo sobre no entanto, a existência de outras práti-
seus vizinhos. Eles ocupavam uma área cas para o fortalecimento de cada grupo:
rica em matéria-prima necessária para os Kamaiurá roubavam crianças Kisêdje,
a confecção dos machados de pedra. Kisêdje roubavam mulheres Waurá e
Os temidos Kisêdje lutavam com os assim por diante.
Trumai e outros povos altoxinguanos Existem outras formas de expressão
para conquistar essas áreas e foi assim de poder e de jogo de forças, sendo o
que sua população diminuiu. A guerra mais expressivo o temor de feitiçaria,
por matéria-prima perdeu a razão de ser que provocaria doenças, mortes e, efe-
beth cruz/agil

Raoni Kayapó ao ministro do Interior Mário Andreazza:


“Aceito ser seu amigo, mas você tem que ouvir o índio”, 1984.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 63


o coração do brasil

tivamente, é motivo para mudanças de na época do contato mais sistemático


capítulO 3 | complexo altoxinguano

aldeias, expulsão de famílias para outras e planejado pela Expedição Roncador-


localidades etc. Xingu é o que veio tornar-se uma espé-
Outra marca de identidade diferen- cie de “marca oficial” para diferenciar
ciada é a língua. Mesmo as etnias que cada povo.
compartilham línguas muito próximas,
como os Kalapalo e os Kuikuro, por
exemplo, afirmam-se detentores de traços
você sabia?
culturais particulares; os respectivos sota-
ques e expressões servem como marcado-
res das diferenças, visto que barreiras de S Estudos linguísticos informam que as
línguas karib altoxinguanas – kalapalo,
comunicação funcionam como proteto- kuikuro, matipu e nafukuá - são dialetos
res naturais de circulação de informação de uma única língua que se separaram há
e maneira de controle de poder. cerca de 500 anos.

“Marcas” de cada etnia S Muitas das diferenças culturais originais


entre os grupos altoxinguanos despareceram
Na tentativa de se caracterizar os nas últimas décadas do século XX. A história
tende a homogeneizar, a igualar, mas cada
traços comuns dos povos xinguanos, e povo tende a marcar as diferenças. A língua
explicá-los, tudo o que foi observado é um dos principais indicadores.

do que seria o PIX um grupo de aproxima­ Em 1978, a demarcação do PIX


damente 400 índios liderados por Raoni, é oficializada e a BR­80 passa a de­
onde estabeleceram uma aldeia situada limitar o perímetro norte do Parque,
no Posto indígena Kretire, ao sul de onde ficando a terra ocupada por uma parte
foi construída a estrada BR­80. O outro dos Metyktire fora dos limites. A partir
grupo, liderado por Krumare, rumou ao desse momento, Raoni e seu sobrinho
norte, para o rio Jarina, onde ergueram Megaron, tomando atitudes que alter­
uma aldeia com esse mesmo nome. navam ações de diplomacia e de luta
Toda essa extensão de terra era his­ e apoiados por todos os povos xin­
toricamente ocupada pelos Mekragnoti guanos, iniciaram uma longa trajetória
e a extensão inaugural do Parque, de 22 para recuperar o território perdido e
mil km2 (Decreto 50.455, de 1961) a con­ ameaçado pelo avanço das fazendas de
templava. O Decreto 63.083, de 1968, pecuária do município de São José do
porém, trocou uma estreita faixa acima Xingu, na época conhecido como “São
da cachoeira Von Martius, delimitada no José do Bang­Bang”, atribuído ao grau
traçado original do Parque, para poder de violência e de assassinatos dos pe­
incluir em seus limites, ao sul, as etnias ões que abriam as fazendas e ao caos
do Alto Xingu que haviam ficado de fora. de governança da frente colonizadora.

64 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

Assim, os Kamaiurá eram os espe-

capítulO 3 | complexo altoxinguano


cialistas em arcos de madeira preta; os
Waurá nas cerâmicas, os Kuikuro e Ka- Yamuricumã*
lapalo nos colares de caramujo, os Waurá Em oposição às restrições do ritual
e Trumai na produção do sal vegetal e os das flautas, as mulheres apresentam e
Mehinako na oferta de instrumentos de representam a si próprias através do
metal e nas miçangas obtidos pelo con- yamuricumã, a festa das “mulheres
tato mais frequente com os Bakairi, que monstro”, criaturas que abandonaram
nos anos 1940 já mantinham relações a aldeia de seus maridos e formaram
com os não índios. uma sociedade exclusivamente fe­
Essas “especialidades”, no entanto, minina. Durante a festa, as mulheres
não significam que ao longo do intenso “tomam temporariamente o poder”,
contato entre as etnias, os Aweti não ocupando o centro de sua aldeia e ata­
tenham aprendido a fazer e comerciali- cando os homens que se aproximam.
zar o sal vegetal (eles afirmam que são O ritual se desenvolve festivamente e

* Extraído de Viveiros de Castro, 1996.


eles os verdadeiros donos da técnica de seus símbolos são a licenciosidade e
processamento do aguapé); as mulheres a agressividade femininas.Ele pode
Mehinako não passassem a ser também ocorrer aleatoriamente quando algu­
exímias ceramistas; e os cintos de miçan- ma mulher decide realizar a cerimônia.
Crianças, jovens e adultas podem to­
mar parte. Não há uso de instrumentos
musicais, sendo as músicas cantadas.
Em 1984, o Decreto no 89.643,

harald schultz
do governo federal, declarava de
ocupação indígena tradicional a
Terra Indígena Capoto, contígua ao
PIX, e o Decreto no 89.618 criava
a Reserva Indígena Jarina, solução
que permitiu indenizar os fazendei­
ros que já ocupavam esta faixa de
terra de 15 quilômetros ao longo da
margem esquerda do rio Xingu. A ho­ Festa yamuricumã.
mologação da demarcação unificou
a TI Capoto­Jarina.
Em 1991, com apoio do roqueiro
Sting, através da Fundação Mata
você sabia?
Virgem, o presidente Fernando Collor
reconheceu a Terra Indígena Mekrag­
noti no estado do Pará, contígua a TI S Entre o final do século XIX e meados dos
anos 1950, a população altoxinuana reduziu-
Capoto­Jarina no Mato Grosso. se de 3 mil para 1.840 pessoas, em 1926, e
para menos de 700 no final dos anos 1940.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 65


o coração do brasil

gas coloridas passassem a ser confeccio-


capítulO 3 | complexo altoxinguano

nados (e permutados) por quase todos


JaKuí* os grupos igualmente.
O ritual das flautas sagradas – Hoje, as especialidades associadas
jakuí – une e simboliza a comunidade à determinada etnia altoxinguana são
masculina da aldeia (ou da sociedade mais tênues de marcar, embora nin-
altoxinguana inteira) e as mulheres guém negue a excelência das panelas
são estritamente proibidas de vê­lo. waurá ou a harmonia dos colares
* Extraído de Viveiros de Castro, 1996.

As flautas atuais são réplicas de flau­ kalapalo. A referência às tradicionais


tas míticas identificadas a espíritos habilidades de cada um é reiterada, en-
aquáticos. A cerimônia exorta o po­ tretanto, com a instituição do moitará,
der dos homens sobre as mulheres. É palavra kamaiurá que se refere à troca
um ritual com tom solene e sagrado e comercial de bens entre anfitriões e
suas marcas simbólicas básicas são convidados por ocasião dos encontros
proibição e reserva. para festas e cerimônias. A permanência
da prática do moitará marca a interde-

harald schultz

Confecção de um colar de caramujo.

66 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

capítulO 3 | complexo altoxinguano


Os índios fazem muita festa. famílias não é interrompida: as roças
Eles não trabalham? estão sendo cultivadas, os homens
Ao contrário dessa afirmação, as caçam, pescam, produzem artefatos,
festas indígenas dão muito trabalho. O participam de reuniões políticas e via­
que chamamos de festa não encontra jam, enquanto as mulheres cozinham
equivalente nas línguas indígenas. As e criam seus filhos e assim por diante.
festas indígenas podem ser compa­
radas ao processo de escolarização Os índios acreditam em Deus?
dos não indígenas, pois estão direta­ Pessoas de todos os povos do
mente relacionadas à socialização e mundo se fazem perguntas e procuram
ao desenvolvimento de uma pessoa. respondê­las de várias maneiras: “Como
Nas festas, indivíduos de diferentes começou o mundo e como o ser humano
gerações participam e exercem um passou a existir? Existe outro mundo
papel particular. Elas não duram um dia além desse em que nós vivemos? O que
apenas, podem durar semanas, meses acontece com a gente depois da morte?
ou até mesmo um ano, a depender do Existe alma? Existe Deus?” Cada povo
grupo indígena e do que está sendo tem a sua explicação para essas pergun­
celebrado. Muitas fotografias feitas das tas, assim como princípios que orientam
“festas indígenas” mostram somente o comportamento das pessoas, tais
um momento da celebração, em geral como a reciprocidade e a generosidade;
o ápice do evento. Este resulta de uma o respeito à natureza; a honestidade, en­
sucessão de acontecimentos que cum­ tre outros. Em todas as religiões do mun­
prem um calendário particular, todos do existem elementos comuns: a ideia de
associados com a cosmologia, histórias sagrado; cerimônias, ritos e mitos; rezas
e mitologias de cada povo. A festa é e oferendas. Todos estes elementos es­
o espaço para se transmitir, conhecer tão presentes nas culturas indígenas. Ao
e fortalecer práticas tradicionais. Ao estudar diferentes religiões do mundo,
realizá­las, um indivíduo indígena rea­ entre as quais o hinduísmo, o xintoísmo,
firma seu pertencimento ao seu grupo o candomblé, a umbanda, o cristianismo,
e, para tanto, deve seguir suas regras. entre outras, os professores indígenas
Durante o ciclo de festas, a rotina das reafirmam a existência de suas religiões.

pendência social, econômica e política compras. Não se tem notícia de que


dos grupos altoxinguanos, mesmo com essa rotina de compras na cidade tenha
a introdução de bens industrializados e comprometido a busca e a oferta, entre
o constante fluxo de índios assalaria- os índios, dos artefatos fabricados por
dos dirigindo-se às cidades para fazer seus pares nas aldeias.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 67


o coração do brasil
capítulO 3 | complexo altoxinguano

contato com o povo waurá


tukupe e apayatu waurá

Antes de encontrar os irmãos – Esse homem branco (kajaopa) não


Villas Bôas o povo Waurá é bravo, ele é bonzinho, deu presentes.
teve contato com Karl von As mulheres contaram que os ho­
den Steinen, que estava des­ mens saíram para pescar para a festa
cendo o rio Batovi. Primeiro Karl encontrou de máscara atujuwa, que iria acontecer
uma pessoa do povo Makaojo (Bakairi), no dentro de cinco dias. Elas não ficaram
afluente do rio Tapakuya que o levou para com medo, porque na nossa história
sua aldeia. Quando chegaram na aldeia ele já se contava sobre a existência dos
presenteou todas as pessoas, por isso os homens brancos.
Makaojo ficaram muito alegres. Steinen Durante os dias que Carlos ficou na
ficou com eles na aldeia Tapakuya e per­ aldeia, o pai da criança recém­nascida fi­
guntou se eles conheciam outras etnias. cou observando que ele sempre ia tomar
Eles falaram que sim. banho no meio da mulherada. Ele não
Steinen continuou sua viagem gostou que Carlos sempre ia banhar com
acompanhado de seu amigo da etnia as mulheres de sua aldeia, ele desconfiou
Makaojo até chegarem na aldeia do que ele estava namorando as mulheres,
povo Kutanapu (outro povo extinto) e então ele saiu para avisar os pescadores.
depois foram para a aldeia Wetsiulu. Os homens Waurá voltaram para a
Lá ele deu presentes para algumas aldeia, chegando no porto mais ou menos
lideranças porque não tinha mais coisas às 19 horas e ficaram no porto esperando
suficientes para dar a todos. Eles infor­ até às 4 horas da manhã. As mulheres
maram sobre o povo Waurá e Steinen levantaram para ir banhar e Carlos foi com
foi com seu amigo Kutanapu até a aldeia elas. Ele levou sua lanterna para iluminar
Ukupoho, do povo Waurá. o caminho até o porto. Ele foi andando
Porém, no momento em que eles no meio das mulheres com a lanterna na
chegaram na aldeia Waurá, os homens mão, enquanto os homens estavam espe­
tinham saído para uma pescaria coletiva, rando para matá­lo. No porto, Carlos ficou
na boca do rio Piyulaga. Só ficou um ho­ iluminando as mulheres. O cacique pediu
mem que a mulher tinha acabado de ga­ para um guerreiro que estava pronto para
nhar nenê, por isso ele não podia ir com flechar bem no olho dele. Eles achavam
seu pessoal na pescaria. Na aldeia, além que a lanterna era o olho dele. Tentaram
deste homem, só restou a mulherada. flechar, mas não conseguiram, porque
Quando Carlos (Karl) chegou, o Carlos apagou a lanterna e fugiu.
seu amigo Kutanapu apresentou as Assim foi o contato do Carlos (Karl)
mulheres: com o povo Waurá.

68 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

capítulO 3 | complexo altoxinguano


a chegada dos Juruna no xingu*
carandine Juruna

Primeiro nós morávamos Aí todo mundo queria ver os Suiá.


lá no Pará, tudo junto na Foi assim que meu avô contou. Nós
aldeia Griyakanã. Era uma tínhamos miçangas e o pessoal deu
aldeia antiga, muito antiga. para os Suiá, porque os Suiá estavam
Aí os brancos começaram a mexer com bravos. Então nós trocamos cocar,
a gente, roubando as mulheres e ma­ miçanga com eles. Os Juruna voltaram
tando os homens. Eram seringueiros. para a aldeia que eles fizeram no Polori,
Então nós começamos a procurar na beira do rio Xingu, e ficaram lá. De
um lugar onde não tinha branco. Viemos vez em quando, eles vinham visitar os
de canoa, do rio Griyakanã até a cacho­ Suiá, até que ficaram amigos. A aldeia
eira Von Martius, procurando onde não dos Suiá era no Diauarum.
tinha branco, procurando um lugar bom. Aí o pessoal falou:
O pessoal foi procurando, procurando, – Os Suiá falaram que outros índios
até achar um lugar bom. Acharam que moram lá para cima: os Kamaiurá,
aqui para cima no Xingu era melhor. Waurá, Yawalapiti, Kuikuro. Mais tarde
Todo mundo queria subir aqui para nós vamos visitar todos que moram no
o Xingu porque os brancos estavam Alto Xingu.
matando os Juruna, homens e mulheres Os Suiá levaram o pessoal para
também. Quando o pessoal que estava conhecer o pessoal de cima. Mas eles
procurando um lugar para a gente mu­ só visitaram os Kamaiurá e os Yawala­
dar voltou da viagem, eles disseram: piti, porque não dava tempo de visitar
– Vamos fazer uma reunião para todo mundo. Depois desceram o rio
resolver a mudança. Xingu e voltaram para a aldeia Polori.
Todo mundo queria vir para cá, Eles disseram:
fazer a mudança. Queriam vir subindo – Tem muitas pessoas morando lá.
o rio, fazer roça, fazer aldeia, vir su­ Nós vamos sempre visitar todo mundo
bindo o rio devagar. Na cachoeira Von para não brigar. Nós viemos lá do Pará,
Martius, o pessoal estava subindo e mas agora nós vamos ficar aqui, sem
encontraram com os Suiá. Eles não brigar. Aqui é melhor. Não tem mosqui­
conheciam os Suiá. Eles voltaram e to, tem muita praia, porque lá no Pará
falaram para os outros Juruna: não tem praia.
– Encontramos nossos parentes. Aí o pessoal ficou por aqui.

*extraído de Leal Ferreira, 1994.

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 69


o coração do brasil
capítulO 3 | complexo altoxinguano

Os antepassados caraíbas que vieram ao xingu


sepé Kuikuro

Os antepassados caraíbas porque queriam ferramentas, como


chegaram há muito tempo machados e facões. Nahu e Luiz ficaram
aqui no Xingu. Nas déca­ lá aprendendo a língua portuguesa.
das de 1940 e 1950 veio Depois eles foram para uma aldeia
ao Xingu uma expedição do Serviço de Bakairi, chamada Pakuera. Eles ficaram
Proteção ao Índio. lá aprendendo. Depois de dez anos eles
Antes do Orlando chegar, apare­ voltaram para a aldeia Kuikuro. Foi o
ceu primeiro o senhor antropólogo, senhor Nilo Veloso que levou os dois
chamado Petrullo. Ele veio num avião de volta para a aldeia.
que desce na água, o hidroavião. Pri­ Depois de muito tempo, apareceu
meiro ele desceu no rio Curisevo. Os Orlando com Nilo Veloso, chegaram ao
índios estavam lá. Petrullo ficou lá um lugar chamado Kahidzu. Os Kalapalo
dia. Depois foram ao rio Batovi, dois foram chamar Nahu, porque ele era o
índios foram com ele. Um se chamava único que sabia falar português. Depois
Nahu Kuikuro e outro Luiz Kuikuro. Takumã Kamaiurá e Paru Yawalapiti
Um tinha dez anos e outro tinha oito levaram Orlando para o Jacaré e depois
anos. Muitos índios foram até o Batovi até o Leonardo.

chegada dos trumai ao xingu


e contato com os brancos
Yawaritu, mahi, Kaiulu, wali, ariakumalu e awaé trumai

Antigamente os Trumai los como escravos, obrigando­os a


eram muitos, tinham três trabalhar no campo. Os Trumai eram
grupos com três caciques acorrentados para não fugir, tinham o
e moravam na região do tornozelo furado, isso aconteceu nos
rio Tocantins e do rio Araguaia. Bri­ primeiros contatos com os brancos.
gavam muito com os Karajá, Javaé e Os Trumai têm uma língua isolada,
outros povos que chamavam Ausmadi. sem parentesco com outras línguas xin­
Os Trumai eram guerreiros sem pie­ guanas, o que faz dela uma língua impor­
dade, que aniquilavam seus inimigos, tantíssima. Homens e mulheres usavam
mas eles tiveram que abandonar suas cabelos longos, as mulheres tinham
aldeias quando entraram em contato cabelos divididos ao meio e costumavam
com os brancos, que queriam dominá­ usar um cinto. Os homens costumavam

70 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


o coração do brasil

capítulO 3 | complexo altoxinguano


amarrar o pênis. Dormiam em esteiras veram conflitos com os Kisêdje, Juruna e
feitas de buriti. Utilizavam o propulsor e Ikpeng, por causa do rapto de mulheres.
a borduna para caçar e guerrear. O segundo contato com um ho­
Então resolveram mudar da região mem branco foi com Karl von den
onde viviam e vieram mudando, andan­ Steinen em 1884, no local registrado
do na direção do Xingu. Nesta longa por Steinen, na margem direita do
caminhada eles brigaram por causa de rio Culuene, perto do rio Curisevo.
uma ema que mataram para comer. Um Em 1938, tiveram o primeiro contato
cacique queria a moela da ema, mas ou­ com o antropólogo Buel Quain, na
tro já tinha pegado. O cacique que não aldeia Anariá. Ele registrou a festa da
ganhou a moela discutiu com os outros mandioca e outras festas, depois foi
e retornou de volta com seu grupo. embora. Na década de 40, chegaram
Dois grupos chegaram ao Xingu os irmãos Villas Bôas, que trouxeram
beirando o rio Curisevo. O primeiro povo muitos presentes para os Trumai e
que encontraram foi o Mehinaku. Os para outros povos do Xingu: facão, li­
Mehinaku ofereceram comida para os nha, espelho, camisa, short e comidas
Trumai. Os Trumai não conheciam beiju como arroz, feijão, doce etc.
nem outros alimentos do Alto Xingu. As aldeias atuais Trumai são Awara’i
A primeira aldeia que os Trumai Boa Esperança, Steinen e A ïxï ïxïxu.
fizeram foi Utawana, no rio Curisevo. Nos anos 40, os Trumai sofreram
Ali não deu certo porque o povo Ikpeng com epidemias de gripe e sarampo,
roubou uma menina Trumai, chamada que reduziram o número de habitantes
Yakupe. Então resolveram mudar dali. das aldeias. Foram considerados em
Acamparam por uns tempos no Jacaré vias de extinção, sobreviveram apenas
e depois fizeram uma nova aldeia, cha­ 15 pessoas. Atualmente os Trumai tem
mada Anariá. Lá tinha bastante Trumai e crescimento positivo, estima­se que
muitos recursos para viver. Depois eles chegam a 180 pessoas.
se dividiram em dois grupos: uma aldeia No Xingu, os Trumai adotaram vá­
chamada Wani Wani e outra chamada rios elementos da mitologia e das festas
Awatldat, alguns no A ïxï ïxïk e outros no dos povos do Alto Xingu e ao mesmo
Urukutu. Também existiram as aldeias tempo ensinaram as festas jawari e
Awarai, Mukrurkitsa, Yakare, Kranhanha, tawarawanã para os altoxinguanos.
Aruparaxu, Yapeu e Makalafia. Essa é a história da chegada dos
Os Trumai tiveram contato pacífico Trumai ao Xingu e do contato com os
com os povos de língua karib e aruak. Ti­ homens brancos.

desenho: sepé kuikuro

almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos 71


o coração do brasil
capítulO 3 | complexo altoxinguano

O contato entre pessoas do alto e Baixo xingu


ibene, Yanama, Yunak e tükitse Kuikuro

Os irmãos Villas Bôas co­ as aldeias desses povos. Mais tarde,


nheceram o local onde quando contataram esses povos, eles
instalaram o Posto Leo­ davam presentes como facões, paneli­
nardo, levados por Taku­ nhas, espelhos e outros objetos.
mã Kamaiurá e Paru Yawalapiti. Eles Algumas pessoas dos povos do Bai­
gostaram do lugar e solicitaram aos Ya­ xo Xingu subiram o rio junto com Orlando
walapiti e Kamaiurá que fizessem uma até o Posto Leonardo. Naquele tempo
pista de pouso. Outros povos também ainda havia guerras entre alguns povos
se aproximaram dos Villas Bôas como do Alto e Baixo Xingu. Os irmãos Villas
os Kuikuro, Kalapalo, Matipu, Nafukuá, Bôas fizeram reunião com as comunida­
Mehinaku, Aweti, Waurá e Trumai. Todos des indígenas do Parque, para que não
ficaram lá para conseguir presentes fizessem mais guerras entre eles.
como roupas e ferramentas. Os Villas Os Villas Bôas instalaram linhas de
Bôas davam presentes para os caciques telégrafo e fizeram casas de alvenaria
de cada etnia, por isso os índios ficaram no Posto Leonardo. Para instalar as
no Posto Leonardo. linhas telegráficas, Orlando solicitou a
Nahu Kuikuro e Luiz Kuikuro sabiam ajuda de mais brancos que chegaram de
falar um pouco a língua portuguesa. Os avião, trazendo muitos presentes para
caciques de todas as etnias pediam as lideranças distribuírem nas aldeias.
para eles ajudarem na comunicação Os povos do Alto Xingu decidiram
com os brancos. Muitas pessoas traba­ convidar as pessoas do Baixo Xingu,
lharam para construir as casas do Posto Cláudio e Orlando para participarem
Leonardo em troca de presentes como da festa kuarup. Depois da festa, os
machados, facões, linhas de pesca, irmãos Villas Bôas desceram o rio Xingu
roupas e rapadura. até o Morená e o Diauarum. Mais tarde
Os irmãos Villas Bôas queriam con­ os Ikpeng foram contatados e abriram
tatar os povos Yudjá, Ikpeng, Metyktire, uma aldeia perto do Posto Leonardo.
Kisêdje e Kawaiweté. Eles pediram para Os Villas Bôas pediram a ajuda
Nahu e Paru indicarem o caminho. Or­ de pessoas do Baixo Xingu para fazer
lando pediu a eles informações sobre contato com os Panará.
desenhos: teki kuikuro

72 almanaque socioambiental parque indígena do xingu 50 anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

Localização das aldeias no PIX

Aldeias
PIV (Posto Indígena de Vigilância)
CTL (Coordenação Técnica Local) PIV MOSQUITO
Principais rios
Parque Indígena do Xingu Parureda Pakaia
Caiçara
Terras Indígenas Batovi,
Wawi e Pequizal do Naruvôtu 0 470 940 km

Tuba Tuba ISA, 2011

Aiporé Paksamba
Faz. João Pequizal
Mupadá
içu
Rio Manissauá-M Capivara
PIV MANITO Paranaíta
Três Patos
Mainumy CTL DIAUARUM
Yaitata
Sobradinho
Piraquara
Nova Maraká 11 de Setembro
Itaí
gu

Iguaçu Moitará
Xin

Aweti p.74
Rio

Samaúma
Tuiararé
as

ikpeng p.78
rai

Kwaryja
Ar
Rio

Ilha Grande Rio S kAlApAlo p.82


u iá-M
Barranco Alto Ngosoko Nova içu
kAmAiurá p.87
Horerusikhô
Três Irmãos kAwAiweté p.91
Roptotxi
kisÊdje p.96
CTL PAVURU kuikuro p.101
Moygu
mAtipu p.106
CTL WAWI
Boa Esperança mehinAko p.110
Faz. Ronkho Ngojhwere
Três Lagoas nAfukuá p.115
Morená nAruvôtu p.118
Jacaré
Ri

n Steinen tApAyunA p.122


o

Rio Von De
Xin
gu

Kranhãnhã trumAi p.125


Aruak
Steinen nafukuá
Ipavu yawalapiti wAurá p.130
Aiha
uron

yAwAlApiti p.133
Ro

CTL LEONARDO
Rio

matipu
Fontes: Terras Indígenas e aldeias (ISA, 2011); Hidrografia (SIPAM/IBGE, 2004)

Tupará
yudjá p.137
Piyulaga Saidão da Fumaça

Ipatse

Tazu' jyt tetam


Ri
o
Xin
gu

Afukuri
Buritizal Pingoa
Lahatua
Curumim
Tanguro
tovi

mehinaku Rio Tan


guro
Rio Ba

o
Rio Curisev

CTL TANGURO
Kuluani
Rio

Caramujo
Xing

Kunué
u

Agata (Barranco Queimado) CTL KULUENE


Yaramy Lago Azul
Ulupuene
Utawana Mirassol
Rio
e
uen

CTL KURISEVO
Se

0 10 20 Km
te
Cul

CTL BATOVI
eS
Rio

ete

ISA, 2011
mb
ro

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 73


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

Aweti ALdeIAs
AwetI

Fontes: Terras Indígenas e aldeias (ISA, 2011); Hidrografia (SIPAM/IBGE, 2004)


O

gu
s Aweti são o povo menos conhecido do Alto

Xin
Rio
Xingu, assim como sua língua, pouco estudada.
Eles sofreram uma perda populacional catastrófica PIX
nas primeiras décadas do século XX, chegando a
registrar uma população de menos de 30 pessoas
na década de 1940. Uma epidemia de sarampo, em
1954, reduziu esse número a 23 pessoas. Atualmente,
são 195 indivíduos, o que representa uma grande

Rio Curisevo
recuperação populacional, que tem permitido a re-
tomada de sua vida cultural tradicional.
Localizados bem no coração do Alto Xingu, os
Aweti já habitavam a região onde se encontram hoje
no final do século XIX. Por conta disso, exerceram LínguA: AwETI (do Tronco TuPI)

um importante papel entre os povos altoxinguanos PoPuLAção: 195

como intermediários na circulação de notícias ou bens. outrAs grAfIAs: AuTo, AwyTyzA,

:
EnuMAnIá, AnuMAnIá
Atuavam como anfitriões para os viajantes, o que foi

acervo do museu do índio/funai


- brasil

Chegada da expedição de Nilo Veloso à aldeia Aweti, 1944.

74 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

povo AwetI
A aldeia aweti, como as de acesso ao rio ou às roças familiares são
demais aldeias altoxinguanas, compõe-se fáceis de identificar, pois saem da porta da
de um conjunto de casas coletivas dispostas parte de trás de cada casa.
em forma de círculo em torno de uma praça A praça central é, como em todas as
central. No centro dessa praça, ergue-se a aldeias altoxinguanas, um espaço prin-
casa dos homens, que serve como lugar de cipalmente masculino, onde os homens
reunião. Essa construção típica das aldeias se reúnem para fumar e conversar. Além
xinguanas serve também para guardar as disso, constitui o espaço “público”, onde se
flautas sagradas. A casa dos homens é es- realizam as atividades que dizem respeito
tritamente interditada às mulheres, a quem à aldeia como um todo e, principalmente,
não são permitidas ver as flautas e, menos aquelas que envolvem o contato e a inte-
ainda, identificar os tocadores. Os caminhos ração coletiva dos Aweti com estrangeiros
de todo tipo: ali são recep-
marina vanzolini

cionados os mensageiros e
visitantes de outras tribos ou
não índios, se desenrolam
as cenas dos grandes rituais
ou ainda são enterrados os
mortos adultos. À noite, acre-
ditam que a praça pertence a
Karytu, o espírito relacionado
às flautas rituais cerimoniais.

facilitado pela localização central de suas aldeias, numa


Você sabia?
faixa de floresta alta que separa os remansos, canais e
poços do ribeirão Tuatuari do baixo rio Curisevo, a
S Se um namoro é aceito pelos
cerca de 20 km ao sul do Posto Indígena Leonardo. parentes, especialmente pelos
Costumam deslocar suas aldeias a cada 15 a 30 pais dos envolvidos, alguém
anos, permanecendo, porém, sempre no interior assume sua aprovação e “faz o
casamento”, isto é, leva a rede
de uma mesma área, em um diâmetro de poucos do noivo para a casa da noiva,
quilômetros. Hoje vivem em três aldeias. A mais tra- colocando-a acima da rede dela.
dicional chama-se Tazu’jyt tetam (aldeia da pequena Isto pode acontecer na ausência
dos namorados, que muitas
formiga de fogo), a cerca de 200 metros do ribeirão vezes são surpreendidos pelo
Tuatuari. Uma nova aldeia, Saidão da Fumaça, foi fato de agora estarem casados.
criada, em 2002, por uma família extensa e seus asso- A surpresa é ainda maior se o
ciados. Está localizada também próxima ao Tuatuari, namoro não foi oficial – mas
quem viu os dois juntos tem o
a cerca de 16 km ao norte da aldeia principal, já nas direito de “fazer o casamento”
proximidades do Posto Leonardo. Há ainda, uma se isto lhe parece justo.
aldeia ao sul do PIX, chamada Mirassol.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 75


1. secAgem
povo AwetI

ProduzIr sAL VegetAL , a partir


do processamento da planta co-
nhecida como aguapé, é uma das

2. queImA
especialidades dos Aweti atuais,
que chamam o produto de tikyt.
Anualmente, as famílias trabalham
para produzir esse ingrediente
indispensável para a dieta e para
trocas comerciais, pois é bastante
procurado pelas outras comunida-
des altoxinguanas.

3. ArmAzenAmento
fotos: harald schultz

VejA tAmbém:
o sal aweti, pág. 152.

Você sabia?
IsoLAmento reLAtIVo A maior e mais tradicional
aldeia aweti é a mais isolada e de mais difícil aces-
S Existe, no idioma aweti, uma so se comparada com as demais do Alto Xingu.
variação entre a fala dos homens
e a das mulheres. usam-se, por Fica distante do rio e não tem pista de pouso, e o
exemplo, palavras diferentes para efeito mais visível desse isolamento é que os bens
dizer “eu” – os homens dizem atít industrializados de consumo chegam até lá com
e, as mulheres, itó.
mais parcimônia. Apesar do cobertor coexistir com
o fogo sob as redes para aquecer as noites frias,
a televisão ter chegado para inibir as narrativas
orais e o futebol concorrer com o treino para o
Itó huka-huka, parece que os Aweti estão em maior
sintonia com sua cultura tradicional, suas festas,
sua produção agrícola e com o manejo das roças,
se compararmos com a situação de 20 anos atrás.
Talvez isso se explique pelo fato das gerações mais
fotos: reprodução/índios do
brasil - cabeceiras do xingu,
rio araguaia e oiapoque.

jovens perceberem que a manutenção dos traços


culturais de seu povo pode conviver com tecnologia,
Atít escolarização e outras inovações.

76 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

povo AwetI
A redução demográfica no início do século XX
saiba que
marcou esse grupo. Várias tradições foram interrom-
pidas e, durante décadas, houve falta de conhecedores
para a execução de grandes festas e rituais. Só em S Muito provavelmente, os Aweti
chegaram ao Alto Xingu depois que
1998 os Aweti voltaram a festejar um kuarup e, em os povos karib altoxinguanos (os
2002, um jawari. Mesmo assim, os jovens da aldeia antepassados dos atuais Kuikuro,
estão crescendo sem conhecer uma série de rituais, Kalapalo, Matipu e Nafukuá)
ali se instalaram ao lado de grupos
vários dos quais ainda dinâmicos em aldeias vizinhas. aruak previamente estabelecidos
na área (ancestrais dos Waurá,
Modos de vida Mehinako e dos extintos
custenaus), mas possivelmente
Nos trabalhos do dia a dia há uma clara divisão um pouco antes da chegada
de trabalho e funções entre homens e mulheres. A dos antepassados dos atuais
maioria das atividades do cultivo e especialmente do Yawalapiti e Kamaiurá. Isso
processamento da mandioca são dever das mulheres, sugere que a entrada dos Aweti na
região, e sua própria fixação em seu
cabendo aos homens o trabalho de derrubada das território atual, tenha se dado antes
roças. A fabricação das redes é domínio das mulheres. de 1750, quando, recém chegados,
Os homens produzem armas, bancos e a maioria dos se acomodaram na teia de relações
pacíficas que ligava os ocupantes
objetos simbólicos, usados nos rituais. Alguns ador- tradicionais do Alto Xingu.
nos, especialmente não tradicionais e com potencial
de comercialização, são produzidos por ambos os S Essa acomodação exigiu uma
transformação cultural. Segundo
sexos. Em geral, mulheres podem possuir e negociar suas narrativas, foi preciso “virar
seus bens da mesma forma que os homens, e ambos gente", deixar de ser waraju
participam de encontros rituais de troca. Para a pro- (índio), ou seja, não xinguano:
dução do sal, o trabalho das mulheres é significativo, abandonar a ferocidade e a guerra.
Essa mudança envolveu também a
mas elas sempre contam com a ajuda dos homens adoção de um modo de vida e um
para algumas etapas. complexo de práticas rituais que
É comum que os jovens tenham diferentes parcei- constitui o patrimônio comum das
etnias da região, ao qual os grupos
ros antes de casar-se. Há namoros não assumidos (in- formadores dos Aweti também
clusive não tolerados por parte dos pais, por exemplo, deram sua própria contribuição.
por razões políticas) e namoros oficiais, que podem
ser considerados como um tipo de noivado. O noivo
passa o tempo livre com a moça, os dois conversam
muito e se conhecem aos poucos. Também há casos
em que o casamento é arranjado entre os pais muito
tempo antes de os noivos atingirem a idade de casar.
Ao casar-se, o noivo vai morar na casa dos pais da
noiva, passando a conviver com cunhados, sogro e
sogra. Para compensar, o noivo deve cumprir o que
a antropologia chama de serviço-da-noiva: o jovem
passa a trabalhar intensamente para o sogro até o
período em que ele consolidará sua própria família,
geralmente quando tiver o segundo filho.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 77


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

Ikpeng ALdeIAs
IkPeng

Fontes: Terras Indígenas e aldeias (ISA, 2011); Hidrografia (SIPAM/IBGE, 2004)


O

gu
s Ikpeng vieram para a região dos rios formado-

Xin
Rio
res do Xingu no início do século XX, quando
viviam em estado de guerra com seus vizinhos PIX
altoxinguanos. O contato com o mundo não indígena
foi ainda mais recente, no início da década de 1960, e
teve consequências desastrosas para sua população, que

ro
nu
Ro
foi reduzida a 38 indivíduos em razão de doenças e morte

Rio
por armas de fogo. Foram então transferidos para os
limites do Parque Indígena do Xingu. Ikpeng é a auto-
denominação deste grupo, que também é conhecido por
Tchicão ou Txicão, nome recebido por um grupo hostil
com os quais entraram contato e o qual eles rejeitam. Há
mais de uma versão contada pelos índios sobre a origem LínguA: fAMÍLIA KArIB

do nome Ikpeng. A maioria afirma que este é o nome de PoPuLAção: ~460

uma vespa raivosa, cujas larvas eles friccionam contra a tAmbém conhecIdos Por: TXIcão

pele em um ritual guerreiro. outrAs grAfIAs: TXIKão, TcHIcão

andré villas-bôas/isa

Ritual de iniciação ikpeng, tatuagem.

78 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

rosana gasparini/isa

povo IkPeng
Hoje são cerca de 460 pessoas
e mantêm relações de aliança com
as demais aldeias do Parque, mas
constituem uma sociedade bastante
peculiar. Já não guerreiam mais,
contudo ainda mantêm no cerne
de sua visão de mundo a guerra
como motor não apenas da morte,
mas de substituição dos mortos
pela incorporação do inimigo no
seio do grupo, sendo assim tam-
bém reprodutora da vida social. Competição de flechas
Por volta de 1850, os Ikpeng ocuparam uma área na aldeia Moygu.
caracterizada por muitos rios convergentes, onde guer-
rearam com uma série de grupos. A descrição que fazem
de certos recursos naturais (como castanha) e de aciden-
tes geográficos, bem como as evidências sobre nomes e Você sabia?
características dos seus inimigos, permitem supor que o
local é a bacia do Teles Pires-Juruena.
Pouco antes de 1900, pressionados por seus adver- S A maioria dos Ikpeng possui
individualmente uma
sários, que, por sua vez, eram pressionados pelo avanço impressionante lista de nomes
da frente de colonização ao longo do rio Teles Pires, os (uma dúzia em média). A cadeia
Ikpeng atravessaram a Serra Formosa, barreira natural que de nomes de cada um é recitada
em um ritual (orengo eganoptovo:
assinala a divisão entre as bacias do Teles Pires-Juruena e “recitação de nomes”) relacionado
do Alto Xingu. Nessa região, parecem ter se confrontado com a cerimônia do regresso de
novamente com os inimigos do Teles Pires – Abaga e uma expedição guerreira bem
sucedida. ou então é recitada em
Kumari – além de um grupo que chamaram de Pakairi, ocasiões muito formais em que um
cuja composição incluía “brancos e alguns negros”. Na “grande” (não obrigatoriamente o
verdade, trata-se dos Bakairi de Paranatinga, que já viviam “chefe”) expressa a fala do grupo,
as consequências do contato com os não índios, vestidos através de formas especiais. neste
caso, começa o discurso pela
como brancos e criando gado. proclamação dos seus nomes e
Em 1964, os irmãos Villas Bôas os encontraram no vai repetindo diversas vezes, para
rio Jatobá, numa situação bastante precária, doentes e acentuar o que diz. cada cadeia
de nomes chama-se orengo e
subnutridos. Procuraram então auxiliá-los e lhes forne- é composta por um nome mais
ceram instrumentos de metal. Mas os grupos não indí- comum e importante, o emiru –
genas que invadiram a região ameaçavam cada vez mais adquirido numa fase adiantada
da vida, sempre depois da morte
a sua existência, trazendo-lhes novas doenças. Assim, em dos pais –, e nomes imon – que
1967, os Ikpeng aceitam a transferência para dentro dos são dados desde o nascimento.
limites do Parque do Xingu. o processo de nomeação é
A maioria dos Ikpeng vive em uma única aldeia, cumulativo, já que ao longo da
vida um indivíduo costuma ser
chamada Moygu, no médio Xingu, a 15 minutos de nomeado diversas vezes e retém
caminhada do Posto Indígena Pavuru, criado pela Funai todos os nomes.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 79


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo IkPeng

em 1984. Este posto é administrado pelos Ikpeng (CTL


saiba que
Pavuru), constituindo quase uma outra aldeia, onde
vivem as famílias dos funcionários indígenas - chefe
de posto, assistentes de saúde, motorista de barco etc. S de modo geral, os Ikpeng são
muito envolvidos na defesa do
Há ainda uma família ikpeng responsável pelo Posto território do Parque, vigiando e
de Vigilância Ronuro, próximo à região tradicional apreendendo invasores, como
ikpeng, no limite do PIX com o rio Jatobá. madeireiros e pescadores. Mas
o principal alvo desse povo
Modos de vida tem sido a reconquista de seu
território anterior à transferência
A organização da sociedade ikpeng é divivida em para o Parque, na região do rio
Jatobá, contígua ao PIX, mas que
três grandes níveis: o povo, a casa e o fogo. Não existe está fora de seus limites. Em
para os Ikpeng uma expressão que designe exatamente o setembro de 2002, foi realizada
“povo” enquanto comunidade de língua e cultura. Esse uma expedição a esse território,
conceito é dimensionado quando eles se projetam em com fins de reconhecimento e
para trazer recursos como plantas
particularidades como a de falar uma só língua (tximna medicinais e conchas para a
muran), o que costuma ser valorizado através da desig- confecção de brincos, uma de
nação tempano, “conjunto dos homens”, sobretudo em suas marcas características.
contextos cerimoniais e solenes. Na presença de um não S Parte desse território tradicional
ikpeng, emprega-se preferencialmente o “nós” exclusi- Ikpeng está ocupada por
vo, txmana, que se opõe ao conjunto dos estrangeiros lavouras de grãos. Mesmo assim
eles reivindicam e pretendem
ou inimigos (uros). Como referência, diz-se também recuperar essas terras.
ompan Ikpeng ninkun, que significa “todos os Ikpeng”.
O segundo nível é o grupo doméstico, o das várias
famílias nucleares ou unidades domésticas que habitam

A morte A morte, para os Ikpeng, nunca é a ser bem tratado e motivo de prestígio
um fenômeno natural, acidental ou contin- para a família que o adotou e que procura
gente. Resulta sempre da ação, direta ou ridicularizar sistematicamente sua cultura
indireta, do estrangeiro-inimigo (uros). O de origem, exaltando a dos Ikpeng. Como
inimigo não é uma entidade abstrata, mas resultado, muitos capturados recusaram-se
são pessoas próximas à aldeia, geralmente a voltar para o grupo de origem, mesmo
grupos vizinhos. Como são raríssimos os ca- quando as circunstâncias o permitiriam.
sos de homicídio entre os Ikpeng – e, quan- Nesse sentido, pode-se nascer Ikpeng
do sucedem, acredita-se que o assassino (quando os pais o são), mas também
tenha sido possuído pelos espíritos e não pode-se passar a ser Ikpeng por captura
soubesse o que fazia –, o mal voluntário só ou incorporação, porque se substitui um
existe, e sempre existe, entre os inimigos. Ikpeng que morreu. O número de cativos
No entanto, o inimigo, uma vez capturado, é incorporados à sociedade ikpeng, porém,
incorporado à sociedade ikpeng, passando é muito pequeno.

80 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

povo IkPeng
O modelo da aldeia dicam, sob um estrito tabu, ao fabrico do
ikpeng tem como centro cerimonial a “lua” toucado otxilat, que representa a principal
ou praça ritual, que forma uma elipse com indumentária do guerreiro.
dois fogos. Nela há ainda uma cabana Em geral, os grandes rituais ikpeng se
coberta com um teto de duas águas e sem passam nessa praça central e marcam as
parede, o mungnie, que não é uma casa de passagens da vida, a maior parte das vezes
homens, como no modelo altoxinguano, envolvendo todos da aldeia. Na fase final
pois as mulheres podem ter acesso. Este do ciclo de iniciação (que culmina com a
é o local para a produção de artefatos tatuagem feita no rosto de meninos de oito
da cultura material – melhor iluminado a dez anos), por exemplo, os caçadores
do que a escuríssima casa de habitação regressam das várias semanas passadas
–, a sala de ensaio para os preparativos na floresta carregados de peças de caça
cerimoniais, o local onde amigos podem moqueada, a qual é trazida em um imenso
beber e comer fora do grupo doméstico cesto, com o auxílio de uma faixa frontal e
e, por fim, o “arsenal” onde alguns se de- de redes suplementares, que é depositado
na praça para a distribuição.
Os circuitos cerimoniais são
casa ikpeng. andré villas-bôas/isa

sempre elípticos, uma vez que os


itinerários da dança rodam em tor-
no de dois pontos, dos quais um é
o centro da casa e o outro o centro
do mungnie. Isso acontece mesmo
quando a aldeia é constituída de
várias casas e o mungnie fica no
centro. Cada casa compõe com ele
um circuito de dança elíptico.

a mesma casa. Os grupos que compartilham o fogo, que


Você sabia?
serve para cozinhar e aquecer nas noites frias, constituem o
terceiro nível reconhecível da sociedade ikpeng, geralmente
S A utilização dos diversos nomes
composto pelo marido, esposa e filhos (biológicos e eventu- pelos Ikpeng opõe-se à dos apelidos,
almente adotivos). Tanto o homem como a mulher podem que são cognomes afetuosos,
ter mais de um cônjuge, que também partilha do fogo. zombeteiros ou ocasionais. Apelido
é amut, termo que designa um tipo
A guerra é uma questão central na cultura ikpeng, de objeto de enfeite de uso jocoso.
presente nos mitos e na visão de mundo desse povo. A maioria dos Ikpeng possui um
Poucas vezes a finalidade da guerra é a obtenção de bens. apelido, que são as designações
A sua principal orientação é vingar a morte. Para os mais utilizadas no cotidiano, em
detrimento dos nomes. ou seja,
Ikpeng, é a feitiçaria dos inimigos que provoca a morte, apesar de todos possuírem muitos
e os prisioneiros de guerra são substitutos dos defuntos. nomes, seu uso cotidiano é raro.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 81


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

kalapalo ALdeIAs
kALAPALo

Fontes: Terras Indígenas e aldeias (ISA, 2011); Hidrografia (SIPAM/IBGE, 2004)


A

gu
s antigas aldeias kalapalo ficavam mais ao sul

Xin
Rio
de sua localização atual, em ambas as margens
do rio Culuene. Os Kalapalo mudaram-se com PIX
relutância para onde estão hoje, depois que, em 1961,
foram estabelecidas as fronteiras do Parque Indígena
do Xingu e outros grupos foram encorajados a morar
nas proximidades do Posto Indígena Leonardo. Essa

Rio
foi a estratégia utilizada pelos irmãos Villas Bôas para

Cu
lue
controlar o contato desses índios com estranhos e

ne
obter ajuda médica em caso de epidemias. Ainda
assim, os Kalapalo constantemente retornam ao seu
território tradicional para colher pequi em torno
das velhas aldeias, ou para procurar caramujos para
confeccionar ornamentos de conchas, pescar e fazer
roças de mandioca, batata doce e algodão em vários LínguA: fAMÍLIA KArIB

lugares no curso do Culuene. PoPuLAção: 385

camila gauditano/isa

Confecção de esteira por mulher kalapalo.

82 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

camila gauditano/isa

povo kALAPALo
coLAres feitos
com caramujos, cuja carapaça é recortada em
pequenos quadrados, perfurados um a um para a
passagem do fio de algodão. O arredondamento é
feito depois que cada quadrado já foi passado no
fio, pela fricção do cordão já enfiado, em pedras
com textura de lixa, geralmente retiradas do leito
de lagoas ou rios.

O nome Kalapalo possivelmente tem origem em


uma expressão em aruak, que quer dizer “outro lado”.
Membros de uma expedição teriam perguntado aos
Waurá onde poderiam encontrar outros índios e, ao
escutarem o termo kalapalo para indicar o outro lado Confecção de fios de buriti.
do rio, acharam que era o nome do povo. Outra refe-
rência possível é uma aldeia abandonada com esse nome
cujos moradores foram para um sítio vizinho chamado
Kwapïgï, que, por sua vez, foi sucedido pela aldeia
Kanugijafïtï, abandonada em 1961. Todos esses sítios
estão localizados a cerca de meio dia de caminhada na
saiba que
direção leste do Culuene, ao sul da confluência com o
rio Tanguro. Os últimos remanescentes de um grupo
karib importante, chamado Anagafïtï, juntaram-se aos S É central para a vida social
dos Kalapalo um ideal de
habitantes de Kanugijafïtï depois da epidemia de gripe comportamento chamado ifutisu,
na década de 1940, quando havia indivíduos Kuikuro, que remete a um conjunto de
Mehinako, Kamaiurá e Waurá vivendo entre os Kalapalo. argumentos éticos pelos quais
os Kalapalo distinguem os povos
Assim, o que chamamos hoje Kalapalo é uma co- do Alto Xingu de todos os outros
munidade composta de pessoas cujos ancestrais foram seres humanos. Em um sentido
associados a diferentes comunidades, com uma maio- mais geral, ifutisu pode ser
ria oriunda ou descendente de pessoas que viveram definido como uma ausência
de agressividade pública – por
em Kanugijafïtï. Dentro do Parque do Xingu, seus exemplo, ser habilidoso para
vizinhos Kuikuro, Matipu e Nafukuá também falam falar em público e não provocar
dialetos da mesma língua. situações que causem desconforto
aos outros – e pela prática
Surtos de sarampo e gripe ao longo do século XX da generosidade – como a
causaram significativa diminuição da população dos hospitalidade e a predisposição
Kalapalo, que só na década de 1970 começou a se para doar ou partilhar posses
recompor. Hoje são 385 pessoas. materiais. os Kalapalo acreditam
que a viabilidade da sociedade
Atualmente, vivem em seis aldeias, localizadas a depende do cumprimento
sudeste do rio Culuene, uma delas chamada Tanguro, desse ideal.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 83


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo kALAPALo

Espacialmente, a aldeia é concebida em termos de uma oposição


entre a praça masculina, esfera da atividade pública, e o círculo das casas, espaço femi-
nino, esfera da atividade doméstica. Tanto a aldeia como a casa servem de parâmetro
para a realização de atividades econômicas e cerimoniais.
No centro de toda aldeia kalapalo – seguindo o modelo altoxinguano – costuma haver
uma construção onde são guardadas flautas (kagutu) que só podem ser tocadas pelos
homens. As mulheres não podem nem
acervo isa

olhá-las. Nesse local, os homens se jun-


tam para trabalhar, para conversas in-
formais e para pintarem uns aos outros
antes das cerimônias. A presença das
flautas impede a entrada das mulheres
nessa construção e ao mesmo tempo
leva os Kalapalo a pensar a praça como
"posse dos homens".

rItuAL femInIno Os Kalapalo usam a nia, muitas reproduzem a estrutura das


música ritualmente como meio de comu- performances masculinas com as flautas
nicação entre domínios que eles definem kagutu, e outras simulam explicitamente a
como absolutamente separados: homens sexualidade agressiva dos homens diante
e mulheres, seres humanos e seres pode- de certas mulheres.
rosos, adultos e crianças pequenas. Essa A origem mitológica do yamurikumalu
comunicação é feita principalmente para descreve como as inventoras originais
mostrar aos ouvintes o poder desses se- da música adquiriram pela primeira vez
res, assim como para usar os poderes dos o pênis, a destreza para atrair outras
ouvintes para desarmar temporariamente mulheres e a habilidade para controlar o
os seres poderosos. poder sobrenatural por meio da aplicação
Um exemplo que expressa bem essa de várias substâncias masculinas em seus
separação é o ritual feminino yamurikuma- corpos. Essas "mulheres monstruosas",
lu (iamuricumã em sua versão tupi), onde como são designadas, transformaram-se
mulheres decoradas com ornamentos de em seres poderosos que, depois de rejei-
penas e chocalhos nos tornozelos, que tar seus papéis femininos (sedutoras de
normalmente são usados por homens, homens, provedoras, guardiãs e pajens
entoam canções nas quais se referem à de crianças), tocam as flautas proibidas,
sexualidade masculina. Há vários tipos caçam e pescam como homens e, geral-
diferentes de canções, algumas mencio- mente, exibem emoções e vocações que
nam os eventos de origem dessa cerimô- são masculinas.

84 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

povo kALAPALo
nas margens do rio Culuene e próxima ao limite leste
Você sabia?
do PIX. Alguns Kalapalo vivem nos Postos Indígenas de
Vigilância Tanguro e Culuene, onde chefes de famílias
kalapalo têm se destacado por participar ativamente na S na mitologia kalapalo, as
flautas são descritas como
vigilância dos limites do PIX para evitar a invasão de fêmeas. Sua forma e aparência
fazendeiros e pescadores. são semelhantes às do órgão
sexual feminino: sua boca é
chamada de vagina (igïdï) e
Modo de vida quando são guardadas no alto
das vigas, durante períodos
A organização social kalapalo é flexível. Eles dis- em que não são tocadas, diz-
se que estão "menstruando".
põem de algumas opções para formar os grupos e as Além disso, muitas das canções
escolhas são mais dependentes das relações pessoais acompanhadas por essas flautas
entre indivíduos do que do pertencimento a um clã, foram inventadas por mulheres no
passado e, em outras ocasiões,
a uma filiação religiosa ou a direitos e obrigações para cantadas por mulheres no
com os ancestrais, como se observa em outras etnias. presente (desde que não cantem
O pertencimento a aldeias e casas muda de tempos enquanto as flautas estão sendo
tocadas). As canções refletem
em tempos e há um movimento ocasional de algumas um ponto de vista feminino, pois
pessoas de um grupo para outro. se referem a tabus alimentares
Nas atividades cotidianas, a sociedade kalapalo tende que as mulheres devem seguir
a ser organizada em torno de grupos domésticos e de re- quando suas crianças estão
doentes, às relações com seus
des de parentes. Já em contextos rituais, a programação amantes e maridos, bem como
e a coordenação dos trabalhos envolvem relações entre às rivalidades femininas.
líderes e seguidores. Integrantes de um grupo doméstico
devem distribuir a comida entre si. Embora todo adulto
seja responsável pelo suprimento contínuo de comida,
um Kalapalo tem garantia da partilha mesmo quando
não pode contribuir. Essa obrigação de compartilhar, no
entanto, não inclui os membros das outras casas, sendo
Crianças pescando no
considerado falta de polidez explorar a boa vontade de rio Culuene, 1955.
pessoas de outros grupos.
rené fuerst

Os habitantes de cada aldeia


limpam a terra para as roças de
mandioca, colhem o que foi produ-
zido, coletam frutos nativos e explo-
ram recursos dos lagos e riachos da
região. Integrantes de outras etnias
não exploram o território kalapalo,
a menos que estejam vivendo ali
temporariamente e tenham sido ex-
plicitamente convidados para tanto.
A estrutura social é ordenada de
acordo com as estações, de forma

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 85


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo kALAPALo

fotos: rené fuerst


Mulher fazendo beiju, 1955;
que no período de chuva a comida é escassa e a vida homens tocando flautas, 1955.
ritual é quase impossível, enquanto na seca a comida
é abundante e variada, sendo as condições ambientais
perfeitas para os cerimoniais. No entanto, a vida ritual
kalapalo não deve ser pensada como oposta à vida
cotidiana, porque ela toma muito tempo e envolve
relações produtivas muito complexas.
A dieta alimentar dos Kalapalo não difere da de
seus vizinhos altoxinguanos. No entanto, a alimenta-
ção tem uma dimensão muito significativa, porque,
para eles, é o conjunto de práticas alimentares que faz
a distinção entre as categorias de seres humanos. Os
Kalapalo distinguem os “seres humanos do Alto Xingu”
(kuge) de “outros seres humanos” (anikogo). Estes são
geralmente portadores de comportamento agressivo
(ifitsu). As "coisas viventes" (ago) são classificadas de
acordo com a comestibilidade.
Os Kalapalo geralmente rejeitam animais terrestres
"peludos", que eles chamam de nene, e comem aqueles
Você sabia?
que eles chamam de kana, criaturas aquáticas (espe-
cialmente os peixes). Além desse princípio geral, há
restrições específicas para pessoas em situações de crise S os Kalapalo falam dialetos de
uma língua que pertence ao ramo
de vida, particularmente os adolescentes. A importância da Guiana Meridional da família
desse sistema alimentar é reforçada pela ideia kalapalo linguística karib. Isso significa que
de que a aparência física é uma marca dos sentimen- seus parentes linguísticos mais
próximos são os ye'kuana, que
tos internos; assim, a beleza física, acompanhada pela habitam o sul da Venezuela e o
obediência a restrições alimentares e práticas médicas, norte de roraima, e os Hixkaryana,
é um sinal de beleza moral. presentes na região das Guianas.

86 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

kamaiurá ALdeIAs
kAmAIurá

Fontes: Terras Indígenas e aldeias (ISA, 2011); Hidrografia (SIPAM/IBGE, 2004)


S

gu
egundo os Kamaiurá, seus antepassados vieram

Xin
Rio
de Wawitsa, local onde desembocam os principais
formadores do rio Xingu, ao lado de Morená, PIX
palco central das ações míticas e “centro do mundo”
para eles. É possível que essa ainda seja a principal re-
ferência para se definirem enquanto grupo no espaço
e no tempo. A história do contato desse povo com a
sociedade não indígena remonta a 1884, com a expe-

Rio Curisevo
dição de Karl Von den Steinen.
Nessa época, eles se encontravam em uma fase
final de migração e já estavam reunidos às margens da
grande lagoa de Ipavu, localizada na confluência dos
rios Culuene e Curisevo. As razões dessa mudança para LínguA: fAMÍLIA TuPI-GuArAnI
(do Tronco TuPI)
o sul, próximo ao Posto Indígena Leonardo, parecem
ter sido conflitos com povos que habitavam o norte, PoPuLAção: ~465

particularmente os Kisêdje e os Yudjá. outrAs grAfIAs: KAMAyurá


marcello casal jr./abr

Índios kamaiurá tomando banho na lagoa Ipavu.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 87


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo kAmAIurá

A aldeia kamaiurá se- caminhos, conduzindo tanto às moradias


gue o modelo altoxinguano, com casas como aos lugares públicos, e onde se
dispostas mais ou menos circularmente, ergue a casa das flautas (tapuwi), atraves-
cobertas de sapê, de teto arredondado sada medianamente pelo “caminho do
até o chão. No centro desse espaço cir- sol”. Instrumentos de destaque na cultura
cular encontra-se um pátio ou “praça” kamaiurá, as flautas (jakui) só podem ser
(hoka´yterip) para a qual convergem os vistas e tocadas por homens.
Em frente à casa das flautas
andré villas-bôas/isa

e orientado para o leste, está o


banco da roda dos fumantes,
onde se reúnem os homens
para contar os acontecimen-
tos do dia ou para discutir
assuntos específicos – como
a preparação de uma pesca
coletiva, participação na cons-
trução de uma casa, limpeza
coletiva da praça ou preparo
de uma festa próxima.

A recLusão nA PuberdAde A formação Nos períodos de liberdade que intercalam


da pessoa kamaiurá implica um período de o tempo de reclusão, os pais procuram evi-
reclusão na puberdade. No caso dos ho- tar que o jovem tenha experiências sexuais,
mens, passam a receber sistematicamente pois seu vigor pode ser comprometido. Os
ensinamentos sobre as técnicas de trabalho pais procuram adiar o início da vida sexual
masculino. O jovem aprende como costurar do filho até que ele tenha se tornado um
a pena na flecha, fazer pente, trançar cesta e bom lutador.
fazer cocar. Paralelamente, é treinado regu- Já a jovem entra em reclusão por
larmente na luta de huka-huka. A reclusão ocasião de sua primeira menstruação,
é tanto mais prolongada quanto maiores as quando aprende a fazer esteira, tecer
responsabilidades sociais que deve assumir rede e a executar tarefas femininas no
na comunidade, de modo que possíveis preparo dos alimentos. Sua reclusão não
líderes podem estender seu período de dura mais do que um ano, período no qual
reclusão por até cinco anos, intercalados ela não corta os cabelos (ficando a franja
por curtos períodos de liberdade. crescida por sobre os olhos). Ao sair, com
Assim, quanto mais prolongada a re- um novo nome, é considerada adulta e
clusão, maiores os benefícios para o rapaz. pronta para o casamento.

88 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
reprodução/unter den naturvölkern zentral-brasiliens.

povo kAmAIurá
Você sabia?

S Em suas narrativas sobre a


criação, os Kamaiurá explicam
que eles e os não índios foram
concebidos como irmãos gêmeos
por Mavutsinim, o criador,
cuja intenção era formar uma
grande aldeia no Morená. Este
é considerado até hoje um local
sagrado, onde se deu a origem
do mundo. numa das versões
Mulheres kamayurá na expedição Steinen, 1887. que explicam a separação entre
índios e não índios está a de
que Mavutsinim chamou os dois
irmãos apresentando-os a dois
Daí por diante, várias expedições percorreram a objetos que havia-lhes fabricado:
região em visitas intermitentes. Em 1942, com a cria- um arco e uma arma de fogo.
ção da Fundação Brasil Central, inicia-se a abertura de Para o kamaiurá destinou a
arma de fogo e para o branco, o
estradas e o estabelecimento de acampamentos na área. arco. Mas o kamaiurá não quis,
Em 1946, os Kamaiurá já atingidos por essa penetração preferindo insistentemente
passam a ter contatos regulares com os membros da ficar com o arco. Mavutsinim
advertiu-o a ficar com a arma
Expedição Roncador-Xingu, liderada pelos irmãos Villas de fogo, mas foi em vão. diante
Bôas. Finalmente, em 1961, o território que habitam disso, não conseguiu levar
converte-se em Parque Nacional. adiante o projeto de formar uma
única grande aldeia e se viu
Hoje vivem em três aldeias. Uma que existe desde a obrigado a repartir em dois todas
época em que o PIX foi criado, a cerca de 10 quilômetros as coisas que existem. Para os
ao norte do Posto Leonardo, na beira da lagoa Ipavu. Kamaiurá destinou o beiju, o
peixe e os demais artefatos que
As demais são a Morená, na beira do rio Xingu, bem sabem confeccionar até hoje.
no ponto de confluência dos rios Culuene e Curisevo, os não índios, por sua vez,
e a Jacaré. Atualmente, somam em torno de 465 pes- ficaram com o arroz, o machado
soas, o que demonstra um significativo crescimento e uma infinidade de bens que
os Kamaiurá não possuem,
demográfico em relação ao início da década de 1970, consequência da má escolha
quando eram 131. de seu ancestral.

