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Suplemento Cultural do Diário Oficial do Estado de Pernambuco nº 58 - Distribuição gratuita - www.suplementopernambuco.com.

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LUCÍDIO LEÃO E MATHEUS BARBOSA

Ensaio inédito de
Silviano Santiago
coloca em debate o uso
dos rótulos literários

ENTREVISTA COM FERREIRA GULLAR • A VODCA COMO PRINCÍPIO DO PRAZER • MARTHA MEDEIROS
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PERNAMBUCO, DEZEMBRO 2010

GALERIA

R IC A R DO MOU R A
“A fotografia, para mim, não é simplesmente uma escolha: ela se impõe como extensão técnica
do meu olhar, opção única diante de um universo que me obriga a registrá-lo. Sorrateira e
constante, a repetição do cotidiano aguça minha percepção do peculiar e, de forma lúdica e
cortês, as infinitas possibilidades de cenário que a luz revela em sua ampla gama de nuances,
tonalidades e colorações me mantêm alerta. O ato fotográfico, exercício contínuo da produção
de registros instantâneos, me é tão viciante quanto o mais sinestésico dos prazeres, e o clique
- som ao mesmo tempo tenro e frio do obturador, um clímax. Todos os dias, constantemente,
com ou sem uma câmera nas mãos, fotografo.”
www.flickr.com/photos/ricardomfn

C A RTA DO E DI TOR sUPERiNtENDENtE DE EDiçãO


Adriana Dória Matos

Não dá para começar esse editorial sem lem- Este jornal chegará às suas mãos um pouco sUPERiNtENDENtE DE CRiAçãO
brar da nossa satisfação em contar, mais uma depois da nova edição da FreePorto, festival
GOvERNO DO EstADO Luiz Arrais
vez, com Silviano Santiago como colaborador literário anárquico que brinca com o status de DE PERNAMBUCO
EDiçãO
do Pernambuco. Seu nome está por trás de importância e seriedade com que costumamos Governador Raimundo Carrero e schneider Carpeggiani
alguns dos mais elucidativos textos sobre a envolver tudo o que se relaciona com a escrita. Eduardo Campos
literatura brasileira (quantas vezes mesmo já Mas para não deixar o evento passar em branco, REDAçãO
Mariza Pontes e Marco Polo
nos pegamos lendo Uma literatura nos trópicos?) e pedimos a um dos seus organizadores, Welling- Secretário da Casa Civil
também alguns dos livros de ficção mais agudos ton de Melo, que escrevesse uma crônica ou o ARtE, FOtOGRAFiA E REvisãO
Ricardo Leitão
das últimas décadas. Nesta edição do jornal, que mais ele quisesse sobre as ideias por trás Gilson Oliveira, hallina Beltrão, Karina Freitas,
texto inédito do autor sobre a problemática desse evento. O resultado foi divertidíssimo: Militão Marques e sebastião Corrêa
relevância dos rótulos para classificar roman- “Como é? Como se faz festa literária? Que COMPANhiA EDitORA
PRODUçãO GRáFiCA
ces e contos. pergunta! Não. Bebo não. Quero só uma soda. DE PERNAMBUCO – CEPE Eliseu souza, Joselma Firmino, Júlio Gonçalves, Roberto
Como em geral acontece quando lemos Veja, primeiro você precisa chamar uns amigos, Presidente Bandeira e sóstenes Fernandes
Silviano, esse texto descortina nossa visão de gente de quem você goste. O quê? Chamar um Leda Alves
mundo e nos faz perceber o que existe por trás produtor? É, tem essa galera que faz projetos, MARKEtiNG E PUBLiCiDADE
Diretor de Produção e Edição Alexandre Monteiro, Armando Lemos e Rosana Galvão
das palavrinhas que lemos: “Literatura francesa, coloca nos editais e não sei o quê lá. Mas você
brasileira ou angolana – trata-se de evidente não estava falando de festa? Então, tem que ter
Ricardo Melo
COMERCiAL E CiRCULAçãO
cacoete nacionalista. Pelo uso do adjetivo, julga- alma”, provoca o texto. Diretor Administrativo e Financeiro Gilberto silva
se que a produção literária é o instrumento ne- Nesta edição ainda Ferreira Gullar, em entre- Bráulio Menezes
cessário para reafirmar a nacionalidade política vista para Rogério Pereira, editor do jornal lite-
emergente, que passa a ser o fundamento da rário curitibano Rascunho, esclarece os espantos CONsELhO EDitORiAL:
nacionalidade institucionalizada. Na apreciação que formam sua poesia e Eduardo César Maia
Mário hélio (Presidente)
dum conjunto de obras literárias pertencentes a conta o que há por trás do romance do Nobel de PERNAMBUCO é uma publicação da
um estado-nação, de que o Brasil é exemplo, o Literatura Mario Vargas Llosa, que a Editora Alfa-
Antônio Portela Companhia Editora de Pernambuco – CEPE
José Luiz da Mota Menezes Rua Coelho Leite, 530 – santo Amaro – Recife
critério de autenticidade e a avaliação da qua- guara promete lançar por aqui no próximo ano. CEP: 50100-140
lidade são estabelecidos pelo grau de represen- Luís Augusto Reis Contatos com a Redação
tatividade.” É isso, bom 2011 e até janeiro! Luzilá Gonçalves Ferreira 3183.2787 | redacao@suplementope.com.br
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PERNAMBUCO, DEZEMBRO 2010

BASTIDORES

Esta bússola
karina freitas

vai em busca
do mínimo
Em seu novo livro de
poemas, autora fala da arte
de se livrar dos excessos
Micheliny Verunschk

Em 2003, eu aprontava o Geografia íntima do deserto e um língua/ sob a língua/ da terra./ Entre o giz/ e a borracha/
poema que não cabia no livro me incomodava. Esse escolhe fazer-se/ e desfazer-se numa terça severa./
poema, sem título, logo eu soube se tratar do germe Não se chama/ o amigo de morto.
de um novo trabalho que, apesar de novo, dialogaria Na versão publicada, o poema fica não só mais en-
com aquele primeiro, como os movimentos de uma xuto como perde todas as bijuterias e resolve melhor
composição musical ou os atos de uma peça. Hoje, uma questão de ritmo interno no que chamo de “nú-
sete anos depois, A cartografia da noite vem a público e o cleo central”. Nele permanece o essencial, que é a
diálogo é possível perceber já a partir do título, pois se sugestão de um jogo de encaixes, desdobramentos
permanece na esfera das relações entre o ser humano e de objetos que contêm outros e que por outros são
a paisagem, que é, a grosso modo, o fio condutor desses também contidos:
dois livros. Desse modo esclareço já que esses livros O morto está preso / dentro de um dia/ como as
fazem parte de um projeto no qual se busca um jogo palavras/ dentro de uma carta./ O morto está preso
CARTUNS de claro-escuro, suas nuances, seus aprofundamentos. qual caixa vazia/ que se guardaria/ dentro de outra
MIGUEL FALCÃO A cartografia da noite é um livro magro dividido em cinco caixa./ E ainda em outra/ [carta, caixa ou casa] se
miguelfalcao@gmail.com partes: Matemática, Projeções, Cartometria, Mapas deposita o morto/ guardado e resguardado/ como
e Contrarrumo, termos tomados da própria ciência uma casa/ dentro de um dia/ como um dia dentro de
cartográfica e que no livro funcionam como síntese, uma noite/ como uma noite/ dentro de uma carta./
ou bússola, de cada aba a qual se referem. Ao longo O morto/ é/ presa.
do tempo o livro foi sofrendo vários cortes e embora Como não poderia deixar de ser, A cartografia da noite
não tenha contabilizado, acredito que cerca de 10 a 15 sofreu também influências de várias leituras. Em pri-
poemas que estavam na primeira versão viraram sobra. meiro lugar, das impressões que ao longo da vida fui
Finalmente, foram sete versões “oficiais”, e digo oficiais colecionando a respeito da noite, esse arquétipo pode-
porque a última sofreu alterações não documentadas. roso. Assim, convergem nessa leitura, desde a “noite
Hoje, eu ainda retiraria ao menos mais um poema (in- escura da alma” de São João da Cruz, passando por um
titulado Biografia), o que não é possível porque o livro já mergulho no mito órfico, até chegar às vivências da
está ali, impresso, me espiando. noite nas cidades dos meus afetos, Arcoverde, Recife
Durante o processo os poemas também sofreram e São Paulo. Desse modo, é um livro marcado, mais
cortes. Menos é mais, diz a frase, e eu a tomo como que qualquer outro trabalho anterior, pelo intertexto.
método de trabalho. Para ilustrar (e de certo modo Uma citação de Osman Lins, em Avalovara, funciona
homenagear Poe e sua Filosofia da composição), dou como na abertura como uma bússola ou credo. E ao longo
exemplo o poema Rubens, que era composto a princípio das páginas se celebra os encontros com Guimarães
de três partes, condensada afinal em uma única: Rosa, Virginia Woolf, os contos de fadas, Sylvia Plath,
I Sophia de Mello Breyner Andresen, entre outros auto-
O morto está preso/dentro de um dia/ como as palavras/ res. Possivelmente há outras influências das quais não
dentro de uma carta./ O morto está preso dentro do seu dou conta de expor, pois embora escrever um livro seja
dia/ como uma noite/ que se tem guardada/ dentro de para mim como montar um mecanismo, há o seu tanto
uma caixa./ Dentro de outra caixa/ se prende/ outra vez/ de mistério, de matéria que não se pode perscrutar.
o morto/ como uma casa/ dentro de um dia/ dentro de Por fim, é salutar que se diga que o livro que estou
uma noite dentro de uma carta/ que contém o morto./ escrevendo atualmente, Outra arte, de certo modo fe-
O morto é presa. chará a tríade. E ao mesmo tempo em que encerrará
um ciclo, abrirá uma janela para uma outra coisa,
II que eu ainda não sei qual é mas estou muito perto
O dia/ se pendura/ nos lençóis do tempo, / seu pêndulo de descobrir.
de enforcado./Escreve uma quietude pura e paira
S / U / S / P /E / N / S / O
numa mesma sempre rija madrugada./ O dia/ se mata/ O LIVRO
toda noite,/ deus desfigurado/ entre o barro e a estre- A cartografia da noite
la./ Pássaro incendiado/ despenca/ e lembra;/ que Editora Lumme editor
amanhece. Páginas 72
Preço r$ 30,00
III
Não se chama/ o amigo de morto./ Ele mira o azul/
enquanto embala/ o sono das redes. / Inventa/ outra
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ARTIGO

