Você está na página 1de 100

Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai

www.etnolinguistica.org

• •

,
•-
,.
"'
.-
\
" \.;..: " •

• ./- ~ •
'
• • • •
• ... , '
• •
,


• ' •
• ,
lliO DE ·JANE!Rü •
' ..
I"D.l.l:P.'.REN"SA.. N"'..A...0,ION.A..L

1905 .. ••
...
• +. • ..
•t'"''
~


.... • • •



.. • l;io

~
• ..
~
lio

.. '
' • •
~.:.·
'

'

"".:. .

r
1

MBAÉ KAÁ
. .
TAPYIYETÃ ENOYNDAUA
.

,

;z 44F'
V:;: , :;;z ::~

f
--· . ..
. . ' .

·•·
. :..
f '

A QUEM LER

Tem esta memoria por fim satisfazer a questão 11ª


apresentada pela secção de sciencias physicas e naturaes
I
do 3 o Congresso Scientifico Latino Americano .
Parecerá a muitos o assumpto ser parto da phantasia
de um visionario, quando não passa do fructo de obser-
vação propria, durante annos de vida entre os selvagens
e os tapuyos do Valle do Ainazonas, do Paraguay e de
Matto Grosso. ·
Foi entre payés e vaqueanos, colhendo plantas e flores,
e ouvindo e praticando a língua, no norte, no centro, e no
sul do Brasil, e não no gabinete folheando vocabularios,
mal escriptos, mal interpretados pelas impressões e mal
correctos pelos revisores, com termos que, na maioria, per~
petuam erros de escripta e de pronuncia, que adquiri o
pequeno conhecimento que me leva a apresentar a esta
sabia assembléa o producto da intelligencia daquelles que,
no seio das florestas, ainda hoje fogem da civilisação,
porque sabem que ella só o conduz ao vicio, á escravidão
e á morte de suas faculdades mentaes , quando não lhes
leva tambem o ferro e a bala, por não quererem saciar a
ambição do kariua, que, com a sua liberdade, rouba-lhe
a mulher e os filhos, pelos quaes tanto extremecem.
\
A falta de intelligencia, a falta de brio e de honra,
a sua pouca actividade, que lhes lançam em rosto os es-
....
• 1
criptores, no que ·o vulgo aliás acredita, não são mais ct.o


II

que véos que encobr~m muitos crimes, e, para se justi-


ficar o procedimento barbaro dos que se dizem civilisados. ..,,___
I
Quereis conhecer o caracter do indio? Ide buscai-o
nas selvas, como o fiz, convivei com elles, mas não
os julgueis por aqüelles que vieram para o noss? meio
doutrinados pela cartilha dos regatões e dos gananciosos,
que faziam, outr' ora, descimentos. Quereis conhecer os
caracteres scientificos de uma flor, ide buscai-a nas selvas
ou nos campos, mas nunca nos jardins. Ide vel-a no meio
proprio e não transformada -pela mão do floricultor.
Quando as flechas selvagens, em represalia, se cru- .'
savam com as balas,. quando innocentes viajantes civilisados
cabiam varados pelas traiço.e iras taquaras dos indios, nellas
ia impregnado o odio daquelles que innocentes tambem
tiveram seus filhos 1nortos ao seio das proprias mães, quando
buscava111 o alimento para a vida.
Quando os kariuás kanaimés « brancos máos » eram
repellidos ao karaiuá-tomini «branco bom» pedia1n a benção
os l{richanás, isto é, quando uma tribu inteira repellia a civi-
lisação levada pela força que a exter1ninava, essa mesma tribu
abria os braços e fazia seu chefe ao branco que sósinho
a procurou para levar-lhe o bem e o ensinamento.
Nunca me esquecerei dos dias felizes que passei entre
esses ~elvagens e nunca cessarei de desmentir as calumnias
que se lhes irroga, para occultar as faltas e cohonestar o
rrocedimento do civil isado.
E' nesse meio que devemos observar a moral e a in·
telligencia do indio, e, é ahi que muitos ensinamentos
adquirimos e se abrem paginas que em livro algum en·
contramos. Foi ahi que estudei a mbaé kaá.
E' facil pela theoria con1bater-se, mas nunc1 a pratica in-
telligente será vencida, porque, destruindo opiniões, estabe·
lece novas leis e apresenta factos nunca dantes suspeitados.
'

\
III -

O resultado da applicação da intelligencia indigena no



reino vegetal é tanta, · que muito honra o tino e o tacto das
suas observações, que são sempre exactas, salvo em casos
excepcionaes, que, em muitos factos, tomam os effeitos por
causas. . A sua nomenclatura é clara, precisa e exacta,
como são reaes os proveitos que se tiram dos vegetaes
segundo a maneira de applical-os.
Das ininhas observações entre indios e tapuyos, ligados
pela mesma língua, quer no norte, quer no sul do paiz,
- cheguei a alcançar ver que, por uma chave, uniram caracte-
risticamente vegetaes, cuja denominação não era arbitraria e
siln fructo de observações acceitas e perpetuadas em todo

o paiz •
Attrahida a minha attenção para esse lado, procurei
verificar, si com effeito não era uma illusão minha e, de ob·
servação em observação, cheguei á conclusão que na rea-
lidade. havia de norte a sul uma classificação, que se trans-
1nittia pela memoria, e que era vulgar entre todas as
tribus ligadas pela lingua abanheenga. •
E' verdade que a nomenclatura indígena tem preza á
algumas especies de plantas um cortejo synonimico de
no1nes dados 'p elos civilisados, com prejuízo dos prilnitivos,
acarretando inconvenientes, sobretudo em relação ás plantas
n1edicinaes. Assim a Herva de Santa Maria ( vermifugo)
no sul e o Mastruço (peitoral) no norte, não são mais do
que a Kaa nema, Chenopodiutn ambrosioides, cujo cheiro
caracteristico se revela no nome indigena ( Kaá, herva,
nema, fetida ), emquanto que os vulgares dos civilisados,
um é daquelles que Linneo disse que só « Idiotae impo-
suere no1nina absurda» e o outro tirado de uma planta
européa que nada se assemelha á indígena, o Lepidiu1n
sativum, dando lugar assim a se etnpregar um vermifugo
por um peitoral, como vi mais de uma vez •

<

-
_;/ .

- IV

Este mal não traz a nomenclatura indigena, cujos nomes


dão sempre a conhecer a planta a não se confundir uma
especie de máo cheiro com outra que não o tem.
Para mostrar ainda quanto as determinações botahicas
indigenas são proveitosas pela propriedade de seus voca-
bulos, e quanto são arbitrarias, s·e m que nada exprimam
as applicadas pelos civilisados, entre muitos citarei um
exemplo.
Ha uma Njctaginea, que do norte ao sul, tem o nome
indígena de Tangarakaá, quê foi substituído no Amazonas
por Solidonia, em Pernambuco por Pega pinto e no Rio
de Janeiro por Herva tostão. O que exprimem estes nomes
em relação á planta? Nada. Entretanto todos sabem que
a Tangarakaá é um poderoso remedio contra os males do
figado e su~s consequencias, como as febres intermittentes

ou palustres e porque abandonaram este nome, quando elle
tão bem exprime a propriedade, que tem · a planta, de ser
o remedio para esse mal, dizendo que é uma herva fresca

para os doentes que soffrem do figado? O termo bem
diz: tang, fresca, aYad, doente do figado, e kaá, herva.
Mbaraà significa estar enfermo, doente,· mas, quando se diz
simplesmente araà, está subentendido que a doença provém
do figado e produz febre. •
Devo dizer que o nome Tangarakaá teve outra in-
terpretação dada pelo meu finado amigo Dr. Baptista Cae-
...
tano, que disse ser « herva de pello as pero», de tam ou
tab, pello, karain, aspero, e kaá, herva. Para mostrar que
essa jnterpretação é falsa, basta dizer que a planta não
tem absolutamente peitos.
Presumindo que o véo, que levanto, descobre um as-
sumpto que ainda não fôra cogitado, parece-me que tambem
presto, assim, no esboceto que apresento, um serviço
áquelles que ainda acham utilidade em se occupar da língua

..'




- ~

e da feição do homem das selvas. Foi este o braço forte


do levantamento do pedestal da nossa grandeza, mostrando-
nos as nossas riquezas naturaes, explorando-as e roteando-
-nos o sólo. Foi o seu suor que regou a terra; foi a sua
mão forte que amparou os passos dos descobridores, e
abriu-lhes o caminho para a prosperidade ; entretanto disto
nos esquecemos para condemnar a sua geração. Mas, si
elle foge ante o sibilo da locomotiva, si no seio dos sertões
se occulta, vai, comtudo, deixando atrás de si, como marcos
perennes, as vozes de sua lingua, que perdurarão, lem-
brando sempre que elle foi senhor, e que nenhum poder ris- •
cará a influencia da sua intelligencia na flora sul americana.
O tupy, com suas hordas ou tribus, é galho com ramos
do tronco donde sahiu o mesmo karani, tambem com a sua
ramalhada. Esse tronco formava uma nação, cujo nome, si
o tinha, perdeu-se na noite dos seculos; mas foi formado
da união de varias hostes, que se mesclaram no combate
das miracemas, que constituiram as suas raizes.
Que o tronco se bifurcou estando um galho para o
norte ' e outro para o sul, nos prova a nomenclatura in-
digena dos vegetaes, não fallando da zoologica. Porque
denomina o tupy do norte a uma Bombacinea, que se
eleva gigante no Amazonas, de Çuniau11ia e o K<frany do
sul, dá o mesmo nome á mesma planta no Paraguay ?
Por que os Fetos no norte são denominados Sambatnbaz'as,
como o são no centro e no sul do Brazil? E' que o do
norte, que conhecia os vegetaes, indo para o Sul e ahi
'
encontrando
. - os mesmos, deu-lhes a mesma denominação.
Não é o producto do emprego da mesma lingua, porque
poderiam dar nella outro nome ; mas sim a applicação <;los
nomes, que sabiam, ás mesmas plantas que conheciam.
Si a flora do sul não é totalmente a me_sma do norte,
entretanto aquellas especies, que são communs aos dous
'

1
,, ..•


!
1-9
!
VI

extremos, teem tambem commum o nome, e só não teen1


as locaes. )l'--
A fonte taxonomica e glossologica é uma e a mesma, ;

e fructo da mesma planta; e, se apresentam modificação


de pronuncia, é devido isto ao 1neio, ·como a este se deven1
as variedades nas flôres.
Penso que abusarei estendendo-me de mais para jus-
'tificar a apresentação deste trabalho, que só visa o inte-
resse da botanica indígena e a sua nomenclatura, con-
correndo para esclarecer um assumpto que até boje não
foi tratado.


1 ..


I

Todos os povos da 11umanidade tiveram, no ge-


nesis da sua existencia, grandes privações e duras ne-
cessidades. As do alimen~o, da nudez, de abrigarem-se
das inten1peries e a da cura de seus males fora1n sen1pre
• •
as pr1nc1paes.
No meio da natureza, quasi que só para os ve...
getaes se voltavaip, porque nelles cncóntrava111 sempre
a maior somma de beneficios e de recursos. São elles
o inelhor dom do Creador.
Se as cavernas os abrjgavam, se as rochas for-
neciam o material para seus machados, pontas para
as flechas e com estes instrumentos se defendiam e
• obtinham a caça, dos ossos da qual se aproveitavam
tambem para armas, e, se con1 as pelles dos animaes se
resguardavam do frio, todavia eram instrumentos com-
pletamente inuteis sem o auxilio do vegetal, que for-
necia os cabos para os machados, as hastes das flechas,
os arcos, sem os quacs a pedra seria inutil. A}e1n
dis~o, fornecia-lhes a lenha para fogo, a madeira para
armadilhas, para as choupanas, para objectos de llSO
domestico, para instrumentos de la,roura, dava-lhes
bebidas e remedios para cura de seus males, não fallando
nos fructo3, que foram o primitivo alimento, antês da
industria da pedra lascada.
8277


\

Forçados pelas necessidades, foram levados a ser


herbanarios, para que bem conhecessem e distinguissem ·
o que lhes era de utilidade ou nocivo e, obrigados •
pelas circumstancias, se · tornaram então industriosos,
sendo as plantas e os seus productos o que lhes agu-
çava o engenho para delles se aproveitaren1.
O genio inventivo de cada um foi-se transmittindo,
assim, de gera~ão em geração, com observações acu-
mula~as, 9ue foram aperfeiçoando e alargando o campo
do conhecimento das plantas .
Para distinguil-as tiveram de nomeai-as, e, se-
gundo a perspicacia, os termos empregados as caracte-

r1savam.
Este conhecimento adquirido, pela falta das lettras,
ficou esquecido. Somente a Bíblia veio pela prin1eira
vez dar o resultado das observações, fornecendo-11os o
nome e o uso de algu111as plantas; já ahi se nos falia de
cereaes, de fructos, de arvores aromaticas, de substancias
perfumosas, de plantas textis, d·a flora da região asiatica
e1n que se desenrolaram os factos do advento do drama
da christandade .
Vieram-nos depois a Illiada e a Odysséa e ahi a flora
hellenica foi cantada por Homero, .perpetuando-se assim
um grande numero de especies por seus· nomes . Nós
mythos do paganismo apresenta-se-nos um grande
numero de plantas, com as suas origens poeticas e com
os nomes que se ligam a factos symbolicos da 111ythologia
.
egypc1a . .
Plantas foram consagradas aos Deuses e ás nymphas.
Eram as Dr)rades dando vida aos carvalhos, as Hama-
dryadas identificadas ás arvores, Osiris tendo por leito o
'
-
..

Lotus, as Heliadcs transfor1nadas en1 J:Jopulus, o sang.ue


• de Ajax transformando-se em !ris, a Rosa nascendo do
sangue de Venus e a ÀN.enione de suas lagrimas; assim
os vegetaes eram animados pelos lances da imaginação
pagã, forn1ando ramalhetes de flores poeticas .
Entre os Ro111anos, cento e poucos annos A. C., o
estudo qos vegetaes tornou-se mais pratico e· extendeu-se
para as regiões do l\iediterraneo, apparecendo Catão com .
os seus preceitos diarios sobre as De re rustica; Virgílio,
nas suas Bucolicas ou Eglogas, em bellos versos, des-
creveu algumas flores, que pelos termos latinos se perpe-
tuaratn, como quando 11os diz :
Alba Ligustra cadunt, Vaccinia nigra legentur.,
( Egl. II, V. I 8 ) .
Então já as arvores se separavam das hervas e as
plantas uteis das i1ocivas, com o seu emprego e a sua
origem phantasiada. Já nos apparecem os jardins das
Hesperides e o suspenso de Semiramis, com os seus
pomos de ouro . Q 3 gregos assim derramavam os conhe...
cimentos que tinham adquirido pelas suas obras e uma
grande quantidade de vegetaes foram então conhecidos
pelas suas applicações.

... Entretanto, todos estes conhecimentos se transmit-


tiam pela tradicção com os nomes proprios, e foi somente
depois de Aristoteles que a phytologia começou a appa-
recer perpetuada pela escripta.
·ne um dos seus discípulos, Theophraste, veio a pri-
meira vulgarisação das plantas, descriptas e systemati-
sadas.
O que se deu no velho mu11do até 225 annos antes
de Christo, deu-se na An1erica, onde as observações in-
. ' ...... 2 ká .. •.• ...,....

digenas sobre as plantas se perpetuam ainda pela tra~


dicção oral. Os selvagens do Brazil, no seio das
florestas, guardam os seus conhecimentos, 111as não
chegando ainda a elles á escripta, só na memoria esses
perduram e pela porandyba * transmittem aos descen-
dentes a sua Mbaé kad.
Se entre elle3 houvesse chegado o conhecin1ento
da escripta, estou certo de que n1uito e.n sinamento haveria ·
sido produzido e superior ao de muitos sabios da an-
tiguidade .e uropéa.
Nas trevas em que os povos Europeos viveram,
ainda vivem os nossos selvagens; n1as o que d'elles
se aproveita phytonomicamente é superior ao de que os
philosopl1os da antiguidade se aproveitaram e nos trans-
n1ittiram.
Tendo estes as mesmas necessidades que aquelles,
armadas ainda algun1as tribus, .como o estiveram os
Europeos, de arn1as de pedra e de fiexas de taquára
e osso, e, por conseguinte, no mesmo gráo de adianta-
mento intellectual, comtudo os nossos selvagens, de-
vido á grande flora que os abriga e os sustenta, têm
muito maior son1ma de conhecimentos do que aquelles
tiveram, guiados so1nente por um genio mais observador
e mais intelligente, como se deprehende do que a his-
toria nos ensina.
Foi depois da descoberta da America, e especial~
mente do Brazil, que o estudo das plantas se desen...
volveu e appareceran1 os primeiros botanicos systen1a-
ticos abrindo novo campo que serviu para os e11saios

* Tradicci:ío
oral de factos não relativos a fei tos de_guerra, por-
que a destes ·ten1 o no1ne de lvl<vtandyba.

' .. ·~·

que surgiram, e, mais tarde, pelo aperfeiçoan1ento dos


estudos, chegar a Res herbaria a ser uma sciencia.
Christovão Colombo levou as primeiras plantas
americanas, co1neçando a serem conhecidas depois no
velho mundo as do 1\'1exico por Gon1ara, as das An-
tilhas por O viedo- e as do Paraguay por l\'1artin del
Barco.
Assin1 conhecera1n-se o ananaz, a op1111tia, o cacáo,
a n1aNdz.Oca, OS ararás, O abacate, as batatas, a passijlora,
a 11ii111osa pudica, o coco, o tabaco etc . etc.
Só depois de André Thevet e de P ison, rasgaram-se
os horizontes europeus e os botanicos viajantes e os
·collectores começaram a correr a An1erica e, com suas
collecções, notou-se a introducção de plantas no,ras na
Europa. Começou então a formação dos herbarios, e,
1 1n.ais tarde, a fundação dos Jardins Botanicos .
Guilherme Pison deu o brado d e alarma, e fez
conhecidas grande parte das principaes plantas do Brasil,
1

pelos nomes vulgares, indígenas, ainda que muito


estropiados pela pronuncia e orthographia. Foram os

primeiros, por assim dizer, ~ que se aproveitaram
da .n omenclatura indígena e do melhor conl1ecimento /
de cada planta. A glossologia e a taxonomia indígenas
não foram comtudo estudadas, citando-se apenas, como
Martius, a etymologia de alguns termos já corruptos
e muitos mal interpretados .
Entretanto é um objecto digno de estudo, como
vamos mostrar, levantando um pouco o véo que cobre
o saber empirico do selvagem, na sua Mbae kaá.
,
" Roch efort tambcm, cm 1658, na sua lli#oir e 11rit11rel .'e ti m~rfi.'6 des Aii(il.'t~,
Q~u n9 tlc l~ de pl~tas am~ri cai~as , · · · ·


41 . . $[§) s;. ; $

Os habitantes da parte do littoral do Atlantico,


que se estendia das Antilhas ao Rio da Prata, quando
se descobriu o Brazil, eram de raças diversas e
cruzadas, não só pelo choque das miracemas do Norte

para o Sul, como pelo embate das do centro, 1nas que
falla vam uma só lingua, com alguns termos entre si
desconhecidos, devido isso ao meio em que viviam,
onde a flora e a fauna eram diversas.
No encontro das miracemas, appareciam algumas
tribus l{araibas, initnigas, e de um ponto para outro
fugiam, isolando-se mesmo no interior entre tribus
nheengaibas. *' O affastamento, o isolament,.o , o contacto
com tribus de dialectos diversos modificaram a primitiva
língua que assim foi levada para as Guyanas e para o
Paraguay, donde vieram o gallib~y e o chamado .tupy, o
tupy austral e o gu·a rany, e ainda mais n1odificado pela
pronuncia dos missionarios estrangeiros e pela ortho-
graphia propria aos mesn1os. Os gentios ou bugres,
como chan1a vam os portuguezes aos filhos das selvas que •

encontravam, eram conhecidos por tup),.iay ou tupy, ou


karan},. que a prosodia castelhana n1udou para guaran),.
dando~os erradamente por 15·uerrei·ros, quando o ter1110
nos diz: Kara-:zi, não valente. Dá-me razão o Sr. Wash-
burn, na Histori·a dei Para15·uay, quando diz : « Pero
los Guaranies del Paraguay no tenian ni cl genio ni
el valor necessario para oponir-se con êxito á la invasion

del estranjero. /'lo era111 ni vinga.tivas ui guer·r·eros . »
Azara já havia dito : « que antes de llegar aqui los
conquistadores eram pusilánimes como hoy los Guaranis
e bizarros e guerreros los otros . »
" N ha ·ng-, falia, ai ba má: que fallnm outro dfa.lecto.