No sistema altoxinguano de trocas especializadas, a


produção de arcos era atribuída aos Kamaiurá. Mas a introdução de armas de fogo na
área afetou bastante a utilidade do arco, que hoje é mais um símbolo do grupo do que
artigo de troca. As mulheres kamaiurá, no entanto, são exímias tecelãs das redes de
dormIr , feitas de fibra de buriti, muito valorizadas nas trocas comerciais intertribais. Os
homens se autodesignam especialistas em cestaria, arremessadores de flechas no jawari
e na feitura da flauta jakui. Eles dizem ainda ser os melhores na construção de casas.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 89


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

Modo de vida
povo kAmAIurá

marcello casal jr./abr


Os moradores de uma casa organizam o trabalho
de produção de mandioca sob a coordenação do dono
da casa. Tanto na abertura da roça como na colheita, o
trabalho pressupõe cooperação entre o grupo doméstico,
mesmo que cada família nuclear possua sua própria roça.
Os homens preparam a roça e as mulheres retiram a
mandioca do solo. Várias delas participam da colheita
de uma mesma roça. Na aldeia, a mandioca é proces-
sada pela mulher, que dela extrai a polpa e o polvilho,
ambos ingredientes fundamentais para o preparo do
beiju. Outro alimento que se obtém da mandioca é o
mohete, caldo grosso e adocicado que resulta da fervura
da água que lavou a polpa.
Assim como o processamento da mandioca, a ela-
boração do beiju é tarefa feminina. Várias vezes por dia
ativa-se o fogo sob a chapa de cerâmica onde se assa o Dança em homenagem aos
beiju. Ali mulheres se alternam ora assando apenas para o mortos durante o kuarup.
marido e filhos, ora para todos os moradores. Na coleta,
o trabalho é usualmente coletivo e envolve a participação
de mulheres e crianças. Os principais produtos são mel,
pequi, jenipapo, mangaba, formigas, ovos de tracajá e
lenha. Dentre eles, a castanha extraída do pequi destaca-
se dos demais como alimento cerimonial distribuído
por ocasião do kuarup. Come-se beiju a toda hora: com
saiba que
peixe assado ou ensopado, apenas com pimenta, puro ou
dissolvido na água, ou ainda sob a forma de cauim. O
S Para os Kamaiurá, quando o índio
peixe, juntamente com o beiju, é o principal alimento morre, sua alma vai para uma
kamaiurá (assim como dos demais altoxinguanos), sendo aldeia celeste, réplica da aldeia
a única fonte regular de proteína animal. terrena. Mas lá a vida é diferente:
as almas andam sempre
Enquanto na seca o peixe faz parte da dieta de todo enfeitadas, não trabalham,
dia, nas chuvas sua relativa escassez é compensada com só dançam e jogam bola; não
alimentação mais variada, como milho, mamão, abó- se come peixe ou beiju, mas
grilo e batata. Assim, quando
bora, entre outros. A caça de algumas aves e pequenos alguém morre, deve-se enterrá-
animais, assim como a coleta de frutos silvestres, cola- lo enfeitado para que sua alma
boram para uma alimentação variada, mas têm papel assim permaneça. Acompanham
o corpo flechas, se for homem,
secundário na produção de alimentos. e fuso, se for mulher – pois as
almas precisam se defender dos
ataques dos passarinhos que,
em encontros periódicos, tentam
sAIbA mAIs: Seeger, Anthony. Os índios e nós. Estudos sobre as arrancar-lhes pedaços para levar
sociedades tribais brasileiras. rio de janeiro, editora campus, 1980. ao gavião. Alma sem defesa é
morta e acaba de uma vez.

90 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

kawaiweté ALdeIAs
kAwAIweté

Fontes: Terras Indígenas e aldeias (ISA, 2011); Hidrografia (SIPAM/IBGE, 2004)


ias
rra

gu
A
Rio

Xin
Rio
onsiderados até as primeiras décadas do século
XX como “bravios e indômitos”, os Kawaiwe-
té, também conhecidos por Kaiabi, resistiram PIX
com vigor à ocupação de suas terras pelas empresas
seringalistas que avançavam pelos rios Arinos, Alto
Teles Pires e Verde, na última década do século XIX.
Muitos conflitos ocorreram com seringueiros, viajantes
e funcionários do Serviço de Proteção aos Índios (SPI)
ao longo da primeira metade do século XX. Contudo,
aos poucos a área kaiabi foi sendo ocupada e os índios
induzidos para o trabalho nos seringais. LínguA: fAMÍLIA TuPI-GuArAnI
Depois da extração do látex, viriam a retirada de (do Tronco TuPI)
madeira e a implantação de fazendas. A partir da dé- PoPuLAção: ~1.190
cada de 1950, grande parte da região seria retalhada tAmbém conhecIdos Por: KAIABI
em glebas e alienada pelo governo de Mato Grosso outrAs grAfIAs: KAyABI, cAIABI,
cAyABI, cAJABI, KAJABI
acervo isa

Kawaiweté participam de festa jowosi.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 91


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo kAwAIweté

simone athayde/isa
para fins de colonização. Nesta época (1949), chegou
à região do rio Teles Pires a Expedição Roncador-Xingu
comandada pelos irmãos Villas Bôas.
A Expedição encontrou os Kaiabi em uma situação
conflituosa. A atuação do SPI na área era incapaz de
assegurar a sobrevivência cultural do grupo, atuando
muitas vezes conjuntamente com as empresas serin-
galistas no recrutamento dos índios para trabalhar na
extração de látex. Restava a integração nos seringais e
a proposta apresentada pelos Villas Bôas: mudar para o
Parque Indígena do Xingu. A alternativa da mudança
prevaleceu entre uma parte significativa dos Kaiabi e
tomou corpo devido à atuação de Prepori (ver pág. 24),
um dos principais líderes do grupo na época.
Assim, os Kaiabi foram aos poucos se dirigindo ao
Parque, até que em 1966 uma parte dos índios que ain- Borduna com acabamento de arumã.
da moravam na região do rio dos Peixes foi transferida
de avião, naquela que ficou conhecida como “Operação
Kaiabi”. O processo deixou marcas profundas e dividiu
esses índios que, até hoje, lamentam ter abandonado saiba que
suas terras imemoriais.
onde estão hoje S Hoje, os Kawaiweté estão
empenhados em um movimento
No PIX, os Kawaiweté estão espalhados por diversas de recuperação de suas áreas
aldeias localizadas na região do Posto Indígena Diaua- de ocupação tradicional nos
rum, porção norte do Parque e território habitado ante- rios Teles Pires e dos Peixes.
nesse sentido, vêm há vários
riormente pelos Yudjá e Kisêdje. Somam cerca de 1.190 anos solicitando à Funai a
pessoas e são a etnia com maior população no PIX. constituição de um Grupo
A pequena parcela da população que se recusou a ir de Trabalho para identificar
oficialmente as áreas em que
para o Parque permanece até hoje em uma pequena área estavam antes da mudança para
que divide com alguns remanescentes Apiaká, localizada o PIX. cansados de esperar pelo
no rio dos Peixes (TI Apiaká-Kayabi). Outra pequena órgão oficial, realizaram por conta
parcela dos Kaiabi vive atualmente no Baixo Teles Pires, própria expedições para avaliar
a situação em que se encontram
em uma terra indígena localizada já no estado do Pará, suas terras. como grande parte da
para onde foram sendo empurrados pela ocupação de área está densamente ocupada e
sua terras (TI Cayabi e TI Cayabi Gleba Sul). devastada, decidiram reivindicar
à funai a demarcação de uma
A origem do nome Kaiabi perde-se no tempo e hoje faixa de terra contígua ao limite
os próprios índios não sabem dizer de onde surgiu e oeste do PIX como reparação
qual seu significado. Por conta disso, atualmente os das imensas perdas sofridas
Kaiabi do PIX passaram a autodesignar-se Kawaiweté com a transferência. Até agora
continuam lutando pela efetiva
que, segundo eles, significa “gente verdadeira”, em implementação do GT que deverá
oposição a kawaip, os “outros”. estudar sua reivindicação.

92 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

povo kAwAIweté
Em comparação com os grupos tradicionais do Alto
Você sabia?
Xingu, os Kawaiweté se destacam pela prática de uma
agricultura forte e diversificada (ver Conhecimento
Indígena, p. 141), e por sua participação ativa no mo- S Segundo contam os Kawaiweté,
uma vez Tuiararé, o criador deste
vimento indígena organizado em defesa dos interesses povo, viajou de sua aldeia até o
das etnias do Parque. rio Xingu para buscar cana brava e
conheceu vários animais e plantas
pelo caminho. uns conversavam
Modos de vida com ele e outros queriam matá-lo,
como o muriçocão, que chupa todo
O trabalho, em geral, segue um padrão muito co- o sangue das pessoas.
mum entre os índios no Brasil: os homens abrem a roça,
S Quando Tuiararé estava voltando,
caçam, pescam e fabricam utensílios necessários para a encontrou uma casa no caminho
realização de suas atividades. Além disso, constróem suas e entrou. Mas não sabia que
casas, buscam e transportam lenha, coletam mel e sabem era a casa das cobras. Ele ficou
trancado lá, com as cobras
construir canoas. As mulheres plantam, colhem e trans- ameaçando devorá-lo. Tuiararé
portam os produtos da roça, preparam os alimentos, fiam ficou tentando enganar a cobra
o algodão para confeccionar redes e tipoias (faixas para maior, falando que ia chamar
vários animais para matá-la. Ela
carregar crianças) e fabricam pulseiras e colares a partir dizia que já tinha comido todos.
da amêndoa de diversos tipos de palmeira. Em conjunto, Aí, ele imitou o canto do acauã, o
homens e mulheres coletam e transportam frutos, cuidam grande gavião devorador de cobras.
Ela ficou atordoada e assustada.
das crianças e da criação de animais domésticos. Enquanto isso, Tuaiararé pegou
A maior parte da caça e da pesca é obtida pelo um pedaço de peneira desenhada
grupo de moços solteiros, a quem cabe, como uma das que estava na parede da casa
principais responsabilidades, prover as famílias com e fugiu rapidamente. foi assim
que os Kawaiweté conheceram os
carne fresca. Cabe às mulheres o preparo, depois que desenhos de peneira que usam
o homem limpou e esquartejou a presa. Os Kawaiweté até hoje.
simone athayde/isa

acervo isa

Mulheres tecendo tipoias. Peneira kawaiweté.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 93


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo kAwAIweté

eXPedIção Ao AntIgo terrItórIo Em Os índios, no entanto, saíram de lá satis-


1999, um grupo de homens e mulheres feitos por terem voltado ao centro do mundo.
kawaiweté que mora no PIX viajou até a Isso porque, segundo contam, Tuaiararé,
terra de seus parentes no rio dos Peixes, o criador do povo kaiabi, saiu viajando em
nos municípios de Juara e Tabaporã (MT), e busca de aventuras e de outra mulher. A
com eles empreenderam uma expedição rio dele, durante o dia, era um cisco dos talos de
acima pelo seu antigo território. O objetivo arumã que ele usava para fazer as peneiras e,
era recolher uma argila (que chamam tujuk) de noite, se transformava em mulher. Apesar
e revitalizar a arte cerâmica, praticamente de Tuaiararé pedir para a mãe não varrer a
perdida entre eles desde a década de 1960. casa, isso aconteceu e a mulher sumiu.
À medida que a expedição adentrava no Foi quando ele saiu pelo mundo. Casou-
coração do antigo território e os mais velhos se com uma índia Munduruku, mas descobriu
apontavam a localização de suas antigas que ela o traía com outro homem e matou
aldeias e outros locais importantes, porém, os dois. A mãe dela descobriu e o cunhado
eles constatavam as profundas alterações na passou a perseguir Tuaiararé, que fugira. Ele
paisagem, incluindo a eliminação de matas correu muito, até chegar ao local onde seria a
ciliares em vertentes íngremes e a poluição sua aldeia, que corresponde à região entre os
do rio. As duas tentativas de localizar a lagoa vales dos rios dos Peixes, Arinos e Teles Pires.
onde ocorre o barro frustraram-se, pois os Foi aí que criou os Kaiabi, transformando
anciões não conseguiram encontrar os locais. plantas e animais em gente.

Antes da transferência por 24 de comprimento e sua cobertura


para o PIX, as casas kawaiweté eram bem de palha ia até o chão. No PIX, passaram
grandes, pois abrigavam todos os mem- a construir casas pequenas com paredes
bros de uma família extensa. Essas casas de troncos, medindo aproximadamente
mediam em torno de 12 metros de largura a metade de uma casa tradicional. Mas
mantiveram o padrão de assentamento
pedro martinelli/isa

caracterizado pela dispersão de casas de


pequenas unidades familiares.
Algum tempo depois, os aldeamentos
kawaiweté passaram a se agregar em uni-
dades maiores, destoando do padrão de
isolamento observado em suas regiões de
origem. A reunião em grandes aldeias foi
claramente encorajada pelas administra-
ções do Parque do Xingu, com o intuito prin-
cipal de facilitar os tratamentos de saúde.

94 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

povo kAwAIweté
Os Kawaiweté são exímios AgrIcuLtores, possuindo
uma grande variedade de plantas cultivadas. Suas especialidades artísticas são as
peneiras de arumã desenhadas e cujo

acervo isa
trançado forma uma grande variedade de
padrões gráficos que representam figuras
da rica cosmologia e mitologia do grupo.
Bordunas com empunhadeira trançada,
enfeites (colares, pulseiras e anéis) de
tucum e inajá, tecelagem e bancos de
madeira com desenhos característicos,
sempre muito bem acabados, têm sido
bastante valorizados no mercado de ar-
tesanato indígena. Colheita de amendoim.

acervo isa
trocam entre si a maior parte dos gêneros alimentícios
de acordo com regras bastante rigorosas.
O momento da refeição também obedece a um
sistema de distribuição e prova do alimento entre os ho-
mens. O dono da casa distribui o alimento para outros
homens que ele escolhe de acordo com sua importância
para aquela situação. Essas pessoas provam uma parte
e aguardam que os demais homens sejam servidos.
Depois disso, o dono que começou a distribuição se
serve e dirige-se a cada homem já servido, com o seu
prato ou cuia para que provem o alimento, tirando
um pequeno bocado com seus dedos. Tudo é feito
em silêncio e de forma solene. As mulheres e crianças
observam e vão alimentar-se depois disso.
No casamento, os cônjuges vão morar na casa dos
pais da noiva. Isso reforça os laços de afinidade entre Retornando da roça.
sogros e genros. Essa regra de residência é acompanhada
da obrigatoriedade, por parte do marido, de trabalhar
junto com seu sogro e cunhados (serviço-da-noiva).
A pessoa que morre é pintada com urucum, enfei-
tada com todos os seus ornamentos e amarrada de có-
coras com os braços cruzados no peito. Nessa posição,
é deitada em sua rede e enterrada perpendicularmente
numa cova redonda dentro da casa. Depois o chão é
batido e a vida continua.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 95


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

kisêdje ALdeIAs
kIsêdje

Fontes: Terras Indígenas e aldeias (ISA, 2011); Hidrografia (SIPAM/IBGE, 2004)


gu
O

Xin
s Kisêdje concordam que em um passado lon-

Rio
Rio S
uiá-M
gínquo vieram da região do norte do Tocantins içu
TI
ou do Maranhão. Dali moveram-se em direção PIX WAWI

oeste, atravessando o rio Xingu para o rio Tapajós, onde


lutaram com uma série de grupos indígenas, incluindo
aqueles que eles identificaram como os Munduruku e
os Krenakarore (Panará). Sempre lutando, deslocaram-
se em direção ao sul. Em um determinando ponto,
dirigiram-se para o leste, em direção ao rio Batovi e
entraram em contato com o Alto Xingu. Outro grupo
Kisêdje (que veio a ser chamado Tapayuna) moveu-se em
direção aos rios Sangue e Arinos, onde foi posteriormente LínguA: fAMÍLIA Jê
(e desastrosamente) pacificado, em 1969. (do Tronco MAcro-Jê)
O primeiro contato dos Kisêdje com a sociedade PoPuLAção: 330
não indígena provavelmente se deu com a expedição de tAmbém conhecIdos Por: SuIá
Karl von den Steinen, em 1884, quando acamparam às outrAs grAfIAs: KISêdJê, Suyá

andré villas-bôas/isa.

Festa jawari na aldeia Rikô.

96 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

harald schultz

povo kIsêdje
margens do rio Xingu, no lado oposto à
aldeia. Não existe uma data precisa para
a chegada dos Kisêdje no Xingu. A partir
do comentário de alguns deles, pode-se
estimar que tenha ocorrido na primeira
metade do século XIX.
Kisêdje significa “aquele que põe fogo
no quintal", ou seja, faz roças perto da
aldeia. Começaram a adotar esta autode-
nominação em meados dos anos 1990.
Até então, eram conhecidos como Suiá. Pintando o botoque.
Formam o único grupo de língua jê que habita o PIX.
Em 1959, os irmãos Villas Bôas mandaram um
grupo Juruna (hoje chamados de Yudjá) fazer contato
pacífico com eles. Os Kisêdje referem-se a esse período
saiba que
como aquele em que "os brancos vieram nos procurar".
Pouco depois, mudaram-se para mais perto do Posto
Indígena Diauarum, por sugestão dos Villas Bôas, a fim S os Kisêdje têm se destacado
na luta pela integridade de seu
de receberem melhores cuidados médicos. território, tanto no que diz respeito
Em Diauarum, eles encontraram seus antigos inimi- a questões ambientais, quanto a
gos: os Yudjá, os Trumai e os Metyktire, assim como os pleitos pela recuperação de suas
terras tradicionais que ficaram fora
recém chegados Kawaiweté. Construíram uma aldeia de dos limites do Parque.
estilo xinguano e muitos se casaram com os Trumai. Mais
tarde, foram também feitos casamentos com homens yud- S um exemplo importante da
já e kawaiweté. Assim, os Kisêdje passaram a realizar uma atuação dos Kisêdje foi a
paralisação do desmatamento de
série de cerimônias desses povos. Na década de 1960, os fazendas localizadas na margem
jovens passaram a cortar o cabelo em estilo altoxinguano, direita do rio Santo Antônio (ou
o uso de discos auriculares e labiais foi abandonado e as wawi, na língua dos índios). Em
1994, tomaram o controle do rio,
orelhas passaram a ser perfuradas também em estilo alto-
sob protesto dos fazendeiros
xinguano. A morte de muitos homens kisêdje mais velhos afetados, e reivindicaram o
nos primeiros anos que seguiram ao contato foi um fator reconhecimento daquela região
importante nessa "xinguanização", pois não havia sobrado como terra indígena. Sabedores
de que lhes seria impossível
muitos velhos e homens adultos para assegurar a realização recuperar o domínio sobre todo o
dos ritos de passagem característicos dos grupos jê. rio Suiá-Miçu, que se estende para
Atualmente, os Kisêdje são 330 pessoas e estão dis- muito além dos limites do PIX, os
tribuídos em aldeias e postos indígenas. Ngojhwere é o Kisêdje reivindicaram de volta o
controle da sub-bacia do igarapé
nome da aldeia localizada no limite da Terra Indígena wawi, cujas cabeceiras estão
Wawi e onde vive a maior parte da população desde dentro dos limites do PIX e que
2001. Até esta data eles viviam na aldeia Rikô, desati- corre próximo aos limites originais
de seu território tradicional.
vada, mas para onde ainda vão para pegar produtos em
Vitoriosos nessa empreitada, a
suas antigas roças, além de se abastecer nos pequizais TI wawi, contígua ao Parque, foi
e mangabais. homologada em 1998.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 97


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo kIsêdje

Outra parte dos Kisêdje habita a aldeia Ngosoko,


Você sabia?
para onde se mudaram quando começaram a reivindicar
a TI Wawi, que ficou encostada nos limites da demar-
S cantar é a expressão máxima
cação do PIX. Há ainda outras pequenas aldeias cada das individualidades e do modo
uma com apenas uma família extensa. de ser da sociedade kisêdje.
O Posto de Vigilância Wawi, localizado na beira Apesar de intenso contato com
outros povos xinguanos e,
do rio com esse nome, é administrado pelos Kisêdje principalmente, com aqueles
e lá vivem duas famílias extensas. O Posto Indígena da chamada área cultural
Diauarum também é habitado por algumas famílias do Alto Xingu, os Kisêdje
Kisêdje, que atuam como funcionários da Atix e da jamais abriram mão dessa
singularidade cultural, cujo
Funai. Estas famílias também têm casas nas demais principal emblema é o estilo
aldeias, a depender do seu grupo de parentesco. particular de canto ritual.

As fAses dA VIdA Os Kisêdje são muito viver em sua casa materna. Quando nasce
tolerantes com as crianças, não esperam o primeiro filho de um casal, a esposa
que elas ouçam, compreendam, falem ou pode delimitar um espaço da casa de seus
se comportem bem. Contudo, na época da pais para tornar-se o espaço doméstico da
puberdade, espera-se que saibam ouvir as sua nova família. Aí ficam as redes, os per-
instruções e exortações de seus pais e che- tences e o fogo sob as redes, para aquecer
fes, agindo corretamente. Aproximadamen- nas noites frias. O local para cozinhar, no
te nessa idade, os Kisêdje são considerados centro da casa coletiva, é que será parti-
"sem vergonha" se não observam as normas lhado pelas diferentes unidades familiares.
relativas à atividade sexual, à distribuição Esse arranjo pode permanecer assim até o
de comida e propriedade e às restrições de casal construir sua própria casa.
alimentação e de atividade. Uma mulher é caracterizada por sua
Para um homem, as classes de idade capacidade de gerar filhos durante seus
são marcadas por elaboradas cerimônias primeiros anos produtivos. Como um ho-
de iniciação que enfatizam o rompimento mem, ela começa com pouca autoridade
dos laços com a moradia natal e a transfe- doméstica e esta aumenta à medida que
rência do menino, primeiro para a casa dos sua mãe envelhece e que tem mais filhos.
homens e, posteriormente, para a residên- As velhas são respeitadas por sua sabedo-
cia de sua esposa, onde vive com ela e com ria e são consultadas pelos mais jovens.
sua família depois de ter gerado um filho. Assim como não se exige muito mo-
Para as mulheres, existem menos ralmente das crianças, aos velhos da
classes de idade e menos elaboração ce- sociedade Kisêdje também cabe um papel
rimonial. Na puberdade, há mulheres que social distinto. Eles atuam como palhaços
ficam um período em resguardo dentro da nos rituais. Também são responsáveis por
casa, costume incorporado do Alto Xingu. eventuais cenas de humor ao final da tarde,
Depois da puberdade, a mulher continua a quando provocam risadas nos mais jovens.

98 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

povo kIsêdje
Os Kisêdje vivem em homens) e o espaço público de realização
aldeias circulares, com casas em torno de das cerimônias, do jogo de futebol e das
praça aberta onde fica a casas dos homens, brincadeiras das crianças. Trilhas internas
espaço de tomada de decisões. A aldeia ligam uma casa a outra e estas, por sua
reflete suas ideias a respeito do cosmos e vez, são circundadas por um caminho que
da organização social. Rigorosamente cir- delimita a “periferia” da casa com seus
culares, cada casa (domínio das mulheres) plantios mais perenes, como o de frutífe-
tem seu caminho que conduz ao centro, es- ras e palmeiras, e outra trilha que conduz
paço masculino (dominado pela casa dos para o rio. Se vistas de cima, as aldeias
kisêdje (bem como a dos demais grupos
andré villas-bôas/isa

Jê) representam uma teia de caminhos que


revelam o modo como seus moradores se
movimentam e se relacionam.
É importante destacar que, hoje em
dia, as mulheres vêm sendo convidadas,
aos poucos, a participar de reuniões na
casa dos homens. Muitas vezes posicio-
nam-se perifericamente, como ouvintes,
mas em determinados assuntos são
ouvidas e ajudam na tomada de decisões.

ton koene
A adoção, pelos Kisêdje, de traços do Alto Xingu
foi significativa, mas eles dizem ter selecionado as coi-
sas que lhes pareciam bonitas ou úteis, desprezando
as outras. Assim, nunca deixaram de caçar e comer
animais que os altoxinguanos não comem, de plantar
milho e batata doce para uso cerimonial e de produzir
artefatos do tipo Jê para cerimônias.
Modo de vida
As atividades produtivas femininas costumam ser
realizadas em grupos de parentes e orientadas para a
família nuclear. A área de trabalho feminina fica atrás
das casas, sendo o trabalho acompanhado de conversa
e contando com a atenção das crianças e bichos de
estimação, que se movimentam em volta das mulheres
trabalhando. A maior parte do tempo das mulheres é
consumida no preparo de alimentos a partir de produtos
que trazem da roça, especialmente a mandioca, assim Mulher fiando algodão.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 99


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

ton koene
povo kIsêdje

como a caça e o peixe fornecidos


pelos maridos. Uma exceção é a
fabricação do caxiri, bebida fer-
mentada de mandioca e milho,
de procedência Yudjá e adotada
pelos Kisêdje. O caxiri é feito
pelo conjunto de mulheres do
grupo residencial e destinado aos
homens desse grupo.
No que diz respeito ao traba-
lho masculino, o manejo da roça
é frequentemente uma atividade Mulher descascando mandioca.
individual. Já a pesca, a caça, bem como a construção de
canoas e casas podem ser tarefas do grupo doméstico.
A mandioca brava é o principal produto agrícola. Já
a caça e o peixe são considerados os alimentos nobres.
E, diferente dos grupos do Alto Xingu, os Kisêdje saiba que
consomem uma grande variedade de animais, inclusive
jacarés. A coleta contribui de modo muito limitado –
mas importante – na dieta alimentar, destacando-se o S Atualmente, os Kisêdje têm se
manisfestado, como outros povos
pequi, a mangaba, cocos de várias palmeiras, o palmito xinguanos, contra a construção
da palmeira inajá e o mel silvestre, sendo este muito da hidrelétrica de Belo Monte.
valorizado pelo grupo. Assim como os outros grupos da Ianukulá Kisêdje, assessor
da coordenação da funai em
região, comem coisas diferentes em cada época do ano. canarana, disse, no início de 2011,
Quando uma pessoa está seriamente ferida ou dá que seu povo teme o que está
sinais de fraqueza, inicia-se o luto, com cantos agudos por vir. “Sabemos que a primeira
que anunciam o sofrimento da perda prestes a chegar. barragem é apenas o começo.
depois virão novas barragens
O morto é geralmente enterrado com todos os seus que irão trazer mais destruição
pertences e cuidadosamente enfeitado e pintado com para o rio. Todos os xinguanos se
urucum, principalmente se for do sexo masculino. Suas sentem ameaçados”. Ianukulá
roças devem ser destruídas, assim como seus animais cita também a previsão de
povoamento da região. “Milhares
domésticos mortos e enterrados junto; no caso dos de operários virão trabalhar na
homens, seus arcos e flechas são destruídos. obra, sem nenhum planejamento.
Quando um Kisêdje pinta o seu corpo para uma Isso traz grandes impactos
sociais, pois aumenta o número
festa de origem kisêdje (e não do Alto Xingu), o estilo de pescadores, aumenta o
da pintura é determinado pelo seu nome. Em última desmatamento e o consumo. o
análise, todos os membros de um grupo de pessoas Xingu não será mais como é hoje".
com o mesmo nome pintam-se da mesma maneira.
A associação do nome com as metades cerimoniais,
sua posição numa fila de dançarinos e o mestre de
sAIbA mAIs:
cerimônia para os cantos (ngere), que também canta,
Seeger, Anthony. 1986
são determinados pelo seu nome.

100 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

kuikuro ALdeIAs
kuIkuro

Fontes: Terras Indígenas e aldeias (ISA, 2011); Hidrografia (SIPAM/IBGE, 2004)


gu
O

Xin
s Kuikuro contam que sua origem como

Rio
grupo que se congrega sob este nome deu-se
após a separação de outro grupo liderado por PIX
chefes do antigo complexo das aldeias de óti (campo),
situado no alto curso do rio Buriti, provavelmente em
meados do século XIX. Os que ficaram em óti deram
origem aos que hoje são chamados de Matipu (Wagihütü

Ri
oC
ulu
ótomo). A língua mudou um pouco, dando origem a

nee
duas variantes ou dialetos (matipu e kuikuro). O novo
grupo (Kuikuro) ocupou várias localidades, com suces-
sivas aldeias às margens das lagoas entre os rios Buriti,
Culuene e Curisevo. A primeira se chamou Kuhikugu.
As aldeias antigas eram numerosas e grandes.
O nome Kuhikugu foi registrado pelo etnólogo LínguA: fAMÍLIA KArIB

alemão Karl von den Steinen em 1940 e acabou dando PoPuLAção: ~520

origem ao nome desse grupo altoxinguano. Os Kuikuro outrAs grAfIAs: KuIKuru


valter campanato/abr

Homens tocam flautas durante a festa kuarup.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 101


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo kuIkuro

falam um dialeto da língua karib, assim como os seus


Você sabia?
vizinhos Kalapalo, Matipu e Nafukuá. São, hoje, aproxi-
madamente 520 pessoas.
Eles habitam, principalmente, três aldeias. A S o peixe desempenha um papel
primordial na subsistência
principal e maior é Ipatse, pouco distante da margem Kuikuro, suprindo praticamente
esquerda do médio Culuene, onde vivem mais de 300 toda a proteína necessária em
pessoas. Em 1997, surgiu a aldeia de Aiukuri, na mar- sua dieta. Além disso, o peixe
gem direita do Culuene, acima de Ipatse, com cerca ocupa uma posição proeminente
também em sua mitologia.
de 100 pessoas. Em seguida, formou-se uma terceira Assim, por exemplo, conta-se
aldeia no local da antiga Lahatuá, com um grupo fa- que a mandioca, sua principal
miliar de uma dezena de pessoas. Há muitos Kuikuro cultura, cresceu originariamente
que, por casamento, vivem na aldeia Yawalapiti. Fortes no fundo de um rio, sendo
propriedade de um peixe que a
e intensas alianças políticas e matrimoniais entre as cultivava. foi desse peixe que os
duas etnias ajudaram o ressurgimento dos Yawalapiti Kuikuro obtiveram a mandioca e
como aldeia (e como grupo local). Há ainda indivíduos dela se apropriaram.
kuikuro que vivem em outras aldeias do Alto Xingu,
sobretudo entre os outros povos karib, também em
razão de casamentos.

As aldeias circulares to sofisticado do desenho arquitetônico,


com praça central são estruturadas de da astronomia e da geometria revela-se
acordo com princípios precisos que per- pela integração de várias aldeias em um
mitem um entendimento da organização vasto território.
política e social da sociedade xinguana, As casas kuikuro, como todas no Alto
e que já se verificavam nas aldeias pré- Xingu, são grandes malocas de base
históricas. As estradas radiais partem da ovalada que podem alcançar 25 metros
praça e seguem nas direções cardinais de comprimento. Parede e telhado fazem
(Norte/Sul, Leste/Oeste). Um entendimen- parte da mesma estrutura e são cobertos
de sapé. Sem janelas, as únicas aberturas
pedro martinelli/isa

são duas portas confrontantes, uma que


conduz para a praça central e a dos fundos,
reservada para o cotidiano doméstico das
mulheres e crianças. Cada casa abriga
várias famílias nucleares que ocupam es-
paço delimitado por toda a extensão das
paredes laterais, onde armam suas redes.
Todas as mulheres compartilham um local
comum para acender o fogo, localizado no
centro da casa, entre as duas portas.

102 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
fotos: carlos fausto

povo kuIkuro
Jawari em homenagem ao pai de Afukaká, 2004; mulheres kuikuro preparando-se para a festa Tolo, 2005.

Modo de vida
Na praça, ou centro da aldeia, se realizam as ativi-
dades cerimoniais, sobretudo as relacionadas aos prin-
cipais ritos de passagem que caracterizam a trajetória
dos chefes. O complexo sistema de “donos” e “chefes”
regula a dinâmica política e a vida ritual, ou seja, a
própria existência e reprodução do grupo.
Há mais de um chefe (oto) e mais de uma categoria
de chefia na aldeia, tais como ‘dono da praça’, ‘dono
da aldeia’, ‘dono do caminho’. Mulheres podem ser
chefes. Tornar-se chefe é o resultado de cálculos de
descendência tanto do lado do pai quando da mãe, ou
seja, tem um componente hereditário, mas é, sobretudo,
o resultado de uma trajetória política individual, do es-
forço de um indivíduo para acumular e manter prestígio
através da generosidade na distribuição de suas riquezas,
da habilidade como líder e representante da aldeia, assim
como pelo conhecimento ritual, dos discursos cerimo-
niais e da oratória. Os chefes e suas famílias são uma
espécie de estrato social ‘nobre’ distinto dos ‘comuns’.
O homem que construiu sua casa e que reuniu em
volta dele seu próprio grupo familiar é seu dono (oto),
bem como é dono da roça o homem ou mulher que
se responsabilizou e dirigiu os trabalhos de limpeza
do mato, preparação do terreno e plantio. Também os
pequizais têm dono, quem os plantou. E cada festa tem

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 103


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo kuIkuro

seu dono, quem patrocina sua realização dependendo


do desejo dos habitantes da aldeia, de ocasiões específi-
cas. Ser dono de uma festa significa ter a capacidade de
mobilizar trabalho familiar e coletivo para a produção Os Kuikuro, como os ou-
de grandes quantidades de alimento e para o pagamento tros grupos karib, partici-
de variados tipos de serviço. pam do sistema econô-
A unidade básica é a família nuclear, que pode ser mico e ritual altoxinguano
ampliada, acrescentando outros parentes, como viúvos como especialistas na
e filhos casados. A regra é que o filho recém casado fabricação de coLAres e
passe a morar com os sogros, participando de todas cIntos de caramujo de
as atividades diárias e produtivas da família destes úl- terra, bens de alto valor.
timos. Após alguns anos, o casal pode construir uma Esses adornos são mui-
moradia própria. tas vezes usados como
As plantas cultivadas pelos Kuikuro, sobretudo a pagamento pelas imen-
mandioca, correspondem a 85% da alimentação. Eles sas panelas de cerâmica,
conhecem 46 variedades de mandioca, todas veneno- cujos especialistas são os
sas, mas apenas seis variedades fornecem 95% de suas povos aruak, sobretudo
colheitas. O pequi, plantado próximo das roças, é uma os Waurá.
fonte sazonal importante de alimento e dele se extrai
o óleo de pequi utilizado para embelezar e proteger a
pele. Urucum, jenipapo, argila branca, carvão vegetal
e resinas servem para preparar pigmentos utilizados na
pintura tanto do corpo como de artefatos. A coleta de
mel e, sazonalmente, de frutos silvestres, dos ovos de
tracajá e da saúva complementa a dieta kuikuro.
Assim como para os altoxinguanos, a caça não é
importante para os Kuikuro; eles não comem nenhum
“bicho de terra ou de pelo”, com exceção do macaco
(uma espécie de Cebus). Jacus e mutuns, alguns tipos de
pomba, tracajás e macacos substituem o peixe quando

descendêncIA bILAterAL A descendência kuikuro é bilateral. Tipos de herança,


inclusive do status de chefia, são estabelecidos igualmente por linha paterna e
materna. A transmissão dos nomes próprios é feita de avós para netos, também
bilateralmente; assim, um indivíduo porta todos os nomes pelos quais a sua mãe
o chama e todos os nomes pelos quais o seu pai o chama. Os nomes dados alguns
meses após o nascimento mudam em momentos específicos do ciclo de vida: na
iniciação masculina e feminina, ao nascimento de filhos e netos. Nomes novos podem
ser comprados ou, mais raramente, doados.

104 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
camila gauditano/isa

povo kuIkuro
Pesquisa sobre os recursos naturais ao redor da escola.

o consumo deste é interditado. O consumo de peixe


saiba que
representa 15% da alimentação e os Kuikuro conhe-
cem cerca de cem espécies comestíveis. Aos métodos
S os Kuikuro mantêm uma ligação
tradicionais de pesca, com arco e flecha, com lanças muito importante com o lago
ou com diversos tipos de armadilhas e barragens, ou Tahununu, situado dentro do
com o timbó, se acrescentam, hoje, o anzol e a linha, território tradicional desse povo,
mas em cujas margens não há
o arpão e a rede. hoje nenhuma aldeia. durante
A produção tradicional de artefatos, como bancos, a estação chuvosa, quando fica
esteiras, cestos e adornos plumários serve para usos mais difícil encontrar peixes nos
rios maiores, os Kuikuro fazem
cotidianos e cerimoniais, para pagamento de serviços incursões de pesca para ali
como a pajelança ou para selar uma aliança de casa- passar uma semana pescando
mento, bem como para as trocas ritualizadas (uluki) para voltar para suas aldeias
entre as demais aldeias. Hoje, a fabricação de variado carregando imensas quantidades
de pescado, que são depositadas
e abundante artesanato é uma fonte de dinheiro no centro da aldeia para depois
fundamental para a compra de bens que se tornaram serem distribuídas.
indispensáveis, como combustível, material de pesca,
munição, miçangas, gêneros alimentícios.
A escolarização, os contatos mais intensos com o
exterior do PIX, as viagens constantes para as cidades,
a presença cada vez mais impositiva da televisão e de
outras mídias fazem com que o conhecimento e o uso
do português cresçam rapidamente.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 105


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

matipu ALdeIAs
mAtIPu

Fontes: Terras Indígenas e aldeias (ISA, 2011); Hidrografia (SIPAM/IBGE, 2004)


gu
E

Xin
sse grupo é tradicionalmente identificado no

Rio
contexto altoxinguano por Marijapei Ótomo (o
“pessoal” da lagoa Marijapei) e foi encontrado PIX
por sertanistas em 1948. Nos anos 1970, fizeram uma
nova aldeia na beira da lagoa a que dão o nome de
Agahaga. Em 1981, parte do grupo resolveu voltar para
perto de Marijapei, mais perto da base militar da FAB

Ri
oC
ulu
(chamada de Posto Jacaré). Por isso, foram tratados, por

nee
Rio Curisevo
muito tempo, por “Matipu da FAB” em comparação
com os que ficaram em Agahaga, chamados, durante
muito tempo, de “Matipu da Funai”.
A denominação Matipu começou a ser utilizada
pelos não índios a partir da década de 1940, mas não se
conhece a origem. Entre si conservam a denominação
de Uagihütü Ótomo ou Ngahünga Ótomo. Os Mati- LínguA: fAMÍLIA KArIB

pu falam uma língua karib e compartilham o mesmo PoPuLAção: ~150

camila gauditano/isa

Crianças da aldeia Jagamü.

106 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

povo mAtIPu
dialeto com os Kalapalo e os Nafukuá. Atualmente,
somam em torno de 150 pessoas.
Os Matipu habitam a porção sul do Parque
Indígena do Xingu, integrando a rede de trocas e É composta por várias ca-
cerimônias que envolve os dez povos da área cultural sas, construídas no formato
do Alto Xingu. Eles vivem com o povo Nafukuá e as arredondado das casas al-
informações específicas sobre os Matipu se confundem toxinguanas. As aldeias ma-
com a desse povo. tipu, hoje, possuem escola,
Existem duas aldeias Matipu. A aldeia Ngahünga, posto de saúde e o que
chamada pelos não índios de "aldeia dos Matipu", fica chamam de “casa memorial
a 4 quilômetros do rio Culuene e a um quilômetro da de cultura”. Nas aldeias há
lagoa que tem o mesmo nome da aldeia. Esta região pista de pouso para aviões
fica entre a aldeia Kalapalo e a aldeia Ipatse (dos Kui- de pequeno porte e muitas
kuro) no Alto Xingu. estradas levam e trazem
Até os anos 1970, os Matipu moravam em uma seus moradores para as
aldeia chamada Uagihütü, no braço do rio Mirassol, áreas de roça, caça e pesca.
mas que não existe mais porque sua população foi dimi-
nuindo por problemas de saúde. Eles se reorganizaram
novamente em uma pequena aldeia ali perto, chamada
Entagü ("aldeia familiar") e que está na beira do rio
Mirassol, entre os rios Culuene e Curisevo, também
na região do Alto Xingu.
Modo de vida
Durante a infância, os Matipu educam a criança
para respeitar as pessoas, sua própria cultura e a dos
outros povos. A criança é cuidada pela mãe, pelo pai
e até pelo avô, principalmente quando se trata da sua
saúde. O jovem ou a moça Matipu são colocados em

Uma das especialidades Matipu – assim como a de


seus semelhantes Kalapalo e Kuikuro – é o coLAr de cArAmujos, cujo modelo mascu-
lino, em forma retangular, é fabricado exclusivamente pelos homens. Já o de formato
redondo – usado pelas mulheres e também como cinto masculino – pode ser confec-
cionado por ambos os sexos. Na produção de artesanato para ser comercializado, os
Matipu têm produzido variedades muito bem acabadas de cestos, pás de virar beiju,
brincos, cintos de couro da onça, arco e flecha, flauta, abanador de palha trançada,
arranhadeira e as grandes esteiras com figuras de algodão para serem usadas como
cortinas ou tapetes pelos brancos.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 107


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
camila gauditano/isa

milton guran/agil
povo mAtIPu

Alunos de aldeia matipu. Alapiá Matipu.

caléndário de festas matipu


As festas matipu seguem critérios da estação seca e da estação chuvosa, sendo que é na primeira
que acontecem os principais ritos intertribais do Alto Xingu.

os principais ritos da estação seca são: os principais ritos da estação chuvosa são:
S egitsu (kuarup em tupi): festa que S duhe: festa dos papagaios, mas também
congrega todas as aldeias do sistema da coruja e do pacu. Pode ocorrer entre
altoxinguano e é realizada em homenagem os meses de novembro a abril.
a mortos ilustres.
S kagutu: é o complexo de flautas
S hagaka (jawari em tupi): festa de origem sagradas altoxinguanas, cuja festa
trumai, que é feita como forma de "alterização" não pode ser vista – só ouvida – pelas
de um morto ilustre através de cantos, danças mulheres e que alude ao roubo de um
e jogos de dardos. A mitologia aruak e karib objeto de poder. Trata-se de um rito ora
indica ser uma festa relacionada aos pássaros, intra, ora intertribal, em que as flautas
principalmente o gavião, e às cobras, incluindo são tocadas dentro da casa dos Homens
cobras “voadoras”. e depois ao redor da aldeia, enquanto as
S Iponhe: trata-se da "festa dos pássaros", mulheres permanecem fechadas em suas
segundo indica a mitologia, e também de casas, de costas para a fonte sonora.
furação de orelhas dos meninos que possuem S takuaga: festa típica dos karib
as prerrogativas da chefia altoxinguana, xinguanos, embora eles próprios
sendo ainda um ritual de passagem para a remetam a sua origem aos Bakairi.
vida adulta. nesta, cinco homens de parentesco
S Itão kuegu (jamugikumalu em aruak e consanguíneo tocam (e dançam) cinco
yamuricumã em tupi): é uma festa feminina flautas de tamanho e afinação diferentes
em que as mulheres ocupam ritualmente o representando respectivamente pai,
poder público e o pátio da aldeia, ameaçando mãe, dois filhos e avô. É uma festa
os homens que não cumprem seus deveres ou que também pode ser solicitada pelo
traem suas mulheres. pajé à família de um doente.

108 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

povo mAtIPu
reclusão para que seus pais e avós os ensinem a crescer
Você sabia?
com bastante cuidado, de maneira a se prepararem
para tornarem-se homens ou mulheres independen-
tes e com o conhecimento de técnicas para fazer os S o jeito de ser matipu se mostra
na seriedade do preparo das
objetos necessários para a vida cotidiana. Os velhos cerimônias demarcadoras de
e velhas Matipu são os principais conhecedores e identidade – como o ritual
mantenedores das histórias, sendo eles que repassam iponhe de furação de orelhas dos
adolescentes com descendência
os conhecimentos para os jovens e demais pessoas de chefia. Essa postura vem
das aldeias. aliada a um envolvimento
Os Matipu vivem basicamente da pesca e da hor- prazeroso no cantar e dançar e na
confecção dos adereços.
ticultura e, ao contrário das aldeias maiores, grande
parte dos moradores não tem acesso aos alimentos S Para os Matipu, um assunto
industrializados da cidade. Assim, consomem basi- importante é ser ou não ser
convidado para participar de um
camente o peixe e a mandioca brava em forma de ritual numa aldeia vizinha, já que
mingau ou beiju. Os peixes mais consumidos são, isso implica em relações de poder
respectivamente, o tucunaré, a bicuda, a piranha, o e, ao mesmo tempo, de afinidade,
piau, o penteado, o peixe cachorro, a pirarara e es- amizade, sedução, rivalidade.
A dança aparece como parte
poradicamente o mantrinchã. Eventualmente podem integrante e indispensável da
pescar o tracajá e seus ovos ou caçar pássaros, como educação da pessoa matipu.
o mutum e o jacu, além do macaco. Como tempero
usam o homi (pimenta pequena e forte para temperar
peixe) e o sal de agahe (planta da água com a qual se
fabrica o sal vegetal). Entre legumes e frutas consumi-
dos estão pequi, abóbora, banana, batata, melancia,
ingá, mangaba, macaúba, entre outros.
Cabe às mulheres a confecção das redes com fios
de buriti e algodão, ambos plantados e fiados por
elas. São elas também que trançam as esteiras para
espremer a massa da mandioca para retirar o sumo.
Atualmente elas estão fabricando essas esteiras em
dimensões bem maiores, com motivos de animais
(tracajá, jacaré, pássaros), para vender como cor-
tinas ou tapetes para os não índios. As mulheres
também tecem fios de abacaxi nativo para os cintos saiba que
das mulheres.
Os bancos de madeira são peças confeccionadas
pelos homens, que também fazem os cocares, os cho- S A história dos Matipu se
confunde com a dos com a dos
calhos e os colares de caramujo para uso masculino. Kuikuro, dos quais se separaram
São ainda eles que fazem as canoas, a partir de uma possivelmente em meados do
só peça de madeira. Antigamente elas eram feitas século XIX, e com os nafukuá,
com os quais dividem a mesma
de casca de jatobá, mas hoje usam principalmente a língua e tradicionais laços por
jacareúba que, em língua matipu, chama-se katsehü. casamentos.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 109


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

mehinako ALdeIAs
mehInAko

Fontes: Terras Indígenas e aldeias (ISA, 2011); Hidrografia (SIPAM/IBGE, 2004)


gu
A

Xin
o recontar o seu passado, os Mehinako des-

Rio
crevem apenas algumas gerações de ancestrais
antes de alcançar os "tempos míticos" (ekyi- PIX
myatipa), quando os heróis culturais e os espíritos
criaram os humanos, as instituições sociais e a geografia
da região do Xingu.
Até onde se tem conhecimento, os Mehinako
sempre viveram na bacia do Xingu, na região dos rios

Rio Curisevo
Tuatuari e Curisevo. A primeira aldeia de que se tem
registro é Yulutakitsi, que deve ter sido habitada há 150
anos ou mais em localidade incerta. Em Yulutakitsi,
o grupo estava, naquele tempo, dividido em metades,
cada qual vivendo em fileiras triplas de casas, em lados LínguA: AruAK

opostos da praça central. De acordo com alguns habi- PoPuLAção: ~250

tantes da aldeia, a fronteira social era marcada por uma outrAs grAfIAs: MEInAKo,
MEInAco, MEInAKu
pequena cerca que atravessava o centro da praça, mas

thomas gregor

Menina de franja acaba de sair da reclusão, 2002.

110 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

povo mehInAko
outros afirmavam que era o banco em frente à casa dos
saiba que
homens que servia de linha divisória.
O único indício atual dessa organização em metades
entre os Mehinako é o padrão no qual as casas de chefes S o deslocamento das aldeias
mehinako de seus territórios
devem colocar-se frente a frente, orientando-se, a cada tradicionais foi provocado pela
novo deslocamento da comunidade, em direção aos chegada dos Ikpeng, em meados
seus "opostos" no outro lado da aldeia. da década de 1950, que atacaram
os habitantes da aldeia com
As aldeias mehinako históricas localizavam-se ao “uma enxurrada de flechas”.
norte da aldeia aweti atual (Tazu’jyttetam), no rio Quando o chefe mehinako foi
Tuatuari. Os Mehinako voltam a essas comunida- acertado nas costas por uma
flecha ikpeng, os irmãos
des todo ano para a coleta de pequi e para fazer sal Villas Bôas incentivaram os
(cloreto de potássio) com uma espécie de aguapé habitantes da aldeia a se deslocar
encontrado em lagos da região. Para os Mehinako, para um lugar mais próximo do
esses locais são o seu habitat tradicional. O abandono Posto Leonardo. os Yawalapiti
haviam feito o mesmo, na mesma
dessas comunidades se deu por várias razões, como o época, para escapar dos Ikpeng.
esgotamento da fertilidade da terra, a proximidade A um quilômetro do posto, os
de muitas colônias de saúvas, a ocorrência de muitas yawalapiti deram aos Mehinako
sua primeira casa.
mortes no local e a crença de que as construções
e os caminhos da comunidade haviam se tornado S na época, ambos os grupos
grandes e degradados demais, causando problemas concordaram que os Mehinako
poderiam pescar apenas nas
para sua reconstrução. áreas do rio Tuatuari que fossem
A principal aldeia se chama Uyapiyuku. Hoje, sua próximas à sua comunidade.
população é de aproximadamente 250 pessoas. No no caminho de Jalapapuh,
Posto de Vigilância Kurisevo há uma família mehi- os Mehinako pararam na
aldeia aweti, onde dividiram o
nako. O posto fica cerca de 40 minutos de carro da sede território com um aglomerado de
de Gaúcha do Norte, município muito frequentado bananeiras situado no meio do
pelos Mehinako para compras e negociações com a caminho entre as suas aldeias.
os Mehinako concordaram que
prefeitura, que é responsável pelas escolas tanto da eles não iriam explorar cana
aldeia quanto do PIV Kurisevo. para fazer flechas nessa área
São falantes de uma língua da família aruak, língua sem a permissão dos Aweti.
próxima a dos Waurá, muitas vezes chamados de "nos- Assim, grandes áreas de floresta
e várzea permaneceram como
sos outros", expressão de seu parentesco e proximidade. um território ambiguamente
Em contrapartida, os demais xinguanos podem ser mehinako, aweti e yawalapiti.
simplesmente chamados de "outros". A questão da
fala comum é de grande importância aos Mehinako,
uma vez que só se sentem à vontade para falar outras
línguas que realmente conhecem. Homens e mulheres
que se casam em outras aldeias relutam em falar uma
nova língua de modo incorreto, buscando aprendê-la
em um momento anterior. Mesmo quando o domínio
pleno da língua é alcançado, os Mehinako permanecem
reticentes em usá-la em situações públicas.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 111


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo mehInAko

Os Mehinako contam que rodeia a casa dos homens. Dentro de


que sua aldeia atual, Uyapiyuku, foi pla- cada casa, o dono (a pessoa que iniciou
nejada nos moldes de todas as aldeias sua construção) dorme mais perto do
anteriores, desde o tempo da Criação: deve caminho do sol. O status também está
ficar entre dois rios, o Tuatuari, a oeste, e o associado à localização da casa. As mora-
Curisevo, a leste. Quando o sol nasce, seu dias dos chefes só são construídas junto
caminho através do céu deve ser paralelo a uma estrada principal. Já os homens
ao grande caminho que vai do porto do comuns constroem suas casas entre as
Curisevo até o centro da aldeia. A casa dos residências principais.
homens deve dividir em dois o caminho do Cada casa é, idealmente, orientada
sol, e o banco em frente à casa dos homens de modo que sua parte dianteira dê para
deve proporcionar, a leste, uma vista livre o centro da aldeia. Ali, no fim da tarde e
por sobre a estrada, através da floresta. Ao à noitinha, as mulheres sentam-se para
passar por cima da casa dos homens, o sol conversar e assistir à luta dos homens.
deve seguir o grande caminho para oeste até A área da casa em frente à porta tra-
o lugar de tomar banho, seira é utilizada como

acervo museu do índio/funai


onde finalmente se põe. depósito de lixo e para
Assim, o plano terrestre um grande número de
da aldeia reflete, para atividades diárias, como
eles, a arquitetura do céu. preparar a mandioca
A aldeia parece ser na estação seca, limpar
– brasil

dividida em dois por os peixes, trançar as


um grande diâmetro cestas, esculpir a ma-
que a atravessa de leste deira, relacionar-se com
para oeste. As casas são membros da própria re-
dispostas em torno de sidência e, furtivamente,
um grande círculo, pre- para propor relações
cariamente desenhado, extraconjugais.

bIcIcLetA e outrAs noVIdAdes A aldeia mehinaco não é acessível por estradas, o


que lhe confere certo grau de isolamento. Mesmo assim, ela apresenta uma marcante
presença de bens como antenas parabólicas, geradores de luz, barcos e até tratores. O
uso da bicicleta está disseminado entre homens e mulheres, sejam crianças ou adultos,
como meio de locomoção útil até para ir pescar. Chama ainda a atenção, e isso não di-
fere dos seus vizinhos no Parque, a incorporação de novas rotinas. A mais expressiva é
a dedicação ao horário das novelas da TV no lugar das audições sobre narrativas míticas
ou sobre os fatos do dia a dia.

112 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

Modo de vida

povo mehInAko
Você sabia?
A divisão do trabalho mehinaco tende a dispersar
os homens para o mundo exterior, nas atividades de
caça, de pesca e de manutenção das atividades sociais, S o espaço, a forma e a localização
das coisas interessam
e a manter as mulheres dentro e em torno da atividade especialmente aos Mehinako,
doméstica. Os homens que passam muito tempo em o que se reflete em sua própria
suas casas são chamados de "mulheres" nas fofocas da língua, na qual os substantivos
indicam a forma dos objetos
aldeia. Os meninos que se demoram dentro de casa são e alguns verbos devem ser
postos para fora por seus pais. modificados para mostrar a
A maior fonte de alimentos dos Mehinako vem distância entre aquele que fala e
o evento. Assim, coisas côncavas
das roças, trabalho eminentemente feminino, depois – como cestas, e mesmo a aldeia
da derrubada do local de cultivo, feita pelos homens. como um todo – levam o morfema
A pesca, atividade masculina, é a segunda fonte de (yaku), que as classifica como
alimentação e ocorre em pesqueiros ao longo do rio diferentes das coisas maciças.
objetos lineares – cipós, gravatas,
Curisevo. São os mais velhos que desfrutam de direitos fios de algodão, bancos e cordas
exclusivos em relação a um grande número de cursos – levam o morfema (pi), que
de água represáveis no tempo da seca e que repartem a denota linearidade. Em qualquer
língua há maneiras de expressar
pesca com os habitantes de sua casa e com seus parentes. essas distinções, mas entre os
O conjunto de indivíduos que moram numa casa Mehinako elas não são optativas.
é designado “os donos da casa”, expressão que não só São exigidas pela gramática.
identifica os residentes como também uma unidade
S o tempo também é muitas vezes
significativa no discurso político, Ou seja, um chefe expresso espacialmente. À
pode convidar “os donos da casa” de uma residência noite, os Mehinako dizem a hora
indicando a localização da lua ou
para participar de uma atividade coletiva. das constelações. durante o dia,
Para os Meinako, todos os povos altoxinguanos pedem informações sobre as horas
são putaka, ou seja, têm uma só origem, pois "comem perguntando: “onde está o sol?”
as mesmas comidas". Os wajaiyu são os "índios selva- Habitualmente a resposta indica a
altura do sol, a partir do horizonte
gens", que vivem além das fronteiras do mundo alto- mais próximo: “o sol acabou de
xinguano, com os quais convivem desde a chegada dos nascer”, “o sol está bem para
irmãos Villas Bôas e a criação do Parque. No passado, cima”, “o sol começou a se pôr“.
A passagem do mês é definida
os Mehinako sofreram ataques dos Ikpeng, Kisêdje e pela posição da lua no crepúsculo
outros povos wajaiyu que haviam atacado os altoxin- e por seu tamanho variável.
guanos em busca de mulheres e de vasos de cerâmica.
Os Mehinako explicam as diferenças entre eles e os
wajaiyu nos termos da mitologia. Em tempos remotos,
o Sol fez os povos do Alto Xingu, dando a cada um deles
um lugar para viver e um modo de vida. Os wajaiyu
(apresentados, em muitos mitos, como prole de ani-
mais) jamais obtiveram os rituais, os implementos e a
cultura dos altoxinguanos. Os wajaiyu são exemplos
de tudo o que pode ser errado em relação ao compor-
tamento humano.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 113


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo mehInAko

Uma das especialidades dos Mehinako no comércio


intertribal é o sal que processam a partir do aguapé. As outras etnias altoxinguanas
também os procuram, no entanto, pelo ALgodão , produzido em quantidades que vão
além de suas necessidades. Esse algodão é especialmente útil para a feitura de cintos
masculinos, para os fios de amarração das redes de buriti, para enfiar as plaquetas
dos colares e cintos de caramujo mas, sobretudo, para as indispensáveis braçadeiras,
joelheiras e tornozeleiras enroladas não apenas como ornamentos, mas para auxiliar
na constituição e no desenho do corpo dos adolescentes em reclusão. Atualmente, no
mercado de artesanato indígena, os Mehinako têm sido fornecedores de panelas de
cerâmica ornamentadas e tigelas de madeira estilizadas em formatos de animais.
thomas gregor

saiba que
S o estabelecimento efetivo da
comunidade em Jalapapuh foi
determinado por uma mulher
yawalapiti casada com um
mehinako. A nova aldeia foi
situada a alguns metros do rio
Tuatuari em lugar próximo às
primeiras roças e plantações de
pequi dos yawalapiti.

S com a mudança para Jalapapuh,


os Mehinako construíram
algumas aldeias novas próximas à
comunidade de origem. nos anos
1960, depois que uma série de
Tocando chocalho durante o kuarup. epidemias de gripe e de sarampo
matou mais de 15 pessoas, os
Mehinako se restabeleceram em
Recentemente, estando os Mehinako livres da amea- um novo local a aproximadamente
ça de invasões, a interação com indivíduos considerados 183 metros de distância. Em 1981,
wajaiyu tem ganhado espaço, sobretudo em partidas de construíram, mais uma vez, uma
nova comunidade na mesma
futebol, em parcerias comerciais e nas articulações po- área. A proximidade do Posto
líticas entre os povos que vivem no PIX, principalmente Leonardo facilitava o acesso a
naquelas relativas a defesa de seu território. tratamento médico e aos bens de
consumo trazidos pelos irmãos
Já a concepção que têm dos kajaiba, os homens Villas-Bôas, de modo que eles
brancos, é de que são filhos do sol como os próprios não tinham intenção de retornar
Mehinako. Sua civilização tecnológica é uma dádiva do às suas terras tradicionais mesmo
sol, seus costumes especiais e sua aparência física são passada a ameaça dos Ikpeng.
A aldeia atual é um pouco mais
perpetuados por seguir sua cultura e, especialmente, distante do Posto Leonardo, mas
por comer suas comidas únicas. ainda nesta mesma região.

114 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

nafukuá ALdeIAs
nAfukuá

Fontes: Terras Indígenas e aldeias (ISA, 2011); Hidrografia (SIPAM/IBGE, 2004)


gu
A

Xin
valia-se que os Nafukuá e os outros xinguanos

Rio
de língua karib ocupam tradicionalmente a
porção sudeste da região do Alto Xingu e existem PIX
registros sobre eles nas expedições de 1884 e 1887 de
Karl von den Steinen.
Entre 1900 e 1901, um pesquisador chamado Max
Schmidt realizou expedição às cabeceiras do Xingu e

Rio
mencionou os Nafukuá como um dos poucos povos ka-

Cu
lue
Rio Curisevo
rib que habitava a margem direita do rio Amazonas. Sua

ne
hipótese é a de que a maior parte dos povos karib havia
migrado na direção do sudoeste da região das Guianas,
ou seja, na margem esquerda do rio Amazonas.
Entre 1947 e 1949, Pedro de Lima fez quatro LínguA: fAMÍLIA KArIB

viagens descendo o rio Xingu e aponta os Nafukuá PoPuLAção: ~130

na porção sudeste da área e em número drasticamente outrAs grAfIAs: nAHuKuá,


nAHKwá, nAfuKwá
reduzido (28 pessoas). Posteriormente, já não pos-
reprodução/unter den naturvölkern zentral-brasiliens

Festa tawarawanã durante a expedição Steinen, 1887.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 115


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo nAfukuá

reprodução/unter den naturvölkern zentral-brasiliens


Os Nafukuá, como outros
falantes de línguas karib da
região, se destacam pela
produção de coLAres de
conchAs de uma espécie
terrestre de caramujo. Em
1894, Von den Steinem
observou que eles pro-
duziam cabaças, contas
de conchas vermelhas e
adornos entalhados na
castanha de tucum.
Homens nafukuá na expedição Steinem, 1887.