A paixão não Só agora,


aos 36 anos
de idade,
ses clichês se conta a vida do presidente Lula.
E também a do russo Piotr Smirnov, fundador
da Smirnoff, vodca cujo litro do tipo mais con-

tem cor, sabor,


bicha velha, sumido, naquela garrafa translúcida de rótulo
como diria a vermelho, custa módicos R$ 21, em qualquer su-
minha mãe, eu permercado. Piotr Smirnov nasceu plebeu em 1831
descobri a vodca. na Rússia, saiu ainda criança da casa dos pais e morreu
Estou dizendo aqui des- aos 67 anos, como um gigante da indústria do país.

mas derruba
cobrir e não beber. Não sou uma B.V., ou boca virgem, A biografia me exigiu, antes, uns goles de batismo
em vodca. Já fui adolescente que veraneava em casa na tradição da vodca na Rússia. Fico sabendo que
de praia e vodca com Fanta era perfeito para as minhas monges russos tinham alambiques nos monastérios,
paixões platônicas de férias. Fui jovem nas matinês e lá nos anos 1500, mas que o líquido era usado para ex-
duas doses de vodca com Fanta rendiam mais danci- perimentos químicos e descobertas científicas. Hum-
Livro desvenda o fascínio nhas do que quatro cervejas. Fui universitária e meu
salário de estagiária não aguentava mais do que três
hum, sei, sei bem. O que saiu de útil dessas pesquisas
o livro nem conta, mas imagino o que rolava naqueles

pela vodca e não esquece o caipiroscas, por saída. Digo que só agora descobri a
vodca porque, só agora, bebo na fonte. Há uns dez
retiros isolados, no alto das montanhas. Também fico
sabendo que beber vodca era o passatempo preferido

porre típico do dia seguinte


dias, derrubei quase num gole só o livro O rei da vodca de Pedro, O Grande, que comandou o país de 1682 a
– A saga da família Smirnov e a construção de um império. Para 1725. Ele institui o gole punitivo. Quem chega atrasado
uma bebum amadora como eu, a obra biográfica de ou falta à reunião deve tomar uma caneca de vodca.
Linda Himelstein é quase um afogamento. Fiquei E quem aqui não já brincou disso, virando um copo
Ana braga de porre já nas 40 primeiras páginas, das 352. Entre de bebida para pagar uma prenda, hein?
outras viagens dessa história apaixonante, saquei, por Bom, com o passar dos anos, a bebida passa a ser
exemplo, porque a gente olha atravessado para usada como pagamento no lugar de dinheiro,
o casal da mesa ao lado, que pede uma como suborno e para encorajar solda-
garrafa de Smirnoff, ao invés de Johnnie dos na frente de batalha. É dada até a
Walker Red ou do vinho chileno Santa mulheres em trabalho de parto e a
alguma coisa. recém-nascidos. O governo cza-
A cena aconteceu de verdade. rista, que mantém forte controle
Ele é loiro, forte e sua muito. Ela, sobre a economia da vodca, aprova
morena clara, tem os cabelos ain- e estimula tudo isso. O consumo
da molhados, tingidos de vermelho elevado é uma forma fácil de encher
escuro. Dou 40 anos a cada. Os dois os cofres do Estado. E claro que isso
sentam à mesa do bar como se estives- dá em merda. Imagine a bagaceira que
sem no cinema, lado a lado (a propósito, seria no Brasil, com a cachaça. Agora
nunca entendi porque casais sentam assim, multiplique isso por mil, que é para aplacar
assistindo à paisagem). Dali a pouco, o garçon ser- o frio na Rússia.
ve uma garrafa de Smirnoff, um balde de gelo, duas O fato é que, quando Piotr Smirnov entra para o
latinhas de soda e dois copos altos. Observo o casal ramo, lá nos anos 1860, a vodca já é mania nacional
tomar quase meia garrafa, ou, meio litro da vodca, (parafraseando a nossa Pitú). Mais do que isso, é um
em 40 minutos. E nos goles intercalados com algum grande negócio. Surgem toda sorte de fabricantes.
petisco, vejo aquele mexidinho de bochecha de quem Muitos clandestinos, destilando vodca de péssima
degusta e tem intimidade. Dá gosto. Dá prazer ver. A qualidade. Os impostos sobre a bebida cobrem um
essa altura, eu, que já estava embriagada com O rei terço das despesas básicas do Estado e ainda geram o
da vodca..., inicio um romance na minha cabeça. Um bastante para pagar toda a defesa do país em tempos
romance russo, claro, como parece ser a vida de Piotr de paz. Cristão ortodoxo e pouco chegado a beber,
Smirnov. Será que o casal aí tem ideia de quem ele Piotr Smirnov talvez tivesse preferido uma vocação
foi? Enquanto vou abstraindo, um amigo exclama na mais digna. Morre como o maior produtor de vodca
minha mesa: “eu desconfio do gosto de quem toma do país, dono de uma empresa em Moscou avaliada
vodca”. O preconceito existe e tem origem antiga. em 20 milhões de rublos, o que equivale hoje a uns
Se o casal do bar e o meu amigo fossem apresentados 265 milhões de dólares. Mas morre com medo e culpa.
a Piotr Smirnov e família, como eu fui, concordariam Ou seja, numa ressaca moral monstra.
comigo: vodca misturada com paixão, negócios, tra-
gédia e superação tem muito mais efeito que qualquer DOsTOIévskI nãO eRA bebuM
uísque e vinho. No auge da popularidade de Piotr Smirnov, em 1880,
Nascido pelas mãos de uma começa um movimento de combate ao álcool. Era
parteira, pobre, cheio de ir- como se a vodca na Rússia fosse, hoje, o crack no
mãos, trabalhador desde Brasil. E é aqui que entram o casal da garrafa de Smir-
criança e retirante. Com es- noff, o meu amigo, eu, você e todo mundo que
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PERNAMBUCO, DEZEMBRO 2010

olha atravessado para quem pede uma dose ou uma Guiness. Ah, e era raríssimo ver garrafinhas de Ice evitar o trocadilho: junta a fome com a vontade de
garrafa de vodca, ao invés de Johnnie Walker Red ou isso, Ice aquilo. beber. Encontrei também o “Primeiro Bar de Vodca
vinho Santa alguma coisa. O preconceito atravessou Pouco antes de saber que faria este texto, dou de de Curitiba”. Ou seria o único do Brasil? E o adoles-
o mapa e o tempo. Meu colega de agência, Tota Faria, cara com um anúncio da Smirnoff reproduzido no livro cente que bebe um litro de vodca em 20 segundos,
um admirador incondicional da bebida, já ensinaria: Razão e sensibilidade no texto publicitário, de João Anzanello para aparecer quase morrendo no vídeo que outros
“Ana, toda vodca é discriminada. Alguém sempre acha Carrascoza. A peça veiculada em 1990 traz uma foto adolescentes fizeram e publicaram no YouTube? No som
estranho você pedir. Ainda mais se for pura. Mas eu de Mikhail Gorbachev e um nostálgico texto sobre a do carro, escuto essa semana o anúncio de open bar de
gosto e ainda peço pelo nome, para prestigiar a marca”. queda do Muro de Berlim. A marquinha vermelha no Smirnoff até 1h. Festa estranha, com gente esquisita.
Lá na Rússia, na turma do contra, aparecem es- cocuruto do líder russo, aliás, foi bastante explorada Diz um provérbio russo que “o homem veio do pó
critores e intelectuais. Justamente esses que a gente pelas fábricas de vodca do mundo inteiro. Tanto que, e ao pó voltará. Nesse meio tempo, é bom tomar um
cita em mesa de bar, para sair de sabida. Nos livros, em 2004, Gorbachev chegou a registrar o sinal de gole de vodca”. E eu completaria: e se forem goles,
crônicas e artigos, bebuns são sempre imundos, al- nascença. que sejam de vodca boa. Com todo respeito às nossas
mas perdidas, fracas, que inspiram piedade e causam De fato, não é de uma marca de vodca que a gente conterrâneas Bolvana, Natasha e Slova, mas a ressaca
destruição. Fiódor Dostoiévski, por exemplo, cujo lembra, quando para e pensa num anúncio ou co- dessa aguazinha destilada, verdade seja dita, é uma
pai foi um bêbado cruel, escreve apaixonadamente mercial legal. Mas nesses dias de pesquisa etílico- das piores do mundo. Que o diga Piotr Smirnov e,
sobre os perigos da vodca. O dramaturgo e médico político-cultural, descobri peças elegantérrimas da imagino, aquele casal da mesa ao lado da minha, que
por formação Anton Tchekhov, muito antes de fa- própria Smirnoff, da Absolut, Stolichnaya (carinho- derrubou o litrão de Smirnoff em menos de duas horas.
zer Tio Vânia, escreve uma crônica em que chama a samente chamada de Stoli), Wyborowa e outras (só
vodca de “sangue do diabo”. E Tolstói, que quando na Wikipédia aparecem 250 nomes, das mais diversas Ana braga é jornalista.
jovem foi um bebum de primeira, mudou a casaca procedências, como Israel e México), que deixariam

T EO R A LC
e se tornou, a bem dizer, um evangélico da sobrie- Johnnie Walker, Keep Walking no chão.

