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Artigo 004/C35BA

A MODA NOCIVA DO BORNAL DE PERNA E DO FIEL ESPIRAL

Gerlon Mendes de Souza 

Esse erro pode ser fatal, e este artigo mostrará como evitar comprar
acessórios desnecessários para a atividade policial. Desta forma, você
perceberá que está jogando dinheiro fora e se arriscando com algumas
bugigangas que só irão te atrapalhar no desempenho da atividade policial
operacional.

Os policiais gostam de comprar acessórios e equipamentos por moda?

• Uso do bornal de perna.

• Uso do fiel espiral.

Podemos conceituar moda como sendo um comportamento de uma


época seguido pela maioria das pessoas, podendo ser através do uso de
vestuários, uso de gírias e até mesmo um estilo de vida. Desta forma, temos

Gerlon Mendes de Souza


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como bom exemplo a época que fumar cigarro era sinal de liberdade e sinônimo
de esportista, como mostrado nos grandes comerciais da televisão e do cinema.

Então, é preciso assumir que nem sempre uma moda é benéfica. E


quando isso vem associado ao risco de morte, certamente o seu uso deve ser
imediatamente interrompido, principalmente quando se trata do uso de
equipamentos e assessórios para a atividade policial, que só serão maiores
peso, e isso vem ocorrendo com o uso do bornal de perna e do fiel espiral. Vale
salientar que existem outros materiais como facas de “RAMBO”, como o cantil,
entre outros que são desnecessários para o serviço policial, mas fizemos o
recorte de prioridade desses dois primeiros.

EQUIPAMENTO e-qui-pa-men-to Sm[Co] 1 conjunto de instrumentos


necessários para um trabalho [..] ACESSÓRIO a-ces-só-rio Adj 1 que
não é principal; complementar Sm 2 objeto ou utensílio para facilitar
uma tarefa ou atividade 3 cada uma das peças que complementa o
vestuário. APETRECHO a-pe-tre-cho (esp)Sm 1 objeto, utensílio ou
expediente necessário à execução de uma tarefa [Pl] 2 conjunto de
instrumentos e munições de guerra (BORBA, 2004).

Pode-se dizer que os policiais estão comprando os materiais de acordo


com a moda sem nenhum teste de confiabilidade que o material funciona em
situações que fuja normalidade. Neste contexto, fica claro que os operadores
estão adquirindo esses acessórios para o serviço operacional visando a estética
e a praticidade, desprezando as dificuldades do serviço operacional. O mais
preocupante, contudo, é constatar que muitos estão adquirindo esse tipo de
material porque aquele CURSADÃO está usando. Contudo, é importante que se
diga que nem todo cursado teve "vida operativa".

De acordo com Verri (2014, p. 04):

A Confiabilidade é a verdadeira medida do desempenho da qualidade


de algo. Ela estabelece um limite de uso conveniente deste algo. [...] A
evidência da falta de Confiabilidade é o indicio de reclamações internas
e externas em relação a qualidade dos processos, produtos e
serviços[...] Devemos criar para nosso país o que denominamos de
"Independência tecnológica". Patentear processos, em produtividade,
qualidade e economia. Criar bens e coisas para o conforto, bem estar,
lazer, saúde e segurança.

Um grande “caveira” certa vez nos disse que um homem de Operações


Especiais se forma com 10 a 12 anos de forjado. Achei um tempo demasiado na
época por ser recém "nascido", mas hoje sabemos do que ele estava falando.
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Não é exagero afirmar que todo esse processo ocorre nos demais cursos, com
isso há a maturação do operador através dos testes de como usar os materiais
associados às técnicas aprendidas, o que dá certo e o que não dá certo.