- brasil
acervo museu do índio/funai
suíam mais aldeia própria. Nos anos 1960, com o
encorajamento dos irmãos Villas Bôas, construíram
uma nova aldeia, próxima à dos Kalapalo. Viveram
nessa área por oito anos até que um assassinato atri-
buído à feitiçaria assustou-os e os levou a migrar.
Entretanto, em 1977, estavam de volta à margem
oriental do rio Culuene, na lagoa Ipa, localizada a
sudeste da aldeia kalapalo.
Segundo os Nafukuá, Karl Von den Steinen e suas
equipes foram os primeiros brancos que conheceram.
Na época, muitos ficaram assustados e fugiram das suas
aldeias para outras localidades. Mas após os membros Confecção de cesto.
da expedição terem sido finalmente recebidos, foram
convidadas para voltar para a aldeia e cumprimentarem
os grupos da expedição.
As relações entre os Nafukuá e outros grupos do
PIX são boas, mas já existiu uma longa história de
hostilidade com algumas etnias, como com os Ikpeng,
com quem os Nafukuá guerreavam quando Von den
Steinen chegou à região. Segue o mesmo padrão
O povo Waurá chama o povo Nafukuá de yana- das aldeias altoxingua-
pukuá e, por isso, ao longo do tempo, o nome foi se nas, com planta circular
firmando como Nafukuá. Mas a autodefinição desse e praça central.
povo é Jagamü Ótomo, referente ao local que ocu-

116 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

reprodução/índios do brasil

povo nAfukuá
param entre o rio Curisevo e
as cabeceiras do rio Mirassol.
Hoje, os Nafukuá habitam a
porção sul do PIX e vivem em
três aldeias. A aldeia Magijape

- cabeceiras do xingu, rio araguaia e oiapoque.


é a maior e localiza-se entre a
Base Jacaré e a aldeia dos Ka-
lapalo, perto da lagoa Agahaga
e da outra aldeia, Kranhãnhã.
Yaramy é uma aldeia menor,
entre a aldeia Mehinako e a
aldeia Utawana, desses mesmos
índios, na beira do rio Curisevo.
Modo de vida
A abertura das roças é feita Retratos realizados pelo Serviço
em setembro. Os homens são responsáveis por essa de Proteção ao Índio.
atividade, assim como pela queimada. As mulheres
limpam, coletam, transportam e processam os produtos
resultantes desse trabalho. De modo geral, a divisão do
Você sabia?
trabalho obedece ao mesmo sistema dos seus vizinhos
Matipu, Kalapalo e Kuikuro.
Os padrões de subsistência nafukuá são muito S como os Kalapalo, os Kuikuro
e os Matipu, os nafukuá falam
semelhantes aos outros grupos altoxinguanos, que uma língua da família karib. os
privilegiam o cultivo de mandioca brava e, em menor nafukuá compartilham o mesmo
quantidade, banana, batata, melancia, abacaxi e milho. dialeto com os Kalapalo e os
Matipu, enquanto os Kuikuro
A carne de peixe é certamente a mais consumi- possuem um dialeto próprio.
da, mas caçam macaco ou aves como o mutum, o Mas todos são mutuamente
jacu, o macuco e a pomba, especialmente quando inteligíveis.
resguardos os proíbem de comer peixe. Nesses casos,
apenas mandioca ou mandioca combinada com car-
ne de macaco ou aves podem ser consumidas. Além
da pesca, que inclui tracajá, a coleta constitui uma
fonte suplementar importante de comida, como, por
exemplo, a de ovos de tracajá, que consomem crus ou
cozidos junto com beiju.
As fases do desenvolvimento entre os Nafukuá são
marcadas da mesma maneira que no restante da região.
Por exemplo, o corte de cabelo, a escarificação, as re-
clusões pubertárias e a perfuração das orelhas consistem
no reconhecimento social de mudanças de status nas
várias etapas da vida.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 117


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

naruvôtu ALdeIAs
nAruVôtu

Fontes: Terras Indígenas e aldeias (ISA, 2011); Hidrografia (SIPAM/IBGE, 2004)


gu
O

Xin
s Naruvôtu, atualmente, não possuem uma

Rio
aldeia própria. Vivem entre os Kalapalo, Kui-
kuro e Matipu. Somam cerca de 70 pessoas.
PIX
Esse povo, no entanto, sempre foi um grupo notório
no universo altoxinguano. Eles foram sistematicamente
mencionados nas publicações de todos os pioneiros
na região. Juntamente com os Kalapalo (que falam a

Rio
mesma língua), foram os Naruvôtu os primeiros índios

Cu
lue
altoxinguanos a entrar em contato direto com a Expe-

ne
dição Roncador-Xingu, comandada pelos irmãos Villas
Bôas, nos anos 1940.
Esse contato, no entanto, foi devastador para os
Naruvôtu. Talvez por serem, na época, menos nu- LínguA: fAMÍLIA KArIB

merosos que os Kuikuro e os Kalapalo, e por estarem PoPuLAção: ~70

mais afastados dos polos de atração da Expedição, os outrAs grAfIAs: nAruVoTu,


nAroVoTu
efeitos das epidemias de gripe que se alastraram no

emerson guerra

Da esq. p/ dir: Atatiro, Kuricaré e Maiúta Naruvôtu, na antiga aldeia do Pequizal, TI Pequizal do Naruvôto (MT).

118 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

povo nAruVôtu
um PoVo em recuPerAção Em 1920, pela região, resultando em 114 mortes
os Naruvôtu foram encontrados próximos oficialmente registradas pelo SPI. Enfra-
aos rios Culuene e Sete de Setembro. Na quecidos, os índios que não morreram,
época, uma expedição ordenada pelo SPI não conseguiam caçar ou plantar, o que
alcançou dois portos desses índios na acarretava em maior vulnerabilidade e mais
margem esquerda do Culuene. O chefe mortes, até mesmo por outras doenças,
da expedição, capitão Ramiro Noronha, já como a malária e a tuberculose, também
observara e anotara o tamanho dos pequi- introduzidas na região com a chegada dos
zeiros presentes nas cercanias das aldeias kagaiha (não índios). Essa epidemia parece
Naruvôtu. Nessa época, havia quatro casas ter sido o derradeiro golpe aos Naruvôtu.
na aldeia. Como uma casa xinguana pode Além das doenças, eles enfrentavam cons-
abrigar, em média, cerca de vinte pessoas, tantes ataques de índios que não perten-
pode-se calcular que ela tinha no mínimo ciam à cultura xinguana, principalmente os
80 habitantes ou mais. Em 1931, o pesqui- Ikpeng. Tudo indicava que iam se extinguir
sador Vincent Petrullo localizou os Naruvôtu como grupo. Decididos a se precaver,
precisamente no mesmo local que Noronha passaram a residir no Posto Kuluene, onde
os havia visitado em 1920. Na época, os podiam obter cuidados médicos.
índios organizavam diversos kuarup dos O fato de não haver homens adultos o
quais a maioria dos outros grupos indíge- suficiente entre os Naruvôtu, que pudes-
nas da região também participava. sem assumir uma postura mais pública
Como decorrência do aumento de fluxo nas sociedades altoxinguanas e promover
de pessoas ligadas à Expedição Roncador- a reconstituição de sua comunidade, bem
Xingu no Posto Kuluene, nos anos 1940, como a reapropriação de suas terras, de-
uma epidemia de gripe se alastrou. Apesar monstra porque os fatos sobre os Naruvôtu
dos irmãos Villas Bôas terem reportado não vieram à tona anteriormente.
dados de mortalidade relativos aos Kuikuro Os Kalapalo e Kuikuro que acolheram
e aos Kalapalo, grupos mais numerosos, os sobreviventes perceberam a assimila-
muitos relatos indígenas indicam que essa ção de pessoas Naruvôtu como uma ten-
epidemia chegou até a aldeia Naruvôtu, tativa de manter o equilíbrio da população
obrigando-os a abandoná-la. O pesquisa- local. Aos sobreviventes Naruvôtu, que
dor Pedro Lima, em 1948, registrou haver eram em sua maioria mulheres e crianças,
na aldeia kalapalo que visitou alguns não restava outra opção a não ser juntar-se
remanescentes Naruvôtu, sobreviventes a grupos vizinhos.
da epidemia de gripe. A história da aldeia Pequizal do Na-
A partir de 1950, todos os grupos do ruvôtu seria então esquecida por alguns
Alto Xingu, inclusive os que haviam sido anos, para deixar passar a tristeza causada
atraídos para o Posto Kuluene, foram siste- pelas mortes. Sem deixar de explorar os
maticamente atraídos para o Posto Jacaré, recursos naturais de sua terra ancestral, a
construído na beira do rio Xingu. Uma nova rotina era frequentá-la principalmente para
e grave epidemia de sarampo alastrou-se a coleta do pequi.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 119


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo nAruVôtu

Pelo fato de viverem, hoje, em aldeias ka-


lapalo e matipu, compartilhando a técnica

emerson guerra
de transformar caramujos em colares e
cintos, merece ser destacado que, melhor
do que ninguém, os Naruvôtu são os gran- Lagoa próxima à antiga aldeia do Pequizal,
des conhecedores das baías e lagoas dos TI Pequizal do Naruvôtu (MT).
estuários dos rios Sete de Setembro (que
chamam de Turuwíne) e do Alto Culuene. Esse profundo conhecImento dA geogrAfIA
reflete o domínio que exerciam sobre esses territórios ainda em meados dos século XX.

tI PequIzAL do nAruVôtu Em 1999, em tradicionais. As últimas duas expedições


função das constantes visitas dos índios ao foram realizadas em 1999 e 2003.
seu território tradicional e temendo que a Na primeira, empregados de fazendei-
área se tornasse uma terra indígena como ros que estavam desmatando o pequizal
o Parque do Xingu, os fazendeiros ali insta- foram expulsos, enquanto, na segunda,
lados resolveram derrubar o pequizal dos os índios conseguiram impedir o des-
Naruvôtu, eliminando assim os vestígios matamento de áreas mais a oeste, que
das antigas aldeias. parecem ter sido abertas para o plantio
A reação dos índios a essa tentativa da soja. Esse desmatamento incidiu sobre
de erradicação dos sinais evidentes de a área de preservação permanente do
sua presença na região foi organizar Parque Indígena do Xingu e era, portanto,
expedições para desocupar suas terras ilegal. Além disso, ocorreu também uma
invasão ao PIX, explicada pelos fazendei-
emerson guerra

ros como sendo “um erro cartográfico”.


Outra derrubada foi realizada na região
dos Naruvôtu em junho de 2004 e foi
novamente rechaçada pelos índios.
Em 2006, a Terra Indígena Pequizal
do Naruvôtu, localizada nos municípios
de Canarana e Gaúcha do Norte, no Mato
Grosso, foi identificada e aprovada pela
Fragmentos de cerâmica em sítio arqueológico, Funai. Futuramente, eles esperam cons-
TI Pequizal do Naruvôtu (MT). truir uma aldeia neste local.

120 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

povo nAruVôtu
Alto Xingu causou-lhes violento impacto, obrigando-
Você sabia?
os a abandonar a aldeia onde moravam, no alto rio
Culuene. No final dos anos 1940, fizeram uma nova
tentativa de retornar às suas terras ancestrais, mesmo S os homens naruvôtu eram tidos
como os melhores lutadores do
depois da epidemia, mas não conseguiram se rees- huka huka no Alto Xingu. Há
truturar. Esse local ficou fora dos limites do PIX e só nomes de campeões naruvôtu
foi reconquistado em 2009. É a atual TI Pequizal dos reconhecidos até os dias de hoje.
Naruvôtu, contígua ao parque.

Modo de vida
Os hábitos e o cotidiano dos Naruvôtu confundem-
se com a dos seus anfitriões Kuikuro, Kalapalo e Mati-
pu. Eles, porém, se esforçaram para não deixar para trás
as suas origens. No sistema de nominação Naruvôtu,
se um indivíduo é do sexo masculino e um de seus
avôs era Naruvôtu, ele também será. Igualmente, se
uma mulher tiver pelo menos uma avó Naruvôtu, ela
também será Naruvôtu. Casamentos mistos, portanto,
não são suficientes para erradicar a identidade.
A consciência de um território abandonado por
força da história de contato com os não índios nunca
deixou de existir e era compensada por constantes
incursões em busca de dois recursos indissociáveis
para a identidade desse povo: o pequi e os caramujos
para a confecção dos colares de conchas, ambos en-
contrados em abundância em suas terras ancestrais.
Os Naruvôtu haviam sido responsáveis pelo adensa-
mento manejado de extensas áreas de pequizais. O
monopólio econômico sobre os caramujos e o pequi
havia tornado os Naruvôtu um grupo local essencial
na economia regional altoxinguana.
Tanto na mitologia como na história oral desse
povo, o aparecimento do pequi está ligado à ferti-
lidade e ao poder criativo das mulheres. De fato, os
casamentos entre os grupos altoxinguanos são expres-
sos de forma ritual através do pequi, símbolo da fer-
tilidade na cultura da região. As mulheres Naruvôtu,
nesse sentido, incentivavam os diversos retornos de
seu grupo familiar ao pequizal das terras ancestrais,
relembrando os homens da necessidade de colherem
o pequi para manter vivo o jeito de ser Naruvôtu.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 121


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

tapayuna ALdeIAs
tAPAyunA

Fontes: Terras Indígenas e aldeias (ISA, 2011); Hidrografia (SIPAM/IBGE, 2004)


gu
O

Xin
s Tapayuna viviam originalmente na região

Rio
Rio S
uiá-M
do rio Arinos, próxima ao município de içu
TI
Diamantino, no Mato Grosso. Até a década PIX WAWI

de 1940, as notícias sobre esse povo vinham de outros


grupos indígenas, entre eles os Kawaiweté (Kaiabi). Seu
contato com os não índios foi trágico. Durante décadas
combateram a invasão de suas terras por seringalistas e
tiveram suas aldeias queimadas e sua população assassi-
nada. “Precisamos amansar os brancos, que são muito
selvagens” era uma frase bastante ouvida pelos jesuítas
durante os primeiros contatos com os Tapayuna.
Entre as agressões bárbaras de que foram vítimas
está o recebimento, quando ensaiavam os primeiros LínguA: fAMÍLIA Jê

contatos pacíficos com não índios na década de 1960, PoPuLAção: ~60

de carne de anta envenenada de presente. Grande parte outrAs grAfIAs: TAPAJunA,


TAPAIunA
do grupo morreu. Em 1957, já haviam sido envenena-

centro de documentação do projeto xingu/unifesp

Tapayuna, em 1970, ano em que chegaram ao Parque do Xingu.

122 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

rené fuerst

povo tAPAyunA
dos com açúcar misturado com arsênico, deixado na
beira de um córrego a mando de um seringalista de
Diamantino. Mas a dizimação não aconteceu apenas
ao longo do rio Arinos. Com o avanço sobre as terras
dos Tapayuna, através da abertura de estradas, as lutas
se intensificaram. Finalmente, em 1967, cansados de
se defender e doentes, se aproximaram amistosamente
de dois barqueiros no rio Arinos.
Em 1968, a Funai assumiu o trabalho de assistência
aos Tapayuna. Em 1969, um grupo de jornalistas fez
uma reportagem sensacionalista sobre o “pacificador
dos selvagens e temidos Beiços de Pau”. Em contrapar-
tida, a mesma Funai não tomou precauções para evitar Os Tapayuna eram chamados
a epidemia de gripe que praticamente dizimou o grupo. de beiço de pau.
Diante dessa tragédia, o órgão chamou os jesuítas da
Prelazia de Diamantino para trabalhar na recuperação
dos sobreviventes.

Suas aldeias são no pa-


drão jê, assim como as
dIzImAdos PeLA grIPe Em 1969, um grupo de dos Kisêdje, com um cír-
jornalistas foi ao encontro dos Tapayuna para uma culo de casas em torno de
reportagem e um deles encontrava-se gripado. As uma grande praça, na qual
consequências foram relatadas em uma reportagem encontra-se a casa dos ho-
do Jornal da Tarde (14/02/1970) sobre a situação mens (ver Kisêdje, pg. 96).
dos Tapayuna logo após a epidemia:
“Poucos dias depois de Peret, Padre Iasi pode
chegar, não havia ninguém para resistir. Contou
73 cadáveres insepultos e calculou em mais de
Você sabia?
100 o número de mortos, porque a tribo tinha
quase 200 pessoas. Ele e o irmão Vicente Cañas
S A trágica história dos Tapayuna
só conseguiram reunir 40 dos que haviam se continua presente na memória
espalhado; muitos morreram no mato. desse povo. Mesmo dentro do
PIX, temeram represálias. Por
Em sinal de luto, os sobreviventes queimaram muito tempo foram considerados
a aldeia, jogaram fora as armas e partiram com "incivilizados" por desconhecerem
os dois missionários para um novo lugar. Esco- os costumes e tecnologias
lheram o pequeno rio Parecis, 200 quilômetros dos outros povos do Parque.
Por exemplo, eles não sabiam
ao sul. Desanimados, só olhavam Iasi e Vicente processar a mandioca no
construírem duas cabanas de pau-a-pique, duas estilo xinguano nem fazer ou
choças de folhas de palmeira e plantarem uma remar em canoas, e falavam de
maneira considerada estranha e
roça de milho.” arcaica, apesar de falarem língua
semelhante aos seus anfitriões.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 123


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo tAPAyunA

fotos: beatriz de almeida matos


Atividade de registro do projeto Histórias Tapayuna. Ancião da aldeia Kawêretxikô
Aldeia Kawêretxikô (TI Capoto-Jarina). (TI Capoto-Jarina).

No início de 1970, os Tapayuna foram transferidos


para o Parque Indígena do Xingu, mas as consequências saiba que
das doenças e da transferência reduziram ainda mais o
contingente tapayuna a 31 indivíduos. Alguns escapa- S Em tupi, tapayuna significa gente
ram da transferência e morreram antes que qualquer preta, escura, e talvez por se
pintarem com jenipapo, viajantes
expedição pudesse recontatá-los. já registravam a existência desse
Em 1980, os Tapayuna se sentiram suficientemente grupo desde os anos 1860, na
fortes para construir uma aldeia própria dentro do PIX, região do rio Arinos próxima ao
município de diamantino (MT).
localizada acima da confluência do rio Suiá-Miçu com nessa região, eram conhecidos
a margem direita do Xingu. Ficaram entre os Kisêdje por Beiço de Pau, certamente
apenas alguns órfãos e adultos que tinham se casado em razão do uso de discos de
madeira no lábio inferior. no PIX,
com membros do grupo. Um Tapayuna, porém, foi os Kisêdje, que os acolheram
morto pelos Kisêdje e, temerosos de mais assassinatos, quando chegaram ao Parque, os
boa parte dos Tapayuna que restaram foi morar com chamavam de "Suiá novo".
os Metyktire (subgrupo Kayapó), na TI Capoto-Jarina.
S A língua tapayuna pertence
Os Tapayuna vivem desde meados da década de 1980 à família Jê e está ameaçada
fora dos limites do PIX, em duas terras indígenas contí- de extinção porque seus
guas. Uma parte da população vive nas aldeias Ngojhwêrê falantes vivem em aldeias do
povo Mebengôkrê que são
(se pronuncia mais ou menos nhoguêre) e Ngosôkô, am- numericamente majoritários.
bas na TI Wawi, do povo Kisêdje. A outra habita a aldeia como são línguas geneticamente
Kawêretxikô, na Terra Indígena Capoto-Jarina, território assemelhadas e estruturalmente
parecidas, o mebengôkrê
dos Mebengôkrê (mais conhecidos como Kayapó). Seu influencia diretamente os
território tradicional, porém, inclui áreas do PIX, as quais falantes da língua tapayuna.
ainda utilizam para fazer roças, coletas e caça. Esses ou sabem falar as
Atualmente, os Tapayuna são cerca de 60 indivíduos duas línguas ou apenas
compreendem o mebengôkrê.
distribuídos nas TIs Wawi e Capoto-Jarina, mas continu-
am da frequentar o PIX em suas atividades tradicionais.

124 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

trumai ALdeIAs
trumAI

Fontes: Terras Indígenas e aldeias (ISA, 2011); Hidrografia (SIPAM/IBGE, 2004)


gu
O

Xin
s Trumai são considerados o último grupo a

Rio
chegar na região dos formadores do rio Xin-
gu, tendo atingido a região na primeira me- PIX
tade do século XIX. Sua língua é considerada isolada, Den
Rio Von en
Stein
isto é, não apresenta parentesco com nenhuma outra
língua do Xingu nem com outras famílias linguísticas
brasileiras. Desde a chegada de Karl von den Steinen ao
Xingu, na segunda metade do século XIX, os Trumai já
eram conhecidos pelo nome que possuem atualmente.
Os conflitos e guerras com outros povos causaram
inúmeras perdas, reduzindo o número de habitantes
nas aldeias. Posteriormente, a situação se agravou com
a chegada de epidemias de gripe, disenteria e sarampo,
que dizimaram famílias inteiras. As guerras e as epide-
mias causaram tanta depopulação entre os Trumai, que LínguA: TruMAI

o grupo chegou a ser considerado em vias de extinção. PoPuLAção: ~100


emmanuel de vienne

Pesca ulani, na qual, ao flechar, o pescador imita o som feito pela garça. Aldeia Steinen, 2005.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 125


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo trumAI

Foram os Já o tawarawanã é uma festa simples


Trumai que trouxeram para o Alto Xingu as e alegre, que as pessoas realizam pela
festas de jAwArI e tAwArAwAnã . manhã. Os homens vestem uma espécie
de saia feita de buriti e se enfeitam com
O jawari é um ritual dedicado aos folhas de bananeira, cocares e folhas de
guerreiros mortos, cujo evento central é a uma árvore cheirosa (hik'ada xudak), usa-
disputa, entre dois grupos, de arremesso das nos braços e no rosto. Eles dançam,
de dardos através de um propulsor. A enquanto os cantores, sempre dois, ficam
festa é permeada por um conjunto ex- sentados. Um dos cantores toca chocalho
tenso de cantos e de situações contendo e outro um tipo de tambor de bambu de
diálogos polêmicos. Segundo a inter- taquara. As mulheres usam pinturas cor-
pretação de alguns estudiosos, o jawari porais e dançam em pé sozinhas, acom-
agregaria em seus rituais os símbolos da panhando o ritmo dos homens. Depois
guerra e da paz, criando o espaço para a se juntam a eles, segurando na ponta da
manifestação da aliança com os inimigos saia dos homens. Dançam então rodando
e com as mulheres. com eles pelo centro da aldeia.

acervo museu do índio/funai


As estimativas apontam que em 1938, por exemplo,
havia 43 indivíduos Trumai; em 1952, apenas 18; em
1966, 26. O grupo foi aos poucos se recuperando
graças a casamentos com pessoas de outras etnias e
crescimento vegetativo.

- brasil
Atualmente, habitam a área central do Parque
Indígena do Xingu, distribuídos em três aldeias: Três
Lagoas, Boa Esperança e Steinen. Esses locais situam-
se a meio caminho do Posto Leonardo Villas Bôas e
do Posto Indígena Diauarum. Há também famílias
vivendo em outros locais dentro do PIX, bem como
nas cidades de Canarana e Feliz Natal.
O grupo seria oriundo de uma região entre os rios
Araguaia e Xingu, tendo partido em razão de ataques
de outro povo, possivelmente os Xavante. É provável
que tenham chegado ao Alto Xingu através de um
afluente do rio Culuene. A localização de suas aldeias Registro realizado pelo Serviço
no Xingu foi alterada inúmeras vezes, sendo que eles de Proteção ao Índio.
exploraram diversas localidades. Tiveram também
conflitos com outros povos da região, tendo sofrido
ataques por parte dos Yudjá (Juruna) e especialmente
dos Kisêdje (Suiá).

126 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

povo trumAI
Em um longo período de convivência, absorveram
saiba que
os elementos fundamentais da cultura altoxinguana,
apesar de nunca deixarem de ser vistos e de se verem
como diferentes. S dos grupos presentes na bacia
do Alto Xingu, os Trumai foram
Até os anos 1950, os Trumai moviam-se dentro os últimos a se instalar na
dos limites de seu território (na região do baixo região. Sua língua é isolada, mas
rio Culuene) ou procuravam proteção nas aldeias consideravelmente influenciada,
em tempos recentes, pelo
de grupos vizinhos, como os Aweti ou os Nafukuá. kamaiurá e outras línguas.
Posteriormente, afastaram-se dessa área rumo às pro-
ximidades do Posto Indígena Diauarum, em razão de S A atual situação linguística dos
epidemias de sarampo e gripe que sofreram naquele Trumai é sensível, pois não
há muitos falantes da língua.
período. Viver perto de um posto indígena propiciava A maioria das crianças fala o
aos Trumai a oportunidade de receber assistência mé- português como primeira língua;
dica, garantindo então a sobrevivência dos membros algumas delas também dominam
outras línguas xinguanas,
do grupo, já bastante reduzido na época.
como o kamaiurá, o aweti ou
A partir de 1968, ergueram uma aldeia nas o kisêdje. Algumas tentativas
proximidades do Posto Leonardo, relativamente têm sido feitas no sentido de
perto de alguns de seus locais tradicionais. Passada estimular o uso da língua trumai,
com destaque para o trabalho
educacional dos professores
indígenas. Através de suas aulas,
emmanuel de vienne

eles vêm tentando encorajar


os mais jovens a voltarem a
empregar o trumai nas atividades
do dia a dia. o trabalho de
revitalização da língua é, na
realidade, uma tarefa de longo
prazo, que exigirá não somente
o empenho dos professores,
mas também a participação da
comunidade como um todo.

Caminho para a roça no campo de sapé. Aldeia Steinen, 2005.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 127


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo trumAI

helio mello
uma fase de recuperação
demográfica e social - que
também ocorreu com ou-
tros povos do parque -,
mudaram-se para uma nova
aldeia, localizada abaixo do
rio Morená (na margem
esquerda do rio Xingu),
em um local chamado de
Malakafia ou Pato Magro.
Posteriormente, deixaram
esse lugar, mudando-se
para a aldeia Três Lagoas, Matsilake Trumai, à direita, uma
igualmente na margem esquerda do Xingu. Outra das únicas falantes da língua
Trumai, e sua filha.
aldeia, denominada Boa Esperança, surgiria alguns
anos mais tarde na área conhecida por Awara'i, que
os Trumai já haviam habitado anteriormente. No
final dos anos 1980, uma terceira aldeia foi criada, a
Steinen, às margens do rio de mesmo nome.
Nesse período, parte do território habitado até
as décadas de 1950 e 1960 havia sido ocupada por
outros grupos altoxinguanos ou havia sido rearran-
jada para outras funções – como é o caso da área do
Jacaré, local de uma antiga aldeia Trumai que foi
utilizado para a instalação de uma base aérea mi-
litar. Os Trumai, contudo, visitam periodicamente

emmanuel de vienne

Crianças voltando do rio debaixo da chuva. Aldeia Boa Esperança, 2004.

128 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

acervo museu do índio/funai

povo trumAI
as roças e sítios antigos, de
modo que o trecho xingua-
no entre o Posto Leonardo
e o Posto Diauarum é uma
área vastamente percorrida

- brasil
e explorada por eles.
Modo de vida
Embora tenham in-
corporado vários padrões
culturais altoxinguanos,
os Trumai preservam de-
terminadas características Troca de presentes na
que ainda os tornam distintos dos demais povos época do contato.
desta área. Por exemplo, não realizam a cerimônia
do kuarup e consomem alimentos proibidos para
os altoxinguanos, como a capivara e certos animais
de pelo. A pintura corporal composta por padrões
Você sabia?
geométricos em negro foi introduzida por eles no
complexo altoxinguano.
Os indivíduos trumai do presente contam que S Enquanto ainda se encontravam
estruturados em seus territórios nos
seus ancestrais pré-xinguanos dormiam em esteiras períodos que antecederam o contato
(weset); utilizavam como armas a borduna (nai) e o mais sistemático com os brancos, os
propulsor de flechas (hopep). Os homens amarravam Trumai eram os únicos a enfatizar
a feitiçaria e a agressividade como
o pênis com embira e usavam cabelos compridos; as base para obtenção de prestígio e
mulheres utilizavam uma faixa que envolvia a cintura, status social.
passando entre as pernas (tal faixa era denominada
tsapakuru e era feita de desnit, um tipo de embira).
Após a chegada ao Alto Xingu, os Trumai começaram
a incorporar hábitos comuns aos povos da área, como
o uso de arcos e flechas e o costume de dormir em
redes. O termo usado para denominar a rede é um
neologismo, que provavelmente foi cunhado depois
que tiveram contato com esse objeto: esa-k ("aquele
que dança"), referindo-se ao fato de que a rede "dan-
ça" quando é balançada. As mulheres substituíram a
faixa tradicional pelo uluri e os homens passaram a
cortar o cabelo e adornar o corpo da mesma forma
que os demais povos altoxinguanos. Assimilaram
também diversos aspectos da mitologia e das festivi- sAIbA mAIs:
dades locais e, ao mesmo tempo, ensinaram algumas Monod Becquelin, Aurore. 1993
de suas tradições aos outros grupos.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 129


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

waurá ALdeIAs
wAurá

Fontes: Terras Indígenas e aldeias (ISA, 2011); Hidrografia (SIPAM/IBGE, 2004)


gu
O

Xin
s Waurá sempre tiveram o baixo rio Batovi

Rio
como território tradicional. A história desse
povo começou há pelo menos mil anos antes PIX
da chegada do etnólogo Karl von den Steinen (entre Den
Rio Von en
Stein
1884 e 1887), que soube da existência desse povo a
partir de informações obtidas pelos Kisêdje (Suiá). Na
segunda metade do século XIX, havia 13 aldeias wau-

vi
rá ao longo do rio Tabapuã, um afluente da margem

Bato
direita do Batovi.

Rio
Nessa época, os Waurá dividiam com os Bakairi,
originários dos rios Paranatinga e Novo, o domínio das
terras da bacia do Batovi. Ambos os povos mantinham
intenso e amistoso convívio e juntos faziam muitos ri-
tuais. Os Bakairi tinham, na mesma época, seis aldeias. LínguA: fAMÍLIA AruAK

Os Waurá (ou Waujá, como seu nome também é PoPuLAção: ~410

comumente grafado) são falantes de uma língua da outrAs grAfIAs: wAuJá

harald schultz

Acabamento interno de panela com carvão e resina.

130 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

povo wAurá
família aruak, tanto quanto os Mehinako e os Yawa-
lapiti, dentro do PIX, e dos Pareci e Enawene Nawe,
etnias que vivem também no Mato Grosso. Nomes de
origem waurá marcam a toponímia do Alto Xingu mais É circular, seguindo o sis-
para leste. Os nomes dos rios Culuene e Curisevo, por tema típico xinguano de
exemplo, são de origem aruak. uma praça central com a
Os Waurá têm duas aldeias, na região mais próxima casa das flautas. As unida-
aos limites sul do Parque. A primeira e mais antiga des residenciais na aldeia
fica nas proximidades da lagoa Piyulaga, que significa Piyulaga estão rompendo
"lugar" ou "acampamento de pesca". A outra aldeia aos poucos o padrão xin-
fica bem no limite sul, na confluência dos rios Batovi guano de vários parentes
e Bacaeri, onde está instalado o Posto de Vigilância de sangue de uma família
Batovi que fica sob controle desses índios. Esse Posto extensa e seus afins mora-
foi instalado no início dos anos 1990, depois que, em rem na mesma casa.
1989, 16 pescadores armados ameaçaram um grupo

rosa gauditano/studior
de Waurá dentro dos limites da TI Batovi (ver box, pág.
132), que ainda não estava demarcada. Esse incidente
foi seguido de mais ameaças encomendadas por uma
grande empresa agropecuária que sentia-se prejudicada
com a notícia da oficialização da TI Batovi. Os Waurá
possuem, ainda, mais duas aldeias: Ulupuene e Aruak.
Modo de vida
Os homens waurá, além de pescar com arco e flecha
ou com todo arsenal de apetrechos industrializados,
usam o tingui para capturar peixes imobilizados pelo
poder tóxico desse cipó. Eles também são produtores
de sal, feito a partir do processamento do aguapé, uma
planta aquática nativa que sabem manejar para garantir

Os Waurá são notórios por sua cerâmIcA. As imensas


panelas para cozinhar o sumo da mandioca para a produção do mingau nukaya, fabri-
cadas pelas mulheres waurá e sempre presentes em todas as casas altoxinguanas, são
reconhecidas como as melhores e o valor de troca é alto. Os homens waurá também
produzem uma cestaria peculiar pelo formato, pela fibra usada e pelo desenho do
trançado, facilmente identificável. Além de apreciados pelos demais grupos do próprio
Parque, os cestos e as cerâmicas waurá têm ótima aceitação no mercado de artesanato
indígena brasileiro, o que resulta em importante fonte de renda para comprar bens
industrializados dos quais dependem.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 131


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo wAurá

confLIto com VIzInhos e LutA Por terrItórIo trAdIcIonAL A demarcação da


Terra Indígena Batovi, contígua ao PIX, em 1998, amenizou as tensões entre os Waurá
e seus vizinhos fora do Parque, mas não o suficiente para as suprimir. Segundo alguns
representantes desse povo, pescadores e caçadores continuam a solicitar aos índios
permissão para explorar recursos naturais no sudoeste do Parque, área de vigilância
que se encontra sob a responsabilidade desses índios.
Além disso, os Waurá não conseguiram reconquistar todo o território tradicional
perdido com a delimitação do PIX e não irão sossegar enquanto não reocuparem um
sítio arqueológico chamado Kamukuwaká, a 40 km ao sul da foz do rio Ulupuene, no
alto rio Batovi. Nesse local, há uma grande cachoeira ladeada por uma gruta cujas
paredes contêm muitos desenhos que são todos explicados pela mitologia waurá.

harald schultz
que a grande quantidade dessa matéria-prima não se
esgote. São também os homens que confeccionam todo
o aparato cerimonial das máscaras e cocares, além dos
brincos com a plumagem de tucano e mutum.
Os homens ainda derrubam a mata, queimam e fa-
zem o plantio da roça. Cabe às mulheres colher e carregar
seus produtos até a aldeia, para preparar os alimentos,
cuja base é o polvilho da mandioca para produção de
beiju. São as mulheres, também, que produzem a cerâ-
mica, a partir da argila que recolhem no alto rio Batovi.
Já os cestos são de fabricação exclusivamente mas-
culina. Os seus usos seguem basicamente os princípios
da divisão sexual do trabalho: o trançado de pesca
é de uso masculino e o trançado doméstico de uso
feminino. Os Waurá possuem três principais tipos de
cestos: mayapalu, mayaku e tirumakana. O primeiro, de Confecção de esteira.
trama aberta e sem desenhos, é usado para o transporte
de carga ou para guardar a mandioca dentro de casa,
antes do processamento; os dois últimos, de tramas
fechadas, são decorados com uma grande variedade
de motivos gráficos. São os mais valorizados para as
trocas interétnicas dentro dos rituais altoxinguanos e
pelo mercado de artesanato indígena.
Além de consumir os produtos cultivados, a coleta
sazonal de bacaba, murici, ingá e frutos de palmeiras
e pequi são importantes para a complementação da
dieta. Privilegiam a pesca à caça.

132 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

yawalapiti ALdeIAs
yAwALAPItI

Fontes: Terras Indígenas e aldeias (ISA, 2011); Hidrografia (SIPAM/IBGE, 2004)


gu
O

Xin
nome Yawalapiti significa "aldeia dos tucuns"

Rio
e é hoje usado por esse grupo como auto-
denominação. A "aldeia dos tucuns" seria PIX
a localização mais antiga de que se recordam e está
situada entre o Posto Diauarum e o travessão Morená
(sítio próximo à confluência dos rios Culuene e Batovi).
No final do século XIX, quando foram visitados
pelo etnólogo alemão Karl von den Steinen, os Yawala-

Rio Curisevo
piti estavam localizados no alto curso do rio Tuatuari,
numa região entre lagoas e pântanos identificada pelos
índios como local de muitas de suas aldeias mais antigas.
O etnólogo ficou impressionado com a pobreza em que
estavam; mal dispunham de alimento para oferecer aos
visitantes. Os Yawalapiti identificam essa época como o
início de sua decadência como grupo, que iria culminar LínguA: fAMÍLIA AruAK

na dissolução da aldeia na década de 1930. PoPuLAção: ~160


eduardo viveiros de castro

Yawalapiti em kuarup em aldeia waurá.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 133


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo yAwALAPItI

Esse povo fala uma língua que pertence à família


aruak. Dentro do PIX, só os povos Mehinako e Waurá
também falam línguas dessa mesma família. A atual
e única aldeia yawalapiti está no encontro dos rios Fiel ao padrão altoxingua-
Tuatuari e Culuene, local de terra fértil a cerca de 5 no, a aldeia yawalapiti é
quilômetros do Posto Indígena Leonardo Villas Bôas. circular, tendo as casas co-
Nessa aldeia, além do núcleo original yawalapiti, munais circundando uma
vivem índios Kamaiurá, Kuikuro, Kalapalo, Waurá e praça limpa de mato. No
Mehinako, em função de casamentos. centro dessa praça ergue-
O primeiro contato historicamente registrado se uma casa frequentada
dos Yawalapiti com não indíos ocorreu em 1887, apenas pelos homens e
quando foram visitados pela expedição de Steinen. Os destinada a ocultar as flau-
Yawalapiti contam ter saído da "Aldeia dos Tucuns" tas sagradas apapálu. É
devido a ataques dos Manitsauá (alguns informantes nessa casa, ou em bancos
dizem ter sido dos Trumai), que dizimaram muitos diante dela, que os homens
dos seus. Tatîwãlu, chefe dessa aldeia e mais remoto se reúnem para conversar
ancestral histórico dos Yawalapiti, morreu ali. Seu ao cair da tarde e onde se
irmão e seu primo vieram subindo o rio Culuene, pintam para as cerimônias.
liderando os Yawalapiti restantes. Na boca do rio A casa das flautas é de
Tuatuari, houve a divisão do grupo: o irmão de Ta- construção semelhante às
tîwãlu seguiu pelo ribeirão Tuatuari acima e o primo residências, tendo ape-
foi até as cabeceiras do Culuene. O grupo que ficou nas uma ou duas portas
no Tuatuari estabeleceu-se em Yakunipi, primeira voltadas para o centro. As
aldeia dos atuais Yawalapiti. flautas ficam penduradas
Em razão do crescimento populacional, os Yawa- na viga mestra; durante
lapiti de Yakunipi abriram outras aldeias na região o dia devem ser tocadas
conhecida por Puía ("Lagoa"), um triângulo de terras dentro da casa e à noite
altas entre lagoas e buritizais alimentados por um (quando as mulheres já
braço do Tuatuari. Na metade da década de 1940, se recolheram) os homens
sofreram uma crise que levou a uma dispersão tem- podem tocá-las no pátio.
porária de sua população entre aldeias
acervo isa

Kuikuro, Mehinako e Kamaiurá.


Na época da chegada dos irmãos
Villas Bôas à região, os Yawalapiti
reconstruíram sua aldeia, reorgani-
zando-se como grupo. Entre 1948 e
1950, estavam no antigo sítio da Lagoa
(Puía). Por sugestão dos Villas Bôas
saíram dali no início dos anos 1960
transferindo-se para perto do Posto
Indígena Leonardo, onde ficaram até
os anos 1990.

134 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

Modo de vida

povo yAwALAPItI
saiba que
As mulheres raramente vão ao centro da aldeia,
a não ser em certas cerimônias, quando se invertem
papéis sexuais, ou quando se trata de moças reclusas S Mesmo compartilhando de uma
série de costumes e rituais comuns
que são apresentadas à sociedade pela primeira vez. O aos altoxinguanos, os yawalapiti
centro é o lugar visível por excelência, em contraste concentram em si o marco distintivo
com o módulo de reclusão, montado dentro da casa de um ideal de comportamento
respeitoso e recatado comum a
do rapaz ou da moça, que ali são retidos até saírem da eles. na versão yawalapiti, isso é
puberdade (em média dos 14 aos17 anos). Ir ao centro identificado pelos termos pariku
é tornar pública a pessoa social. (vergonha) e kamika (respeito), que
A pesca é atividade masculina por excelência; os se expressam em comportamento
pacífico e previsível, bem como
rios da região são abundantes em peixe e, na época da generoso em relação àqueles
seca, quando os rios baixam, os Yawalapiti utilizam hierarquicamente superiores.
redes (de procedência não indígena), anzóis, flechas
e timbó para a obtenção deste alimento. Os peixes S É respeito, mas é também
"medo", no sentido de evitar
podem ser assados direto no fogo, moqueados ou co- coisas perigosas. Isso pode servir
zidos. A mandioca também é plantada pelos homens, de explicação para a habilidade
que derrubam, queimam e limpam as roças. Estas são diplomática dos yawalapiti,
seja com seus pares, seja com
propriedade individual, masculina, assumida tão logo os não índios. certamente pela
o jovem entra em reclusão. As mulheres arrancam as proximidade de sua aldeia com
raízes e as carregam, ralam e espremem o suco vene- o Posto Leonardo, puderam
noso. Homens e mulheres cozinham o peixe, mas a exercitar esses atributos atuando
como espécie de intermediadores
manipulação da mandioca é inteiramente feminina. ao contato de seus afins com
As mulheres são também encarregadas do forneci- estrangeiros (pesquisadores,
mento de água na aldeia. São elas que fiam o algodão visitantes e funcionários públicos)
por meio de negociações das
plantado nas roças, tecem as redes e as esteiras de espre-
condições de remuneração e
mer mandioca, e preparam a pasta de urucum, o óleo distribuição dos bens decorrentes
de pequi e a tinta de jenipapo, usados na ornamentação dessas visitas.

IdIomA em PerIgo O baixo número de falantes da língua yawalapiti pode ser considerado
o principal problema do grupo e se o esforço de ensiná-la às crianças não vingar, a língua
corre o risco de desaparecer. Quando a Expedição Roncador-Xingu chegou à região do
PIX, os Yawalapiti encontravam-se reduzidos e bastante fragilizados. Havia praticamente
uma só família, ou seja, constituíam-se por duas parentelas que se casaram entre si. A
recomposição dos Yawalapiti foi promovida pelos irmãos Villas-Bôas por solicitação de
membros desse grupo. O aumento populacional foi possível por meio de casamentos com
outras etnias, principalmente os Kuikuro e os Kamaiurá. Alguns Yawalapiti foram residir
em outras aldeias. Por causa dessa situação, vêm demonstrando interesse crescente em
recuperar a língua e já estão contando com a assessoria de uma linguísta.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 135


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

eduardo viveiros de castro


povo yAwALAPItI

corporal. Os homens fazem os cestos, os instrumentos


cerimoniais (flautas e chocalhos) e realizam todos os tra-
balhos em madeira (bancos, arcos, pilões, pás de virar o
beiju etc.). São ainda os homens que constróem as casas.
A caça reduz-se a algumas aves consideradas comestí-
veis (jacu, mutum, macuco, pomba), aos macacos-prego,
eventualmente comidos, e à aquisição de penas para
enfeites; certas aves são também animais de estimação. A
agricultura concentra-se no cultivo da mandioca brava,
mas outras variedades de mandioca são plantadas em
menor quantidade. Milho, banana, algumas espécies de
feijão, pimenta, tabaco e urucum são algumas das outras
espécies cultivadas.
A coleta de frutos como a mangaba consiste em im-
portante componente alimentar; na época das chuvas
comem ingá, macaúba e outros frutos de palmeira. O Yawalapiti no jawari dos Waurá.
pequi é coletado e processado (para retirada do óleo)
em janeiro; ovos de tracajá são coletados em agosto,
tempo da desova.
A mandioca é basicamente consumida sob a forma
de beiju, de mingau de beiju dissolvido em água (uluni)
e de um mingau resultante da fervura do suco venenoso
(nukaya). O polvilho que resta no fundo das panelas
de espremer, bem como parte da massa, é armazenado
em silos no centro das casas.
Os mortos, sejam homens ou mulheres, são enter-
rados no centro da aldeia, em um túnel que liga dois Você sabia?
buracos, onde assentam dois esteios que seguram a rede
do morto (que fica no túnel), para os mortos de mais
prestígio (associado à posições e funções de liderança S os yawalapiti têm colocado em
cheque as regras de residência
e chefia), ou em cova simples para os demais. altoxinguanas associadas ao
A festa dos mortos, difundida com o nome kamaiurá casamento. Idealmente, essas
kuarup, é chamada pelos Yawalapiti de itsatí ou amakaká- regras preveem para os homens
um estágio de permanência
ti. Para eles, com a morte, os humanos não retornam ao na casa dos sogros (os pais da
mundo mítico, mas se transformam “nos antigos” e suas esposa podem residir em outra
almas não são espíritos, mas são capazes de vida eterna, aldeia), seguida do retorno
definitivo à casa dos pais
embora corram riscos de desaparecer na trajetória até o juntamente com ela. no entanto,
céu onde residem. O céu é o império dos pássaros che- alegando serem inferiores
fiados pelo urubu bicéfalo, "dono do céu". Na "barriga numericamente em comparação
da terra", embaixo do chão, mora uma mulher-espírito, com as demais etnias, adotaram
uma política explícita de não
a "dona da terra", gorda, com um seio só, que amamenta deixar ninguém sair da aldeia
os mortos femininos e copula com os mortos masculinos. por razões matrimoniais.

136 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu

yudjá ALdeIAs
yudjá

Fontes: Terras Indígenas e aldeias (ISA, 2011); Hidrografia (SIPAM/IBGE, 2004)


gu
Y

Xin
udjá é a autodenominação do povo que sem-

Rio
pre foi conhecido por Juruna. O trabalho de
pesquisa e ação desenvolvidos por professores PIX
indígenas nas escolas do Parque do Xingu nos anos
1990, e que deu muita ênfase às identidades étnicas
e às especificidades culturais dos professores, motivou
esse povo a adotar sua autodenominação, deixando o
termo Juruna para trás. O nome antigo pode significar
“boca preta” em língua geral (ou nheeengatu) por conta
de uma tatuagem que esse povo usava quando o seu
território no baixo rio Xingu foi invadido, no século
XVII. Os Yudjá falam uma língua do tronco tupi e
contam com uma população de cerca de 350 pessoas. LínguA: fAMÍLIA JurunA
(do Tronco TuPI)
Os Yudjá contam que seu território original esten-
dia-se por toda a região da Volta Grande do Xingu PoPuLAção: ~350

(isto é, a grande curva do rio onde hoje está situada tAmbém conhecIdos Por: JurunA
outrAs grAfIAs: yurunA, IudJá
paula mendonça/isa

Festa taratararu.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 137


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo yudjá

a cidade de Altamira) até a desembocadura do rio


Fresco, também no Pará. Foram as frentes econômicas
lideradas pela economia da seringa que obrigaram os
Yudjá a abandonar o baixo rio Xingu e buscar refúgio Na tradição, os Yudjá são
para além das fronteiras do Mato Grosso. exímios cAnoeIros . Para
Consta que a fundação da cidade de Belém, eles, esse fato lhes confere
capital do Pará, em 1615, foi um dos vetores de um status importante. Foi
invasão do território Yudjá e de outros povos do perguntado a um homem
baixo rio Xingu ao longo do século XVII. Antes de yudjá por que ele vai de
conhecerem os brancos, seus antepassados abando- canoa quando sai para
naram esse território, fugindo rio Xingu acima, em caçar. Resposta: “Não po-
função da morte de uma liderança que chefiava as demos andar a pé, não so-
três aldeias então existentes. Teria sido na boca do rio mos índios! Temos canoas
Fresco que conheceram os brancos, por intermédio para navegar”.
dos seringueiros.
Os Yudjá trabalharam para seringalistas e um epi-
sódio associado à morte de uma vaca, por ingestão do
caldo venenoso de mandioca brava, os fez fugir por
medo de represálias pelo patrão Constantino Viana,
chegando na região da Cachoeira Von Martius onde se

simone athayde/isa

Uso do manto do pajé em festa yudjá.

138 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
fotos: simone athayde/isa

povo yudjá
saiba que

S o grande desafio dos yudjá


é para onde crescer. não há
efetivamente outro lugar para
onde as pessoas possam se
mudar. rio acima vivem os
Kawaiweté (Kaiabi), e abaixo
os Metyktire (ou Txukahamãe).
Apesar da considerável extensão
do PIX, os yudjá aí vivem
relativamente confinados, visto
que pelo menos a metade do
trecho do rio explorado por
este grupo nos últimos 100
anos, faz parte hoje da Terra
Indígena capoto-Jarina, e suas
relações com os Txukahamãe
que ali habitam não são
suficientemente tranquilas
para garantir aos yudjá direitos
de exploração dos recursos
naturais e simbólicos no trecho
entre a Br-8o e a cachoeira Von
Martius. Por mais incrível que
pareça, o Xingu não é mais rio o
bastante para acolher os yudjá.

Cabaças e flauta com padrões de pintura yudjá.

estabeleceram e onde se situa a única aldeia das almas


dos mortos yudjá existente na região.
Para permanecer no Alto Xingu, os Yudjá tiveram
de travar alguns conflitos sangrentos com os povos da
região, especialmente os Kamaiurá e os Kisêdje (Suiá).
Durante um período, os Yudjá perderam totalmente
sua autonomia política: os guerreiros foram massa-
crados e as demais pessoas tornaram-se prisioneiras
dos Kisêdje (sendo algumas delas roubadas mais tarde
pelos Kamaiurá). Por fim, um velho fugiu para ir
buscar em Pedra Seca o auxílio de Constantino Viana
e seus homens, resultando disso um massacre para
os Kisêdje e a recuperação da independência pelos

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 139


povos indígenAs no pArque indígenA do xingu
povo yudjá

Você sabia?
cAuIns de mAndIocA Dentre as muitas bebidas
fermentadas produzidas pelos Yudjá, destacam-se,
por sua importância na dieta e seu simbolismo, dois S os yudjá tocam cerca de doze
tipos de flautas. Algumas têm
cauins de mandioca, o dubia e o yakupa. Por seu suas próprias festas, como
poder embriagante, o dubia é cercado de mistério pïreuxĩxĩ (flauta de taquara curta)
e a fermentação não deixa de ser uma transubstan- e taratararu (flauta de taquara
comprida), enquanto algumas
ciação. Objeto de diversas relações simbólicas com podem ser tocadas no dia a dia,
a Pessoa, o cauim é simultaneamente um “filho” da como a bïaxĩxĩ (flauta de pã). de
mulher que o produz e uma “carne de caça” cujos acordo com a mitologia yudjá, esse
povo não sabia tocar flauta. um
pelos espetam o coração das pessoas. Sua alma
dia, muitos homens saíram para
toma o caminho que conduz ao país dos mortos caçar e ficaram poucas pessoas
que habitam os rochedos do Xingu. na aldeia. Apareceram uns bichos
d'água que transformaram-se em
pessoas. Eles começaram a tocar
suas flautas. ficaram vários dias
na aldeia ensinando os homens
Yudjá, que assim puderam estabelecer uma aldeia mais velhos a tocar cada tipo
de flauta. ficavam dançando
própria com apenas quatro homens, cerca de dez e tocando no centro da aldeia.
mulheres e quase nenhuma criança. Alguns anos mais Quando os caçadores voltaram,
tarde, em 1950, logo após as relações de paz impostas os bichos d'água disfarçados de
gente entraram no rio levando as
pela Expedição Roncador-Xingu que ali entrara havia mulheres da aldeia com eles. Mas
aproximadamente dois anos, a população Yudjá estava a música que eles ensinaram, os
reduzida a 37 pessoas. yudjá não esqueceram e são elas
que tocam até hoje (adpatação de
história contada por Karandindi
Modo de vida Yudjá, da aldeia Tuba Tuba, em
junho de 1999).
A produção da vida social Yudjá é regida basicamen-
te por um princípio sociológico encarnado na figura josé medeiros/acervo instituto moreira salles

de um “dono”, por cujo intermédio um conjunto de


pessoas ligadas por relações de parentesco é transfor-
mado em um grupo plenamente político, tenha este
a amplitude de um conjunto de aldeias formado por
uma aldeia-mãe e as outras menores que dela derivam,
ou a de um grupo doméstico ocupante de uma seção
residencial (ou mesmo de uma única casa).
Existe ainda outra expressão da figura sociológica
do dono que é igualmente importante. Trata-se de uma
posição ocupada efemeramente por qualquer homem
casado e/ou dono de roça que tome a iniciativa de pro-
mover uma atividade coletiva, como uma caçada, uma
pescaria com timbó, uma festa ou mesmo a puxada de
uma canoa nova desde a floresta até o porto. Homens yudjá tocam flautas.

140 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

tawayku juruna

capítulo 4 | conhecimento indígena


Desenho de mata ciliar realizado por um agente indígena de manejo.

conhecimento indígena
O saber dos índios do Xingu inclui sofisticadas formas de descrição
do relevo, dos solos, da vegetação e classificação de espécies,
assim como técnicas de plantio.

E stamos acostumados a associar a


ação das culturas humanas ao longo
da história apenas ao que elas deixaram
de patrimônio cultural e conhecimento
que não apenas as obras artísticas, as
descobertas científicas e a produção
de visível a olho nu – grandes obras tecnológica. O antropólogo e filósofo
arquitetônicas, esculturas ou sinfonias europeu Lévi-Strauss afirmava que “as
anotadas em partituras, só para citar classificações indígenas são metódicas
alguns exemplos. Estudos de ecologia, e baseadas em um saber teórico solida-
arqueologia, antropologia e etnobotâni- mente constituído. Acontece também
ca, porém, demonstram que as culturas de serem comparáveis, sob um ponto
indígenas têm papel fundamental na de vista formal, àquelas que a zoologia
formação das diferentes paisagens que e a botânica continuam a usar”.
hoje conhecemos, o que nos conduz a A intervenção na paisagem pelas po-
reconhecer a existência de outras formas pulações indígenas não é aleatória, mas

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 141


o corAção do brAsil

fruto do profundo conhecimento sobre O conceito de “manejo”, por exem-


capítulo 4 | conhecimento indígena

as inter-relações entre ambiente físico e plo, tão em moda atualmente, vem


biológico e o alcance disso para as socie- sendo praticado por populações in-
dades que nela vivem. Estamos falando dígenas há milhares de anos. O caso
de sofisticadas formas de descrição do dos Kawaiweté (mais conhecidos como
relevo, dos solos, da vegetação e classifi- Kaiabi) é emblemático. Ao se mudarem
cação de plantas e animais, assim como para o Parque Indígena do Xingu (ver
técnicas de plantio. É uma característica Kawaiweté, pág. 91), cujo ambiente
dos povos indígenas e, portanto, dos físico e biológico é bastante diferente,
habitantes do Parque Indígena do Xingu. foram obrigados a empreender um
O legado do conhecimento indígena grande esforço para aí se estabelece-
está diretamente associado à biodiversi- rem. Para manter sua prática agrícola
dade das espécies vivas e, nesse sentido, diversificada, trouxeram amostras das
trabalhos voltados para reconhecer e espécies que cultivavam em suas terras
proteger conhecimentos tradicionais de origem e adaptaram seus conhe-
têm sido um importante foco de in- cimentos no novo território, onde o
teresse da comunidade científica e dos melhor local para o desenvolvimento
próprios índios (ver Patrimônio mate- de seus roçados eram as terras pretas
rial e imaterial, pág. 244). arqueológicas (TPA).

francisco fortes/isa

Área de terra preta no CTL Diauarum.

142 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

simone athayde/isa

pretas e a proximidade dessas manchas de

capítulo 4 | conhecimento indígena


terra é muitas vezes fundamental na es-
colha do local para um novo aldeamento
indígena. Comunidades extrativistas não
indígenas da Amazônia também as utili-
zam para produção voltada à subsistência
e ao mercado. Isso se deve ao fato das
TPA apresentarem características físicas
e químicas distintas, resultando em boa
fertilidade para a agricultura em relação
à maioria dos outros tipos de solos da
Amazônia. As atividades agropecuárias
de médio e grande portes geralmente
desconsideram sua existência.
Terra preta arqueológica no Parque do Xingu. No PIX, há uma variabilidade signi-
ficativa na fertilidade dos solos, que os
índios reconhecem e manejam em seu
Um solo especial
favor. Outro fator de grande relevância
As TPA são um tipo especial de terra, para a prática agrícola é a dinâmica
formado pelo acúmulo de detritos orgâ- hídrica no solo. Os solos da região do
nicos em sítios de moradia e cultivo agrí- Brasil Central (chamados latossolos),
cola de indígenas pré-históricos. Nesses principalmente aqueles localizados
locais também são encontrados vestígios em áreas de cerrado típico, têm baixa
dos antigos habitantes, como cacos de fertilidade, o que faz com que apenas
cerâmica, ossos e carvão. Cientistas culturas altamente adaptadas consigam
estimam que algumas terras pretas são proporcionar colheitas aceitáveis. Esse
muito antigas, datadas entre 100 a 450 é o caso da mandioca, porém as demais
anos antes de Cristo. Manchas de TPA culturas plantadas usualmente pelos
são encontradas em concentrações e ta- índios não toleram essa situação.
manhos variáveis em diversas regiões da Por isso, índios utilizam a terra preta
Amazônia. A área de cada mancha varia que, embora apresente equivalente de
muito com o local, podendo apresentar umidade similar aos solos mais próxi-
de um até cerca de 500 hectares, como mos, têm uma fertilidade total muito
na região de Santarém, no Pará. Na bacia superior, atenuando os efeitos da seca e
do Xingu, existem muitas manchas de permitindo a sobrevivência e a produ-
terra preta decorrentes da intensa ocu- ção de culturas mais exigentes, como o
pação ancestral de povos indígenas na amendoim, e de duração mais longa,
região, geralmente localizadas próximas como a banana.
às beiras de rios e córregos. A seguir, selecionamos alguns exem-
Os povos indígenas costumam plan- plos de manejo praticado pelos índios
tar seus cultivos mais exigentes em terras xinguanos:

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 143


o corAção do brAsil
capítulo 4 | conhecimento indígena

a domesticação do pequi

O pequi é um recurso alimentar


essencial para os povos do Xingu,
sendo um componente de alto valor
sempre presente, além da própria festa do
pequi que acontece durante a safra anual.
A domesticação é um processo
nutritivo na subsistência desses grupos. contínuo que envolve práticas de ma-
Além disso, o óleo de pequi tem vários nipulação direta e intencional durante
outros usos, como proteger e perfumar um longo período de tempo e que
o corpo. Para tanto, é diluído e passado conduzem a mudanças expressivas no
em todo o corpo. genótipo e fenótipo de uma planta.
O sistema de cultivo abrange um Assim, as características de interesse
conhecimento profundo sobre o desen- são selecionadas e perpetuadas pela
volvimento das plantas associadas, consti- intervenção humana, que mantém ou
tuindo um sistema agroflorestal bastante aumenta as características desejáveis -
adaptado às condições de solo e clima da tamanho do fruto, espessura da polpa,
região. Algumas práticas de manejo são coloração da semente, sabor, ausência de
intrínsecas às manifestações culturais espinhos e assim por diante. Acredita-se,
de muitos povos, relacionadas ao mito então, que o pequi dos índios do Xingu
de criação do pequi, onde o jacaré está teria sido significativamente modificado

TIPos de PequI reconhecIdos Por alguns


gruPos Indígenas do Parque do XIngu

gruPos Indígenas esTudados*


crITÉrIos de dIFerencIaÇÃo
Kalapalo Waurá Yawalapiti Kamaiurá Kisêdje
PequI culTIVado
Variedades (diferenças morfológicas da semente)
Vermelho 3 2 1 2 1
Amarelo 1 1 1 1 1
Branco 1 1 1 1 1
Branco para óleo – – 1 – –
Cinza – – 1 – –
Sem-espinho 2 1 1 1 1
Com buraco na semente – 1 – – –
subvariedades

Diferenças palatáveis, olfativas, de espessura 8 7 3 3 7


da polpa, de casca e na maturação
PequI nÃo culTIVado
Silvestre ou do campo 1 1 1 1 1

* Não considerado o sistema de classificação dos Kuikuro, Matipu, Nafukuá, Mehinako, Trumai e Ikpeng.