T EO R A
c a ip i r s k
dade. Conta o livro que ele teve uma crise religiosa Descobri, por exemplo, Woody Allen e
depois do sucesso de Anna Karenina e resolveu revelar Groucho Marx vendendo uma edição es-
suas transgressões em Confissão. “Mentiras, roubos, pecial da Smirnoff numa revista
c a ip
promiscuidades de todos os tipos, embriaguez, vio- e comerciais de puro
lência, assassinato. Não há um único crime que eu realismo fantástico
ICED D GR

não tenha cometido”, declara. da Absolut.


A peleja é só o começo da história. Outra lapada E no cinema?
osk
i ro
grande na família Smirnov vem com a Revolução O famoso Dry
ICE

O OÓ
Bolchevique, em 1917. Dessa vez, a destilaria é confis- Martini de Ja-

LC
a* a
cada e o filho de Piotr, Vladmir, que consegue fugir da mes Bond é fei-
GR E

Ó L LIC
a*
prisão, reabre a fábrica em Paris, onde a grafia da marca to com vodca. No
muda para a que a gente conhece hoje, com dois efes. primeiro filme da
a ç ú ca ICO O 3
N ç
EE

ú
Sabendo desse drama todo, nem o casal, o garçom, série, 007 contra o sa-
meu amigo preconceituoso, eu e você bebemos mais tânico Dr. No, um diálogo

E N * VO r
ca r ++vvodka 35 5
* V D KA+CREM odka ++ li% 6
Smirnoff do mesmo jeito, como uma bebidinha. Uma explica a preferência. Dr.
aguazinha. A propósito, vodca, veja só, é o diminutivo No solicita: “A medium Dry

E DE M lim
O D KA+CREM E DE m

% 0 oo
de água, em várias línguas eslavas. Martini, lemon pell, shaken, not
A vodca me segue e não é no Twitter. Posso lembrar stirred”. E Bond pergunta: “Vodca?”.

60%%
aqui de passagens curiosas para mim. Uma delas em Dr. No, enfaticamente: “Of course”.

oo MEEN
São Petersburgo, antiga Leningrado. Estive lá em 2008,

NT
I lIke nO Facebook

ã
a trabalho. Foi a primeira vez, em 12 anos de profissão,

TA

ã
asc
oses de vodka + pimenta Tab sc

que me deram bebida alcoólica num evento formal. Agora recebo novidades da Smirnoff, Absolut, Wy-
Um, dois, três shots de vodca bem gelada antes do borowa, Stoli e Skyy, pelo Facebook. É tipo relação de

YA
iinncceennddiiáárriioo**22ddoses de vodka + pimenta Taba

A
almoço, para ficar pensando melhor. Não beber se- apaixonados. Os facebookers trocam informações a

YA
ria uma grosseria da minha parte, com os anfitriões. todo instante. Um clube do uísque, só que vir-

PAPA
Mas impossível foi ver aquela dancinha russa tipo tual e com vodca, claro. Adriaan Barkey Wolf,

PAA
ciranda, num sobe e desce danado, sem ficar tonta. por exemplo, pergunta no perfil da Smirnoff,
Um genuíno porre, com direito a Perestroika e outros se “anyone knows a nice vodka cocktail which

OP
palavrões russos. is not too hard to make?”. Eu mesma respondi

Ã
Nos quatro dias que fiquei em Petersburgo, capital da com dois: Bloody Mary e Sex on the Beach. Meus
Rússia até 1918 (um ano depois da Revolução Russa) e amiguinhos de feice também me contaram que

AM ÃO
M AM
quarta maior cidade da Europa, vi vodca por todos os Paul McCartney e Black Eyed Peas exigiram a

IA M
lados. Disfarçadas em copos da McDonald´s nas mãos vodca premium francesa Grey Goose. E que sir

T A
dos jovens, vendidas nos supermercados com todos Paul, inclusive, tem uma música cujo título é
os níveis de destilação, pureza e sabores, oferecidas
no frigobar do hotel, exibidas como souvenires no
Morse moose and grey goose.
É claro que, entre tantas histórias ligadas à vod-
FAAT I
2F
aeroporto. Porém, na única chance de balada que tive, ca, existem esquisitices. Uma delas é vodca com
vi os russos bebendo cerveja long necks. Especialmente sabor de salmão. Criação lá do Alaska. Não consigo

2
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T IAS DE KIWI +
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HALLINA BELTRÃO SOBRE FOTOS DE DIVULGAÇÃO

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6
PERNAMBUCO, dEzEMBRO 2010

entrevista
Ferreira Gullar

São os espantos da
vida que forjam o
interior da poesia
Em entrevista por e-mail para o editor do jornal literário
curitibano Rascunho, o poeta maranhense revela que
seus versos resultam da matemática dos seus espantos
divulGação/ FliP

alguma parte alguma, um livro repleto de perple- diz Gullar nesta entrevista concedida por e-
Entrevista a rogério Pereira xidades também encontradas nos poemas de mail ao Pernambuco.
Muitas vozes, de 1999. Gullar retoma (ou conti- Ferreira Gullar é, acima de tudo, um poeta
Ferreira Gullar chega aos 80 anos de vida nua) temas que lhe são muito caros: a pequenez realizado. Em 2010, recebeu o prêmio Camões
(completados em 10 de setembro) com uma do cotidiano em contraposição à imensidão — considerado a mais alta distinção conce-
vitalidade impressionante. E com o olhar ainda do universo e a passagem do tempo, refletida dida a um autor de língua portuguesa — e é
mais aguçado para os espantos que a vida lhe principalmente na morte, contra quem luta celebrado pela crítica como o maior poeta
causa. É a partir destes espantos — a junção munido fortemente de belos versos. “Sei que brasileiro em atividade. “Como o sentido do
entre o inusitado e o sublime do cotidiano — que um dia não estarei mais em nenhuma parte, que escrevemos é chegar ao leitor, ao outro,
nascem os seus versos. Isso há 61 anos, desde o senão no que escrevi. A obra é o outro corpo ganhar um prêmio como esse (o Camões) é a
surgimento de Um pouco acima do chão, sua estreia que criamos para permanecermos presentes comprovação de que chegamos lá”, afirma.
poética em 1949. Agora, lança o inquietante Em quando este, de carne e ossos, desaparecer”, Disso, ninguém duvida.
7
PERNAMBUCO, dEzEMBRO 2010

Busco dizer Buscar a


o que for de transcendência
modo sucinto é necessidade
e inesperado, de todos nós, o
para que que não implica
assim também necessariamente
surpreenda o leitor na crença em Deus
Em alguma parte alguma foi Muitos escritores a sua opinião sobre a produção caminho correto, a meu ver, esteja elaborando, como
escrito entre 1999 e 2010. (principalmente prosadores) poética brasileira? seria uma campanha, em um filósofo. Poeta e filósofo
Portanto, foram onze anos consideram a poesia um gênero Hoje, mais releio que leio. Mas âmbito nacional e internacional, relacionam-se diversamente
trabalhando neste livro. Como literário superior aos demais. O também não releio todo dia. Passo de educação dos jovens. com o conhecimento: um
se deu toda a feitura do livro? E senhor concorda? tempo só pensando e escrevendo busca explicar o mundo
como nascem/surgem os seus Não se trata disso. A poesia é, na ou lendo sobre a atualidade Quais absurdos do mundo coerentemente; o outro se
poemas? verdade, um modo especial de política e social. Sempre li a contemporâneo mais o espanta e constrói o poema
Como costumo dizer, meus relacionar-se com a realidade, história dos povos e do meu país. incomodam? sem se perguntar se está se
poemas nascem do espanto, ou de inventá-la. Talvez o que a Outra leitura minha, frequente, Uma das coisas mais absurdas contradizendo ou não. Os versos
seja, de algum fato ou descoberta distinga dos demais gêneros é a das questões ideológicas . da época atual é o terrorismo. citados expressam momentos
que me surpreende e me mostra seja a sua excepcionalidade Só muito fanatismo, só muito diversos da vida: um é estar
um lado da existência inusitado. e a busca do essencial. O que significou o Prêmio ódio e burrice, levados ao livre dos condicionamentos
Camões na sua vida de escritor? extremo, podem explicar que sufocariam a poesia; o
O senhor afirma que a Seus dois livros mais recentes Ganhar o Prêmio Camões tamanho desatino. outro, a consciência de que
poesia “lida com o acaso — Muitas vozes e Em alguma foi uma coisa tão inesperada desaparecerei para sempre,
e a necessidade”. Qual é a parte alguma — trazem quanto gratificante. Como o Há no Em alguma parte alguma restando, quem sabe, a
necessidade que o move em belíssimos poemas sobre a sentido do que escrevemos a presença de temas bastante lembrança de alguém, por
direção à construção da poesia? morte e a passagem do tempo. é chegar ao leitor, ao outro, recorrentes em Muitas vozes, algum tempo. Buscar a
Não adoto método algum O senhor teme a morte? De que ganhar um prêmio como especialmente a consciência transcendência é necessidade
para escrever os poemas, maneira o senhor a encara? esse é a comprovação de que da morte e a perplexidade de todos nós, o que não implica
antes me deixo arrastar pela Não, não temo a morte, chegamos lá. proveniente da simultaneidade a crença em Deus.
descoberta que me surpreendeu embora não a deseje. Sei entre a vida comum e o turbilhão
e me pôs em estado capaz de que um dia não estarei mais O senhor acompanha muito das galáxias. É possível ver em Em Muitas vozes há um poema
escrever o poema. Não é que em nenhuma parte, senão atentamente o mundo que o tais obras uma extensão, como se intitulado “Inventário”, que
tenha exigência no fazer. Pelo no que escrevi. A obra é o cerca. E sobre ele emite opiniões um livro continuasse o outro? diz: “o Gullar que bastasse/
contrário, busco dizer o que for outro corpo que criamos para em sua crônica semanal na Folha Sim, essa perplexidade está em não nasceu”. Em alguma parte
de modo sucinto e inesperado, permanecermos presentes. de S. Paulo. Qual a sua opinião mim e se mantém através dos alguma traz “O duplo”, o qual
para que assim também sobre dois temas extremamente anos. Em dado momento, por indica haver “um outro/ que
surpreenda o leitor e o faça viajar O senhor é reconhecido pela recorrentes na sociedade: alguma razão, volta e me faz é mais Gullar do que eu”. Em
comigo nesse mundo poético. crítica e reverenciado pelos a legalização do aborto e a escrever sobre ela. Nisso, um livro alguma medida, tais poemas,
O primeiro a ser surpreendido leitores, musicado por cantores descriminalização das drogas? continua o outro. reunidos, evocam o “Traduzir-
pelo poema sou eu mesmo, o populares, ganhou o Prêmio Sou a favor da legalização do se”, e, sobre este, eu pergunto
primeiro leitor. Camões e virou até nome aborto, porque constato que a Num dos prefácios de Em se você o inventou ou foi por
de avenida, no Maranhão. A não legalização não impede que alguma parte alguma, Alfredo ele inventado? Quem é este
É possível criar um método que atribui tais fenômenos? as mulheres, em determinadas Bosi fala da convivência Gullar que, em pouco tempo,
para se escrever poesia? Ou Qual a sua opinião ao ser situações, sejam levadas a amorosa e tensa de materialismo passa de inexistente a mais
é a poesia que comanda o considerado hoje o maior poeta praticá-lo. Nenhuma mulher e metafísica em sua poesia. Gullar do que você próprio?
poeta, que diz quando está brasileiro em atividade? aborta por prazer. Quanto às Poemas como “Off price” (“Que Não sei nem quero explicar essas
pronta para vir à luz? Esse reconhecimento me drogas, não acredito que legalizá- a sorte me livre do mercado”) coisas. Não busco coerência,
Como disse, não tenho método surpreende e me lisonjeia. las seja a solução. A venda de e “Um pouco antes” (“Não te não faço teoria, são espantos,
para escrever, já que o poema Creio que se deve em parte ao cigarros, de remédios, de pedras custará nada imaginar/ que constatações inesperadas.
deve ser uma invenção que escrevo e, em parte, às preciosas não é proibida, mas estou sorrindo ainda naquela
inesperada. Certamente, tenho circunstâncias eventuais; uma existe tráfico dessas mercadorias, nesga/ azul-celeste/ pouco Que conselho o senhor daria a
um jeito próprio de escrever, delas, ter vivido muito e me não existe? A descriminalização antes de dissipar-me para alguém disposto a se dedicar ao
como todo poeta o tem. Não manter ligado aos problemas não vai acabar com o tráfico, sempre”) sinalizam que o seu ofício de poeta?
se trata de método e, sim, de que afetam a todos. porque ele, de fato, é mantido materialismo está em fase de Poesia não é profissão, é destino.
modo de lidar com as palavras, por quem consome drogas, já sublimação ou transcendência? Que vá em frente.
já que todo poeta inventa Quais poetas contemporâneos que não existe comércio, legal Meus poemas não são
sua própria linguagem. o senhor lê com atenção? E qual ou não, sem consumidor. O expressão de uma teoria que *Colaborou Marcos Pasche.
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PERNAMBUCO, DEZEMBRO 2010