-w.~~~~~~~~~~==::"
~ "-·--·-1ki!!ll!.111!"
. .,...,."""""..,..
-:).; ~,.
... ~ '- PI'!-~
- ..... - " ) ' -~ ~IJW
& - ·- - - - ·jj(.,fP#).+.
' .!.. ... ~
.. ' ;- i• 24 .
- ,..i;- , •ª lil ...

1'

\
1
.
..
!""

'
Schuller 11os diz .tam·be1n : « Bajo la inftue11cia de
la palabra per3uasiva del n1issionero cedió il pusilá-
nitne GuaraHi : no assi .il fiero Charrua. )> Ainda Azara
tratan·d o dos Guaranis escreve: «todos los Guaranis juntos
( sic ! ) no son capaces de dar sujecion á 5o 1\tlbayá ».
O mesmo Azara na Viageni á Amerz:ca Meridioxal> ainda
disse: «Todas as outras nações inspirão u1n terror panico;
duvido que dez ou doze guaranis reunidos ousassem
fazer frente a um só índio de outras nacões >
)) .
Uns habitavam então o norte e o centro e outros o sul
do littoral do Brazil, fallando ;todos uma só língua, que
os missionarios, depois de aprendel-a, a vulgarisaram
pela tribus não tapyiya, durante as suas missões, tor-
na ndo-se por isso depois conhecida por lingua 3eral.
Gente industriosa, ü1telligente e boa, tinha a sua
n1edicina, e os seus meios operatorios, assin1 c01no a
sua botanica, a sua zoologia, e as terras e as aguas de
seu berço eram todas no1neadas por termos da sua lingua,
tirad0s de observações proprias e perpetuados pela
sua porandyba. * '

• Não me occu pando senao d.<>.s plantas, não t r:i. tarei da nomen clatura do s i u.
g:i.res , e só a t•es lzerbaria , ou Ml:a i kaá, e a sua. nomenclatura, enoyndaua, fa rão
o objecto das sog uin tes paginas •



·.


·.

' .
"

-~

II

Os selvagens, pelo fructo de suas observações, se-


guiam e seguem um n1ethodo synthetico na classifi-
cação das plantas. Designa111 as especies por no111es

tirados dos caracteres das folhas, das flores, dos fructos,
ou de propriedades co1no o cheiro, o sabor, a dureza,
a duração, a cor, o emprego, etc., etc. Nenhum
caracter essencial lhes escapa. Denominadas as espeçies,
as reunem em generos, dando a estes o nome da planta
que lhes parece typica. Com a reunião dos generos
formam seccões, ou familias. Desta divisão formam
grupos que dividen1 em Ybá, madeiras de lei, lbyrá
ou Muyrá~ paós, Kaa, hervas, e lcipós ou Cipós, tre-
padeiras.
São tão exactas as suas observações, que se en-
contra1n generos e subgeneros em uma só fan1ilia, como
se fossem grupados por un1 verdadeiro botanista.
Especies duvidosas formam generos separados - in-
certae sedis.
Os generos prendem-se ás famílias com uma de-
nominação geral tirada do que lhes parece principal.
Quando se lhes pergunta, o que é l(arana;rba?
Responden1 : E' um Pindó. .
t
1 O que é l\lluyrá piranga ? Um l{on1andá. E un1a
Ga,.biroba? Um araçá, como se dissessem ; são plantas


"' 1......~-~- 4íL

10

das familias das Palmeiras, das Leguminosas e das


lVlyrtaccas.
Quando uma planta ten1 affinidade com outra ou
com ellas se parece, empregam a denominação ra1·: a,
que corresponde perfeitame}1te ao ofdes ou .. forn1i's,
ajfinis ou si1nilis dos botanicos, e que qt1er dizer: falsa,
n 'um caso, ou que se assemelha, em outro.
Parece que um '"fournefort e um Linneo expli-
caram-lhes os seus systemas, quer na classifica-ção, quer
na detern1inação especifica binaria.
A agudeza do espirito do ·Tapuyo é tal que algu11s
orgãos que o scientista precisa procurar á l~n·te, elle por
. . ,,., " ,.,.
intu1çao os prcve e nao se engana.
Quantas plantas para o home1n de sciencia são de fa-
mílias differentes, antes do exame, á simples vista, quando
para el"les, e com razão, pertence111 ú n1esn1a fa-
n1ilia e ao mesmo genero ? O tapuyo é naturalista por
instincto.
Os ter1nos dados por elles ás plantas t:ornaram-se
para os civilisados nomes 11ulg.:ires ou populare3, mas
para aquelles que ben1 estudarem a questão se tornarão,
por assi1n dizer, technicos .como são os 'dos sabios.
Para bem se entrar n'esse conhecin1ento é n1ister
não só saber a li.ngua cotTlO ser ta1nbem botanista, porque
· ~
o tern10 creado e applicado a um vegetal pelo indio,
é sempre baseado em um estudo da planta e não dado
arbitrariamente como o vulgo o faz. Se o estudo não
foi feito pelas licções dos livros, nos quaes se bebem
opiniões de estudos alheios, o indío o fez no proprio
vegetal e do fructo de suas observações sahio a sua
nomenclatura, como sahe a do scientista .

..

11

Não é para cen~urar o systen1a natural que em-


pregam os selvagens, porquanto philo3ophos consi..
de.dos notabilidades na sciencia e tornaram i1nmor..
redores os seus nomes á força de estudo, organizaran1
syste1nas ou 1nethodos botanicos, alguns inferiores e
menos racionaes do que os dos nossos indígenas.
Fazendo um retrospecto historico, para mostrar a
n1archa da sciencia, vejan1os o que outr'ora se fez no
assumpto, isto para servir de con1paração.
Theophrasto, 225 annos antes de Christo, conl1e-
cendo, na verdade, apenas Soo plantas, assim as dividiu :
Pelo n1odo de reproducção; pelo lugar 11atal; por
arvores e arbustos ; pelo uso alimentar, cereaes em
geral, e pelo uso que se pode fazer do sueco.
Dioscorides, 20 annos depois de Christo, dividiu as
seiscentas plantas que conhecia em aromaticas, alimen--
tares, medicinaes e as ql1e dão vinho.
Trag·us, ~1n 1531, dividio as 517 plantas que co-
1 nhecia ein : Flores odoríferas, trevo, gran1mas, horta--
liças, trepadeiras e arvores .e arbustos .
En1 I 551, Lo:.~1·cer, conhecendo já 869 plantas, as
dividiu en1: arvores e arbustos, e plantas medicinaes.
Dodons, em 1552, dividio as 840 plantas que co--
nhecia em 5 penptadas, por ordem de qualidades: flores
'o violetas, bulbiferas selvagens, hervas odori.feras, umbelli-
feras, raizes medicinaes, plantas purgativas, trepadeiras
medicinaes, venenosas,_ fetos, cogumellos, trevo3, legu-
mes, forragens, plantas aquaticas, hortaliças, fructos,
bulbos e raízes hortenses, condimentos e cardos, plantas e
arbustos espinhosos, sem espinhos, fructiferas, arvores
sylvestres e arvores sempre vivas.

,.


- ~ ..... u 1 o t: AS !

12

L obel , em 1570, dividio '2 19 1 plantas em grammas,


orchis, hortaliças, legumes, arvores e arbustos, pal-

R1e1ras e musgos . .•
Ecluse, en1 1576, dividio 1385 plantas en1 : plantas
raras, arvores, arbustos e subarbustos, plantas bulbosas,
de flores odoriferas, sem cheiro, de máo cheiro, vene-
nosas, narcoticas, fructos, grammas, leguminosas, cogu-
•' mellos, arvores e arbustos, fructos, siliquas, lenhos,
cascas e suecos estrangeires, aromas, plantas da India.
Caesalpinio, em í 583, que descreveu 840 plantas,
foi quem deu um certo ar botanico ao seu systema,
dividindo as plantas, pela sua duração, · em herbaceas
e lenhosas, relativas á situação da radicula no g·rão,
ao niunero de jructos e das suas cellulas; á fó1~111a das
raz{es e ausencia de flores ou de fructos.
Até aqui, ainda nenhum botanico levou vantagen1
ao systema indigena.
Mas, continuemos.
Dalechamp, em 1587, que conl1eceu 2731 plantas,
distribuio-as ~rbitrariamente da seguinte fórma : ar-
vores de florestas, arbustos de florestas, arvores de
pomares, . trigos e legumes, plantas de flores bellas,
odoríferas, pantanosas, de lugares arenosos, de lugares
sombrios, marítimas, espinhosas, bulbosas, purgativas,
.
venenosas, estrangeiras . \
Quanta vantagens levam os nossos indios sobre
Dalechamp !
P orta, em J 583, foi de todos o mais estravagante
em suas idéas, achando as plantas similhantes ás partes
animaes. Dividio-as ein classes : I ª consideradas no seu
lugar natal: aquaticas, terrestres, montanhosas, cult.i. .
13
--
vadas e dos climas frio, quente e temperado. zii Plan-
tas que têm orgãos analogos ao dos homens, que os
teem semelhantes a cabellos, a olhos, dentes, mãos,
testiculos, coraçáo, pulmão, fetos, bexigas. 3ª Plantas
similhantes ás partes dos animaes: cauda de escorpião,
1noscas, serpentes, cornos, crista, guella, lingua, aculeos,
testiculos . 4ª Plantas cujas qualidades têm relação com
os animaes, que tornan1 03 homens bcllos, fecundos e es. . .
tereis. Sª Plantas cujos habitos são analogos aos do ho-
mem :alegres, tristes, sympathicos, antipathicos,ctc., etc.

' •
Quem, com este systema, conheceria uma planta ?
Zaltt{ia1,ts'ct', em 1592, aproximando-se um pouco
do systema natural, dividio 664 plantas em 2 classes:
cogumellos, musgos, grammas-, legumes, ferulaceas,
fetos, compostas, umbeliferas, leitugas, jubarbas, aloes,
linhos, tanchagens, avelludadas, immortaes, borra-
gens, hortelãs, verbenas, hortenses, dormideiras, so . .
laneas, anemones, rainunculos, mal\ras, \rioletas, salsa..
parrilha, pepinos, palmeiras, euforbias, coniferas, oli..
veiras, roseiras, açafroeiras, carvalhos, lentiscos, tilias
e azevinhos.
GasparBa7tlzin, em 1586, em quarenta annos de tra-
balho, reunio 6000 plantas, que dividio em I 2 classes,
apresentando a synonimia dos diversos autores citados,
desde Tragus, cuja divisão é mais ou menos a de Bauhin.
Laurenberg, em 1626, di yidindo os vegetaes tam...
bem em 12 classes, assim as distinguio:
Hervas consideradas em relação ás raízes, ás flôres,
ás folhas, aos fructos, aos suecos, aos alimentos, á .p a..
tria, á grandeza, como abortos, e separou-as em a-rbustos
e arvores.


14

Em 1656, .João Bauhin dividio 5226 plantas en1


40 classes, de arvores aromaticas, bacciferas, espinhosas,
glanduligeras, pomiferas, coniferas, de vassoura, legu-
minosas, rosaceas, arbustos trepadores, plantas de
folhas dentadas, grammas, bulbosas, campanuladas,
~ervas acres, emollientes, leitosas, de flores t1n1belli-
feras, corymbiferas, verticilladas, de jardins, de janellas,
venenosas, succulentas, estrelladas, fetos, aquatitas,
marinhas e cogumelos.
Esta classificação, toda arbitraria, o foi ainda mais
feita por JolzHstoJtt, em 1661, o qual dividio as plantas
em arvores e lzervas, as pritneiras caracterisadas pelos
fructos e· as segundas pelas folhas e pela disposição
das flores, pelos bulbo3 e pelo leite.
Em 1693, Rlzude, descrevendo 790 plantas, no seu
Hortus lvfalabariºus, dividio-as ein arvores, arvores
fructiferas, bacciferas, de siliquas, arbustos, arbustos
trepadores, hervas, pon1iferas e leguminosa~.
Em 1699, Morisson, conhece11do I Soo plantas,
dividia-as em 2 secções: i ª arvores, arbustos e sub-
arbustos, e a 2 11 herbaceas, baseando-se na natureza
do fructo, no numero de grãos, nas folhas, nas pe-
talas, nas raizes, virtudes medicinaes, alimentares e
patria.
Ray, e1n 1682, descrevendo i 8õ55 vegetaes, di-
vidio-os em duas partes; hervas e arvores . As hervas
em Imperfeitas, Dicotyledoneas, 1\tlonocotyledo.n eas e
difficeis de classificar. As arvores tamben1 em dicoty-
ledoneas e monocoty ledoneas e difficeis de classificar,
comprehendendo 33 ordens grupadas pelos· fructos,
pelas petalas e pelas flores.

~· · -
,


,

f5

Mag·.;ol, em 1689, dividio tambe.m o seu systema

i em hervas e arvores, compr~hendendo 76 familias, com


caracteres tirados das raizes, dos troncos, das folhas, das
flores apetalas, monopetalas e de mais de 4 petalas, e
as arvores, pelos caracteres dos fructos.
Nlais tarde publicou um outro systema artificial,
baseando-~e no logar ein que cresce1n as plantas, a forma
do calice, da corolla, dos grãos, disposição das flores,
substancia do fructo e 11umero de pctalas.
Paulo Her1nann, en1 1690, dividio 5600 pla11tas,
• tamben1 em hervas e arvores : hervas de uma corolla
e grãos nus ; uma corolla e grão em um envolucro, e
corolla nulla. As arvores em arvores de flores de corolla
i1ulla, e uma corolla.
Até aqui vimos systemas de classificação todos ar-
bitrarios, confusos, e sem nos darem um guia mais ou
inenos facil para se chegar a uma determinação exacta.
Agora, porem, entraremos em t11na senda n1ais scien-
tifica. e proveitosa.
En1 1694, Piton To'ltr1íe_,fort aífastou-se de todos,
e estabeleceu ge11eros e especies, reconheceu o sexo das
plantas para os seus 1o1 14 typos que Q.ividio em hervàs
e arvores: 22 classes cujos caracteres são tirados: o 1 ºda
consistencia e grandeza do tronco, 2° da presença ou

ausencia da corolla, 3° da isolação de cada flor ou da
sua reunião, 4º da corolla monopetala ou polypetala e
na sua regularidade ou irr_e gularidade.
Este foi o grande passo dado para a classificação
botanica, que, parecendo facil e simples, é comtudo
ainda de muita difficuldade para se chegar á ver...
dade.
'

..

16

Boaerlzave, em 1770, ta1nbem · dividiu os vegetaes


em hervas é arvores, tirando os caracteres dos fructos,
das petalas e das folhas, do calice, do grão, do tronco,
das capsulas, da posição das flores e do ovario.

Pontedera, em 1721, dividindo tamben1 em hervas
e arvores, subdividiu-as ern i1lantas sem gomos· e gomi-
.-1
feras, seguindo mais ou menos o systema de Tournefort,
'
porem alterando-o, desnaturalisando-o e negando o sexo 1

das plantas. ~
Deixando de tratar dos systemas de Lud\vig, 1747,
de Siegbeck, 1737, de Roy m, 1740, de Haller, 1742, de
i\'l orandi, I 744, de Seguier 175.+, de ' 1achendorf, 1747,
de Heister, 1748, de Bergen, 1750 de Duhamel, 1755,
de Allioni, I 762, já todos seguindo os passos de Tour-
nefort, mas, ainda n1uitos dividindo os · seus systemas
em Hervas e Arvores, chegamos a Adanson, em
1763, que já reunio as plantas cm grupos ·naturaes
comparando· o maior nun1ero de caracteres semelhan-
tes, que estabeleceram 1G15 generos, divididos em
famílias.
Em 1778, Ber11ardo de Jussieu, fundando-se tambem
em caracteres naturaes, entretanto oppostos aos d@
Adanson, apresentou o novo systema, que seu sobrinho
Antonio de Jussieu publicou, e abriu então nova estrada
á botanica, sendo esse systema até então o melhor e que
foi adoptado sobretudo e.m França, dando lugar a que

pahi em diante as plantas fossem conhecidas por fa~
milias, generos e especies.
De Candolle inverteu a ordem de Jussieu e apre~ •

sentou novas famílias, sendo o seu methodo hoje geral..


mente adoptado.

--~-
'


i7 ,

•• Em I 738, já Linneo tinha feito ensaios para esta...


belecer as plantas em familias i1aturaes, dando as bases
para• um inethodo natural ; mas, não satisfeito com este,
delineou um methodo artificial, que tambem abandonou,
para estabelecer depois o seu celebre systema -.sexual,
adoptado por todos até certo tempo.
Assim veio a botanica caminhando, até chegar a
Lindley, Bentham e Hooker e Engler.
Por este rapido esboço historico, vê-se que, só depois
de Tournefort, o estudo das plantas se tornou serio e scien...
tifico e que, antes, quasi todos os systemas apresentados
não são melhores do que o dos indigenas do Brazil,
que participa do de Tournefort, con1 a nomenclatura
dos preceitos Linneanos.
Para isso muito concorre a sua lingua bella e fluente
que, com as mesn1as vantagens da grega e latina, ex-
prin1e, em sua n1omenclatura suave e harmonica, o
conhecimento dos vegetaes.
A boa e exacta applicação dos nomes e a sua in-
telligente con1posição, exprirpindo perfeitan1ente, como
se fora em grego ou latim, uma propriedade da planta,
dão...nos unia idea muito lisongeira da intelligencia e da
agudeza de espírito dos selvicolas .


.. ........
~,.,, ..,.----~----
·-:· _:,...


~· .'

1
'
~
r
t
1q ,.
'.
.


III

Ein um protesto de reivindicação de especies mi..


nhas que, em 1882, publiquei sob o titulo Les Pal-
miers, á pag 22, escrevi: « Les indiens sont três obser-
vateurs, et dans leur langage ils ont, pour les plantes,
une classification três juste . lls font de la botanique
-
à leur façon, mais elle sert d 'auxiliaire au botaniste.
Ils emploient, pour distinguer les plantes, des mots
tirés de la couleur, de la dureté, de la forme, de
· l'utilité, de la grandeur, etc. ; comme un botaniste,
toujours un caractere saillant les guide . »
Em outros trabalhos sempre fiz a apologia da clas-
sificação indígena, cuja nomenclatura é usada nos
termos de sua língua, sonora, expressi~a e que se presta
á formação dos nomes, com muita propriedade e
mesmo com mais euphonia do que muitos for11ecidos
pelos grego e pelo latim, a lingua classica da botanica.
Parecendo á primeira vista termos de difficil pro-
nuncia, de uma língua barbara, comtudo são tão bar~
baros como os que a sciencia emprega, tirados das
linguas classicas e mortas .
Antes de me occupar da classificação e da nomen..
clatura indigena, devo dizer alguma cousa sobre a lingua
empregada, que é a abanheeng, conhecida por tupr ou 1.

karany, daqual, diz Montoya, é« tan copiosa, y.elegante,

l
20

que con razão puede compartir con las de fama.


