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FACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
Novembro/2019
INTRODUÇÃO
Gordley inicia questionando qual a origem da doutrina contratual moderna? E a resposta que ele
dá é uma rica história intelectual da doutrina contratual, que inicia no presente e remonta à
Aristóteles.
O escopo do livro de James Gordley, portanto, é demonstrar que a common law da Inglaterra e
dos Estados Unidos e a civil law da Europa Continental têm uma estrutura doutrinária similar.
Essa estrutura não seria encontrada nos precedentes ingleses ou nos textos romanos dos quais
supostamente descende. No livro, Gordley argumenta que a referida estrutura doutrinária foi
criada no século XVI, em uma tentativa consciente de sintetizar duas tradições intelectuais – a lei
romana e a filosofia moral de Aristóteles e Tomás de Aquino. Os protagonistas dessa síntese
foram um grupo de juristas-historiadores conhecidos como escolásticos tardios ou Escola de
Direito Natural da Espanha.
Embora a doutrina dos escolásticos tardios tenha sido tomada de empréstimo por juristas em
tempos subsequentes, a filosofia aristotélica sobre a qual essas doutrinas foram fundadas perdeu
sua autoridade entre os letrados dos séculos XVII e XVIII.
PARTE GERAL DO CAPÍTULO
Nas mãos dos juristas do século XVII, como Grotius, Pufendorf e Pothier, a síntese foi perdida. O
que eles e os teóricos subsequentes fizeram foi manter o vocabulário da doutrina contratual, mas
separá-lo das raízes da filosofia metafísica aristotélica. Foi essa separação que causou o
desfazimento da doutrina contratual.
E essa retirada da filosofia aristotélica se deu com base na filosofia moderna de Descartes,
Hobbes e Locke para quem aquela filosofia possuía problemas intransponíveis. Os modernos, por
exemplo, ao contrário do modo como Aristóteles identificava o sentido das coisas - questionando
sobre sua essência -, diziam que nós reconhecemos algo pela sua aparência, ou seja, pelas
nossas impressões sensoriais e não pela essência que nós nunca vemos.
Então para os modernos, a metafísica não funcionava e eles a abandonaram. Mas com o que
eles a substituíram?
O ponto chave do capítulo 7 seria responder essa questão. No entanto, o ponto de Gordley é
justamente que os teóricos do século XIX passaram por dificuldades para explicar o direito
contratual sem recorrer à filosofia aristotélica.
Pode-se recorrer à outra obra de Gordley para entender melhor este afastamento. Em The Jurists:
A Critical History1, o autor descreve como os juristas do século XIX, frustrados pelas tentativas
fracassadas dos racionalistas de deduzirem o direito da natureza humana, tentaram deduzir o
direito das diversas codificações em existência à época. Como conclusões legais deveriam ser
logicamente dedutíveis destes textos autoritativos, a ideia era que deveriam haver conceitos fixos
e categorias a eles subjacentes. Nesta visão, Gordley aponta uma similaridade entre os juristas
do século XIX e as ideias racionalistas.
O professor Dresch comenta no seu Fundamentos do Direito Privado que essa desconexão do
direito privado moderno dos fundamentos da tradição aristotélica culminaria diretamente no
surgimento da escola pandectista2.
A questão específica do capítulo é, portanto, discutir que tipo de teoria ou doutrina foi utilizada
para explicar e resolver os problemas do direito contratual pelos juristas do século XIX. E essas
doutrinas foram as Teorias da Vontade (Will Theories3).
Segundo Gordley, os juristas sabem há séculos que contratos somente são vinculantes sobre as
partes que dão consentimento. A inovação dos juristas do século XIX foi definir contratos em
termos de vontade ou consentimento como se isso fosse tudo que importava. A vontade das
partes deveria ser a fonte de todas as obrigações4.
Só que essa exclusividade da vontade acabou gerando problemas pela elasticidade dada ao
conceito para suprir os conceitos anteriores da filosofia aristotélico-tomista que os juristas do
século XIX abandonaram.
1
GORDLEY, James. The Jurists: A Critical History. Oxford: Oxford University Press, 2014.
2
DRESCH, Rafael de Freitas Valle Fundamentos do direito privado: uma teoria da justiça e da dignidade humana. São Paulo: Atlas,
2013, p. 28.
3
GORDLEY, James. The Philosophical Origins of Modern Contract Doctrine. Oxford: Clarendon Press, 2011, p. 161.