fICÇÃO

kArInA freItAs

Como. Fazer uma festa literária?


sistema fazendo cultura de acordo com as normas né? Mas a gente não ligava não. Só depois. É, quando
Wellington de Melo do sistema. Mas tem o lance da contracultura, né acabou. Uma festa precisa ter o tamanho certo para
não? Que no final das contas é só uma engrenagem ser humana. Se crescer demais, vira outra coisa, vira
a mais do sistema, fazer o quê? Mas é uma tentativa produto cultural, terceirização de sonhos. Adorno,
Como é? Como se faz festa literária? Que pergunta! de fazer algo diferente, sair da mediocridade. Fazer blá-blá-blá. Já falei nisso, né? Não, quero não. Não
Não. Bebo não. Quero só uma soda. Veja, primeiro uma festa requer cuidado com os convidados, com fumo nem careta. O que importava era que todos se
você precisa chamar uns amigos, gente de quem o som que eles vão ouvir, que no final é o som divertissem. Lá vem você de novo com isso de festa
você goste. O quê? Chamar um produtor? É, tem que você quer ouvir, se não a festa não é sua, é de literária. Batatinha. Aceito batatinha, pede aí. Bom,
essa galera que faz projetos, coloca nos editais e não outra pessoa que criou algo para você ficar bem na eu tinha falado do tema. A galera de comunicação
sei o quê lá. Mas você não estava falando de festa? fita. Amadorismo profissional! Ou seja: respeito. E reclama quando a coisa não... comunica! Dizem
Então, tem que ter alma. Antes de tudo. Colocar respeitar não é colocar uma mesa com drinks grátis que tem que ficar claro para o público e tal, que a
tudo nisso para que seja verdadeiro, saca? Se você pra a galera se embebedar, meu velho. É diferente, proposta, que a comunicação e que e que e que.
quiser chamar um produtor para ajudar a criar sua vá por mim. Não é fazer entrada VIP, não, charuto A diferença entre artistas e comunicadores é que
festa, beleza, desde que ele esteja com no espírito. Se bacana na entrada. Eu fazia umas festas em Gaibu os primeiros podem aceitar que não controlam a
for seu amigo, melhor. Se não tem espírito, priu. O no final dos anos 1990, início dos 2000. Chegou mensagem, que isso é irrelevante. Tem alguns que
produtor pode ajudar na burocracia. Quem fornece um momento em que havia gente ali que eu nem até não, que acham que mandam no texto e se você
a cerveja, quem arranja o som, onde ele tem que conhecia. Festas altamente concorridas, mas sem interpretar outra coisa você é um jumento. Tenho
estar etc. Sem eles não rola, mas eles têm que estar o espírito inicial. Pronto, deixamos de fazer. Então essa possessividade com a obra não. Com arte é
na onda. Hein? Não, não acho que tem que ser pro- insisto: chame seus amigos para montar a festa e assim, porque o que importa talvez é o que você
fissional, não. O cérebro da produção da FreePorto peça que chamem os amigos deles, que, depois faz com sua vida a partir do que produzo com mi-
é um amigo meu chamado Osvaldo Braga, professor de feita a festa, poderão ser seus amigos também. nha arte. O que eu queria dizer é tão insignificante
de Biologia. Essa lógica de que você fala é outra. Literatura? Por partes, estou falando de festa. Depois diante disso, né não? Seria tão mesquinho se eu
Adorno falou disso, né? Opa, valeu, amigão! Soda defina um tema. As festas de Gaibu sempre eram criasse algo só para que me ouvissem, só para que
num dia de sol é massa! Então, essa lógica é outra, é temáticas. Jaime, amigão meu, sempre inventava me entendessem. É mais que isso, né não? Então
a lógica do produto cultural, feito para os formadores algo diferente. Juntávamos uma galera, cada um a gente cria um tema, que pode ser algo completa-
de opinião, para atender às políticas públicas A, B trazia o que podia. Hein? Se a gente cobrava entrada? mente absurdo como inventar um país imaginário
ou C, para justificar a existência das produtoras de Não, só pedia que quem pudesse ajudar para pagar a chamado Nova Bulgária e chamar os escritores que
eventos, dos cargos comissionados etc. e tal. É o comida e a bebida. Penetra? Toda festa tem penetra, a gente conhecia para serem governantes desse
DIVULGAÇÃO

INVENÇÃO
Marco O famoso e polêmico romance Catatau, de Paulo
Polo Leminski, é relançado pela Editora Iluminuras
Os defensores da literatura mente e no coração de Renatus
de invenção estão em festa. A Cartesius (como é chamado o
Iluminuras acaba de lançar uma filósofo francês Rene Descartes,
nova edição de Catatau, de Paulo que vem parar no Recife de
Leminski (foto). Subintitulado Maurício de Nassau e vê todo seu
de Um romance-ideia pode ser visto famoso racionalismo “infectado”
também como um romance- pelo caos da realidade tropical).
rio: nele desaguam misturados Ele está sob um árvore, fumando

MERCADO erudição e achincalhe,


trocadilhos e nonsense,
uma erva narcótica, esperando
um polonês que lhe explicaria

EDITORIAL neologismos e palavras-valises,


numa profusão de sons que
aquilo tudo, mas que só chega na
linha final do livro e totalmente
tentam traduzir o que se passa na bêbado.
país. Aí inventar que a festa seria a celebração desse uma galera que goste de literatura, que ache que
novo governo, brincar de faz de conta e criar uma literatura não precisa de gravata, de gabinete, que
história em conjunto com todos os participantes. ache que literatura flui pelas veias, em cada esquina,
RPG? É, um negócio meio RPG cabeção feito entre em cada mesa de bar, nas academias, não só nelas,
escritores e leitores, é. Aí a galera da comunicação nas universidades, nos corredores, principalmente
diz que não comunica. Garçon, outra soda! Posso neles, no quarto do seu filho, debaixo de um pé de
pedir mais batatinha? Beleza. Definido o tema, pau em Buíque, no olhar da minha mãe, na hora
explique-o para seus amigos, peça que eles criem do almoço dos comerciários, no ônibus voltando
também e deixe rolar, porque daí a festa vira de pra casa. Se achar uma galera que pensa assim, que
todos. Chame uma galera responsa para dar uma literatura é bem mais do que pompa, ego, índice de
cara à sua ideia. Escritório de design? Claro, desde status social, vitrine para cargo público, trampolim
que a galera entenda também a ideia, seja parceiro para as colunas sociais, desculpa para ser alternativo
e viaje com você. Lembra do amadorismo profis- porra-louca, revoltadinho classe média, maneira de
sional? É quando os profissionais envolvidos amam se associar à “novíssima geração literária” ou à len-
o que estão fazendo, cara. Arranje uma galera que dária “geração 69”, forma de posar de intelectual nas
possa ajudar a financiar a coisa. Podem ser amigos rodinhas descoladas, você está feito. Porque sua festa
que tenham recursos como som, uma casa legal, literária terá espírito. Eu já falei do respeito? Pronto!
acesso a gráficas para rodar o material etc. Em Gaibu E respeito, fera. Mantenha o respeito. Que vai bem
tudo era com a gente. Se a ideia é fazer um lance além de dar um cachê pra se arrombar ou colocar
maior, rola explicar de novo a ideia pra algumas os convidados em hotéis cinco estrelas ou dar festas
empresas. Alguém que pague os folhetos, outro bombadas VIP mother fucker. Porque respeitar um
que consiga o lanche, outro que faça um preço bom escritor é, antes de tudo, ouvi-lo, dar a atenção que
pro som. Os amigos ajudam na produção. Consiga ele merece por ser seu convidado, por ser quem é,
uma maneira de recompensá-los, mesmo que seja por ter algo a dizer, por fazer parte de sua viagem.
com cinquenta contos para ajudar na passagem Respeito pelos leitores, dando o máximo que você
ou até um abraço forte. Recompensar vai além do puder de si em cada detalhe, mesmo que eles não
dinheiro, muito além. Divulgue do jeito que der, entendam tudo, que achem uma ‘viagem’. Respeito,
se preocupando mais em preservar a ideia do que respeito, respeito. É isso, eu acho. Eita, chegou a
cumprir as metas do mercado. Faça a festa aconte- batatinha de novo. Quer ketchup?
cer. Divirta-se ao máximo. Acho que é isso. Como
se faz uma festa literária? Rapaz, sério, não tem Wellington de Melo é escritor. Produz, com Artur rogério
que ser diferente não. Eu diria o seguinte: arranje e Bruno Piffardini, a freePorto – festa Literária do recife.

