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gazetadopovo.com.br/mundo/como-o-mundo-mudou-em-2019/
Nenhum outro país dedicou mais investimentos para preparar o terreno para a 5G do que
a China - um esforço tecnológico classificado pelo cientista político Ian Bremmer como a
mais importante decisão geopolítica tomada nas últimas três décadas e a maior ameaça à
globalização.
Mas por que a 5G chinesa assusta tanto? Os Estados Unidos argumentam que, se os
equipamentos da Huawei fizerem parte das redes globais 5G, o governo chinês poderá ter
acesso aos dados que passarão pelo hardware da empresa, deixando companhias e
cidadãos suscetíveis à espionagem - motivo pelo qual o governo americano proibiu, em
maio, as empresas americanas de comercializarem com a chinesa.
O fundador da Huawei, Ren Zhengfei, insiste que sua companhia nunca permitiu a
espionagem do governo chinês e não planeja permitir. Mas as autoridades dos EUA estão
céticas quanto à resistência da empresa a uma diretiva do governo, já que existe uma lei
na China que obriga as empresas a compartilharem informações com o governo em casos
de segurança nacional.
Além disso, há um vínculo claro entre a empresa e o centro do poder em Pequim. Uma
reportagem do The Telegraph, publicada em julho, mostrou que funcionários da Huawei
já trabalharam para o governo comunista chinês em áreas estratégicas, como o Ministério
da Segurança de Estado, e em projetos do exército.
Sob o governo de Donald Trump, os EUA começaram a dar prioridade à preparação para
um eventual confronto entre grandes potências, como China e Rússia. Isso porque
enquanto os americanos estiveram envolvidos em vários conflitos regionais,
especialmente no Oriente Médio, a China implantou mísseis de precisão e outros sistemas
de contra-intervenção para minar a primazia militar dos EUA - pelo menos na Ásia.
Segundo um estudo da Universidade de Sidney, na Austrália, a balança de forças militares
na região já começa a pender para o lado da China.
Essa postura americana, embora tenha sido desenhada no início da administração Trump,
ainda está sendo implementada. Um dos grandes avanços em 2019 foi a aprovação, pelo
Congresso, da Força Espacial americana, que tem como principal objetivo proteger os
Estados Unidos de um eventual ataque da China ou da Rússia contra seus satélites.
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Pequim, por sua vez, diz que não tem interesse em uma hegemonia regional, mas não
deixou de citar os Estados Unidos em seu mais recente plano militar, apresentado em
julho. No documento, a China afirma que a competição militar global está aumentando e a
culpa é dos Estados Unidos, que está se engajando em "inovação tecnológica e
institucional em busca da superioridade militar absoluta" e ajustando sua postura de
segurança nacional ao considerar a China uma rival.
Sugestões de leitura:
A expansão global da China, porém, não diminui seus problemas em casa. O partido
comunista está enfrentando um de seus maiores desafios da década com os protestos
pró-democracia que eclodiram em Hong Kong, a pujante cidade semiautônoma que é a
principal porta de entrada de capital estrangeiro na China.
Tudo começou em junho, quando o governo local (pró-Pequim) propôs emendas à lei de
extradição de Hong Kong que permitiriam que fugitivos fossem enviados à China
continental, potencialmente expondo dissidentes e críticos do governo comunista à
perseguição política. O movimento rapidamente ganhou corpo e se tornou maior do que
o "Occupy Central" de 2014, que pedia reformas políticas e eleições democráticas na
cidade.
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Os manifestantes conquistaram duas vitórias importantes nesses seis meses de
protestos: o projeto de emenda foi arquivado e políticos pró-democracia venceram as
eleições locais de novembro. Mas agora a situação chegou a um impasse. Enquanto os
manifestantes não dão sinal de trégua, Pequim e Carrie Lam, líder de Hong Kong, afirmam
que não estão dispostos a fazer mais concessões.
Algumas perspectivas não são nada animadoras. “É provável que o regime leninista agora
reduza radicalmente as liberdades que protegia [sob a política "um país, dois sistemas"] e
imponha controles rígidos para garantir que esse tipo de crise nunca mais aconteça. Ainda
não se sabe se Hong Kong pode sobreviver como um centro financeiro internacional sob
esse regime”, analisou Richard Bush, especialista em assuntos da China no Instituto
Brookings, baseado nos EUA.