Tan propria en sus significados, que le podemos
aplicar lo del Gen. 2. « Omne quod vocavit Adam

animae viventis, ipsum est nomen eius». Tan propria
es, que desnuda las cosas en si, las das vestidas
de su naturaleza. Tan universal, que domi na ambos
~

n1ares, el del sur por todo el Brasil, y cinendo todo


el Perú con los dos mais. grandiosos rios que conoce
el Orbe, que son el de la Plata, cuya boca em Buenos
Ayres, e de ochenta leguas, y el lVlarafíon, a el inferior
en nada que passa bien vecino á la ciudad .dei Cusco,
..
offereciendo sus immensas aguas al mar del Norte. »
Azara, disse que « Este idioma es considerado el
1nás rico de tocfos los dialectos de America. ))
O Padre Figueira, na Arte de Granunatica da Lir"-
{:J'Ua BP·aszlica, nos diz que é « huma língua suave si, e
elegante ; mas estranha e copiosa )) .
Platzn1ann, no· Prolegonzena da Arte de g·ranunatica
do Padre Anchieta, diz-nos : « Ecco una língua di cui
l'eruditissimo Padre Vanthiennen non dubito dj affir-
mare che non era paruta inferiore ü1 n ulla aquelle
molte da lui sapute in Europa innanzi alla sua par-
tenza per l' Indie occidentali; non alla Greca e L atina,
non ell' Ebraica, le quali pur seppe assai bene. Non
fia dunque mara viglia, che que3tª língua parlisi con
piacere in tanti regni di America, e che tante Indichi
11azioni, abbandonatc quasi le loro lingl1e, preferiscano
ad essa il parlare de Guarane3Í . »
Na minha PoraHduba Anza{OHens~ occupei-me do
alphabeto indígena, da pronuncia e .da corrupt~la que
houve no Abanheeng, _origem do Guftran~ e .ao


21

chamado T.upy 111oderno ou Lingua Geral, porque do

• extremo Norte do Brazil ao extremo Sul se entendia,


servindo de élo, entre todas as tribus que a con1pre--
hendiam ou, que por ensino pelo·s mi-ssionarios, se
derramou entre nheengaibas, qt1e fallavam dialectos ,,,
diversos e variados.
O abanheenga ainda se encontra puro, fallado pelos
guaranis can1pezinos do Paraguay, e pelas tribus Tembé,
do Pará 6 do alto Rio Negro. Essa lingua, porem, '
n1odificou-se e formou tres dialectos quasi distinctos, de-
vido t5o sómente ao i11eio e á influencia do estrangeiro,
o kara, como os índios o denominavam. A conquista,
a influencia e o ensino dos hespanhóes, deu o Guarany ;
a ~os portuguezes e castelhanos o chamado Tupy, e a
dos francezes o Galiby, o mais corrupto e cruzado com
o l(araiba. E' assim que a mesma língua fallada no Pa~
raguay, 110 Brazil e na Guyana franceza se apresenta
com tres pronuncias que se tornam quasi inintelligiveis,
consequencia da prosodia estrangeira e i11fluehc.ia· do
máo emprego do som das lettras. Um siinples exemplo .
• O hespanhol que antes d'um u sempre junta um g; e diz
gu, en1 vez de açu, grande, fez gua;z..u, o portuguez assu
e o francez ouassou; de Yauar o carniceiro, veio· o ja-
guara, portuguez casteihano, e o J ª Buuar, francei.
A pronuncia hespanhola, a castelhana, a· portugueza
a allemã, a italiana e a franceza, que empregavam os
diversos missionarios quando ensinavam a língua com a
pronuncia propria a indios não tapiyis, que tinham outros
dialectos, pelo que eram conhecidos por nheengaiba·s,
isto é, que tinham liugua 11iá, fizeram con1 que esses dou-
tr:nados tomassem a pronuncia de seus mestres, com os
''

22

seus estropiamentos, e assim passou ella ás gerações


até hoje. A voz nazal ou guttural, o tempo, o isolamento,
'
o adiantamento da ci,rilisação, a escripta e a impressão,
contribuíram para que fosse pouco a pouco a lingua se
corrompendo pela pronuncia e pela orthographia de
cada nacionalidade . Só o que tem resistido de norte a
sul, sem modificação, é o significado . A parte gramma-
tical modificou~se, mas o sentido do termo perdura,
embora este ás vezes muito corrompido.
Hoje o paraguayo abrevia as palavras; diminue
as lettras finaes de algumas d'ellas, supprime até
syllabas, quando falla ligeiro ou não quer ser en-
tendido.
Não é a queda do g e do b em Tupy que alguns
dizem ser frequente, pronunciando Kaauá e taua por Ka-
agua e taba, mas sim :um vicio de pronuncia castelhana,
que ficou escripto e que por isso se affirma. O índio
nunca diz taba, nem kaaguá; escrevem assin1 unicamente
os mestres da lingua, que com a sua prosodia a adul-
teraram. O paraguayo assiID: hoje falla, porque pronuncia
á hespanhola, e é esse g e é esse b qqe muitas difficul-
dades trazem á interpretação de um termo.
Baptista Caetano diz que a posposição verbal haba,
de Montoya ( hespanhol ) descambou para aua, e cita peba,
abati, tubicltaba etc., quando todos os índios pronunciam
peua, auati, tut'chaua, etc . •
N ão descambou. E sta é a verdadeira pronuncia; o
u transformado em b ê vicio perpetuado pela pronuncia
dos missionarios castelhanos e hespanhóes. O Tembé sel-
vagem e que falla o puro abanheenga, obrigado a ex-
primir-se dificilmente, diz peba, por peua.

p

23

Pelo quadro junto vô se que a pronuncia primi-


tiva, antes da orthographia 11espanhóla era a que ainda
existe no Norte.
O paraguayo, doutrinado pelo hespanhol, pronuncia
o karani com a pronuncia e a aspiração hespanholas e·
emprega a sua orthographia. Nluda a Y em dj e diz
..... djzídjú, em vez Juju; muda o eh e e. como caicones por
cai~hones ; o g em e, tinaca por tinaga, ou em h,
como quando dizem hielo en1 vez de fJ'elo.
O tapuyo brazileiro, influenciado pelo portuguez,
adoça as palavras, addicciona ao final de algumas
dellas, em geral, a vogal a e modifica o )"', guarani,
em j, por não lhe· poder dar a verdadeira pronuncia,
ora aspirada, ora nazo-guttural, segundo o sentido etn
que a empregam, e muda ou em b. Não ha um indio que
pronuncie j ; todos, segundo o sentido em que a lettra é
empregada, a pronunciam corno i ou como eh . Dizem
Yuta;"' e não jutahy. O índio tambem não pronuncia
nem o 1n .nem o b puros, sempre 1nb, donde mbyrá,
madeira, formou-se mirá, 11iuirá, birá e 1"1biuá ( Plotus
anhinga) que se transformou em Biguá, segundo a au-
dição. Uns carregam mais no 112, outros no b. Para bem
se interpretar a lingua indígena~ é forçoso ter sido disci-
pu lo e ter ouvido o som articulado pelos proprios labios

• selvagens, porque a indicada por diversos autores só


- induz a interpretações erroneas, pronuncia falsa e
a erros de escripta, dando ensejo a etymologias que,
parece.ndo verdadeiras, são entretanto disparatadas.
Para bem conhecer a lingua, eu que a tinha estudado
com as diversas pronuncias do Pará e do Amazonas,
entre ellas a pura dos Tembés e do alto Rio Negro, fui •

. ~


--


24

con1paral-a, ouvindo no Paraguay os campezinos e o


dialecto de Assumpção, Corrientes e ~'lissões, tão diffe-
rente na pronuncia que se não entendem os naturaes. o.
A hi encontrei, agora, u1na nova e grande corrupção que
estão introduzindo os padres itali~nos do seminario de
Assumpção no ensino, con1 a sua Gramrnatica dei .
idionza 12acio11al, publicada --em I 89 T. Essa corrupção
extende-se á gràn1matica, ao sentido e en1prego das pa-
lavras e á orthographia, além da formação de tern1os
hybridos. Foi e é sempre o estrangeiro o corruptor da
lingua indígena, tão cheia de propriedade·s, de riqueza e
de vocabulos, se1npre bellos e expressivos. E' um idioma
repleto de vantagens, que bem foi de11on1i11ado Ling·ua
geral, por ser a lingua mais vulgar desde as Antilhas
até o extren10 da America do Sul, desprezado hoje,
mas sempre usado na terminologia das nossas terras,
montanhas, rios, animaes e plantas, e com tal propriedade
e exactidão que só recon1n1e11dan1 o espírito observador
e comparativo dos nossos indios. .
Como tenho dito, os termos da língua indigena
acham-se muito modificados pela pronuncia, - adul-
te rados pela orthographia, pela falta de audição por

labios indigenas e por sere1n. clle'.; perpetuados pela
voz civilisada, que não respeita o . som primitivo das
lettra5.
Para bem se achar a etymologia propria dos
termos, é necessario conhecer o verdadeiro som do
•1 alphabeto, a inflexão da voz e o objecto a que ella se
refere; do contrario, veremos traducções que, parecendo
exactas, ou 1nesmo que o sejam, não se ligam ao objecto
• determinado .

1.

t
1
25

Assin1 1na1 ulzy , nzarui, rneruz~ co1no escreven1 e


4

se pronuncia, será 11zosqui11lza, rio das 111oscas ou agua


o d e 111osca ? Qualquer de3tas interpretações é exacta ;
mas, qual a que se liga ao lugar? '
Entretanto, ouvindo-se o indio, sabe-se que elle diz
niberu in, ( n1osca pequena) quando se occupa do n1os-
quito especial deste non1e, e não dos anopheles, stegonzia,
que teem o nome de carapanã ou dos borrachudos que
se chan1am piunz. Quando o indio trata das aguas em
qu e ha n1oscas, ouve-se elle dizer nzbir u z8· ( agua )
e quando de un1 rio 1nberu1·iB·· •
Hoje escreve-se e pronun cia-se nzajo;', nza;'oy ( an-
dorinha ) quando o indio bem pronuncia mbuyui 'e os
1J.1ais civilisados 11119,.ui. Como achar a interpretação da-
q uelles termos ?
Traduzirão, talvez, por e.asa de arvores, de n:ã e yog,
quando nada ha de commum entre uma e outra

cousa.
Outro exe1n plo : suassu, çuaçu, ( o veado ) vul-

garmente assim se escreve e se pronuncia, e dá-nos a
interpretação de aninzal g·raude, caça s·ra1.;de, de çoóaçu
nome que o indio não diria, porque acin1a do veado,
elle encontra caça maior, con10 a anta. Entretanto o
que não lhe escapou foram os grandes olhos, como
que esbugalhados do veado e por isso denominam o

olho g·1aMde, ceçáuaçu que, por abreviatura, dizem
4

cauacu, cuacu e nunca coacu. Quando querem dar o


) .. ) .) >
.
lo

nome do animal em portuguez dizem : o olho g·ra11de,


porque desconhecem o termo veado.
O tupy moderno, como dizem, isto é, o do Padre
Seixas, ·de Gonçalves Dias, de Sympson , de Couto de

ll
t

26
• •

iVIagalhães, e mesmo -o do coronel Faria, que é o tupy


do caboclo civilisado, não passa do . tupy austral, do

n1issionario Frei Onofre, corrigido por Frei Francisco
dos Prazeres l\'laranhão, aproveitado por l\1artius e
Gonçalves Dias adoçado e 1nodificado pelo aportugue-

zamento. •
Esse mesmo que é o do padra; Figueira, já é um
.. adoçamento do do padre Anchieta, com outra ortho..
graphia, como deste é o guarani de l\'1onto)'ª' sem a
pi'onuncia e a orthographia castelhanas.
, A transição por que ha passado a língua, tem
sido grande na adulteração soffrida por aquelles .
.- que a não conhecem, e por estrangeiros de raças
diversas. ,_
Entretanto, de todos os que teem cscripto sobre as
. X~' .
nossas cousas, o que melhor conservou a pronuncia in-
·-·-.,.J·/ s·
digena, não empregando o castelhano e adoptando o
J

,
....
\V, na sua graphia germanica, foi Ham Staden. Assün es-
creveu U>vara e não Guar:á; o u prefixo é usual, porqu@
o indio nunca diz o substantivo ein absoluto Uará· e ' .
sim u uct.rá, com o pronome u, elle uará.
Perpetuou l\vauasupe ( i iuá-uaçu-pé ) não ·igua-

guaçupé, que foi traduzido por ua bahia srande, quando
é verd~deiramente ca111inho do pilão gra11de, forma que
tem a ilha, como nos assevera Frei Gaspar da 1\1.adre de
Deus.
Pilão tem tido em tupy diversas orthographias; iuá_,

inuá, anibuá, i1.iduá. Bacia, enseada, angra, bahia é yuaá •
J
ou, com a graphia castelhana, iguaá e portugueza abaá
~se Ham Staden ouvisse esta pronuncia não escre\reria
luá, que é pronuncia certa nazalisada lnuá.


••


'

.. i
..

• tt
_....,
• w
V' .


i
·~
r
27

Diz tambem Jau>vare e não jaguar. O indio diz •

• yauara, de y a-u-uara, comedor, o que nos come, a onça,


o tigre.
E sta pronuncia foi sempre a usada e ainda hoje
110 alto rio Negro entFe os Tembés, no valle do Ama- ..
zo11as, onde os indios n ão teem outra li'nguagem. Fallan1
o tupy antigo e estão ainda em estado _sen1i-selvagem .
Foi em Marabitanas em i 842, que o Coronel Faria
autor do « Compendio da Li·ngua Brai_ilica » e profes-
sor da m esma lingua no Seminario do P ará, praticou e
..
conviveu com os indios por largos annos, não fallando
senão a linguagem delles . Como Ham Staden, escreve
e ensina /auára, Paraná, Carauá, Copi'xaua, Marayó
e /ucá e não Jaguara, Paraguá, Caraguá, Copix aba, •

Marajá, Jucá. •
E' Anchieta tambem quem nos diz, referindo-se á

pronuncia, apezar de corromper a mesma com a sua .. ..
graphia propria :
• •
« E ne1n. com isso o ha de faber pronunciar de •

qualquer m odo que fe esc1~eua fe não foi ouuindo o .
• .
vzua voce . »
. "'

Pronunciar o u com o som de v elle o tinl1a por


falso, e por isso escrevia com u antecipado por um g. '

•• E' elle quem nos. diz :


«V. consoante fe acha conforme a cõmum & melhor
pronunciação /aluo nos que mudam o b em v como os
gallegos, vt pro abâ, dizendo auâ.» E ntretanto a verda-

deira pronuncia é com u e não b ou v.
Alongar-n1e-ei ·n 'estes p orn1enores para mostrar a
, adulteração da lingua e a difficuldade de se achar o sen- ..

tido dos termos em gabinetes, e nos livros, sem ter, por
.
..



' ...

• •




..
.. ..., ..


28

assim dizer, o trabalho pratico do campo. E' theoria que


conduz a erros na pratica ..
Uma outra adulteração proveio das tribus nheen-
gaibas, já com pronuncia nazal, já guttural, as quaes,
fallando o abanheenga, o fazem nazal ou gutturalme11te,
modificàndo assim o som e oente11din1ento do voca-
bulo ou da phrase. Ainda outra adulte ração, propria
do castelhano ou do portuguez, foi introduzida no gua-
rani, a mudança do b para p e vice-versa .
O portuguez, que diz bz"?,z'ho, escrev e vi,,;,ho e, quando
faltava o guarani, da mesma forn1a trocava as lcttras;
d 'ahi vem encontrarem-se palavras, ora escríptas com
b, ora con1 v, quando é u, assim, ora escreven1 avá,
( home1n ), ora abá, quando a antiga e verdadeira pro..
. , ,
nunc1a e aua.
O exacto nome da lingua fallada no Brazil,
segundo os proprios indios, é Aba11hee1ttgu ou Nhee1,zgutu,
que teve depois a denominação de Tupy ou Guarani,
tirados dos que a fallavam no Norte ou no Sul. As
línguas extrangeiras, dos conquistadores, eram por elles
denominadas Karainheenga,, ou falla do estrangeiro,
como aos dialectos dos naturaes inimigos denominavam
Nlzeenga.iba ou falla má.


'

IV

Se be1n que eu 1ne affaste un1 pouco do assun1pto,


devo aqui fazer algumas observações sobre a palavra
T upy ou Tupz", dada commummente aos indios e á lingua
que clles fallavam. Esse nome foi empregado pelos -his-
toriadores para separarem as hordas que se ti nhan1 re-
fugiado no Sul do Brazil e no P rata, das que ficaram
no Norte.
Antes da descoberta do Brazil, uma grande nação
cujo non1e é desconhecido, dividida em tribus, com
9iversos nomes, se extendia pelo littoral, fallando
a mesma língua ; entretanto, por n1otivos que a his-
toria não refere, "-Se separou. Un1as tribus ficaran1 e
'f outras se retiraran1 inimizadas para o Sul. Essas
tribus dava1n aos ~strangeiros, brancos ou não, o non1e
de Karaiuá ou Karaiba ( Ho1nens estranhos ) . Com
a separação, as hordas que scguiran1 para o Sul, vencidas
e foragidas, foram alcunhadas pelas que ficaram de
J{aralíi, isto é, os covardes, os poltróes. Por sua vez,
as hordas do Sul -alcunharam os que as tinham ex-
pulsado e que se maqtiveram no Norte e no interior,
de Tapyzji, a gentalha, os réles, os canalhas.
Com a continuação do te1npo, os historiadores
baseados na pronuncia dos conquistadores, pela diffi-
culdade d:t prgsod~ nazo-guttural de eyi· ( n1ultidão,


'



- :tiil

30

plebe, gentall1a, ) ligada ao y de Tapy, tornando mais


difficil o modo de exprimir, transformaram Taoyifi em
Tapy . •
Concorrendo nesse termo quatro vogaes, sendo duas
nazo-gutturaes, dando todas quasi o som de i, foram
ellas unidas e transformaram o taf)"tji' en1 tapy.
Expliquemos : o primeiro y tem o som de u francez;
o i primeiro sôa como i propriamente, o segundo y
como il ou y grego e o segundo i, como i simples.
Estes quatro sons, reunidos, só a voz indígena os
póde pronunciar, tal a sua difficuldade. De .tapy , que
alguns escriptores perpetuaram, para tupy, foi facil a
mudanca.
'
O que é exacto é que Karani e Tapj9;i são dous
termos injuriosos, com que se minioseavam as hordas
separadas, e que depois tiveram interpretação, para o
primeiro de guerreiros, e para os segundas de inimigo,
barbara, co1 itrario, etc.
1

Os colonos do Norte, chegandõ ás plagas brasi-


leiras, ouvindo deno111inar ás hordas do Sul de Tap)riyi
• assim como as do Sul designavam as do Norte de
•'
l{arini, tomaram esses epithetos co1no denominativos
de duas nações e assün esses se perpett1aram, passando
tap}riyi a ser, tambem, applicado ás 11ordas do interior
pelos civilisado_s, com o significado d e inimigo, selvagem,
barbaro. ·
A traducção que geralmente se dá .ao ter1no Ka--
rani, transformado ein Guara11.i é a de guerreiro, como

já vimos ; mas, creio que, por haver o substantivo e o
\'erbo Guaryny de Montoya, guarani, do Padre Res-
tivo, com a significação de guerra e guerrear, Baptista

....
-· 31

• Caetano, escrevendo Guarani e guaryny, o deriva de


quar-i-111,i·, á bater estar. Quando mesmo desse nome
viesse o da nação, elle tambem diz: elle não bate, 11ão
• é guerrei1~0, quar-i-ni ou Y')' do pronome pessoal y
elle e nd, negativa, el/e não ou o 1ião.
Do Karani já vimos a interpretação. Agora darei a
de Tupy, que já foi dada por Martius, como sendo ori-
ginado. de .un1 l~gar, que Porto Seguro e Gonçalves
Dias traduziram por «OS de primeira origem» T'ypi, e
outros· por « chefe >) .
Isso, pore111 11ão é mais do que uma palavra cor..
rompida pela pronuncia e en1pregada hoje n'um sén~ido
que não foi o primitivo. Sabemos que, entre nós, quando
se diz Tapuya é o mes1no que dizer: indio bravo,
selvagem, 1norador e1n choças, dando assiin a indios
briosos e valentes o epitheto de covardes, de fracos,
pusilanimes e canalha, porque assim eram, por menos-
cabo, tratados todos que não seguiram a miracema para
o Sul. Tupy abreviatura de Tapyiyi, vem de tab ou
tap-y, choupana pequena, zji, multidão, gente, a gentalha
das choupa1ttas, os cabauos, como foram denominados
tambem os revoltosos do Pará, em 1835, gentalha
sahida das choupanas, todos elles conhecidos por tapyzji .