144 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

capítulo 4 | conhecimento indígena


o que você sabe sobre o pequi? No Brasil, existem oito espécies de pequi,
encontradas desde as florestas úmidas da região amazônica e Mata Atlântica, até
os cerrados do Centro-Oeste, do Sudeste e Sul do país. Algumas espécies são
típicas do Cerrado e podem alcançar uma altura de até 15 metros; no entanto,
existem espécies amazônicas que chegam a 50 metros, formando uma copa de
grande área foliar. O fruto pode conter de uma a quatro sementes. A coloração da
polpa pode variar entre o alaranjado, amarelo claro ou esbranquiçado. O pequi
é uma árvore da família das Caryocaraceae, cujo gênero Caryocar apresenta 16
espécies ocorrendo originalmente desde a Costa Rica, terras baixas da Colômbia,
Peru até o Paraguai.
pedro martinelli/isa
acervo isa

marcus schmidt/isa

Processamento do pequi por índios xinguanos.

veJa tambÉm: Biotecnologia, pág. 249.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 145


o corAção do brAsil

pela manipulação humana e apresenta- do pequi, como a poda de formação,


capítulo 4 | conhecimento indígena

ria características distintas das demais arranhar o tronco com dentes de jacaré
variedades de pequi. para induzir a floração e passar subs-
As aldeias, geralmente, compreendem tâncias preparadas a partir de frutos
vários pequizais, plantados em áreas não ou folhas de determinadas árvores
muito distantes, o que facilita o acesso e que produzem muitos frutos; dese-
o trabalho de coleta. A posse do pequizal nhar figuras de jacaré no tronco e, por
significa não apenas o direito de coleta dos último, a eliminação ou a indução da
frutos na época da safra, adquirido pelo rebrota do tronco para as árvores pouco
plantio dos frutos, mas também a execu- produtivas. De acordo com a mitologia
ção de algumas práticas para a manuten- xinguana, o pequi teria vindo de um
ção dos altos índices de produtividade. homem-jacaré que mantinha relações
A seleção das sementes ocorre durante amorosas com as índias.
a safra, e as características desejáveis para
Classificação
o plantio podem variar entre os diferentes
grupos. Em geral, há uma preferência para Apesar dos critérios de classificação
sementes que apresentem frutos grandes, serem muito semelhantes entre as dife-
com apenas um caroço, com maior es- rentes etnias, há variações bastante sig-
pessura de polpa, coloração avermelhada, nificativas em função da disponibilidade
sabor adocicado, ausência de espinhos e de dos tipos de pequi, além das particula-
alta produtividade. Há critérios que dis- ridades em relação à estrutura de cada
tinguem as variedades mais utilizadas para idioma falado. Para cada etnia, os tipos
alimentação ou para a produção de óleo. de pequi estão agrupados conforme
Várias práticas estão relacionadas alguns critérios de diferenciação, mas o
com o aumento em produtividade sistema de classificação organiza-se em
três níveis hierárquicos: 1) o primário,
que diferencia o pequi a partir de dois
marcus schmidt/isa

domínios, o que é cultivado nas roças e


o silvestre, que ocorre nos campos e cer-
rados; 2) o nível secundário ou varietal,
que inclui as diferenciações relacionadas
à cor da polpa, à ausência de espinhos ou
a perfurações no mesocarpo do fruto; e
3) o terciário, que compreende critérios
fisiológicos (abertura dos frutos antes de
caírem ao chão ou a persistência destes
nos galhos), gosto adocicado ou amargo,
cheiro bom ou ruim, quantidade de
polpa e de casca. As mulheres classificam
o pequi principalmente pelas caracterís-
Árvore do pequi, espécie manejada no PIX. ticas do uso para óleo ou mingau.

146 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

capítulo 4 | conhecimento indígena


os Kawaiweté e a agrobiodiversidade

O s Kawaiweté realizam a manipu-


lação atual da paisagem, segundo
a sua percepção de zonas ambientais e
a história de uso de sítios particulares,
agregando informações sobre a sucessão
vegetal ou aspectos da evolução da ação
dos recursos naturais associados: flora, humana sobre a floresta.
fauna e minerais. O seu ordenamento da Cada denominação identifica um
paisagem expressa conceitos de tempo e conjunto de variações microambien-
espaço. Através do ciclo anual das águas, tais que indicam a existência ou a
o ritmo das estações é traduzido pela densidade de recursos particulares que
frequência, duração e intensidade dos vão dizer se a terra é boa ou não para
períodos de inundação. Isso é eviden- receber roçados.
ciado pelo discernimento dos macro- As áreas usadas para plantio de
ambientes yapopep (floresta inundável roças são aquelas conhecidas como
na época chuvosa) e ka’a rete (floresta “capoeira” em português (ko=roça;
de terra firme que nunca inunda). A kofet=local onde a roça já foi feita).
denominação indígena mostra também As áreas de terra preta são considera-
geraldo silva/isa

geraldo silva/isa
fábio thomas/isa

acervo isa

Em sentido horário: cará, amendoim, fava e milho kawaiweté.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 147


o corAção do brAsil

das “capoeiras legítimas”, as melhores sonima spp), ingá (Inga spp) e caju
capítulo 4 | conhecimento indígena

para o desenvolvimento de policultivos (Anacardium sp). Contudo, professores


alimentares, em geral com bom acesso indígenas listaram 126 espécies frutí-
por água. Estas, apesar de esparsas na feras nativas utilizadas por seu povo.
paisagem de terra firme, assumem um Plantas medicinais também são plan-
papel similar ao dos solos férteis das tadas no quintal, mas dezenas delas são
várzeas de outras regiões da Amazônia. coletadas na natureza. Além disso, são
Na região norte do PIX, são notórias as reconhecidas mais de uma centena de
diferenças em fertilidade, no conteúdo espécies florestais melíferas (boas para
de matéria orgânica e no regime hídrico abelhas produzirem mel).
das terras pretas (ywyon) em contraste Os Kawaiweté conhecem mais de
com as áreas de ka’a rete, em terra ver- 40 espécies de abelhas nativas (ver O
melha (ywypiran). Assim, mantém-se sistema de classificação das abelhas,
a prática de usar florestas antrópicas p.149). Para uso na alimentação e
para agricultura, dando continuidade elaboração de artefatos, usam mais de
à manipulação da vegetação e de solos 15 espécies de peixes, 18 mamíferos,
realizada por outros povos há séculos. 5 répteis e anfíbios e 34 aves.
Além das culturas estritamente agrí- As plantas da roça, por sua vez, exi-
colas, os Kawaiweté plantam em seus bem uma diversidade notável, com mais
quintais domésticos diversas espécies de 100 variedades consideradas tradi-
frutíferas, em sua maioria exóticas, cionais. Arroz, abacaxi, cana-de-açúcar,
como manga, mamão, laranja e limão, abóbora, macaxeira, melancia, mamão
macaúba (Acrocomia sp) etc. São rela- e banana são culturas adquiridas pelo
tivamente poucas as frutíferas nativas contato direto ou indireto com os não
plantadas, envolvendo principalmente índios, apresentando atualmente um
o pequi (Cariocar sp), murici (Byr- total de 27 variedades. O uso predomi-
nante dessas culturas é para alimentação
humana, porém milhos duros têm sido
você sabia? plantados, há anos, para alimentação
de aves domésticas. Outras plantas
fornecem fibras, utensílios e corantes
S Uma das maneiras do Kawaiweté (algodão, carauá, cuias, urucum).
selecionarem uma área para cultivo é a
presença de cacos de cerâmica. A presença É provável que pelo menos parte
desses materiais indica que mesmo em das variedades originais Kawaiweté
capoeira aparentemente intocada já viveram não existam em outros locais nem estão
outros índios, antigos, que deixaram
esses pedaços de panela lá. A presença conservadas em bancos de sementes.
de vestígios arqueológicos indica terra Estudos mostram que até hoje foram
boa (disponibilidade de água e nutrientes, perdidas pelo menos três variedades de
microclima propício) para a produção de diferentes tipos de plantas (fava, amen-
culturas mais exigentes (como milho e
amendoim). Ou seja, que trata-se de terra doim e milho) e há outras ameaçadas,
preta arqueológica (TPA). com intensidade variável.

148 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

capítulo 4 | conhecimento indígena


o sistema de classificação das abelhas

Q uantas espécies de abelha você co-


nhece? Sabe identificá-las? Os povos
do PIX conhecem uma impressionante
cheiro, como no caso da abelha limão
que é separada das outras famílias por
seu cheiro característico.
variedade de espécies de abelhas nativas Os Kisêdje possuem uma lista com
e cada povo tem um sistema próprio de 33 espécies de abelhas nativas: Ngájntyk
classificação. Os Kawaiweté, por exemplo, rãntxi; kup~e nhõ mbeni; S~imbrêtxi;
conhecem mais de 40 espécies de abelhas Mbenre; Tomre; Amntytxi; Wa ndo
nativas, das quais a grande maioria produz kandê ou Mben sêkêrê; Mben sapôrô rã;
mel comestível. Algumas delas ainda não Kangárá; kukrãtxi; hw~i jas~um~u;
possuem identificação científica. Mben sapu; Mbentxi; Torotxi; Ngáj krã
Já os Ikpeng têm critérios para clas- tyktxi; Ngáj nty jakoro; Ngáj krã nõ;
sificação das abelhas em famílias. Essa Kup~e nhõ mbenty kambrêg; Sõsi; Mben
classificação baseia-se em elementos ndo karârâtxi; Mbenty tygy; Sõsi sajkwat
como tamanho (pequeno/grande), com- romy; Ngáj te tyktxi; Kukrã; Ntêp krwârâ;
portamento (agressiva/mansa), cultural/ Ntêp krwât nty kambrêgê; Mben sajkwâ
alimentar (pode ou não pode comer), jakatxi; Mben ká ou kõmnduho; R~um
cor das abelhas (preta/amarela), hábito swatxi; R~um sware; Mbymã; Kukryt
de nidificação (oco da árvore/cupim) e krwât kA; Ngájtxi.
jeronimo villas-bôas

jeronimo villas-bôas
acervo isa

Apiário de abelhas nativas do PIX.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 149


o corAção do brAsil
capítulo 4 | conhecimento indígena

a diversidade do amendoim

U ma das culturas que ocupa um lugar


nobre no centro das roças de terra
preta dos Kawaiweté é o amendoim. Cha-
doim, embora com frequência também
consultem suas mulheres”.
Foi o pajé Tuiaraiup (conhecido
mado de monowi, o amendoim é a planta por Tuiát), da aldeia Kwuaruja, quem
agrícola com maior diversidade: são 42 herdou do pai a missão de fortalecer a re-
variedades identificadas e selecionadas. produção das variedades do amendoim
As mulheres são as grandes conhe- Kawaiweté. A partir de um trabalho
cedoras das sutilezas para identificar os dedicado, que contou com apoio dos
diferentes tipos de amendoim, bastando Projetos Demonstrativos dos Povos In-
quebrar as vagens secas para separar as dígenas (PDPI), do Ministério do Meio
variedades. Segundo o pesquisador Ge- Ambiente, Tuiát conseguiu multiplicar
raldo Mosimann, “em diversas ocasiões, as variedades e entregá-las formalmente
na roça e nas casas em aldeias, quando para outras aldeias da mesma etnia.
eu perguntava a respeito de nomes de Embora o banco de sementes criado
variedades, os homens sempre as consul- por Tuiát ainda exista e seja procurado
taram antes de responder. Muitas vezes, por pessoas de várias aldeias, um incên-
elas examinavam vagens e sementes dio na aldeia, em 2010, atingiu todas as
antes de responder, para certificar-se de casas, inclusive a que guardava as semen-
algum detalhe. Mesmo assim, em geral, tes, fazendo com que algumas tenham se
os homens mais velhos declaram que perdido. A intenção dos índios, agora, é
conhecem bem as variedades de amen- chegar a elas novamente.

geraldo silva/isa

Amendoim kawaiweté, planta com 42 variedades identificadas.

150 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

capítulo 4 | conhecimento indígena


as sementes e a produção de novas variedades

A escolha de variedades a serem plan-


tadas nas roças familiares xinguanas
envolve muitas motivações, algumas ain-
identificando agricultores individuali-
zados, junto com a manipulação de um
Caderno de Trabalho de Campo, ilustrado
da pouco conhecidas por pesquisadores com fotografias do próprio Xingu, tem
não índios. No Parque do Xingu, além ajudado a preencher esta lacuna.
da preferência pessoal, em função dos
Mundo espiritual
usos e características de cada variedade, a
escolha parece estar vinculada a aspectos No conhecimento de vários povos do
agronômicos; de identidade étnica (in- Parque do Xingu, como os Kawaiweté, por
clusive quanto à origem das famílias de exemplo, não existe polinização de flores.
cada aldeia); e de oportunidade (para ob- A explicação para a variação morfológica
tenção e/ou conservação de um material (logo, também a variação genética), vem
particular). Desse modo, o não cultivo de suas relações com o mundo espiritual.
ou o abandono de variedades pode se São os espíritos que enviam para as roças
dar em função de respostas insatisfatórias os novos tipos de plantas. Assim, os cru-
para algum ou mais desses fatores. zamentos não são controlados. Segundo o
Os índios, quando têm interesse em pajé Tuiát Kaiabi, “para os brancos as flores
algum tipo específico de planta, vão namoram, mas quem manda para nós são
procurá-la primeiro em seu círculo fami- os mait (os espíritos)”.
liar e depois com pessoas mais afastadas, Contudo, as diferentes variedades são
em sua ou em outra aldeia. As sementes separadas, dentro da roça, por troncos
nunca são pagas, mas quem as recebeu
fica aberto a fornecer qualquer material
geraldo silva/isa

que porventura lhe seja solicitado.


Algumas plantas são recoletadas de
sítios de antigas roças, como o cará,
mandioca, batata doce e outras. Uma
questão que preocupa as atuais gera-
ções é como, coletivamente, manter a
sua base genética, quando há algumas
variedades que quase ninguém mais tem
e mecanismos culturais de disseminação
dessa informação parecem não mais
funcionar adequadamente.
Neste sentido, a criação de bancos
de sementes (ver A diversidade do
amendoim, pág. 150) e os resultados
de um censo de materiais propagativos, Roça kawaiweté: diferencia quem plantou.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 151


o corAção do brAsil

ayrton vignola/folha imagem


queimados ou por linhas de outras cultu-
capítulo 4 | conhecimento indígena

ras (mandioca, algodão, milho, banana).


Isso permite, após a colheita, identificar
e separar tipos segregados, que podem
vir a ser plantados como uma variação
(sem nome específico) de sua variedade
de origem na safra seguinte. Cabe aos
humanos a tarefa de prestar atenção às
suas roças e separar o que é novo. No
caso dos Kawaiweté, eles reconhecem
também haver o "especialista", aquela
pessoa, homem ou mulher, que quando
planta proporciona grandes colheitas.
Na roça familiar, os cultivos ficam
em um espaço comum, mas é possível
diferenciar o que cada pessoa plantou.
Conforme explica o pajé, “cada trilha
(divisão dentro da roça) tem o seu Coleta de sementes pelo povo Ikpeng, 2010.
pauzinho, tem o seu limite, e então dá
para descobrir aquele plantio onde uma
veJa tambÉm:
pessoa plantou. Cada um que plantou Rede de sementes do Xingu, pág. 262.
naquele quintalzinho tem o seu limite".

o sal aweti

A produção do sal vegetal, a partir do


processamento do aguapé, é um
processo desenvolvido por várias etnias
Para produzir o sal, as mulheres en-
tram na água para puxar as folhas até a
margem, onde os homens as recolhem
do PIX, mas especialmente pelos aweti, e espalham para serem secas ao sol. Para
que chamam o produto de tikyt. não comprometer a reprodução de no-
A principal diferença entre o sal indí- vas folhas para as safras subsequentes,
gena e o sal industrializado é sua compo- os Aweti cuidam de retirar apenas as
sição. O sal do aguapé consiste em cloreto folhas que estão fora da água, evitando
de potássio, o que lhe confere valor extra, extrair todas as raízes enterradas na
pois não provoca a pressão alta, um dos lama. Depois de secas, as folhas são
efeitos mais nocivos do sal que consumi- queimadas e as cinzas daí resultantes
mos nas cidades, que é cloreto de sódio. são levadas para dentro de casa. Ali,
Os aguapés de duas lagoas – Tsawala e misturadas em água, a decantação re-
Azuyt – são os mais utilizados atualmente. sultante é o sal vegetal dos Aweti.

152 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

capítulo 4 | conhecimento indígena


verniz fixador dos Yudjá

A preocupação de recuperar terras


degradadas se alia ao interesse de
reafirmar práticas culturais pertencentes
extração do verniz. Em incursões na mata,
os homens sabem diferenciar aquelas que
produzem um bom verniz, cortam os
às tradições do povo yudjá. Uma delas troncos que são levados para a aldeia para
envolveu o experimento de introduzir no serem raspados para a obtenção da resina
PIX uma variedade de bambu que utili- que cumpre a função do verniz.
zavam para produzir flautas em suas terras Atualmente, ocorre escassez locali-
originais, no baixo rio Xingu. zada da espécie, o que demanda andar
Outro exemplo é a produção de uma distâncias maiores para consegui-la; os
resina pelas mulheres Yudjá, retirada de Yudjá envolvidos com esse projeto estão
uma planta que chamam ezïwï, possi- experimentando outra forma de coletar
velmente uma espécie de mirtácea (da a resina, que consiste na raspagem do
família da pitanga e do jambo), com a qual tronco e coleta na mata, o que permite que
produzem um verniz utilizado na fixação a planta regenere. A produção do verniz,
da pintura de grande parte dos objetos que será passado sobre um objeto pintado
de sua cultura material que, hoje em dia, (com urucum, por exemplo), consiste na
são os principais produtos do artesanato adição de água à resina raspada da madeira.
comercial yudjá. É uma árvore que aparece São as mulheres que fazem esse preparo e,
na região do Xingu em áreas de mata ciliar segundo elas, quanto menos água, mais
e que, tradicionalmente, era cortada para a forte e melhor será o envernizamento.
simone athayde/isa

Cabaças envernizadas com o verniz fixador yudjá.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 153


o corAção do brAsil
capítulo 4 | conhecimento indígena

conhecimento do homem em relação à floresta


Jemy Kaiabi

A terra indígena é importan- proprietários que estão aumentando a


te porque dentro da reserva plantação de soja em Mato Grosso. Os
preservamos a nossa rique- produtores de soja só pensam em ga-
za e o conhecimento de nhar dinheiro para enriquecer, eles não
nossos velhos, que ficará para o futuro. pensam em preservar as florestas para
Apesar de meu povo não ter esco- o futuro das próximas gerações.
laridade, ele é inteligente, entende e Se meu povo fosse igual ao branco
sabe utilizar a terra e a sua floresta que destruindo a floresta, as florestas não
restou. Nós destruímos pequena parte existiriam mais na reserva indígena, nós
da floresta para fazer roça, para plantar estaríamos acabando com nosso próprio
os produtos que consumimos, como oxigênio, que a floresta nos oferece sem
a batata, o milho, a mandioca. Não poluição. Nós íamos perder a beleza das
destruímos uma grande quantidade de cores da nossa floresta. Mas é a terra
floresta como fazem os proprietários ru- indígena que está defendendo a floresta
rais. Sabemos que a nossa floresta está e o que existe nela, como os seres hu-
sendo cada vez mais destruída por esses manos, os animais, os peixes e os rios.

o consumo do amendoim
tuiát Kaiabi , traduzido pelo professor Jowosipep (Aturi), em 23 de maio de 2003.

Amendoim é comida que evitava. Depois vai diminuindo o tempo,


precisa saber consumir, só no primeiro filho que você tem bas-
não é em qualquer momen- tante tempo para não comer. Agora, a
to que você pode comer; pessoa que já é acostumada, que já teve
se a pessoa tem uma criança nova não criança várias vezes, fica só dois meses,
pode comer qualquer tipo de amendoim. três meses (sem comer amendoim).
Tem um tipo de mingau, só milho puro, é O munuwiu´u (também chamado
mingau de pai novo. A mulher também, de kanauu e takapeun) é mais forte,
no primeiro filho, fica sem comer. traz aquela doença que o osso fica
A mulher de hoje é muito teimosa, mole, artrite. Esse é só para pessoa
não acredita, aí acaba consumindo. Aí, mais velha. (Hoje) todos os tipos de
com o tempo ela vai sentindo o corpo amendoim são consumidos pelos mais
dolorido, porque elas comem esse tipo novos, mas o takapeun as pessoas têm
de amendoim. Antigamente não comia, mais medo.

154 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

ton koene

capítulo 5 | escolas diferenciadas


Professor e alunos da aldeia Ngojhwere, povo kisêdje, 2010.

escolas diferenciadas
Refletindo a interculturalidade do PIX, os projetos político
pedagógicos das escolas xinguanas refletem a diversidade de
interesses e estratégias de cada um de seus 16 povos.

A educação escolar para povos indí-


genas no Brasil foi, desde a época
colonial, utilizada para catequizá-los,
brasileira por intermédio de valores
cristãos. Sob pretexto de educar, a alfabe-
tização era orientada por textos bíblicos.
sobretudo pelos jesuítas, com o intuito Organizações católicas, protestantes e as
de doutriná-los nos valores da religião chamadas evangélicas estendiam a estra-
católica. O método se utilizava do ensino tégia da política indigenista de retirar os
em português e a repressão do uso de índios de um estágio transitório de civi-
suas próprias línguas. A partir da década lização e torná-los aptos para o convívio
de 1950, as metodologias de ensino para com os não índios e para o trabalho, ainda
a doutrinação dos índios continuaram que este fosse sem qualquer qualificação.
valendo, com a ampliação da participação Essa visão, ainda vigente, acredita que
de diferentes entidades confessionais na os índios são vítimas de um isolamento
tarefa de integrar os índios à sociedade cultural que os impede de se desenvolver.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 155


o corAção do brAsil

Essa situação começou a mudar a


capítulo 5 | escolas diferenciadas

partir da elaboração da Constituição de


1988, quando os povos indígenas inicia-
ram uma luta para garantir sua sobrevi- Por que as escolas indígenas
vência como povos diferenciados dentro podem ser diferentes das
da sociedade brasileira, através do direito demais escolas do país?
à demarcação de terras, saúde e escolas O que garante a peculiaridade
diferenciadas. Desde então, conseguiram das escolas indígenas é a legislação,
a garantia legal de seu direito a uma esco- que lhes permitem ser específicas e
la diferenciada, específica, intercultural diferenciadas. Isso significa que:
e multilíngue. O princípio por trás do S As aulas podem ser ministradas em
conceito de escola diferenciada é que, se língua materna;
os povos indígenas têm línguas, histórias S Os espaços e as formas de decisão
e culturas específicas e distintas entre si, sobre a gestão e o conteúdo podem
as escolas indígenas devem, também, ser definidos entre professores e
dialogar com as peculiaridades de cada comunidade;
povo e responder às necessidades que S Os processos de ensino e aprendi-
surgem dessa situação de diferenças. zagem podem ser de acordo com
As aulas nas escolas do Parque Indí- regras e meios definidos por pro-
gena do Xingu são em língua indígena, fessores e a comunidade conforme
a alfabetização é na língua materna e com seus valores e condutas;
o português é ensinado como segunda S Pode ser adotado um calendário
língua. Isso acontece porque um índio que respeite as atividades sociais,
aprende desde pequeno a falar a língua econômicas e culturais;
da sua mãe (que nem sempre é a do seu S O conteúdo escolar pode responder
pai, caso ele seja de outra etnia). Como, aos interesses presentes e futuros
então, poderia compreender e assimilar a de cada etnia.
mensagem transmitida pelo professor em
uma língua que não é a sua? Cada língua o que diz a lei
contém e expressa uma visão de mundo
rica em significados, conceitos e expli-
consTITuIÇÃo Federal
cações dos acontecimentos e fenômenos artigo 210, § 2º – Assegura aos índios
da natureza e da vida social. No caso dos o direito de falar suas línguas nas salas de
índios que conseguiram preservar sua aula do ensino fundamental em suas aldeias.
própria língua, como é o caso dos que leI de dIreTrIzes e Bases da
habitam o PIX, o português é uma língua educaÇÃo nacIonal
estrangeira, o que não quer dizer que art. 32 § 3º – Recorre os direitos garanti-
não será ensinado na escola, muito pelo dos na Constituição Federal para amparar as
disposições gerais para o funcionamento do
contrário; o português é ferramenta fun- Sistema de Ensino da União voltado às po-
damental para permitir a comunicação pulações indígenas (Título VIII, art. 78 e 79).
com a sociedade não indígena que não

156 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

capítulo 5 | escolas diferenciadas


livros didáticos produzidos nas escolas do piX

V eja algumas capas de materiais didáticos produzidos para as escolas do PIX


pelo Projeto de Formação de Professores do Parque Indígena do Xingu:
capas: reprodução

Imieehünaku Iayaka, Awytyza Ti'ingku, Saúde, nutrição e cultura.


livro de alfabetização livro de alfabetização
na língua Mehinako. na língua Aweti.

Ikpeng Orempanpot, Aprendendo português Kisêdjê Kapere,


livro de alfabetização nas escolas do Xingu. livro de alfabetização
na língua Ikpeng. na língua Kisêdje.

Aprendendo português Brasil e África – uma visão Geografia indígena.


nas escolas do Xingu. xinguana da formação do
povo brasileiro.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 157


o corAção do brAsil

só é dominante numericamente, como é que admite o ensino diferenciado para


capítulo 5 | escolas diferenciadas

a que define as regras, as leis e as normas todas as escolas indígenas no Brasil (ver
gerais de convívio entre os dois mundos. Perguntas frequentes, pg. 156) – é que
O mesmo acontece com o conhecimento ela deve ser estruturada em processos
das demais matérias escolares. e ritmos próprios de aprendizado, por
Em termos de conteúdos escolares, a meio de um calendário que respeita as
escola xinguana é intercultural, ou seja, rotinas da aldeia. Podemos compreender
toma por referência os conhecimentos isso melhor por meio de um texto dos
construídos durante milhares de anos professores do povo yudjá:
pelos diversos povos indígenas, além
de fomentar a pesquisa, o registro e “A educação Yudjá é desenvolvida para
o estudo, pelos alunos, das narrativas formar para o trabalho e o bom com-
orais, dos conhecimentos e das práticas portamento. A pessoa aprende através
do seu povo. Isso fortalece seus próprios da prática, acompanhando alguma
valores e ajuda na compreensão dos atividade, olhando e ouvindo com aten-
conhecimentos produzidos por outros ção, imitando o jeito de fazer ou mesmo
povos e pela ciência ocidental. brincando de fazer como os adultos. A
Outro diferencial da escola indígena pessoa tem que ser curiosa também e
do PIX – assegurado pela legislação perguntar com interesse de aprender.”

professores indígenas

A criação de escolas no Parque


Indígena do Xingu foi uma reivindi-
cação nos próprios índios, já no início
para o atendimento às comunidades
e gestão da terra indígena.
As escolas dos postos atendiam
dos anos 1970. A primeira experiência uma pequena parte de jovens e crian-
de educação formal aconteceu em ças, os que moravam nas aldeias pró-
1973, quando foi criada uma escola ximas aos postos e os que vinham das
no Posto Indígena Leonardo Villas aldeias para estudar e permaneciam
Bôas com uma professora contratada na casa de parentes. Não havia, porém,
pela Funai. A partir dos anos 1980, a uma infraestrutura de alimentação
Funai contratou outras professoras não para os alunos vindos das aldeias,
índias para trabalhar nas escolas dos que ficavam longe de suas famílias e
postos indígenas. Elas permaneceram muitas vezes sofriam com a falta de
alguns anos alfabetizando, em língua alimentos. Pertencentes a diferentes
portuguesa, novas turmas de jovens e etnias, os alunos falavam apenas sua
adultos, principalmente os que pas- língua materna e as professoras tinham
saram a assumir trabalhos voltados dificuldade de comunicação, pois até

158 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

Isso se traduz, entre outras coisas, em escolas, aproximadamente 1.500 alunos

capítulo 5 | escolas diferenciadas


organizar o ritmo das aulas de maneira e 120 professores indígenas. Elas adotam
diferente quando chega o período de alguns padrões das escolas dos brancos,
preparação e de plantio das roças, quan- como por exemplo a merenda, mas os
do as aulas podem ser paralisadas para produtos para seu preparo são adquiri-
os alunos participarem de atividades dos na própria aldeia. O que é específico
eminentemente familiares. O mesmo são os currículos e o calendário, pois
pode acontecer para um mutirão que cada aldeia pode traçar um cronogra-
exige a participação das famílias para a
abertura de uma nova aldeia, ou para a

rosana gasparini/isa
construção de uma casa ou para uma
pescaria visando alimentar os convida-
dos para uma festa.
Escolas do PIX
A vida escolar é recente para os povos
xinguanos; deu seus primeiros passos na
década de 1980 e ainda é uma história
em construção. Hoje, existem ali 50

então eram poucos os que falavam


português no PIX.
No final da década de 1980, preocu-
pado com a documentação das línguas
faladas no Parque, o então diretor do PIX, Aluno da aldeia Ilha Grande,
Megaron Txucaramãe firmou parceria povo kawaiweté, 2002.
com linguistas para promover a docu-
mentação de algumas línguas. Com a reivindicar a realização de um processo
colaboração de lideranças e alunos das de formação para prepará-los como pro-
escolas, iniciam as primeiras experiên- fessores indígenas. Foi por intermédio de
cias de alfabetização em língua materna. parcerias com as ONGs Associação Vida
No início da década de 1990, já não e Ambiente (de 1993 a 1996) e Instituto
havia professoras não índias lecionando Socioambiental (ISA), a partir de 1996,
no Parque e alguns jovens, que tinham es- que esse trabalho tornou-se possível.
tudado em anos anteriores nas escolas da Com assessoria de linguistas de
Funai, passaram a assumir informalmente diferentes universidades brasileiras,
as aulas nas aldeias, a pedido de suas os professores índios passaram a criar
comunidades. Esses jovens passaram a alfabetos para a escrita de todas as

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 159


o corAção do brAsil

rosana gasparini/isa
capítulo 5 | escolas diferenciadas

Alunos do professor Kaomi Suiá, aldeia Ngosoko, povo kisêdje, 2002.

línguas faladas no PIX e, com a equipe meta é conseguir que os pesquisadores


de educadores do ISA, puderam pro- indígenas venham por conta própria a
duzir os seus próprios livros didáticos. fazer essa ponte entre os dois mundos.
Os materiais de alfabetização são nas Até o momento, no PIX, foram cria-
línguas indígenas. Em língua portuguesa dos alfabetos e desenvolvida a escrita
são redigidos livros para o aprendizado de 14 línguas e produzidos e impressos
desta segunda língua por meio de textos mais de 30 livros didáticos. O ISA formou
para leitura, grande parte deles redigidos 47 professores, de 14 etnias do Parque,
pelos professores durante seu processo ao longo de doze anos, com uma Pro-
de formação. O nível de dificuldade dos posta Curricular de Formação Continu-
textos varia com o estágio dos alunos em ada aprovada em 1998 pelo Conselho
relação ao conhecimento do português. Estadual de Educação de Mato Grosso.
Disciplinas com conteúdos de Ci- Desses professores, 39 ingressaram
ências, História e Geografia têm sido no Curso de Licenciatura da Universida-
tratadas em português, pois requerem de Estadual de Mato Grosso.
lidar com conceitos ocidentais que ain- O Projeto Hayô, de magistério indíge-
da não puderam ser adequadamente na, criado em 2005 pela seduc, formou
traduzidos para as línguas indígenas. A ainda outros cerca de 50 professores.

160 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

ma que melhor lhe convém, desde que

capítulo 5 | escolas diferenciadas


respeitados os números de hora/aula
determinado pela legislação brasileira.
incenso de índio
A maioria das escolas do Parque ofe-
Banda Mel rece os dois primeiros ciclos do ensino
fundamental em Mato Grosso, o que
REFRÃO:
Ê, aê aô
corresponde ao primeiro ao sexto ano.
Quem esperava Apenas a escola Ikpeng tem o funda-
a Banda Mel já chegou mental completo, até o nono ano. Em
ê, aê aô geral, cada etnia produz seu próprio
Aê aô
Aê ah material didático (ver Livros didáticos
Quem esperava a Banda Mel já chegou produzidos nas escolas do PIX, pg. 157)
Karakarã, kamaiurá na língua indígena e em português, mas
que fumaça é essa que faz índio viajar? não deixam de usar livros didáticos
Aiê tuxaua, êi kayapó feitos para os demais estudantes do
Salve o famoso Apache do Tororó
país quando eles apresentam conteúdos
Tem pataxó importantes para o contexto indígena.
Aê ao
Tem kiriri Algumas escolas contam com um
Aê aê aô edifício escolar, geralmente construído
Tem guarani com apoio das prefeituras ou do estado
Aê ao
E tem Xingu!
de Mato Grosso, mas muitas funcionam
Aê aê aô! em espaços provisórios (casas abandona-
É índio brasileiro? das ou construídas precariamente pela
É! comunidade) até que se construa uma
(REFRÃO) sede definitiva. A maioria das escolas
está vinculada à Secretaria de Estado
É gente como a gente?
É! de Educação de Mato Grosso (Seduc),
embora existam sete escolas vinculadas
(REFRÃO)
a municípios do entorno do Parque.
Essa é a homenagem da Banda Mel Atualmente, o maior desafio para
a todas as tribos do Brasil
Aos Apaches do Totoró os moradores do PIX é poder oferecer
Um abraço ao cacique Raoni o terceiro ciclo do ensino fundamental
e o ensino médio para suas crianças e
ouça a música: jovens, pois é muito difícil para os pais
http://www.youtube.com/ enviarem seus filhos para fora do Parque
watch?v=aaONmimXQJ0
para completar os estudos. Alguns con-

saiba mais: Em aberto, Inep-MEC números 63 e 76, disponíveis em: www.dominiopublico.gov.br/


donwload/texto/me00063.pdf; www.dominiopublico.gov.br/donwload/texto/me000290.pdf.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 161


o corAção do brAsil
capítulo 5 | escolas diferenciadas

línguas: o perigo da extinção

E xistem 6.808 línguas no mundo e


pelo menos metade delas está per-
dendo falantes, muitas estarão extintas
nação, ou para se integrarem aos padrões
da sociedade dominante.
Mesmo tendo uma população pe-
num futuro próximo e algumas estão em quena, uma língua pode ter um grau
perigo porque cada vez mais não estão relativamente alto de estabilidade se
sendo usadas pelas gerações mais novas. estiver sendo utilizada no dia a dia
No Brasil, estima-se que se falava, na da comunidade de falantes e, princi-
época em que chegaram os portugueses, palmente, se a língua estiver sendo
quase 1.300 línguas, das quais 1.100 repassada, transmitida para as crianças.
já foram extintas. Atualmente existem Cada língua que se extingue resulta
187 línguas consideradas minoritárias em perdas irrecuperáveis de valores
e segundo o Atlas das Línguas do Mun- culturais e intelectuais, incluindo os
do em Perigo de Desaparecer 2009 da conhecimentos ecológicos adquiridos
unesco, o Brasil está em terceiro lugar em centenas ou milhares anos. Com
entre os países com maior número de a perda das línguas, os cientistas têm
línguas ameaçadas de extinção, atrás menos elementos para descobrir mais
apenas da Índia e dos Estados Unidos. evidências sobre a estrutura e a função
Uma língua fica em perigo princi- das línguas do mundo, incluindo a
palmente por forças externas, tais como reconstrução da pré-história dos povos.
militares, culturais ou dominação edu- A conscientização sobre a perda
cacional, principalmente a religiosa. Há iminente de uma língua, a valorização
também causas internas, geralmente pela do apoio e o reconhecimento da diversi-
reação negativa dos próprios falantes em dade linguística só serão bem sucedidos
relação à sua língua. Por exemplo, muitos se puderem ser estabelecidos papéis
povos indígenas são levados a crer que as significativos para línguas ancestrais,
línguas de seus ancestrais são inferiores tanto dentro da vida moderna dos
e não valem a pena serem mantidas. Eles membros das minorias etnolinguísticas
abandonam suas línguas e sua cultura quanto no interior dos contextos nacio-
buscando não serem vítimas de discrimi- nais e internacionais.

tam com casas de parentes nas cidades, área de saúde e magistério oferecidas pela
mas é uma opção para poucos e, assim unifesp e pela Seduc. Na área de saúde,
mesmo, muitos acabam voltando por as formações são voltadas para os agentes
dificuldades financeiras. indígenas de saúde e de saneamento, no
Completam o quadro escolar do PIX, nível de ensino fundamental, e técnico
algumas formações profissionalizantes na indígena em enfermagem, em nível mé-

162 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

dio. Já o magistério corresponde ao en- possibilidade, porém, ainda não é muito

capítulo 5 | escolas diferenciadas


sino profissionalizante no ensino médio. acessada pelos estudantes por não haver
Alguns professores formados em no PIX o ensino médio regular oferecido
magistério cursaram o terceiro grau pelas escolas indígenas.
indígena da Universidade Estadual do
Escola e comunidade
Mato Grosso (Unemat) no curso “Li-
cenciaturas Indígenas” e existe no estado A comunidade é presença cada vez
algumas políticas de cotas para indígenas mais constante nas escolas do PIX.
nas universidades em cursos regulares Muitas aulas são ministradas por pessoas
que recebem algum apoio da Funai. Essa mais velhas, que são as principais fontes
de conhecimento da história e da cultura
de cada povo indígena. Para tanto, os
camila gauditano/isa professores fazem o convite às pessoas
mais velhas, organizam os alunos e têm
papel de mediadores das aulas.
Outra oportunidade em que há a
participação da comunidade é na to-
mada de decisões sobre os caminhos da
escola. Essas decisões ocorrem na maio-
ria das vezes nas assembleias das escolas
onde todos os pais, lideranças e alunos
participam e avaliam o andamento das
Formatura em magistério da primeira turma atividades escolares e definem quais
de professores indígenas do Xingu, 2001. atividades serão desenvolvidas. Também

os etnoterritórios Uma nova conquista para a educação indígena foi a criação,


dentro da política educacional brasileira, dos territórios etnoeducacionais (através
do Decreto no 6.861, de 2009). A principal vantagem da proposta é poder articular
melhor os diferentes órgãos governamentais e organizações da sociedade civil para
a realização de ações voltadas ao atendimento de escolas indígenas. Muitas terras
indígenas no Brasil estão situadas em um ou mais municípios e até mesmo um ou
mais estados, que não possuem equipe preparada para o atendimento diferenciado
às escolas indígenas. Unificado em um território etnoeducacional, o PIX pode juntar
gestores públicos, povos indígenas, universidades e organizações governamentais
que atuam na área para definir ações, destinação de orçamento, definição de papéis
na execução. Esse processo está em pleno andamento, com a criação de uma comis-
são gestora para organizar as ações do território e responsável pelo planejamento
e execução de ações prioritárias para as escolas indígenas.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 163


o corAção do brAsil

camila gauditano/isa
capítulo 5 | escolas diferenciadas

Alunos da aldeia Ngojwere, 2003.

existem escolas que fazem a prestação possibilidade de trabalhar na cidade,


de contas da merenda e compra de ma- mas também têm os que questionam
teriais para a comunidade em reuniões sobre o futuro e acreditam que não
organizadas pela escola. vão sair para a cidade, vão ficar para
Jovens Ikpeng participaram da cons- pescar, dançar e se manter dentro da
trução do projeto da escola de seu povo e cultura Ikpeng.
expressaram, no Projeto Político Pedagó- Desejam que a escola ensine a fazer do-
gico de 2010, o que esperam da escola: cumentos para autoridades, relatórios,
ter aulas práticas, receber conselho dos
“Os alunos se preocupam com os mais antigos, resgatar como era feito pelos
velhos, que por vezes são contra o estudo antigos e é isso que querem levar para o
na escola porque quando há atividade na futuro através da escola.
aldeia os alunos estão na escola, por isso o A escola deve respeitar o calendário de
calendário têm que estar de acordo com atividades tradicionais (roça, coleta, festa)
as atividades da aldeia. Se houver uma que vai de maio até agosto. Também é o
programação dos alunos nos trabalhos cacique e a comunidade que devem liderar
tradicionais, isso deve fazer parte da nossa essas atividades. Por isso, deve ter sempre
formação, ainda temos que estudar muito reuniões dos professores com representan-
sobre o conhecimento dos mais velhos. tes do Kwak Kwak Txiktxi (Movimento
Alguns jovens têm a expectativa de se Jovem Ikpeng) e com a comunidade para
formar para ter um emprego e até a refletirem juntos sobre a escola.”

164 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

capítulo 5 | escolas diferenciadas


a escola dos índios
arifirá matipu

A nossa cultura (modos quais alguns já perderam a língua, não


de vida, Tisügühütu) está têm mais os costumes de antigamente.
viva. Quando há festas na Os alunos estão aprendendo dessa
aldeia, a aula é interrompi- forma duas coisas, para que eles pos-
da para os alunos participarem também. sam se preparar para o trabalho. As
Hoje em dia tem aulas, jovens aprenden- crianças, alunos, estão frequentando
do outros conhecimentos, por exemplo, as aulas para que possam enfrentar os
já estão usando a internet, aprendendo problemas no futuro – provocados pelos
sobre outro mundo. fazendeiros – e possam lutar.
Hoje em dia os jovens indígenas Não sei como será o nosso futuro,
estão estudando na escola e apren- vamos ver. Não sei se vai mudar na
dendo dois tipos de conhecimento, a geração dos jovens. Estou preocupado
língua indígena e a língua portuguesa. com isso. Os jovens querem viver e
Se os alunos aprenderem somente o estudar por aqui mesmo, na aldeia. Se
português, não dará certo. No futuro, eles forem estudar na escola da cidade,
eles poderão perder a língua materna e os seus costumes irão mudar. Morar na
suas práticas culturais. Eles se transfor- cidade não é fácil. Aqui no Parque a
marão nos nossos parentes de fora, os nossa vida é boa.

educação indígena
Yakuna ikpeng, professor

Educação diferenciada tem gências das leis ou portarias do homem


sua característica própria branco. Cada povo tem sua metodologia
com sua forma, ou me- para trabalhar com crianças e jovens
lhor, sua metodologia de para não ferir as exigências da matriz
ensinar. Cada povo tem sua forma de nacional de educação e sua cultura.
educar seu filho e seus próximos, afi- Agora quero falar do trabalho da
lhados, irmãos, com regime aberto ou minha escola, como ela vem traba-
regime fechado, assim era a educação lhando a educação diferenciada. Os
dos povos indígenas antigamente, mas professores não registram a falta dos
na atualidade a forma e metodologia alunos quando ele ou ela falta por um
de educar suas crianças e jovens têm motivo de aprendizagem com seus pais:
mudado um pouco para cumprir as exi- pescar, confeccionar artefatos e outros

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 165


o corAção do brAsil
capítulo 5 | escolas diferenciadas

trabalhos que nós participamos desde novas gerações oralmente e repetitiva


criança e como as meninas também, nunca foram esquecidas, sempre foram
se preparando para sua vida de adulta, repassadas de geração a geração.
isso os professores reconhecem como Assim, adotamos essa metodologia
educação tradicional da antiguidade, de ensino diferenciado respeitando as
valorizamos muito esse ensinamento. duas regras, cumprimos a carga horária
Porque a educação indígena não precisa da Matriz Curricular Nacional, nunca
de grande quantidade de alunos para deixamos de ensinar práticas culturais,
ensinar. É melhor ter menor número continuamos aprendizagem tradicio-
de alunos para o educador tradicional nal nos lugares aonde sempre foram
dar atenção para seus alunos, por isso, ensinadas, como história, músicas,
quando as coisas eram ensinadas para artesanatos e outros.

minha trajetória como professor


makaulaka mehinako

Meu nome é Makaulaka, Assim surge a minha prática pe-


pertenço à etnia Mehinako dagógica, ensinando, sendo ensinado
Aweti. Tenho formação no pelo que faz, aprendendo, reapren-
magistério, Projeto Urucum dendo, procurando ser criativo, pro-
Pedra Brilhante realizado pelo ISA, e curando alcançar meus objetivos que
posteriormente cursei nível superior, muitas vezes não são alcançados na
Projeto 3º Grau Indígena, e hoje sou sua totalidade. Tem uma hora que
pós-graduando. nosso conhecimento parece chegar
Em 1998, comecei lecionar como ao fim, surgindo preocupação do que
professor contratado pelo município fazer, onde buscar informação e como
de Gaúcha do Norte, além dos anos transformar algo para ele ser interes-
anteriores que estive dando aulas sem sante, que corresponda ao que o aluno
remuneração nenhuma. Mas ensinar procura e deseja.
era um motivo de alegria e uma coisa É importante refletir antes de entrar
significante da minha vida e nunca na sala de aula, que não é tarefa fácil.
pensei que um dia isso virasse uma Exemplo que acontece é organizar pla-
realidade. Meu interesse era mais para no de aula que vai nortear o trabalho,
repassar conhecimento ao outro sobre em segundo plano são os temas ou
aquilo que poderia ser útil para eles, disciplinas a serem abordados, conteú-
que é dar acesso a eles ao mundo de dos que são ações das aulas. Isso tudo
leitura. Isso tudo era uma coisa fantás- foca nos objetivos, para que ensinar e
tica para mim. repassar aquele conhecimento. Como

166 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

capítulo 5 | escolas diferenciadas


isso, vai ajudar na formação intelectu- porque está trabalhando com aquele
al, pessoal e social do aluno. assunto. Transformar esses temas
Os registros também são importan- como tema importante é uma dificulda-
tes, porque mostram como foram con- de que nós professores encontramos,
duzidos e desenvolvidos os trabalhos. deparamos com nosso despreparo
Trabalhar com leituras e com aulas prá- e falta de troca de experiência entre
ticas é bom sinal para aproveitamento os intelectuais, professores com mais
do assunto, é importante trabalhar mais experiência, acesso aos materiais di-
com aulas práticas, onde você encon- dáticos, enfim.
trará resposta daquilo que está escrito. Para finalizar minha fala, quero
Com relação aos temas que são ressaltar a importância de esses temas
festas, roçadas, histórias mitológicas, fazerem parte dos currículos das escolas
artesanatos, que estão dentro das indígenas e o conhecimento universal
disciplinas de língua indígena, mate- que também é de suma importância,
mática indígena, geografia indígena, onde de uma forma geral somos desa-
ciências indígena, história indígena, fiados pela nossa comunidade. Muitas
antropologia, entre outros temas, não vezes o que a gente aprende fora, nos
está sendo fácil de se trabalhar na sala cursos, nas escolas da cidade, não tem
de aula com os alunos, por que os pro- muito retorno para a comunidade.
fessores encontram dificuldade quando Lidar com a formação de uma pessoa
a comunidade educativa não quer que é desafio para professor, porque precisa
só ensinem seus filhos com as questões saber e entender para que está forman-
culturais, porque já sabem. do, preparando aquele jovem, criança e
Mas isso também está mudando adulto. Pela educação do nosso povo,
aos poucos, a partir do momento que sabemos para que estamos preparando
o professor argumentar melhor do os jovens. Essa é nossa educação.

desenho de sepé kuikuro

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 167


o corAção do brAsil

centro de documentação do projeto xingu/unifesp


capítulo 6 | saúde e agentes indígenas

Primeira equipe médica da EPM no Parque Indígena do Xingu, junto aos irmãos Villas Bôas, 1965.

saúde e
agentes indígenas
Parceria de longo prazo com a Unifesp, ações de saúde preventiva e
a formação de agentes indígenas de saúde fazem a diferença no PIX.

A s etnias que hoje vivem no Parque


Indígena do Xingu vivenciaram um
trauma histórico na época do contato,
pauta de reivindicações dessas etnias
junto ao Estado brasileiro.
O resultado é que o atendimento
decorrente das epidemias contraídas à saúde no PIX é, entre os projetos em
com as frentes de contato e de ocupação execução em terras indígenas no Brasil,
regional que dizimaram suas popu- aquele que vem apresentando os melhores
lações. Várias etnias chegaram muito resultados ao longo do tempo. O histórico
perto da extinção e algumas desapa- de trabalho ali desenvolvido pela Escola
receram. Essa experiência traumática Paulista de Medicina (hoje vinculada à
está presente até hoje na população do Universidade Federal de São Paulo), a
Parque e resultou na total priorização produção de informação sobre o perfil
da questão do atendimento à saúde na epidemiológico das comunidades e de

168 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

cada um dos habitantes do Parque e o A vontade dos índios xinguanos de

capítulo 6 | saúde e agentes indígenas


trabalho de formação de agentes de saúde recuperar a saúde e o respeito à sua cultura,
entre os indígenas, entre outras ações de desde o início priorizado pelas equipes da
destaque, estão por trás dos indicadores de EPM, também colaborou para os bons
saúde dos índios xinguanos que, em geral, resultados. Médicos e pajés se congregam
estão acima dos verificados em outras em benefício da saúde da população. O
comunidades e terras indígenas. atendimento médico não dispensava a pa-
O trabalho da Escola Paulista de jelança, já que a lógica da doença é vista de
Medicina (EPM) começou em 1965, diferente maneira nas duas culturas (ver O
quando um grupo de médicos fez um xamanismo e a cura de doenças, pag. 174).
primeiro diagnóstico epidemiológico
Convênio
que recomendava a implementação de
um programa de saúde preventiva e A atuação mais sistemática para ações
curativa, de longo prazo, e tinha como de saúde junto aos povos do PIX, contu-
ponto de partida a convicção de que era do, teve início efetivo em 1966, quando
necessário encontrar um modelo de assis- Orlando Villas Bôas, na condição de
tência cujos investimentos em tecnologia diretor do Parque, fez um convênio com
e recursos materiais não causassem danos a Escola Paulista de Medicina e um pro-
irreversíveis à cultura indígena. grama específico da EPM passou então

você sabia?

S Em 1954 houve uma epidemia de Quando uma mulher indígena


sarampo entre os índios, certamente dá a luz a um bebê, é o homem
trazida pelos integrantes da expedição que fica de dieta?
roncador-Xingu, que provocou uma
expressiva crise demográfica nos povos Sim, entre muitos grupos indíge-
do Alto Xingu. Diante do surto de nas existe o resguardo praticado pelo
sarampo, os irmãos Villas Bôas,
mobilizaram o apoio de um grupo homem, mas isso não retira da mulher
de médicos e de uma equipe de os cuidados consigo mesma e com a
funcionários da saúde pública criança. Isso acontece porque esses
associados a Noel Nutels no Rio de
Janeiro. Esse pessoal médico, em grupos entendem que tanto o pai
associação com a Força Aérea Brasileira, quanto a mãe são responsáveis pela
levou imediatamente ajuda à região e concepção e pelo desenvolvimento
conseguiu interromper a epidemia de
daquela criança que nasceu; portanto,
sarampo antes que ela destruísse toda a
população do Alto Xingu. A partir dessa os dois estão sujeitos a resguardos e
experiência, Nutels criou e desenvolveu outros tipos de restrições relacionadas
um trabalho de atendimento médico às ao comportamento, entre elas, as
populações indígenas e interioranas - o
Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas restrições alimentares.
(Susa), que atuou de 1956 a 1973.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 169


o corAção do brAsil
capítulo 6 | saúde e agentes indígenas

médicos do Xingu

acervo isa
V ários médicos tiveram, e ainda têm,
papel relevante no Parque Indígena
do Xingu. Um deles foi Noel Nutels, um
dos responsáveis pela criação do Par-
que. Ucraniano naturalizado brasileiro,
Nutels imigrou para o Brasil aos 8 anos
e formou-se em Medicina na Faculdade
do Recife. Começou sua carreira no
serviço público no Instituto Experimen-
tal Agrícola de Botucatu e

centro de documentação do projeto xingu/unifesp


integrou a Fundação Brasil
Central, em 1943, quando
teve início seu trabalho com
populações indígenas.
Como médico, participou
da Expedição Roncador-
Xingu ao lado dos irmãos
Villas Bôas. Em 1963, foi
nomeado diretor do Serviço
de Proteção ao Índio (SPI) e, Alto: Noel Nutels; acima: Douglas Rodrigues, Orlando
em 1968, membro do Con- Villas Bôas, Roberto Baruzzi e Sofia Mendonça.
selho Diretor da Fundação
Nacional do Índio (Funai). Noel Nutels vidado por Orlando Villas Bôas para
faleceu no Rio de Janeiro, em 10 de fazer uma avaliação das condições de
fevereiro de 1973. saúde no Parque do Xingu, que acabou
Outra figura fundamental é o médi- resultando no convênio com a então
co Roberto Baruzzi, responsável pelo EPM (hoje Unifesp), que continua
convênio com a Escola Paulista de até hoje. Coordenador do projeto até
Medicina. Desde 1964, começou um 1996, quando se aposentou, Baruzzi
trabalho com índios na região do rio continua como consultor científico do
Araguaia, no sul do Pará, envolvendo programa. Sempre foi um grande in-
o envio de médicos e enfermeiros da centivador da participação de médicos
EPM. Voltando de uma dessas viagens, e enfermeiros no projeto, formando
acabou fazendo um pouso no Xingu, profissionais que continuam o trabalho
quando conheceu os irmãos Villas até hoje, como Douglas Rodrigues, que
Boâs. Mais tarde, em 1965, foi con- assumiu a coordenação desde então.

170 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

a enviar equipes médicas periódicas ou abarcar, na composição dos diagnósti-

capítulo 6 | saúde e agentes indígenas


para situações epidêmicas, sempre em cos, as determinantes cosmológicas que
caráter voluntário. Os doentes graves, estão por detrás do quadro de doença de
até 1970, eram transportados para São cada paciente.
Paulo pela FaB, que tinha uma rota re- Existem pelo menos 40 agentes
gular entre essa cidade e o Parque. indígenas de saúde no Parque Indígena
Ao longo de 35 anos de atuação
ininterrupta no PIX, o trabalho da EPM
consolidou um registro do histórico de
saúde de cada indivíduo examinado ou causa mortis Uma das principais
tratado, incluindo vacinas aplicadas. causas de morte no Xingu diz respeito
Isso permitiu o controle minucioso das à ausência de acompanhamento e
condições de saúde-doença das popu- atenção durante o pré-natal e compli-
lações indígenas do Parque, por etnia cações pós-parto de grávidas e recém-
e, em decorrência, a análise de fatores nascidos. A ausência de aparelhos de
socioculturais e demográficos para o ultrassom é uma das razões do pro-
planejamento de políticas públicas no blema. O levantamento mais recente
campo da saúde indígena. aponta que a média no PIX é de 22
mortes para cada mil bebês nascidos,
Agentes indígenas
um pouco acima da média nacional
A partir dos anos 1990, uma equipe de (20 para cada mil) e bem abaixo da mé-
médicos da EPM introduziu um trabalho dia das terras indígenas como um todo
paralelo e estratégico. Centrou esforços na (50 óbitos em cada mil nascimentos).
formação de agentes indígenas de saúde e
centro de documentação do projeto xingu/unifesp
o monitoramento presencial do seu tra-
balho. Essa iniciativa permitiu que cada
etnia tivesse em suas aldeias profissionais
habilitados a dialogar com os pacientes
na própria língua e aptos a diagnosticar e
definir estratégias de tratamento no local,
sob os cuidados do próprio agente, ou
encaminhá-los para cidades com mais in-
fraestrutura de atendimento, a depender
da complexidade do caso.
Esses agentes indígenas atuam em
suas aldeias por intermédio do conceito
e da metodologia de controle e preven-
ção de doenças que a EPM instituiu no
PIX nos últimos 40 anos, contando com Criança com número de registro da ficha
o benefício suplementar de poderem médica do Projeto Xingu (EPM).
dialogar com os pajés para também

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 171


o corAção do brAsil
capítulo 6 | saúde e agentes indígenas

Por que a chegada dos tuberculose e dengue, além de doenças


brancos leva doenças à sexualmente transmissíveis (DST). Os
população indígena? índios, que não têm anticorpos para es-
O contato entre índios e brancos ses agentes infecciosos, adoecem mais
pode gerar problemas de saúde nas facilmente e podem apresentar quadros
comunidades indígenas em curto, médio de doença mais agudos.
e longo prazos. Esses problemas podem O contato entre índios e brancos
levar ao surgimento de epidemias ou também pode gerar, em médio e longo
quadros crônicos de doenças entre prazos, mudança de hábitos entre a popu-
a população local. Isso porque nos lação indígena, como a sedentarização e
primeiros momentos do contato, os a introdução no cotidiano da aldeia de ali-
brancos trazem em seus organismos e mentos industrializados, álcool e drogas,
modo de vida agentes infecciosos (vírus, o que aumenta as chances do surgimento
bactérias) desconhecidos pelos indíge- de doenças crônicas como obesidade,
nas, como a gripe, sarampo, catapora, pressão alta, diabetes e alcoolismo.

acervo isa

Vascinação realizada por médicos da Unifesp, década de 1970.

172 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

do Xingu. Pelo menos 20% deles são indígenas de saúde é a maior comuni-

capítulo 6 | saúde e agentes indígenas


mulheres. Os agentes são formados ao cação entre médicos e pacientes, pois os
longo de dois anos de trabalho por parte agentes fazem a “tradução cultural” de
da unifesp, prefeituras e governo de cada doença e os tratamentos possíveis.
Mato Grosso, sendo remunerados pelo O programa regular de formação
Sistema Único de Saúde. Eles atuam em dos Agentes Indígenas de Saúde, o
prevenção e atenção primária, buscando trabalho desenvolvido pela equipe
reduzir principalmente os índices de de saúde e as reuniões do Conselho
desnutrição infantil. Uma das vantagens de Lideranças da atix propiciaram a
do atendimento feito pelos agentes criação de contextos que facilitaram

comida de branco, doença de branco

A história de contato com a socieda-


de envolvente tem transformado o
perfil dos problemas de saúde entre os
to de pressão, peso e exame de sangue
dos moradores, acompanhamento diário
por parte dos agentes de saúde das al-
índios. Cada vez mais, a população vem deias e informação por meio de oficinas
apresentando casos de doenças crôni- de culinária para ajudar a reduzir o uso
cas não transmissíveis, como obesidade, dos alimentos industrializados.
colesterol alto, diabetes e hipertensão.
Segundos os médicos que atendem
o PIX, essas “doenças de branco” são
você sabia?
consequências de hábitos “importados”,
principalmente na mudança da alimen-
tação (com excesso de sal e açúcar e de S Ao longo do tempo, as comunidades
indígenas se acostumaram a passar por
alimentos ricos em carboidratos, como períodos de fartura e de escassez de
arroz e macarrão). Além de dieta mais alimentos, em função dos ciclos naturais
pobre, os xinguanos também estão da natureza. Nesse processo evolutivo,
os indivíduos das novas gerações
adotando o estilo de vida dos brancos, apresentaram “genes econômicos”,
o que inclui menos esforço físico no dia a que auxiliam no armazenamento de
dia para caça, pesca e trabalho na roça, energia e gordura no organismo. Com o
pois o alimento está sempre disponível fim dos períodos de escassez, a energia
em forma de gordura acumulada não é
para compra nos armazéns e mercados gasta, aumentando os casos de índios
das cidades mais próximas. gordos ou obesos.
Para combater esse novo quadro de
doenças dentro do PIX, os médicos vêm
investindo seus esforços em diagnósti- veJa tambÉm :
Desafio da sustentabilidade, pág. 253.
cos precoces por meio do monitoramen-

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 173


o corAção do brAsil

a participação das comunidades na O DSEI/Xingu iniciou oficialmente


capítulo 6 | saúde e agentes indígenas

discussão de seus problemas de saúde. suas atividades em 12 de agosto de 1999,


Ao mesmo tempo, possibilitaram por meio de um convênio estabelecido
maior articulação interinstitucional com entre a Funasa e a Unifesp. Pelos termos
envolvimento da Fundação Nacional de do convênio, a Unifesp é responsável
Saúde (Funasa), Funai, Secretaria de Esta- pela execução das ações de atenção bá-
do da Saúde de Mato Grosso e secretarias sica desde as aldeias até os serviços de
municipais de Saúde de alguns municí- referência do sus regional. Cabe à Fu-
pios do entorno do PIX, configurando nasa o repasse dos recursos financeiros, o
um quadro mais favorável à organização monitoramento e acompanhamento das
da atenção à saúde em âmbito regional. ações e o controle de doenças endêmicas
Como resultado, o processo de cons- como malária e dengue.
trução do Distrito Sanitário Especial O Distrito busca uma abordagem inte-
Indígena do Xingu (DSEI/Xingu) se gral da atenção à saúde, levando em consi-
caracteriza pela mudança das práticas deração todos os determinantes do proces-
sanitárias, referenciadas num novo pa- so saúde-doença: socioculturais, políticos,
radigma, centrado na vigilância à saúde. ambientais e biológicos. A organização dos

o xamanismo e a cura de doenças

O s povos do PIX reconhecem a interfe-


rência de uma multiplicidade de se-
res espirituais na vida dos humanos. Há
Sua relação com os humanos ocorre em
bases predominantemente individuais,
sob a forma básica da doença. Conside-
uma profusão de espíritos, desde os de ram que todas as doenças decorrem de
plantas, peixes, animais de pelo, estrelas, um contato com o mundo sobrenatural,
objetos, até os mais importantes, asso- seja pela atuação de um feiticeiro ou pelo
ciados às flautas proibidas às mulheres encontro acidental com um espírito.
e ao ritual feminino do yamuricumã. Para Para efetuar a cura, o xamã contata
os índios, são os espíritos que causam o espírito causador da doença por meio
a maioria das doenças, ao aparecerem de um transe estimulado pelo uso de
para os humanos na floresta, e são eles grandes cigarros de tabaco. Geralmen-
que ajudam os xamãs a curá-las. Os te, a cura se dá pelo sopro de fumaça
espíritos são invisíveis, só aparecendo sobre o doente, ou pela retirada do
para os doentes e os xamãs em transe. feitiço, ou ainda pela identificação do
Os seres espirituais estão usualmente espírito que foi induzido pelo feiticeiro
em toda parte, menos dentro da aldeia, a entrar no seu corpo.
onde surgem apenas em situações extra- O xamã, assim, exerce o controle
ordinárias de doença, xamanismo e ritual. das relações entre a aldeia e o mundo

174 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

serviços de saúde tem como princípios a pecífica. Cada polo-base conta com uma

capítulo 6 | saúde e agentes indígenas


equidade, acessibilidade, hierarquização e equipe multiprofissional de saúde, forma-
descentralização. O território da saúde foi da por médicos, enfermeiros, auxiliares de
dividido em três áreas de abrangência, a enfermagem e agentes indígenas de saúde.
cada uma correspondendo um polo-base: O primeiro atendimento se dá no
Leonardo, Pavuru e Diauarum. espaço territorial das aldeias, de forma
A cada polo-base estão referidas uma contínua. Consiste em ações assisten-
série de localidades e uma população es- ciais básicas, de promoção da saúde e
harald schultz

Pajelança: para curar doenças causadas por espíritos.

sobrenatural: ele regula as relações No Alto Xingu, o indivíduo curado


entre homens e espíritos que habitam passa a estar em dívida com o espírito
as águas e a floresta; através de seu que causou/curou a doença. Ele deve
diagnóstico, os espíritos causadores de então patrocinar uma cerimônia em
doenças são socializados pelo ritual. O que homenageia o espírito por meio
feiticeiro, por sua vez, representa o pa- de cantos, danças e adornos corporais.
radigma do ser marginal: é o homem da Essa cerimônia é o momento em que
porta traseira, que invade as casas, que o grupo doméstico distribui comida a
coloca feitiço nas roças, que se transfor- toda a aldeia. O espírito é encarnado/
ma em animal no mato. Na maioria dos representado pela comunidade, e ambos
casos, os principais suspeitos de feiti- são alimentados pela família do doente.
çaria são habitantes de outras aldeias extraído de: Viveiros de Castro E., in http://pib.
ou oriundos de outras etnias. socioambiental.org/pt/povo/xingu/1551

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 175


o corAção do brAsil

ton koene
capítulo 6 | saúde e agentes indígenas

Agente indígena de saúde atende uma criança do povo kisêdje.

de saneamento, de responsabilidade dos A mudança inclui a criação dos


agentes de saúde e professores indígenas, Distritos Sanitários Especiais Indíge-
com o apoio e participação da equipe nas (DSEI), que ficam sob a gestão da
da área de abrangência correspondente. Funasa, ligada ao MS. As etnias do PIX
Quando não é possível solucionar o pro- passam então a ficar sob a jurisdição do
blema na própria aldeia, os doentes são DSEI-Xingu, com sede na cidade de
encaminhados para Unidades Básicas de Canarana, coordenado pela Unifesp.
Saúde localizadas nos polos-base (sedes Em 2005, as lideranças do alto Xingu
das áreas de abrangência). decidiram assumir a autogestão do aten-
dimento em suas comunidades, por meio
Mudança de gestão
do Instituto de Pesquisa Etno Ambiental
Até o final dos anos 1990, o atendi- do Xingu (Ipeax). A atuação da Unifesp
mento de saúde nas terras indígenas do passa então a abranger três subterritórios
Brasil se dava por meio de convênios dentro do PIX: o Médio, o Baixo e o
com a Funai – cujo papel era prover às Leste Xingu (Terra Indígena Wawi).
entidades conveniadas com infraestru- No segundo semestre de 2010, a
tura física, recursos materiais e quadro gestão nacional da Saúde Indígena é
de pessoal fixo. Mas, em 1999, a política desvinculada da Funasa e transferida
de saúde indígena sai do âmbito do para o âmbito de uma nova secretaria
órgão indigenista e é transferida para o do Ministério da Saúde, a Secretaria
Ministério da Saúde (MS). Especial de Saúde Indígena.