Assim, preocupa o fato de que muitos policiais ao vislumbrarem o uso do


acessório A ou B pelo CURSADÃO querem seguir "a tendência", utilizando
materiais que podem ser prejudiciais a suas vidas, isso porque não foram
testados em situações de risco extremo, e se foram, tais testes e dificuldades
não foram externados para a massa. Segundo Coiceiro (2017, p. 08), “o termo
risco tem dois sentidos: o primeiro relaciona-se a um mundo governado
inteiramente pelas leis da probabilidade, onde é possível mensurar e calcular
qualquer coisa; o segundo sentido se refere às incertezas”.

É preciso, porém, ir mais além e mostrar que não tem lógica o uso do
bornal de perna, pois é um acessório que quando na atividade operacional
ele prende em móveis quando operando em ambiente confinado, prende na
vegetação quando operando em ambiente rural e caso precise realizar uma
contramedida de desembarque de viatura pode ficar preso nos mecanismos da
própria viatura.

O indicador de risco sofrido foi construído com base teórica por meio
das seis questões dicotômicas referentes à auto-avaliação reportada
pelos policiais, envolvendo as atividades consideradas mais perigosas
ao bem-estar físico daqueles que estavam em atividade operacional.
Os tipos de violência mensurados pelo indicador nas situações
enfrentamentos são: ferimento por projétil de arma de fogo[...]
(MINAYO, 2008, p. 36).

É exatamente o caso do fiel em espiral que virou moda por muitos


operadores, pois lembro que no curso de Operações Especiais “sofríamos” muito
porque qualquer retinida, cabo solteiro ou tirante da mochila que ficava à mostra
era um “Deus nos acuda”, pois a analogia era que ficaríamos presos na hora de
operar e depois de 11 anos de nascido e algumas dezenas de confronto (sem
embustes) percebemos que nossos instrutores tinham razão. Pois, qualquer
material desse pode dificultar nossa mobilidade ficando preso em algum
obstáculo. Mas e se isso ocorrer no momento do confronto que o operador
precise se abrigar ou avançar em apoio a um colega?

De acordo com Goldstein (2003, p. 221):


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Programas de treinamento policial, além de trabalhar com policiais cuja


conduta precise de correção, devem fazer um trabalho mais efetivo na
preservação de acontecimentos que criem maior estresse e desafio ao
policial. E eles precisam antecipar as formas pelas quais um policial
pode obter isso. Está, por exemplo, na natureza do trabalho policial que
algumas pessoas vão resistir à prisão.

Por todas essas razões, condenamos o uso do bornal de perna e do fiel


em espiral. Vale salientar, que o fiel deve ser utilizado, pois policiais já perderam
armas em eventos e em operação, contudo deve ser utilizado o fiel retrátil que
engancha bem menos. O que importa, portanto, é modificar o pensamento que
nem tudo que é moda é bom, principalmente para a atividade policial. Segundo
Woshigton (2012), “quando separava uma briga e todos os componentes da
patrulha também se encontravam imobilizando outros suspeitos depois de liberar
os brigões, passado dois minutos foi dado falta da arma”.

Essa, porém, é uma tarefa que demandará esforços das corporações para
que se façam estudos científicos antes das compras ou indicações de materiais
em seus manuais e regulamentos. Vê-se, pois, que nem sempre o que é
adquirido é de boa qualidade, ou muitas vezes o operador, especialmente o
recém formado, utiliza acessórios que não são indicados pela própria instituição.

A grande lição que esse tipo de treinamento ensina ao novo policial é


que ele não pode levar a serio a estrutura formal e a direção
administrativa da agencia; que, entre a instrução formal de seus
superiores e a receita informal de seus colegas, a segunda é muito
mais valida. Relacionado a essa observação está o notável fracasso
em preparar os policiais para entenderem o estresse inerente ao seu
trabalho (GOLDSTEIN, 2003, p. 340).