• ou tapuyas.
A pronuncia do tern10 ij1: é tão difficil que se en-
contra assiin escripto: eüa, êêia ey1:, uuy, pe_lo qt1e
escrevem tambem Tapuya ( Cardim ), Tapyyia ( P.
Figueira), Tapyyi ( l\'1ontoya ), tapüa ( Anchieta ),
tapU)'ª ( Jaboatam) tapuhias ( Frei Vicente), que
ainda os modernos como o Padre Seixas e C-outo de
Magalhães, escrev-em Tapyija, .como são denominados
r


,

32

até hoje, no valle do Amazonas, todos os caboclos,


mesmo civilisados.
Para comprovar que Tupy nunca foi nome de uma

nação, basta dizer que o Padre Nobrega, Thevet, Lery,
Fernão Cardi111, Padre Anchieta, Schmidel, Acufia,
-Ivo d'Evreux, Abbeville, Frei Vicente do Salvador e
outros historiadores da nos:i>a maior antiguidade, só nos
fallan1 e1n Tupinambás.
Gabriel Soares, em 1587, diz que « os primeiros
povoadores que viveran1 neste continente, segundo ü1-
formações mais antigas que por tradição se conservam
na memoria dos indios, foram os TapUJ"as» .
Confir1na ainda dizendo : « toda a n1ais costa se-
nhorearan1 nos ten1pos atraz, d'olide por c3paço de
ten1po foram lançados de seus contrarios, por se elles
dividircn1 e immigraren1 uns con1 outros, por onde se
11ão favoreceran1, e os contraries tiveram forças para
-pouco a pouco os ircn1 lançando da ribeira do n1ar de
que elles eram possuidores.»
Pelo que se collige de Gabriel Soares, vê-se que,
quando Alvares Cabral aportou á Bahia, já a separação
da grandç nação 11avia sido feita ha 111LÚtos annos,
tanto que elle não encontrou sen~o os Tupy1 :a11zbás.
1

Nlarcgraf, em 1658, tambem diz que << Incolarum


naturaliun1 hujus terrae sunt quatuor nationes, suis no-
.minibus distinct~e: nimirum Tupinambu, Tabajat:a,

Potiguara et Tapuzja ». '
Jaboatam, em 1761, só nos falla dos Tapuyas, Tu_
pinambás e outros, e não dos Tupys ..
1Vlonterroyo lVIascarenhas, em 17 1 6, que escre\;eu
os Orz{es Conquistados,, .baseado nas informações dos

' •
. .

33

missionarios, affirma que « foram os tapuyas os primi-


'
• tivos habitantes deste grande Paiz », m·a s não nos falla
em 1~upys .
Só os modernos historiadores : ~'1artius, G . Dias,
"
Varnhagen e outros dão os Tupys como nação que
teve esse nome proprio, quando Azara, em 1740, nos
diz que os Guaranis : « Llaman Tupys y tambien Ca-
ribes os comedores de carne humana. »
Ambroseti affirma que:
« La palabra Tupy , diesde tiempo immemorial,
parece haber sido applicada por. los Guaranis a todas las
tribus inimigas.»
O se affirmar, pois, que os Tapuyas são só as tribus \
do centro do Brasil, deve-se isso ao padre Simão
de Vasconcellos, que dividio os indios em rnaNsos e
bravos, sendo aquelles os Tupynambás e outros.
E' o mesmo quem nos assegura que o nome de
tapuya ve1n de suas aldeias, porque « faziam barracas
toscas e pequenas, chamadas como elles de tapuyas »;
que era « a gente maís vagabunda entre todos» , e que
não tinha na sua lingua, denominada, por elle, brasi-
lica, as lettras F. L. e R. ...
Ainda mais. Aquelles que se occuparam da Jingua
isso o confirma1n : o Padre Anchieta ( 1 595 ) denomina
1
• sua grammatica a da Lingua rnais usada e não dos Tu-
pys; o P. F igueira, E. França, Coronel Faria, de Lingua
Brasilica; Guimarães, Prazeres ~1:aranhão e P adre Seixas,
Lingua geral ; Coronel Accioli · Lz'lig·ua Tupina1nbd ; •

Baptista Caetano, Aba1,zheenga ; Couto de ~1agalhães,


Nhee1tgatu. Somente 1\'lartius e G. Dias dão o nome de •
Tupy.
8277 3


:s

,.

34

Baptista Caetano, nos E11-saios de Sciencia, assevera


que: «por si só, sem suffixo algum, não é nem pode ser
nome de povo. » º

Pelo que expuz, .não se pode separar 03 l{aranis dos


Tupys, porque elles formavam e forman1 uma só
nação co1n t1ma só lingua, dividida em duas frac..
ções, que ainda têm hordas conhecidas por nomes
.
espec1aes.
:Na separação, as tribu~ qt1e se affastaran1, levaram
os nome3 que tinham, mas, como se hostilisavan1
de parte a parte, perderam para elles o nome generico,
e ton1aram os epithetos que urna á outra lançava1n:
Karalíi e Tupy zj,.a, adulterados en1 GuaraNis e T:ztpy s.
Naturalmente, un1a dissenção q ualquer motivou
luta en1 que fan1ilias se separaran1 e se n1e3claran1.
adhcrindo a u1n ou outro partido, como ainda hoje aco11-
tece. 1 As tribus que ficara1n participavam, pois, dos dous
ramos, e, da luta, os destroços dos vencedores se uniram,
reforçaram-se e tomaram outro non1e, para se distin-
guiren1 dos que haviam fugido, como mais fracos e, con·
sequentemente, vencidos. •
D'ahi o nome Tupyna1!1bá.
Este te.rmo foi interpretado por Porto Seguro va..
rão illustre, d~ Tupi· e abá; Theodoro Sampaio por
« descende1ite dos tupis » ( tupy-nã-mbá ) ; Baptista Cae-
tano, crê ser a gente adlzere1.ite aos chefes dos pais ( tub.. •
yba-n~-n1by~ ) .

t Os .ll1 :undurucus, pela riv:llidade entre uous i r mãos, dividiram-s e, ficando a


n1 Ç:to coin dous chefes, que se sepa1·:ir1m , form:-.ndo dnas tribus, uma a dos ].-1un-
durucus e outra a dos Pa.rintintins. Aq uclles fo ra m denomiitados por ·estes de Pai-
• 1ticé, "s facas pendentts, -que tr~duzem por Cor ta cn!Jacas, pelo cos tume de cortarem
:i.s cabeças dos inimigos.
'

Porto Seguro nos dizia o seguinte :

• <e Se no l\i1aranhão, corno 110 Pará, 11a Bahia, con10 110

Rio, houvessen1 perguntado a um indio . de que nação


era, elle responder-vos-ia logo : Tup_,r1zarnbá. ))
\ Tê-se, pois, que se i1âo consideravan1. já Tf!tpys,
Respondiam bem dando assim a sua origem. Infor-
111a\ra1n logo : Sou dos restos dos das choças mescladas
ou o destro;o da niescla das caba:zas (Tapy-nã-1nbac ).
Os 1z1py12aés ( Tupynaés) e os Tup)"Nikis (rfupi-
nü1quim ) eram tribus anzigas dos tup),.S ( Tupy-aê ) ou
que não eran1 de seu lado ( T upy-ni-iki ), e a historia
isso nos confir111a.
Poderei estar em erro, mas, assim o interpreto .
Devo terminar este capitulo, transcrevendo alguns
topicos do meu J.'tfUJ-'ra'<)-'fan, para be111 explicai-os e não
parecer que estou ern contradicção comn1igo mesn10:
Disse ahi : cc Os l\:'arin}rs ten1ian1 os l{araybas,
porém ambos se orgulhavam de possuir u1n appellido
que os fazia conhecidos. 5>'
Ainda disse mais : e< Os l{araybas e Tupys 111utua--
1nente se distinguiarn e generican1ente se appellidava1n. »
Quiz n1ostrar que os l{aranys conhecian1 o valor
dos estrangeiros indígenas que os expulsaram para o
Sul, mas, que reprovavam o procedimento de seus

• parentes Tupys (tapyiyi), que a elles se alliaran1, pelo


que ll1es davam esse epitheto ultrajante .
Ao findar esta pagina, devo declarar que a nação
que cobria todo o littoral do Brazil e que fallava
u1na e a mesn1a lingua, nunca teve o no1ne de Tupy,
nem póde ser considerada raça differentc. Destroçada
e extenuada pelas lutas, cada grupo ou horda tomou

,
.. -
36

um nome para distincção, como, sempre que "e d_ivide


uma horda: a que se retira empluma as suas flechas
differenten1ente, afin1 de .n.ão ser confundida com as
dos parentes inimigos que abandonaram, voluntaria ou
involuntariamente.


Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai


www.etnolinguistica.org


..

-
••

..

V


· E' para ad1nirar como a lingua desse povo sem
litteratura, a não serem as Gratnmaticas, os Cathecismos e
os Vocabularios, tenha perdurado por mais de 400 annos,
apezar dos embates da civilisação, e dos embaraços por
esta oppostos á sua divulgação e a sua perpetuidade,
dando..se mais o facto de ter ella muito influido na nossa
maneira de fallar e introduzido termos e voca~ulos, nas
línguas conquistadoras, os quaes são repetidos, respeitados
e perpetuados. Apezar de ser un1a lingua de barbaros do...
minados e escravisados, de ser a lingua de um povo ven-
cido e que tende a desapparecer, a sua influencia é tal
que, como o homem, não se deixou dominar e, pelo con...
• •
trar10, se tem imposto.
Prohibida por lei de 7 de junho de 1755, decre-
tada por D. José, depois de se não fallar por mais de
seculo e meio senão · ella, ainda assim perdurou até
hoje.
No Paraguay é a lingua corrente, apezar da con..
· quista hespanhola, e, embora tenha sido tambem de..
cretada officialn1ente a sua e}..tincção, ella perdura e ·
é ainda a lingua nacional, sem o caracter official. O
natural mesmo descendente de extrangeiros a adopta e
na intimidade diariamente a emprega.
Foi a língua mais fallada na America, a que occupou
maiot área e que, apezar de todos os. entraves que tem

···-•::;; . ,:
a 4 z (#, J L 5;µ lll:J ' e. _,,(. " CWI 1 ; w:: ::::::»4 a §! 3 ~

38
t
,1l tido e dos destroços que soffreu, perdi1ra e perdurará
emquanto a nossa natureza existir, porque ao·s seus pro-
ductos essa língua está vinculada. l\iuitos estropiados,,
alguns adulterados, quasi todos os seus ter111os per-
petuam assin1 ines1no o no1ne dos nossos rios, dos
nossos lagos, das nossas montanhas, dos nossos animaes,
1
1
das nossas plantas e de localidades, alé1n dos nomes
de familia, de objectos vulgares e de diversos usos.
Se é pouco fallada, está ainda enraizada numa ·grande
popu lação do norte do paiz. A marcha crescente
da civilização, depois de quatro seculos, ainda não
conseguio extinguil-a, cotno tem extinguido tribus que a
fallavam .. Con10 língua aglutinativa que é, facilmente
for1na de raizcs, palav ras co1npostas, que muito ben1
exprin1en1 o pensame11to, dando com propriedade e
cxactidão o significado dc3ejado, prestando-se assim a
con1posição de phrazes que prin1an1, algu111as, pela sua
cuphonia, elegancia, suavidade e doçllra .
Na formação de un1 termo, para exprimir uma
idéa, entram nelle vocabulos que, unidos produzem uma
palavra differente, cúja etymologia se d e-scobre ; assin1
para exprin1ir um rio grande dize111 parând, que não
é 111ais do que pará, 111ar e anã parente . Que melhor
palav ra, n.,outra 'língua ·indicaria a affinidade · que ha
entre u111 e outro termo, dando a idéa de grandeza?
Outro exemplo nos dá o Mbuyboty ybánii.
1vfbuyboty é nome generico dos Solidagos, tirado da
inflorescencia em espigas e Jíbánii é o especifico .
O termo generico etymologicamente assitn se· di-
\'ide : mbuy, varinha, espiga, i·boty flôr, e o especifico
_yubá, an1arello de ouro, e 1ni por mirini pequeno,

.'
<

'

significando espiga de .flo1~es pequenas cór de ouro, ·


Para esta phraze portugueza, u1na só pala·vra e111 gua-
rany ! Neste termo, antes diagnose, se vê caracterisada
a disposição das flores no genero e o tamanho e a
côr 11a e spec.ie, como se fôra un1a diagnose botanica.
Jacquin, 11as suas PlaJi: tarum Americanarum Species,
tambem diag11osticou e denominou u1n S olidago, assin1 :
« S olidaffº j vliis ovatis serratis »,dando-nos só a forn1a
das folhas .
E' diagnose de un1 botanico celebre de 1755 ,
1nas que não leva vantagen1 ao anony1no indígena .
Comparen1os e3ta classificação indígena con1 a de
homens de scicncia e autores. O 111buyboty yubá 1122
é o Solidagn 111icrogiossa D C. O ge,nero Solidag'O,
antes de Linnco o ter estabelecido, era conhecido por
Vir~g'1 aurea, denominação de Tournefort. Esse nome
não é quasi o mesn10 daquelle dado pelo índio ? Fl.or
de espiga, do índio, de flores peq~tenas e cór de ouro,
não detern1ina . n1elhor a planta?
Que coincidencia a de ,..f ournefort dar o 11on1e de
espz'ga de ouro á planta a que o índio deu tambem o
n1esmo nome! Por ahi se vê que o caracter1st1co que
0 hon1e1n da sciencia encontrou foi o 1nesn10 que

in1pressionou o sel vage1n .


• O genero Solidago, creado por Linneo, substi...
tuio o Virga aurea, que nos diz o que significa : « so-
lida11do vulnera » o que cica.h·i{a · .fe1·idas. Esta pro-
priedade da plantJ não· escapou tan1bem a0 indio,
porque elle co1n o sueco das flores desta especie cura
tan1bem as suas feridas, donde veio o applicar-se o
nome vulgar, que hoje ten1 , de Ar,,;i·ca . Sendq planta

..
}.
' 40

americana, é natural que a informação indigena origi-
nasse o nome dado pelo celebre botanico.
O nome especifico de De Candolle -11iicrogl.ossa,
lingua pequena, referindo-se aos pappus e que o indio
diria apecumi, apresenta um caracter difficil de ser.achado
pelo vulgo e que só com o auxilio de uma lente se
distingue; entretanto o de yubá1ni, côr de ouro, pe-
quenas ( referindo-se ás flores ), melhor exprime, apezar
de ser vulgar essa côr nq genero.
~'las si a côr é vulgar, o genero no3 diz que é
uma especie de flores em espigas.
Entre «o que cicatriza feridas, de lingua pequena »
e a espiga de flores pequenas e côr de ouro, parece-
n1e que esta leva o amador, com mais facilidade, a
encontrar a especie.
Con10 este exemplo poderia citar muitos em favor ·
da classificação e nomenclatura dos selvagens que sem
terem lido a Ph11osophia botanica de Linneo, são por
natureza philosophos.
Ainda, para mostrar a sua grande perspicacia e e
propriedade na escolha dos termos, occupar-me-hei do
Pacob que os portuguezes fizeram pacova e pacoba,
genero em que estão incluídas as 1\fusas ou bana-
.
ne1ras.
O nome Pacoba deriva-se de paã, estar expri-
n1ido entre ou no n1eio, co, verbo estar, e ob folha,
significando o que está com as folhas entre si expri-
midas; e na realidade, 111elhor nome não podian1 dar,
referindo-se ao pseudo tronco, porque e.ste é, com effeito,
formado das vaginas das folhas sobrepostas e exprin1idas
entre si.

' \
•.


41

A observação de que o falso caule das bana-


neiras é composto de folhas comprimidas, é tão ver-
dadeira que· são da mésma opinião os botanicos
scientistas. Entretanto, creio qu~ um civilisado, mesmo
instruído, não seria capaz de explicar a formação do
caule de un1a bananeira, como o barbaro o denominou.
' Dizem os Padr~s do Sen1inario de A3sun1pção, no
Prologo da Gra1nmatica do idionia GuaraNi, tratando
da belleza da língua : «Las plantas sacan su nombre de
la forma que affectan o de la virtud que las caracteriza;
assi que basta saber su non1bre para saber tambien
'
el uso que de eilas se puede hacer. »

'

J
'
i

'

l
j

\
-i
.
.~
.

' . ...
'

'

,

43
' -,

.. •
-
~ ... .

VI
e

Para boa comprehensao da linguagem botanica,


existe un1a serie•
de termos, uns de emprego collectivo,
outros individuaes; essa reunião for1na a glossologia
v egetal. São em geral adjectivos que tee1n uma signi-
ficação, muitas vezes fóra do comrrium e empregados
e1n casos particulare3. Esses tern1os são 11oje 11umero-
.,., ... ,., .
s1ss1mos, mas aqui nao apresentarei s1nao os ni8.1s
communs, como . exemplos, porque a maioria delles são

especiaes e relativos á physiologia e á anato111ia vegetal,


pelo que não tem razão de ser o seu apparecin1ento aqui.
Tendo já dado as notas da organisação taxonomica
indígena, para o conhecin1ento das plantas, entrarei na
parte glossologica . ,
f\'1uitos são ta1nbem os adjecti vos empregados pelos
indios para cq.racteristico de suas e3pecies e entre elles
apresento os p rinc_ipaes, comparando-os aos gregos e
latinos, empregados nas descripções e na nomenclatura •
scientifica, para bem se apreciarem a suavidade da lín-
gua e o seu bo111 en1preg·o . ' ·

PELA FORMA
'
Akai, pontudo; oÇoç; cuspidatus.
Apua:·z, redo ndo; -rpo'/ocÃÓç; rotundus.
Akapoku, de ponta comprida; mucronatus. ·

f
44
..
Poku, comprido; µcixpoç; longus.
Atuka, curto; ~poc)'uç; brevis.
Ty pipy r, largo; '1tÀ<Xtuç; latus.
Poy, fino; ÀE'7t-roç ; ten uis.
Puy, estreito; ç-tevoç, angustus.
Pen, esquinado; ywve<UÔ't)~; angulosus.
Pe1(a, chato; ofL<XÀoç; planus.

P ELA COR

Tingà,, branco; ÀevxoÇ ; albus.


Pzx uua, hu, preto; p.eÀciç; nigrus, ater. ,.
Tuira, pardo; Àciwç; brunneus.
Kuatiar, manchado; pu7tcxpoç; n1aculatus.
Yub, amarello; Çciv6oç; luteus .
Pinima, mosqueado; punctatus.
Hoby, verde, azul; xv<Xvoç, viridis, azureus, cyaneus.
Uui, violaceo; tcivaov ; violaceus. ·
Pirang, sanguineo, vermelho; epu6poç, rubens.
Hu1natan, pardo escuro; xci7tvoç, fuliginosus. •
PELA CONSISTENCIA E CONT E XTURA -~

Abiyu, felpudo; aplÇ; lanosus, cotonosus.


A cui, secco; ~xyp.oç; siccus, exsuccus.
Cinta, liso; Àetoç ; laevis.
Antan, duro ; axÀ11oç; durus.
Pichay, crespo; oÔÃoi;; crispus.
Aky, tenro, novo, verde ; l7tE7toca-p.oç ; sematurus.
Apiú, molle ; ·fLot}ocxoç mollis.
Çooaua, carno30; 1toÀÓar.ipxoç; carnosus.
Çambay, aspero; ?tpci"J.oi;; scaber,
..
...
~ ~~~
...
,.•'

r
~
~

"'

45

Chzchy, lustroso; }ocµ'TCpoç; nitidus.