Enquanto a incerteza paira sobre Hong Kong, a China continua a busca por uma “completa
reunificação” de seu território. O alvo da vez é Taiwan, a ilha governada
democraticamente que se separou da China em meio à guerra civil de 1949. Ao publicar o
Livro Branco do Ministério da Defesa pela primeira vez em quatro anos, a China afirmou
que está disposta a mobilizar forças militares para "conter a independência de Taiwan" e
combater o que considera forças separatistas no Tibete e na região de Xinjiang, no
extremo oeste de seu território. Ao longo de 2019, a China conduziu exercícios militares
perto da ilha e constantemente critica os EUA por venderem armas militares para a nação
insular.
E a perseguição religiosa não para aí. Neste ano, o governo chinês multou igrejas
protestantes pela posse de Bíblias e panfletos religiosos. Todo o material foi queimado
pelo governo. Em outro caso, bibliotecários de uma cidade no condado de Zhenyuan
queimaram livros e materiais religiosos para demonstrar sua lealdade ao Partido
Comunista.
Sugestões de leitura:
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Por volta da metade do ano, o mundo viu com apreensão os acontecimentos que se
desenrolaram no Oriente Médio, temendo pelo pior. Irã e Estados Unidos estiveram à
beira de um conflito com potencial de ser o pior em décadas na região. O ímpeto de
guerra, felizmente, foi contido, mas os problemas estão longe de ser resolvidos.
Uma breve recapitulação do que aconteceu: um ano depois que os Estados Unidos
haviam se retirado do acordo nuclear iraniano de 2015, o país persa, amargando uma
crise econômica resultante das sanções americanas à sua economia, inclusive ao petróleo,
resolveu adotar uma postura mais agressiva em relação ao Ocidente. Suspendeu
parcialmente o acordo nuclear, aumentando os níveis de enriquecimento de urânio e do
estoque do material; engajou-se em uma retórica - ainda mais - combativa em relação aos
Estados Unidos; e pressionou os demais países signatários do pacto nuclear a encontrar
maneiras de burlar as sanções dos EUA para continuar comprando petróleo iraniano. É
suspeito de promover uma série de ataques contra navios petroleiros no Golfo Pérsico -
tendo inclusive sequestrado um navio britânico; e tudo indica que esteve por trás dos
ataques às instalações petroleiras da Arábia Saudita, reivindicado pelos rebeldes do
Iêmen, os houthis, apoiados pelo Irã. (Sim, tudo isso aconteceu esse ano, de maio a
setembro.)
O momento mais tenso do conflito ocorreu quando o Irã derrubou um drone militar dos
Estados Unidos que sobrevoava perto de seu espaço aéreo - as autoridades iranianas
alegaram que a aeronave não tripulada havia invadido o país. Horas depois do incidente,
o presidente americano, Donald Trump, disse que estava prestes a ordenar um contra-
ataque contra vários alvos iranianos, mas mudou de ideia por considerar a ação
desproporcional.
Analistas disseram que o ataque, pela sua natureza sofisticada, evidenciou que as armas
fabricadas pelo Irã, especialmente drones e mísseis, são uma ameaça em rápida evolução,
com potencial de atingir infraestruturas críticas com precisão. Por outro lado, os sistemas
de defesa saudita não conseguiram detectar os mísseis de cruzeiro e os drones que
sobrevoaram suas fronteiras, ressaltando a vulnerabilidade do reino à guerra assimétrica
e questionando a eficácia das armas americanas.
De acordo com o vice-presidente do Middle East Institute, Gerald M. Feierstein, com essa
série de movimentos provocativos projetados para revidar a campanha de "pressão
máxima" do governo Trump, os iranianos conseguiram forçar seus principais adversários,
Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, a contemplar os custos potenciais de uma
guerra e optar por recorrer ao engajamento diplomático. No fim das contas, as tensões
acabaram diminuindo e dando espaço para conversas que podem levar à uma saída
negociada para a guerra no Iêmen. Os Estados Unidos, por sua vez, em uma reversão da
sua política de não-intervenção, aumentaram a presença militar no Oriente Médio ao
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enviar três mil soldados para a Arábia Saudita e um porta-aviões para o Golfo Pérsico, sob
a justificativa de proteger os navios comerciais do país e de seus aliados que navegam
naquelas águas.