4
GORDLEY, James. The Moral Foundations of Private Law. American Journal of Jurisprudence: Vol. 47: Iss. 1, Article 1, 2002.
i. Os sistemas modernos não davam força executória (enforceability) a quaisquer termos
a que as partes consentissem. Por exemplo, se os termos fossem suficientemente
injustos, eles não seriam executáveis;
ii. Não apenas os termos a que as partes consentissem eram aplicáveis. Grande parte
das leis de vendas, empréstimos, parcerias e outros, consistia em regras pelas quais
as partes vinculavam-se salvo expressassem de forma diversa. Portanto, se os
contratos são meros produtos da vontade das partes, porque elas estariam vinculadas
a esses termos?
Os escolásticos tardios reconheciam que os contratos eram formados pela vontade das partes,
também. Porém, essa vontade era expressão das virtudes aristotélicas de cumprimento de
promessas, liberalidade ou justiça comutativa.
Essas expressões, pela desconexão realizada pelos juristas do século XIX, foram eliminadas da
discussão, restando, apenas, a vontade. Assim, o resultado produzido pelo direito era o resultado
manifestado pela vontade das partes. E essa vontade deveria ser declarada, já que, conforme
dispõe Savigny, a vontade é um evento invisível.
Gordley explica que os juristas do século XIX não explicavam porque os contratos eram
vinculantes ou executáveis. Não havia uma razão, além da vontade ou do consentimento, para o
respeito à vontade das partes. Essa cegueira deliberada foi denunciada por Ihering.
Os juristas do século XIX desejavam evitar estes problemas filosóficos. No entanto, ao assim
procederem, colocaram-se em uma tarefa impossível: explicar regras vigentes que serviam à
propósitos humanos por uma definição que abstraísse esses propósitos. E aí permanece a
pergunta dos problemas gerais anteriormente abordados: Porque, tendo em vista que as partes
consentiram sobre determinados termos, estão elas vinculadas a outros termos sobre os quais
nunca falaram?
b. Consideration e Causa
A doutrina da causa, para os juristas do século XIX, era problemática, assim como a distinção
entre liberalidade e troca.
Gordley adverte que os franceses discutiam causa, haja vista que o Código Civil Francês exigia
que um contrato tivesse uma causa. No entanto, essa causa agora tinha de ser explicada sem
referências às virtudes da liberalidade, que não era mais entendida como uma virtude do direito
de dar, e da justiça comutativa, que não era mais entendida como equidade ou igualdade nas
trocas.
A consequência da retirada destes conceitos é que a doutrina da causa perdeu sentido, já que
ninguém conseguia encontrar uma razão convincente da necessidade da referida doutrina.
Isso inclusive levou à dificuldade em distinguir entre contratos gratuitos e onerosos, pois essa
diferença não seria fundamentada apenas na causa, mas por serem regrados por diferentes
dispositivos. Especificamente, as promessas de propriedade não seriam vinculantes salvo se
registradas.
Gordley recorda que os escolásticos tardios haviam distinguido contratos gratuitos e onerosos
com o auxílio de dois conceitos esquecidos pelos juristas do século XIX:
i. a causa final, que possibilitava definir uma transação por uma finalidade ou propósito
único – numa transação gratuita, a finalidade era realizar um ato de liberalidade e, em uma
troca, receber o equivalente. Este seria o “fim” do contrato, ainda que houvesse outros fins
concomitantemente.
Esse conceito foi abandonado pelos juristas do século XIX por acreditarem se tratar de
uma visão paternalista quanto às atitudes das partes. Isso dificultava explicar a diferença
entre doação e troca.
Os alemães definiram durante muito tempo a doação como uma transferência para
enriquecer o recebedor. Os escolásticos tardios também definiam doação pela intenção
de enriquecer, mas o que eles tinham em mente era que o doador deveria querer o
benefício do donatário.
Gordley então cita situações em que o doador tem também outros motivos, como o bem-
estar do donatário, obtenção de seu afeto ou apenas to show off. Nestes exemplos, os
escolásticos tardios ainda entenderiam a doação como um ato de liberalidade, ainda que
por motivos remotos ruins (intenção de show off) ou da virtude da amizade (afeto ou bem-
estar do donatário).
Gordley diz que a resposta mais notável para solucionar esse problema (distinguir contratos
gratuitos ou onerosos) veio do direito Anglo-Saxão, com a consideration. Esse conceito foi
identificado com o conceito de causa de um contrato oneroso e foi, por muito tempo, explicado
pelos juristas por uma fórmula emprestada dos natural laywers. A consideration seria o motivo ou
razão para contratar.
O problema, de acordo com Oliver Wendel Holmes, que refez a doutrina da consideration, é que
uma parte pode ter uma variedade de motivos ou razões para contratar (v.g. um pintor que aceita
um valor em troca da produção de um quadro, cujo motivo ou razão é ser conhecido ou ter fama).
Então consideration significaria apenas a presença de transação ou troca. Não importaria se a
parte não tem um benefício aparente, pois ela escolheu essa posição, possivelmente, por outros
motivos. Ou seja, a doutrina da consideration impõe aos contratantes uma exequibilidade
independente de seu aparente benefício.