Me1nbeka, molle; z.i.cxÀaxoç ; mollis.
Nhzuna, pegajoso; l'w~·11ç; glutinosus.
Ruru, mucilaginoso; fJ.uÇ6.J,'1Jç; mucilaginosus .
PELO GOSTO
..

J:>ochy, máo, venenoso; ToÇcxov; toxicus.


Heen, doce; yÀuxúç; dulcis. '
Ai, azedo; &xc~; acidus .
Ob, amargo; 'lttxpoç; amarus.
Taia, arde, quein1a; <f>ÀEyw; urens.
PELO TAMANl-10

Açú, grande; p.ocxpoç; n1agnus.


Miri;11, mi: pequeno; 1icxpoç; parvus, minim us.
Y. pequenino, pusilus .
...
-
PELA DIRECÇAO

Poa1na, erecto.; &vu:pw~o(ç; erectus.


Pony, rasteiro; $p7tE•oç ;repens. .
Apara, torto; ôcsçpap.!J.svoç; tortuosus.
PELO CHEIRO

Nã, cheiroso; óa!J-~; fragrans.


Çakuã, aron1atico ; apwp.'X; aromaticus.
J{ating, cheiro forte, nauseante; ôu~w~11ç; graveolens.
Pochy, máo; ôuawô11ç, virosus.

r PELA PROPRIEDADE

Kyr, que dorme; vua't'a~(I}; dormiens.'


Icikaua, resinosa; P'1J't'1rwõriç; resinosus.
E n1uitos outros, con10 adiante veremos.


46 .

P ara formação ·de un1 collectivo emprega1n o suf-


fixo 'lJ"Ua, 'lJ"ba, ad uJterado e111 ti'ba, tuba e teua, que ex-
prime agglomeração, a bundancia, pelo qu.e, em geral
se occupando de vegetaes, . addicionam esta particula
ao genero p~incipal da pla11ta, indicando a reunião ·de
muitos individuos, e córrespondc ao portuguez ale dahi:
• •
'
~ilukayátyba =~'lucajasal.
Uaranátvba = Guaranasal.
~ ~

Umirytyba= Umirysal.
Araçáty ba = Araçasal, ou Goiabal .

A proposito deste nome portuguez derivado de B·ua-


yaba, 15vaiaba ou gYJiaba, ( Psidium pomiferu111 ) de-
vemos explical-o. O ter1no BUiaba está muito corrom-
pido, e 11ão exprin1e propriamente o fructo, que ten1 •
o nome de Araçá a,çú, 1nas siin a sua qualidàde, que
é de Udayaua ou Uaayaba, isto é: un1 ar[\çá que te111
o fructo ( uá) coin as sep1entes ( ayi) aggl~meradas
( aua ou aba ). Aba ( a11ortuguezamento ) é um suffixo
que indica o modo ou acção. O g·üá ou goá é vicio
de pronuncia castelhana e do guarany, educado pelo
hespanhol .
Entretanto, o que exprin1ia outr'ora a qualidade do
~ructo ( g·uayaba ) passou a ser hoje o nome do mesmo,
principalmente na gartc tropical do Brazil.
. .No norte e
no Paraguay ainda é Araçá açú ou g·ua7tzí, segundo a
pronuncia portugueza ou hespanh0la.
Sobre o . ~ubstantivo á, que serve de genero, ud;
e ~yud ot1 . .rb~, temos a ~izer_ que~ ou ud significa pro-
priament~ fructo, . ~m geral.?. e que yuá ou ybá devido


·•

• "

"
47

• •

este á pronuncia castelhana, expri1ne ·sómente a fructa


das arvores, de yb, o fuste, o erecto, o tronco, a ar-
yore, e uá o fructo, como, ybirá, que deg~nerou em
ymirá, nibyrá, ibirá, muirá, my.rá, mará, e até em
guirá, 1 se deriva, tambem, de ),,.b e byr, que se eleva,
que cresce, com o suffixo á.
• E' nõtavel que ~ etyn1ologia de ybirá seja iden-
tica á qLÍe originou o termo arbor, arvore, ·arbre, tree,
de11d1~ou, pelo sanscripto dru, dru1na e vrikhsha, signi-
ficando tambem o que cresce, o que se eleva.
A este termo dãG tambem no Paraguay outra in-
terpretação, aliás erronea. Fazen1 derivar de yby,
• terra, e á, fructo, o fructo da terra, do sólo. .
Não se deve confundir yba comybá, porque o pri-
meiro significa arvore e o segu11do fruct;o. O a do pri-
meiro é um suffixo da indole portugueza de addicionar
esta vogal ás palavras abanheengas, como já dis:;e, que a
não têm, isto con1 o fim dé aportuguezal-as. D'ahi nas-
ceu u1na das corruptella~ que separa o tupy do guarani.
Dividem os indigenas as plantas, como virnos, em
ybyrá, ou mbyrá, arvores, kaá, hervas ou arbustos e
ycipó ou cipo, trepadeiras.
Todos os elen1entos de tuna planta e seus productos,

ou que com clla tem relação, apresentam nomes
distinctos, como :
Çaj;ó_, raiz. lboty kJdan, botão.
Yuti/f, batata. lbot1', flor.
Uj;i_, tro nco. lboty11zan.J ramalhete .
T1tan, aj;Jtfer a ( Tuan; talo, .4>-, uá, iuá.J ; 1bá, f ructo.
aj;y ter a, do 111eio ), cerne. Kaaj;e11iba , ( 2 ) •
Takan,f!, galho, ramo. Kibakti, ( ~). . Spatha.
/(ir_, grelo.
Ob.J folha.
f(roatá ( ~ ). . 1
t Guirá, pronuncia h espanhola de 11irá, passar~ .
2 K aa, folha, pemba, trançada..
3 Kaa, folha, 6ag-, enrolada.
i,. Kaa, folha, oá que nasce, anta, dura. •

• •

..

• •


48

Cerib, spadice, cacho. Ypé.1 casca de páo.


. .
Ayin.1 semente. Uáypé,· casca· de fructa.
Takuar, colmo. 17 cyka, resina, leite.
Yu, espinho. Yc)l/eantan (ycika e antán, du-
A'tia, pello • ra), breu.
Çumauama., paina. Y andy, oleo, azeite.
AmandJ1ú, algodão. P ó, fibra.

• No emprego das plantas utiliza1n-se das florestas


virgens, kaà eté ; das mattas, kaá; dos campos, ~ihum e
das mattas de nova appariÇão, 1-caapoer, para fazerem
roças, kó, onde fazen1 plantações, Korupaua.
Derrubada a matta esgalham as arvores, reunem e
empilham a galhada, koyuár ( coivara ), ou fazem ro- ..
çados, kopi, em que, entre outras plantas, cultivam .o
milho, auatz: ( abati ) que depois de colhido deixa a ti-
kuera, ( milho que foi ) ou a palhada.
Nesse trabalho, depois que os naturaes abandonaram
a pedra, itá, de que faziam seus instrumentos, empregam
. hoje o machado de ferro,yi, o facão, k,icé uaçu, a e~­
• xada, cyr; a cavadeira, tayr, e mesmo a alavanca, ita-
pocu, auxiliados pelo fogo, tatá, do q.ual se aproveitam
para carvão, tátápyi; depois de separada para casa, oc, a
lenha, yepeá, e os gravetos, çakay . •
Mbyrá, ou myrá por abreviatura, como genero, que
corresponde ao i lvôpov dos gregos, é empregado para
dar alguma qualidade que tenha a madeira e corres-
ponde ao portuguez Páo, como: !vfyrá tatá, páo de fo·go,
ou tambem cor de fogo, myrá pirangu, P áo vermelho,
my·rá kuatiar, P áo pintado, nzyrá heen, Páo doce, ou
que tem a casca doce.
Quando a: um substantivo acrescentam y b ou yba, é
tão somente para exprimirem uma idéa de referencia;
assim Yakà1~é yba, arvore dos jacarés, Ciriyba, arvore dos

..




..

,
siris, TatáJ,.ba, arvore de fogo, Cupyyba, e.rvore de
cupins, Ararayba, arvore das araras, etc., etc.
Os ter1nos con1postos de dous simples ligam-se, for-
mando uma só idéa e os que terminam em yba, em geral, '

em portuguez correspondem ao eit~a ou eiro, como
Araçd_,r ba, Araçazeiro, En1bi1yba, Embiribeira, Maça-
randyba, niassarandubeira, Copayba, copahybeira, etc.
Entretanto, con1Ínummente, esta terminação eira hybri-
da-se aos termos indígenas en1 portuguez dQnde vem,
de Pitang'tl, pitangueira, Vabiroba, Gabirobeira, Goyaba,
goiabeira,Marupd, marupazeiro,Embiryba, Embiribeira, ·
etc., etc. como o inglez diz Pear tree e o portuguez
Pereira.
Kaá que corresponde ao cpÜTov e cp~ÀÀov dos gregos, ··
significando planta, arbusto, he.r va e folha, e quando é
tomado como genero, sempre se addiciona . a u1n adje-
ctivo que o qualifica, como adiante veren1os.
Vá, yuá ou ybá, o fructo, o xC"Xp'1toç grego, é to-
• mado tambem como genero, e em combinação binaria
com um adjectivo, que sempre qualifica ou detern1ina
uma propriedade do fructo. Isto se vê n os seguintes ex-
emplos: Vá mirim, fructo pequeno, Vá heen, fructo
• doce, uá nhumá, fructo pegajoso, uá pochy, fructa má,
,..,
que se nao come, etc.
Myrá, Kaá, Vá, assin1 como Ybá, servem de ge-
neros zncertae sedis, em que ha duvida no grupo o~
•• família a que devem ser ligados, pelo que em todos os
grupos ou famílias, pelos índios formados, acham-se
estes generos .
A posposição rana, que ligada a um substantivo,

serve tamberri de genero, corresponde mais ou menos
, ao oi'des, qffinis ou súnilis dos botanicos, e espalha-se
por diversas· famílias, quando ha duvidas em ser nome
8277 4




geµerico ligado a uma fa1nilia bem caracterisada, por


exemplo: Genipd rana (111yrtacea) parece-se com o g-enipá
(Rubiacea), mas não o é ; o Urukurana (Hieronyma al-
chornioides ) parece~se com o Uruku (Bixacea), i11as não
,
o e, etc.
-
As plantas trepadeiras formam en1 geral grupos
separados, sob a denominação generica de ycipó, vul-
garmente cipó ou sipó; y cipó, como ainda o dizemos,
paraguayos, quer dizer:· fibra que se apega á arvore
de yb, arvôre, cy, pegar, pó, fibra, isto é, trepadeira
que corresponde ·á zi·ane,- dos francezes, e e11.redadera
dos hespanhoes.

En.tre as plantas cujo caracter é tzºrado do .fructo,


ybá, y uá ou t1á, ou guá hespa11/.hol, de Yb,_ arvore, e
á, nascer, destacarei os segu·i·ntes exemplos:
Uáuaçit_, fructa grande . Uáltobi _, fruct a verde ou azul.
Uábiyu~ fructa felpuda . Uákuatiar, fructa pintada.
Uáacy, fructa secca . U á hu, fructa preta.
Uáantan, fructa dura . Uáa;1iaua_, fr ucta de sementes .

Uálzeen_, fructa doce . Uá111e111beca _, fructa molle .
Uáaí,, fructa azeda . Uá11ziri1n, fructa pequena.
Uapiú fructa de pelle molle é Uánhu1na, fru cta pegajosa .
preta. Uápiranga., fructa de pe11e ver-
U áahy _, fructa tenra . melha.
Uákakuã., fructa cheirosa. Uápitan,15a, fructa de pelle tenra.
Uáça1nba; fru cta aspera .
1, Uápoclt; fructa má.
1,

Uáchiclty, fructa lustrosa . Vá p eua_, fructa, chata .

Do Brupo caracterisado por y birá, mbyrá, m yrá,


muirá, madeira, páo, apresento os exeniplos seguintes:
Myt~á pz1,zz'ma (P áo inosqueado ) = Brosünum Au-
bletii P rep .

» kuatiar ( Páo 111anchado ) = Centrolobium
Paraense Tul .
» piraNga ( P áo ver1ne·1ho ) = Cresalpinia
echinata L.


Si

Myrá tauá ( Páo amarello ) = Maclura Brasi- ..


liensis End l .

• >) tay ( Páo que queima ) = Laurinea sp.


Myrá itá (Páo pedra ou ferro) =- Caesalpinia fer-
rea Mart.
Myrá mo1 otinga (Páo branco)= Aspidosperma sp.
1

» yuá (Páo amarello )=Zizyphus Joazeiro Mart.


Myrá pitanga· ( Páo vermelho= (Peltophorum V o-
gellianum Bth: .
Myrá poanza ( Páo em pé ) } Ol .
, d ) ac1neacea.
» antan ( P ao uro
» nema ( P áo fedorento )= Seguiera floribunda
Bth.
Myrá heen 1 ( Páo doce ) Chrysophyllum gLycy-
phloeum Cas.
Myrá tatá· ( Páo de fogo )=Chlorophora tinctoria .
» PªJ"é ( Páo de feiticeiro ) = l\'1yrospermum sp.
» pzroka ( Páo sem pelle) = l\'1yrtacea sp .
» tàttga (Páo branco ) = Cordia oncocalyx Fr.
Allem.
},1.yrá una (Páo preto )=l\'1iscolobium violaceum Vog.
Myrá by ( Guarabu ) ( Páo que se eleva) Pelto~
gyne guarabu F . Allen1.
Do grupo caracterisado por Yua, yba, uba, ar-
vore de tronco erecto, madeira de lei·, darei estes ex-
emplos:

• Karapanã yba (Arvore de mosquitos)


Pachy yba (Arvore da mãe das pancadas, Pá,
panca<la, cy mãe. ) 2 = Iriartea exhorrhyza Mart.
Munguba ( Arvore da paina ) = Bombax ceiba L.
Ukuyba ( Arvore de sebo) = Myristica Surinamen-
sis Roll.
1'I'hevot escreve HyWJralt é.
2 Allusa.o ao i11st ruine nto, Kuídaru, clava, foito da m&doirt. do espique •


• <
'

52

Marupáyba ( Arvore de doente, Maraá, yBá t )=


Simaruba amara Aubl.
Arara y ba ( Arvor e de araras) .....:.. Pincknea rufes-
cens F . Allem . •
Bikuyba ( Arvore de sebo) = ~'1iristica officinalis

Mart.
Taperybá ( Arvore-das taperas) = Spondias lutea L.
K opay ba ( Arvore de vagens pequenas) = Copai-
f era sp. var. ·
Tatayba ( Arvore de fogo)= CariC?car glabrum Pers . .
Karanáyba ( Arvore de fructos duros ) = Copernicia
cerifera Mart.
Timb6yba ( Arvore venenosa ) = Enterolobium
timbouva Mart.
.. Kaburéyba ( A rvore dos caborés ) = Myrocarpus •
frondosus F . A lem.
Tinguácjba ( Arvore de gorgulho ) = Za11thoxylon
spinosum Sw .
lpêyba ( Arvore dos patos) Tecoma sp. var.
. Maçarandyba ( Arvore de longrinas ) = ~itimusops
elata F. Allem.
Guaki'tyba ( Arvore de fazer cofos) = Couratari le-
galis Mart.
Jatayba ( Jutahy ou Jatahy ( Arvore de fructa dura )
= Hymoenea courbaril Hayne.
Sz'r~zjba ( Arvore . dos seris ) = Rhizophora man-
gle L.
Jundiáyba ( Arvoredopeixe bJundiá)=Terminaliasp . .
E mbay ba (Arvore ôca )= Cecropia sp . var.
Yaráyba ( Ai:vore de fructos com saliencias) =
Leopoldinia pulchra Mart.

Pi'ndáyba (Arvore que dá caniços) = Xy lopia fru-
tescens Aubl.

t A casca é empregada nas dysenteria.s .

• •

.. •



Do grup9 l{aá, herva folha, planta, darei estes

• •
diversos exemplos: -
Kaá peua ( Folha chata ) = Cissampelos Parreira
..
Vell.
Kaá peua ( >> >> ) = Artanthe Mikaniana
Sing.

Kaá pororóka ( Planta que arrebenta co1n estalo)
= Drimys vVinterei Fast. .
Kaá tindyba ( Arvore folhas pontudas ) = Celtis
spinosa Spreng.
Kaá una (Herva preta ) = Solanum verbascifolium •

L. ,.
Kaá pitiú ( Herva catinguenta ) = Siparuna foetida
Barb. Rodr.
Kaá taya ( )) que queima ) = Vandellia diffu-
sa L.
f{aá ycüca ( )) resinosa) = Euphorbia pilulife-
ra L.
Kaá chy ( )) mãe) =llex amara Bomp.
f{aá mi ( )) pequena ) = Ilex Paraguayensis
--• Lambert.
J{aá nienzbeka ( H erva 1nolle ) = Polygala Paraensis.
Kaá pungá (folha que fere )= Gomphrena vermi- -
1

cularis L.
Kaá kyra (Planta que dorme) = Indigofera sp. var .

• Kaá opiá ( Herva inanchada ) = Dorstenia Brasili-


ensis Lan1.
Kaá été (Herva verdadeira) = Cana sp. var.
Kaá roba ( Planta. amargosa ) = Jaca.ra nda caroba
.. D. C .
Kaá pz:ranguy ( Planta vermelhinha)= J\{yrcia sp.
Kaá pzra11ga, ( Folha v ermelha ) = Lundia Chica
Se em.


54

Kaá hobi· mi ( Planta azul pequena, anil) = Indi-


gofera tinctoria L .
Kaá ponlzi ( Herva rasteira) = Paronychia Bona-

riensis D C.
Kaá apiku ( Herva de lingua ) = Rhabdia lycioides
Mart.
• Kaá rayúru ( folha de papagaio ) = Lundia Chica
Leem.
Kaá eó ( folha que morr.e) = Cassia sericea Sw.
Káa kyr ( folha que dorme ) == Mimosa pudica L.

Do gruiJO dos ycipó, ou cipó, ou sipós, trepadeira,
en1~edadera, lz'ane, darei· tambem alguns exemplos: .
Cypó tai·a ( cipó que queima ) = Capparis urens
Barb. Rodr .
Cypó oca ( cipó de casa ) = Entada Paranaguana
Barb . Rodr.
Cypó kytyka ( cipó que limpa ) = ?
Cypó tui·ra ( cipó pardo ) = Prevostea ferruginea
Choisy.
Cypó çuma ( cipó movediço ) = Anchietea salutaris
St. Hil.
Cypó kururu (·cipó de sapo ) = Echites cururu Mart.
Cypó heen ( cipó doce ) = Sn1ilax Spruceana D C.
Cy pó mutá-mutá ( cipó de escada ) = Bauhinia sp .
var.
· Cypó kyra ( cipó que dorme )= Min1osa sp.
Para determz"l,zar semelhança, affinidade, emprega11J,

como já disse , o termo Rana, co1no venios nestes exemplos:
Karaipé raua == f\ loquilea turiuva Cham.
1

Tar zuná rana = Vitex sp. ''ªr.


Abiu rana = Lucuma lasiocarpa Mart.
Akapu rana = W ullschlãgelia sp.
Yukery rana = Cresalpinia Bonducella Roxb.
\

t

' 55 • •

Unzar.J" ral{a = Couepia subcordata Bth.


U,~uku raua == H yeronymia alchornioides F. Allem .
• J{angeraua = Cabralea cangerana Vell.
J:>ekiá ra1 ia = Caryocai· toxiferum Barb. Rodr.
1

Ge11zipáraua = Gustavia a·u gusta Linn .


. .bnburana = Bursera leptopl1loeos 1\1art.