MELODRAMA DESENHO

As relações de Manuel Puig Clássico da arte-educação é relançado pela editora gaúcha


com a cultura de massas Zouk, e desta vez com o seu texto revisto e ampliado
A Editora da UFF está publicando A Zouk Editora é um somente faz reflexões sobre a
o livro A traição de Manuel Puig: desdobramento da Zouk Galeria linguagem gráfica das crianças,
melodrama, cinema e política em uma de Arte, de Porto Alegre, como analisa o desenho através
literatura à margem, do professor Rio Grande do Sul (zouk@ de mestres da antiguidade, como
e pesquisador Maurício de editorazouk.com.br – (51) Leonardo da Vinci e Ingres,
Bragança. O ensaio aborda a 3024.7554)), que está relançando até grandes artistas brasileiros
apropriação crítica que o escritor um livro já considerado um contemporâneos como Amilcar
argentino faz dos subprodutos clássico na área de arte-educação, de Castro e Regina Silveira. No
da cultura de massas, Formas de pensar o desenho – livro são ainda enfatizados os
redimensionando as relações Desenvolvimento do grafismo infantil, da elementos do desenho, como a
entre colonialismo e tradição, e artista e educadora Edith Derdyk. linha, a expressividade, o objeto GOVERNO DE
PERNAMBUCO
os deslocamentos entre centro e É uma quarta edição, revista e representado e a relação com os
periferia. ampliada, em que a autora não materiais.
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CAPA

LUCÍDIO LEÃO E MATHEUS BARBOSA

Rótulos “sinceros” nos


interessam (e muito)
O problema das palavras Na modernidade ocidental, quando se fala de li-
teratura, nada tem sido menos rigoroso, nada tem
liberdade conquistada no plano político por D. Pedro
I deveria espraiar-se pelas artes, tornando-se o hífen
que condicionam e pautam a sido mais oportunista e, ao mesmo tempo, nada
tem sido mais indispensável do que toda e qualquer
que amarraria culturalmente regime pós-colonial
e cidadão. Pouco importava, então, se a jovem na-

nossa relação com a literatura adjetivação do substantivo.


Literatura francesa, brasileira ou angolana – trata-
se de evidente cacoete nacionalista. Pelo uso do
ção livre, que a literatura representava, continuasse
caudal da metrópole e seu povo fosse confundido
com a elite branca e estrangeira dominante. O ad-
Silviano Santiago adjetivo, julga-se que a produção literária é o ins- jetivo nacionalista tinha ranço iluminista e retórico.
trumento necessário para reafirmar a nacionalidade Escrevia-se uma “comunidade imaginada”, para
política emergente, que passa a ser o fundamento usar a expressão de Benedict Anderson.
da nacionalidade institucionalizada. Na apreciação Literatura parnasiana, simbolista ou modernis-
dum conjunto de obras literárias pertencentes a um ta – trata-se de evidente cacoete universitário. O
estado-nação, de que o Brasil é exemplo, o critério adjetivo condiciona o estudo e o ensino das letras a
de autenticidade e a avaliação da qualidade são es- sucessivas fases dadas pela história literária, tendo
tabelecidos pelo grau de representatividade. Há 176 como modelo explicador o estilo literário preva-
anos, quatro anos depois da nossa Independência, lente nessa ou naquela época. As fronteiras sociais
a correlação entre poesia e nação, estabelecida por emprestadas à arte pela adjetivação nacionalista
Ferdinand Denis, traduzia a indispensável adjetivação são ultrapassadas pela adjetivação estilística e, em
de brasileira para a literatura que estava sendo feita atitude só hoje discutível, ocidentaliza-se a noção
na ex-colônia portuguesa: “(...) a América deve ser de literatura, transformando-a em belles lettres. Em
livre tanto na sua poesia, quanto no seu governo”. A evidente eurocentrismo, a abordagem estilística toma
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o conjunto da produção literária de todo e qualquer do substantivo literatura, mas com a finalidade de “Donner un sens plus pur aux mots de la tribu” (Dar
estado-nação, de que é exemplo o Brasil, uma parte estabelecer uma grande diferença. Descarta-se do um sentido mais puro às palavras da tribo). A busca
do “universal” literário. Pela opção estético-estilísti- conceito de estado-nação a inabalável hegemonia de uma pureza redentora da palavra poética, trans-
ca, critica-se o historicismo da postura descrita pelo da elite dominante e precisa-se o conceito de povo formada em sucedâneo laico do Santo Gral, é o modo
adjetivo de cunho nacionalista. Defensor da metodo- dominado. Elite dominante e povo dominado têm como o artista justifica a própria vida e sua obra, ao
logia estilística de leitura, Afrânio Coutinho esclarece o palco tomado pela luta de classes internacional, mesmo tempo em que contribui para o bem geral da
que a literatura não é um “bólide no espaço”, mas enquanto os personagens da classe operária saem nação dos tribalistas. A obra literária de Mallarmé foi
também não é “um epifenômeno da economia ou em busca da supremacia revolucionária universal. elaborada “pour aboutir à un Livre” (para terminar
da vida social”. E conclui: “O essencial é o estudo Entre nós, Antonio Candido buscou um equilíbrio por um Livro). Livro, não se duvide, com inicial
da obra em si mesma”. delicado entre a postura metodológica formalista e maiúscula, como no caso da Bíblia sagrada. Sem
Modelo de historiador pelos sucessivos estilos a conteudística. Sem se descurar dos ganhos es- qualquer adjetivação, a literatura sela pacto com o
literários apresentados em cronologia, o francês téticos garantidos pela análise estilística do texto fracasso estético na contemporaneidade consumista
Gustave Lanson (1857-1934) afirmava que a história literário, ele procura fundamentar os ganhos por e marca encontro com o sucesso na eternidade. O
literária tinha montado até então, para uso próprio, análise ideológica complementar, em que a função que têm a ver esses poucos e apressados exemplos de
uma “paródia” das ciências sociais. O fim da paródia social da literatura alcança preeminência. Eis como rebaixamento estético, desempenhado por qualquer
anunciava o interesse exclusivo pela especificidade o mestre paulista formula o problema fundamental adjetivo acoplado ao substantivo literatura?
estética da literatura. No século 20, a nova anun- da análise literária: “averiguar como a realidade O principal fim da reflexão inicial é otimista e
ciada por Gustave Lanson produziu uma série de social se transforma em componente de uma estru- ideológico. Colocar o leitor de literatura num beco
metodologias de leitura que centravam o foco da tura literária, a ponto dela poder ser estudada em si sem saída. O rebaixamento estético desempenhado
luz crítica na análise do texto – na explication de texte, mesma. E como só o conhecimento desta estrutura pelo adjetivo aponta para o relativismo metodológico
como dizem os pedagogos franceses, acentuando permite compreender a função que a obra exerce”. que, antes de afirmar como essencial o primado
o aspecto formalista da leitura dita científica. As Na conclusão a que chega, afirma-se o equilíbrio: intransferível do gosto individual e de caracterizar
novas metodologias coincidem com o aparecimento “convenço-me cada vez mais de que só através do como inútil a discussão sobre a literatura, alimenta e
dos formalistas russos (1910-1930) e culminam no estudo formal é possível apreender conveniente- torna indispensável o debate público pelo enfraque-
chamado pós-estruturalismo francês (1970-1990). mente os aspectos sociais”. cimento da certeza de que não há um modo absoluto
As sucessivas correntes metodológicas englobadas Desde meados do século 19, com a intenção sabida de se escrever e de analisar e interpretar a literatura.
pelos marcos visavam a aproximar o estudioso do de azucrinar a cabeça dos historiadores e professo- Ela sempre escapa a qualquer modelo que se lhe
conhecimento do texto literário pela “literarieda- res de literatura que se compraziam em qualificar imponha. Como não se deixa explicar por adjetivos,
de” (ou seja, pelo que torna tal texto literário), para a literatura por adjetivação, grandes poetas, como a boa literatura independe também de qualquer um
retomar o conceito clássico dos formalistas russos. Stéphane Mallarmé ou Paul Valéry, têm apresentado dos “manifestos literários” que estiverem na moda
No seu bojo e pelo seu avesso, o fim da história configurações da obra literária em que qualquer ad- e de qualquer uma das metodologias de análise de
literária como “paródia” das ciências sociais trouxe jetivo aposto ao substantivo é logo afastado e negado. texto que predominam nessa ou naquela univer-
também outra série de metodologias de leitura de A finalidade da proposta de origem oitocentista é, por sidade. A produção e o conhecimento da literatura
caráter universalista, que, ao contrário do que se um lado, a de singularizar e enobrecer o instrumento é um trançado que não está isento de repetições
esperava, aumentavam consideravelmente o peso de trabalho do escritor-artista – a linguagem –, e, acumulativas, devaneios utópicos, clarividências
dado aos critérios de ordem econômica e social na por outro lado, a de desacreditar as definições de premonitórias da ciência, equívocos passageiros da
interpretação da obra literária, acentuando o as- literatura de caráter geográfico, histórico ou social. sensibilidade, luta de deserdados pela identidade,
pecto conteudístico da análise. Esses critérios são Citemos Stéphane Mallarmé, o poeta dos poetas. No guerras intestinas pelo poder artístico etc. Em suma,
tomados de empréstimo da adjetivação nacionalista soneto Le tombeau d’Egard Poe, lê-se que cabe ao poeta é um beco sem saída.
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PERNAMBUCO, DEZEMBRO 2010