176 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

capítulo 6 | saúde e agentes indígenas


a incrível história do dr. augusto ruschi,
o naturalista e os sapos venenosos
Paulo Tatit

Dr. Augusto Ruschi, o naturalista falou com cientistas, especialistas, tomou


e os sapos venenosos remédios, fez dieta, fez de tudo, mas nada,
nada, nada adiantava.
Ele era naturalista porque gostava da
natureza, estudava a natureza, entendia E o Dr. Augusto Ruschi, o naturalista
os bichos, as matas, as formigas, os envenenado...
passarinhos... e defendia a natureza! Não
deixava ninguém derrubar árvores, queimar Nesses casos assim tão graves, só se alguém
florestas, poluir rios, matar e arrancar a pele tiver uma grande ideia e pensar uma coisa
dos animais, não deixava. diferente, e pensar o que pouca gente pensa...

Dr. Augusto Ruschi, mais vale um pássaro E foi assim que um poeta lá do Rio, pediu ao
voando que dois na mão. Presidente do Brasil, pra falar com o cacique
lá dos índios
Mas antes de contar onde, como e porque os
sapos venenosos enveneraram o Dr. Ruschi, E veio o cacique Raoni
quero ver quem adivinha qual o bicho que ele E veio o pajé Sapaim
mais gostava.
Dou-lhe uma... dou-lhe duas... dou-lhe três... Trouxeram as ervas lá do Alto Xingu
o beija-flor! Umas ervas estranhas pra xuxu
Beija-flor das fadas; vermelhos; saíra; E disseram: "Viemos curar professor amigo
besouro; pardo; água; do mato; de penacho; do índio e dos bichos".
comum; em geral.
E disseram e fizeram a pajelança. Medicina
Mas um dia... um dia ele estava sozinho de índio, pajelança.
na floresta e vieram os sapos, os sapos
venenosos! Primeiro ele parou e viu aqueles Fumaram cigarros, deram banho de ervas,
sapos escondidos... aí ele falou: esfregaram as mãos, fizeram massagem...
_ "Que sapos bonitos, vou estudar estes retiraram o veneno... curaram!
sapos!"e levou alguns sapos para examinar
melhor na casa dele! Ih! Mas ele não sabia E todo mundo viu no jornal e TV, todo mundo
que aquele tipo de sapo quando ficava acompanhou pelas fotografias
nervoso, irritado, soltava um veneno terríve A gente via ele ali ao lado dos dois amigos,
que podia ser mortal! Raoni, Sapaim.

Cuidado Ruschi! Chiii, agora ele estava E o Dr. Ruschi, o naturalista pode então
envenenado! concluir o seu trabalho,
Dr. Augusto Ruschi, o naturalista envenenado feliz ele foi atrás de uns beija-flores que
Ai, ai, ai, faltava pra completar seu livro:
beija-flor de papo branco, da mata virgem, de
Tentou os hospitais, as farmácias e topete, de colarinho, da cordilheira, grande,
drogarias, consultou médicos, Brasil.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 177


o corAção do brAsil
capítulo 6 | saúde e agentes indígenas

a saúde da população do piX

tukupe Waurá

Segundo meu pai, dizem curá-lo. Eles pensavam que era uma
que antigamente não mor- doença espiritual que estava fazendo
ria muita gente, em cinco mal para ele. Depois esse doente me-
ou seis anos, morria uma lhorou. Porém começaram a aparecer
ou duas pessoas, por causa de feitiço. mais casos de catapora, os pajés tiravam
Depois eles fizeram contato com o ervas para tentar curar as pessoas, mas
homem branco lá na região de Para- não adiantava. Esta doença pegou todo
natinga que se chama Simulupi, onde mundo e até os pajés começaram a mor-
atualmente vivem os Bakairi, isso foi rer. Também teve epidemia de sarampo.
antes da chegada de Orlando. Lá eles Ninguém dava conta de enterrar tanta
pegaram infecções respiratórias agudas gente morta. Quase o sarampo acabou
(IRA), trouxeram para a aldeia e essa com nosso povo. Sobreviveram só 15
doença se espalhou rápido. Contaminou pessoas: três meninas de 5 anos, quatro
a comunidade, matando muitos velhos e velhos, três mulheres e duas pessoas
crianças pequenas, diminuindo a popu- de outra etnia. Foi um tempo de muita
lação. Com o tempo foram recuperando tristeza.
novamente a população. Por que aconteceu isso? Naquele
Depois da chegada de Orlando tinha tempo não havia imunização ainda.
um rapaz que foi visitar um amigo na Hoje todo ano tem vacinação, com o
aldeia Kamaiurá, lá ele pegou catapo- trabalho do Dr. Baruzzi, do Dr. Douglas
ra. Quando ele retornou para a aldeia e da Escola Paulista de Medicina, hoje
começou a apresentar os sintomas da Universidade Federal de São Paulo (Uni-
doença, ele passou muito mal e os pajés fesp), por isso a população aumentou
se reuniram em volta do paciente para novamente.

ropkrãse suiá, agente de saúde, 25 anos

O trabalho do AIS (agente relatórios. Geralmente, atendemos casos


indígena de saúde) é todo de gripe, avaliamos o paciente, sua
dia, de manhã e à tarde, história, fazemos o exame medindo a
começamos as sete e meia temperatura e perguntas. É feito o exame
na UBS (Unidade Básica de Saúde) e às 8 físico nas crianças, na época da seca
começamos o atendimento dos pacien- tem muita criança com gripe, diarreia
tes, vai até às 10 horas e depois fazemos e conjuntivite. Atendemos junto com a

178 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

capítulo 6 | saúde e agentes indígenas


enfermeira do Polo, não trabalhamos so- Estamos no final de nossa formação,
zinhos, também tem o auxiliar indígena, no ultimo módulo, estou feliz por poder
que tem formação técnica. participar, entrei quando o curso já ha-
Fazemos os medicamentos que têm via começado. Espero me formar como
horário, levando o remédio nas casas, agente de saúde indígena, porque me
dia inteiro e à noite (10 a meia noite). preocupo muito com meu povo, meus
Nesse ano, mudou nossa escala na UBS, parentes, quero ter conhecimento
fazendo um tipo de plantão e incluindo da medicina não indígena. É difícil o
o trabalho de Agente Indígena de Saúde aprendizado da medicina indígena por-
Bucal e Agente Indígena de Saneamen- que não é qualquer um que sabe nem
to, para atendimento da comunidade. qualquer um que ensina, tem alguns que
Temos três pacientes com diabete no ensinam, outros não, ensinam só para
Polo Wawi, acompanhamos eles todo os próprios parentes. Também durante
dia dando o remédio nos horários, acom- o curso consigo pegar o conhecimento
panhamos a glicemia diária, de manhã, de outros povos.
tarde e noite e informamos a enfermeira Fazemos reuniões com a comunida-
para aplicar a insulina quando o valor de, para dar orientação sobre bebidas
está alterado, para baixar a glicose, essa alcoólicas, drogas e alimentação não
é uma doença nova e de difícil controle indígena, e também sobre a DST e os
dentro de área. agentes de saúde bucal ensinam e acom-
Também participamos da imunização, panham as crianças na escovação dos
quatro vezes por ano, que é a vacina na dentes. É um trabalho educativo e pre-
área, os AIS fazem o controle de tempe- ventivo, fazemos cartazes com desenhos
ratura da vacina, preenchem a ficha de e filmes também. Também visitamos as
todos os moradores de cada aldeia, fazem outras aldeias Kisêdje, na abrangência
os registros e os relatórios de cobertura. do Polo Wawi, para fazer esse trabalho.
Vacinamos de: BCG, Sabin, Tetravalente Gosto muito do trabalho na saúde,
(difteria, tétano, coqueluche e menin- atendendo o meu próprio povo, estudo
gite), Hepatite B, Varicela, Tríplice Viral desde 2002, e até hoje me sinto feliz
(sarampo, rubéola e caxumba), Gripe, por estar perto da formação, quero
Pneumococo 10 e 23, Febre Amarela, DT continuar a aprender mais, foi uma área
(antitetânica para adultos). que escolhi para trabalhar.

poãn trumai Kaiabi, agente de saúde, 21 anos

Antes, a mulher fazia o ser- agente bucal, a minha mãe como pro-
viço mais de casa, não saia fessora e eu comecei na área de saúde,
e minha família começou quando saí da reclusão com 13 anos.
a mudar, minha tia como Comecei a acompanhar a enfermeira

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 179


o corAção do brAsil
capítulo 6 | saúde e agentes indígenas

Thaís, conversei com o doutor Douglas, ximas hoje e as pessoas têm que saber
que me incentivou. Comecei a ir na UBS o que está acontecendo, informadas
e a Thaís foi me ensinado e aos poucos sobre os riscos. No Xingu, é importante
fui aprendendo a medir temperatura, ia fazer o trabalho de saúde da mulher,
junto na vigilância das aldeias, depois fui porque elas se sentem melhor. Dá para
ajudar na farmácia. Em casa, ficou meio levar os dois conhecimentos, procurar se
bagunçado, horário do branco, trabalhar informar com os nossos remédios, como
e o que eu tinha que fazer na casa, como raízes, não podemos exagerar só com
ir na roça, fazer a comida ficava pra trás. remédios, trabalhamos também com
Acabei me afastando do dia a dia os pajés, um ajuda o outro para curar.
nosso e ao mesmo tempo tinha que Hoje trabalho com uma visão mais
faltar na UBS para ajudar minha mãe. geral, do Xingu inteiro, trabalho com
É diferente, tem que cumprir horários e números, população, doença e vejo o
não dá para fazer as nossas obrigações que precisa melhorar, com sistema de
tradicionais. Pensei em continuar, com os informação, dados epidemiológicos,
dois lados, tive uma combinação no tra- relatórios de vacina. Trabalho com todas
balho e com a família também, levantar as informações, para os indicadores de
bem cedo para fazer o beiju e depois ir saúde, do adulto, da criança, óbitos,
para a UBS. É uma mudança boa, mas tive doenças, gestantes, nascimentos etc.
que combinar. Aprendi muita coisa, as Em primeiro lugar, para ter uma saú-
mulheres hoje também estão mudando, de boa, o fundamental é ter terra para a
acompanham mais os maridos como o gente poder cultivar, ter moradia, água
que está acontecendo, há o encontro de como base de tudo, o começo. O povo
mulheres que trata de temas importantes do Xingu precisa disso, é importante
para elas, como doenças etc. pensar nisso, saber mais sobre isso, ter
É importante o nosso trabalho, de uma visão mais geral sobre os povos
orientação, as cidades estão mais pró- do Xingu, não estamos defendendo
a terra à toa, já vemos os problemas
desenho de mawakulu trumai

vindos do desmatamento. Cada dia


mais estão surgindo doenças novas
entre nós, se tivéssemos cuidado, não
aconteceria o que acontece hoje como,
por exemplo, o fogo que é colocado na
época da seca, aumenta os casos de
gripe nas crianças, a água do rio tem
provocado diarreia porque está mais
poluída e muitos recursos que já foram
perdidos, que eram remédios, que não
encontramos mais.

180 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

leonardo sette

capítulo 7 | interação com a modernidade


Cineasta filma ritual feminino jamugikumalu que não acontecia desde 1982. Povo kuikuro, 2010.

interação com
a modernidade
O fato de viverem em suas aldeias e valorizarem seu modo de vida
tradicional não impede que os povos do Parque Indígena do Xingu se
apropriem de novas tecnologias, mídias e ofícios do mundo globalizado.

O s povos indígenas no Brasil pos-


suem tradição oral, já que não
tinham escrita de suas línguas até o con-
transmissão e a memória do conheci-
mento e do patrimônio cultural.
Computadores, vídeos, planilhas são
tato com pesquisadores e linguistas. A parte do dia a dia de muitos xinguanos
transmissão oral ainda é, para a maioria que abraçam profissões como gestores,
dos povos do Xingu, a principal forma educadores e agentes de saúde, além de
de transmissão do conhecimento. Por músicos, cineastas, radialistas ou comer-
conta disso, tecnologias e equipamentos ciantes. Utilizando-se de conhecimentos
de registro audiovisual sempre desperta- internos e externos, os moradores do
ram muito interesse nesses povos, pois Parque Indígena do Xingu apropriam-se
são vistos como algo que potencializa a desse arcabouço de referências que tam-

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 181


o corAção do brAsil

capas: reprodução/vídeo nas aldeias


bém ampara relações institucionais, co-
capítulo 7 | interação com a modernidade

merciais e culturais entre as 16 etnias do


PIX e o mundo além de suas fronteiras.
Se a televisão traz o estilo de vida
contemporâneo para dentro do Parque,
filmes e CDs produzidos pelos índios,
assim como a tradicional produção de
artesanato para venda externa, levam
para fora sua cultura. Projetos voltados
para a produção audiovisual vêm estimu-
lando os mais velhos a contar histórias e a
orientar a realização de festas, o que im-
plica, entre outras atividades, conhecer
músicas, produzir artefatos específicos,
aplicar o repertório de pinturas corporais
ou preparar alimentos em quantidade
apropriada, para citar as mais ameaçadas
com o advento das televisões instaladas
nas aldeias. A possibilidade desses regis-
tros está dando origem a centros culturais saiba mais: Vídeo nas aldeias
nas aldeias, voltados para promover o (www.videonasaldeias.org.br);
Instituto catitu – aldeia em cena
vigor cultural das novas gerações. (www.institutocatitu.org).
Possivelmente, porém, o maior ca-
nal de ligação em mão dupla entre os

paulo junqueira/isa
povos do Xingu e o restante do mundo
seja a internet. Ela tem sido a principal
ferramenta para a gestão dos projetos
das associações indígenas e de comu-
nicação com a Funai, com parceiros de
ONGs ou com outros órgãos públicos,
financiadores de projetos, entre outros.
A Secretaria de Educação do Mato
Grosso disponibilizou terminais de
computadores com conexão sem fio nos
cTl Diauarum, Pavuru, Wawi e na aldeia
Tubatuba, dos Yudjá. Com exceção dos
velhos, há fila para acessá-los.
Imagem e som, agora gravados
A relação dos índios do PIX com a Gravação em áudio de festa do povo yudjá
produção audiovisual tomou impulso no por um técnico de som indígena.

182 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

capítulo 7 | interação com a modernidade


de tutelados a sujeitos de sua história

A criação do Parque Indígena do Xingu,


território identificado pela diversida-
de cultural de povos praticamente sem
alguns anos mais tarde, a atix consegue
consolidar-se como organização indíge-
na de sólida capacidade institucional.
contato com a sociedade brasileira, viria No final de 2009, numa tardia reação
expressar o sentido mais humanista do aos novos tempos de índios sujeitos de
princípio da tutela, aquele que protegeria sua história, a Funai passou por uma
um índio autêntico e indefeso dos males remodelagem radical de sua estrutura
da civilização. De acordo com os seus administrativa. A reestruturação (Decreto
criadores, aos povos do PIX estava dada nº 7.056, de 28 de dezembro de 2009)
a oportunidade de viver em paz entre si, veio para atualizar a forma pela qual os
isolados numa porção territorial satisfa- poderes públicos precisam lidar com os
tória para sua reprodução física e cultural. povos indígenas.
Esse princípio foi marcante para Um dos pontos mais polêmicos é a
poupar os xinguanos de situações de desativação de muitos postos indígenas
desrespeito e violação dos direitos hu- dentro das TI, que passaram a se chamar
manos pelas instituições dos brancos, Coordenação Técnica Local e perderam
encarregadas de integrar os índios no sua função assistencial. A Funai alega
seio de nossa sociedade. Desde que o que o amadurecimento do movimento
sPI foi criado, e depois a Funai, as escolas indígena permite que o órgão indigenis-
e as tarefas de assistência em saúde indí- ta tenha o papel exclusivo de coordenar
gena foram majoritariamente entregues a as ações dos diversos setores públicos
missionários dos mais diferentes credos, e da sociedade civil que atuam dentro
com exceção do Parque do Xingu (ver da terra indígena.
Escolas diferenciadas, pág. 155, e Saúde e No caso do PIX, por exemplo, existe
agentes indígenas, pág. 168). a atuação do Isa (ONG indigenista), da
Contraditoriamente, porque não unifesp (universidade atuando com
existe cultura que sobreviva isolada saúde preventiva), da Atix (associação
e pura, foi justamente o orgulho pela indígena atuando com vigilância, mane-
identidade étnica que colocou os povos jo etc.), da Ipeax (associação indígena
do PIX em sintonia com os movimentos conveniada com a Secretaria Especial
de autoafirmação e autonomia política de Saúde Indígena). Essa estrutura fun-
que surgiam num Brasil que combatia a cionou muito bem no PIX. No entanto,
ditadura militar, no final dos anos 1980. há terras indígenas em que os índios se
Lembramos que o Parque foi a primeira sentiram lesados com as mudanças, so-
unidade administrativa da Funai em bretudo porque foram feitas por decreto,
todo o Brasil a ter um diretor indígena sem consulta aos principais interessados,
(ver Os líderes xinguanos, pág. 24) e, os próprios índios.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 183


o corAção do brAsil
capítulo 7 | interação com a modernidade

quando uma lei é boa,


velhas mentalidades resistem

E mbora a Constituição Federal seja


das mais avançadas no que diz res-
peito aos direitos indígenas (ver Os índios
O Estatuto do Índio está defasado
porque pressupõe que os índios estão
numa fase primitiva de desenvolvimen-
e a legislação, pág. 31), é curioso que a to humano e que isso seria superado
lei geral e específica para os índios, cha- porque eles necessariamente se inte-
mada de Estatuto do Índio, não tenha grariam à sociedade brasileira, bastando
sido até hoje revogada para atualizar-se para isso se submeterem a processos
diante da lei maior e soberana, que é educativos e de socialização nos moldes
justamente a Constituição. da cultura dominante.
O Estatuto do Índio (Lei no 6.001) Nessa visão, os índios desaparece-
é de 1973 e a Constituição Federal é riam com o tempo. Vistos como crianças
de 1988. Esta é soberana, ou seja, se incapazes de agir e refletir por conta
sobrepõe ao Estatuto que, então, precisa própria, caberia aos poderes públicos
ser substituído. Existem pessoas desin- a tarefa de tutelar esses povos, até que
formadas que ainda usam o Estatuto do estivessem totalmente integrados à
Índio para defender os povos indígenas sociedade. Esse é o sentido de tutela,
no Brasil, mas isso não está correto. o principal conceito da velha política

duda bentes/agil.

Assembleia Nacional Constituinte, Brasília, 1988.

184 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

capítulo 7 | interação com a modernidade


integrada de discussão foi a cnPI. Não
se trata de uma substituição de um PL
por outro porque não foi apresentada
pelo governo como um substitutivo. A
expectativa dos índios é que os deputa-
dos que atuam como aliados da questão
indígena insiram o assunto da minera-
ção em forma de emenda ao projeto do
Estatuto dos Povos Indígenas.

beto ricardo/isa
A CNPI foi nomeada em 2007 e fun-
ciona com reuniões bimestrais. Conta com
Índios de vários povos comemoram a 13 representantes de governo (três da
votação do capítulo sobre seus direitos presidência, dois do Ministério da Justiça
na Constituinte; ao fundo, o Congresso
Nacional, Brasília, 1988. e oito de outros ministérios), 20 indígenas
distribuídos entre as regiões do país (10
indigenista que veio a ser derrubado na com direito a voto) e dois representantes
Constituição Federal (ver De tutelados a de entidades da sociedade civil, garantida
sujeitos de sua história, pág. 183). a paridade nas votações. Sua principal
O fato de os índios não terem suces- função é discutir as políticas públicas
so em aprovar uma nova versão para o direcionadas pelo governo federal para
Estatuto do Índio sinaliza a dificuldade os povos indígenas de todo o país.
do brasileiro aceitar a possibilidade de
conviver com sociedades que optam
por viver em sistemas diferentes. O que
você sabia?
pode estar em jogo para essa resistência
é o fato dos índios precisarem de gran-
des extensões de terras para preservar S Antes da Constituição de 1988, os
índios dependiam da Funai para
seus modos de vida. fazer valer seus direitos. Hoje,
O Projeto de Lei 2.057, de 1991, qualquer organização indígena ou
propõe um novo Estatuto dos Povos indivíduo indígena tem o direito de
recorrer ao poder judiciário como
Indígenas (EPI). Ele ficou parado sem tra- qualquer cidadão brasileiro. É o
mitar até 2009, quando as organizações artigo 232 que garante isso.
indígenas se mobilizaram para fazer
com que outro assunto estratégico, o
de mineração em terras indígenas, fosse saiba mais:
discutido no mesmo projeto. É porque Relatório da CNPI sobre Estatuto das
o projeto de mineração (Pl 1.610/96) Sociedades Indígenas: www.funai.gov.
br/ultimas/CNPI/estatuto_indio/Histo-
também estava parado na Câmara des- rico-Estatuto_dos_Povos_Indigenas.pdf
de 2006. Quem apresentou a proposta

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 185


o corAção do brAsil
capítulo 7 | interação com a modernidade

para quê e para quem guardar


a cultura? Esta pergunta circula
Xingu
entre jovens e lideranças indígenas
em todo o Brasil e o projeto Docu- Carlos Melo e Laert Sarrumor
menta Kuikuro veio encarar de frente Tiveram a manha de me emancipar
a questão. Ele reúne pesquisadores, Sabe como é, eu era índio no Pará
Aí pintou toda aquela transação
documentaristas e a comunidade
Era Funai, fazenda e demarcação
kuikuro em torno de um objetivo
A nossa tribo Ubajara se alterou
comum: manter viva a tradição em Nosso cacique comprou um televisor
um contexto de mudança. Até o pajé, que curtia misticismo
Durante séculos o mundo xingua- Se converteu, de cara, pro catolicismo
no esteve em formação e transforma- Xingu, Xingu, Xingu
ção – graças à incorporação de novas O índio já tomou
E agora até trocou
festas, novas técnicas, novas ideias,
O tupi pelo I love you
novos povos. Hoje, o ritmo e a natu- Xingu, Xingu, Xingu
reza da mudança parecem escapar ao O índio já tomou
seu controle. O mundo não indígena E agora até trocou
A Iracema pela lady Zu
alcança-os por todos os lados e sem
descanso. Fazendas cercam suas A minha irmã
foi trabalhar na Zona
terras, estradas ligam as aldeias às Franca de Manaus,
cidades da região, a televisão já está no comércio de japona
em muitas casas, os jovens querem Peri, meu mano,
é campeão de fliperama
estudar, assalariar-se e dominar a má- Meu pai é revendedor
gica do dinheiro. Nesse contexto, os dos produtos da Brahma
mais velhos temem perder aquilo que E se não fosse
se sedimentou ao longo de séculos e o milagre brasileiro
que faz a beleza e a especificidade Os meus parentes inda eram seringueiros
E eu não seria presidente da Brazil
xinguanas, justamente aquilo que eles United Corporation Bauxita and Steel
reconhecem como “o seu costume, a
Xingu, Xingu, Xingu
sua palavra”. Hoje, os Kuikuro bus- O índio já tomou
cam colocar a tecnologia moderna a E agora até trocou
serviço da tradição, por meio de um O tupi pelo I love you
Xingu, Xingu, Xingu
projeto de documentação de sua tra-
O índio já tomou
dição, em especial dos rituais. Cada E agora até trocou
festa xinguana depende da execução A Iracema pela lady Zu
de até centenas de cantos que levam
anos para memorizar. ouça a música:
http://www.vagalume.com.br/
extraído do catálogo da coleção
lingua-de-trapo/xingu-disco.
Cineastas Indígenas Kuikuro, abril de 2007.
html#ixzz1J3OE9PbJ

186 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

camila gauditano/isa

capítulo 7 | interação com a modernidade


Cineasta ikpeng grava uma festa na aldeia Moygu, povo ikpeng, 2003.

final dos anos 1990 com as oficinas da Rio Xingu”, de Winti Suyá, sobre as
ONG Vídeo nas Aldeias, precursora na ameaças ao rio, ou “Moynjo, o sonho
área de produção audiovisual indígena de Margareum”, de Kanaré Ikpeng e
no Brasil. Seu objetivo foi apoiar a mo- Kumaré Ikpeng, sobre um cerimonial
bilização dos povos indígenas de todo o de iniciação e tatuagem de seu povo.
país em torno dos seus direitos territo- A mesma dupla participou, ainda, da
riais e culturais. A produção resultante direção do longa metragem “Pïrinop,
dos vídeos teve papel estratégico de levar Meu Primeiro Contato”, que narra a
e trazer informações entre povos que trajetória de seu povo após o contato
não se conheciam ou que haviam sido com a sociedade nacional em 1964.
separados por circunstâncias históricas. Esse vídeo tornou-se um instrumento de
Percebendo esse alcance, o trabalho apoio à retomada das terras tradicionais
abriu espaço para que surgissem edito- dos Ikpeng no rio Jatobá. Em coautoria
res, diretores e roteiristas índios contan- com Kanaré e Kumaré, Natuyu Yuwipo,
do suas histórias. No Parque do Xingu, da mesma etnia, foi a primeira mulher a
hoje, cineastas das etnias Ikpeng, Kuikuro integrar a equipe do Vídeo nas Aldeias,
e Kisêdje têm uma respeitável lista de com quem produziu o vídeo carta “Das
vídeos produzidos, sendo que alguns Crianças Ikpeng para o Mundo”.
títulos foram premiados e reconhecidos Desde 2009, uma nova ONG, o
no circuito internacional. Instituto Catitu – Aldeia em Cena,
Esse trabalho deu origem a dezenas também trabalha no sentido de valorizar
de vídeos, como os documentários “SOS os saberes tradicionais por intermédio

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 187


o corAção do brAsil

paula mendonça/isa
capítulo 7 | interação com a modernidade

Gravação em áudio do repertório musical do povo yudjá por um técnico de som indígena.

de novas tecnologias. Ainda em fase de


você sabia?
produção, Kamikiá Kisêdje e Winti Suyá
estão, com apoio técnico do Catitu,
narrando a trágica história do contato S Os Yudjá possuem uma expressiva cultura
musical que inclui 26 instrumentos
do povo Tapayuna através dos relatos musicais próprios. Um projeto dedicado
de um casal desta etnia que vive entre os especificamente ao registro de suas
Kisêdje (Ver Relato Indígena, pág. 197). canções promoveu a busca por taquaras
que não existem no PIX, em suas terras
Os registros audiovisuais têm esti- tradicionais no baixo Xingu, o que os
mulado, ainda, que as novas gerações permitiu voltar a produzir flautas que já
retomem uma produção musical própria, estavam em desuso. Com o Museu de
Basel, na Suíça, os Yudjá negociaram a
que vinha sendo relegada a segundo pla- confecção de uma coleção de instrumentos
no, com a chegada dos gravadores, da TV musicais, um catálogo e um CD com uma
e dos CDs tocando nas aldeias. Mas é a música utilizando cada instrumento. Além
mesma tecnologia que está permitindo disso, os Yudjá já gravaram um repertório
de 530 músicas conhecidas e cantadas
integrar os velhos guardiões da memória pelos mais velhos e ainda faltam muitas
musical aos jovens, que passaram a se sen- para serem transcritas.
tir estimulados a ouvir, transcrever, cantar,
tocar e dançar sob moldes tradicionais.
Outra iniciativa derivada da mo- veJa tambÉm: : Patrimônio material
bilização com formação, registro e e imaterial, pág. 244.
divulgação da cultura é a criação de

188 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

espaços voltados para guardar o acervo nhecimento de velhos para fazer com

capítulo 7 | interação com a modernidade


produzido. No final de 2010, os Ikpeng que as suas marcas culturais possam ser
inauguraram a Mawó – Casa de Cul- vividas na prática e com mais frequên-
tura Ikpeng, localizada na cTl Pavuru, cia, além de permitir seu registro em
com a perspectiva de aproveitar o co- vídeo e livros. O projeto prevê, ainda,
a produção de um site (já está em cons-
trução), para o qual fizeram a gravação
de um ritual e a compilação de todos
você sabia?
os documentos escritos, fotografados e
filmados sobre a etnia. Fizeram, ainda,
S Grande parte dos professores do PIX faz uso um convênio com o Museu Nacional
da internet e, dos 19 professores ikpeng,
mais da metade tem seu próprio laptop.
do Rio de Janeiro (pertencente à Uni-
Este é um objeto de desejo generalizado, versidade Federal do Rio de Janeiro)
principalmente entre os jovens. Os Ikpeng, que terá cópia de todo o material.
aliás, são um dos povos – junto com os Entre 2009 e 2010, os Kisêdje exe-
Kisêdje – que melhor se relacionam com a cutaram o projeto Ngrwa Reni: Uma
internet. Muito comunicativos, crianças, Corrida de Toras, ponto de partida para
jovens e adultos gostam também de rádio e
dominam o uso de máquinas fotográficas.
a criação do Centro de Pesquisas da Cul-
Embora o celular não pegue no Parque, tura Kisêdje. Para tanto, todas as etapas
muitos jovens possuem o seu, que usam necessárias para a realização completa
para ouvir música, fotografar e jogar. de uma festa de corrida de toras foram
leonardo sette

Cineastas da AIK Produções gravam narrativa sobre primeiro contato entre os Kisêdje e os brancos.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 189


o corAção do brAsil

registradas em áudio e vídeo. Inicia- dos índios com relação ao conceito de


capítulo 7 | interação com a modernidade

tivas como essas foram incentivadas e tutela (ver De tutelados a sujeitos de sua
promovidas pelo governo brasileiro, história, pg. 183). Com isso, a Funai
por intermédio do Programa Demons- deixa de ser a única provedora de bens
trativo dos Povos Indígenas (PDPI), e serviços para “protegê-los”, mas são
subordinado ao Ministério do Meio os próprios índios os responsáveis por
Ambiente, com recursos da cooperação conceber, formular e criar condições
alemã. Outras etnias do PIX gostariam institucionais e financeiras para realizar
de desenvolver projetos nesse sentido, projetos que lhes são necessários e úteis.
mas dependem de apoio financeiro para As associações indígenas passaram
serem concretizados. a ser o instrumento administrativo e
legal, de acordo com as leis brasileiras,
Associações indígenas
para permitir aos índios conquistarem
Merece destaque, no processo de in- autonomia na gestão dos interesses co-
serção da população do PIX no mundo munitários com interface em instituições
não índio, a formação de associações. públicas e privadas da sociedade nacio-
Elas refletem um novo posicionamento nal. Essas associações, de modo geral, são

andré villas-bôas/isa

Assembleia da Atix reúne lideranças de todos os povos do PIX.

190 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

dotadas de uma estrutura administrativa ritorial, reorganização do atendimento à

capítulo 7 | interação com a modernidade


que não existe nas formas tradicionais de saúde e reconhecimento das escolas do
organização política das sociedades indí- PIX. Posteriormente passou a apoiar a
genas, o que obriga a formação específica comercialização de produtos indígenas,
de índios para habilidades gerenciais, com destaque para o artesanato e a gestão
contábeis, legais e organizacionais, todas da marca e comercialização do Mel dos
ainda muito desafiadoras. Índios do Xingu, além da coordenação
Nesse sentido, a Associação Terra do sistema de transporte terrestre e
Indígena Xingu (Atix) tem um papel im- fluvial, apoio a projetos de revitalização
portante na organização e representação cultural e importante papel na articu-
política dos povos do Xingu, mas não é lação política dos povos xinguanos. A
a única associação indígena do PIX. A Atix introduziu a “cultura” associativista
Atix surgiu em 1984 num momento em dentro do Parque e formou uma geração
que a presença e o apoio da Funai dentro de quadros e dirigentes indígenas que
do Parque encolheu significativamente posteriormente cumpriram um papel
e a política indigenista do Estado se importante no surgimento das associa-
fragmentou entre vários órgãos e esferas ções criadas por cada etnia do PIX.
governamentais. Sua constituição repre- Refletindo um movimento em ní-
sentou uma busca por outras formas de vel nacional, em que índios se viram
relacionamento com as “novas” políticas estimulados a organizar suas demandas
de governo, como também uma abertura no formato de projetos para acessar
para o estabelecimento de parcerias com recursos de fundos públicos e privados
organizações da sociedade civil como para suprir suas novas necessidades,
Fundação Mata Virgem, aVa e Isa. foram surgindo no PIX uma série de
Desde quando foi criada, a Atix outras associações, voltadas aos inte-
buscou atuar em questões de interesse resses específicos das diferentes etnias
transversal às diferentes etnias do PIX. do PIX. O PdPI, enquanto programa
Inicialmente, deu muita ênfase às ques- de governo, e ONGs indigenistas de
tões voltadas a proteção e fiscalização ter- apoio, estimularam esse processo, não
apenas porque colocaram uma carteira
de financiamento disponível para po-
pulações indígenas da Amazônia, como
você sabia?
se propuseram a estimular e assessorar
quadros indígenas a gerir seus próprios
S Também as mulheres xinguanas começam projetos por intermédio das associações
a se organizar em prol de questões de
interesse comum. As mulheres Ikpeng
e não mais só da Funai. Esse movimen-
criaram o Movimento de Mulheres to, que resultou na criação de dezenas
Coletoras – Yarang, nome que representa a de novas associações, não invalidou o
formiga que leva na cabeça a semente para papel da Atix no desenvolvimento e no
dentro de casa, formada por 48 mulheres
coletoras de sementes (ver Movimento atendimento de demandas mais gerais.
de mulheres, pág. 264). No entanto, a Atix está tendo que

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 191


o corAção do brAsil
capítulo 7 | interação com a modernidade

algumas das associações do piX e seus feitos

associação terra indígena Xingu sobretudo em relação ao Parque. Foi


(atix) – Fundada em 1994, é uma orga- pensada como uma nova possibilidade
nização de referência no PIX, formando de organização das demandas internas
quadros indígenas, organizando e mobili- do PIX e no apoio à captação de recur-
zando as diferentes etnias em processos sos para sua realização. Foi a primeira
políticos. Dentre suas conquistas estão a organização representativa de todos os
estruturação e manutenção do trabalho povos do PIX e sua estrutura reflete essa
de fiscalização do PIX, em parceria com realidade. Como a associação incorpora
o ISA e com a Funai local, a organização nos seus quadros pessoas de diferentes
do Distrito Sanitário Indígena do Xingu, o etnias, sua sede não se localiza em uma
apoio aos professores para a legalização aldeia, mas no CTL Diauarum, com uma
das escolas indígenas e seus currículos, o subsede na cidade de Canarana (MT),
reconhecimento, pelo governo federal, de além de contar com diretores em todas
parcelas de territórios tradicionais exclu- as regiões do Parque do Xingu. Sua
ídas da demarcação original do Parque, assembleia, realizada anualmente, tam-
assim como, em parceria com o ISA, o bém conta com ampla participação de
desenvolvimento da apicultura dentro todos os povos e é o principal local para
do PIX e criação da marca Mel dos Índios as discussões e decisões que afetam os
do Xingu, primeiro produto comestível povos do PIX como um todo.
indígena que chega às prateleiras do
exigente mercado paulista, através do associação YariKaYu (YudJá) – Foi
Programa Caras do Brasil do Grupo do criada em 2002 para investir priorita-
Pão de Açúcar. riamente na revitalização cultural. Um
A maior parte do apoio financeiro conjunto de iniciativas entre expedições
para a manutenção da estrutura adminis- a territórios tradicionais para acessar re-
trativa e dos projetos da Atix hoje provém cursos naturais necessários na elabora-
da Fundação Rainforest da Noruega, ção de adornos e instrumentos, oficinas
mas também conta com outras fontes. O e festas, resultou na gravação de cerca
mais recente trabalho é o projeto Awasi de 400 músicas e na confecção de uma
Rerowewya – Resgate das Variedades coleção de 21 instrumentos musicais
do Milho Kaiabi e Recuperação de Ter- para o acervo do Museu de Basel na Sui-
ras Degradadas com Plantas Donas da ça, gerando um processo de integração
Capoeira, que conta com apoio do PDPI. entre velhos e jovens que estava sendo
Mais abrangente das associações do perdido. O reconhecimento público des-
Parque, a Atix foi criada num momento se trabalho veio com o Prêmio Culturas
de retração das políticas de estado, Indígenas Ângelo Cretã e pela doação

192 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

capítulo 7 | interação com a modernidade


de equipamentos de projeção de vídeos de Cultura Ikpeng. A associação também
pelo Ministério da Cultura. Sessões de faz a fiscalização da fronteira oeste do
vídeo foram incorporadas à rotina da PIX, em parceria com a Atix e outras
aldeia, quando a comunidade se reúne associações do Parque. Em 2008, a
na escola para assistir produções sobre Moygu ingressou na Rede de Sementes
outros povos. A Associação Yarikayu Xingu Araguaia para comercialização de
ingressou em 2007 na Campanha ‘Y sementes florestais.
Ikatu Xingu e mobilizou suas quatro
aldeias na coleta e venda de sementes associação tapaWia (KaWaiWetÉ)
para contribuir com a recuperação das – Criada em 2004 para preservar tra-
matas ciliares dos formadores da bacia dições respeitadas pelos moradores
do rio Xingu. Dentre os projetos em exe- das aldeias Tuiararé e Kwaruja. Abriga
cução, estão a meliponicultura, a coleta o Movimento Jovem Kawaiweté (MJK)
e comercialização de sementes nativas, criado em 2008. Ele busca acompanhar
o artesanato e a recuperação de áreas e contribuir com a execução das ativida-
degradadas por antigos pastos não mais des administrativas, comunitárias e de
utilizados na aldeia Tuba Tuba. gestão de projetos, para garantir bons
resultados pela mobilização comunitária
associação indígena moYgu da co- na gestão dos recursos naturais e pela
munidade iKpeng – Criada em 2002, organização dos grupos familiares das
teve seu primeiro projeto implementado aldeias associadas. O MJK está envolvi-
em 2005, para atender o sonho dos do com apicultura e com a coleta de se-
mais velhos de retornar ao território de mentes da Rede de Sementes do Xingu
origem, no rio Jatobá (ver Ikpeng, pág. Araguaia. Os integrantes da associação
78). A associação promoveu expedições já haviam coordenado o projeto Kaiabi
de reconhecimento das terras deixadas Ara'a, através da Atix com apoio do
para trás, o que permitiu a coleta de PDPI. O projeto envolveu um trabalho de
diversos recursos botânicos importantes pesquisa para a retomada da atividade
para a cultura material e para a alimenta- da tecelagem e da cestaria. Para tanto,
ção e que agora estão cultivando na al- realizou uma viagem de intercâmbio
deia do PIX. Com uma população jovem entre seus associados e parentes da
mobilizada e organizada no Movimento aldeia Kururuzinho, do Pará. O resultado
Jovem Ikpeng, a Moygu está discutindo foi o registro de 52 diferentes trançados
no âmbito da escola as perspectivas de de peneiras e a construção da Casa da
sustentabilidade ambiental do Parque. Cultura da Aldeia Tuiararé, com a inten-
Também preocupados com registros ção de se tornar um centro de difusão
culturais e sua transmissão para as do artesanato kawaiweté. O sucesso
futuras gerações, montaram um banco do projeto resultou no Prêmio Culturas
de dados e construíram a Mawo - Casa Indígenas edição Ângelo Cretã.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 193


o corAção do brAsil
capítulo 7 | interação com a modernidade

associação indígena KisêdJe – Cria- Documentação da aldeia Ipatse Kuikuro,


da em 2005, para gerenciar as equipes para fazer o registro da vida cerimonial.
de fiscalização, manejo, apicultura, arte- Os Kuikuro assinaram também com o
sanato, criação de gado e comercializa- Museu Nacional um acordo de coope-
ção de sementes nativas. Estuda, ainda, ração para a constituição do acervo
as potencialidades comerciais do óleo de documental kuikuro, no museu.
pequi. Sua maior preocupação é a degra-
dação ambiental na vizinhança e investe associação indígena do povo aWeti
esforços para reverter o desmatamento. (aipa) – Desenvolve projeto do PDPI na
Conseguiu recursos para recuperação de área de resgate da cultura tradicional a
matas ciliares nas áreas degradadas no partir da produção do sal de aguapé,
seu território quando ainda estava toma- além de projeto de apicultura, ainda
do por fazendeiros. Com a Escola Central apenas para consumo da comunidade,
Kisêdje está construindo um viveiro de com apoio da Funai.
mudas das espécies adequadas para
esse fim. A produtora AIK Produções, auluKumã – Associação Kalapalo que
gerenciada pela Associação, investe em tem um projeto aprovado no Museu do
comunicação, produzindo registros da Índio para resgate da cultura tradicional,
cultura kisêdje de forma cada vez mais onde os índios mais velhos farão oficina
profissional. A produtora ganhou visibi- de confecção de colar de caramujo, a
lidade pela participação em comercial ser registrado para a comunidade e
da Grendene para divulgar uma linha de exibido no Museu.
sandálias com grafismos étnicos, peça
publicitária vinculada à Campanha ‘Y ahira – Associação Mehinako da aldeia
Ikatu Xingu e pela participação no docu- Utawana que desenvolve projetos de
mentário sobre mudanças climáticas no valorização da alimentação tradicional e
canal de televisão National Geographic. apoio a confecção e venda de artesanato.
Entre 2009 e 2010, executou o projeto
Ngrwa Reni: Uma Corrida de Toras para centro de organização KaWaiWetÉ
a Criação do Centro de Pesquisas da – O principal projeto da Associação é o
Cultura Kisêdje. A AIK mantém uma loja apoio aos Kawaiweté para produção e
de artesanato no Posto Wawi. comercialização de mel.

associação indígena KuiKuro do instituto de pesquisa etno ambien-


alto Xingu (aiKaX) – Criada em 2002, tal do Xingu (ipeaX) – Associação
documenta todo o conhecimento ritual, com foco de ação junto aos povos do
xamânico e musical, em colaboração Alto Xingu que, desde 2005, assumiu a
com pesquisadores e cineastas indíge- autogestão do atendimento à saúde em
nas. Inaugurou, em 2007, o Centro de suas comunidades.

194 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

reestruturar sua forma de atuação de pressivas para a geração de renda local.

capítulo 7 | interação com a modernidade


maneira a destacar e validar seu papel Destacam-se como principais produtos
de articulação política, sintonizada com o artesanato, o mel, o pequi e, mais
as novas associações locais. recentemente, as sementes de espécies
As associações têm sido, então, espaço nativas voltadas para a recuperação am-
privilegiado para estabelecer uma nova re- biental do entorno do Parque.
lação entre gerações, em um momento da Quanto ao artesanato, boa parte dos
história indígena em que jovens e velhos materiais empregados na sua elaboração
compartilham conhecimentos tradicio- é de origem local – madeira, embira,
nais e não indígenas para seguir adiante fibra de buriti e algodão, mas produtos
com seus propósitos, apropriando-se de industrializados como contas e miçangas
saberes interétnicos de acordo com suas de porcelana e vidro, fio de lã e de algo-
necessidades. Os mais velhos formam dão, lata, prego, corantes, entre outros, já
conselhos e participam ativamente em fazem parte há algum tempo do repertó-
todas as discussões e decisões com a co- rio de matérias-primas apropriadas pelos
munidade. As lideranças da aldeia não índios. As miçangas estão presentes desde
são necessariamente as pessoas à frente o tempo em que o contato com os bran-
da associação, porém isso não modifica cos teve início. A utilização de linha de
a forma como os debates e decisões são algodão industrializada pode representar
conduzidos no contexto de cada povo. riscos de perda de variedade de sementes
e do conhecimento das técnicas de tecer
Produtos indígenas vendidos fora
e tear; em contrapartida, considerando
As associações indígenas têm um que cultivar e processar algodão é uma
papel muito importante na gestão de das atividades que mais consome tempo
projetos orientados para a produção e o das mulheres indígenas, associar a linha
comércio de produtos do PIX, atividades industrializada ao algodão produzido
que vêm se tornando cada vez mais ex- nas roças e tecidos nas aldeias ajudou as
fotos: simone athayde/isa

Cerâmica yudjá e peneira de arumã kawaiweté.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 195


o corAção do brAsil

mulheres a diminuir o seu tempo de tra- nako, Kisêdje, Yudjá e Ikpeng. Além da
capítulo 7 | interação com a modernidade

balho, já que nelas se concentra a maioria longevidade, esse projeto é importante por
das tarefas domésticas e de produção. ter certificado de produto orgânico do Ins-
Embora a produção de artefatos tenha tituto Biodinâmico e ter sido o primeiro
peso para a utilização cotidiana e para produto indígena a obter o certificado do
os mecanismos de trocas interétnicas, a Serviço de Inspeção Federal, do Ministério
sua destinação para o mercado externo da Agricultura (SIF) no Brasil. Hoje, tido
– o que transforma esses produtos em como produto diferenciado, é comercia-
artesanato – representa uma importante lizado em lojas da rede de supermercados
alternativa econômica para os índios do Pão de Açúcar voltadas para o consumidor
Xingu. A produção é generalizada nas de alto padrão econômico.
famílias e seus membros sempre carre- As aldeias envolvidas com apicultura
gam seus produtos comercializáveis nas colhem o mel, que é enviado para a "Cen-
viagens dentro e fora do PIX. tral do Mel", localizada no Diauarum.
Além das iniciativas familiares, os Aí é filtrado, centrifugado, embalado e
Kisêdje montaram uma lojinha na enviado para a sede da Atix em Cana-
TI Wawi, em um espaço com in- rana, onde são fechados os contratos
fraestrutura onde acontecem muitos comerciais e despacho para a rede de su-
eventos, e os Waurá criaram um site permercados Pão de Acúcar de São Paulo.
de comercialização (http://lojavivo. Em média, a produção resulta em duas
blogspot.com). A Atix também assumiu toneladas de mel por ano. Deste total,
o desafio de intermediar essas transações mais da metade destina-se ao consumo
com as comunidades. Apoiou a abertura e venda dentro do PIX.
de uma loja, Xingu das Artes, que funcio- Já a produção de óleo de pequi envolve
na em Canarana, onde se pode comprar as aldeias ikpeng, trumai, kamaiurá, ya-
produtos oriundos da maior parte das walapiti, kalapalo, waurá, kisêdje, matipu,
etnias do PIX (ver Takan..., pg. 232). nafukuá, kuikuro e mehinako. O tipo
Além do comércio de artesanato, mui- de pequi produzido no Xingu não é en-
tas aldeias têm outros projetos para a ge- contrado em outras regiões, sendo ainda
ração de renda e voltados para o mercado um produto diferenciado pelo manejo
externo. O mais profícuo agrícola implícito no seu cultivo. Esse
deles é o de apicultura, manejo está intimamente associado aos
desenvolvido em par- significados cosmológicos que tem o pe-
ceria com o Isa desde qui para os povos xinguanos. Essa é uma
1996. Participam da das razões pela qual o aumento na escala
acervo isa

atividade produzindo de produção artesanal de óleo de pequi


mel 32 aldeias dos po- precisa ser bem dimensionada, de modo
vos Kawaiweté, Mehi- a não se colocar em risco o valor social do
produto em detrimento do atendimento a
interesses comerciais. (ver A domesticação
Mel dos índios do Xingu. do pequi, pág. 144)

196 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


o corAção do brAsil

capítulo 7 | interação com a modernidade


revitalização da cultura
Kamikiá Kisêdje, cineasta

Meu interesse de traba- uma encenação de história do nosso


lhar com vídeo vem desde povo. Nas outras oficinas, editamos o
minha infância. Trabalho making off do monstro Kátpy e festa do
com áudio e vídeo há oito Rato, que é uma festa típica do nosso
anos, mas sempre aprendendo as coi- povo, sempre realizada no mês de
sas novas a cada momento. Em 2003, dezembro. Também filmamos a dança
comecei a registrar reuniões da saúde e das mulheres guerreiras. E depoimen-
assembleias da Atix em áudio. Usando tos sobre o contato dos Kisêdje com a
caixas de som, mesa de som, microfone sociedade nacional para um filme histó-
sem fio e gravador de CD. E o material rico do nosso povo. Todos estes filmes
foi utilizado para relatórios e arquivo. Em integrarão o DVD Cineastas Indígenas
2005 a 2008, também venho realizando Kisêdje a ser lançado em 2011.
gravação de programa na rádio Xingu Durante essa primeira oficina que
FM, com temas de saúde, educação, participei eu escolhi Botko, um índio
fiscalização e eventos que acontecem; Tapayuna que vive na nossa aldeia
incluídos entrevistas, locução, músicas, Kisêdje, para ser meu personagem por-
propagandas e receitas culinárias. Todas que ele é uma pessoa muito divertida,
as gravações produzidas por ano são co- sempre fazendo graça. Em um primeiro
piadas em CDs e distribuídas em todas as momento, Botko não queria ser filmado,
aldeias do Xingu. E toda comunidade do mas depois que aceitou, quando ia sair
Xingu gosta muito e estimula a continui- para caçar ou para fazer qualquer outra
dade. Um programa sobre desnutrição coisa, me chamava para acompanhá-lo
foi apresentado e premiado na I Mostra com uma câmera. Eu estava filmando
Nacional de Saúde Indígena em Brasília. Botko simplesmente por ele ser um per-
Desde então, sempre acompanhei sonagem interessante, mas em um dia
o trabalho do Vídeo nas Aldeias através de filmagem tive uma grande surpresa.
do site, livros e filmes feitos por outros Botko começou a contar a trágica his-
cineastas indígenas e sempre fiquei com tória de como saiu da aldeia Tapayuna
vontade de participar desse projeto. Em e foi parar na aldeia dos Kisêdje. É uma
2008, participei de duas oficinas de história muito triste. O filme, antes ape-
vídeo e de edição organizado por eles nas sobre Botko, passou a ser sobre os
na nossa aldeia. Cheguei no projeto Tapayuna e sua difícil chegada à aldeia
Vídeo nas Aldeias como fã. O primeiro Kisêdje. Este filme sobre os Tapayuna
filme que fizemos juntos é “A história do também está em fase de finalização em
monstro Kátpy”. Produzido em 2009, é parceria com o Instituto Catitu.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 197


pedro martinelli/isa. desmatamento no
entorno do parque indígena do xingu.
cartão postal
ameaçado
Cercado por um “abraço de morte”, o PIX é hoje uma ilha de floresta
cercada por fazendas de soja e gado. O impacto do desmatamento do
entorno, que já atinge 37% da bacia do rio Xingu em Mato Grosso, é
potencializado porque as nascentes dos rios que formam o Xingu estão
do lado de fora do Parque. Isso afeta a preservação da biodiversidade,
ciclos ecológicos, a saúde das águas e a sustentabilidade dos seus
povos. A ameaça, porém, não atinge apenas os índios, mas compromete
os serviços ambientais prestados por essa imensa área do Parque,
que abriga e protege diferentes paisagens florestais, fundamentais
para conservar a biodiversidade e o microclima da região, além de
um estoque de carbono importantíssimo em um contexto global de
mudanças climáticas. Apesar de frequentarem cada vez mais as cidades
do entorno e contribuírem para a economia local, o papel dos índios
como guardiães desse inestimável patrimônio ambiental ainda é
pouco reconhecido por seus vizinhos.

200 capítulo 8 o entorno do pIX


220 capítulo 9 Ilha de floresta
231 capítulo 10 os índIos e as cIdades
cArtão postAl AmeAçAdo

andré villas-bôas/isa
capítulo 8 | O entOrnO dO PIX

Desmatamento no entorno do Parque Indígena do Xingu.

o entorno do pIX
Um “abraço de morte” já se acerca do PIX. Corte raso da vegetação, matas
ciliares destruídas, reservas legais desrespeitadas e áreas de preservação
permanente ignoradas compõem a face desse fantasma ameaçador.

O Parque Indígena do Xingu é hoje


uma ilha de florestas cercada por
fazendas de soja e gado. A ocupação para
imensas áreas de cultivo ainda avança,
o que compromete a preservação da
biodiversidade, a saúde do rio Xingu e,
fins produtivos foi consolidada por meio consequentemente, a sustentabilidade
de um intenso processo desordenado de do PIX e suas comunidades.
desmatamento da região das cabeceiras Esse verdadeiro “abraço de morte”
do Xingu, que vem sendo timidamente que chega ao Parque do Xingu por todos
freado por ações de governo e exigências os lados foi pontuado ao longo do tempo
socioambientais do próprio mercado, por uma tensão de interesses e disputa
fazendo com que algumas áreas este- territorial que marcou as relações entre
jam sendo gradativamente recuperadas os povos indígenas e a sociedade envol-
por iniciativas de alguns fazendeiros. vente durante muitos anos. Entretanto,
Mas a substituição do Cerrado por esse cenário vem mudando. O quadro

200 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

fundiário regional está mais estabilizado tabela 1: DeSmAtAmento

capítulo 8 | O entOrnO dO PIX


e a população indígena já faz parte da AcumulADo nA BAcIA Do
RIo XIngu em mAto gRoSSo*
paisagem das cidades e da economia
regional (ver Os índios e as cidades, pág. Área desmatada % de
ano
231). Além disso, as mudanças climáti- acumulada (Km2) desmatamento**

cas colocam em perspectiva uma valori- Até 2002 46.101,3 28,5

zação crescente dos serviços ambientais Até 2009 59.660,6 36,9


prestados pelas florestas ao contexto
* Calculado com base nos dados de desmatamento
regional, inclusive sobre a performance no bioma Amazônia – Prodes/Inpe e de desmatamento
de produtividade das fazendas (ver Ilha no boma Cerrado – Ibama/MMA.
** Excluindo as áreas com fisionomia não florestal no bioma
de Floresta, pág. 220). Amazônia da área total da bacia do Xingu em Mato Grosso.
O processo de ocupação sistemática
do entorno do PIX vem ocorrendo há
tabela 2: DeSmAtAmento AcumulADo
cerca de 40 anos e se acentuou a partir nA BAcIA Do RIo XIngu em mAto
dos anos 1990 e 2000, quando o desma- gRoSSo conSIDeRAnDo APenAS A
tamento atingiu aproximadamente 37% áReA foRA De teRRAS InDígenAS e De
unIDADeS De conSeRvAção*
da bacia do Xingu no Mato Grosso em
2009 (Tabela 1). Esse desmatamento, ano
Área desmatada
acumulada (Km2)
% de
desmatamento **
porém, sobe para quase 47% se forem Até 2002 44.872,8 36,0
excluídas da área analisada as terras
Até 2009 58.168,8 46,7
indígenas e as unidades de conservação
(Tabela 2). O Parque Indígena do Xingu * Calculado com base nos dados de desmatamento
no bioma Amazônia – Prodes/Inpe e de desmatamento
responde pelas menores taxas de desma- no boma Cerrado – Ibama/MMA.
tamento na bacia. Apenas 1,7% da área ** Excluindo as áreas com fisionomia não florestal no bioma
Amazônia da área total da bacia do Xingu em Mato Grosso.
do PIX que era coberta originalmente
por florestas estava desmatada em 2009,
o que corresponde a apenas 0,6% do O impacto do desmatamento e da
desmatamento na região das cabeceiras degradação florestal do entorno do PIX
do Xingu. Se considerada a área total do é potencializado porque as nascentes
PIX, incluindo as áreas com vegetação dos rios que formam o Xingu – vital
não florestal, o índice de desmatamento para as populações indígenas que dele
cai para 1,4%. dependem – estão do lado de fora do
Além das áreas desmatadas, levanta- Parque. Assim, o desmatamento das
mento do ISA, de 2007, estima que as matas ciliares dos afluentes do Xingu
cabeceiras do rio Xingu possuem quase cujo curso está fora dos limites do PIX
12% de áreas alteradas, isto é, onde não provoca assoreamento e alteração nas
houve o corte raso da vegetação, mas características naturais das águas, com o
a biodiversidade natural está compro- aumento da turbidez e da temperatura,
metida devido a ações humanas, como cujas consequências já são fortemente
a exploração seletiva de madeira, as sentidas pela população indígena. O
queimadas, entre outras. Parque do Xingu funciona como uma

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 201


cArtão postAl AmeAçAdo

desmatamento na bacia do rio Xingu em mato Grosso


capítulo 8 | O entOrnO dO PIX

(Base cartográfica Brasil ao milionésimo, IBGE, 2010); Limites da bacia do Xingu (ISA, 2009); desmatamento até 2009 (INPE, 2010)
fontes: Terras Indígenas e Unidades de Conservação (ISA, 2011); Sedes Municipais, Limites Municicpais, Hidrografia e Rodovia
BR-0
80
BR-163

BR-242

8
BR-15

Rodovias federais
rios principais
0 30 60 Km
bacia do Xingu em Mato Grosso
ISA, 2011 desmatamento acumulado até 2009
sem informação sobre uso do solo em 2009
Terras Indígenas
Unidades de Conservação estadual

202 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

espécie de ralo regional, na medida das áreas dentro do Parque. Esses

capítulo 8 | O entOrnO dO PIX


em que tudo flui pelos córregos e rios resultados indicam que as atividades
afluentes para a calha do rio Xingu, agropecuárias estão interferindo na
localizada no centro do Parque. biogeoquímica dos rios.
Essas alterações comprometem as con-
dições físico-químicas para a reprodução S Calcário: a grande adição de calcário
dos peixes, que constituem a principal aos solos destinados à agricultura na
fonte de proteína na dieta tradicional dos região, em média 5 toneladas por
povos xinguanos. O assoreamento deixa hectare, aumenta suas concentrações
os rios mais rasos, o que afeta a navegação, nos rios meses após o plantio.
e a turbidez da água dificultando a pesca.
A presença de fazendas ao redor das S Temperatura: as mudanças de uso
nascentes e rios que formam o Xingu e cobertura do solo, associadas às
também aumenta o risco de contami- alterações nos canais dos rios, como a
nação da água por pesticidas utilizados construção de açudes e represas, afetam
nas lavouras. Nas fazendas de pecuária, a temperatura e os teores de oxigênio
o manejo incorreto do gado agrava ainda dissolvido. Foi demonstrado que ao
mais o processo de assoreamento das longo de um mesmo rio, nas áreas onde
nascentes e cursos d’água. as APP estão degradadas, a temperatura
da água chega a ser 5,5º C mais quente
Pesca comprometida do que em ambientes com vegetação
nativa preservada.
Um estudo conduzido pela Univer-
sidade Federal Rural da Amazônia, de S Quando o aporte de sedimentos (via
agosto de 2006 até janeiro de 2008, assoreamento) vem associado ao
sobre os impactos da agropecuária nos aporte de fertilizantes, ocorre o de-
recursos hídricos na região das cabeceiras senvolvimento anormal da vegetação
do Xingu, monitorou amostras de água aquática. Esse processo eleva signifi-
de trechos dos rios das Pacas e Suiá-Miçu cativamente as taxas respiratórias e de
dentro de fora do Parque do Xingu. decomposição no rio, diminuindo a
Entre os problemas apontados, estão: oxigenação da água e consequente-
mente a morte em grande escala de
S Turbidez: além do assoreamento dos animais aquáticos.
rios, a diminuição da transparência da
água diminui a entrada de luz e reduz O trabalho conclui que “se o mane-
a fotossíntese, o que leva a redução e jo indiscriminado das APP continuar, a
simplificação de toda vida aquática. agropecuária em breve se tornará uma
grande ameaça à biodiversidade aquá-
S Nitrogênio: os rios fora do PIX tica e à sobrevivência das comunidades
apresentam concentrações de ni- indígenas que dependem dos rios e da
trogênio um pouco superiores às biodiversidade do Parque Indígena

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 203


cArtão postAl AmeAçAdo

andré villas-bôas/isa
capítulo 8 | O entOrnO dO PIX

Pivôs para irrigar plantação de soja no limite do PIX.

do Xingu. Segundo relato dos povos Paulo e da Universidade de Medicina


indígenas moradores do Parque, hoje Veterinária de Viena mostrou que os
eles já sentem uma grande dificuldade peixes consumidos pelo povo Kisêdje
no avistamento de peixes, bem como apresentam contaminação por metais
uma redução no tamanho dos peixes, pesados. A pesquisa foi realizada a partir
ou seja, a biodiversidade já está sendo de preocupação dos próprios índios com
afetada. A maior fonte de proteína a qualidade do pescado que consomem.
destes povos encontra-se em sinal de A partir de coleta de peixes realiza-
alerta. O uso e o manejo inadequado da em 2009, por equipe formada por
do solo em grandes áreas fora do par- índios e biólogos, foram encontradas
que conduzirão esses povos para uma quantidades de chumbo, cobre, mercú-
mudança no seu método de pesca, rio e zinco superiores ao aceitável para
substituição da sua principal fonte de a saúde humana. Embora o estudo não
proteína, além da constante situação tenha conseguido identificar a origem
de insegurança alimentar, que ameaça da contaminação, deixou um alerta para
a sobrevivência e reprodução social.” que novas pesquisas sejam realizadas
Ainda no rio das Pacas, um ou- com esse fim e também sobre seus efeitos
tro estudo da Universidade de São na saúde humana e no meio ambiente.