Mas com Irã e Estados Unidos longe de chegar a um renovado acordo nuclear, a
instabilidade na região permanece crítica. Soma-se a isso o fato de o regime iraniano estar
massacrando sua própria população ao reprimir protestos desencadeados pelo aumento
abrupto do preço da gasolina. Mais de 300 pessoas morreram em uma resposta dura que,
segundo analistas, mostra claramente que o regime islâmico está em pânico ao ver sua
popularidade diminuir. Porém, todas as facções do regime, inclusive os “moderados”,
apoiaram a repressão - o que, de acordo com Alex Vatanka, especialista em assuntos de
segurança regional do Oriente Médio, pode ser considerado o último prego no caixão do
movimento reformista no Irã.
Sugestões de leitura:
Desde metade dos anos 2000, a Rússia vinha levantando a possibilidade de se retirar do
INF, alegando que o tratado a impedia, injustamente, de possuir armas que seus vizinhos,
como a China, estão desenvolvendo e implementando. A insatisfação fez com que a
Rússia desenvolvesse um sistema de mísseis chamado 9M729. Segundo os russos, seu
alcance é de 480 quilômetros e, portanto, não violaria o INF, que abrange mísseis com
alcance entre 500 e 5.000 quilômetros.
Vinte dias depois de expirado o tratado, os Estados Unidos fizeram um teste de um míssil
de alcance intermediário, disparado de um lançador de solo móvel. Já em dezembro, um
teste semelhante, mas a partir de uma base fixa, demonstrando a intenção e o
comprometimento dos EUA em seguir um caminho pós-INF, em uma clara mensagem
para a Coreia do Norte, Rússia e especialmente para a China. Os EUA têm interesse de
assinar um tratado de controles de armas multilateral que inclua a China no pacote, que
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atualmente investe muito mais em defesa do que a Rússia e que nos últimos anos
expandiu agressivamente seus mísseis de alcance intermediário para consolidar sua
influência no Pacífico.
Na Rússia, há suspeitas de que um acidente nuclear que deixou vários mortos em uma
base militar, em agosto, seja evidência do desenvolvimento de um míssil de alcance
global, anunciado por Putin em 2018.
Agora, só existe um pacto nuclear entre EUA e Rússia ainda em vigor: o Novo Tratado de
Redução de Armas Estratégicas, conhecido como New START, assinado em 2011,
limitando o número de ogivas nucleares estratégicas implantadas pelos dois países. Esse
tratado, porém, vai expirar em 2021. Ele pode ser prorrogado por mais cinco anos, mas a
falta de entendimento entre os americanos e russos indica que seu colapso pode estar
chegando.
Em uma reunião com o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, em 10 de dezembro,
o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, manifestou interesse em
renovar o New Start, mas disse que os EUA não fizeram nenhuma proposta sobre o
assunto. Pompeo, por sua vez, expressou o desejo do governo americano de incluir a
China nas negociações de armas com a Rússia. Pequim já disse que não participará das
conversas, alegando que Moscou e Washington possuem arsenais nucleares
significativamente maiores.
Sugestões de leitura:
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Onda de manifestações no Chile. Protestos com mortes no Equador. Disputa entre
poderes no Peru. Agravamento da crise econômica na Argentina com a volta dos
peronistas ao poder. O ressurgimento das Farc na Colômbia. Um presidente que usa de
artifícios jurídicos para se manter no cargo indefinidamente na Bolívia e é forçado a
renunciar. Um acordo energético que já balançou as estruturas do governo paraguaio. E a
mais grave crise migratória do mundo acontecendo aqui do lado, na Venezuela.
Certamente, 2019 ficará marcado como um ano de grande instabilidade na América do
Sul.
Na Bolívia, o líder esquerdista Evo Morales renunciou após quase 14 anos no poder e o
país agora é comandado por um governo interino da direita conservadora. A renúncia foi
anunciada após 20 dias de conflito que se seguiram à vitória de Evo para um quarto
mandato, na eleição de 20 de outubro, que foi amplamente contestada e acabaria sendo
anulada por irregularidades.