CAPA

FOTOS: DIVULGAÇÃO

A cultura passa
a ser o local por
excelência das
reivindicações
políticas dos
subalternos étnicos
no Ocidente
a temos entendido no Ocidente, não poderia ter um
sucedâneo substantivo em culturas não-ocidentais,
ou este sucedâneo só seria considerado positiva-
mente se fosse invenção do próprio Ocidente? Os
ocidentais não deveriam dialogar mais com o seu
outro (não-ocidental), e vice-versa?
Entre nós, é iluminador o modo como jovens pes-
quisadores universitários têm escutado e reproduzido
textos de indígenas brasileiros. Definem-se pontos
em comum entre cultura ocidental (europeia) e cul-
tura não-ocidental (indígena) no Brasil, pontos estes
que desandam o norte da bússola teórica, ao mesmo
tempo em que certezas humanas são robustecidas.
Cláudia Neiva de Matos, que tem coligido literatu-
ra indígena na região amazônica e, em troca, tem
ensinado literatura brasileira aos seus habitantes
originais, disse-me que, de todos os trechos de ro-
mances e poemas da nossa literatura que oferece nos
seus “cursos”, há um que sempre causa pouquíssima
estranheza aos novos e distantes leitores. Trata-se
de uma passagem da rapsódia Macunaíma, de Mário
de Andrade. Estaria isso acontecendo se Mário não
tivesse re-substantivado, com a apropriação em sua
rapsódia de mitos indígenas da região de Roraima, o
adjetivo brasileiro, de nítida feição ocidentalizada,
na expressão literatura nacional?
O terceiro fim da discussão sobre o adjetivo que
qualifica a literatura é engajado politicamente. Reme-
te-nos a este encontro no Recife, Literatura regionalista
e o escritor contemporâneo: O regionalismo na contemporanei-
dade, cujo título, tanto a nível progressista quanto
a nível pragmático – e mercadológico –, expressa
a busca de inesperados e atuais adjetivos para o
substantivo literatura.
Na política contemporânea, a questão regional fica
aquém e além do estado-nação; fica também aquém
e além do conceito neoliberal de globalização. A du-
biedade espacial – decorrente da configuração do que
seja o objeto identidade regional na atualidade – afeta
de modo sistemático a compreensão dos problemas
que a literatura (e as artes em geral) coloca. Antes de
ser um enigma artístico ou literário, a atualidade do
regional tornou-se arma política de muitos gumes.
Alguns afiadíssimos. Outros poucos, cegos.
Defender hoje a regionalização do literário pode
significar uma atitude crítica em relação ao atual
governo da nação brasileira, atitude semelhante à
tomada nos anos 1930 pelos escritores “tenentis-
tas”, como Graciliano Ramos. Durante os quase
dez anos em que o Estado Novo sequestrou a nação
Vidas Secas O segundo fim é esperançoso. Mostra como o rela- ditoriamente no plano da geografia planetária que para moldá-la da sala presidencial do palácio do
acentuou o tivismo metodológico e, por consequência, ideológico, está sendo globalizada pela economia neoliberal Catete, os romances de Graciliano tanto acentuaram
regionalismo é a garantia de que novas brechas de esperança podem que pipocam inacreditáveis reviravoltas literárias. o regionalismo combativo das “vidas secas”, quanto
combativo e ser abertas na massa compacta do saber constituído Citem-se, por exemplo, as reviravoltas culturais que a “angústia” alagoana, assassina do milionário e
Macunaíma sobre a literatura. Depois dos anos 1960, quando as sugerem o livro Orientalismo – O oriente como invenção patrioteiro Julião Tavares. Eis dois exemplos notáveis
buscou explicar políticas advogadas pelos grupos minoritários vieram do ocidente, de Edward Said. A cultura passa a ser o de sabotagem regional e literária aquém e além do
o Brasil à luz da discussão coletiva, outros e originais adjetivos local por excelência das reivindicações políticas projeto de estado-nação getulista.
juntaram-se ao substantivo literatura. Literaturas da dos subalternos étnicos no Ocidente (de que são De década e meia para cá, estamos vivendo sob a
mulher, afro-americana, judaica, gay, lésbica etc. exemplo, no caso latino-americano, os índios e os implantação de novo projeto nacional. Até 2002 ela
Trata-se de compromisso indelével do texto literário africanos), ou dos excluídos pela ocidentalização foi feita sob a responsabilidade do PSDB; a partir de
com a constituição de novas e até então impensáveis do mundo não-ocidental pelo slogan democracia 2003 temos uma versão modificada, que está sendo
identidades – raciais, linguísticas, sociais, sexuais e liberdade. Parodiando Caetano Veloso, que disse enraizada sob a responsabilidade do PT. A diferença
etc. –, que nada têm a ver com as antigas identidades só ser possível filosofar em alemão – será que só se política na atitude dos escritores regionalistas bra-
nacionais ou regionais e têm pouco a ver com as meto- pode fazer e pensar literatura valendo-se exclusiva- sileiros (o contrassenso na adjetivação se impõe) de
dologias de análise que se afirmavam pelo centramento mente das línguas escritas ocidentais responsáveis hoje reside no questionamento do modo como as
no ocidentalismo étnico e fálico da literatura. pela exclusão das tradições não-ocidentais? A lite- várias e diferentes regiões do vasto território brasileiro
Se poucas e desastrosas reviravoltas financei- ratura da tradição escrita ocidental não deveria ser estão sendo atualmente selecionadas, priorizadas e
ras têm acontecido na performance operada pelo mais permeável às manifestações da tradição oral premiadas nos planos econômico, social e cultural,
centramento econômico da globalização, é contra- não-ocidental, e vice-versa? A literatura, tal como pelo processo de implantação do estado nacional
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PERNAMBUCO, DEZEMBRO 2010

DIVULGAÇÃO

globalizado. A luta tem os tons ardorosos e suicidas não mencionar Abril despedaçado, Baile perfumado, Amarelo casulos de resistência maniqueísta, o mais evidente Artistas como
da guerra fratricida e, ao mesmo tempo, os tons manga e Cinema, aspirinas e urubus). Contraditoriamente? deles sendo o da disputa pelo mercado entre o produto Ariano Suassuna
ardentes e vitais da melhoria para todos os cidadãos Nem tanto. Através do cinema, a temática regionalista nacional e o importado, entre o produto “natural” e reaprendem
brasileiros, indiscriminadamente. procura o diálogo com a nação brasileira. o enlatado, entre cantores “caipiras” e cantores “ser- as artes do
Tentemos compreender com simpatia e afeto o Com a mesma simpatia e afeto, focalizemos agora tanejos”. Programas como os de Inezita Barroso e de palanque
escritor contemporâneo nosso (em particular o que se a luta pelos valores regionais (em particular os de tantos outros cantores caipiras, apesar de gravados em político nos
instala em políticas e estéticas regionais, como as que caráter cultural). Essa luta expressa o modo como videoteipes, se dão como lazer de operários ao ar livre programas da
se afiguram como fortes aqui nos estados do Nordes- o artista ataca com a mesma lança a duas feras: o do parque do Ibirapuera, em São Paulo, e são contra as TV Cultura.
te). Ele se despede novamente do projeto nacional, monstro da globalização a partir do modelo norte- crueldades praticadas contra o boi e espetacularizadas
para abraçar a crítica radical aos processos pelos quais americano e o seu filhinho também monstruoso, o em rodeio pelos cantores sertanejos, como Chitãozinho
os tentáculos da globalização, ao tomarem conta dos modelo nacionalista posto em prática, em particular, e Chororó, ou por algumas novelas da Globo. O povo
estados nacionais latino-americanos, mcdonaldizam pelo penúltimo governo do planalto central. operário no gramado do Ibirapuera se confunde com
as diversas formas da diferença regional, com um Nos novos tempos, permanecer aquém do projeto o povão eletrônico, ambos combatentes de causas
fim julgado não revolucionário, antiecológico e in- nacional em vigor é para os artistas regionalistas ter nobres e humanas.
justo econômica e socialmente. É como se o escritor como alvo algo que está além dos partidos políticos Já que estivemos falando da atualidade do regiona-
regionalista estivesse nos dizendo que, lá de cima, nacionais. No seu radicalismo programático, o proje- lismo pela primeira vez no Rio Grande do Sul – estado
a globalização econômica amamenta cá no terra a to regional desconfia do projeto nacional globalizado emblemático do Brasil fronteiriço –, retomemos o
terra o retorno mítico das identidades regionais que, que está sendo realizado pelos Três Poderes, por ter fio da meada aqui no Nordeste no mesmo clima de
por seu turno, são obrigadas a se insurgirem contra o sido ele colocado sob o domínio do monetarismo, do simpatia e afeto. Agora, para falar de outra projeção
estado-nação instalado em Brasília e a globalização consumismo e das bolsas de valores. Desqualifica-o da cultura regional, por certo mais ardilosa e arris-
determinada pelo Primeiro Mundo. com os instrumentos precários que tem a bordo: a cada, já que, por um lado, não segue os parâmetros
Artistas de nítida dicção regionalista, como Aria- zabumba nordestina, a viola caipira mineira ou a da luta popular estabelecidos pelo finado século 20,
no Suassuna e Antônio Nóbrega, depois de longos sanfona gaúcha. Não o acata como intermediário e, por outro, descaracteriza como falsas as formas
anos de trabalho regional, reaprendem as artes do ou parceiro na luta contra a globalização econômica agudas do regionalismo e do nacionalismo engaja-
palanque político nos programas da TV Senac ou da pelo Primeiro Mundo. O liliputiano enfrenta o gi- dos e combatentes, pregadas também pelo finado
TV Cultura. As peças de teatro de Ariano, como o gante, sem a mediação ou a parceria dos partidos século. Falemos de substantivas culturas nacionais,
Auto da Compadecida, reganham o sucesso que conhe- políticos nacionais – se me permitem a comparação agora devidamente regionalizadas em outro e mais
ceram antes da ditadura militar, em pleno período tomada ao inglês Swift. O liliputiano o enfrenta amplo contexto geográfico, o da União Europeia ao
populista pré-64. Por outro lado, a cidade de Porto com a parceria das proliferantes organizações não norte ou o do Mercosul entre nós. Há o regionalis-
Alegre se tornou a sede de encontros internacionais governamentais (ONGs) que, como instituições mo, o nordestino, dentro de um estado-nação, o
contra a globalização pela economia neoliberal. São supranacionais, agregam os subalternos de todos Brasil, de que já falamos, e há o regionalismo do
sucedâneos festivos, paródicos e críticos dos austeros os matizes políticos, com a intenção de levá-los ao próprio estado-nação, o Brasil, dentro duma união
seminários econômicos organizados pelo FMI, como combate de igual para igual com o gigante. Começar de estados-nações, que está sendo formada, o Mer-
o de Davos, na Suíça, ou dos organizados pela OMC, por discriminar matizes talvez seja a forma de tornar cosul. Essas culturas nacionais, se devidamente
como o de Seattle, nos Estados Unidos. Esse estado mais relevante essa luta desigual, que às vezes tem regionalizadas, se tornariam aliadas e mais fortes
de coisas gera uma consequência artística regional. o tom justo do cinza-chumbo e às vezes os tons sem ter por projeto a desconstrução dos respectivos
Os jovens cineastas urbanos, formados pelo padrão grandiloquentes do verde-amarelo. estados-nações, como sempre esteve sendo proposto
nacional de qualidade Globo, nascem para a arte sob A cultura regional como terreno de luta estética pelos regionalismos (no primeiro sentido da palavra).
o signo do regionalismo nordestino (v., entre muitos, abre cisão no tecido uniforme da indústria cultu- De acordo com essa recente projeção política, o
os filmes Auto da compadecida e Lisbela e o prisioneiro, para ral hegemônica, e se apresenta como produtora de conceito de regional ao adjetivar cultura adquiriria
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PERNAMBUCO, DEZEMBRO 2010