204 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

capítulo 8 | O entOrnO dO PIX


a sombra de belo monte

A pesar de estar localizado na porção


paraense do rio Xingu, o projeto da
Usina Hidrelétrica de Belo Monte tam-
projeto e ao seu encaminhamento, so-
bretudo ao fato da funai ter assinado
parecer técnico favorável à construção
bém paira como uma possível ameaça da usina, em janeiro de 2011, sem
aos povos indígenas da região das ca- que tenha sido realizada a consulta
beceiras da bacia, incluindo os do PIX. A prévia e informada aos povos indíge-
Bacia do Xingu é habitada por 24 etnias nas da região, conforme determina
que ocupam 30 terras indígenas, 12 em a convenção 169 da oIt, da qual o
Mato Grosso e 18 no Pará. Todas essas Brasil é signatário. O aval contraria o
populações seriam direta ou indireta- parecer da equipe técnica da própria
mente afetadas à medida que o Xingu e Funai, dado alguns dias antes. Em
sua fauna e flora, além do seu entorno, fevereiro do mesmo ano, várias etnias
fossem alterados pela usina. Na região realizam protestos em Brasília contra
de influência direta da usina, três terras a construção da usina. As etnias do
indígenas seriam diretamente impacta- Parque Indígena do Xingu e os Kaya-
das: a TI Paquiçamba, dos índios Juruna, pó também são contra a construção
e a área dos Arara da Volta Grande, que da usina, pois temem seus impactos
se situam no trecho de 100 km do rio que sobre o rio Xingu e a perspectiva de
teria sua vazão drasticamente reduzida. que Belo Monte traga a construção de
Líderes indígenas têm manifestado novas hidrelétricas na bacia.
seu descontentamento em relação ao Conforme os últimos ajustes no pro-
jeto da hidrelétrica, os empreendedores
estimam que a usina provocaria o alaga-
murilo santos/isa

mento de cerca de 640 Km2 (área maior


que a cidade de Curitiba, com seus 435
Km2). Apesar de ter recebido do Ibama a
licença prévia que teoricamente autori-
zou a realização do leilão de Belo Monte,
realizado em 20 de abril de 2010, uma
série de Ações Civis Públicas tramitam
na Justiça e, do ponto de vista jurídico,
podem invalidar o processo e impedir
a construção da usina no curto prazo.

1 º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu saIba maIs: www.xinguvivo.org.br


contra a construção da usina Belo Monte, 1989.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 205


cArtão postAl AmeAçAdo

Queimadas
rapidamente. Ao invés do ciclo natu-
capítulo 8 | O entOrnO dO PIX

Mais uma questão a preocupar os ral de ocorrência de 400 a 900 anos,


moradores do PIX é o aumento de parte da região mais fragmentada da
focos de fogo dentro do Parque. Mais Amazônia (Amazônia oriental, da qual
recentemente, os índios têm observado faz parte a região das cabeceiras do rio
que o fogo, que sempre foi usado nas Xingu), está queimando em intervalos
atividades tradicionais, tem saído de de 12 a 24 anos. Outra pesquisa do
controle com mais frequência: fogueiras, Ipam, em parceria com a Universidade
que antes se apagavam sozinhas, agora da Flórida e o Woods Hole Research
com qualquer descuido se tornam in- Center, dos Estados Unidos, constatou
cêndios; queimadas, sempre usadas para que houve diminuição da precipitação
limpar as roças, passam a invadir a mata, durante a estação chuvosa na Amazô-
e assim por diante. Em 2010, o número nia, enquanto a disponibilidade de
de focos de calor no PIX chegou a 884, luz na estação seca aumentou. Entre
quase quatro vezes mais do que 2007, as conclusões do trabalho, está que
que tinha sido o ano com mais focos de florestas relativamente intocadas são
calor detectados em uma década. mais tolerantes à seca sazonal do que
A percepção dos índios é confirma- aquelas altamente degradadas. Porém,
da pelos estudos do Ipam, que mos- mesmo com maior capacidade de to-
tram que a frequência dos incêndios lerar as secas, há um limite suportável
florestais na Amazônia está mudando além do qual a produtividade da flo-

focoS De queImADAS DentRo Do PARque InDígenA Do XIngu


884
900
850
800
750
700
650
QUANTIDADE DE FOCOS

600
550
500
450
400
350
300 241
250 251
174 176 182
200 166 154 145
150 101 89
77
100
50 28
0
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

ANO
fontes: Focos de queimada detectados pelos satélites NOAA 12 e 15 (INPE, 2011); Limite do PIX (ISA, 2011).

206 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

resta intacta se reduz, ou seja, diminui

capítulo 8 | O entOrnO dO PIX


sua capacidade de se regenerar e pode Impactos das queImadas na
aumentar sua vulnerabilidade ao fogo. fauna O impacto inicial do fogo
Em consonância com o que foi ve- em uma região é mudar a fisionomia
rificado em termos de focos de calor no da floresta, fato que têm um forte
PIX, um novo estudo de 2010, liderado impacto na fauna local. Estudos com
pelo Ipam e pela Universidade de Leeds, insetos na Fazenda Tanguro, em Mato
do Reino Unido, revela que a seca de Grosso, e com mamíferos na região
2010 na Amazônia pode ter sido ainda de Paragominas, no Pará, trazem re-
mais devastadora para suas florestas sultados semelhantes: a presença do
do que a seca de 2005. Esta havia sido fogo tem poder de matar indivíduos
considerada a mais grave da região nos e eliminar espécies de um determi-
últimos cem anos. Com base nos novos nado local por algum tempo. Com a
dados, os cientistas avaliam que, se regeneração florestal, a diversidade
estiagens extremas como essas se torna- de espécies não muda, mas sim
rem mais frequentes, os dias da floresta sua composição e abundância. Isso
Amazônica como um tampão natural significa que algumas espécies com
das emissões de carbono produzidas pelo baixa densidade começam a ocorrer
homem podem ser contados. Os refle- em maior número, como por exemplo
xos disso nas populações que vivem na as espécies que se desenvolvem em
região também podem ser devastadores. áreas abertas de floresta. O contrário
acontece com espécies que vivem em
áreas de floresta mais fechada.
Os mamíferos geralmente usam
Você sabia?
uma área maior e conseguem es-
capar do fogo, mas depois que a
S O Inpe processa mais de 100 imagens por floresta foi queimada aumenta a
dia especificamente para detectar focos de
queimada na vegetação. densidade populacional dos animais
que preferem áreas abertas.
S No Brasil, assim como em toda a
América do Sul, a quase totalidade das
queimadas é causada pelo homem, por saIba maIs: www.ipam.org.br.
razões muito variadas: limpeza de pastos,
preparo de plantios, desmatamentos,
colheita manual de cana-de-açúcar,
vandalismo, balões de São João, disputas
fundiárias, protestos sociais etc. a quem recorrer para
denuncIar queImadas?
S Com mais de 300.000 focos de queimadas e são várias as opções, como: corpo de bombeiros,
nuvens de fumaça cobrindo milhões de km2 secretaria estadual do meio Ambiente,
ibama, prefeituras, instituto Florestal. para
detectadas anualmente através de satélites, mais detalhes, há uma página do inpe com
o Brasil ocupa o 5º lugar entre os países que os contatos: http://sigma.cptec.inpe.br/
mais emitem gases de efeito estufa, que queimadas/links.html.
provocam as mudanças climáticas.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 207


cArtão postAl AmeAçAdo
capítulo 8 | O entOrnO dO PIX

bacia do rio Xingu em mato Grosso

A região das cabeceiras do rio Xin-


gu ou bacia do Xingu em Mato
Grosso possui uma extensão de 17,7
Até a década de 1950, porém, grande
parte dos ecossistemas estava pratica-
mente intacta no norte de Mato Grosso.
milhões de hectares, o que equivale A baixa navegabilidade dos rios da região
a 34% de toda a bacia. Seu processo das cabeceiras foi responsável por essa
de ocupação remonta à década de ocupação mais tardia, só superada com
1940, com a realização da expedição a construção das estradas BR-80 (que
Roncador-Xingu . A instalação dos cortou o PIX ao meio e hoje faz fronteira
núcleos urbanos de Aragarças e Xa- com ele), a BR-158 (que vai de Altamira,
vantiva, as respectivas bases aéreas no Pará, até Santana do Livramento, no
da fAB, juntamente com o processo Rio Grande do Sul, e a BR-163 (Cuiabá/
de contato e dominação dos povos Santarém). Dessas estradas se derivou
indígenas habitantes da região das uma malha de estradas vicinais que via-
cabeceiras do Xingu, criaram condições bilizou a ocupação da região, efetivada,
para se iniciar o processo de ocupação a partir da década de 1970, por meio
regional (ver Parque Indígena do Xingu, pág. dos programas de desenvolvimento do
20, e Criação do PIX, pág. 38). governo federal. Assim como em outros

reprodução/fundação pró-memória de canarana

Primeira casa da família Schneider em Canarana, 1975.

208 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

capítulo 8 | O entOrnO dO PIX


estados da Amazônia legal, essa políti- solo, a topografia plana e o regime de
ca atraiu fluxos de migrantes sulistas e do chuvas são atributos muito favoráveis
Nordeste brasileiros para Mato Grosso. à expansão da soja, o que acelera o
Entre as décadas de 1970 e 1980, processo de ocupação na região.
a população de Mato Grosso aumentou O perfil de ocupação regional é de
cerca de 3,4% ao ano, índice que quase concentração fundiária, predominando
dobrou nos anos 1990, com média de médias e grandes propriedades que res-
crescimento de 5,4%. Os ocupantes da pondem por aproximadamente 70% da
região dos formadores do rio Xingu se sua extensão. Com o PIX, a região englo-
comportam, ainda hoje, como pioneiros ba 16 terras indígenas que abrigam 19
de uma área de fronteira agrícola, atrain- etnias, cuja extensão representa 24,09%
do investimentos e mão-de-obra para o da área das cabeceiras do Xingu. As
setor primário da economia por meio de unidades de conservação estaduais são
programas de incentivos do governo. pouco representativas, respondendo por
Na região das cabeceiras do Xingu, apenas 1,13% do território. Quarenta e
o bioma Amazônia representa 79,69% seis assentamentos rurais de reforma
e o Cerrado 20,31% da bacia, cuja agrária, cujas áreas ocupam 3,55% de
paisagem dominante é a Floresta de toda a bacia em Mato Grosso, também
Transição (ver box pág. 222). O tipo de precisam ser levados em conta.
reprodução/fundação pró-memória de canarana

marcos bergamasco/secom-mt
acervo isa

Município de Canarana, década de 1970; gado e plantação de soja no entorno do PIX.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 209


cArtão postAl AmeAçAdo

Agronegócio e exploração madeireira tradings que negociam financiamento,


capítulo 8 | O entOrnO dO PIX

As principais atividades econômicas insumos e orientações técnicas. Em


desenvolvidas nas cabeceiras do Xingu geral, a tendência é de crescimento da
e responsáveis pelo desmatamento e produção: entre 2003 e 2010, a área
seus impactos no PIX são a pecuária, o colhida cresceu 30% e o setor deu um
cultivo da soja e a exploração madeireira. grande salto de produtividade. Nesse
A pecuária na bacia do rio Xingu em mesmo período, apenas oito dos 35
Mato Grosso é representativa: são 6,5 municípios da bacia reduziram as áreas
milhões de cabeças, o que corresponde a colhidas de soja; nos demais, elas cres-
25% do rebanho do estado. Se fizermos ceram acima de 10% ao ano.
uma comparação com a população do Em 2007, 12% da extensão da re-
estado, temos uma proporção de 12 gião das cabeceiras foram identificados
cabeças de gado para cada habitante. pelo ISA como áreas degradadas e parte
Entre 2003 e 2008, o rebanho total da delas poderia ser aproveitada para a
bacia cresceu 10%. expansão agropecuária. Existem ainda
A soja é o principal cultivo agrícola outras iniciativas que estão mobilizando
da região do Xingu e responde por 33% produtores na direção da adequação
da área colhida no estado. Seu plantio socioambiental, promovendo pactos
estende-se pelas áreas mais planas e de desmatamento zero, acordos para
secas. A venda é orientada para o mer- recuperação de áreas degradadas e o
cado externo, sendo intermediada por monitoramento do desmatamento e das

ton koene

Fazenda de soja no entorno do PIX.

210 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

queimadas, além de iniciativas governa-

capítulo 8 | O entOrnO dO PIX


mentais, como o licenciamento ambien-
tal através do Cadastramento Ambiental
Rural. Observa-se, ainda, crescimento Os índios podem fazer garimpo
da conversão de áreas de pecuária ou de ou mineração em suas terras?
áreas degradadas em áreas de soja, o que O subsolo brasileiro pertence à
pode mudar o perfil do uso do solo na União. A forma artesanal de extração
região das cabeceiras. de minérios do solo em terra indígena,
A exploração madeireira no Xingu isso é, sem maquinário, é permitida
concentra-se principalmente no polo exclusivamente aos índios. Existem
central de Mato Grosso, que reúne os projetos de lei que visam regulamen-
municípios de Cláudia, Feliz Natal, tar o extrativismo mineral. A explora-
ção do subsolo e dos recursos hídri-
cos existentes em terras indígenas por
marcelo dos santos/isa

terceiros também é possível, confor-


me a Constituição 1988, desde que
autorizada pelo Congresso Nacional
depois de consultadas as comunida-
des indígenas; estas, devem receber
uma participação nos lucros. Não há,
porém, lei que regulamente as condi-
ções específicas em que pode ocorrer
a exploração mineral e de recursos
hídricos. Existem vários projetos de
lei que visam regulamentar essas
explorações no Congresso Nacional,
mas nenhum ainda foi aprovado.
Caminhão na estrada do PIV Terra Nova.

lIcencIamento ambIental Uma iniciativa em curso no estado de Mato


Grosso é a estruturação do Sistema de Licenciamento Ambiental de propriedades
Rurais (SLAPR) da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (MT). Esse sistema reúne
informações sobre as propriedades rurais do estado e é parte do processo de
licenciamento ambiental para atividades como o manejo florestal. Visando a au-
mentar a adesão dos proprietários rurais ao SLAPR, o governo lançou o Programa
MT-Legal, que dividiu o licenciamento em duas etapas: Cadastramento Ambiental
Rural e Licença Ambiental Única. A meta é cadastrar 100% das propriedades até
2012, o que irá melhorar a gestão, o monitoramento e a proteção das florestas.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 211


cArtão postAl AmeAçAdo

mauricio torres
Vera, Marcelândia, Sinop, Santa Car-
capítulo 8 | O entOrnO dO PIX

mem e União do Sul, localizados, em


parte, na Bacia do Xingu. Em 2009,
esses municípios reuniam 263 empresas
madeireiras que geravam 19 mil empre-
gos diretos e indiretos. Essas empresas
extraíram, no período, 1,5 milhão de
metros cúbicos de toras.
A atividade madeireira tem um longo
histórico ligado a atividades ilegais e
ao desmatamento. Para se estruturar, o
setor tem no manejo florestal sustentável
seu maior aliado, pois essa técnica per-
mite que a exploração madeireira seja
fonte geradora de renda ao mesmo tem-
po que a cobertura florestal, o solo, os A exploração madeireira gera o lucro
mananciais e a fauna sejam preservados. que financia o desmatamento.

Você sabia?

Um branco que tem título S É nas nascentes dos rios que diferentes
de propriedade e é retirado espécies de peixe fazem a piracema.
Esse nome é dado à fase de reprodução
da terra porque o Estado diz dos peixes, quando as fêmeas percorrem
que é terra indígena, recebe quilômetros rio acima para encontrar as
indenização? condições favoráveis para desovar.
Sim, pelas benfeitorias que foram S O rio Culuene é o maior coletor de águas
construídas de boa-fé, ou seja, que da região das nascentes do Xingu. Os
ele fez sem saber que as terras eram índios xinguanos mais velhos dizem que
o rio Culuene está mais turvo e barrento
indígenas. A Funai tem uma comissão
do que era há 30 anos. Suas águas já
que analisa cada caso. Os títulos ou não são verdes e eles não sabem o por
outros documentos que alegam a quê. Mas nós sabemos que a mudança
posse e o domínio das terras indíge- só aconteceu porque uma quantidade
colossal de terra está deslizando para
nas, assim como o usufruto exclusivo
dentro do leito do rio. É terra que vem
sobre os recursos naturais ficam nulos das áreas que perderam suas matas
quando uma terra é reconhecida como ciliares, substituídas pelo plantio de
indígena, com exceção de relevante grãos e da pecuária no entorno do PIX.
Mais recentemente, a construção de uma
interesse público da União, e para isso
barragem no Culuene para a instalação
deve haver uma lei complementar. de uma PcH também colaborou para
aumentar a turbidez da água.

212 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

marcelo segalerba/act brasil

capítulo 8 | O entOrnO dO PIX


Construção da hidrelétrica do rio Culuene.

Outro impactos construção de pequenas centrais hidre-


Na Bacia do Xingu existem cerca de létricas (PCH) nos rios formadores do
70 mil quilômetros de estradas estaduais, Xingu. Atualmente, já existem cinco
federais e vicinais. Como outros proje- PCH em operação: ARS (Nova Ubi-
tos de infraestrutura, essas estradas são ratã), Água Suja (Novo São Joaquim),
importantes para estimular a economia, Paranatinga I e II (Paranatinga e
integrar locais distantes e prover acesso a Campinápolis) (ver Patrimônio Mate-
serviços públicos, como escolas e hospi- rial e Imaterial, pág. 244) e Culuene
tais. Porém, a construção de infraestru- (Paranatinga). As populações indígenas
tura de forma pouco planejada também têm fortes objeções a essas obras, pelo
abre caminho ao desmatamento, invasões impacto que podem ter sobre os esto-
de terra e migração descontrolada quan- ques pesqueiros, fonte tradicional de
do não é acompanhada de políticas de abastecimento de suas comunidades.
desenvolvimento sustentáveis. Além da Existe também um potencial de ame-
BR-80, que hoje faz a divisa entre o PIX aça nos requerimentos de exploração
e a tI Capoto-Jarina (ver Metyktire..., mineral ainda não autorizados que
pág. 62), muitas outras estradas vicinais incidem sobre a região.
facilitam o acesso ao Parque e são objeto
de atenção no sistema de vigilância das
fronteiras mantido pelos índios. Veja também: Desafio da
A utilização do potencial hidrelé- Sustentabilidade, pág. 253.
trico da região das cabeceiras prevê a

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 213


cArtão postAl AmeAçAdo
capítulo 8 | O entOrnO dO PIX

novos costumes
ausuki Kalapalo

Antigamente o nosso cos- direito, não estou escondendo nada.


tume era diferente. Hoje Os povos antigos não tinham fósforo,
em dia o nosso costume furavam (cortavam) uma flecha [es-
está mudando. Era isso fregavam paus para fazer o fogo]. Os
que meu avô estava contando, não ha- não indígenas nos deram o fósforo e
via quentura, não havia esse calor, não por isso ficou mais fácil tocar fogo. É
havia problemas com água. Exatamente por isso que estou falando. Eu estou
assim que era o costume de antigamen- falando da mesma forma como meu
te. O que está mudando este costume é avô me contava, os antigos não tinham
o costume dos não índios. Antigamente como encontrar o fósforo. Por isso que
não tinha esse costume, hoje em dia eu me preocupo com isso, o nosso mato
todos nós “usamos” o costume dos não está sendo queimado. Tem pessoas que
índios. É por isso que estou falando. Eu entendem isso e tem pessoas que não
estou falando da mesma forma como entendem isso. Com os não indígenas é
meu avô me contava, estou contando a mesma coisa. Assim termina. Era isso.

queimadas
arifirá matipu

Estamos aqui no Xingu, pois parava bem no limite do campo,


estou preocupado com a sem pegar a mata. A partir de 2000, o
mudança, hoje, em 2010, fogo não mais se apaga sozinho. Por
me preocupo muito com isso me preocupo. Aqui no Parque o
a queimada do mato. Por que estou mato é nosso. Aqui é o nosso lugar. Aqui
preocupado? Porque o campo e o mato nasceu o nosso criador, os nossos ante-
estão sendo queimados. Está fazendo passados, por isso que moramos aqui.
calor, a água está esquentando e ma- Não existe outro lugar para morarmos.
tando peixes e há outras mudanças, por Por isso me preocupo muito com
isso que eu estou preocupado. Estou o mato. Porque lá tem recursos para
preocupado com tudo. usarmos na construção das casas. Na
Antigamente, na época de 1970, minha aldeia, muito mato se queimou.
ainda não havia estas mudanças. Até A queimada acontece por causa da
1980, estava tudo bem, nos tocávamos “quentura”. Estamos no momento de
o fogo no campo e ele apagava sozinho, um novo clima.

214 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

capítulo 8 | O entOrnO dO PIX


direitos dos povos indígenas
makaulaka mehinaku

Antigamente, antes da che- sustentáveis, temos a maneira certa de


gada dos por tugueses utilizá-los somente para sobrevivência.
no Brasil, não existia a Sem os recursos naturais e sem o nosso
demarcação da terra indí- território demarcado e respeitado, não
gena como nos dias de hoje. Os povos teríamos vida, festa, saúde e alegria.
indígenas tinham historicamente uma Por isso é muito importante a de-
área grande por onde andavam. Hoje marcação da terra indígena para que
existe a demarcação das terras indí- possamos progredir nela, depois de
genas onde todos lutam pelo mesmo nossa triste história na época da inva-
direito de garantir a qualidade de vida são e colonização do Brasil.
para as futuras gerações. Hoje essa história se repete em re-
Por isso todos os povos indígenas, lação à terra indígena, com o risco que
de forma geral, lutam pelo mesmo corremos de perdê-la.
direito, sendo sociedades indígenas Corremos o risco de redução e de im-
com culturas muito diferentes, línguas, pactos ambientais nas terras indígenas
história e com explicação do mundo di- por causa do aumento da devastação
ferente. Sendo grupos diferentes, que só de matas, cerrados para pastos para
dependem e vivem de recursos naturais criação de gado e plantação de soja.

Importância da terra Indígena


Karin juruna

A terra indígena é impor- existir sempre. A agricultura de soja


tante para a sociedade é uma monocultura que futuramente
indígena, porque nela bus- vai trazer consequências ao meio am-
camos nossa alimentação biente, causando impacto ambiental
para sobreviver, nela que recebemos e social.
oxigênio para respirar. Nós povos indí- Por causa da agricultura de soja que
genas não destruímos, não desmatamos os rios do Parque Indígena do Xingu es-
a terra onde existe biodiversidade. Não tão contaminados, porque as nascentes
poluímos o ar nem os rios, onde existem estão longe da terra demarcada. Então
outros seres vivos que nos dão saúde. os agrotóxicos que são utilizados nas
Para que desmatar, destruir a flo- plantações vão para os rios. Nós toma-
resta que levou milhões de anos para mos água do rio sem percebermos os
ser formada? Temos que respeitar para venenos que têm nela.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 215


cArtão postAl AmeAçAdo

ayrton vignola
FlOresta ameaçada

Aldeia Ilha Grande, do povo kawaiweté, Parque Indígena do Xingu.

216 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

acervo isa

FlOresta ameaçada
Fazenda de gado no entorno do Parque Indígena do Xingu.
andré villas-bôas/isa

Desmatamento na bacia do rio Suiá-Miçu.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 217


cArtão postAl AmeAçAdo

andré villas-bôas/isa
FlOresta ameaçada

Queimada no município de Peixoto de Azevedo, MT.

acervo isa

Rio Xingu dentro do Parque Indígena.

218 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

andré villas-bôas/isa

FlOresta ameaçada
Limite do PIX na região do município de Querência, MT.
Cabeceiras que formam o rio Xingu estão fora do Parque.
andré villas-bôas/isa

Desmatamento nas cabeceiras dos rios formadores do rio Xingu.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 219


cArtão postAl AmeAçAdo
capítulo 9 | Ilha de FlOresta

fontes: Terras Indígenas e Unidades de Conservação


(ISA, 2011), Mosaico de Imagens Landsat de 2009.
Desmatamento do entorno deixa floresta do PIX isolada.

Ilha de floresta
A destruição ambiental nas cabeceiras do rio Xingu é uma
ameaça não apenas ao Parque Indígena do Xingu, mas aos
serviços ambientais prestados por suas matas.

A região das cabeceiras do Xingu é


considerada pelo Ministério do
Meio Ambiente como área estratégica
ária, crescimento urbano, exploração
madeireira, crescimento da malha viária
e projetos de infraestrutura de energia.
para a conservação da biodiversidade No centro dessa pressão e abraçado por
brasileira, pois abriga diferentes tipos ela, o Parque Indígena do Xingu é uma
de espécies e ambientes característicos ilha verde, cujo futuro pode ser inviabi-
de área de transição entre os biomas lizado pelo desmatamento e destruição
Cerrado e Amazônia. Ao observarmos ambiental que o cerca (ver O entorno do
o tamanho e a distribuição dessas áreas PIX, pág. 200).
dentro da bacia, vemos que seus servi- Mais do que uma paisagem deslum-
ços ambientais estão ameaçados frente brante e um dos cartões postais do país
à grande pressão causada por fatores (ver O Parque é pop, pág. 26), a existên-
como aumento da produção agropecu- cia dessa “ilha de sociobiodiversidade”

220 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

capítulo 9 | Ilha de FlOresta


serviços ambientais e mudanças climáticas

O s serviços ambientais prestados


por uma área tão bem conservada
como PIX têm importância não apenas
ao efeito estufa (0,7ºC no último século).
O contínuo aumento das emissões de
CO2 (9 bilhões de toneladas por ano) e
regional como global. Fundamental para de outros gases para a atmosfera trazem
a conservação das águas da bacia do efeitos como a mudança no regime de
Xingu (e, consequentemente, da Bacia chuvas, a quebra de safras agrícolas e
Amazônica), é também um depósito de o aumento do nível do mar, entre outros.
biodiversidade, que pode trazer soluções As emissões de carbono para a
para problemas de saúde da humanida- atmosfera provêm da queima dos com-
de, além de, em tempos de mudanças bustíveis fósseis (80%) e das mudanças
climáticas, ser um potente regulador do no uso da terra (20%), principalmente
clima regional e depósito de carbono. o desmatamento. O desmatamento
Esse carbono armazenado é fundamen- na Amazônia libera 200 milhões de
tal para ajudar o Brasil a cumprir as metas toneladas de carbono por ano (2,2%
do governo brasileiro de reduzir entre do fluxo total global). Por outro lado, a
36,1% e 38,9% de emissões até 2010. Amazônia armazena em suas florestas o
O Brasil contribui com cerca de 5% equivalente a uma década de emissões
das emissões globais de gases de efeito globais de carbono.
estufa. Aproximadamente 17% da flores-
ta amazônica ou 68 milhões de hectares,
andré villas-bôas/isa

área equivalente ao território da França,


já foram desmatados e convertidos em
outras atividades de uso solo.
A Amazônia, onde está um terço das
florestas tropicais do mundo, abriga mais
da metade da biodiversidade do planeta.
O desmatamento na região representa
hoje a liberação de 200 milhões de
toneladas de carbono por ano (2,2% do
fluxo total global). Isso acontece porque
as florestas da Amazônia funcionam
como grandes armazéns de carbono, o Sobrevoo sobre Peixoto de Azevedo, MT.
qual se encontra estocado nos tecidos
vegetais. Quando a floresta é derrubada
e queimada, esse carbono é liberado saIba maIs: ABC do Clima – Ipam
para a atmosfera, o que contribui para o (www.ipam.org.br/saiba-mais).
aumento da temperatura da Terra, devido

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 221


cArtão postAl AmeAçAdo

é fundamental para a manutenção de Seja pela dificuldade de comunicação


capítulo 9 | Ilha de FlOresta

um conjunto de serviços ambientais entre as formas de conhecimentos dos


estratégicos, dentre os quais se destacam índios e dos não índios, seja porque fal-
a conservação da biodiversidade amazô- tam também levantamentos biológicos
nica, a produção de recursos hídricos, a em geral na Amazônia, a biodiversidade
manutenção dos estoques de carbono e do PIX ainda é pouco conhecida fora do
a manutenção do microclima da região. mundo dos índios xinguanos. Não há
Além disso, mesmo com a maior par- inventários de fauna e flora no território
te de sua vegetação natural preservada, o do Parque, embora a região das cabecei-
Parque ainda responde pela conservação ras do Xingu seja considerada uma das
de uma rica agrobiodiversidade (ver
Conhecimento indígena, pág. 141). O
trabalho milenar de sua população pode
Você sabia?
estar conservando, ainda, importantes
recursos e sistemas produtivos que, ob-
servados e compreendidos, poderão ser S As florestas que fazem parte das terras
indígenas também são consideradas
fundamentais para direcionar a maneira florestas de preservação permanente.
pela qual a humanidade deverá se organi- Isso está estabelecido no artigo 3º do
zar no contexto das mudanças climáticas. Código Florestal de 1965.

o que são as florestas de transição?

U ma viagem de barco pelo Parque


do Xingu, partindo do sul, seguindo
pelo rio Culuene rumo ao norte, é uma
região de solos com textura arenosa.
Se no percurso de descida do rio
quisermos sair em terra, seja subindo
ótima aula de geografia física para um barranco, seja atravessando uma
responder essa pergunta. mata ciliar, a caminhada debaixo de
Nas suas nascentes, fora do perí- sol é certa: imensos campos de cer-
metro do PIX, as águas do Culuene são rado, ora formados pela vegetação de
límpidas. Se olharmos para o fundo gramíneas rasteiras e árvores isoladas
de um de seus afluentes, o rio Couto de tronco retorcido, ora uma vegeta-
Magalhães, por exemplo, enxergamos ção mais densa, quando aparecem
os cardumes de peixes que gostaría- mangabeiras, pequizeiros, ipês, cega-
mos de capturar para o almoço e mais machados, xixás e jatobás.
uma diversidade de espécies saindo e Ao ultrapassar os limites do PIX, o
entrando da vegetação. Essa visão de Culuene se torna mais volumoso e sua
aquário é indicador de água filtrada por água mais turva, coerente com a cor
solo de areia e o Culuene nasce em uma da terra do beiradão e com o aumento

222 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

Áreas Prioritárias para Conservação, a colaboração de cientistas nacionais

capítulo 9 | Ilha de FlOresta


Utilização Sustentável e Repartição dos e internacionais, mapeou as áreas de
Benefícios da Biodiversidade Brasileira maior importância biológica na Ama-
(Probio), um programa do Ministério do zônia, indicando o grau de prioridade e
Meio Ambiente para mapear as áreas de as ações necessárias para a conservação
maior importância biológica do Brasil. de cada uma delas.
Em 1999, uma coalizão de instituições No Probio, o PIX está inserido na
(Instituto Socioambiental, Instituto Região do Alto Xingu/Tapajós/Ron-
de Pesquisa Ambiental da Amazônia, dônia/Mato Grosso, dentro da qual a
Grupo de Trabalho Amazônico, Ima- região das Cabeceiras do Xingu está
zon e Conservação Internacional), com listada como de “extrema importância”
ton koene

Crianças kisêdje navegam o rio Suiá-Miçu.

da largura do leito. No passado, a água Na medida em que o navegante


desse rio era “verde”, dizem os velhos continua descendo em direção ao rio
habitantes indígenas. Ainda descendo o Xingu (que só recebe este nome quando
Culuene, novos rios contribuem para o au- os rios Culuene, Ronuro, Batovi e Curi-
mento do seu leito com aporte de grande sevo se unem), a primeira constatação
quantidade de água, vinda de córregos e é a ausência, no horizonte, de morros,
outros rios como o Curisevo e Tuatuari. morrotes, montanhas e ainda menos

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 223


cArtão postAl AmeAçAdo

e é recomendada a realização de estudos (área de muito alta importância), para


capítulo 9 | Ilha de FlOresta

para a definição de ações prioritárias nas a botânica (com trechos de extrema


nascentes do rio Xingu (que estão fora e muito alta importâncias, além de
do Parque). Entre os municípios com trechos insuficientemente conhecidos,
maior grau de prioridade estão Mar- mas de provável importância). Toda a
celância (com grau de prioridade A) e região das cabeceiras está, ainda, inse-
Querência e Paranatinga (com grau de rida em uma grande área considerada
prioridade B). Ambos são significativos
corredores de ocupação, com índices
de desmatamento que comprometem a
Você sabia?
biodiversidade dentro do PIX.
O estudo do Probio considera a
região das cabeceiras do rio Xingu S O Cerrado foi esquecido na Constituição
de 1988. O texto declara que “a Floresta
particularmente importante para a Amazônica brasileira, a Mata Atlântica,
conservação das aves (áreas de extrema o Pantanal Motogrossense e a Zona
importância e outras insuficientemente Costeira são patrimônios nacionais e
que sua utilização se dará mediante
conhecidas, mas de provável impor- lei”. Essa omissão, que inclui também
tância), para a vida aquática (área de a Caatinga, tem contribuído para o uso
extrema importância), para répteis inadequado do Cerrado

de serras. Ou seja, estamos sobre uma hoje os Yudjá, é que ela se torna mais
imensa planície! Na época das cheias, densa e alta.
formam-se extensas áreas alagáveis e Já foi possível entender, então, o
a vegetação, agora mais frondosa, já que é uma transição ecológica: ou
tem cara de floresta. Na estação seca, seja, trata-se de uma região em que
o volume de água diminui muito e nas a mudança na paisagem é gradual e
margens formam-se praias de areia pode ser vista a olhos nus, bastando
branca mescladas por veios de tabatinga observar! O que caracterizamos aqui foi
e terra vermelha, ideal para o descanso a mudança do cerrado para a floresta.
dos jacarés, das aves e a desova dos Essa mudança na forma da vegetação
tracajás. As margens dos rios são ricas e do rio ocorre porque vários atributos
em frutas, produzidas pelos muricis, do ambiente físico também variam,
ingás, ingás-de-metro, buritis e centenas isto é, o tipo de solo e de rocha e a de-
de outras espécies de árvores. clividade do terreno. Além disso, o rio
A vegetação fica com mais jeito recebe o aporte de grande quantidade
de floresta, mas só quando já estiver- de matéria orgânica, proveniente das
mos no curso médio do rio Xingu, na áreas inundadas, o que muda significa-
fronteira norte do Parque, onde vivem tivamente a coloração de suas águas.

224 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

não confunda:

capítulo 9 | Ilha de FlOresta


S proteção – É quando se estabelece como era Verde o meu XInGu
que uma área definida geograficamente
Samba Enredo de 1983 da
contém recursos naturais e humanos que Escola de Samba Mocidade
precisam ser respeitados. Ou seja, uma Independente de Madre Miguel
área protegida não olha apenas para seus
recursos naturais, mas para as sociedades
e culturas ali estabelecidas. Existem duas
maneiras de proteger: Emoldurado em poesias
Como era verde o meu Xingu
S preservando – É quando se delimita Sua fauna, que beleza
uma área dentro da qual é proibido Onde encantava o Uirapuru
fazer qualquer tipo de exploração de
seus recursos naturais. Palmeiras, carnaúbas, seringais
Cerrados, florestas e matagais
S conservando – Quando os recursos
naturais de uma determinada área Oh, sublime natureza
delimitada podem ser explorados, Abençoada pelo nosso criador
tanto para subsistência quanto Quando o verde era mais verde
para a geração de renda. Ou seja, E o índio era o senhor
é uma exploração com regras,
limites e controle, visando sua Kaiamurá, kalapalo e kajuru
sustentabilidade. Cantavam os deuses livres do verde Xingu

S exploração sustentável – É quando os Oh Morena


recursos naturais de uma área podem ser Morada do sol e da lua
usados, mas há limites para sua exploração, Oh morena
de modo a garantir que as sucessivas O Paraíso onde a vida continua
gerações possam continuar utilizando-os.
Quando o homem branco aqui chegou
Trazendo a cruel destruição
acervo isa

A felicidade sucumbiu
Em nome da civilização
Mas mãe natureza
Revoltada com a invasão
Os seus camaleões guerreiros
Com seus raios justiceiros
Os caraíbas expulsarão

Deixe nossa mata sempre verde


Deixe o nosso índio ter seu chão

ouça a mÚsIca:
http://www.youtube.com/
watch?v=RYN7g-BkBPE&
Coleta de semente por agente indígena feature=related
de manejo do povo yudjá.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 225


cArtão postAl AmeAçAdo
capítulo 9 | Ilha de FlOresta

TI
MT
Capoto/Jarina

PI Xingu TI Wawi
TI Maraiwatsede

ESEC Rio
Ronuro
TI Batovi TI Pequizal
do Naruvôtu

TI Pimentel
Barbosa
3
RESEC do
Culuene

TI Marechal
Rondon

TI Parabubure
0 50 100 Km
TI Ubawawe Terra Indígena Savana
TI Chão Preto
Unidade de Conservação Contato Savana / Floresta Estacional

Limite da Bacia Hidrográfica Contato Savana / Floresta Ombrófila


Terra Indígena Savana do Rio Xingu em Mato Grosso
Floresta Estacional
Unidade de Conservação Contato Savana / Floresta Estacional
Contato Floresta Ombrófila /
Limite da Bacia Hidrográfica Contato Savana / Floresta Ombrófila Floresta Estacional
do Rio Xingu em Mato Grosso Floresta Ombrófila
Floresta Estacional
Formações Pioneiras com
Contato
fontes: Terras Indígenas e Unidades de Conservação Floresta
(ISA, Ombrófila /
2011), influência fluvial e/ou lacustre
Floresta
Limite da Bacia do Rio Xingu (ISA, 2009), Vegetação Estacional 2004)
(Sipam/IBGE,
Floresta Ombrófila

Formações Pioneiras com


influência fluvial e/ou lacustre
226 AlmAnAque do pArque indígenA do xingu
cArtão postAl AmeAçAdo

capítulo 9 | Ilha de FlOresta


Vegetação original da bacia
do rio Xingu em mato Grosso

A Bacia Hidrográfica do Rio Xingu em


Mato Grosso é uma das mais recen-
tes regiões de expansão da fronteira
tipos: floresta ombrófila densa, com
árvores que podem ultrapassar os
50 metros de altura e que, em geral,
agrícola na Amazônia. Infelizmente, apresentam r ápido crescimento,
as atividades produtivas que acompa- casca lisa, tronco cônico e raízes ta-
nham esse processo vêm exercendo bulares; e floresta ombrófila aberta,
grande pressão de desmatamento que é um pouco mais baixa, ocorre
sobre extensas áreas de Cerrado e Ama- em clima menos chuvoso e pode ter
zônia, biomas que compõem a bacia. abundância de palmeiras, cipós e
Para que possamos entender as bambuzais. As florestas ombrófilas
vegetações que formam esses bio- estão presentes em 5,2% da área da
mas segundo suas peculiaridades e bacia e 28,3% de sua área original
características específicas, adota- encontra-se desmatada.
mos a seguir a classificação oficial
(Base Radam-Brasil, 1981). Ela leva 2 floresta estacIonal perenIfólIa
em conta a composição de espécies, (contato Floresta ombrófila-estacional):
densidade, porte e umidade, tentando Conhecida na região como Floresta
compor unidades que tenham expres- de Transição, esse tipo de vegetação
são regional no Brasil. é denominada áreas de contato entre
biomas pelo Radam. Tem até 35 metros
1 floresta ombrófIla: São florestas de altura e já foi chamada de Mata de
sempre úmidas, com chuvas regulares Transição, Floresta Seca do Mato Gros-
durante o ano todo. Divide-se em dois so e até de Cerradão. É o tipo de floresta
pedro martinelli/isa

rosely alvim sanches

1 2

AlmAnAque do pArque indígenA do xingu 227


cArtão postAl AmeAçAdo
capítulo 9 | Ilha de FlOresta

amazônica que predomina na região de luz entre as copas das árvores. Os


do Xingu, ocupando 68,3% da bacia. dois tipos ocorrem em 15% da área da
Estudos recentes mostraram que bacia e 47,8% de suas áreas originais
suas árvores têm sistema de raízes mais estão desmatadas.
profundo que o da Floresta Ombrófila e A Savana Parque, ou Cerrado Típi-
resistem à seca de 4 a 6 meses, todo co, é pouco presente. É formada por
ano, sem perder as folhas. Por esses mo- gramíneas em toda sua extensão e tem
tivos, passou a ser classificada cientifi- poucas árvores dispersas, de forma que
camente como Floresta Estacional (tem suas copas raramente se tocam. Está
2 estações por ano) Perenifólia (com presente em 4,4% da área da bacia e
folhas perenes). Ocupa 55,6% da bacia, 39,5% de sua área original no Xingu
dos quais 30,9% estão desmatados. encontra-se desmatada.

3 cerrado – saVana arbórea: O 4 Áreas alaGÁVeIs – formações


nome savana é muito usado em todo pIoneIras: Na Bacia do Xingu, são
o mundo para vegetações do tipo do as vegetações que ocorrem ao longo
Cerrado. Na Bacia do Xingu em Mato dos cursos d’água e várzeas (áreas
Grosso, está representada principal- encharcadas e alagáveis). Conformam
mente por dois tipos: a Savana Arbórea as Matas de Várzea, Matas de Brejo,
Densa, que chamamos de Cerradão Pantanais e Campos de Murunduns
Denso, e a Savana Arbórea Aberta, que e compõem um Complexo Aluvial
chamamos de Cerradão Típico. (ou fluvial). Suas espécies resistem
O Cerradão Denso é uma floresta de a períodos anuais de inundação ou
até 20 metros de altura, constituída por encharcamento do solo e podem ser
espécies do Cerrado. O Cerradão Típico provenientes do Cerrado ou da Ama-
é um pouco mais baixo – cresce até zônia. Ocupa 5,5% da bacia, dos quais
15 metros – e permite maior entrada 8% estão desmatados.
rosa gauditano/studior

andré villas-bôas/isa

3 4

228 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

não confunda:

capítulo 9 | Ilha de FlOresta


S bioma amazônia – Corresponde ao brasileiro, reunindo regiões de idênticos
conjunto de ecossistemas que formam problemas econômicos, políticos e
a Bacia Amazônica (da qual da Bacia do sociais, com o intuito de melhor planejar
rio Xingu faz parte). Está presente em o desenvolvimento social e econômico da
nove países da América do Sul. Além das região amazônica, instituiu o conceito
florestas tropicais, sua paisagem também é de Amazônia Legal a partir de 1953.
composta por mangues, cerrados, várzeas, É uma área que engloba nove estados
entre outros. No Brasil, o núcleo central brasileiros pertencentes à Bacia Amazônica
dessa paisagem, a hileia amazônica, com e, consequentemente, possuem em seu
grande concentração de árvores de grande território trechos da floresta tropical
amazônica. Sua atual área de abrangência
porte, com até 50 metros de altura, tem o
corresponde à totalidade dos estados
rio Amazonas como eixo que domina 300
do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso,
quilômetros para cada lado do seu curso,
Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins
ocupando 3,5 milhões de km2.
e parte do Maranhão, perfazendo
uma superfície de aproximadamente
S bioma cerrado – Segundo maior bioma 5.217.423 km², correspondente a 61%
brasileiro, é reconhecido como a savana do território brasileiro.
mais rica do mundo em biodiversidade.
O Cerrado é formado por um conjunto S cerrado dentro da amazônia legal –
de diferentes formações vegetais e Mesmo que haja, na região Centro-Oeste,
ecossistemas. Sua flora tem mais de 10 uma área nuclear da savana, onde o
mil espécies de plantas, sendo 4 mil bioma Cerrado é predominante, esse
endêmicas. Sua cobertura vegetal abrange tipo vegetacional ocorre também em
12 estados brasileiros, representando 23,9% todas as demais regiões do país, ocupando
do território nacional ou 2.036.448 km2. deste áreas extensas até pequenas
disjunções. Em Mato Grosso, está presente
S amazônia legal – Com base em análises em 39,74% do território e, na Bacia
estruturais e conjunturais, o governo do Xingu, em 20,31%.
pedro martinelli/isa

Rio Tuatuari no período da cheia com ilhas de vegetação do Cerrado.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 229


cArtão postAl AmeAçAdo

rosely alvim sanches/isa


capítulo 9 | Ilha de FlOresta

Área desmatada na região das nascentes do rio Xingu, município de Gaúcha do Norte.

pelo estudo de novas oportunidades


econômicas nos setores de refloresta-
mento, de turismo e, particularmente
dentro do PIX, de artesanato. desmatamento
Especificamente para o PIX, o estu- do entorno
do do Probio enumera várias ameaças aigi nafukuá
e faz recomendações. Entre as ameaças
estão a contaminação das nascentes Atualmente os agricul-
por agrotóxicos, a pavimentação de tores estão se aproxi-
rodovias como a BR-163 e BR-158, a mando da terra indíge-
proximidade de grandes fazendas, as na. Antigamente não
pequenas centrais hidrelétricas, a ex- existia isso, por que os brancos es-
tração de madeira por invasores ilegais, tavam ainda longe da terra indígena.
a expansão agrícola e as queimadas do Por isso que eles não desmatavam o
entorno. Entre as ações recomendadas entorno da área indígena.
estão a preservação dos conhecimentos Hoje em dia os agricultores estão
tradicionais de sua população, a manu- começando a ocupar e desmatar o
tenção das reservas genéticas in situ, o entorno da reserva indígena.
apoio ao monitoramento da qualidade Esta terra indígena é muito im-
da água, a realização de levantamentos por tante, ela tem várias coisas
etnobotâncios, a prevenção e o com- preciosas para os seres humanos
bate ao desmatamento e às queimadas e para a biodiversidade que existe
na região e a avaliação de pontos nela. Além disso, ela tem a floresta
conflitantes e da legislação associados que ajuda a purificar o ar.
aos setores produtivos do entorno que Os agricultores desmatam as flo-
afetem a diversidade biológica das restas e nem pensam em preservá-la.
terras indígenas.

230 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

francisco fortes/isa

capítulo 10 | Os índIOs e as cIdades


Crianças assistem a um desfile de moda em Canarana.

os índIos e as cIdades
Os xinguanos frequentam cada vez mais as cidades do entorno do PIX e o
efeito disso é a importante contribuição dos índios na economia da região.

A presença de índios xinguanos nas


cidades do entorno do Parque
Indígena do Xingu há muito tempo
informação (ver Perguntas frequentes,
pág. 235, 237 e 239).
As cidades mato-grossenses de Ca-
deixou de ser algo surpreendente ou narana, Querência, São José do Xingu,
inusitado. É nas cidades que os mo- Gaúcha do Norte, Feliz Natal e Mar-
radores do PIX fazem suas compras, celândia fazem fronteira com o PIX e
exames médicos, tiram documentos, são os destinos preferenciais de seus
vão ao banco e vendem seu artesanato. moradores. Canarana é uma das por-
Alguns trabalham e moram na cidade e tas de entrada do Parque Indígena do
seus filhos frequentam as escolas locais. Xingu e pela sua proximidade às aldeias
Embora a inserção da população indí- Xavante, da tI Pimentel Barbosa, recebe
gena seja visível e hoje exerça um papel uma grande quantidade de visitantes in-
importante na economia da região, dígenas. Vários índios do Xingu mantêm
ainda é cercada de preconceito e falta de laços profissionais com instituições na

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 231


cArtão postAl AmeAçAdo

cidade, que justificam visitas frequentes Indígena/Ministério da Saúde) e a asses-


capítulo 10 | Os índIOs e as cIdades

e regulares ao município. Entre eles es- soria pedagógica a várias escolas do PIX.
tão os professores indígenas, os agentes Nesta cidade existe, ainda, uma Casa do
indígenas de saúde e de saneamento, Índio (Casai), que hospeda os índios
os auxiliares de enfermagem indígenas, que aguardam consultas ou estão em
coletores de sementes, aposentados e tratamento médico, e abriga, também,
artesãos. Além destes, existem também a sede das associações indígenas Atix e
aqueles que trabalham para organizações Ipeax. Em Canarana, existem lojas espe-
indígenas ou para outras entidades do cializadas em artigos procurados pelos
setor e que vivem na cidade. índios (material para artesanato, pesca,
Segundo o último controle da funa- agricultura) e uma loja de produtos
sa, feito por ocasião da vacinação contra indígenas (ver Takan: uma comerciante
a gripe suína, no primeiro semestre indígena na cidade).
de 2010, 220 índios do PIX moram Nas demais cidades citadas, há uma
atualmente em Canarana. É nela que predominância de etnias conforme a
está a sede da Coordenação Regional proximidade com as aldeias do PIX.
do Parque do Xingu (funai), o Centro Assim, em Querência está a Casai que
Administrativo do Distrito de Saúde atende a pessoas Kisêdje, Kalapalo e
do Xingu (Secretaria Especial de Saúde Kuikuro. São José do Xingu é a cidade

takan: uma comerciante indígena na cidade

W atatakalu Yawalapiti, conhecida


como Takan, tem 30 anos, é ca-
sada com Ianukula Kaiabi, funcionário
francisco fortes/isa

da Funai e tem uma filha de 2 anos.


Desde 2009, é proprietária da loja
Xingu das Artes, em Canarana, onde
comercializa artesanato produzido no
PIX. Para ela, sua loja é um instrumento
de divulgação da cultura indígena, mas
está totalmente inserida no modo de
comercialização dos brancos. No ano
passado, chegou a realizar um desfile
de moda xinguana na cidade.
Apesar de morar em Canarana,
por conta do trabalho do casal, Takan Takan Yawalapiti e Ianu Suiá em loja de
mantém sua casa em aldeia dentro do artesanato indígena na cidade de Canarana.

232 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

ana lúcia pessoa gonçalves/isa

capítulo 10 | Os índIOs e as cIdades


Estande da Atix na Feira de Iniciativas Socioambientais, Canarana, 2008.

Parque e valoriza a manutenção de um relação aos indígenas, pois ainda existe


modo de vida tradicional. Apesar de se muito preconceito de forma geral. Tudo
comunicar com o marido em português isso é somado à maneira de viver, pare-
– já que falam línguas diferentes (Takan ce ser difícil compreender o diferente.
tem mãe Mehinako e pai Yawalapiti) –
Quem são os seus clientes?
ela fala sua língua materna com a filha.
Abaixo, ela conta um pouco sobre sua tAKAn – Meus clientes principais são
experiência como comerciante. os turistas e os técnicos não indígenas
das instituições ligadas às atividades
Qual a importância da e trabalhos com os povos indígenas. O
existência da Xingu das Artes que eu observo é que, para a popula-
para os índios do Xingu? ção local, é muito difícil compreender
tAKAn – Ajuda muito a divulgar a outras culturas diferentes da sua,
cultura, fazer com que as pessoas da principalmente a indígena. Forneço
região conheçam um pouco mais o produtos também para outras lojas de
que nós somos. Isso ajuda a diminuir a fora, como o Marcelo Freitas, de Alter
indiferença das pessoas da cidade em do Chão, no Pará, que tem uma loja que

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 233


cArtão postAl AmeAçAdo

Impacto na economia
mais próxima ao limite norte do Parque,
capítulo 10 | Os índIOs e as cIdades

fica a meia hora de carro do porto do Uma das fontes de preconceito em


rio Xingu mais próximo às aldeias que relação à população indígena em todo
ficam nos rios Manito e Arraias, dos Ka- o Brasil traz uma contradição. De um
waiweté (ou Kaiabi) e às aldeias Yudjá. lado, o preconceito se manifesta na
Marcelândia também é frequentada por percepção de os índios viverem em
índios dessas duas etnias, sobretudo por grandes territórios, de maneira impro-
abrigar a assessoria pedagógica de suas dutiva e fora da economia de mercado;
escolas. Feliz Natal, por sua vez, é destino de outro lado, pelo fato de deixarem
Ikpeng e Waurá, enquanto Gaúcha do de ser índios quando passam a usar
Norte atende sobretudo às etnias do Alto roupas, produtos industrializados e
Xingu, como Aweti, mehinako, matipu e frequentar as cidades.
nafukuá. A cidade possui, inclusive, um Essa visão é muito forte principal-
vereador Ciucarte Carlinho Mehinako. mente junto aos não índios que convi-

francisco fortes/isa

Desfile de moda xinguana durante seminário de Agentes Socioambientais do Xingu.

chama Araribá, com produtos de várias tAKAn – Espero aumentar as vendas,


etnias do Brasil e do mundo, e para as para que as pessoas não precisem ir
lojas Tronco Tupi e Armazém Parati, em tão longe para vender os seus artesa-
Parati, no Rio de Janeiro. natos, fazer um site para a loja e mais
pra frente também quero ter produtos
Quais são suas expectativas de outras etnias do Brasil. E montar um
no longo prazo? acervo para loja. Minha vontade é fazer

234 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

capítulo 10 | Os índIOs e as cIdades


Índios contribuem nas são submetidas ao mesmo regime
com impostos? tributário que as demais organizações
Eles são isentos de pagar imposto civis do mundo dos brancos.
sobre a terra, que é da União. Quando
sobrevivem de atividades tradicionais Os índios têm os mesmos
como a caça, a pesca, a coleta, por deveres e direitos dos
exemplo, não pagam impostos. Mas cidadãos brasileiros?
quando exercem profissões, como Sim. No caso de eles serem obri-
advogados, professores ou outras, pa- gados a cumprir alguma pena, têm o
gam. Quando fazem compras na cidade direito de ter sua organização social,
ou pagam por serviços como hospeda- suas línguas, costumes e tradições
gem e alimentação, pagam a mesma respeitados. E também exercerão os
taxa de IcmS que qualquer consumidor. direitos de acordo com as suas diversi-
As associações ou cooperativas indíge- dades culturais.

prIncIpaIs produtos por etnIa

crescer minha loja e depois poder voltar


mehInaKo: bancos de madeira,
cestaria; cerâmica, remos; para o Parque e estar com minha família
em uma aldeia com regras tradicionais,
WaurÁ: cerâmica, máscaras,
cestaria; que mantenham a cultura e garantam
KuIKuro: bancos, colares, cestos, a continuidade dos costumes e, prin-
brinquedos em madeira; cipalmente, da língua – minha maior
YaWalapItI: redes, colares, preocupação, pois vejo minha filha
miniaturas em madeiras, crescer e, na nossa cultura, a mulher é
bancos, cintos; a guardiã da língua.
Kalapalo: colar de caramujo;
KamaIurÁ: cestos, bancos, colares, Como você adquire os
redes, máscaras;
KaWaIWeté: colares de tucum,
produtos para a loja?
cestaria, bordunas;
YudjÁ: cerâmica, bancos, flautas; tAKAn – Eu faço muito dos artesa-
KIsêdje: colares, cestos, natos e, o que não faço, compro. Os
esteiras, bordunas; produtores preferem vir até a loja. É
IKpenG: bordunas, bolsas. uma maneira de verem que realmente
vende ali.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 235


cArtão postAl AmeAçAdo

entorno do pIX
capítulo 10 | Os índIOs e as cIdades

Terra Nova do Norte TI Capoto/Jarina


.
!
BR-0 Confresa
80
São José do Xingu !
.
TI Urubu Branco
Colíder
.
! Nova Santa Helena !
. Porto Alegre do Norte
.
! .
!

nitsauá-Miçu Canabrava do Norte


.
!
Itaúba
!
. Rio Ma .
!
Marcelândia
BR-163

Cláudia União do Sul Rio S

u
ing
.
! uiá-M
as
.
! içu

Rio X
Ri o

Hidrografia e Rodovia (Base cartográfica Brasil ao milionésimo, IBGE, 2010); Limites da bacia do Xingu (ISA, 2009)
Alto Boa Vista

i
ra
Ar
T e le s P i r e s

Rio .
!
TI Wawi
TI Maraiwatsede

fontes: Terras Indígenas e Unidades de Conservação (ISA, 2011); Sedes Municipais, Limites Municicpais,
!
. Santa Carmem PI Xingu
Sinop .
!

Serra Nova Dourada


nen
Stei .
!
Bom Jesus do Araguaia
n den
Vo
.
!
o
Vera Ri
.
! Feliz Natal
ro
onu

!
.
Rio R

Sorriso
.
! Querência
!
.
vi
Bato

BR-242
Rio

ESEC Rio Ronuro Ribeirão Cascalheira


Nova Ubiratã TI Pequizal do Naruvôtu .
!
.
! TI Batovi
.
!

8
Gaúcha do Norte

BR-15
vo
ri se

!
. TI Pimentel Barbosa
Cu
Rio

RVS Quelônios do Araguaia

Canarana
ene

!
.
C u lu

APA Salto Magessi


o
Ri
Santa Rita do Trivelato
.
! RESEC do Culuene
Nova Nazaré
TI Marechal Rondon .
!
Água Boa
.
!

TI Santana

PES Águas do Cuiabá TI Bakairi


Paranatinga TI Parabubure TI Areões
.
! TI Areões I
APA das Cabeceiras do Rio Cuiabá Campinápolis TI Areões II
.
!
TI Ubawawe
Planalto da Serra TI Chão Preto
Nova Xavantina
.
! .
! 0 40 80 Km
Santo Antônio do Leste
.
!
Nova Brasilândia .
!
Novo São Joaquim
TI São Marcos (Xavante)
ISA, 2011
.
!
francisco fortes/isa

.
! Sede municipal
Rios principais

Limite da Bacia Hidrográfica


do Rio Xingu em Mato Grosso

Limites municipais

Terra Indígena

Unidade de Conservação

Compra de material para a Associação AIK.

236 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

vem com índios, como no caso das cida- impacto da população indígena na

capítulo 10 | Os índIOs e as cIdades


des do entorno do PIX, principalmente economia do município de Canarana.
por desconhecimento. No entanto, as Segundo o trabalho, que ainda está em
pessoas não dimensionam os benefícios curso, a contribuição das populações in-
que acarretam uma vizinhança indíge- dígenas à economia de Canarana ocorre
na. Em primeiro lugar, o PIX é quem principalmente pelo dinheiro gasto dire-
condiciona o acesso dos municípios em tamente no comércio e com os serviços
que o Parque incide, ao ICMS Ecológico locais. Os índios contribuem ainda com
(ver box pág. 238), que corresponde ao a economia local através de custos com
repasse, para as prefeituras, de uma por- aluguel, contas de luz e água, materiais
centagem da arrecadação proporcional de construção e de limpeza, e criação de
à área do município ocupada por terras empregos. Instituições governamentais
indígenas e/ou unidades de conservação. e não governamentais que trabalham
Além disso, um estudo de 2010, com a população indígena também
encomendado pelo ISA, sinalizou o movimentam a economia local.