Tendo aqui apresentado exe1nplos das divisões que


os naturaes fazem das plantas, passo a dar ta1nbem
exen1plos de generos reu11idos em grupos, correspon-
dentes aos scientificos.
Dentre esses grupos formados pelos indígenas, apre-
sento os que seguen1, levando-os, comparativaménte,
ás familias naturaes estabelecidas por J ussieu, para •
melhor comparação. Por al1i se verão o nome do grupo
jndigena e o ·da família scientifica , os generos e as
cspccics que encer1.;an1 e as respectivas traducções .
Dar a nomenclatura da flora indígena, bem o sei, foge
ao plano deste esboço, que só v isa n1ostrar o estado in-
tellectual de un1 povo, que desapparece, depojs de deixar
gravado e1n toda a An1erica do Sul o vocabularjo da sua
língua, dividido em algaravias, por assin1 d izer, feitas
por n1issionarios e autores estrangeiros. Do extremo
norte d o Brazil ao c~ntro de ~1atto G rosso, atravez do
Paraguay, vemos sempre as plantas, em todas as cspecies,
conserva rem o inesmo nome em todos os lugares, mos-
trando-nos a irradiação da lingua. Tiradas as lettras
accrescentadas ou n1udadas, temos sempre a pro11uncia
prünitiva e conservada. Ainda hoje onde ella não foi
influenciada pela estrangeira, é a m.es1na, como se viu
do quadro que apresentei.
....-~·~.:~.~-~.-....:---~~~~'-'"""'-=-,,...~~~--~~"".':'-~··-----.,,.,...,,'l'!""""~------""""'~~..,,,,;l"'V'~.~i""ri"'~-~·-~,.,..,,,............~llllll"'l~~
~
. '

..

'
56
' '
---
No agrupamento. ta xonomico que segue, como
preveni, entram tambem lvfyrá, kaá, etc., como generos,
., por não saberen1 03 índios ben1 determinar em qual
dos nomeados devem ser .os termos incluídos.
Ha n1LÜtos outros generos que pertencem a outras
familias scientificas, separadas pelos botanicos, 111as cujas
affinidades e caracteres distinctivos escapam aos sel-
vagens. ,.,
Se a um delles perguntarem, entretanto, o que é um
. Yatáyba, vulgarn1ente Jatah)'*, dirão: é un1 Koniar:dá,
..
j

do grupo das Legu1ninosás.


Grupo Aratiku. = ANONACEAS

( Ara, arara, ~iktt, rnassa, comida de arara.)



Oen. Aralihu ponhé ( rasteiro} • • • • . = Anona ivla rc g r a vi i
l\1art.
( Araticum ) paná (de rio ) . . - ...
palustris L •
» aru (grande) • • • • • )) sylvatica St,
Hil.
' .
• ~ ceima ( liso ) • • • • • • - :. coriacea Mart
» apó (anguloso). • • • • - Pisonis l\ilart.
t
t » pitayá ( pelle dentada, ) . =
>
» squamosa L.
f~ » 111iri1n ( pequeno) • • . = Rollinia salicifolia.
Schb.

Gr. Kaatigitá = MELIA~EAS ..


(Kaa, planta , tig, se quebra, 11á , fru cto. Planta de fructo d ehi&cente.)
Gen. Kaati'g uá ( Catiguá ) . • = Trichilia Catiguá St. Hil.
Gen. Yandyroba ( Andiroba ). = Carapa Guyanensis Aub".
l (yandy , azeite, ob., amargo}.
Gr. Akayu == ANACARDIAC.EAs

( Akã, caroço, Y11b, amarello, allusão ao peduncul o que em geral



é t on1ado pelo fructo.

• •
..

'

57

Gen . AkayÚ açtt (grande ) . . • = Anacardium occidentale L •

• »

»
1niri1n ( pequeno). =
» AkaJ'U y (pequenino ). . . =
piranga (vermelho) =
»
»
» pumilum St . !"lil,
h umile St . Hil.
occidentale var.
·» pakoba ( amarello, com a forma alongada como banana )
= Anacardium occidentale var.
~- » A!.,ayd ( cajá) ( Fructa caroçuda. ) açu ( grande ) . • = Spon-
dias lutea L.
» 11iiri11i (pequeno). » venulosa l\1art.
» y1nb11 ( que dá agua). = » purpurea L.
-
Gr. f(o1na1zdá = LEGU~1INOSAS
( K11111ií 1 fructo alongado, vagem, ndá, aberto em roda. )
1. J<omandá = PhASEOLE AS
li. Kaaeó, 1 } = Mr:M:OSAS
111. A nga
Gen. Koniandá ibá ( fructo ). , . • • • = Sophora to1nentosa L.
» 1niri1n ( pequeno ) • • = Vicia sp.
» atuktt (vagem curta ) . = Lathyrus sp.
» 11aç1t ( grande ) • . • = Eperua leucantha.

» pitan~t;"ª ( tenro ) • . • = Dolichos sp.


» roin (de, inverno) : • = ?
» taper; bá ( dos lugares abandonados ) = ?
1

» tiá (de gavinha ). . = ?


» Kaaeó kaakyra· ( que derme ) • . = Cassia dormiens Vell.
» y11keyri (que dorme e tem espinhos)= Mimosa pudica. L.
» Angá (que ten1 se1nente envolvida ) chichi. ( lustroso) = In-
.» ga alba \\.1illdn.
» p e11a ( chato ) • . . • • • • • - ?
» aç1t ( grande ). . . . · . • • • = Inga cinn amomea
Spr.
» makaka r11aia (rabo de macaco) = » alba Mart.
-. pak.óy ( bananinha ) . . • • . = >.~ affinis D C .
'> cipô. ( trepador ) • . . . . • . - » edulis Mart,
1 Pfo.nta que morre, sensitiva •

f
i
..
58
,,
Karaypé = R oSACEAS
( que se descasca) 1

Gen. J(araipa = Licania microcarpa Hook


» » · turiyba ( arvore que secca e e5tala) = Moquilea
utilis Hook

Kaaruru - A MARANTHACEAS, P HYTOLACACEAS


e P ORTULACACEAS
Gr. ( J(aarurzt; herva-mucilaginosa, gorda J.

Gen. J(aarurú ( carúrú ) pitan,t;a ( tenra ) = Celosia paniculata L .


» tnorotinga ( branca ) . . = Amaranthus viridis L.
» aru ( grande ) • . • . • = Phytolaca decandra L .
» kirá ( gorda) . . • • .= Portulaca halinoides L .
» ponga ( vi!'gosa) • . . = Portulaca oleracea L.

GR. Murukuyá = PASSIFLORACEAS



( Fruta que faz vaso ) 2


Gen. Mur11cu,yá (maracujá) 1niri1n ( pequeno ) = Passiflora edu-
lis Sims.
» cltiri ka (enrugado) = Passifl0ra faetida L. .
» açtt ( grande } • . - » macrocarpa l\fart.
> boya (de cobra ) . = » ,·itifolia A. B. K .
» el f (verdadeiro ) • = » ·. alata Ait,
» piranga (vermelha) == » coccinea Aubl.
» atã (duro ) . . . . . - » ?
» Poka ( que estala) = » involucrata.
» P eroba (de pelle amarga). » ?
» pi.r:11na ( de pelle preta, rôxo-negro ).= Passiflo ra
-» amalocarpa Barb. Rodr.
» rur11r1t (que arrebenta) = Passiflora mucronata Lam.

1 Usam :\ cinza d.1. casca para junt:\r á argilla da louç.~, afim de que esta não
se ra.che ao fogo.
2 Tiradas a11 'sementes fica um vaso.

. . ..
. .. ,'
• •
' .
• •

59

Gr . Yumakar1J, * = C ACTACEAS

• (Yu , espinho, má por ybá, arvore, ka.r it, comer, arvore de espinho
que se come 1 • )

'Juniakar it ( Nanacaru, Mandacarú) = Cereus Hilde-


• manian us Sch ~
Folhas
Esquinas /{unibeba, ( !{it?n. comprido, estendido j eua chato)=
.
Cactus s p • var.

Urinnbeba (ter, ytt, espinho, rit ter j;eba, chato) =


Nopalea cocinilifera
Y11r1t1nbeba (y1t, espinho, ob, folh a, peua ou peb
Folhas chatas chata que, tem folhas chatas com espinho, =
Opuntla monacantha, O . brasiliensis.
Y1111zbeba (jumbeba)yu, espinho,peua ou peb (chato
\ que tem espinhos chatos= P eireskia bleo DC.).

Gr. Araçá = M YRT ACEAS


1
(A, fructa,' r, euphonico_, e{á. olhos • )

.G r . J<a1nb11y (cambui} (Kambi -y, o que aperta a lingua) .


» ( pequeno ) . • • • • . . . • • = Eugenia sp.
» piranga ( vern,elho)
,,, .• =
l\1yrtus. l\tlyrcia sp.

..
..... Pitan,t;a ( Pi, pell e, tang , tenra, vennelha = Stenocalyx sp .
Uaku1nicltá (gru1nichama) ( Uá, fructo. can1bi, e chá por hab, fructo
que aperta a lingua ) = Eugenia, Phyllocalyx sp.
'Jaboticaua ( jaboticaba ) Uá, hoh_y, rôxo azulado e kaá do inatto =
Myrciaria sp. var.
Ual>ir oóa ( Guabireba, gabiroba) ( Ua , iructa, j;J', pelle ob, an1arga=
Catnpomanezia, Abbevillea sp . var.
' F rei Velloso, em 1790, nã sua Jl-!e111oria soó1·e a cu 't11r a da llrumót óa diz:
« Os bra zilelros ( il'to é, os índios) dividiam a familia dos cactus ou c:>.ctoirC>s
cm du!\s: aos que tinham a folha chata e espinhosa, a que os botanicos dão ge-
ralmente o nome de opuntias, c hamavam .f1t-roóeba, de J"· espinho, oó(I , folha 1 óeéa
cha ta, o qual por corrupção se diz U r umbeba; e aos que eram esquinados, a
que os b otanicos, como Jussieu, cht\maram C1rios , pela configuração com as tochas
quadradas, davam o nome de /n nial1a1·té e hoje manacat·ú. »
t Co me-se não só· o fructo, como o tronco.

.S Allusão ao receptacnlo da flor, que todos os fructos tlesta familia apresentam


ao qual é gerr,lmentc chamndo olho .

1
f'
1•

!


. () Ü

Araçá ( Uá, fruta açai por tai, acida) Psidium sp. var.
N!tiáybatan ( N1,i enrugada,. uá, arvore, yb fructo, antan dura) =
Calyptranthes, l\1itranthes, sp.
Gç11ij;ara11a ( Genij;á, rana, falso) = Oustavia augusta L.
Nhiá ( nhi, enrugado, uâ, ftucto ) = Bertholctia excelsa, Couroupita.

= Lecythis urnigera Mart.
~t ..
ac11. •
Ça,,.,uká11
'.f' ;.!'
( sapucaia) ( Uá t1nga.
• '
'. =. L ecyth'ts 1anceol ata l) 01r.
·
"'1tká,, que se abre ) • 1niri1n = L ecyth'1s .cor1acea
.I'
. DC .
· y. . •= Lecytops1s sp. var .

~
piranga ( ver:e~ho, ~ •. = Couratari le-
7 1 1. ( • • .b , ) r-:i. 0 ahs I\·Lut _
1 y11·,1ijvá )equ1ti a Jt· ( )
. » rosa • . • • = » es·
/ii,desgrana,yóa , ar- . R d
tre11ens1s a •
vore, uá, fructo.
eté (verdadeiro) • . . = » do-
\ domestic t Mart

Gr. I<aagzti - 1V1ELASTOMACEAS


.
( Kaa, planta, 1111i, sangue, cujas flores são côr de sangue. )

Kaa11i ( c:igui ) Anhang·aj;iri ( A nhang, almas, demonio, pirz: u1n


superlativo, que é das alm<.s.) Ple-
roma, sp. var. Melastoma coccinea
Vell.
• guro por
» guibo ( por baixo ) cujas folhas são
côr de sangue inferiormente).

Gr. Uiráêory = t.oGANIACEAS

( Ui'rá, passaro, eó, n1orrer y, liquido, liquido de fazer morrer pas·


saro. )
Ui"ráetiYY ( U rary ) 1nakaka nambi ( orelha de macaco) Strychnos =
( Curare) Kauichaná Barb. Rodr.
» Yurupari jJindá ( Anzol do diabo). = Strychnos ericetina
Barb. Rodr.
» llakaka jJindá ( Anzol de lontra) = Strychnos rivularis
Barb. Rodr .

. .

..
'

..
61

Uiráeory ra,na ( falsa ) = Strychnos n~acrophy lla Barb. R odr•

• »

»
ka1nar uá. ( Dialecto mak uchy ) = Strychnos giganteJ.
Barb. Redr .
eté (verdadeira) macrophylla Strychnos toxifera Schomb.
'

Gr~. ! pê = BrGNONIACEAS

( f.,iJeka, pato, allusâo á form a do tubo das flores).

lj;é açu ( grande ) . • • . • • . = Te coma· insignis. Miq .


,
» '}' 1t (de espinho). • • • - > .
chrysantha DC.
» una (preto) • • • • • • - » .
speciosa DC.
» j;iranga ( vern1elho). • • - » .
curialis Alem.
» tin,í[a (branco) • . • • • - » .
chrysotdcha r
» y ba ( de arvore ). • • • • . = Jacarand a sp.
» kaaroba ( de folha amarga ) = Jacaranda sp.

GR. Yuá = S o LANACEAS

( Yú, espinho 1tá fructo, Fructos de plantas espinhosas).

Y11á j;i1-a1tga ( vern1elho = Sol anum Balbisii, S. arrebenta


» karac!ticli u (? ) » nigrum L.
» poka ( que estala ) = Physalis angulata L.
J-ti.ya ( que arde , q ucima ) aky (fraca) . • = Capsicum annuun L.
» aj;ttan (redonda ) • • . . . . • • . » = .
baccatun1 L.
» ktt1narJ Alimento que dá alegria) == , »
1 ( frutescens L.

l•
» açu ( grande ) • • . • . • • • = cordiforme :t\1ill .
» 1úi ( de cheiro ) • • . • • ..., • • • = ovatum DC •

GR . Ayzt1:1i, Nha1nzty = L AURACEAS

N lia1111ty, N aniiti i ( nhan, correr, y agua) Nectandra sp. -var.

1. Al3umas ecpecies dão um liquido que substitue a terebonthina, e d~sta


/ tem
o cheiro e as propriedAdes.


/


'

62

GR. Ankanga potyra - ARISTOLOCI-IIACEAS



( Flor das almas ) .
Anhan,g-a potyra = Aristolochia sp. var.

• •
GR. Apé = URTICACEAS
(Chato, allusão ao cymulo das flores).
Apé • • • • . • • • • • • • =
Brosimum Gaudichaudii Trec.
» y (pequenino) • • • • • = Dorstenia [tubicina R. et P.
» kaapiá ( herva manchada) = _Dorstenia opifera Fisch.

GR. Jabora1idy 1 = PrPERACEAS

(Y attar, cão, yandi, oleo, azeite de cachorro, allus.ão ao que deita1n


as folhas )
Yaborandi ( jaborandi ) = Arthante e Ottonia sp . var.

GR. Ukuyba = MYRISTICACEAS


( Uku, sebo, yba arvore, arvores de sebo, referencia ao que dão os
fructos).
Ukuyba ( Ocuuba, bicuiba) piranga (vermelha) = Myristica offici·
nalis Bth.
» » » pixuna { preta). • • = » sebi·
fera S·w. ,

G R. Ro1igonka = lLICI~EAs
(O que se engole, que se faz chá)
f(ongonha = Ilex sp. var .
» Kaa11zi = Ilex Paraguayensis St . Hil.

GR. Urundeyb~ = TEREBE~THINACEAS



(Ur. guzano, ndey, não yba, madeira, 1nadeira que não dá bicho. )
Ur ttnde;1 pita.n ( molle ) . . = Astronium concinu1n Schot.
» ·pará (de rio). • = » fraxinifolium Schot.
» tniri?n (pequeno ) = » urundeiba Engl.
1 E' c:orruptella de Yag-uara11ái, como ainda dizem no Paraguay •

I

63

G R. f(arà = DroscoREACEAS

• ( J(aa , plan.t a e rá redonda, cascuda, allus~o aos tuberculos )

J(ará tin/[ª ( branco ) . • • ..\


» aç1t ( gran de. ) . . • . •.
» he11ibó ( d e vara ) • . ..
» pipó ( de pelle que estala ) = Dioscorea sp. var.
» 1niri1n ( pequeno) • . . .
» jJirattga ( vermelho ) . • •
» ~ na ( preto )

GR. Ipekakonha - S MILACEAS


/

( Yapekanga, japecanga, ( Ipeca , pato, conha, membro viril, allusâo '

ás raízes cheias de tuberculos, como o membro dos patos. }


.
GR. Mururé = PoNTEDERACEAS
( Mururé, torcido, allusão aos peciolos das folhas . )

Muritré== Pontederia cordata L.
·» crassipes Mart;
» -- » sagittata Presl.
» == E ichornia a.zurea I\:unth.

GR. A itapé = N YMP.f-IEACEAS


( A uapé, redondo e chato, forno. )
Auapé ( aguapé } Uaçu ( grande) . . . =- Nymphaea Amazonum
1'lart.

• »
»
»
uaçu tinga (branco) =
piranl[ª ( vermelho ) =
»
»
alba L •
rosea s,veet .
yaçaná ( j açan á } • . = Victoria regia Lindl.

GR. Piry = CYPERACEAS


( Pery, o que treme; junco )
Piry 1nir i11i ( pequeno ) = Cyperus sp. var.
» açu ( grande ). • = Cyperus sp.

..
'


64

1
G R • Pi1zdó = P ALMEIRAS

( Pin, ripa, ndóy, rachar ) •


Y bi1n ( Ubim, direito, erecto, eté ( verdad eiro ) • = Hyospathe ele·
gans Mart.
» aç1t ( grande ) • • . • • • • • • • . • • · = Calyptronema
robusta Trail.
~ 11ie1nbeka ( molle ) • • . • • • • _. • • • • = Geonoma pani·
culigera l\1 a rt.
» rana ( falso ) • . . . • • • . • . • . . • » sp.
va r.
Y atá ( jatá ) ( Uá fructo, antci, ( duro ). = Cocos sp . var. Syagrus
coccoides :tvlart.
A udayá ( indaiá ), eté (verdadeiro ) . • = Pindarea fastuosa Barb.
H.odr. Orbignia campestris Barb. Rodr.
» aç1t ( grande ) • . . = Orbignia macrocarpa Barb.
Rodr. '
11tiri1n (pequeno)
Barb. R odr.
·- lon gi br a e te a t a

> jJ/J11y ( rasteiro ) • .- » . exigua Drude


» j;uan (redondo ) • - . » campestris Barb.
Rodr.

)) pichay ( crespo ) • - . » longi br acteata
Barb. llodr.
Ur ucury • • • • • • • • • . • . , = Attalea excelsa Mart
Kuruá ou l Takury íukyra (que dá sal) = Scheelea princeps Karts.
'
»
»
jJi r an,r;a (vermelho) = Attalea spectabilis l\1art.
p ixuna ( preto ) . • = Orbignia speciosa Barb.
Rodr.

t i?'t/!ª ( branco ) . • = Attalea n1onosperma Barb.
R odr.
r ana ( falso ). . • = Cocos inaj ai Trail

t Para ely~ o logia do9 nomes geuer k oi: vcja•se o rneu Sertum pa lmarum
1 Brasiliensium .
' •


,
1 '
.. ....


65

Âfai ( Assay, Uassahy ), eté (verdadeiro ) Euterpe edulis


Mart.
> kalinga (dos serrados ) • • • • • • • - catinga
Wall.
> kaatinga ( de folha branca). ' . . ..- contro-
versa Barb. Rodr.
yuçara .( que dá farpas ) • •
cea Mart.
. . . . .- » olera..

> tttira (pardo) • • • • • • • • • . . = » badio-


carpa Barb. Rodr.
Obttfu, Ubuçu, (Folha, grande, larga) h1r11ry = Manicaria saccifera
Mart. •
M burity ( 1nurity, burity, mirity ) 1n11rity • • = Mauritia flexuosa
Mart.
>
Mart.
> )) » burity. • .- > vinifera

K araná • • • . • • • ~ • == Mauritia, Orophoma sp.