CAPA

LUCÍDIO LEÃO E MATHEUS BARBOSA

um segundo e mais forte significado. As culturas


nacionais regionalizadas estariam aquém – embora
no mesmo plano – da indústria cultural globalizada
As culturas clientes, mais perdia em intensidade e profundidade.
Talvez tenhamos chegado, neste novo milênio, a
outro momento-chave da discussão sobre literatura.
e estariam além – embora no mesmo plano – das
culturas nacionais cujo epicentro é o estado-na-
ção. Há que salientar dois momentos. No primeiro
nacionais Não iremos dizer uma vez mais e equivocada-
mente que ela está morta. Diremos que passa por
um processo de transformação, semelhante a ou-
deles, haveria dentro do estado-nação como que
uma aliança estratégica das culturas regionais com regionalizadas tros processos de transformação por que passou no
passado, a fim de renascer das cinzas e continuar

estariam aquém
a correspondente cultura nacional. Num segundo sendo um dos mais felizes meios de expressão que
momento, cada cultura nacional coesa, robustecida o homem encontrou para melhor conhecer a si e
e não enfraquecida pelas diferenças circunstanciais falar da sociedade em que se inscreve e do mundo

– embora no
internas, se articularia a outras culturas nacionais em que vive.
num contexto geográfico mais amplo (o do Merco- A transformação se daria na aproximação das
sul ou o dos estados-nações de língua portuguesa, antigas belles lettres das novas configurações do que
enfeixados pela Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa, eis dois bons exemplos). O novo todo
(necessariamente fragmento do processo de globali-
mesmo plano – da seja cultura, estabelecidas sob o signo da antropolo-
gia social. Para sobreviver ao peso da tradição que a
fundou na antiga Grécia e a tornou objeto maleável e
zação econômico levado a cabo pelo neoliberalismo)
é constituído de alianças e de constelações, cujo
intuito político, social, econômico e cultural é o da
indústria cultural instigante ao correr dos séculos até a modernidade,
a literatura ocidental acabou bebendo água da fonte
da juventude das culturas marginalizadas, optando
troca regional de recursos e valores no combate à contextos supranacionais propostos, como o do por um frescor que, antes de ser genealógico, é ca-
uniformização pelo Primeiro Mundo. Mercosul? Literatura sul-americana e literatura do tastrófico e construtivamente desterritorializador.
Repitamos. As partes regionalizadas, de que são Mercosul seriam adjetivos imprecisos e narcisis- No século 20, os processos de desterritorialização
exemplos os estados-nações dos países sul-america- tas, reminiscentes do cacoete nacionalista a que nas artes e na literatura foram comandados pela sua
nos, se somam para formar um todo supranacional, o nos referimos no segundo parágrafo. Literatura das contaminação por culturas marginalizadas e não
Mercosul, que, fortalecido pela soldagem das partes margens, talvez fosse a melhor proposta, pois não só ocidentais. Veja-se o papel das culturas africanas nas
em jogo, pode combater de maneira mais eficaz a levaria em conta a margem que o adjetivo regional artes plásticas da vanguarda europeia; regionalize-se
fonte do todo globalizado. representa dentro do respectivo estado-nação, como a perspectiva com o papel da mitologia indígena em
Estamos falando de uma projeção política de também a margem que ganha o novo significado Macunaíma. Esses e muitos outros exemplos foram
cultura que, estrategicamente, toma assento em de regional no momento em que passa a adjetivar catalogados sob a rubrica de hibridismos. Desne-
instituições supranacionais a serem construídas o estado-nação dentro duma aliança de estados- cessário é relembrá-los nos seus detalhes, tão mar-
pelos estados-nações já envolvidos e a serem envol- nações periféricos. Num terceiro movimento essa cantes foram e continuam a ser para a constituição
vidos em alianças, cujas pontes foram idealizadas literatura das margens lançaria outras pontes de con- de identidades nacionais destruídas em virtude da
coletivamente e em reação ao poder esmagador da vivência com as diversas culturas e literaturas que se colonização ocidental do mundo.
globalização econômica em processo. Juntos, os sentem também marginalizadas pelo atual processo Não estamos querendo retornar ao tema do hi-
estados-nações aliados saem em busca de outra e econômico e político em marcha pelo planeta terra, bridismo nacionalista. Estamos falando de algo
nova identidade, ao mesmo tempo nacional e su- como as literaturas africanas, ou asiáticas, ou como utópico e inesperado – as literaturas regionais do
pranacional. O companheirismo (político, social, a literatura palestina ou afegã. Mercosul, ou as literaturas regionais dos estados-
econômico e cultural) nunca aceitará sem luta os Se no campo propriamente dito da cultura as qua- nações de língua portuguesa, que se encontram na
princípios hollywoodianos ou mcdonaldizados da lidades políticas dessa postura devem ser realçadas, CPLP. Algo a ser construído pelas novas gerações,
universalidade. talvez seja preciso precaução no seu uso aplicado ao ainda que fragmentária e precariamente. Algo de
Ao propor o estado-nação na qualidade de região campo das artes, ou melhor, ao campo estreito do concreto – política, social e economicamente – a
que é parte dum conjunto supranacional, estaremos que se convencionou chamar, desde o século 19, de ser alicerçado nas frágeis bases da cultura. Mais uma
dialogando positivamente (e desejamos que o diálogo literatura, ou de belles lettres. manifestação do abjeto “culturalismo”? Talvez sim,
seja também crítico) com o modelo que está sendo Ou não. se o contexto ideológico ainda fosse o dos anos 1930.
criado e proposto pela União Europeia e que, no Ao final do século 18, tomada pelo impulso da Estamos falando da possibilidade de reconstrução do
início do novo milênio, recebeu excelente estudo estética, a literatura se tornou objeto único, rarefeito mundo com tijolos que não são os convencionais,
por parte do filósofo Jürgen Habermas, em Après l’État- e original no contexto do saber humano. Mais perdia com tijolos não formatados pelo poder hegemônico
nation – Une nouvelle constellation politique. À diferença do clientes, mais ganhava em intensidade e profun- da economia neoliberal globalizada. Reconstruir o
nosso raciocínio, que se atém por princípio à questão didade. As obras literárias de Stéphane Mallarmé, mundo pelas margens, pelas manifestações cultu-
cultural, a análise de Habermas, como não poderia de James Joyce e de Guimarães Rosa estão aí e não rais e pelo desejo – este, sim, universal – de justiça
deixar de ser, centra-se nos aspectos propriamente nos deixam mentir. Em oposição, as consecutivas para todos. Um sonho. Talvez não. Mais um sonho
econômicos da fase seguinte à do apogeu do estado- adjetivações de literatura também estão aí e não nos culturalista. Talvez sim.
nação europeu. deixam mentir. Essas adjetivações visavam a tornar
Voltemos à nossa proposta inicial. Para o bem a literatura menos única, rarefeita e original. Mais pé Silviano Santiago é autor de Uma literatura nos trópicos
e para o mal, como adjetivar a literatura num dos no chão. Quanto mais a literatura adjetivada ganhava e Cosmopolitismo do pobre.
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PRÊMIO

A literatura
MAÍRA GAMARRA

infantil é um
negócio sério
Concurso literário da Cepe
coloca em primeiro plano
a ficção para os pequenos
Diogo Guedes