Os índios são beneficiados pelos sanato, mel ou produtos cultivados nas


programas sociais do governo roças. Existem artistas indígenas que,
(aposentadoria; bolsa família)? individualmente, vendem suas obras.
Como qualquer cidadão brasileiro, Em exibições culturais associadas a
os indígenas podem, sim, ser beneficia- danças ou outras performances ligadas
dos pelos programas sociais do gover- às suas festas e rituais, costumam uti-
no brasileiro. Cada situação determina lizar suas associações representativas
um tipo de benefício. O mais aplicável para gerenciar o contrato e repartir dos
para indivíduos indígenas, em geral, é benefícios financeiros.
a aposentadoria como agricultor.
Índios podem andar sem
Como é que os índios ganham carteira de habilitação?
dinheiro? Como é a distribuição Não. Precisam de habilitação para
desse dinheiro na aldeia? dirigir nas cidades e em estradas e ro-
Cada pessoa ou família indígena dovias fora das terras indígenas.
tem autonomia para ganhar dinheiro.
Hoje há muitos índios assalariados, É verdade que todo índio já
como professores, agentes de saúde, nasce com salário mínimo?
cargos administrativos da Funai etc. Ou- Não, é uma afirmação sem funda-
tros meios comuns são a venda de arte- mento.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 237


cArtão postAl AmeAçAdo

Realizado em 42 instituições, entre Com base nos números coletados, as


capítulo 10 | Os índIOs e as cIdades

estabelecimentos comerciais e de servi- vendas ao setor indígena (indivíduos e


ços, organizações indígenas e não indí- organizações) representam entre 17,7%
genas e setor público, o levantamento a 27% das vendas totais e nenhum en-
mostrou que seis lojas, uma padaria, trevistado disse não gostar dos clientes
um supermercado, um restaurante e indígenas. Algumas lojas de Canarana
um hotel entrevistados afirmaram ter dedicam-se exclusivamente à venda de
uma quantidade significativa de clientes artigos voltados para o consumo indí-
indígenas. A maioria dos entrevistados gena, tais como utensílios de alumínio,
declarou que os clientes indígenas que artigos de pesca (linha e anzol principal-
vivem no Xingu visitam seu estabeleci- mente), miçanga etc. Diferentemente de
mento a cada visita que fazem à cidade. outras lojas que vendem um ou outro
Os entrevistados reiteram a percepção de artigo especificamente para índios, a
que o impacto da população indígena na Loja Xingu, a Nardon e a Para Todos
economia local é consistente e crescente. comercializam uma variedade de obje-
O proprietário da loja Peixão, por exem- tos com o objetivo de suprir esse nicho
plo, afirmou que os índios representam especificamente indígena.
25% de sua clientela, tanto no período Alguns comerciantes mantiveram
da pesca quanto na entressafra. Em a venda de itens que deixaram de
contrapartida, outros clientes, como os ser procurados pelos não índios, mas
turistas, diminuem suas compras fora continuam sendo requisitados entre
do período de pesca. os indígenas, como o nanquim preto,

Icms ecolóGIco Implantado em 2002 no estado de Mato Grosso, o ICMS


Ecológico tem como objetivo principal compensar os municípios onde parte de
seu território foi destinado a terras indígenas e/ou unidades de conservação.
Comparativamente, o ICMS ecológico do estado de Mato Grosso está conceitu-
almente defasado, na medida em que entende a presença de áreas protegidas
como algo que prejudica a arrecadação do município, em vez de utilizar esses
recursos, como em outros estados, destinando-os prioritariamente a promover
e preservar a biodiversidade regional, melhorando a qualidade ambiental do
município. O ICMS Ecológico é repassado a esses municípios através do Imposto
sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Para se ter uma ideia do que significam esses recursos, cada estado tem 75%
do seu ganho destinado a áreas específicas, como saúde, educação, lazer e segu-
rança. Os outros 25% é o estado quem decide como
saIba maIs: vai aplicar. Em Mato Grosso, 5% são destinados aos
www.sema.mt.gov.br
municípios com UC e TI em seus territórios.

238 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

usado como alternativa à tintura do je-

capítulo 10 | Os índIOs e as cIdades


nipapo nas pinturas corporais. Em uma
loja de artigos esportivos, a proprietária
Por que os não indígenas contou que vende calção de mergulho
quando vão a uma aldeia quase exclusivamente para clientes
precisam de autorização da indígenas. O mesmo acontece com os
Funai e das comunidades vestidos cujos modelos usam o peito-
indígenas, e os índios quando ril de Elastec, muito procurado pelas
vão à cidade entram livremente? mulheres índias em lojas de vestuário.
Porque a terra indígena é uma O proprietário de uma delas afirmou
área de usufruto exclusivo dos povos vender em torno de 300 vestidos por
indígenas e, portanto, reservadas. Isso mês, sendo 80% para elas.
é regido por uma legislação específi- Em relação ao comportamento indí-
ca. O mesmo se aplica para parques gena, o estudo constatou que os índios
municipais, estaduais ou federais, do Xingu buscam produtos de melhor
para reservas extrativistas e qualquer qualidade, mesmo em sacrifício do preço
unidade pública. Uma terra indígena baixo. Segundo a resposta de comercian-
deve ser vista como a casa de um tes, a primeira TV LCD de 42 polegadas
povo indígena. Igualmente, os índios que chegou a uma loja de equipamentos
precisam de autorização para entrar eletrônicos foi vendida para índios do
em propriedades particulares. O leitor, Xingu, que a levaram para a aldeia; são
quando viaja pelo Brasil, não precisa eles, também, que têm preferência por
de autorização para circular nas estra- marcas conhecidas, como camisetas e
das e cidades, mas precisa para entrar bermudas “Adidas”. Por outro lado, não
na casa de qualquer pessoa. se encontram funcionários indígenas
nos estabelecimentos, embora a maior
parte de seus proprietários declare não
ver problema nessa contratação.
ana lúcia pessoa gonçalves/isa

Outra questão é o consumo de álcool


pela população indígena. Em Canarana,
as lideranças indígenas do Xingu, em
conjunto com autoridades do municí-
pio, pediram para que o comércio local
parasse de vender bebida alcoólica para
os índios. Desde o início de 2010 há
uma proibição em vigor, apesar de ainda
não ter sido formalmente aprovada por
um juiz. Dos quatro restaurantes entre-
vistados, apenas um vende bebida alco-
Índios do Alto Xingu e o grupo do Centro de
Tradições Gaúchas no II Encontro Nascentes ólica para seus clientes indígenas, por
do Xingu em Canarana, 2008. considerar a proibição discriminatória.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 239


cArtão postAl AmeAçAdo
capítulo 10 | Os índIOs e as cIdades

minha casa é na aldeia


alupá Kaiabi

Eu e minha família es- Então, fui para o Diauarum, onde fun-


tamos em Canarana por cionaria a sede da Atix.
causa do meu trabalho, Em 2002, a Atix achou necessário
na área de fiscalização do ter um escritório de representação em
PIX, mas nossa casa mesmo é na aldeia, Canarana e vim para cá. Era tesoureiro
nossas coisas estão lá. Até aos 14 anos da organização e precisava vir por conta
morei no Posto Indígena Leonardo no de bancos, pagamentos e prestações
Xingu, quando meu pai Pionim Kaiabi, de contas para os financiadores. Antes,
que era servidor da Funai, decidiu que tinha que vir umas três vezes no mês
tínhamos que estudar. Na época, não e era difícil, era distante, levava um
existia escolas indígenas como hoje, ou dois dias para chegar, as estradas
éramos alfabetizados por professores de chão não eram boas, tinha muito
não índios e, se quiséssemos avançar atoleiro; mesmo que agora ainda não
nos estudos, tínhamos que ir para fora. tenha asfalto, era pior naquela época.
O canal mais fácil era Brasília, onde Fiquei na Atix até 2009. Terminei
ficava a direção do Parque. Fui morar minha gestão como presidente da
na cidade satélite Núcleo Bandeirante, Associação. Na época, já trabalhava
em 1986, e fiquei até 1992 quando na área de fiscalização do Parque na
terminei o ensino médio. No início, foi Funai e hoje sou o responsável por esse
difícil porque não conhecia ninguém. setor, organizo equipe para realizar mo-
Ao concluir o 2º grau, pensei em nitoramento do entorno, aviventação
continuar com os estudos, passar no dos limites, expedições e encaminho
vestibular, mas a dificuldade financeira problemas para a Funai. Ano passado,
era grande para me manter. Minha mãe houve a reestruturação da Funai e a co-
e meu pai moravam no Xingu e isso ordenação do PIX veio para Canarana,
pesou também, pois a saudade era o que facilitou para a gente.
grande, mas o fato de ter concluído o Minha mãe Kaiulu é da etnia Trumai
ensino médio já era uma vitória. Fiquei e meu pai era Kaiabi. Minha mãe mora
ainda uns dois anos em Goiânia. na aldeia Boa Esperança, no Médio
No Xingu, estava acontecendo um Xingu, mas o deslocamento até lá é mais
movimento para se criar uma organi- difícil, por isso temos casa na aldeia do
zação indígena pelas lideranças do meu sogro, Mairawê Kaiabi, próxima ao
alto, médio e baixo e foi criada a Atix, Diauarum, aldeia 11 de Setembro. Mas
em 1995. Fui informado que havia sido ficamos mais tempo na cidade, eu, mi-
indicado para fazer parte da diretoria. nha mulher e meus quatro filhos, todos

240 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


cArtão postAl AmeAçAdo

capítulo 10 | Os índIOs e as cIdades


Mas acabamos não fugindo do que tem
na cidade e também comemos feijão,
arroz, carne, frango.
Conversamos com nossos filhos
para não perderem contato com a fa-
mília no Xingu. Dizemos que lá é a casa
deles, que precisam ajudar seu povo.
Esse sempre foi meu pensamento des-
de quando fui para Brasília. Tentamos
passar isso para eles.
desenho de kanawayuri kamayurá

Hoje existe uma grande quantidade


de gente do Xingu morando na cidade
de Canarana, mas a maioria dos que
vêm para a cidade não está integrada.
Muitos deles vieram de uns anos para
cá depois que passaram a ter benefícios
meninos entre 17 e 8 anos, que pas- do governo, principalmente se tem
saram a frequentar a escola na cidade. alguém da família com aposentadoria,
Na verdade, a gente acaba ficando vem morar na cidade. Mas tem dificul-
sem opção, porque na aldeia do meu dade, a maior que percebemos é a falta
sogro ainda não tem escola indígena, de alimentação. Pois é muito diferente
por isso as crianças vieram para cá e da vida na aldeia, onde existe peixe,
matriculamos nas escolas daqui. beiju e outros alimentos em abundân-
A gente sente falta de ficar na aldeia, cias e não precisam ser comprados.
mas eles estão acostumados, pois estão Esses benefícios não são suficientes,
aqui desde 2002. Já falavam português as coisas da cidade são caras.
antes de virem para a cidade e nunca Também existe o problema de mo-
tiveram problemas com os colegas na radia, aqui na cidade precisam pagar
escola. Mas fazemos questão de nas aluguel para morar numa casa e, na
férias eles irem para lá. Eles falam suiá por maioria das vezes, acabam morando
causa da avó e da mãe e, em casa, falam em instalações muito diferentes daque-
essa língua com elas. De resto, usam o la em que viviam nas suas aldeias, com
português normal. Falam as duas línguas. muito pouco espaço e convivem com
Aqui na cidade, minha esposa cuida pessoas de nível de conhecimento bai-
dos meninos e os pais dela sempre xo. Aí, jovens que vêm para cá, alguns
mandam alguma coisa do Xingu, prin- para estudar, acabam se envolvendo
cipalmente polvilho e farinha; às vezes, com coisas como bebida alcoólica, que
nos mandam peixe de lá, na verdade é uma coisa negativa para a pessoa e
quase sempre que vem um carro de lá. para sua comunidade.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 241


marcello casal jr./abr. dança em homenagem
aos mortos. festa kwarup, aldeia kamayurá.
futuro do pix
As atuais gerações dos povos xinguanos conciliam pesquisa e
tecnologia para revigorar suas práticas culturais, dando espaço para
reafirmar saberes e recriar tradições. A vulnerabilidade causada pelo
desmatamento do entorno, porém, aliada às drásticas transformações
socioeconômicas e políticas causadas a partir da intensificação do
contato, traz desafios que começam a ser enfrentados pela população
do Parque Indígena do Xingu. Confrontados com a ideia de finitude dos
recursos naturais e novas necessidades básicas de consumo, buscam
alternativas de fontes de renda e discutem as possibilidades de
projetos de pagamento por serviços ambientais. Também participam
de alianças como a campanha ‘Y Ikatu Xingu, que procura introduzir
questões relacionadas com a sustentabilidade não apenas do PIX,
mas de toda a região das cabeceiras do Xingu em Mato Grosso.

244 capítulo 11 patrimônio material e imaterial


253 capítulo 12 desafio da sustentabilidade
futuro do pix

acervo isa
capítulo 11 | patrimônio material e imaterial

Coleta de folhas de mandioca para o preparo de um prato da culinária kawaiweté.

patrimônio
material e imaterial
Atentos ao futuro, as atuais gerações dos povos xinguanos conciliam
pesquisa e tecnologia para revigorar suas práticas culturais,
dando espaço para reafirmar saberes e recriar tradições.

P or intermédio dos livros escolares


entramos em contato com uma
ideia restrita de “cultura indígena”.
desses bens materiais com suas tecno-
logias “primitivas”; e deixariam de ser
índios aqueles que passam a conviver
Geralmente usam como principal re- e usufruir do alto grau de desenvol-
ferência os modos de fazer dos índios, vimento conquistado pelos povos
ou seja, aquilo que produzem na forma ocidentais. Essa noção se sedimentou
de objetos e do que lhes pertence e é ao longo de séculos, e por muito
“fotografável” – a casa, as máscaras, as tempo a Antropologia foi associada à
festas etc. Seriam “índios de verdade” ciência que colecionava para museus
aqueles que mantêm intactos a pro- a cultura material de povos fadados ao
dução (e não necessariamente o uso) desaparecimento.

244 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


futuro do pix

Chegamos ao Século XXI e os ín- um vasto repertório de curas que não

capítulo 11 | patrimônio material e imaterial


dios estão cada vez mais em contato estão ao alcance de médicos especialis-
com a sociedade não indígena; isto tas. Se isso tudo continua vivo é porque
não os impede de aplicar conceitos faz muito sentido para a manutenção
próprios sobre o universo e seus seres, da organização social e cosmológica
renovar suas formas de classificação dos dessas populações.
espaços geográficos, fazer referência a Essa constatação é recente e a noção
narrativas sobre experiências vividas de “cultura” ampliou-se quando intro-
por seus antepassados ou explicar e duziu o conceito de “cultura imaterial”.
combater malefícios ou doenças com Trata-se de admitir como parte do pa-
trimônio cultural de um povo as suas
expressões orais, as práticas sociais, os
conhecimentos associados à natureza
e ao universo, os usos desses conheci-
mentos e as técnicas tradicionais.
O que é patrimônio
cultural imaterial?
De acordo com a Unesco, o patri-
o que diz a lei
mônio cultural imaterial se manifesta
em particular nos seguintes âmbitos:
Nos artigos 215 e 216 da Constituição
Federal de 1988, o conceito de
S Tradições e expressões Patrimônio Cultural abarca tanto as
orais como representações obras arquitetônicas e artísticas, como
e expressões públicas da manifestações das culturas populares,
de natureza imaterial.
poesia, da história, dos mitos O Decreto no 3551/2000 estabelece como
e outras formas narrativas, bens de natureza imaterial:
além da música e do canto;
S Dança, música e artes da • os saberes: conhecimentos
e modos de fazer, enraizados
representação tradicionais no cotidiano das comunidades;
como sinais visuais,
• as celebrações: rituais e festas
sonoros, gestos e textos que que marcam a vivência coletiva
identificam uma comunidade do trabalho, da religiosidade,
cultural; do entretenimento e de outras
práticas da vida social;
S As práticas sociais, os rituais
e eventos festivos; • as formas de expressão:
manifestações literárias, musicais,
S Os conhecimentos e usos plásticas, cênicas e lúdicas;
relacionados à natureza
• os lugares: mercados, feiras,
e ao universo; santuários, praças e demais espaços
S As técnicas artesanais onde se concentram e reproduzem
tradicionais. práticas culturais coletivas.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 245


futuro do pix
capítulo 11 | patrimônio material e imaterial

povos do pix e tombamentos

O Iphan inscreve o patrimônio ma-


terial em quatro livros de registro:
o de Celebrações, o de Formas de Ex-
tombamento de dois locais sagrados
indicados pelos Waurá e Kalapalo.
Trata-se dos sítios Sagihengu e Ka-
pressão, o de Saberes e o de Lugares. mukwaká, que agora são Patrimônio
Os bens materiais estão divididos em: Cultural do Brasil.
O Sagihengu está na margem direita
S Bens imóveis: os núcleos urbanos, do alto rio Culuene e é apontado como o
sítios arqueológicos e paisagísticos local onde teve origem o kuarup.
e bens individuais; O Kamukuwaká é uma gruta situada
nas margens do rio Batovi, região dos
S Bens móveis, como coleções arque- antepassados do povo waurá. De acordo
ológicas, acervos museológicos, com seus relatos, além do local abrigar
documentais, bibliográficos, arqui- a morada do Sol, foi ali que o ritual de
vísticos, videográficos, fotográficos furação das orelhas, praticado por todo
e cinematográficos. homem altoxinguano, teve origem.
Em fase de estudo para registro,
A classificação dos bens materiais é encontra-se a lagoa Pitupap, merece-
feita conforme sua natureza: arqueoló- dora de atenção dos Kawaiweté (ou
gica, paisagística e etnográfica; histó- Kaiabi). Ela foi localizada nos arredores
rica; belas artes e das artes aplicadas. do município de Sinop (MT), durante
Na categoria de bem imóvel, o uma expedição que esses índios
Iphan aprovou, em junho de 2010, o realizaram para o reconhecimento
do território que ocupavam antes da
transferência para o PIX. Graças à
rosana gasparini/isa

memória de velhos kawaiweté, foram


localizados sítios de antiga ocupação
e levantados todos os nomes desses
locais na língua indígena (toponímia).
A área em que se localiza a lagoa
pertence a três proprietários e a pos-
sibilidade de tombamento é uma pers-
pectiva a ser avaliada pelo Iphan, por
ser de interesse histórico e ambiental,
estar preservada e abrigar uma longa
história de lutas travadas ali pelos Ka-
Tuim Kaiabi conta a história da chegada
de seu povo ao Parque Indígena do Xingu waiweté com outros povos indígenas,
durante a expedição ao Posto Pedro Dantas. para garantir a defesa territorial.

246 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


futuro do pix

Alguns exemplos
de Lugares, do Iphan (ver Povos do PIX

capítulo 11 | patrimônio material e imaterial


A Unesco lidera programas internacio- e tombamentos, pág. 246). Em 2010, na
nais que destacam a riqueza da diversidade categoria “saberes”, o Iphan registrou os
cultural e as criações resultantes da tradi- sistemas de cultivo de roças dos índios
ção de um povo, enfatizando inclusive os do alto rio Negro (AM).
próprios processos criativos. Entre esses No Parque do Xingu, o ritual fu-
programas existe a “Proclamação das nerário do kuarup é forte candidato
Obras Primas do Patrimônio Oral e Ima- ao registro de patrimônio cultural
terial da Humanidade”. Ele já concedeu imaterial, mas as etnias altoxinguanas,
títulos a mais de 90 obras primas. procuradas pelo Iphan, ainda não se
O Brasil inaugurou sua adesão por sentiram seguras em viabilizar o proces-
uma candidatura indígena em 2002, com so, temendo que ele resulte num tipo de
as expressões orais e gráficas dos Wajãpi divulgação que venha prejudicar a força
do Amapá, reconhecidas também pelo que o ritual representa para os povos
Iphan, órgão do Ministério da Cultura, que o praticam. Esse assunto esteve
como Patrimônio Cultural do Brasil. novamente em pauta por ocasião da
Em 2006, foi a vez da “Cachoeira instalação da hidrelética de Paranatinga
de Iauaretê – Lugar Sagrado dos Povos II, no rio Culuene, onde se localiza o
Indígenas dos rios Uaupés e Papuri”, sítio Sagihengu, local onde, em tempos
localizada na região do alto rio Negro míticos, foi realizado o primeiro kuarup
(Amazonas) –, ser registrada no Livro (ver Rituais xinguanos, pág. 56).
marcello casal jr./abr

Dança em homenagem aos mortos. Festa do kuarup, em aldeia kamaiurá.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 247


futuro do pix
capítulo 11 | patrimônio material e imaterial

em que as culturas tradicionais perdem a força

J ovens xinguanos, velhas lideranças


e a Atix estão preocupados com al-
guns aspectos da vida contemporânea
recompensados pelo seu trabalho
com o fornecimento de alimentos
e bebidas tradicionais no final da
que representam ameaças à vitalida- jornada de serviço.
de da cultura dos povos do PIX. Por
conta disso, os jovens têm realizados SReprodução e divulgação, sem auto-
encontros onde procuram encontram rização e de forma inadequado, de
respostas para questões como: imagens dos índios “nus”, em ocasi-
ões de festividades. Isso vem sendo
S O consumo de bebida alcoólica praticado por alguns indivíduos
dentro e fora do PIX cada vez mais indígenas e visitantes não indígenas
presente entre as pessoas, princi- que registram arbitrariamente as
palmente entre jovens. imagens (com filmadoras, máquinas
fotográficas e celulares) e as divul-
S A crescente introdução de alimen- gam de maneira inadequada. Princi-
tos industrializados nas comu- palmente as mulheres têm sido alvo
nidades provoca riscos à saúde dessas atitudes inescrupulosas.
(obesidade, diabete e hipertensão)
e ameaça a continuidade da prática S Jovens indígenas que estudam em
do cultivo de alimentos tradicionais escolas das cidades trazem para
(ver Comida de branco, doença de suas casas e passam a reproduzir
branco, pág. 173). valores ocidentais e evitam par-
ticipar das atividades cotidianas,
S O trabalho remunerado monetaria- diminuindo o poder de influência
mente (prestação de serviço por dos seus pais em sua educação.
um indivíduo) está ganhando es-
paço contra o sistema de mutirão. S Os partos naturais têm sido substi-
Nesses casos, os trabalhadores são tuídos por cesáreas na cidade.
desenho de
aturi kaiabi

248 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


futuro do pix

Biotecnologia
záveis, sem que a fonte do conhecimento

capítulo 11 | patrimônio material e imaterial


O registro de um sistema agrícola - um determinado povo indígena - fosse
tradicional, como ocorreu no alto rio devidamente remunerada.
Negro, está sendo visto como um me- Os não índios costumam desprezar
canismo de proteção da propriedade in- os sistemas não científicos de produção e
telectual dos conhecimentos tradicionais difusão dos conhecimentos tradicionais.
indígenas, o que deve ser aplicado em Estes, geralmente, ocorrem em um am-
muitos mais casos. biente onde redes de intercâmbio foram
Sistemas agrícolas de povos indígenas pautadas nas relações de parentesco, de
e comunidades locais são responsáveis amizade e de alianças entre grupos lo-
por boa parte da diversidade de cultivos cais. Essas relações sociais determinaram
existentes no mundo hoje (ver Conhe- as normas de conduta relacionadas ao
cimento indígena, pág. 141). Com o manejo de plantas, o que inclui a defini-
desenvolvimento da biotecnologia, em ção de critérios próprios de identificação
que genes e moléculas de qualquer ser das espécies e das suas variedades, o que
vivo podem ser patenteados, os índios mostra que a agrodiversidade é cons-
sentiram-se ameaçados ao ver que seus tantemente reinventada, aprimorada e
relatos sobre os efeitos de determinadas reelaborada nas aldeias e roças.
plantas permitiram que a indústria far- Estudos da FAO indicam que a segu-
macêutica se apropriasse da informação, rança alimentar da população mundial
patenteando-a, derivando daí um enor- está fundada em meros dez cultivos.
me arsenal de medicamentos comerciali- Trigo, milho e arroz respondem por
acervo isa

Roça de amendoim e banana, aldeia Kwaryja, povo kawaiweté.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 249


futuro do pix

metade da dieta global. No entanto, rial pode, então, abrir caminho para
capítulo 11 | patrimônio material e imaterial

variedades adaptadas localmente e que criar interfaces com mercados através


serviriam de guardiões genéticos contra da economia solidária ou outros ins-
pragas, doenças e alterações climáticas trumentos, como, por exemplo, o das
vêm desaparecendo. Concentração Indicações Geográficas, que confere a
fundiária, monoculturas e contamina- um produto uma identidade própria,
ção genética causada pelo cultivo de como é o caso dos vinhos da Borgo-
espécies transgênicas são os principais nha (França), do queijo da Serra da
fatores. Mas a própria indústria agro- Canastra (Minas Gerais) etc. A medida
biotecnológica depende de matéria- reconheceria, então, a contribuição de
prima com variabilidade genética para determinados povos para a perpetuação
desenvolver novos cultivares. desse patrimônio através da valorização
O registro de sistemas agrícolas de um produto específico resultante do
tradicionais como patrimônio imate- manejo da agrodiversidade local.

não confunda:

S bem material – É aquele que pode feitas reavaliações para indicar se o bem
ser tocado, visto, dimensionado, medido deve ou não permanecer registrado.
e pesado.
S resgate cultural – Ocorre quando é
S bem imaterial (ou intangível) – É aquele necessário recuperar alguma coisa que
bem que não pode ser tocado, mas que é se perdeu. Por exemplo, se mulheres
considerado útil e, por isso, adquire valor ceramistas ainda sabem lidar com a argila,
(não necessariamente monetário). Por mas não conhecem mais o formato das
exemplo, um bem imaterial pode ser uma panelas feitas por suas antepassadas, elas
recorrem aos livros, desenhos ou fotografia
ideia boa, uma técnica para se fazer alguma
de viajantes e pesquisadores para copiar o
coisa, o conhecimento sobre determinado
que está registrado. Assim, passam a fazer
evento e assim por diante. O patrimônio
novamente os modelos de panelas que
imaterial é fonte do patrimônio material. estavam esquecidos.
S tombamento – É um instrumento do S revitalização cultural – É quando existem
poder público para preservar bens materiais ainda pessoas que conhecem os rituais,
com valor histórico, cultural, arquitetônico, as histórias e as tradições de seu povo.
ambiental e até mesmo com valor afetivo Se elas são minoria ou muito velhas, seus
para a população. O tombamento impede conhecimentos correm o risco de desaparecer
que esses bens venham a ser destruídos ou com elas. A revitalização cultural acontece
descaracterizados. quando membros da aldeia tomam a decisão
de aprender com aquelas pessoas para
S inventário permanente – É o instrumento retomar as atividades até então em desuso.
aplicado para registrar os bens de natureza
imaterial. Não podem ser tombados porque
saiba mais:
bens imateriais são testemunhos de um www.institutoiepe.org.br/
tempo, podem se modificar. No Brasil, infoteca/livros/70.html.
o Iphan definiu que a cada dez anos são

250 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


futuro do pix

capítulo 11 | patrimônio material e imaterial


resgate cultural
Yapariwa Yudjá

Registrar nossa cultura era te da cultura estava fraca, começamos


preocupação de jovem, a pedir para as pessoas contarem, as-
não dos velhos. Antes sociação e escola organizaram-se para
chamávamos de 'resgate isso. O local do recurso natural é dis-
cultural', mas depois vimos que a cultu- tante, custa tempo e recurso, o pessoal
ra ainda estava com a gente, então para achava que as coisas iam se perder,
manter ela viva mudamos o nome para quando percebemos isso fomos atrás.
'revitalização cultural'. Começamos a Hoje nós é que somos cobrados pela
registrar algumas coisas de brincadeira, comunidade para fazer mais coisas. (...)
fomos tendo essas primeiras ideias. A associação fez a festa, gravamos
Quando o povo começou a se interes- as músicas, em apenas uma festa gra-
sar, começamos a aumentar o trabalho. vamos 283 músicas. Fomos melhoran-
Fizemos um primeiro encontro, do, e hoje continuamos fazendo com
identificamos uma parte que já pes- mais planejamento. Minha avaliação é
quisamos sobre perda de cultura. que deu resultado, trocar experiência
No passado, todo mundo sabia com outros povos é entregar outros
cantar, dançar, fazer canoa, fazíamos conhecimentos para depois transfor-
uma coisa que trazia o valor daquela mar a vida dos outros, é assim que a
comunidade de volta. Então alguns gente constrói nossa vida, se ficamos
questionavam: 'se a cultura ainda parados não temos outra experiência
está com a gente, para quê registrar? para aplicar na sua vida e fortalecer
Quem vai ouvir? Eu, que sei cantar, vou sua comunidade.
ter que ouvir minha própria música?' Não permitimos a publicação, é
Era um questionamento forte, mas apenas um registro para nós, alguns
depois essas pessoas começaram a querem mostrar porque gostam da
nos apoiar. Associação e escola co- música, quem é o dono da cultura
meçaram a fazer na prática, na língua, pode decidir, no caso, a comunidade.
e começamos a ganhar respeito pelas Eu sou apenas empregado lutador pela
preocupações colocadas. cultura. Antes, o pessoal não queria
(...) A flauta foi desvalorizada por que gravasse, mas depois que ouviram
nós mesmos, eu mesmo quando come- todos quiseram mais.
cei a conhecer o mundo fora nem sabia Apesar de ser projeto para grava-
das flautas. Desvalorizamos porque ção de música (Projeto Registro da
não conhecíamos, era difícil aprender, Cultura Musical do Povo Yudjá), fize-
treinar. Depois que vimos que uma par- mos muitas outras coisas, registramos

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 251


futuro do pix
capítulo 11 | patrimônio material e imaterial

as histórias relacionadas às músicas. botar preço, acabamento, botar a


Os alunos não sabiam cantar direito, história e tentar vender, mas não ia
mas com a transcrição das músicas e ter saída; você acha que vai dar lucro,
com as histórias, as pessoas aprende- mas depois de um tempo ninguém
ram rapidamente. Tentamos traduzir vai querer mais porque um compra,
as letras da música, mas foi difícil o outro copia e assim por diante. É
porque os termos não têm equivalen- bom que venda, mas você está dando
te no português. Ao mesmo tempo, de graça o conhecimento para outras
pensamos: se estamos fazendo isso pessoas. É diferente quando há uma
para guardar pra nós, então para quê troca, eu dou o meu e você me dá o
traduzir ao português? seu CD. Nosso conhecimento já está
Decidimos não vender também, nas mãos de outras pessoas, sendo
mas as coisas começaram a fugir, modificado, por isso não quero vender.
começaram a fazer cópias dos CDs. Apenas distribuímos para algumas
Se a gente decide (vender) podemos pessoas mais próximas.
desenho: makuawa yudjá

252 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


futuro do pix

carlos fausto

capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe


Cantor e cineastas kuikuro.

desafio da
sustentabilidade
Crescimento populacional, recursos ambientais ameaçados e novos hábitos
de consumo exigem que os povos indígenas redimensionem seu futuro.

O Parque Indígena do Xingu é hoje


uma ilha de floresta na região das
cabeceiras do rio Xingu em Mato Grosso,
alteram os processos ecológicos dentro do
PIX, prejudicam a reprodução da fauna
pesqueira e terrestre, alteram o clima regio-
que ao longo dos últimos 20 anos acumula nal, aumentam o ressecamento das matas,
altas taxas de desmatamento. Essa situação tornando-as mais vulneráveis ao fogo.
está colocando em risco a sustentabilidade Essas novas situações colocam desafios de
futura das populações que nele residem. O adequação da economia de subsistência
impacto da ocupação e práticas agropecuá- e das formas tradicionais de manejo dos
rias sobre as cabeceiras dos rios formadores recursos naturais dos povos indígenas.
do Xingu que estão fora dos limites do Esses povos vivem em terras reser-
Parque, com ênfase no desmatamento vadas e estritamente delimitadas, parte
crescente do seu entorno, são fatores que delas duramente reconquistadas para

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 253


futuro do pix

garantir-lhes as condições básicas para como postos de saúde, escolas, pista de


capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe

sua reprodução física e cultural, mas res- pouso, administração da TI etc. Em seu
tritas quanto à possibilidade de manter conjunto, isso vem provocando mu-
os padrões de mobilidade espacial de danças nos padrões de uso de recursos e
seus antepassados. O confinamento de das terras no interior do PIX e trazendo
povos seminômades impõe a consciência desafios para a sustentabilidade de uma
sobre a finitude dos recursos naturais. população que ainda passa por um
Exite uma geração de anciães no PIX processo de recuperação demográfica,
que nasceu e cresceu antes do contato. apresentando altas taxas de crescimento.
Uma geração ainda mais numerosa A intensificação do contato e o
vivia, há pouco mais de 30 anos, numa histórico de relações com a sociedade
situação de quase total isolamento. As nacional trazem transformações socio-
gerações atuais vivem em um contex- econômicas e políticas entre os povos
to em que mais de 14 mil km2 foram indígenas e, portanto, no PIX. Novos
desmatados na região das nascentes do hábitos incorporados demandam ações
Xingu na última década, grande parte para suprir necessidades básicas de con-
disso nas matas ciliares. Outro tanto sumo. O fim do indigenismo protetor
está degradado. A pressão trouxe para do Estado impôs o desafio do desen-
perto do Parque fazendas, estradas, vilas volvimento de atividades de geração
e cidades, em locais onde antes os índios de renda. Sociedades tradicionalmente
podiam circular em áreas de florestas, o baseadas numa cultura de subsistên-
que possibilitava um sistema de circu- cia enfrentam divergências culturais
lação que permitia o uso e recuperação profundas no seu modo tradicional de
de áreas para roçados e a manutenção produzir sua existência para se inserirem
dos estoques de pesca, caça e da vasta em uma economia de mercado.
gama de produtos florestais que usam
para sua subsistência.
A atual geração do Parque
jurandir craveiro/nbs

vive o desafio de adaptar-se à


nova realidade para manter
as condições básicas de repro-
dução física e cultural, agora
sem os padrões de mobilidade
espacial de seus antepassados.
Também é evidente um
aumento da sedentarização
das aldeias, principalmente
junto à calha dos rios maio-
res, associada ao acesso aos
serviços de saúde e estabe-
lecimento de infraestrutura, Festa tawarawana na aldeia Ngojhwere, povo kisêdje.

254 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


futuro do pix

Geração de renda
A crescente presença do dinheiro

capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe


As sociedades xinguanas tiveram nas relações entre os índios e o aumento
contato relativamente recente com o real do poder de compra de bens de
dinheiro e ainda estão aprendendo a consumo trazem mudanças socioeco-
manipulá-lo, no âmbito familiar e de nômicas e políticas que vêm ocorrendo
sua organização social mais geral. Inicial- entre os povos do PIX. Estima-se que,
mente baseada somente no artesanato, em 2010, aproximadamente 10% da
atualmente existem outros produtos na população do Parque tinha alguma fon-
pauta comercial, como eventuais exce- te de renda mensal, através dos salários
dentes agrícolas e a produção de mel e programas sociais.
orgânico para o mercado sulista, mas a Outra alternativa de renda que vem
principal fonte de renda atual dos índios crescendo em algumas comunidades do
vem do assalariamento de servidores pú- PIX é o turismo. Opção controversa,
blicos da Funai (motoristas, operadores divide opiniões dentro do Parque, mas
de radiofonia, administradores de postos algumas iniciativas estão em andamen-
locais etc.), da educação (professores, to, sobretudo de grupos que exploram
diretores, coordenadores pedagógicos a opção do turismo etnocultural, com
e merendeiras, por exemplo), da saúde visitas breves, de pessoas que querem
(enfermeiros, agentes de saúde, agentes conhecer as comunidades xinguanas e o
de saúde bucal, agentes de saneamento, convívio com a natureza. Em articulação
coordenadores, auxiliares de escritório, com operadoras de turismo e pilotos de
entre outros) e dos dirigentes das as- aviões que prestam serviços na região, os
sociações indígenas. Também o acesso Waurá da aldeia Pyiulaga e os Kamaiurá
à programas sociais e de previdência, da aldeia Ipavu recebem pequenos gru-
como aposentadoria e fome zero, são pos de turistas em suas aldeias. A grande
fontes de renda para essa população. preocupação das lideranças é o assédio
do turismo pesqueiro e os
impactos que a atividade pode
acervo isa

gerar se não for extremamente


bem conduzida. Mais recen-
temente, a rede de sementes
do Xingu vem se constituindo
numa alternativa econômica
para algumas aldeias.
Um aspecto observado
nas famílias indígenas, so-
bretudo quando existe um ou
mais membros assalariados,
é a alteração dos hábitos ali-
mentares. Os índios sempre
Reunião da diretoria da Atix, sede Atix Diauarum. tiveram uma dieta rica em

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 255


futuro do pix
capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe

controle do fogo é desafio

O s índios do Xingu usam tradicio-


nalmente o fogo para diversos fins.
O mais frequente é para os roçados
e roçado, já não são tão claros. O canto
da cigarra, determinadas formações de
nuvens e trovões e tantos outros sinais,
de corte e queima, principal base de que antes avisavam a premência das
alimentação, mas há também outros chuvas, hoje não mais se sincronizam
usos, em menor escala, para colher mel, com o seu início. Antes, os xinguanos
confeccionar artesanato, acessar recur- colocavam fogo certos de que daí a
sos naturais, além de cozinhar. Sempre poucos dias as chuvas se iniciariam,
tiveram domínio do uso do fogo, de hoje já não têm mais essa certeza. Ou-
forma a ele não se espalhar, envolvendo tra questão que influi é que os índios
desde técnicas de queimada controlada ocupavam um território imensamente
até um profundo conhecimento dos si- maior antes da existência do PIX; com
nais de chuva e estiagem, que os guiava isso, hoje precisam ocupar mais inten-
no melhor tempo para o uso do fogo. samente o território.
Atualmente, porém, os índios vêm Algumas medidas preventivas co-
sentindo mais dificuldade no controle meçam a ser tomadas, como apagar
do fogo. O desmatamento regional fogueiras feitas para se aquecer na
trouxe mudanças na ecologia da região. floresta e controlar o fogo das roças,
Os sinais da natureza, que antes os mas os incêndios vêm se alastrando
guiavam em seu calendário de queima cada vez mais.

renata faria/isa

Jovens kawaiweté usam bombas costais em treinamento de combate ao fogo no PIX.

256 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


futuro do pix

katia yukari ono/isa

capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe


Manejo de roça sem fogo realizado por jovens kawaiweté.

carboidratos, mas a presença excessiva Índios de diferentes gerações vêm mos-


de carboidratos e açúcares em massas trando, todavia, crescente interesse em
industrializadas, refrigerantes, frituras, habilitar-se para compreender melhor
salgadinhos e doces vem gerando grande as mudanças, para encará-las e torná-las
incidência de problemas de saúde bucal, assunto entre seus pares.
diabetes, obesidade e hipertensão, esta Homens e mulheres de diversos
última pelo alto teor de sódio contido povos têm manifestado objetivamente
nos alimentos produzidos e vendidos nas a sua preocupação com relação à cres-
cidades (ver Comida de branco, doença cente escassez de recursos estratégicos
de branco, pág. 173). para a manutenção de sua qualidade
de vida. Os Kawaiweté, por exemplo,
Ideia de finitude
estão procurando apoio para conservar
De um modo geral, a ideia de fini- o patrimônio genético de seus cultivares,
tude dos recursos naturais é difícil de tentando preservar o que está escasso e
ser assimilada pela população do PIX, resgatar o que se perdeu (ver Conheci-
sobretudo pelos mais velhos. O fato das mento indígena, pág. 141).
advertências partirem dos não índios O aumento de focos de calor dentro
causa-lhes estranheza, pois, afinal, foi do PIX também têm mobilizado comu-
dos brancos que os novos hábitos surgi- nidades xinguanas a desenvolver inicia-
ram. Além disso, não existem repertórios tivas de prevenção e discutir formas de
simbólicos ou aparatos de linguagem adaptação de práticas tradicionais de
suficientemente satisfatórios para ajudar manejo, considerando o contexto de
na tradução transcultural desse impasse. mudanças climáticas na região.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 257


futuro do pix
capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe

o que é, afinal, pagamento por serviços ambientais?

A natureza trabalha para a manuten-


ção da vida e de seus processos
porque ela fornece ar puro, água limpa
nasceu o conceito que está sendo
chamado de Pagamento por Serviço
Ambiental (PSA). Ele tem sido aplicado
e acessível, solos férteis, florestas tanto para os serviços prestados pelas
ricas em biodiversidade , alimentos áreas naturais ainda existentes, como
nutritivos e abundantes etc. Ou seja, para a recuperação de outras que já
a natureza presta serviços ambientais haviam perdido sua capacidade de
ao fornecer qualidade de vida e como- prestá-la, como, por exemplo, através
didades para os seres vivos, inclusive da restauração florestal .
o Homem. Pouco se entende, no entanto,
Traduzindo esse conceito para a sobre o que é e como deve funcionar
economia, quanto trabalho custaria um bom sistema de PSA. Afinal, como
para o agricultor fazer o serviço de entregar um “produto” resultante de
polinização (que as abelhas fazem um “serviço ambiental” se ele depen-
sem cobrar), levando o pólen a todas de do restabelecimento de condições
as plantas de sua horta e pomar? ambientais que devem demorar déca-
Quanto esforço e tempo seriam neces- das para acontecer, período de tempo
sários para transformar toda a matéria muito superior ao que o mercado está
orgânica que existe em uma floresta acostumado a trabalhar?
em nutrientes disponíveis para as Diante dessas dificuldades, há
plantas, se não existissem os seres propostas de intervenção do Estado
da natureza (decompositores) que o e sistemas públicos de compensação
fazem “de graça”? Quanto vale todos por serviços ambientais. A distribui-
esses serviços que a natureza faz? ção dos pagamentos responderia a
De alguns anos para cá surgiu a critérios de justiça social, e não de efi-
ideia, no Brasil e no exterior, de que ciência econômica. Nesse contexto, os
além das leis e dos instrumentos de povos indígenas que historicamente
comando e controle (as leis ambien- preservaram o meio ambiente e usa-
tais e a fiscalização de seu cumpri- ram de modo consciente e sustentável
mento), é necessário haver incentivos seus recursos e serviços, passam a ser
econômicos para manter a natureza vistos como responsáveis pelo forne-
protegida para que ela permaneça nos cimento desses serviços ambientais.
fornecendo esses bens.
Não adianta apenas penalizar NOvO meCANISmO
quem destrói a natureza, é necessário REDD, que significa Redução do
também incentivar boas práticas para Desmatamento e da Degradação flo-
sua conservação. É nesse cenário que restal, é um mecanismo com potencial

258 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


futuro do pix

capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe


para remunerar o serviço ambiental A floresta amazônica é um dos
de manutenção dos estoques de principais alvos para projetos de REDD
carbono aprisionados da atmosfera e as terras indígenas, que ocupam
nas florestas. 25% da Amazônia, são candidatas
Esse novo mecanismo vem sendo naturais a executá-los. Elas são reser-
discutido em nível internacional visan- vatórios de carbono por conta de sis-
do contribuir com cortes profundos temas culturais que permitem a repro-
nas emissões de gases de efeito estufa dução de modos de vida adaptados à
(GEE), dentre os quais se destaca o diversidade das florestas tropicais, e
carbono, principal responsáveis pelo são compatíveis para o equilíbrio dos
efeito estufa, responsável pelo aumen- ecossistemas que fornecem serviços
to da temperatura do planeta, gerando ambientais essenciais.
mudanças climáticas que provocam Para estimar o estoque de carbo-
derretimento das regiões cobertas por no, é necessário fazer o mapeamento
gelo e aumento do nível do mar. e a extensão das diferentes fitofisio-
O REDD prevê que parte das emis- nomias florestais das áreas que serão
sões industriais de GEE dos países ri- alvo dos projetos para saber exata-
cos, aquelas que não são passiveis de mente quanto carbono existe nelas.
redução no curto e no médio prazos, No caso do PIX, situado em região de
podem ser compensadas em projetos extrema pressão de desmatamento,
que reduzam desmatamento e degra- seus povos têm todas as condições
dação de florestas. Projetos de REDD para desenvolver projetos de REDD,
relacionam floresta e clima na medida já que, por décadas, estão impedindo
em que promovem a conservação de o avanço do desmatamento regional
florestas para que, no longo prazo, para dentro dos limites do Parque.
conservem o estoque de carbono Apesar dos índios terem consciência
armazenado nos galhos, troncos e de que a conservação de suas terras
raízes das árvores. é importante também para quem vive
Esse mecanismo está sendo fora delas, a implantação de projetos de
discutido em fóruns internacionais e REDD exige a compreensão de conceitos
depende ainda do estabelecimento complexos e um plano de gestão futuro
de acordo internacional entre todos os do parque. Assim, o assunto ainda é
países do planeta para ser validado. objeto de discussões e não encontra
No entanto, existem projetos de REDD unanimidade entre os diversos povos.
em andamento no mercado voluntário,
ou seja, empresas que por conta e
risco querem contribuir com a redução VeJa tambÉm:
do desmatamento antes mesmo de Serviços ambientais e mudanças
climáticas, pág. 221.
existir um entendimento internacional.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 259


futuro do pix

Novas alternativas
A fragilidade do rio e a necessidade
capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe

Nenhum esforço será suficiente, de trabalhar em sua conservação ficaram


porém, se não estiver associado a uma evidentes em meados de 1990, quando
estratégia mais ampla de sustentabilidade, as lideranças do PIX manifestaram sua
que assuma o PIX como uma imensa área preocupação com a ocupação e o desma-
natural preservada que presta serviços tamento no entorno de sua área e com o
ambientais fundamentais, como conser- processo de assoreamento dos rios que
vação de nascentes e produção de água, cortam o parque, afluentes do Xingu.
conservação de biodiversidade, manuten- A campanha ‘Y Ikatu Xingu é um
ção de estoque de carbono e de condições movimento de responsabilidade socio-
climáticas para a região, para a Amazônia, ambiental compartilhada entre diferen-
para o Brasil e para a humanidade. tes atores regionais preocupados com a
Os índios do Xingu vêm se estru- proteção e recuperação das nascentes, das
turanto para acessar fundos de prote- matas ciliares e com a sustentabilidade
ção florestal, projetos de pagamento futura do rio Xingu e seus afluentes. O
por serviços ambientais, fundos de ISA tem sido um importante animador
adaptação às mudanças climáticas, da campanha junto com outras institui-
mecanismos institucionais de gestão ções e prefeituras da região. Desde 2004,
dos recursos hídricos, a serem imple- várias iniciativas ligadas à campanha pos-
mentados na figura dos comitês de sibilitaram estruturar soluções efetivas
bacia hidrográfica, e outras fontes que que colocaram a região das cabeceiras
possibilitem a eles a infraestrutura e do Xingu em uma situação diferenciada,
recursos necessários à gestão de suas em condições de corresponder adequa-
necessidades e à proteção do seu ter- damente ao engajamento dos produtores
ritório, possibilitando atualizar seu rurais da região, sejam eles pequenos,
modo tradicional e assegurar a relação médios ou grandes, na resolução dos
de baixo impacto e equilibrada que passivos ambientais de suas áreas de
tradicionalmente mantêm sobre as flo- proteção permanente (APP).
restas (ver O que é, afinal, pagamento Como principais resultados da cam-
por serviços ambientais?, pág. 258). panha até o momento destacam-se:
‘Y Ikatu Xingu pensa no futuro S Existem hoje na região das cabe-
A Campanha ‘Y Ikatu Xingu surgiu ceiras do Xingu no estado de Mato
em 2004 para atuar na recuperação e
proteção das nascentes e cabeceiras do
rio Xingu. Estima-se que já foram des-
Você sabia?
matados quase 6 milhões de hectares de
vegetação nativa na bacia do rio Xingu
em Mato Grosso, o que significa que S O nome ‘Y Ikatu Xingu foi escolhido
durante o I encontro Nascentes do Rio
aproximadamente 33% da cobertura ve- Xingu e significa “Água boa do Xingu”
getal original já foi suprimida no estado. na língua kamaiurá.

260 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


futuro do pix

capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe


marcos históricos A Campanha ‘Y Ikatu Xingu teve dois importantes marcos
em sua história. O primeiro foi seu evento de criação, o I Encontro Nascentes do
Rio Xingu, realizado em 2004, em Canarana. Na ocasião, as linhas de ação da
campanha e os compromissos assumidos durante o encontro foram registrados
na Carta de Canarana. Em 2008, os animadores da campanha realizaram o II
Encontro Nascentes do Xingu e a I Feira de Iniciativas Socioambientais para fazer
um balanço das ações realizadas nos quatro anos de existência da campanha.
Saiba mais sobre cada um desses eventos e
conheça a Carta de Canarana em www.yikatu saiba mais:
www.yikatuxingu.org.br
xingu.org.br/a-campanha/historia/.
fotos: acervo isa

No alto: Makupá Kaiabi fala sobre a importância de se proteger as cabeceiras do rio Xingu.
Acima: participantes do povo kisêdje durante o I Encontro Nascentes do Rio Xingu.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 261


futuro do pix
capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe

rede de sementes do xingu

A Rede de Sementes do Xingu foi


criada como uma resposta à de-
manda por sementes nativas para res-
existem núcleos coletores de semen-
tes em oito aldeias do PIX. Apenas
no ano de 2010, os índios do Xingu
taurar as margens de rios e nascentes entregaram mais de 600 quilos de
do rio Xingu, em Mato Grosso. A região sementes nativas para a rede.
tem um grande passivo ambiental a
ser recuperado e os produtores rurais
buscam formas mais eficientes e me- aldeias que têm núcleos
nos custosas para restaurar suas áreas. de coleta de semente:
Mais de 53 toneladas de sementes
já foram destinadas para os trabalhos ilha Grande e tuiararÉ
de restauração realizados pelas insti- (dos Kawaiwetê)
tuições envolvidas na ‘Y Ikatu Xingu, moYGu (dos iKpenG)
movimentando R$ 459 mil e gerando tuba tuba, pequizal e
renda para coletores indígenas e agri- paKsamba (dos YudJá)
cultores familiares. Em cinco anos de waurá (dos waurá)
trabalho, pouco mais de 2.000 hectares nGohJwerê (na terra
de Áreas de Preservação Permanente e wawi dos KisêdJe)
Reservas Legais em propriedades rurais
de 21 municípios mato-grossenses

luciano l. eichholz/isa
foram colocados em processo de
restauração por meio de regeneração
natural, plantio de mudas e semeadura
direta de sementes utilizando maqui-
nários agrícolas, como calcareadeira
e plantadeiras, comumente utilizados
para o plantio de grãos, como soja e
milho, e pasto. Além de possibilitar a
restauração de grandes áreas, o custo
do plantio de sementes fica até quatro
vezes mais baixo que o plantio conven-
cional de mudas.
A lista de comercialização de
sementes do Xingu tem mais de 200
espécies nativas da região, entre
árvores, arbustos e cipós nativos do Preparação para plantio mecanizado
cerrado e da floresta. Atualmente, em Bom Jesus do Araguaia (MT).

262 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


futuro do pix

capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe


luciano l. eichholz/isa

Plantio mecanizado com plantadeira de soja.

A importância das sementes colhi- produtores que ainda carregavam o


das pelos índios vem da diversidade estereótipo do ‘índio preguiçoso’ pen-
do Parque: algumas espécies são sam diferente agora. Muitos índios que
entregues apenas pelos povos do PIX, também generalizavam os produtores
como api, olho de cabra amarelo, pi- como homens que só querem destruir
ranheira e tucunzinho, que são típicas a natureza já mudaram sua visão”.
do Cerrado, e o cumaru, espécie típica Um exemplo dessa mudança de
da floresta. Além disso, pelo menos postura é José Ricardo Rezek, proprie-
20% das sementes de pequi comer- tário da Agropecuária Rica, localizada
cializadas na rede vêm do Xingu. no município de Querência, ao lado da
O efeito colateral desse contato Terra Indígena Wawi. Além de iniciar a
indireto através da rede é a curiosidade restauração florestal em suas nascen-
de ambos os lados. Os produtores ru- tes e matas ciliares, foi o porta voz e
rais se interessam em conhecer melhor articulador junto a seus pares para de-
a cultura dos índios e a maneira como flagrar um processo político e técnico
eles cultivam e se utilizam das espécies de ampla coalizão interinstitucional
nativas, e os índios querem mais infor- para tirar o município da lista dos
mações sobre o destino das sementes maiores desmatadores, diminuindo
que coletam. Essa aproximação tem significativamente os índices histó-
possibilidade, ainda, de derrubar ricos de desmatamento, feito esse
alguns preconceitos. Segundo Nicola concluído em abril de 2011. O projeto
da Costa, assessor técnico do ISA e ani- Querência Mais tem o objetivo de zerar
mador da Rede de Sementes, “alguns o passivo de APP em dez anos.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 263


futuro do pix
capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe

moVimento de mulheres A partici- de conseguir uma renda só delas


pação na Rede de Sementes levou à para comprar artigos como sabão,
criação do Yarang (formiga que leva vestidos, linha para fazer artesanato,
as sementes na cabeça, na língua entre outros. Plantando e vendendo
Ikpeng), um movimento das mulheres sementes, as mulheres ikpeng viram
ikpeng coletoras de sementes. Atual- sua parcela de contribuição para
mente são 52 coletoras que coletam proteger as condições ambientais do
e beneficiam as sementes para reflo- lugar que elas vivem com seus filhos
restar as nascentes da bacia do Xingu. e famílias.
No segundo semestre de 2010, elas Os homens contribuem para o movi-
comercializaram 404,57 kg de semen- mento através da Associação Indígena
tes correspondente a R$ 13.493,09. Moygu Comunidade Ikpeng, promo-
Antes de fazer parte da rede, os Ikpeng vendo a organização da logística da
já coletavam sementes para enrique- saída das encomendas, o contato com
cimento de áreas dentro da aldeia, a rede de sementes e com a regulari-
mas não tinham remuneração. Com o zação fiscal que a rede exige.
início da atividade remunerada, mais
mulheres se interessaram em coletar VeJa tambÉm:
sementes e fazer parte do movimento. Algumas das associações do
PIX e seus feitos, pág. 192.
Elas enxergaram aí a possibilidade

ayrton vignola

Mategru Ikpeng em frente à casa do cacique trabalhando na limpeza de sementes de leiteiro.

264 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


futuro do pix

Grosso mais de 2.000 hectares de implantação de sistemas agroflorestais

capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe


terras privadas em processo de res- e manejo de seus lotes.
tauração florestal. A campanha vem tendo sucesso
ao reunir segmentos que tradicional-
S A demanda crescente por sementes mente divergem no debate da questão
nativas para os trabalhos de res- socioambiental, mas que resolveram
tauração florestal gerou uma nova adotar o princípio da responsabilidade
iniciativa, a Rede de Sementes do socioambiental compartilhada. Juntos,
Xingu, que hoje envolve mais de estão trabalhando para a construção de
300 coletores de sementes em 22 um modelo de desenvolvimento que
municípios e nove aldeias indígenas alie a produção e a sociodiversidade da
na bacia do Xingu. região. A rede de sementes é o maior
S Os custos elevados de restauração exemplo, com seus resultados positivos
florestal convencional levaram a para demonstrar a viabilidade de ações
equipe do ISA a aperfeiçoar o plantio para a restauração de APP, sobretudo as
mecanizado de florestas, técnica ins- matas ciliares.
pirada no manejo agroflorestal, que
Políticas públicas e legislação
consiste na preparação de muvuca
de sementes nativas para o plantio Outros desafios para os povos do
com o uso de maquinário agrícola, PIX referem-se a ampliar seu acesso a
como plantadeiras e lançadeiras de políticas públicas mais adequadas às
sementes. Com esta técnica, o custo suas necessidades. O Fome Zero, por
do plantio fica até quatro vezes mais exemplo, exige que se vá à cidade todo
baixo quando comparado ao plantio mês para sacar o dinheiro, o que, aliás,
de mudas e é possível aproveitar o co- nem sempre é a solução para casos de
nhecimento agronômico já existente fome do Xingu. Mesmo com o direito
nas propriedades rurais. a escolas diferenciadas dentro do PIX,
a burocracia do sistema de educação
Além disso, hoje as prefeituras às vezes dificulta sua plena aplicação,
dos municípios que estão na bacia ao exigir períodos fixos de aulas ou
do rio Xingu começam a estruturar certidão de nascimento para matrícu-
programas de educação agroflorestal las, obrigando viagens à cidade para o
e a repensar a estratégia de planeja- registro em cartório.
mento territorial. Os povos indígenas Apesar dos direitos dos índios es-
monitoram a qualidade da água dos tarem garantidos na Constituição, a
rios e colaboram significativamente substituição do Estatuto do Índio, que
com a coleta de sementes para proje- patina no Congresso Nacional há 20
tos de restauração florestal. Famílias anos, seria fundamental para vários
de assentamentos rurais e agricultores desses problemas fossem resolvidos (ver
familiares estão recuperando suas áreas Quando uma lei é boa, velhas mentali-
e criando alternativas de renda com a dades resistem, pág. 184).

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 265


futuro do pix

não confunda:
capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe

S áreas de preservação um sonho


permanente (app) – São
margens de rios, cursos Gilberto Gil
d’água, lagos, lagoas e
reservatórios, topos de eu tive um sonho Foi quando um velho
morros e encostas com Que eu estava certo dia Levantou-se da cadeira
declividade elevada, Num congresso mundial e saiu assoviando
cobertas ou não por Discutindo economia Uma triste melodia
vegetação nativa. Ou seja,
são muito sensíveis por Argumentava Que parecia
sofrerem riscos de erosão em favor de mais trabalho Um prelúdio bachiano
do solo, de enchentes e mais emprego, mais esforço Um frevo pernambucano
deslizamentos. Quando mais controle, mais-valia Um choro do Pixinguinha
preservadas protegem
os recursos hídricos, a Falei de polos e no salão
paisagem, a estabilidade Industriais, de energia Todas as bocas sorriram
geológica, a biodiversidade, Demonstrei de mil maneiras Todos os olhos me olharam
a fauna e a flora, além do Como que um país crescia Todos os homens saíram
o solo. Tudo isso assegura
o bem estar da população e me bati Um por um
humana. A retirada da Pela pujança econômica Um por um
vegetação nativa nessas Baseada na tônica Um por um
áreas só pode ser autorizada Da tecnologia Um por um
em casos de obras de
utilidade pública, de Apresentei Fiquei ali
interesse social ou para estatísticas e gráficos Naquele salão vazio
atividades eventuais de Demonstrando os maléficos De repente senti frio
baixo impacto ambiental. efeitos da teoria Reparei: estava nu

S reserva legal – É uma Principalmente me despertei


área localizada no interior A do lazer, do descanso Assustado e ainda tonto
da propriedade ou posse Da ampliação do espaço me levantei e fui de pronto
rural que deve ser mantida Cultural da poesia Pra calçada ver o céu azul
com a sua cobertura vegetal
original. Isto permite a Disse por fim Os estudantes
conservação e a reabilitação Para todos os presentes e operários que passavam
dos processos ecológicos e Que um país só vai pra frente Davam risada e gritavam:
promove a conservação da Se trabalhar todo dia "viva o índio do Xingu!
biodiversidade. Na Reserva viva o índio do Xingu!
Legal é possível haver uso estava certo viva o índio do Xingu!
econômico dos recursos De que tudo o que eu dizia viva o índio do Xingu!
naturais – desde que com Representava a verdade viva o índio do Xingu!"
metodologias sustentáveis. Pra todo mundo que ouvia
O tamanho da área varia
de acordo com a região
onde a propriedade está
localizada. Na Amazônia,
é de 80% e no Cerrado ouça a música:
localizado dentro da http://letras.terra.com.br/gilberto-gil/585533/
Amazônia Legal é de 35%.