O assunto é tão sério que catalogamos as respostas de 100 operadores


da área da segurança publica do Brasil entre policiais, guardas municipais,
integrantes das forças armadas e agentes penitenciários, sendo perguntado se
já ficaram "enganchados" quando em ocorrência numa viatura, nos móveis de
uma edificação ou na vegetação em operações rurais sendo respondido da
seguinte forma:

• 20% responderam que já ficaram presos com o fiel em espiral


quando operavam. (número considerado alto, haja vista que não são
muitos operadores que utilizam esse tipo de fiel);
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• 40% responderam que já ficaram presos ou teve problema com o


bornal de perna quando operavam. (um número extremamente elevado
já que muitos operadores utilizam esse acessório).

Além das respostas quantitativas foi deixado o questionário em aberto


para respostas qualitativas caso os operadores se sentissem confortáveis para
relatar ocorrências que ocorreram em situações reais e passaram a falar o
seguinte:
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✓ “Na verdade, meu colega ficou enganchado pelo fiel da maçaneta


da porta (ele usa o fiel de uma forma que o fio fica na parte de cima
do colete)."

✓ "Ainda como aspirante tive uma experiência de ficar preso em uma


janela por conta do bornal, desde então não utilizo mais esse
acessório."

✓ "Em abordagem de praxe sentia dificuldades para desembarcar."


✓ "Na incursão, ele abriu e caíram os materiais."
✓ "Sim, pelo fiel. Depois disso adotamos os coldres com travamento
da arma, excluindo o fiel..."
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✓ "preso ao corrimão da escadaria"

Percebe-se que são inúmeros os casos, contudo ficamos felizes por saber
que fazemos o bem com o feedback abaixo citado:

✓ "Depois que tive instruções com o C35BA, passei a não usar


nenhum dos dois".

Por fim, podemos chegar à conclusão que temos que tomar cuidado em
seguir moda quando o assunto diz respeito a nossa vida.

É indiscutível que devemos usar equipamentos e acessórios, já


que temos que levar vários materiais durante uma jornada de serviço, mas que
sejam legais, confiáveis e testados para situações extremas de risco que a
profissão exige. Segundo Aguiar (2016), “Até 2001 nossos cintos de guarnição,
de couro, permaneceram virtualmente sem mudanças, exceto que nos foi exigido
carregar cada vez mais coisas na cintura. Você precisa ser uma mula para
aguentar este tipo de carga.” Todavia, é possível dizer que é importante o uso
do fiel, contudo o retrátil e não o espiral, enquanto que o bornal deve ser extinto
da atividade policial e os materiais devem ser compartimentados nos módulos
do colete (tema de um artigo futuro), diferenciando os materiais primários,
secundários e desnecessários.
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REFERÊNCIAS

1. AGUIAR, M. BLITZ DIGITAL, 6 Dezembro 2016. Disponivel em:


<https://blitzdigital.com.br/tec-menu/evolucao-dos-equipamentos-policiais/>. Acesso
em: 4 Janeiro 2020.

2. BORBA, F. D. S. Dicionário UNESP do português contemporâneo. São Paulo:


UNESP, 2004.

3. COICEIRO, G. No limite: o imaginário de aventureiros do extremo. 1ª Edição. ed. Rio


de Janeiro: Autografia, 2017.

4. GOLDSTEIN, H. POLICIANDO UMA SOCIEDADE LIVRE. Tradução de


Marcelo Rollemberg. 9ª Edição. ed. São Paulo: EDUSP, 2003. Titulo do original em
inglês - Policing a Free Society.

5. MINAYO, M. C. D. S. Missão previnir e proteger - condições de vida, trabalho e


saúde dos policiais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: fiocruz, 2008.

6. VERRI, L. B. A confiabilidade prática na administração da engenharia. Barra


Mansa: Copyright, 2014.

7. WOSHIGTOM. JUS DÚVIDAS. JUS.COM.BR, 2012. Disponivel em:


<https://jus.com.br/duvidas/280821/policial-que-perde-arma-da-caserna>. Acesso em: 4
Janeiro 2020.

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