> 'JI ( pequenino. • . • =
Lepidocaryum sp.
Maray açu (grande) ••• = Bactris Marajá·açu Barb. Rodr.
> y ( pequenino)·. • • = Amilocarpus sp.
> jJiranga (vermelho)= Bactris acanthocarpa Mart.
» rana (falso ) • • • • - » Sobralensis Trail.
·-"" » yu ( de .espinhos ) • = » hirta Mart.
Pojnenha ( verdadeira ) • . = Guillielma speciosa Mart.
» jiranga (vermelho)= > ceccinea Barb. Rodr.
> yuba ~ amarella ). • = » flava Barb. Rodr.
» rana • • • • • • • = Cocos Chavesiana Barb.

• Rodr •
Yacitara ( jacitara, Titara ) ( O que agarra a gente ) = Desmoncus
sp. var.
Imbttry • • • • • • • • -. •• = Diplotbemium sp., Polyandrococo~


Barb. Rodr •
T1tktt111á ( Fructo de tucum ) arara (arara ) = Astrocaryum sul-
phurem Barb. Rodr.

t T#k, ferir, yu espinho,


8~7
·.


66

nekt.emá jJiririka ( pelle estalada ) • • • . = Astrocaryum auran·
tiacum Barb. Rodr.
» p111'i~itr!t ( manchado ) • • • • -. > vitelli·
num Barb. Rodr.
)) itaf'U ( grande ) • • • • • • • • -. Prin-
ceps Barb . Rodr.
> y ( pequenino ) • • • • • • • .- acaule •
Mart.
> .
r ana (falso) • • • • • • • • .....:::; » fiavum
Barb. Rodr.
ieaçit·y ( grande e pequeno ) ..
- > l\1ana ..
oense Barb. Rodr.
» yazetiry • • • • . . . . • • . • :.::::
.
Jauary
Mart. -
~4.iry ( Vá, fructo, y agua, frucfo que tem agua) yry = Astrocaryum
airy Mart. sp var.
» 1niri1n Bactris sp . •
Mbokayá ( mocayá, bocayuva, macauba, mocahiba )~ Acr ocomia
sp . var.
GR., f{aroatá = BROMELIACEAS
( /{aa, herva, oá, cabello, atã, duro, que tem fibras fortes, como
cabellos.)
J{aroatá = Bromelia sp. var.
Karauá = » variegata.
Naná ( nã, cheira, nã, <:heira, que cheira. muito) = Bromelia sa·
tiva L.
G1~. I(aroatáaçu =
.
( l(aroatá grande )
AMARYLLIDACEAS •

f{aroatá afU = Fourcroya gigarttea, Agave sp. •
GR. Tupáypy = ÜRCHIDACEAS
( Tupá, Deus, ypy, origem. )
TttjJayjJy yurakalzt (boa bocca ) Cattleyas, Laelias sp. var.
» sumaré ( ) Cyrtopodium sp. var •


..

.67

..
GR. Ymbiri = CANNACE.As
( Junco d' agua )

GR. Pacóua = MusACEAS


(Folhas comprimidas)

P acoba, ( pacova) y apurá . • • • • • • • • = 1V1usa sp.


· » '
açu ( gran de ) • • . • . • • = 1V[ usa .
sap1entum
» y ( pequenina). • • • •. • . - » sp.
» i'nayá (semelhante ao Inaj á ) » = sp.
» pokit ( comprida). • • • • • = » sp.

GR. Tayà = AROIDEACEAS


(Acre)

Tayá ob ( folha ) • • . = Çollocasia esculenta


» 1nangará.( fructo cascudo)= Arum vermitoxicum Schot.
> me11ibeka ( molle) = Calladium, sp.
» ritna (preto) • • = Xanthosoma violceum Schot.
» ta11ibá 1 • • • • = » atrovirens Bouch.
~ çuaçu ( de veado) = Urospatha angustiloba Engl.
» y1nbé ( trepadeira) = Phillodendron sp .
» ra1ta ( falso ) . • = Ar~m cordatum V ell.
A ninga apara (torta ) = Diefembachia seguine Schot.
~ açu ( grande) . = Montrichardia linifera Schot.
» trakuá (come espiga.) = Arum auritum V ell.

• » p erí ( de junco) = Arum arborescens Vell •

G R. Uarumà = MARANTHACEAS

( Uá, tala, umâ por ybá, arvore, Arvore que dá talas)


U aru11zá, ( guarumã ) 1ne11'tbeka ( molle) = l\1arantha sp. var.
~ » niz'rz'm ( pequeno) = »
» » aç11- ( grande ) • • • - »

i Naturales foeminao provoctae aotatis •

.'

68

'
GR. Kaapiy = GRAMINEAS

( J(aa, herva. pi pelle, y fina, pelle fina de hervas )

Kapiy ( capin1 ) • • • • • = P anicum sp. var.


» kati ( catinguento) =
Killingia odorata Valkl.
Takuara, (taquara) (o ouco, furado) ai:u,grande = Chusquea Gau-

"> dicbaudii
» > été (verdadeira ) = Ch~c:;quea anethritoide3 Kth.
» » y ( fina ) • . . • • . = ~1erostachys Burchelli.
» » 1nirÍ1n (pequena) = l\rlerostachys pinifolia Nees.
\

GR. , Amambáy = FETOS


( A11ui, cercear, rodear, 1nbâ, alto, y, pequeninas, allusão ás flores
que n1arginam os foliolos. )

A11uinbay (Samb1mbaia ) katikaa (folha que dá máo cheiro, catin· (

guenta.) = Polypodium sp. var.


» 111 i'rhn (pequena) = Adianthus sp. var.
> aç1t { E_rande ) = Alsopbylla, Cyathea
sp. var.

GR. lrupé = COGUMELOS


( Iru, vaso~ p é, casca, vasos de cascas )

Urupé rob ( a1nargo ) ••• = Agaricus sp .


» tinga ( branco ) • • • = Cantarell us sp .
> na1nbi ( de orelha ) • = Polyporus sp.
> piranga { vermelho ) • .= »

..
'
\

•'
•'

• •

VII

Não sendo meu fim dar a nomenclatura indigena
da flora brasileira, e apenas mostrar quanto o indio
é observador, perspicaz e intelligente e quanto a sua clas-
sificação botanica está, mais ou menos, de accordo com
a taxonomia e a glossologia scientificas, segundo as regras
de Linneo, não apresentei sinão exemplos que com..
provem minhas asserções. Estes exemplos .poder-se-iam
alongar, mas para que? Os que apresento são tnais .(
que sufficientes.
Variados são os adjectivos que os índios empregam
na glossologia indigena, além dos que vimos, para ca-
racterisare1n as especies, e todos são os que os botanicos
e1nprega1n.
Linneo, na Philosophia botanica, emprega poucos
termos nas suas admiraveis descripções, para seu tempo;
mas, o numero delles hoje se tem augmentado con-
sideraveln1ente com o progresso scientifico na anatomia
• e na physiologia vegetaes.
Na construcção de um termo para genero de

plantas deve-se sempre procurar adoptar um nome har-


monioso de um substantivo, originario de qualquer fonte
ou mesmo composto arbitrariamente, mas que não
deve ser longo e ter etymologia, porque serve como
que de nomes de familias.

.. '
·· ~


70

Il Os especificos devem, e111 geral, indicar algun1a


i
1
cousa da apparencia dos caracteres, da origem ou das
propriedades da especie.
A isto , 11os obriga a lei diinanada de congressos
botanicos. Entretanto os barbaros, os botanicos selvagens,
não conh~cendo essas leis modernas, já as tinham para si
estabelecido, como se vio da classificação acima. Não
l .
se encontra tima só esp~cie que não tenha um adjectivo
tirado de um caracter qualquer, co1n cty1nologia propria,
e sempre euphonico e harmonioso.
Comparemos, portanto, alguns nomes de generos sei~
entificos, dos que me vem á memoria, com os barbaros,
os dos selvagens, para que possamos avaliar como elles
n1ais facilmente se pronuncia1n e se reteem na memoria.
Ptosi1nappus Boissier.
01nphalophthalnia l{arsten.
,,
P entesmonacaHthus N ees.
Lychnophoriopsis Sch. Bipontinus.
Karamjischet-via Fischer.
Galinsogeopsis Sch Bipontinus.
Carphostephium Cassa reto.
Schuttelivo1~thia lVleisner.
Bostrycanthera Hooker.


Sch-,veyekerta Gmelim.
Ceraniiocephalum, Sch. Bip .
.J

Muitos outros, que seria longo enumerar, foram


creados pelos homens de sciencia.
Levarão vantagem, serão n1ais euphonicos, mais
harmoniosos, mais doces de pronunciar? Serão mais fa..
cilmente retidos na 1nemoria do que os que segue1n,
creados pelo botanico anonymo selvagem? j


71

·, Marupá, Acayu, Ko1nandá, Uru111beba, Pitanga,


\
Kuruá, Ubi1n, Marayá, Pakoba, Tayá, A1,ifiirá, Uábi·ro-
ba, Muyrátauá, Karanayba, Embayba, Uarabú, etc., etc.
Todos estes ter1nos se111pre são bem pronunciados,
ainda que com o som das lettras das linguas cultas
vivas ou mortas, e m uito faceis de ser co11servados na
memoria e co111 etymologias.
Outra questão.
Serão os nomes vulgares das plantas, dados pelo~\
civilisados, mais expressivos e terão todos algum si-
gnificado etymologico ? Não são elles commummente
empregados em especies diversas de familias diffe-
rentes?
O nome c·ed1·0, por exemplo, não é dado á Ced1·ela
odorata, da familia das Cedrelaceas, ao Cupressus sem-
pervz'.re11s e ao Cedrus Libani, da familia das Co-
níferas?
O de Anzeixa não é dado ao Prunus do1nestica, das
Rosaceas, á MagNoli·a Chanipaca, das Magnoliaceas, á Fla-
courtia Ramontcht~ das Bixaceas e á P hoti11ia .JapoNica,
ainda das Rosaceas?
O Abricó não é dado ao J:>runus a1·1neniaca, das ·•
Rosaceas e ao Mimusops coriacea, das Sapotaceas?
O Mastruço não é dado ao Spilanthes oleracea, uma
Co1nposta, ao Che11opodi1un ambrosioides, uma Chenopo-
• d iacea , ao Lepidiz11n sativum e á Senebiera pinuatifida,
Crucifcra ?
O Cardo é sempre um.Cereus, um Cactus? N ão. Ora é
Cni'cus, ora Carduus, Carthamnus, Centaurea, Cyna1·a,
Serratula, Carlina das Compostas, e ora Argemone,
das Papaveraceas, e ta1nbem Erz'ngiuni das Umbelliferas.
!1·'..
72

O nome tarduus donde veio? Que significa?


E' um dos no1nes latina obscura quorum fontes ig1-:o-
• •
ramus, de Ln1neo.
A Violeta, si bem que conhecida dos gregos por
(ov e modificada pelos latinos em Viola, não é mais do
que um termo geral applicado não só á violeta pro-
priamente dita (Viola odorata ), mas tambem a muitas
outras flores, de fórmas e tamanhos differentes, como ao
Ligustrum, ao !ris, e ao Vacciniu111.
O Lyrio não é sómente um !ris, é tambem uma
Convallaria, . um Amaryllis, um Liliu11i, sendo este,
aliás, um termo cuja etymologia se desconhece.
Poderia eu dar muitos outros exe.µiplos. Creio,
porém, que estes são sufficientes .
Quantas plantas inteiramente diversas não teen1 os
mesmos nomes vulgares, de linguas cultas, empregado3
. em especies de familias differentes, causando erros
" graves?
A nomenclatura dos gregos e dos romanos, espa-
lhada por Homero, Sophocles, Ovidio, Claudio, i\1ar--
tial e Virgílio, ainda jaz mergulhada nas trevas, e ligal-a
á especie da moderna nomenclatura scientifica é tarefa
hoje superior á força do investigador mais eminente.
O mesmo acontece con1 a maior _parte das plantas dos
phytologos Dioscorides, Theophrasto e Plínio.
• Entretanto quando o índio, na sua lingua barbara,
nos diz : Uapiranga, sabe-se que é uma fructa de pelle
vermelha, e é facil de se saber qual ella seja. O civili--

sado nos diz, por exen1plo, Pera, 1naçã ou mesmo Pyrus,
Pruuus ou Pomo, póde-se sabe~ a côr, o tamanho, a
consistencia, a dureza, ou a fórma do fructo? Qual

'

,
/

-
,

'



73

sua etymologia ? O pomo ou a maçã vem de Adão, mas


qual foi o fructo ph~llico escolhido pela serpente e que
tomou esse non1e ?
O fructo do mal tem sido attribuido á maçã, á
laranja, á romã, ao figo, á bolota, e até á banana, se..

gundo alguns historiadores.
Entretanto, são fructos n1uitos dissimilhantes e de
diversas familias . Confundir um jig'O, uma la1~a11,ja com
uma banana, a ter a Musa Paradisíaca o nome de Pomo
de Adão, nunca indio algum fará. Pela fórma do
fructo seria a Musa a arvore phallica ; mas esse fructo
não poderia ficar atravessado na garganta de Adão.
Como nos diz o vulgo, com o nome de l?omo, .aquella

escorregaria .
O carpa/ho ( Quercus ), cujo nome nada indica, de
que côr tem por exemplo a madeira? Quem não o
.• '
conhecer poderá ser enganado; entretanto quen1 pedir
o Muyrakuatiar não receberá sinão uma nzadeira
lar3r11nente 1naNchada ou pintada, porque o no1ne o cara-
ct~risa. O su.bstantivo indigena nu11ca deixa de ter uma
radical et,ymologica, salvo quando é onomatopaico,
referindo-se em geral ao reino animal.
Os termos genericos ou especificos em que entram os
nomes de animaes não indicam um estado de barbaria,
porquanto são empregados tambem pelos scientistas.
A Cynara (Canis), Chelinodium ( Hirnndo ), Lycoper-

sicu1n ( Lupus ), Leontice ( Leo ), Echium ( Vipera ), e
muitos outros se acham espalhados nos Genera plantarum.
Os índios, entretanto, quando dão o nome de um animal
sempre se referem a alguma propriedade que se .rela-
ciona com aquelle : ou a planta tem o cheiro, 1nukura

, ..
74

kaá ( herva de mucura ), ou o animal a come e morre


( cekyá kaá ), herva de rato ; ou é contraveneno ( Teyu
kaá ) herva de lagarto .
Noniina f:5'e7terica quae clzaracterenz esse12tialeni vel
.
habituni pla14tae ex i'bent optini::t sunt, nos diz Linneo.
~

Nomes que parecem sünples e específicos não o


são; con10 por exem.plo : Iudayá pouy.
Neste termo lndayá é genero,. e pony especie;

parecendo que os selvagens tee1n na memoria o apho-


. rismo de Linneo « Nomeit-specificum si11e ge11erico est
quasi can1pana sinc pistillo », quando no1neam as suas
plantas . .
Os term?s indígenas apezar de barbaros, como se
diz, tem sido, co1ntudo, introduzidos na sciencia, de ha
longos annos. Assin1 o Bixa, .º Guayacum, o Hur.a, o
Manimea e outros foram acceitos pelo p roprio Linneo
apezar d e sua opinião: noniina geuerica quae ex g raeca
vel latina li'n8-zta radiceni non habet rejicienda suut.
Além d'outros botaQicos, Fusée d'Aublct, na sua
Histoire des plantes de la Guiane, empregou nos seus
generos e especies 11omes GalÍbis, mesmo adulterados
pela pronuncia franceza, porque encontrou vantagem
no seu emprego.
Co1no exemplos cito, entre outros, com a ortho ...
gra phia correcta, os generos seguintes :
Aiouca ( Ayukaá ) - H erva de camarão - Aiouca
Guia nensis Aublet.

Acouroua ( Akuruá) - F ructo encaroçado - A =
couroua Guia11ensis Aubl.
Apeiba ( Apeybá )- Fructo ca..{Apeibá tibourbou.
belludo. S » Petoumo .
..
,


75

=

Coussapoua ( Kuça puy ) Cousapoa latifolia •
Couroupita, ( Kurupitá ) Pelle el}Caroçada e dura=
Couroupita Guiane11sis.
Guapira ( U ápirá ) - Fructa de peixe Guapira =
Guianensis .
l\'loutabe ( Einbótabu·.t ) - Verga que se levanta. 2
= Moutabea Guiane11sis .

Mouroucoua ( l\'1urulcuuá, Arvore de dardos ) =
Mouroucoua violacea.
Ourouparia ( Diabo, Urupary, genio máo) =Üu...
rouparia Guianensis.
Pekea ( Pekyuá ) - Fructa gordurenta = Pekia
\
butyrosa.
. Guapoya ( yapóy - Fructo de alagadiço = Gua...
poya scandens.
Pourouma ( Purumá ) - Arvore que ronca Pou- ' =
rouma Guiane11sis .
Tendo sido acceito pela sciencia, entre as Tiliaceas,
o genero Apez'bá, de Aublet, e tambem as duas especies
tibourbou e petozuno, foi por isso tambe1n acceita a no-
me11clatura selvagem se111 o menor escrupulo. Assim:
Apeiba tibourbou Aublet.
Apeiba petot1mo Aublet.
E' a determinação indigena sanccionada por um
botanico sem modificação alguma, a não ser a da má
orthographia, motivada pela pronuncia franceza, que
· alterou a verdadeira indígena. ·
Apeiba 11ão é 1nais do que Apéybá, cuja interpre...~
tação já vimos, e os 11omes específicos tibourbou e pe-
x Auble t escreve A i ntQutabou, ,
f :i Allusã o ás raizes que se elevam a mais de 1 met l'o,


76'
.,... .
tounio não são mais do que tibebú1:, o que boia, e
pituuni, molle, significando em portuguez;
Apeybá ( Fructo e b 11 d 0 )(que boia ( tibourbou)
ª e u \molle ( petoumo ),
propriedade das duas especies que tem a madeira leve
e niolle, pelo que são chamadas, tambem, escova de
niacaco e ja;.zgadeira ou páo de. jangada. A primeira
porque tem os fructos cabelludos como escova ( Apéybá)
e a segunda por ser a madeira empregada nas jangridas
Todos foram acceitos pela sciencia.
Como exemplo e para se poder notar, tambem, a
differença entre o Guarany, do Paraguay, o Galliby, da
Guyana e o chamado Tupy, do Brasil, apresento alguna I

nomes da Flora do Paraguay ;


Guabirá 1ni ( Gabiroba pequena )= Campomanesia
aprica Berg .
Ibyray ( Páo doce ) = Periandra dulcis Mart.
lboti gua~u (flor grande)= Cassia ferruginea Schrad .

lcypó .s11embé (cipó que trepa)= Phillodendron
imbé Schot.
Kaá hobi i'bá ( Arvore de folhas azuladas )' = Indi-
gofera sp. var .
. Ambuá kaá ( Herva de centopêa) = Aristolochia
cymbifera Mart.
Kapyi· kati (Capim catinguento) = Kyllingea tri-
ccps L. _

Kambá nambi (Orelha de negro ) = Enterolobium
.
. ti mbouva Mart .
Cebo1: kaa (Herva de lombrigas) = Spigelia scabra
Cham.
lgaú ( mancha d 'agua ) = Alga.

'
\
t l


' .

77

Mboi kaa ( Herva de cobra) = Peltodon radicans


Pohl.
Mbarakayá nambi mi ( Orelhinha de gato do matto )
= H ypericum connatum Lam.
Mbuy nã kaá ( Herva de lesma listada ) = Bu..
dleia brasiliensis Jacq ..
Makagua kaá ( Herva de gavião ) =1\Iikania opi-
fera Mart.
Mangá yba ( Arvore que dá visgo) - Hancor-
nia speciosa Go.mes.
Nhuati cu1~u{u ( Espinhos da cruz ) = Randia spinosa
Poir. ,.
Ainda mais.
Muitos nomes indigenas teem tambem originado
outros genericos e especificos scientificos, traduzidos em
-
latim ou grego. Ao 11i;,,.ráhee11, por exemplo, que quer
dizer - páo doce ou de casca doce, - Casareto deno-
minou Chrysophyllzun gly cyphloe1n, que não é mais
do que cpÀotoç ( my rá ), casca, e eyÀvxt ç ( heen ), doce.
Qual a pronuncia mais harmoniosa giy cy phloem
ou myráheeu ?
Dirão que, dado o norrie especifico indigena, o es..
trangeiro não saberia o seu significado, o que se não dá
com o grego ; mas pergunto eu : todos os botanicos e
amadores são hellenistas?
Quando o sejam, devo advertir que é obrigação de
um botanico, creando um termo, dar a sua origem na
lingua em que escreve. Grega, latina ou abanheenga
será ella entendida por todos. .
Eis a largos traços a classificação e a nomenclatura
indigena, facilitando e auxiliando o homem da sciencia




78

que muita applicação e muita observação nellas encontra.