266 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


futuro do pix

capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe


o passado e o futuro do pix:
diversidade e conhecimento mostram
caminhos e abrem possibilidades

N ahu Kuikuro é o protagonista das


duas narrativas escolhidas para
fazer a ligação entre o passado e o
pág. 38 ), Nahu teve relevante papel
em todo o processo de concepção e
consolidação do projeto do PIX por
futuro do Parque Indígena do Xingu. ter-se tornado uma espécie de men-
Do jovem que, à chegada dos Villas sageiro entre dois mundos. Junto com
Bôas, era o único a falar português, a os irmãos Villas Bôas, Darcy Ribeiro,
seu neto, Mutuá Mehinaku, o primeiro militares, ministros e presidentes, ele
xinguano a se tornar mestre, são 50 deveria estar no panteão das celebri-
anos de uma história que ainda tem dades associadas ao Parque do Xingu
muito a ser contada e por acontecer. o que, infelizmente, não aconteceu.
Não fosse Nahu, falecido em Sua história, entretanto, não pas-
2005, a dificuldade de comunicação sou em branco. O relato que trazemos
entre dois sistemas socioculturais aqui são a edição de depoimentos
tão díspares e ordenados por ordem recolhidos pela antropóloga Bruna
política tão desigual poderia ter tra- Franchetto, em 2001 e 2003, quando
çado um destino totalmente diverso dedicou-se a dar voz ao personagem
daquele que se desenrolou no que que teve oportunidade de conhecer,
veio a ser o PIX. ouvir e respeitar ao longo dos anos de
Na época da instalação da primei- pesquisa junto aos Kuikuro.
ra base da Expedição Roncador-Xingu, Nahu, falando em sua língua, fez
no rio Culuene (ver Criação do PIX, sua narrativa para Bruna, o antropó-
logo Carlos Fausto e o neto Mutuá
Mehinaku que, em 2010, defenderia
sua dissertação de mestrado no Mu-
seu Nacional da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Na introdução, da
qual retiramos seu depoimento, Mutuá
atribui ao avô sua prontidão para as
palavras pelo difícil viés da tradução,
com atenção e juízo sobre os diversos
desenho de teki kuikuro

pesos e medidas que permeiam o


mundo dos brancos e dos índios e
trazem embutidos os caminhos que se
abrem aos povos indígenas no Brasil.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 267


futuro do pix
capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe

o dono das palavras


nahu Kuikuro

Eu nasci em Kuhikugu. mento do Marechal Fawcett]. Então


Nasci da barriga de minha meu tio Jahila disse:
mãe, dentro de tajühe, a ‘Vamos com eles, vamos até lá
casa meu do avô Kahalati. (Paquera) pra buscar faca’. Fui. Minha
Meu pai se chamava Jakalo e ele está mãe chamou mais gente que morava
enterrado na aldeia Alahatua, para lá em Jagamü: Kamaiura, Aweti, Wau-
onde nos mudamos quando eu ainda rá... Todos que foram voltaram. Só
tinha poucos meses. Eu não sei dizer fiquei eu e minha mãe. Talvez um ano,
quantos anos eu tenho. Antigamente talvez dois, e aprendi a falar bakairi.
ninguém calculava a idade, ninguém Meu tio Atahu voltou para lá de canoa.
sabia escrever, só falava sua língua. Levou 20 dias remando. Voltamos com
Mas eu devia ter sete anos, por aí, ele. Quando eu já tinha crescido um
quando um avião pousou lá na boca pouco, meu tio disse: ‘Vamos voltar
do rio Curisevo, no porto dos Matipu. para buscar facão, machado, enxada’…
Eu não entendia português. Desceu e foi o que fizemos.
um índio Bakairi que falava a língua E assim era. Os velhos Kamaiurá
Jagamü (uma variante do karib alto- iam até o Posto Bakairi pra trazer coisas
xinguano). Disse: ‘Esse homem branco para o Xingu. Não compravam, era o
veio procurar o irmão dele que veio chefe do posto quem dava de presente.
aqui há muito tempo e se perdeu’ Naquele tempo não existia dinheiro.
[Trata-se do Marechal Fawcett, militar Os Bakairi sabiam lutar, eles sempre
inglês, membro da Real Sociedade lutavam, se pitavam com urucum, as
Britânica de Geografia que, em 1906, mulheres usavam uluri. Agora não são
foi contratado pelo governo boliviano mais assim. Foi o SPI que acabou com
para delimitar as fronteiras desse país tudo isso. ‘Esqueçam sua língua, falem
com o Peru. Em 1908, por iniciativa em nossa sua língua’, diziam os brancos
própria, decidiu definir as fronteiras aos Bakairi. Eles também celebravam
da Bolívia com o Brasil e desapareceu]. o kuarup, as mulheres dançavam o
Eu não sabia onde aquele homem yamurikumã ( jamurikumalu). (...) De-
tinha se perdido, mas aquele branco ram um rifle para o meu pai Jakalu. Ele
veio atrás dele. Eu perguntei para o entendia português e fiquei como ele.
Bakairi: ‘Que tipo de gente é essa?’ Meus pais falavam a língua Bakairi e eu
‘Ele é italiano’, disse [Refere-se a Vi- falei também. (...)
cent Petrullo, americano enviado em Nilo Veloso [membro da Expedição
missão para investigar o desapareci- Roncador-Xingu, que chegou ao Alto

268 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


futuro do pix

capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe


Xingu com a missão de preparar o que podia ir comigo para a aldeia.
território e os índios para a instala- Dormimos, dormimos, dormimos, pa-
ção de um local definitivo para um ramos no porto da aldeia Mehinako e
posto do SPI] apareceu quando eu Nilo falou que era pra eu mandar trazer
já estava adulto. Eu era o único que comida. João deu um tiro, todo mundo
falava a língua dos brancos. Meu tio veio correndo para nos ver.
Jahila disse: ‘Vamos lá para (a aldeia – Nahu, você acabou de chegar?
kamaiurá, onde ia Nilo Veloso) ver se – Sim, e os kagaiha (brancos)
você pode ser o dono das palavras estamos aqui.
(tradutor)’. Todos o cumprimentamos – Vieram muitos?
mas eu era o único a falar português. – Claro que sim, respondi.
‘Viemos aqui para encontrar você, – Você acha que tem faca e anzol?
para conseguir facão. Ele disse que só – Claro que tem.
tinha um pouco, mas que ia arranjar (...) O chefe dos Mehinako era Katu-
alguns’. Ele fotografou. Depois nossa pula, que agora já morreu. Dormimos
comida acabou e subimos o rio de ali por três dias e então chegamos
volta para a aldeia Alahatuá. (...). nos Kuikuro. Eu ainda não era casado,
Quando eu estava um pouco mais então os brancos dormiram na minha
velho, meu tio disse: ‘Vamos para lá aldeia. Tiraram muitas fotografias.
buscar faca’. Chegamos em Pakuera, Ficaram 10 dias.
a aldeia Bakairi. No caminho, encon- – Onde está o pagamento (pelas
tramos Nilo Veloso no porto dos Mehi- fotos)? Perguntaram os Kuikuro.
nako. ‘Oi Nahu, para onde você vai?’, – Calma, eu vou pagar, disse o Nilo.
ele perguntou. ‘Vamos até lá’, disse ele, As coisas dele eram camisa, ma-
‘eu tenho anzol, machado, facão, mi- chados, enxada, faca e tesouras,
çanga, eu tenho tudo ali Nahu. Depois espelhos, espelhos, espelhos.
eu vou para o Rio de Janeiro, mas não – Nahu, agora eu vou embora,
vou levar você. Volto no ano que vem e disse Nilo. ‘Venha comigo! Se você me
então você vai pode me levar para sua acompanhar, eu pago pra você’. Mas
aldeia kuikuro’. Enquanto isso, fiquei eu fiquei. (...)
trabalhando no Posto do SPI. (...) Orlando (Villas Bôas) apareceu
Chegou um caminhão cheio de no rio Sete de Setembro. Veio um
brancos, junto estava o Nilo Veloso. Kalapalo me chamar, avisando que ele
Ele ia para a aldeia Kuikuro cheio de tinha chegado à aldeia kalapalo. Nin-
coisas: roupas, camisas, muita faca, guém falava português, por isso me
anzol e linha de pescar. Ele me abraçou convidaram. Eu fui visitar o Orlando.
e perguntou: ‘Nahu, você ficou aqui Nilo estava lá, ele tinha sido o guia.
desde aquele dia?’ ‘Eu estava esperan- ‘Boa tarde! Este é o Nahu’, disse ele
do você aqui’, respondi. Então ele disse para o Orlando.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 269


futuro do pix
capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe

Cumprimentei todo mundo. Saga- com eles. É por isso que os Kalapalo
gi, o campeão das lutas (huka huka), acabaram ficando em Aiha (território
morava lá. Ele chegou para mim e me kamaiurá). As aldeias deles eram em
cumprimentou: Kunugijahü, rio acima da aldeia kuikuro.
– Meu amigo, fui eu quem man- Eu não gostei dessas notícias. ‘Es-
dou chamar você. Você é o dono das colhi um lugar para vocês morarem’,
palavras. disse Orlando, ‘parecido com esse.
Então eu traduzi tudo o que os Fica na boca do rio Curisevo. Para
brancos falavam. Traduzi para os vocês mudarem. Onde acham melhor,
velhos. Orlando me chamou para em Najuja ou outro lugar? Tem o More-
trabalhar com ele. ná, onde vocês vão passar agora, tem
– Nahu, você vai ser o chefe. Auara'in, tem o lugar onde hoje vive o
Primeiro foi o Nilo quem me esco- pessoal do Pavuru’.
lheu, antes do Orlando existir, lá no Eu não gostei. Perguntei para o
Pakuera. meu povo e eles não gostaram. Depois
E assim eu fiquei amigo do Orlando eu disse:
e trabalhei para ele. Eu traduzia para – Eu vou ficar em Ipatse. Não vou
os outros povos: para os Aweti, para para aqueles lugares, vou para Ipatse.
os Kamaiurá, os Waurá, principalmen- Você tem que aumentar a área do
te para os Kuikuro e os Kalapalo. Só eu. Parque para mim, você tem que au-
Os brancos sempre iam para mentar. Eu já vi aumentar três vezes. O
minha casa e havia sempre muitas governador de Cuiabá perdeu muito, o
notícias quando Orlando estava lá. Xingu fez o governador perder muito.
– Nahu, disse Orlando, vocês estão E Nahu ganhou muito, todos os
com um problema. Vocês perderam índios aqui ganharam muito. E foi as-
suas terras, elas já não são mais de sim que a criação do Parque começou,
vocês, o governador de Cuiabá tirou que Orlando criou o Parque. Só eu o
elas de vocês. Os Matipu ficaram para ajudei, faltava só fazer a demarcação,
fora (dos limites do Parque). Os Kala- a picada da demarcação.
palo estão de fora e vocês estão de Eu, com Orlando e Claudio, criamos
fora. Esta é a situação que vocês estão. o Parque. Somente eu, naquele tempo
Voltamos com os Kalapalo para a era o único que entendia português;
boca do Tuatuari. Tinha um kamaiurá Eu já contei tudo para vocês. Pronto.

desenho de teki kuikuro

270 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


futuro do pix

capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe


quando a gente descobre muita coisa que
não sabia, torna-se uma pessoa melhor
mutuá mehinaku

(...) Meu avô Nahu tinha pela fonologia e pensando numa


presenciado na aldeia ortografia da minha língua. Ela conta
dos Bakairi, nos anos 30 como alfabetizou um rapaz kuikuro em
e no começo dos anos reclusão, em 1981. As lideranças con-
40 do século passado, os efeitos do tinuavam contra a escola. De acordo
trabalho dos missionários católicos com o relato de Pirakumã Yawalapiti,
que chegaram lá e acabaram com no ano 1976, Olympio Serra, diretor
o modo de vida bakairi e com a sua do Parque Indígena do Xingu, precisou
liberdade (os Bakairi falam também ensinar aos jovens que estavam traba-
uma língua karib e vivem a sudoeste lhando com ele. As aulas só aconte-
do Alto Xingu). As lideranças antigas ciam no Posto Indígena Leonardo. Na
altoxinguanas proibiam, juntamente época, o acesso à maioria das aldeias
com os sertanistas irmãos Villas Bôas, era difícil; os meninos que moravam
a entrada dos missionários no Xingu, nas aldeias próximas ao Posto conse-
mas até hoje eles querem entrar. guiam estudar, mas outros não conse-
Meu avô Nahu levava más notícias guiam, ficavam nas suas aldeias. Às
(do que via acontecer) para a aldeia. vezes os pais não deixavam que seus
Ele faleceu em janeiro de 2005 e a filhos ficassem longe deles, e isso
sua vida é um verdadeiro exemplo da adiou muito a experiência escolar e o
história do contato entre índios e bran- interesse de possíveis alunos. Alguns
cos. Ele foi um professor para mim e a jovens da minha aldeia conseguiram
convivência com ele me incentivou a ir ao Posto para estudar.
querer aprender cada vez mais. Então comecei a pensar muito;
Ele me contava muitas histórias dos perguntava ao meu avô se o portu-
missionários e outras narrativas do guês era difícil de entender e como é
nosso povo. Ouvindo essas histórias, que eu poderia fazer para aprender a
todos ficavam com medo da escola. falar. Ele me dizia que não era tão fácil,
Nahu não queria escola na aldeia.(...) que era difícil. Eu continuava curioso,
Pesquisadores e turistas passaram querendo entender mesmo e ficava
e passam pelo Xingu. Robert Carneiro sempre com ele.(...)
(1960 e 1961) estudou a agricultura Cresci ouvindo duas línguas dife-
dos Kuikuro. Bruna Franchetto apare- rentes: Kuikuro da minha mãe, Mehi-
ceu na aldeia de Ipatse em 1977, para nako do meu pai. Ouvir várias línguas
uma pesquisa linguística, começando é normal numa aldeia altoxinguana.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 271


futuro do pix
capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe

Foi isso, acho, que me ajudou mais desistindo. Fui aluno dele e aprendi
tarde na aprendizagem da língua por- muitas coisas. Em seguida, o chefe
tuguesa. No começo, eu não sabia que tinha que mandar outro jovem para
falar mais do que uma língua é uma substituí-lo: o escolhido foi o irmão
riqueza da pessoa; agora valorizo mi- mais novo do chefe. Depois o tempo
nhas duas línguas de origem, porque foi passando. No ano de 1996, um
já reconheço que é muito importante professor de matemática da Unicamp
para a minha formação e quero apren- foi assessorar nossos professores na
der outras línguas. aldeia. Fui o primeiro na avaliação.
Em 1991, meu primo aprendeu Logo depois, ele me perguntou se po-
português com um rapaz que estu- deria ajudar os outros professores que
dava no Posto; então pedi para ele já estavam trabalhando. Não respondi
me alfabetizar, o que ele fez. Um mês nada, abaixei minha cabeça. Achei que
depois, consegui juntar as palavras e ele estava brincando comigo. Depois
ler e escrever em português. Quando ele foi atrás de mim, para saber se
descobri isso fiquei muito feliz. As tinha decidido mesmo. Então, aceitei
primeiras palavras que consegui ler o convite. Foi então que, depois de
foram TATU e XINGU. Depois continuei falar com meus pais, tomei a decisão
estudando e lendo revistas que meu de participar do curso.
tio Jakalo trazia da cidade. Assim, Com pouca experiência, fui apren-
consegui aumentar e aperfeiçoar der mais. O primeiro contato com a
meus conhecimentos; além disso, professora Bruna foi quando o ISA
eu perguntava ao meu avô sobre o chamou uma equipe de docentes para
sentido das palavras e das frases da dar um curso sobre línguas indígenas.
língua portuguesa. Depois consegui Durante este curso, fiquei trabalhando
aprender na aldeia mesmo, sem pre- com ela no estudo da fonética e da
cisar sair para estudar na cidade. fonologia, organizando o alfabeto
(...) Em 1994, teve início o primeiro kuikuro e definindo uma ortografia.
Projeto de Formação de Professores Depois do curso, comecei a trabalhar
Indígenas do Xingu. Para participar na alfabetização das crianças em
do primeiro curso de formação, o nossa própria língua, o que facilitou
chefe da aldeia tinha que indicar um muito o aprendizado delas. Foi assim
rapaz que já tivesse estudado na que começamos a valorizar a nossa
cidade e que pudesse ser capacitado língua materna, no caso, a variante
no curso, de modo a atuar na aldeia dominante nas aldeias kuikuro. (...)
dando aula para os alunos. O rapaz Continuei lecionando sem remu-
indicado não conseguiu trabalhar neração. Para mim era importante
bem porque não tinha paciência de ensinar, ficava com os alunos ao
entender a política local e acabou dia todo; nem passava pela minha

272 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


futuro do pix

capítulo 12 | Desafio Da sustentabiliDaDe


cabeça que podia receber pelo tra- língua. Não sabia que isso existia no
balho. Quando Bruna ficava na aldeia nosso mundo, para mim, apenas exis-
Ipatse para fazer a sua pesquisa, eu tia no mundo dos brancos. Mas não
a acompanhava ajudando-a na tradu- era bem assim, pois no nosso mundo
ção das palavras kuikuro; enquanto tinha muita coisa complexa que não
isso, anotava alguma coisa que ela conseguia entender.
explicava para mim e também tirava Depois o tempo foi passando e a
minhas dúvidas de português. Assim minha cabeça ficou se abrindo cada
trabalhávamos juntos, ensinando um vez mais para mais coisas. Continuei
ao outro. Então, ficava observando e trabalhando na escola ensinando
admirando, porque eu a via trabalhan- em Kuikuro.
do, escrevendo e ela segmentava as O espírito do meu projeto de mes-
palavras para entender a semântica e trado está ligado ao meu avô. Ele me
a morfologia de cada palavra. ensinou a respeitar outros, não brigar
Então me interessei mais ainda, e saber lidar com as pessoas que estão
fiquei com vontade de pesquisar com você ou quando você estiver com
também a língua kuikuro. Quando ela elas. Depois eu descobri que, quando a
explicava o sentido das palavras, eu gente descobre muita coisa que a gente
dizia para mim mesmo: ‘como é que não sabia, torna-se uma pessoa melhor.
ela sabe isso? Eu sou falante nativo Melhor para entender os outros e o
dessa língua e não entendo nada do mundo. Segundo meu avô, cada pessoa
que ela explica’. Depois eu pensava é importante e tem seu lugar para ser
muito sobre como é que faria para importante. Sem essa referência não
eu ser pesquisador da minha própria conseguiria chegar onde estou hoje.
desenho de sepé kuikuro

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 273


futuro do pix
piX + 50

ayrton vignola
Detalhe de sementes de feijão de porco durante plantio mecanizado de sementes. Expedição
da 'Y Ikatu Xingu nas escolas Casa da Criança e EMEI Novo Lar, Canarana, MT, 2009.

ayrton vignola

Funcionários da fazenda Bang-Bang carregam suporte do maquinário com muvuca de sementes


para a recuperação de uma Área de Preservacão Permanente em São José do Xingu, MT.

274 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


futuro do pix

ana lucia pessoa gonçalves/isa

piX + 50
Viveiro de mudas em Canarana para suprir o projeto "Recuperação da Mata
Ciliar e das Nascentes do Córrego Marimbondo na Represa do Garapu".
ayrton vignola

Integrantes da campanha 'Y Ikatu Xingu preparam muvuca, mistura de sementes, com urucum,
feijão de porco, morcegueira, copaíba, mirindiba, pata de vaca, garapa e pequi.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 275


futuro do pix
piX + 50

christian knepper
Crianças ikpeng usam o computador na Casa de Cultura Ikpeng, na aldeia Moygu.

carlos fausto

Pai e filha durante jawari em aldeia kuikuro em homenagem ao falecido pai do chefe Afukaká, 2004.

276 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


futuro do pix

leonardo sette

piX + 50
Ancião e jovem kisêdje após gravação em vídeo, na aldeia Ngojhwere.
helio mello

Tawarawana na aldeia Ngojhwere, povo kisêdje.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 277


linha do tempo

tempo
primeira expedição de Karl Von den steinen: saindo de cuiabá, o pesquisador
alcançou o rio paranatinga e depois os rios batovi, ronuro e curisevo. encontrou aldeias
bakairi entre os rios paranatinga e Arinos e no rio batovi. os bakairi falaram sobre a
existência de outros povos: os custenaus, os trumai, os Kamaiurá, os Kisêdje, nomeados
por outros povos como suiá, e os nafukuá. ele chegou a encontrar o povo custenau, que
hoje possui alguns poucos descendentes que se misturaram ao povo Waurá. durante
essa viagem, steinen encontrou os trumai, que fugiram assustados por causa de tiros
da expedição. conheceu alguns Kisêdje num acampamento, que descreveram sua aldeia
para ele e comentaram sobre a existência dos mẽbêngôkre, conhecidos como Kayapó.
Von den steinen registrou
imagens: reprodução/ durch central-brasilien. expedition
zur erforschung des schingú im jahre 1884.

nessa viagem a presença de 10


prisioneiros do povo manitsauá
entre os Kisêdje. Atualmente
não existem descendentes
conhecidos do povo manitsauá;
é um povo extinto.

1884

278 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


linha do tempo
seGunda expedição de Karl Von den steinen: o pesquisador foi até uma
aldeia bakairi no rio batovi. lá, a equipe foi informada da localização de aldeias
nafukuá, mehinako, Aweti, Yawalapiti, trumai, Kamaiurá e Waurá. steinen visitou
uma aldeia nafukuá, onde encontrou um homem do povo Yaruma. Hoje em dia há
alguns descendentes do povo Yaruma vivendo com os povos Kisêdje e Kalapalo. o
povo Yaruma desapareceu, mas sua história é contada por vários povos no xingu.
nessa viagem, steinen ficou sabendo de conflitos entre os Kisêdje e os trumai.
conheceu também alguns homens kuikuro. Visitou aldeias mehinako e aweti, onde
encontrou pessoas de vários

naturvölkern zentral-brasiliens.
imagens: reprodução/unter den
povos: Waurá, Yawalapiti,
Kamaiurá, mehinako, trumai
e bakairi. A expedição visitou
duas aldeias yawalapiti e uma
aldeia kamaiurá. eles também
observaram duas aldeias trumai
no rio culuene, que tinham
sido abandonadas por causa da
guerra com os Kisêdje.

saindo de cuiabá, a Hermann meyer retorna à região


expedição do alemão do xingu, descrevendo Grandes
hermann meYer passou mudanças: os bakairi passaram
pela região dos rios Jatobá a transitar mais pela região do
e ronuro, chegando aos rio paranatinga, mudando suas
rios culuene e curisevo. aldeias para lá com a finalidade
meyer visitou 11 aldeias dos de conseguir ferramentas e outros
povos bakairi, Aweti, trumai, objetos industrializados nas
nafukuá e Kamaiurá. fazendas e povoados.

1887 1896 1899

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 279


cabeceiras do xingu, rio araguaia e oiapoque.
imagens: reprodução/índios do brasil -
o etnóloGo alemão max
linha do tempo

schmidt fez contato com os


bakairi, nafukuá, mehinako
e Aweti no rio curisevo. ele
também observou que os
bakairi estavam saindo da
região das nascentes do xingu
para viver próximos ao rio
paranatinga, para obter bens
industrializados nas fazendas.
foi assim que os bakairi se
afastaram do Alto xingu. esse
contato com os fazendeiros e
outros não índios trouxe para
os bakairi epidemias de gripe
e sarampo, diminuindo muito
sua população e o número de
aldeias, além da perda de suas
terras na região das nascentes
do rio xingu.

criação do serViço de
proteção ao índio (spi).

expedição da comissão rondon, chefiada pelo


capitão Vicente de Vasconcelos, explora o rio ronuro
e o rio Jatobá. encontra os Aweti, Kamaiurá, mehinako,
Yawalapiti, Waurá e trumai. Algumas pessoas dos
povos Kuikuro, Kalapalo, matipu e nafukuá começam
a ir com maior frequência ao posto simão lopes, onde
viviam os bakairi, para conseguir mercadorias. nahu
Kuikuro foi uma das pessoas que nessas viagens ao
posto simão lopes e nos
contatos com membros da
expedição rondon, aprendeu
a falar, a ler e a escrever a
língua portuguesa.

1900 1910 1924

280 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


acervo villas bôas

linha do tempo
criação (junho) e partida (agosto)
coronel inglês da expedição roncador-xinGu
percY fawcett (governo de getúlio Vargas). os
desaparece no xingu. irmãos orlando, cláudio e leonardo
Villas bôas se integram à expedição
e noel nutels é admitido como
médico da fundação brasil central
expedição de Vincent (criada em outubro desse ano).
petrullo sobrevoa os rios
culuene e curisevo com
um hidroavião e também
percorre esses rios de barco.
permanece algum tempo com
os Yawalapiti, realizando
documentação fotográfica.

o etnóloGo buell quain realiza


uma pesquisa antropológica com o
povo trumai e escreve um livro.

1925 1931 1938 1943

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 281


imagens: acervo museu do índio/funai
linha do tempo

- brasil

expedição de nilo Veloso visitou


e filmou os Kamaiurá, mehinako,
nafukuá, Kuikuro, trumai, Waurá e
Yawalapiti. essa é uma época em que
começam as grandes epidemias que
causaram uma grande diminuição na
população dos povos contatados.

1944/1945

282 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


- brasil

linha do tempo
acervo museu do índio/funai
josé medeiros/instituto moreira salles

nancy flowers

expedição roncador-
xinGu atravessa o rio das
mortes e faz primeiro contato
com os índios xavante (julho).
em setembro, é aberto o
primeiro campo de pouso da
expedição (campo dos índios).

1945

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 283


jesco von puttkamer/acervo puc goiás/igpa
linha do tempo

em janeiro, resolução da
fundação brasil central
estabelece o fim da expedição
roncador-xingu. em agosto, é realizado
o primeiro voo rio de Janeiro-manaus
pelo interior, com abastecimento no
posto Jacaré, representando uma
economia de 8 horas em relação ao
voo pelo litoral. em agosto, partida
da nova expedição, agora batizada de
xingu-tapajós, e contato com os Yudjá
(Juruna). em novembro, realizado o
primeiro pouso no campo de diauarum.

do xingu, rio araguaia e oiapoque.


reprodução/índios do brasil - cabeceiras
expedição roncador-xinGu,
chefiada pelos irmãos Villas bôas,
chega aos formadores do xingu
e faz contato com os povos da
região dos rios tanguro, sete de
setembro e culuene: Kalapalo,
trumai, Kuikuro, Yawalapiti,
nafukuá, matipu e Aipatsé/tsúva). orlando Villas bôas assume
são abertos os campos de pouso chefia da expedição.
garapu e Kuluene (base Jacaré). abertura do campo do
cachimbo e contato com os
índios Kawaiweté (Kaiabi).

contato da
roncador-xingu com
os índios Kamaiurá.

1946 1947 1948 1949

284 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


henri ballot/acervo instituto moreira salles

linha do tempo
não consta/acervo última hora. arquivo do estado de são paulo

inauguração oficial da
base do cachimbo,
com a presença do
presidente getúlio Vargas.
construção do posto
capitão Vasconcelos.
spi revela que mais de 6
milhões de hectares de
terras na área projetada
para o parque do xingu
haviam sido transferidos a
especuladores imobiliários.
irmãos Villas bôas e
funcionários do spi
em 27 de abril, comissão apresenta denunciam a usurpação
documento requerendo a criação do dessas terras. epidemia de
parque nacional do xingu. fazem parte da sarampo é controlada em
comissão darcy ribeiro e orlando Villas ação conjunta entre Villas
bôas. marechal rondon apoia pedido. bôas, noel nutels e escola
paulista de medicina.

contato com
os txucahamãe.

1952 1953 1954

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 285


jesco von puttkamer/acervo puc goiás/igpa
linha do tempo

acervo villas bôas

jesco von puttkamer/acervo puc goiás/igpa

em janeiro, morre marechal rondon. inauguração de brasília.


orlando Villas bôas chefia expedição contato com os índios
que atinge o centro GeoGráfico Kisêdje (suiá).
do brasil, localizado na atual ti
capoto-Jarina, contígua ao pix.

1958 1960

286 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


eduardo galvão. acervo villas-bôas

linha do tempo
contato com os índios ikpeng (txicão).

jesco von puttkamer/acervo puc goiás/igpa


criação do parque
nacional do
xinGu, pelo decreto
federal n o 50.455, de
14 de abril, assinado
pelo presidente
Jânio quadros. morre
leonardo Villas
bôas. posto capitão
Vasconcelos passa a
se chamar leonardo
Villas bôas.

transferência dos ikpeng (txicão) de seu


território tradicional para o parque do xingu, após
seu território ser invadido por garimpeiros.

firmado conVênio entre


escola paulista de medicina e
o parque nacional do xingu.

1961 1964 1965 1966

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 287


pedro martinelli/isa

centro de documentação do projeto xingu/unifesp


linha do tempo

criado o plano de inteGração nacional e é iniciada a construção das


rodovias transamazônica, br-80 e br-163. depois de serem sistematicamente
perseguidos e assolados por doenças na região do rio Arinos, próximo
a diamantino (mt), onde viviam, os tapayuna são trazidos para o pix.
recenseamento da escola paulista de medicina mostra que, entre 1948 e
1963, população indígena no Alto xingu passou de 620 indivíduos para 750.

primeira expedição, frustrada, de contato


com os KrenaKarore (panará), chefiada
pelo indigenista francisco meirelles. os
Krenakarore são atacados pelos Kayapó com
armas de fogo e pelos militares da base do inauGurada a
cachimbo. o spi é extinto e substituído pela br-80, que cortou o
fundação nacional do índio (funai). parque nacional do
xingu, deixando a maior
parte do território
dos txukahamãe
(metyktire) é separado
do restante do parque.
aumento da área territorial
do parque nacional do xingu.
segunda expedição de contato com
os Krenakarore (panará).

1967 1968 1970 1971

288 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


pedro martinelli/isa

linha do tempo
acervo villas bôas
pedro martinelli/isa

orlando e cláudio Villas


bôas fazem primeiro
contato com os
Krenakarore (panará).
morre noel nutels. É
promulgado o estatuto
do índio (lei n o 6.001),
em 19 de dezembro. É
criada a primeira escola
de educação formal
expedição chefiada por cláudio Villas bôas parte no parque, no posto
para o vale do rio peixoto de Azevedo para tentar leonardo Villas bôas,
reaproximação com os Krenakarore (panará). com a contratação de uma
inicia-se a colonização na área que se tornaria professora pela funai.
o município de sinop, quando então a colonizadora
sinop s/A adquiriu aproximadamente 500 mil
hectares de terra, a 500 km ao norte da br-163
(trecho cuiabá-santarém).

1972 1973

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 289


artêmio bassoto/fotoarte
linha do tempo

índios panará
(Krenakarore) são
transferidos para
o parque do xingu,
mas não se adaptam.
É criada a localidade
de canarana, a partir
de um núcleo de
colonização idealizado
pelo pastor norberto
schwantes. o nome
faz referência a
“canaã”, a terra
prometida. surge
também a localidade

edson elito
de Água boa, ambas
colonizadas por
agricultores vindos
do sul do país.

edson elito

1975

290 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


orlando Villas bôas se aposenta e olímpio serra

linha do tempo
assume a direção do parque do xingu. incia-se a
colonização de marcelândia, batizada em homenagem
ao filho do colonizador José bianchini.

empresários do ramo madeireiro, a


grande maioria da cidade de sinop,
iniciam a colonização da região que
se tornaria o município de feliz natal.

sinop, canarana e Água boa


tornam-se municípios. A
venda de lotes urbanos e rurais,
executados pela colonizadora
gaúcha, tem seu auge, iniciando
o povoamento da região que se
tornaria gaúcha do norte.

marcelândia
torna-se município.

sequestro
de avião pelos
Kawaiweté (Kaiabi).
Administração da
funai muda de são
paulo para brasília.

1977 1978 1979 1980 1983

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 291


jamil bittar
linha do tempo

paula simas/agil

briGa da balsa (travessia xingu-br-80).


nomeação de meGaron txukahamãe como os primeiros moradores
administrador do pix, primeiro índio a assumir a se instalaram na região de
direção de uma unidade de coordenação regional querência, cujo surto
da funai. demarcação da ti capoto-Jarina, dos migratório mais intenso
txukahamãe (metyktire). criação do pi pavuru. ocorre a partir de 1987.

1984 1986

292 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


duda bentes/agil

linha do tempo
leopoldo silva/agil

noVa constituição brasileira estabelece: “são reconhecidos aos índios


sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos
originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. criação da ti batovi.

1988

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 293


rosa gauditano/studior
linha do tempo

sthephan schwartzman
encontro de Altamira
contra a usina
hidrelÉtrica
de belo monte.
feliz natal torna-se
município.

seis índios panará (Krenakarore) Voltam


à sua região tradicional e avaliam o estrago
feito em suas terras pelos garimpeiros.
querência se torna município.

1989 1991

294 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


pedro martinelli/isa

linha do tempo
orlando brito

os panará mudam-se
para a ti panará.
gaúcha do norte
torna-se município.

saída dos Kayapó do pix. criação da atix. em agosto, a comunidade


indígena panará, representada por advogados do isA, apresenta
ação declaratória contra a união federal, a funai e o incra, pedindo
posse permanente da área tradicional e seu usufruto exclusivo. em
dezembro, é publicado parecer da funai proponto delimitação da terra
indígena panará na fronteira de mato grosso com o pará. no mesmo
mês, a comunidade indígena panará apresenta ação indenizatória contra
a união e a funai por danos materiais e morais.

1994 1995

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 295


andré villas-bôas/isa
linha do tempo

criado o distrito
sanitário especial
indíGena do xinGu
(dsei/xingu), em 12
de agosto, por meio
de um convênio entre
a funasa e a unifesp.
briga entre pescadores e Kawaiweté
(Kaiabi). expedição fronteiras.

homoloGadas
as ti Wawi (dos
Kisêdje) e batovi
(dos Waurá). morre
início da atuação cláudio Villas bôas.
do isa no pix.

1996 1997 1998 1999

296 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


acervo isa

linha do tempo
conflito por conta
da construção da
acervo isa

pcH Kuluene.

morre Kanato (paru Yawalapiti),


em 4 de novembro.

morre orlando Villas


bôas, em 12 de dezembro.
criação da ti wawi.

2000 2001 2002 2004

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 297


edson rodrigues/secom-mt
linha do tempo

marcelândia é considerado
o município líder em
desmatamento na Amazônia.

pix completa
Adminstração da funai
muda para canarana.
50 anos.

2007 2010 2011

298 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


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304 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


glossário, siglas e acrônimos
AgrobiodiversidAde – É a diversidade AmAzôniA legAl – Veja na pág. 229.
de cultivos e espécies que podem ser
plantadas e colhidas para o consumo e o Antrópico – Tudo o que diz respeito à ação
processamento pelos seres humanos. e interferência humana sobre a natureza.

AiK – Associação Indígena Kisêdje. AntropologiA – Ciência que estuda a


diversidade cultural dos povos. Para tanto,
AiKAx – Associação Indígena Kuikuro do observa e analisa hábitos, pensamentos e
Alto Xingu. crenças, ou seja, os diferentes “jeitos” que
as sociedades humanas apresentam.
Alto xingu do ponto de vistA cultu-
rAl – Reúne as etnias que ocupam a região App – Área de Proteção Permanente.
compreendida entre os rios: Suiá-Miçu ao
norte, Paranatinga ao sul, Ronuro a oeste ArrAnhAdeirA – Utensílio utilizado para
e Curisevo e Culuene a leste. arranhar determinadas partes do corpo hu-
mano que estão inflamadas, congestionadas
Alto xingu do ponto de vistA ge- ou simplesmente doloridas, provocando um
ográfico – Diz respeito ao trecho da sangramento superficial. No Alto Xingu, é
planície amazônica com cobertura predo- feita com a casca seca de uma cabaça (frutos
minante de cerrados, campos, florestas de de plantas da família das cucurbitáceas),
galeria e lagoas, na qual a confluência dos cortada em forma de triângulo isóscele,
rios Curisevo, Culuene e Batovi formam o rio onde são encravadas, na extremidade mais
Xingu, que daí deságua no rio Amazonas. larga, dentes de peixe cachorra (Hydrolycus
scomberoides e Raphiodon vulpinus), cujas
AltoxinguAno(A) – Se refere às etnias pontas permitem as incisões desejadas.
da área cultura do Alto Xingu.
AssoreAmento – Acúmulo de terra,
AmAnsAmento – Conceito utilizado no areia ou lodo no fundo do leito de um rio,
mesmo contexto que “pacificação” (ver provocado por desmatamento das matas
abaixo), ou seja, caracteriza a tarefa de um ciliares e da vegetação de suas margens.
sertanista ou indigenista para viabilizar o
contato de índios sem contato com o res- Atix – Associação Terra Indígena Xingu.
tante da sociedade. Vistos como “bravos”
ou “arredios”, a ação de amansamento AvA – Associação Vida e Ambiente.
seria condição para permitir o diálogo e
a integração com a sociedade brasileira. Aweti – Veja verbete na pág. 74.

AmAzôniA brAsileirA – Veja na pág. bAciA hidrográficA – É o conjunto de


229. terras onde os rios correm todos para

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 305


um mesmo rio principal e que dá o nome As duas últimas frequentemente invadem
à bacia. Geralmente são delimitadas córregos e riachos, chegando a eliminar
por serras, chapadas ou planaltos que totalmente a flora nativa ribeirinha.
orientam a água da chuva, das nascentes
e dos rios das áreas mais altas para as cApoeirA – Palavra de origem tupi, refere-
mais baixas. se a área que já foi utilizada como roça e,
abandonada, voltou a ser dominada pela
beiju – Um tipo de panqueca feita com mata.
polvilho; é preparada pelas mulheres em
panelas circulares de cerâmica; sua es- cnpi – Comissão Nacional de Política
pessura varia da bem fina e crocante até a Indigenista.
bem grossa, de consistência mais elástica
e massa úmida. cognome – Apelido ou sobrenome
familiar.
biodiversidAde – Refere se à variedade
de vida no planeta Terra. Inclui, além da ctl – Coordenação Técnica Local. Trata-se
quantidade de espécies diferentes dos da representação jurídico administrativa
seres vivos, como plantas, animais, fungos da Funai dentro de uma terra indígena,
e micro-organismos, a variedade genética idealmente instalada em infraestrutura
dentro dessas populações e a variedade com equipamentos básicos (radiofonia e
de funções ecológicas que desempenham viaturas), chefiada por um funcionário de
nos ecossistemas. carreira ou por indígena.

biomA – Conjunto de ecossistemas ter- culturA mAteriAl – Conjunto de ar-


restres com vegetação característica, onde tefatos produzidos e utilizados por dada
predomina certo tipo de clima. sociedade, envolvendo tecidos, utensílios,
ferramentas, adornos, instrumentos, mora-
biotecnologiA – Segundo a Convenção dias, armas etc.
sobre Diversidade Biológica, é uso de co-
nhecimentos sobre os processos biológicos culturA xinguAnA – Muitas vezes é
e sobre as propriedades dos seres vivos, aplicada e se confunde com cultura alto-
com o fim de resolver problemas e criar xinguana, mas refere-se à totalidade dos
produtos de utilidade. 16 povos que habitam o Parque do Xingu,
enquanto os altoxinguanos somam 10
brAquiáriA – Capim nativo da África etnias específicas.
com grande capacidade de adaptação em
ambiente de campos limpos, savanas e diversidAde biológicA – Veja Biodi-
cerrados. É muito invasivo e compete com versidade.
espécies nativas, eliminando-as. As varie-
dades mais agressivas são B. brizantha, dsei/xingu – Distrito Especial de Saúde
B. decumbens, B. humidicola e B. mutica. Indígena do Xingu.

306 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


ecossistemA – É o conjunto formado pólogo e o seu objeto de estudo: povos
pelos seres vivos, solo e clima de um de- indígenas, grupos urbanos, um clube
terminado local. de mães, um conjunto musical etc. Para
elucidar a conclusão final das análises, a
embirA ou envirA – Fibra retirada das etnografia procura explicitar os pontos de
folhas de palmeiras. Depois de seca, é vista dos dois lados – o do estudioso e o
utilizada como matéria-prima. de quem é estudado.

epi – Estatuto dos Povos Indígenas. expedição roncAdor-xingu – Veja


na pág. 39.
epm – Escola Paulista de Medicina.
fAb – Força Aérea Brasileira.
escArificAção – Processo de arranhar o
corpo com ajuda de instrumentos fabricados fAo – Organização das Nações Unidas para
com a finalidade de provocar um sangra- Agricultura e Alimentação.
mento superficial que, no Alto Xingu, tem
finalidade terapêutica: dá força para lutar, fbc – Fundação Brasil Central.
dançar ou trabalhar, limpa o corpo de toxi-
nas e retira dores nevrálgicas ou musculares. femA – Fundação Estadual de Meio Am-
biente (MT).
etniA – Conceito associado à caracteriza-
ção de um povo em seus fatores culturais fenótipo – São as características obser-
como pertencimento territorial, língua, váveis dos seres vivos e apoiam a classifi-
religião e tradições. As etnias compartilham cação daqueles que têm o mesmo aspecto
uma origem comum, apresentam uma con- geral de outros da mesma espécie.
tinuidade no tempo e uma noção comum
de história. fitofisionomiA florestAl – Aspecto
da vegetação de um lugar.
etnocentrismo ou visão etnocên-
tricA – Conceito antropológico segundo florestAs AntrópicAs – Florestas
o qual um indivíduo enxerga e avalia constituídas de elementos que resultam
outras pessoas ou grupos sociais e seus da ação humana.
respectivos comportamentos tomando por
referência exclusiva os seus próprios valores gee – Gases do efeito estufa
e padrões, o que o impede de ver e compre-
ender fatos sob diferentes pontos de vista. genótipo – São as informações heredi-
tárias contidas no conjunto dos genes de
etnogrAfiA – É o método utilizado um indivíduo.
pela Antropologia para recolher dados de
pesquisa sobre comunidades humanas. hotspots – São áreas com grande rique-
Pressupõe o contato direto entre o antro- za de diversidade biológica que estão sob

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 307


forte ameaça. Segundo a ONG Conservação irmãos villAs bôAs – Veja na pág. 44.
Internacional, existem, no mundo, 34 hots-
pots mundiais. Eles compreendem cerca de isA – Instituto Socioambiental.
1.500 espécies endêmicas.
jAwAri – Ritual indígena. Veja na pág. 55.
huKA-huKA – Espécie de luta praticada
pelos povos xinguanos. KAlApAlo – Veja verbete na pág. 82.

ibAmA – Instituto Brasileiro do Meio Am- KAmAiurá – Veja verbete na pág. 87.
biente e dos Recursos Naturais Renováveis
KArl von den steinen – Veja Os viajan-
icms – Imposto sobre Circulação de Mer- tes e seus impactos nas populações do
cadorias. Xingu, pág. 40.

iKpeng – Veja verbete na pág. 78. KAwAiweté – Veja verbete na pág. 91.

indigenistA – Pessoa especializada para Kisêdje – Veja verbete na pág. 96.


o trabalho com populações indígenas.
KuArup – Ritual indígena. Veja na pág. 56.
in situ – expressão em latim que significa
“no lugar”. Seu oposto é “ex situ”, ou seja, KuiKuro – Veja verbete na pág. 101.
“fora do lugar”. Ambos são muito aplica-
dos nas ciências biológicas para delimitar mAKing of – Termo da língua inglesa e
as condições de uma observação ou de que se tornou jargão em português para
um experimento. Por exemplo, espécies o registro fotográfico ou em vídeo dos
observadas ou cultivadas “in situ” estão bastidores das gravação de um filme, da
em seu próprio habitat. Quando elas são montagem de uma peça de teatro, de uma
retiradas de seu local de origem para se- novela ou de qualquer produção artística.
rem estudadas em laboratório, estão em
condição “ex situ”. mAnejo florestAl – É um conjunto de
técnicas empregadas para produzir um bem
inpe – Instituto de Pesquisas Espaciais. (madeira, frutos e outros) ou serviço (como
água, por exemplo) a partir de uma floresta,
ipAm – Instituto de Pesquisa Ambiental com o mínimo de impacto ambiental possível,
da Amazônia. garantindo a sua manutenção e conservação
no longo prazo. As florestas são mantidas em
ipeAx – Instituto de Pesquisa Etno-Am- pé, gerando benefícios contínuos para o meio
biental do Xingu. ambiente e para a sociedade.

iphAn – Instituto do Patrimônio Histórico mAtA ciliAr – É a vegetação que cresce


e Artístico Nacional. junto às margens de um rio e ao longo delas.

308 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


mAtipu – Veja verbete na pág. 106. piv – Posto Indígena de Vigilância.

mehinAKo – Veja verbete na pág. 110. pix – Parque Indígena do Xingu.

mjK – Movimento Jovem Kawaiweté. pl – Projeto de Lei.

morená – Nome kamaiurá para o local em plAntAs exóticAs – Todas as plantas


que, segundo sua mitologia, o criador deu que não fazem parte da flora nativa, origi-
origem ao mundo. Fica na confluência dos nal, de um bioma.
rios Ronuro, Batovi e Culuene, dentro do PIX.
positivismo – É um conceito filosófico
muvucA – Confusão. Termo usado para, que valoriza a observação dos fenômenos
na área de recuperação florestal, para como única fonte possível para a formula-
indicar várias sementes de várias espécies ção do conhecimento. Reconhece apenas
misturadas. a experiência dos dados concretos como
capaz de produzir a verdadeira ciência. A
nAfuKuá – Veja verbete na pág. 115. formulação original do positivismo é do
francês Auguste Compte (1798-1857).
nAruvôtu – Veja verbete na pág. 118
posto indígenA – Trata-se da representa-
oit – Organização Internacional do Trabalho. ção jurídico administrativa da Funai dentro
de uma terra indígena, idealmente instalada
pAcificAção – Termo em desuso, mas em infraestrutura com equipamentos bá-
muito utilizado até os anos 1970 pelo Es- sicos (radiofonia e viaturas), chefiada por
tado brasileiro, para conceituar o trabalho um funcionário de carreira ou por indígena
de contatar sociedades indígenas isoladas, pertencente àquela terra indígena.
tidas como arredias e bravias, daí a noção
de “pacificação”. ppp – Projeto Político Pedagógico.

pch – Pequenas Centrais Hidrelétricas. precipitAção – Descreve qualquer tipo


de fenômeno relacionado à queda de água
pdpi – Projeto Demonstrativo dos Povos do céu. Isso inclui neve, chuva e chuva
Indígenas, ligado ao Ministério do Meio de granizo. A precipitação é uma parte
Ambiente. importante do ciclo hidrológico, sendo
responsável por retornar a maior parte da
pi – Posto Indígena da Funai (hoje deno- água doce ao planeta.
minado CTL – Coordenação Técnica Local).
probio – Mecanismo de auxílio técnico e
pirAcemA – Nome dado ao período de financeiro na implementação do Programa
desova dos peixes, quando eles sobem os Nacional da Diversidade Biológica (Prona-
rios em busca das cabeceiras. bio); ligado ao Ministério do Meio Ambiente.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 309


prodes/inpe – Projeto Monitoramento da nal, exercida por especialistas em atrair
Floresta Amazônica Brasileira por Satélite, índios isolados.
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
serviços AmbientAis – Benefícios pres-
psA – Pagamento por serviços ambientais. tados pelos ecossistemas dos quais o ser
humano faz usufruto. Entre eles estão os
reclusão – Quando rapazes e moças serviços funcionais (água e alimentos), os
chegam na fase em que estão prontos para de regulação (controle de pragas e enchen-
casar precisam passar por um período de tes), os culturais (cultura dos povos, espiri-
aprendizagem. Para tanto, ficam reclusos tualidade) e os de suporte (necessários para
(presos) dentro de suas casas ou em es- a manutenção de todos os outros serviços).
paços na aldeia específicos para isso. O
período de reclusão varia de acordo com a sociobiodiversidAde – Inclui a diversi-
pessoa, isso é, de sua posição social e das dade de povos e sociedades à diversidade
responsabilidades que ela deverá assumir de espécies diferentes de todos seres vivos
quando amadurecer. Filhos de chefes costu- (fauna e flora).
mam ficar mais tempo presos do que outros
rapazes, mas isso não é regra. Muitas vezes sociodiversidAde – É a diversidade
a habilidade de liderança de uma pessoa é de povos, sociedades e etnias existentes.
avaliada durante seu período de reclusão,
pois ali ela poderá demonstrar sua capa- spi – Serviço de Proteção ao Índio.
cidade de suportar desafios físicos e sua
disciplina para aprender e seguir regras. A sub-bAciA – Está contida em uma bacia
reclusão é o período mais duro de escola hidrográfica, sendo formada por cada
da vida que um rapaz ou moça enfrentam. afluente principal.
Mesmo nas aldeias onde existem as es-
colas, há famílias que não abrem mão de sucessão vegetAl – Processo altamente
colocar seus filhos na reclusão, pois ali seu ordenado e previsível, no qual há mudan-
pertencimento ao grupo será reafirmado. ças na vegetação.

seduc – Secretaria de Educação do Estado sus – Sistema Único de Saúde.


de Mato Grosso.
tApAyunA – Veja verbete na pág. 122.
semA (mt) – Secretaria Estadual de Meio
Ambiente de Mato Grosso. terrAs devolutAs – Terras que nunca
tiveram dono particular. São propriedade
sertAnejo – Habitante do sertão. dos estados,os quais podem entregá-las
para a ocupação e exploração de particula-
sertAnistA – Pessoa que exerce a ati- res. Não significa que não tenha moradores.
vidade de entrar e explorar o sertão. Na
Funai, passou a ser uma categoria funcio- ti – Terra indígena.

310 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


timbó – Cipó de onde se extrai uma seiva unifesp – Universidade Federal de São
que asfixia os peixes. Paulo.

tombAmento – Ato de reconhecimen- wAurá – Veja verbete na pág. 130.


to do valor cultural de um bem, que o
transforma em patrimônio oficial e institui xinguAno(A) – Refere-se aos 16 povos
regime jurídico especial de propriedade, que habitam o Parque Indígena do Xingu.
levando se em conta sua função social. O
nome tem origem pela Torre do Tombo, o yAwAlApiti – Veja verbete na pág. 133.
arquivo público português em Lisboa, onde
são guardados e conservados documentos yudjá – Veja verbete na pág. 137.
importantes. Tombo é sinônimo de arquivo.

toponímiA – Designação dos lugares,


acidentes geográficos, rios etc.

tpA – Terra preta arqueológica.

trAdings – São empresas especializadas


em intermediar operações comerciais de
exportação e importação para os mais
diferentes segmentos de mercado.

trumAi – Veja verbete na pág. 125.

turbidez – Quando algo está turvo, opa-


co, embaçado, escuro, barrento.

ubs – Unidade Básica de Saúde.

uluri – Consiste em um minúsculo triân-


gulo de fibra vegetal colocado na região
pubiana das meninas, jovens e mulheres
maduras e preso por um fio de tucum que
passa entre suas pernas.

unesco – Organização das Nações Unidas


para a Educação, a Ciência e a Cultura.

unicAmp – Universidade Estadual de


Campinas.

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 311


Índice remissiVo
(etnias, ritos, pessoas, instituições, municípios)

etnias Kawaiweté: 21; 23; 24; 45; 57; 72; 73; 91;
92; 93; 94; 95; 97; 122; 139; 142; 147;
Apiaká: 92 148; 149; 150; 151; 152; 193; 194; 196;
Arara: 205 234; 235; 240; 246; 257; 262

Arawine: 57 Kayapó: 22; 33; 47; 56; 60; 62; 124; 205
Aweti: 21; 23; 36; 55; 57; 65; 72; 73; 74; 75; Kayapó Mekragnoti: 62; 64
76; 77; 111; 127; 152; 194; 234; 268; 270 Kayapó Metyktire: 23; 56; 58; 60; 62; 64;
Bakairi: 36; 65; 68; 70; 79; 108; 130; 178; 72; 97; 124; 139
268; 269; 271 Kisêdje: 21; 22; 23; 26; 28; 36; 39; 45; 47;
Custenaus: 57; 77 48; 56; 57; 58; 63; 69; 71; 72; 73; 87; 92;
96; 97; 98; 99; 100; 113; 123; 124; 126;
Enawenê-nawê: 131
130; 139; 144; 149; 179; 187; 188; 189;
Enumaniá: 57 194; 196; 197; 204; 232; 235; 262
Hixkaryana: 86 Krenakarore: ver Panará
Ikpeng: 21; 23; 27; 37; 39; 45; 48; 49; 56; Kuikuro: 21; 23; 40; 43; 44; 55; 57; 64; 65;
57; 71; 72; 73; 78; 79; 80; 81; 111; 113; 69; 70; 72; 73; 77; 83; 101; 102; 103;104;
114; 116; 119; 149; 161; 164; 187; 189; 105; 107; 109; 117; 118; 119; 121; 134;
191; 193; 196; 234; 235; 262; 264 135; 186; 187; 194; 196; 232; 235; 267;
Javaé: 70 268; 269; 270; 271; 272; 273

Juruna: ver Yudjá Manitsauá: 57; 134


Kaiabi: ver Kawaiweté Matipu: 21; 23; 43; 44; 55; 64; 72; 73; 77;
83; 101; 102; 106; 107; 108; 109; 117;
Kaiapó: ver Kayapó
118; 120; 121; 196; 214; 234; 268; 270
Kalapalo: 21; 23; 39; 43; 44; 55; 57; 64; 65;
Mehinako: 21; 23; 37; 55; 65; 71; 72; 73;
66; 70; 72; 73; 77; 82; 83; 84; 85; 86; 102;
77; 83; 110; 111; 112; 113; 114; 117; 131;
107; 116; 117; 118; 119; 120; 121; 134;
134; 194; 196; 234; 235; 269; 271
144; 194; 196; 232; 235; 246; 269; 270
Munduruku: 94; 96
Kamaiurá: 21; 23; 44; 48; 49; 55; 56; 63;
65; 66; 69; 72; 73; 77; 83; 87; 88; 89; 90; Nafukuá: 21; 23; 43; 44; 55; 64; 72; 73; 77;
134; 135; 139; 144; 178; 196; 235; 255; 83; 102; 107; 109; 115; 116; 117; 127;
268; 269; 270 196; 234

Karajá: 70 Naguhutu: 57

312 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


Naruvôtu: 21; 23; 26; 39; 47; 55; 73; 118; Jawari: 55; 57; 58; 71; 77; 89; 108; 126
119; 120; 121 Kagutu: 108
Panará: 23; 33; 39; 45; 53; 57; 60; 61; 72; 96 Kuarup: 27; 56; 58; 72; 77; 90; 108; 119;
Pareci: 131 128; 136; 246; 247; 268
Suiá: ver Kisêdje Mapulawá: 59
Tapayuna: 21; 22; 23; 57; 63; 73; 96; 122; Takuaga: 108
123; 124; 188; 197 Tawarawanã: 57; 71; 126
Trumai: 21; 22; 23; 30; 44; 48; 57; 63; 65; Yamuricumã: 58; 65; 84; 108; 174; 268
70; 71; 72; 73; 97; 108; 125; 126; 127;
128; 134; 196; 240
Tsúva: 44; 57
Txicão: ver Ikpeng Pessoas

Txukahamãe: ver Kayapó Metyktire Aboim, Raimundo Vasconcelos de: 45


Waurá: 21; 23; 26; 27; 47; 48; 55; 57; 59; Aweti, Kokoti: 25; 29
63; 65; 66; 68; 69; 72; 73; 77; 83; 104;
Baruzzi, Roberto: 170; 178
111; 116; 130; 131; 132; 134; 144; 178;
196; 234; 235; 246; 255; 262; 268; 270 Café Filho, João: 45

Xavante: 33; 44; 126; 231 Cañas, Vicente: 123

Yaruma: 56; 57 Carneiro, Robert: 271

Yawalapiti: 21; 23; 44; 48; 55; 69; 72; 73; Collor, Fernando: 65
77; 102; 111; 114; 131; 133; 134; 135; Fausto, Carlos: 267
136; 144; 196; 235
Franchetto, Bruna: 267; 271; 272; 273
Yudjá: 21; 22; 23; 44; 48; 56; 62; 69; 71;
Ikpeng, Iokore: 48
72; 73; 87; 92; 97; 100; 126; 137; 138;
139; 140; 153; 158; 182; 188; 192; 196; Ikpeng, Kanaré: 187
205; 224; 234; 235; 251; 262 Ikpeng, Kumaré: 187
Ikpeng, Yakuna: 165
Juruna, Carandine: 69
ritos Juruna, Karin: 215
Atujuwa: 68 Kaiabi, Alupá: 240
Duhe: 108 Kaiabi, Ianukula: 232
Iponhe: 108; 109; 246 Kaiabi, Jemy: 154
Jakuí: 66 Kaiabi, Maraiwê: 25; 240

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 313


Kaiabi, Moiwup: 29 Meyer, Hermann: 40; 42
Kaiabi, Payê: 29 Nafukuá, Aigi: 230
Kaiabi, Pionim: 25; 240 Noronha, Ramiro: 40; 119
Kaiabi, Poãn Trumai: 179 Nutels, Noel: 45; 169; 170
Kaiabi, Prepori: 24; 92 Petrullo, Vicent: 40; 70; 119; 268
Kaiabi, Tuiát: 150; 151; 152; 154 Quadros, Jânio: 20; 42
Kalapalo, Ausuki: 214 Quain, Buel: 71
Kamaiurá, Kanawayuri: 49 Rezek, José Ricardo: 263
Kamaiurá, Takumã: 70; 72 Ribeiro, Darcy: 45; 267
Kaiapó, Raoni: 24; 25; 64 Rodarte, Ianuculá: 29
Kisêdje, Ianukulá: 100 Rodrigues, Douglas: 170; 178; 180
Kisêdje, Kamikiá: 188; 197 Romero, Claudio: 25
Kisêdje, Kuiusi: 24 Rondon, Cândido: 40; 45
Kubitschek, Juscelino: 39 Schmidt, Max: 40; 115
Kuikuro, Ibene: 72 Serra, Olympio: 25; 271
Kuikuro, Luiz: 70; 72 Silva, Francisco Assis da: 25
Kuikuro, Nahu: 24; 70; 72; 267; 268; 269; Steinen, Karl Von den: 40; 42; 57; 68; 71;
270; 271 87; 96; 101; 115; 116; 125; 130; 133; 134
Kuikuro, Sepé: 70 Sting: 27; 65
Kuikuro, Tükitse: 72 Suiá, Ropkrãse: 178
Kuikuro, Yanama: 72 Suyá, Tempty: 48
Kuikuro, Yunak: 72 Suyá, Winti: 187; 188
Lima, Pedro de: 115; 119 Torres, Heloísa Alberto: 45
Malcher, José Maria da Gama: 45 Trumai, Ararapã: 25
Matipu, Arifirá: 165; 214 Trumai, Ariakumalu: 70
Mehinako, Ciucarte Carlinho: 234 Trumai, Aruiawi: 25
Mehinako, Makaulaka: 166; 215 Trumai, Awaé: 70
Mehinako, Tamalui: 25; 29 Trumai, Kaiulu: 70; 240
Meinaku, Mutuá: 36; 267; 271; 272; 273 Trumai, Kamani: 25; 29
Meirelles, Apoena: 25 Trumai, Mahi: 70

314 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos


Trumai, Nhamkomberi: 29 instituiÇÕes
Trumai, Wali: 70
Ahira: 194
Trumai, Yawaritu: 70
Associação Indígena do Povo Aweti: 194
Txicão, Kumaré: 29
Associação Indígena Moygu da Comunidade
Txukaramãe, Megaron: 25; 29; 64; 159 Ikpeng: 193; 264
Vahia, Sérgio: 22 Associação Indígena Kisêdje: 194
Vargas, Getúlio: 40 Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu: 194
Vasconcelos, Vicente de: 40 Associação Tapawia: 193
Veloso, Nilo: 70; 268; 269; 270 Associação Vida e Ambiente: 159; 191
Viana, Constantino: 138; 139 Associação Yarikayu: 192
Villas Bôas (irmãos): 21; 23; 24; 26; 38; 39; Atix: 30; 94; 173; 183; 191; 192; 193; 196;
41; 42; 44; 45; 48; 49; 56; 60; 62; 63; 68; 71; 197; 232; 240; 248
72; 79; 82; 89; 92; 97; 111; 113; 114; 116;
Aulukumã: 194
118; 119; 134; 135; 169; 170; 267; 271
Centro de Organização Kawaiweté: 194
Villas Bôas, Álvaro: 45
DSEI/Xingu: 174; 176; 192; 232
Villas Bôas, Cláudio: 41; 44; 45; 48; 60; 72;
270 Escola Paulista de Medicina: ver Unifesp

Villas Bôas, Leonardo: 41; 44; 45 FAB: 39; 106; 169; 171; 208

Villas Bôas, Marina: 45 Funai: 25; 29; 30; 35; 45; 47; 61; 79; 92; 98;
100; 106; 120; 123; 158; 159; 163; 170;
Villas Bôas, Orlando: 25; 41; 44; 45; 49; 57;
174; 176; 182; 183; 185; 190; 191; 192;
60; 70; 72; 169; 170; 178; 269; 270
194; 205; 212; 232; 237; 239; 240; 255
Waurá, Apayatu: 68
Funasa: 174; 176; 232
Waurá, Tukupe: 68; 178
Fundação Brasil Central: 39; 40; 41; 42; 43;
Yawalapiti, Paru: 24; 70; 72 89; 170
Yawalapiti, Pirakumã: 25; 29; 271 Fundação Mata Virgem: 191
Yawalapiti, Tatîwãlu: 134 Fundação Rainforest da Noruega: 192
Yawalapiti, Watatakalu (Takan): 232 Ibama: 30; 205; 207
Yudjá, Karandini: 24; 140 Instituto Catitu: 187; 188; 197;
Yudjá, Yapariwa: 251 Instituto de Pesquisa Etno Ambiental do
Yuwipo, Natuyu: 187 Xingu: 176; 183; 194; 232
Ipam: 206; 207; 223

AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos 315


Iphan: 246; 247; 250 municÍPios
ISA: 30; 61; 159; 160; 166; 183; 191;
Altamira: 138; 208
192; 196; 201; 210; 223; 237; 260; 263;
265; 272 Canarana: 23; 27; 29; 100; 120; 126; 176;
192; 196; 231; 232; 236; 237; 238; 239;
Ministério da Aeronáutica: 39
240; 241; 261
Ministério da Agricultura: 46; 196
Cláudia: 211; 236
Ministério da Cultura: 193; 247
Colider: 23; 25; 236
Ministério da Justiça: 25; 29; 35; 61; 185
Cuiabá: 208
Ministério da Saúde: 176; 232
Diamantino: 22; 122; 123; 124
Ministério do Meio Ambiente: 150; 190;
Feliz Natal: 23; 27; 126; 211; 231; 234; 236
220; 223
Gaúcha do Norte: 23; 27; 111; 120; 166;
Movimento Jovem Kawaiweté: 193
231; 234; 236
Movimento Jovem Ikpeng: 164; 193
Juara: 94
Museu de Basel: 188; 192
Marcelândia: 23; 27; 212; 224; 231; 234; 236
Museu do Índio: 194
Nova Ubiratã: 23; 27; 236
Museu Nacional/UFRJ: 41; 42; 45; 189;
Paragominas: 207
194; 267
Paranatinga: 27; 178; 224; 236
Seduc/MT: 160; 161; 162; 182
Peixoto de Azevedo: 22
Sema/MT: 30; 207; 211
Querência: 23; 27; 224; 231; 232; 236; 263
Serviço Florestal: 46
Santa Carmem: 212; 236
Sesai: 176; 183; 232
Santarém: 143; 208
SPI: 41; 45; 46; 47; 70; 91; 92; 119; 170;
183; 268; 269 São Félix do Araguaia: 27

Unemat: 163 São José do Xingu: 23; 27; 64; 231; 232; 236

Unifesp: 43; 45; 162; 168; 169; 170; 171; Sinop: 212; 236; 246
173; 174; 176; 178; 183 Tabaporã: 94
Vídeo nas Aldeias: 187; 197 União do Sul: 23; 27; 212; 236
Yarang - Movimento de Mulheres Coletoras: Vera: 212; 236
191; 264

316 AlmAnAque socioAmbientAl pArque indígenA do xingu 50 Anos

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