Antes, Evo havia sido pressionado pelas Forças Armadas a renunciar, e até mesmo a
Central do Trabalho da Bolívia, sua aliada histórica, "convidou o presidente à reflexão".
Evo está no momento na Argentina, como refugiado, e é alvo de uma ordem de prisão na
Bolívia. O ex-presidente denuncia a sua saída como um "golpe". O país aguarda a
convocação de novas eleições.
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A atual carta magna é herança da ditadura militar do general Augusto Pinochet e
considerada por muitos o fundamento do sistema econômico que privatizou pensões e
grande parte dos serviços de saúde e educação.
O governo de Sebastián Piñera deu um grande passo para acalmar a agitação, aprovando
uma lei que permite a realização de um plebiscito sobre a nova constituição. Porém, os
manifestantes até o momento não deixaram as ruas.
O Equador também passou por seus momentos de agitação social, motivada por um
corte drástico nos subsídios aos combustíveis. A medida atendia uma exigência do FMI de
redução de gastos do governo em meio a difícil situação econômica.
Mudança de direção nos vizinhos Argentina e Uruguai. Após uma grande derrota nas
urnas, Mauricio Macri, de centro-direita, passou a faixa presidencial para o esquerdista
Alberto Fernández em dezembro. Fernández terá um grande desafio para recuperar a
economia do país ao mesmo tempo em que atende as demandas da sua base
kirchnerista.
Mas a Turquia realmente não está facilitando a vida dos demais países-membros. Neste
ano o presidente Recep Tayyip Erdoğan levou adiante a compra do sistema de defesa
antimísseis da Rússia, o S-400, apesar dos protestos dos Estados Unidos e das
preocupações da Otan de que o sistema russo poderia roubar informações dos caças
americanos que operam na Turquia. A relação entre Ancara e Washington está se
deteriorando rapidamente e Erdogan chegou a ameaçar o fechamento de uma base aérea
turca onde os Estados Unidos mantêm pelo menos 50 ogivas nucleares.
Por outro lado, os investimentos dos aliados da Otan em defesa está aumentando, ao
passo que a pressão exercida pelo presidente Donald Trump para que os países cumpram
a quota de 2% do PIB em gastos com defesa começa a fazer efeito.
A saída do Reino Unido da União Europeia, que deveria ter ocorrido em janeiro deste
ano, ainda está pendente. Mas o capítulo final desta novela deve acontecer em breve.
Com uma vitória histórica do partido Conservador nas eleições deste mês, o primeiro-
ministro Boris Johnson agora tem maioria no Parlamento e prometeu o Brexit para janeiro
de 2020, enterrando de vez a possibilidade de um novo referendo sobre a questão. Ele já
conseguiu aprovar o seu plano de saída da UE, que havia sido recusado pela legislatura
anterior. Porém, ainda há muito trabalho para os políticos britânicos e europeus, que
deverão estabelecer que tipo de relacionamento o Reino Unido terá com a União
Europeia.
11/12
Um acordo nuclear entre Coreia do Norte e Estados Unidos não aconteceu e se
tornou ainda mais improvável. A amizade entre Trump e o ditador norte-coreano, Kim
Jong-un, esfriou e ofensas como “homenzinho foguete” e “velho errático” voltaram a ser
ditas. Mas a agressividade não se restringiu à retórica. Os Estados Unidos continuam a
impor sanções à Coreia do Norte, e o regime de Kim voltou a testar mísseis e reativou uma
base de lançamento de foguetes que havia desmantelado no ano passado. Sem avanço
nas negociações bilaterais, Kim prometeu dar aos Estados Unidos um “presente de Natal
inesperado”, que, por enquanto, ainda não chegou. Especialistas esperam pelo pior: a
volta dos testes dos mísseis balísticos intercontinentais, conhecidos pela sigla ICBM.
Segundo uma nova estimativa publicada em junho deste ano, o teste nuclear feito em
setembro de 2017 teve uma potência equivalente a 250 quilotoneladas de TNT - um poder
explosivo 16 vezes maior do que o da bomba que arrasou com Hiroshima na Segunda
Guerra Mundial.
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