Por si só, este jan1ais poderia chegar a um fim, pois, a
necessitaria -longos annos de experiencia . Com a botanica
indígena ficam apenas a indagação e a verificação, afim
de serem corrigidas as faltas que forem encontradas.
No exame e na discriminação .das plantas, devo dizer,
para terminar, ainda. os selvagens formam um grande
grupo, que é o das Acykaá, plantas medicinaes, para do-
entes, para os que sentem alB·u1na dor ( Acy ). Os Payés,
os medic~s, poça11Buras, são os herbanarios, kaayara, que
melhor conhecem o uso e o emprego dos vegetaes·. São
elles que, pela observação das molestias, conhecem os
symptomas, e fazem o diagnostico e, segundo a sua
experiencia, empregam o vegetal, cujos bons resultados
teem obtido em casos identicos anteriores, na applicação
clinica secular de -seus antepassados .
Os medicamentos ( poçanga ) específicos, para uma
multiplicidade de molestias, teem sido por elles des...
cobertos e passados depois do empirismo para a sciencia,
Que especifico mais poderoso do que o quinino
a sciencia escolar até hoje tem descoberto para com-
bater as febres intermitentes e outras?
Nada mais se fez que extrahir o principio activo
do vegetal descoberto e applicado pelos selvagens. Em
v ez de ser o quinino tomado em pó, os índios o to-
mam em cozimento, em extracto e até mascando a casca

das Cincho1-tas, chinas ou quinas .
O principio antifebril das Cincl1onas, elles tambem
o descobriram em outras plantas. Cousa notavel ! da
mesma fan1ilia botanica. Como souberam elles que as
Coussareas, Exostemmas, Go1-i1aleas, tinham a mesm·a

'
,.
...

79

propriedade e eram da mesma familia, si entre as Cin-


• chonas e estes generos o aspecto da planta tanto as
afasta?
Sem o estudo botanico, t1m civilisado não dirá que
a Cinchona seja da mesma família das Coussarea:) !
Qual o vomitivo mais in11ocente, mas, tambem,
o mais energico e especifico do que a Ipekakonha
ou Ipecacuanha dos nossos índios ?
Não aproveita o medico a sciencia empírica do
indio?
Co1no descobriram os selvagens qu·e as Borrer.zas,
as Richardsoni'as tinl1am o mesmo principio, o mesmo
emprego e era1n da mesma familia das Rubiaceas, que
corresponde á sua família Ipekakonha? 1
Como descobriram o uiraêry, ou curare, o ve...
neno talvez mais energico, e as suas propriedades ? Como
descobriram o seu antidoto, quando ainda hoje ho--
mens de sciencia: negam que o tenha? Como sempre
emprega1n 11a confecção do mesmo vene~o, para ob-
teren1 o mesmo fim, só os Strych1,zos, quando as es...
pecies destes são dissimilhantes ? Não vão certamente,
guiados pela semelhança da planta, mas pelos caracteres
genericos que as ligam, como o faz o botanista.

• As suas poçangas, remedios, aportuguezando a


palavra, são tão apropriados e tão energicos, que os
doentes sempre aproveitam, quando aquellas bem ·in...
dicadas.
Vimos um febrifugo e um vomitivo.
Agora vejamos um sudorífico.

t Ipiha, p:i.to e conka, memb ro, a.llusao ás raízes que tcem a mesmt\ f6:rma
do orgao masi:ulino d>es!le pa.lmipede.

-

• ' Jil l :s ..,. ~1:; ··~ . i ...,.

,.

.
• 80

O Nhaborandi, J aguara1'2di; J aborandi é inferior ao
aconito, descoberto pelo empirismo europêo, ambos ap-
plica~os pela sciencia medica? Diversas especies da •

, familia das Piperaceas, teem este nome, co1n applicação


identica ao do jaborandi 1), do Dr. Coutinho ou o pz1o..
carpus uma Rutacea, cujas propriedades foram tambem
descobertas pelos tapuyos.
Devo notar que os indios não dão ao Pz'/ocarpus
o nome dado por Coutinho e sin1 o de 1nuyrátay, páo
picante.
Quanto aos purgativos, são innumeros; mas citare-
í mos apenas o Ybarir·uiçó, ou baririçó ou maróiriçó, que

é uma Iridacea, cujo tuberculo dá un1 liquido que con-
tém grande quantidade de fecula resinosa, empregada
principalmente como o melhor purgativo para creanças.
O nome Ybaryruiçog de yba, fructo pelo tuber-
culo da raiz, r},.ry fluir, manar, ui farinha e, çog,
moer, significando que 1noido o tuberculo dá sueco
fartºnoso, é o de uma planta que tem sido levada pelos
botanicos _para diversos generos.
Assim a sua synonimia é a seguinte:
Sisyrinchium Fluminensis Vell.
Sisyrinchium Galaxio'ides B. A. Gomes.
• Sisyrinchium palmrefolium V. Gomes .
Sisyrinchium Bermudiana ~iedel.
Poarchon Fluminensis F. Alem.
Entretanto não é mais que a Lansber gia Caracas-
saua de yriese que os índios não confundem com
Sisyri·nchiu1n.
1Yagarundi, Y:-.guaiiundy , Jaborandi, Nhamborandi, deriva-se do Yacua, cão
e Yandy ou n handy, oleo, azeite, allusao ao oloo que dão as folhas.

- '

. .
r
..

81

Quando a medicina até hoje não emprega, que me


conste, a Cupayba 1 como antitetanico, os indigenas teem
nella um especifico poderoso. Utilisada, outr'ora, empi..
ricamente, no curativo do cordão un1bilical dos recem-
nascidos, foi hoje desprezada pelos medicos, e só usada
pelas velhas comadres, isto 1nesmo to1nado como cica-
trizante, não se presu1nii1do ser o unico n1eio efficaz
para evitar o tetano dos recemnascidos, o mal de sete
dias, que os indios aliás não conhece111. No oleo na-
tural de copayba, teem elles o meio de prevenir e de~
bellar o primeiro e mesmo nos casos de phenomenos te- - ··
tanicos em adultos.
Fallo com apropria experiencia e com a observáção.
A therapeutica não considera a planta sinão por esti-
mulante das mucosas, e só a emprega, em geral, nas
blenorrhagias, principalmente agudas, e nunca como
antt'tetanico, quando a sua principal virtude é essa. Não
lhe dá outro emprego sinão aquelle que Jacquii1, em
I 763, vio entre os indios de Carthagena.
« Hujus foliis per vitellum ovi aquae immisti usu i11-
ter110, una saepe cum ejusdem 1neri ü1 urethram injectio11e
go11orrheoa liberare se aliquibus ü1 locis A1nericani em-
pirice solent, et plures ipse liberatos vidi. »
• Citarei tambem entre as causticas ou vesicantes o cipó
taz"a, cipó que arde, quein1a, cuja casca socada e appli-
,.•
cada sobre a pelle é um poderoso e prompto sinapismo.
Para substituir o caustico, mais prompto do que o pre- '

parado com cantharidas, ou com potassa caustica, elles


"l
.f
f
applicam a casca do fructo Tatáaury ou Katauari, ou Ka-
1 Kwpa-y ou Kitpa-y-ytta ou yba, por lútma, vagens pequenas ou arvore de
vi:Lgens pequenas. A mudança ele ma por f>a é muito usuiLl na pronuncia •
8277 ô -

'•
·'

82
.
1


tauré, Capparis ure11s Barb. Rodr., principaln1ente nos
rheun1atismos, beriberi ou nas pleurizias e pneu1nonias.
O termo indigena é bem applicado, pois quer dizer:
« corre fogo », isto é, «sueco que queima 4) de tatá, fogo,
e zry, correr.
Para applicação industrial descobrira1n os índios,
• tan1ben1, o Kaaocho, do·n de o no1ne cáucho, peruano, que
pela pronuncia hespanhola, os francezes fizeran1 caout-
chouc . .
Kaaocho diriva-se de kaa e ocho ou ochu, que signi-
fica « choro da planta)), o (e corrimento da planta)).
, Além do uso n1edicinal industrial dos vegetaes, fazem
elles de alguns ou de seus productos bebidas inebriantes'
ou não, para os seus poracés, ( dansas con1 cantos ), ou
, para alin1ento, alem de i11uitas igu-arias, co11dimentos,
dos quaes, a 1naior parte, são usados ainda hoje pelos ci-
vilisados, co1no se poderá ver a pags. 51-57 do
meu Vocabularz'o il;di15'ena, annexo á Pora1iduba A1na-
• ~o n ense .

'
Algu111as plantas, que no estado na~ural são toxicas,
elles as tornan1 inoffensivas, applicando-as á arte culi-
naria. Conhece1n tan1bem as plantas que dão sal e sabem
extrahil-o, assü11 como a:; que teem fecula e con1 esta
1 preparam diversas farinhas e bolos.
••
Con10 ten1os v isto, todos os termos dados aos vegetaes
teen1 uma ety1nologia e exprimem se1nprc uma pro--
'
priedade que caracterisa a planta.
,• 1
, E .mfin1, 11ão teen1 os índios t1111 methodo artificial,
con10 os botanicos, isto n1esn10 ainda todo in1perfeito ; n1as,
sen1 que o queiran1, estab.elecem uma ordem que não é
mais do que um methodo natural, pois nella conservam,
,.

.•


83

'
mais ou menos, as affinidades, chegando-se assim ao que
ensina a natureza.
Terminando este capitulo devo dizer que um dos
factos 1nais notaveis da nomenclatura indigena, é a grande
área geographica que clla occupa, sempre applicada á
mesma planta, apenas 1nodifi.cada a pronuncia de alguns
termos, segundo a latitude e o cruzarnento da raça.
Assim, no Amazonas, 'dizem Unzbauba e Anzbau)a,
ein Minas Geraes, Enzbauba, no Rio de Janeiro e outros
logares Enzbaiba, e no Paraguay 1VfbaJ"ba, arvore alta
de nibá, alto e yba, arvore, non1e applicado sen1pre ás
G'ecropias. r

• E, como este, outros non1e3. /

* **
Ao finalisar este esboço devo dizer que, co1no entre
todos os povos, principalmente usiaticos e do te1npo da
M~ythologia pagã, entre os nossos selvagens, existen1
tambe1n muitas lendas ( tei1,zheá ) sobre as plantas e sobre os
fructos, umas dando-lhes a origem, e outras phallícas e
.
gnes1caes.
Essas lendas, salientando-se as genesicas ou gerado-

• ras, si não são as 111esmas orientaes modificadas pelo


te1npo e pelo meio, teem com ellas muitas affinidade,
como se poderá ver na minha Pora;.;duba A1naz.0Jttense e
no meu Muyrákytã, trabalhos em. que trato detidamente
da língua indígena e da origem dos povos an1ericanos.
Entre estas lendas são notaveis a da Ori!Jr!11Z das
plaNtas, a do Uiráêory, a do Ulé, a do Al!Jodão, a da
Maudioca, a do Uaku e outras.
r
84 •

Nellas, co1no na sua botanica, ainda o esp.irito ob-
servador do indio poetican1ente se n1a11ifesta, dando-nos
sempre u1na idéa da propriedade, do emprego ou da
utilidade da planta que lhes serve de the111a para o
conto.
'.
Darei aqui um exemplo, apresentando-o na sua.
linguagem, com a pronuncia dos filhos do rio Purús.
Dando a traducção zpsis vet~bis, dal-a-hei tambem
fóra da lettra.

l\10YTYl\iA 1
U IPURUNGAUA
,
2
Yacurutu 111.aáaiua. Yacurutu cuchiyma mira
O Yacurutu cousa má. O Yacurutu antigamente gente •
uassu yané tenhen tendyra. Aé cué yepé ara,
grande ( gigante ) assitn como a irmã . Estavan1 um dia,
3
cuchiy1na, Nlura ruichaua payé etá irumo u mo-
outr'ora l\1uras os chefes os feiticeiros com fizeram
canhe1na Yacurutu ·maá arecé, paá, Yacurutu u ú
perder- se o Yacurutu, porque, dizem, o Yacurutu comia
-
aitá raira. Payé etá u mucen1a Yururá ramonha
,
os filhos. Os feiticeiros fizeram sahir da tartaruga o avô
uicuí arpe. Aé ana cuité Yacurutu u poiíru Yurará
praia em cima. Depois então o Yacurutu pisou da tartaruga
ra1no11ha recé . Çantá u puitá i pê Y urará
·avô no. Duro ( preso ) ficou d'elle pé da tartaruga
t Jl([qytyma não é mais do que uma corl'uptella. de ntbo ou mo, preposiçao
que torna os verbos transitivos, e 1iyty ou O)rty ( yó- tyr ), arvore alta, querendo
exprimir fa::er arvores, p . antar, fa zer apjar~.:er a p .'anta, e dahi o substantivop;a n-
, taçãc .
j. i E' a. coruja que scientificament e é conhecida por Strix e 'a11eator, tida pot•
• muito 11goureira.
3 Tribu de selvagens que infestava como p iratas o Amazonas e o Solimões .
T inham o se u quartel general na ilha que fica no Sollmões pouco acima da foz do
Rio Negro, e que a inda é conhecida por ilha dos lVIu r as . A cima d'osta. ilhl\ fica
a. den:>minada Yakurutu, que sep;undo a lenia, era h..'\ bitada pelo fabuloso gigante de
que s e trata aqui. Os l\1uras t:nha m uma linguagem por assovios µara não serem
entendidos, e quando queria:n participar aos seus que habitavam longe, qualquer
• o:curroncia, enviavam uma frccha que nos enfeites levava a explicaçao .

~•

••

l
'

• t'

.'.

85

ra1nonha recé. U iun1u quirimáo u poiíru amó i
avô no. Fez força e pisou outro d'elle
p ê irumo Yurará ramonha arpe. Aé ana, paá,
pé com da tartaruga do avô em cima. Depois, contam,
Yurará uatá paraná queté. u· cenó cendyra:
a tartaruga andou rio para. Chamou a irmã:
- Irure nhaá muirá cha iumu quirimáo arama
- Traz aquelle páo eu forcejar para
,
cece.
n'elle.
Cendyra u pecêca nhaá 111uirá recé, çantã iuire
A irmã pegou aquelle páo no, presa tambem
u puitá. Aé ana cuité Yurará ramonha u raçu paraná
ficou. Depois então da tartaruga o avô levou rio
queté. U canhe1na putare ramé u nheen, paá:
para. Perecer queria quando fallou, dizem:
-Ce . remiareru etá, pe iupêca curi iché. Cuçu...
- Meus netos, vocês vingarão me. Aqui
cui ce iuá chii u cerna curi m oytyma pe
estão meus braços d'elles sahirão (nascerão) plantas vocês
iupêca arama iché i tl cuáo curi muz'rápirang-a 1

vingarem para me d'elles apparecerão o páo vermelho


2
pe muirapara arama, paracuyua pe hiua ru-
de vocês arcos para, a paracuuba go- flecha
úma rama ; ce raíca chii i tl cuáo curi eMvira 3
. '\) mo para; ineus nervos dos d'elles apparecerão a en1bira
pc n1uirapara chamarama ; ce cáua chii i •
d e vocês do arco corda; minha gordura da d'ella
4 •
u cuáo curi nhiá pe mucyma arama pe mu1-
apparecerá a castanha voc ês alisarem para de vocês

t :f!: a Mimusops b:illa.t:\, que fornece madeira. vermelha, muito fol'te e elas·
t ica.
t É a Para.cuhyba. ou pracuuba com que se faz o virote das flechas.
a É uma. arvore da. familia. das Anonaceas, genero Rollini:i.
i.. É a. castanha do Pará, (Berthole tia cxcelsa), com cujo oleo dos caroços en-
vel'nisa.m os arcos para fortalecei-os.

86

rapara hiua ruún1a; ce raua chii i u cuáo cu ri


do arco da flecha o gon10; meus cabellos dos d'elle apparecerá
curauá 1
pe rhiua chamarama; ce canguera etá
o curauá de vocês flecha corda; 1neus ossos
i u cuáo curi taboca 2
pe rhiua itapuá rama.
d'elles apparecerão a taboca vocês flecha ponta para.
U monguetá pau ramé u canhema.
Aconselhar acabou quando perdeu-se (desappareceu).

~ . A OR JGE~1 DA PLA)!TAÇAO -
O Yacurutu era um genio máo. Quer elle, quer
sua irmã, eram gigantes. Estavan1 reunidos os chefes
Nluras e os feiticeiros, para perderetn o Yacurutu, que
lhes comia os filhos. Fizeram os feiticeiros sahir á praia
o avô das tartarugas, e o Yacurutu pisando-o, ficou
• com o pé preso. Forcejando tiral-o pisou-o com o outro
pé. A tartaruga então correu para o rio e elle cha..
_)
mando a irmã, lhe disse :

- Traze-me aquelle páo para que nclle 1ne fi.rn1e.


Segurando no páo ella ficou tamben1 presa .
-~-
A tartaruga então atirou-se ao rio, e elle, vendo ..
que ia morrer, assim fallou:
!
Meus netos, vocês hão de vingar-me. Aqui estão
os meus braços, donde sahirão as plantas que me vin- ~-

garão. Dellas nascerá para os arcos o .Páo Ver1nelho, . .
e para gon10 das flechas a Pa1~acuuba. Dos meus ner-
vos sahirá a enibira para as cordas dos arcos, da n1inha
gordura a. casta1,zhei'ra para alisar os gomos das flechas;
x É â Brome/ia variegata, cujas fibras são muito finas e fortes e empreg:\das
nos an'larrilhos d:\s flechas .
2 Gr1minca do genero (J!iusq1eea, do colmo da qul\l é feita a ponta d:l.s fl~has.
,
87

, dos meus cabellos o curauá para preparar as mes111as,


assim como de meus ossos a taboca para as pontas.
Acabando de dar este conselho, desappareceu.

Com effcito, é com estas plantas que os selvi-


colas preparam as armas de guerra, parecendo que as
conhecem co1110 as mais proprias para esse mister, pelà
ens.i11amento do genio n1áo.
Neste ligeiro bosquejo, que será qualificado de
phantasia e onde poderei ser acoimado de visio11ario
) pelos que só conhece1n as nossas cousas por leituras de
.1
gabinete, deixo perpetuado um dos lados do cultivo intel-
le.ctual de u1na raça que se vae, que se perde, calumniada
pelos que della se locupletaram e que, para desculparem
as suas faltas e n1esn10 os seus crimes, condemnaram
os descendentes dos desgraçados a passar á posteridade
por brutos, sem sentimentos de 11onra, de coração e
sen1 inentalidade, raça que foi perseguida e explorada
pela cubiça do Europeo ambicioso e sanguinario, a qual
tende a de3apparecer, deixando, entretanto, vinculada a
sua boa índole, os seus bo11s sentin1entos, as suas grandes
observações ao sangue dos descendentes e ás obras
da natureza, que perdurarão com a sua linguagen1
bella e característica, emquanto perdurar a humanidade.
'

-
'

t
..,

(
Ota·
o-, .. . .
!
'

t
• ERR.A T A

Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai

[ www.etnolinguistica.org


.~

-


'
.. ~~
·'"' ... •
.••
• t·~
~ ~~-
.. - •
••

-
..
-
·.


• • <l.


'

'
• '.


~ '

..

• t

Você também pode gostar