Houve um debate, Pollock-Ames, sobre a consideration, em que Pollock saiu vencido, pois havia
uma circularidade em seu conceito: a única razão do promissário obter segurança da realização
era a promessa ser legalmente vinculante ao promitente; a única razão de ser legalmente
vinculante era porque o contrato tinha tido suporte da consideration; a única razão pela qual o
contrato teve suporte da consideration era que ambos os lados tinha dado a segurança da
realização.
Em resumo, era complicado explicar a diferença entre doação e troca quando os únicos conceitos
sobre os quais se podia fundamentar eram a vontade do promitente e a habilidade do promissário
de fazer algo que o promitente queria.
c. Oferta e Aceite
Os juristas do século XIX concordavam que uma oferta tinha de ser aceita para ser vinculante,
assim como os escolásticos tardios.
Para os escolásticos, no entanto, essa conclusão não era óbvia pois partiam de um pressuposto
de fidelidade. Assim, o aceite não seria necessário.
A definição dos juristas do século XIX, extraída do conceito de contrato era que uma oferta não
aceita não era um contato e não seria vinculante. Ou seja, o aceite era necessário, ainda que não
se tivesse uma discussão aprofundada sobre qual o propósito a que este requerimento serviria
(porquê o contrato deveria ser vinculante ou não).
Não houve uma alternativa à virtude da fidelidade pelos juristas do século XIX. Houve uma
tentativa de considerar-se o critério temporal para averiguar a vinculatividade e, para os juristas
do século XIX, o critério temporal de vinculatividade estava completo quando os requisitos para a
definição do contrato estivessem satisfeitos (concordância mútua de vontades).
Nos EUA, as cortes deram uma solução, inibindo o debate teórico: ofertas e revogações de ofertas
eram efetivas no recebimento, mas aceites eram efetivos no envio. Isso, como delineado nos
pressupostos, se dava em virtude da lei.
Alguns arguiram que a oferta não poderia ser revogada se o ofertante prometesse não a revogar.
No entanto, como não havia ocorrido aceite, ainda não existiria um contrato. Outra abordagem foi
estabelecer que ofertas eram revogáveis, mas o ofertante que revogou deveria pagar danos que
o ofertado sofresse. O problema retorna ao fato de ser vinculante ou não a oferta, já que, se
considerada não vinculante, não haveria dano ao ser revogada. Ihering teria dito que esses danos
derivariam da culpa in contrahendo.
Na Alemanha, a polêmica encerrou-se quando o Código Civil dispôs que promessas eram
irrevogáveis, salvo se o ofertante expressamente reservasse o direito de as revogar.
Aqui o que Gordley aborda são os conceitos dados pelos juristas do século XIX à fraude, à coação
e ao erro. Os escolásticos tardios entendiam que para agir voluntariamente, uma pessoa deve
entender a essência de suas ações, ainda que seja escolher o menor de dois males.
Essa essência não foi incorporada no debate dos juristas do século XIX. Alguns, inclusive,
defendiam que a fraude, a coação e o erro não tinham qualquer efeito no consentimento.
a. Coação e fraude
Mas isso não significava a nulidade do contrato. Um ato deveria ser realizado para rescindi-lo ou
revoga-lo. O motivo da não obrigatoriedade de cumprimento não se baseava, no entanto, no
consentimento, mas na injustiça cometida contra a parte ou, no caso de coação, porque o
consentimento só era vinculante se dado livremente, conforme Barbeyrac.
Mencionar os três institutos no mesmo dispositivo se deu em razão da menção conjunta nos textos
romanos dos Institutes. Mas não havia, efetivamente, uma teoria da escolha. O motivo pelo qual
o consentimento estava viciado era porque esses institutos levariam uma pessoa a realizar algo
que, de outra forma, não realizaria. Ou seja, pressões que influenciam o consentimento, interferem
no consentimento.
De forma oposta, Savigny aponta que somente é concedido relief por fraude ou coação se aquele
que realiza o ato agiu de forma injusta/ilícita. Isso porque, somente o estado interno da parte não
é suficiente para aplicar os referidos institutos. A lei concede o relief não pela falta de
consentimento, mas porque a imoralidade aparece nas ações da outra pessoa, salvo contrário,
todo contrato que tivesse qualquer vício no consentimento seria nulo de pleno direito.
No entanto, a maioria dos juristas do século XIX não acreditava na teoria e a referida doutrina
sucumbiu durante o período. Segundo Gordley, o sentimento permanece de que dizer o que é
justo ou razoável não é interpretar a vontade das partes, mas expressas apenas subjetivamente
sua opinião.