As leituras infantis, ainda que algumas vezes re- Estreantes na literatura


legadas a um segundo plano dentro da academia, infantil, Lucas Mariz (esq.)
normalmente são as que deixam mais marcas, e Manoel Constantino
além de serem o principal meio de se formar um receberam R$ 8 mil pelo
futuro leitor. Quem não se lembra de sua obra in- primeiro lugar no concurso
fantil preferida, de autores como Monteiro Lobato,
Ruth Rocha, Ziraldo? Ciente disso, o 1º Concurso
Cepe de Literatura Infantil e Juvenil, com mais
de quatrocentos trabalhos inscritos, anunciou as como a importância da iniciativa. “Na era da so-
seis obras vencedoras de sua seleção, buscando ciedade da informação, cada vez mais as crianças
incentivar a publicação de novos autores. estão distantes da leitura de obras impressas. A
Coube à comissão julgadora, formada pelos pro- proposta é incentivar essa leitura”, comenta.
fessores Wanda Cardoso e Aldo Lima, pela editora Para Ronaldo Correia de Brito, autor de um
da Fundação de Cultura da Cidade do Recife, He- clássico da literatura infantil pernambucana, Baile
loísa Arcoverde, e por dois escritores com experi- do menino Deus, a primeira parte do processo de
ência na área, Ronaldo Correia de Brito e Fernando escolha foi a separação entre o que era literatura
Monteiro, a missão de escolher os vencedores. infantil e o que era literatura juvenil. “De fato, o
Os primeiros prêmios – de R$ 8 mil cada – foram meu critério principal foi avaliar nas obras a sua
para dois pernambucanos, ambos estreantes no criatividade, seu o valor narrativo e o que elas
campo da literatura infanto-juvenil: Lucas Mariz, tinham de ensinamentos. Tive uma preocupação
vencedor da categoria infantil, e Manoel Constan- com os aspectos éticos, humanos, mas sem ser
tino, vencedor da juvenil. A paulista Ana Cristina moralista”, explica. Ainda segundo ele, a preocu-
Abreu e o pernambucano Itamar Morgado ficaram pação com os aspectos éticos se deveu à presença
em segundo e terceiro lugar na categoria infantil, de histórias de conteúdo amoral. “Ao mesmo
que ainda teve duas menções honrosas, com Re- tempo, a ideia foi fugir, embora com cuidado,
nata Wirthmann e Francisco Hélio. No juvenil, o de olhares apenas morais, de meras fábulas”.
pernambucano Urian Agria ficou em segundo, o Fernando Monteiro, autor do infantil O nome
paulista Felipe Arruda, em terceiro, e houveram de um hamster, ressalta que, nas obras juvenis,
quatro menções honrosas às obras de Junior Camilo deve-se privilegiar no texto uma abordagem
de Souza, Rejane Maria Paschoal, Gisele Werneck sincera do mundo. “O cuidado maior é com não
e Elói Elisabete Bocheco. ser hipócrita nem sancionar uma visão hipócrita
Segundo Lucas, o seu O conto do garoto que não é das coisas, porque ser adulto é, em parte, lidar
especial ironiza um clichê de obras infantis. “Em com a hipocrisia 23 horas por dia”, defende. Em
Percy Jackson, Harry Potter e Kung Fu Panda, relação às histórias infantis, o principal ponto,
existe uma agonia para que todos sejam especiais. para ele, é evitar a concepção errônea que alguns
No meu conto, o personagem não é especial. O autores têm do público-alvo. “O critério básico
mundo é que é especial, e as pessoas participam seria não subestimar as crianças, mas respeitar
desse mundo”, explica o autor. a maravilhosa percepção que elas têm de tudo,
O jornalista e diretor teatral Manoel Constantino, antes de irem penetrando no mundo de um su-
por sua vez, criou, em Anjo de rua, uma narrativa posto ‘amadurecimento’”.
centrada na história de meninos de rua do Recife. Ronaldo faz uma análise semelhante. “Existe
“Eu escrevi o livro há dez anos, e quase não mostrei essa tendência negativa no escritor infantil. Ao
a ninguém”, comenta. A obra surgiu da notícia real invés de ajudarem as crianças a pensar, a cons-
de que um menino, depois de roubar uma bolsa, truir uma linguagem, a brincar com as palavras,
foi pego por populares e jogado de uma das pontes eles reduzem a idade mental das crianças com o
do Bairro do Recife, sendo encontrado morto. Na texto”. Para ele, muitos escritores simplesmente
versão de Manoel, o jovem morto é o anjo da guarda se deixam levar pela vontade de falar como crian-
que acompanha o personagem principal do livro. ças. “Quando se escreve para elas, há normal-
“A Cepe acertou em cheio com o concurso, mente um desejo de abordar algumas questões
criando um espaço em âmbito nacional para da infância. Mas eu estou de acordo com vários
uma seleção com esses gêneros. Foram positivos autores que dizem que o bom texto para crianças
também a quantidade de obras submetidas e o é também um bom texto para adultos”, argumen-
consenso dos jurados, bastante raro, sobre quais ta Ronaldo, comentando também que está em
obras deveriam ser premiadas”, elogia Heloísa seus planos fazer outras obras infantis, quando
Arcoverde. Outro destaque para a editora foi que, conseguir uma pausa na literatura “adulta”. Para
mesmo com a seleção anônima, dois pernambu- Fernando, no entanto, o papel principal de quem
canos terminaram com os prêmios principais. Já se dirige às crianças é descer do próprio pedestal
Wanda Cardoso, vinculada à Secretaria Estadual de do amadurecimento. “Quem escreve para crian-
Educação, ressaltou o alto nível dos textos, assim ças deve se esquecer que cresceu”, sintetiza.
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RESENHA

A história de Num pequeno ensaio crítico intitulado “As raízes do


humano”, que faz parte do volume A verdade das mentiras,
de 2001, Mario Vargas Llosa descreve apaixonadamente
ção no movimento independentista irlandês, o que o
colocou contra a Coroa e a opinião pública britânicas,
que tanto o admiravam por seu labor humanitário

um romance
suas impressões de leitor sobre o já consagrado romance anterior. O fato é que, durante a Primeira Guerra Mun-
O coração das trevas, de Joseph Conrad, publicado pela dial, Casement estabeleceu vínculos estratégicos com
primeira vez em 1902. Essa impactante narrativa se a inteligência militar alemã – rival maior da Inglaterra
desenvolve na época da aventura colonial europeia na – a fim de conseguir treinamento militar e armamento
África – durante o governo de Leopoldo II, rei da Bélgica, para os independentistas. Seus planos não saíram

anunciado
que à época possuía como domínio colonial o Congo (o como planejara e ele acabou sendo acusado de traição
qual equivalia a mais de 75 vezes o tamanho da Bélgica). e condenado à morte na Inglaterra.
A experiência real de Joseph Conrad como funcionário A conversão ao nacionalismo gaélico de Casement
da marinha mercante de Leopoldo II transformou-se, que, em sua juventude, esteve muito identificado com
nove anos depois, em material literário e deu luz a uma os ideais do Império Britânico de levar civilização e
Como o Nobel da hora das obras-primas do século 20. A marca que essa obra
deixou em Vargas Llosa transparece durante todo o seu
progresso aos países que colonizava, é um dos te-
mas mais interessantes do livro. O rapaz idealista, que

retornou ao centro do já citado ensaio e culmina em seu mais novo trabalho,


o romance O sonho do celta, publicado recentemente
chegou à África como um orgulhoso representante
de um mundo racional e ilustrado, foi sendo trans-

“coração nas trevas”


em Madri, pela editora Alfaguara, e que já está sendo formado pelo contato direto com uma realidade tão
traduzido para o português. atroz que, pouco a pouco, levou-o a reavaliar todas
O personagem central de O sonho do celta é uma figura as suas crenças e convicções. Sua posterior adesão ao
histórica real: trata-se do irlandês Roger Casement nacionalismo radical e à luta independentista armada
Eduardo Cesar Maia (1864-1916), cônsul britânico que esteve no Congo na Irlanda foi fruto dessa mudança de valores, de sua
Belga no início do século passado e foi testemunha repulsa categórica a todas as formas de colonialismo,
das atrocidades cometidas em nome dos chamados ainda que, obviamente, reconhecesse que a situação
três “C”, que, juntos, justificariam a empresa colonialista irlandesa como parte do Império era bem diferente da
europeia: Cristianismo, Civilização e Comércio. Além desumana realidade colonial congolesa e amazônica.
disso, Casement foi amigo íntimo de Conrad naquele Contudo, as múltiplas facetas de Roger Casement
período e foi quem primeiro alertou o escritor a respeito não se esgotam aí. Ao que tudo indica – inclusive por
do que realmente acontecia ali. Mario Vargas Llosa, por um diário pessoal divulgado à época do seu julgamen-
sua vez, realizou uma verdadeira investigação para to como parte da campanha difamatória promovida
reconstituir, com a máxima precisão possível, a vida pelos ingleses –, Casement era homossexual. Um dos
aventureira e heroica desse “Bartolomeu de las Casas” maiores méritos literários do romance é justamente a
britânico, que, após denunciar a barbárie praticada recriação ficcional desse aspecto de sua vida, sobre
pelos homens brancos “civilizados” no Congo, viajou o qual muito pouco se sabe, mas que, no livro, tem
com o mesmo objetivo humanitário para a Amazônia uma importância fundamental na construção veros-
Peruana – região que vivia o auge do ciclo da borracha símil de um personagem tão complexo. A operação
– e, ainda, envolveu-se com a luta independentista da da inteligência britânica no intuito de desprestigiá-lo
Irlanda em meio ao tumulto da Primeira Grande Guerra. na Inglaterra e, principalmente, na Irlanda, alcançou
Não obstante toda a minúcia na representação dos em grande parte seu objetivo, devido obviamente ao
fatos históricos, trata-se de uma obra de ficção e mui- estrito moralismo da época, principalmente entre os
to do que é relatado extrapola os limites da pesquisa católicos irlandeses.
realizada. O escritor peruano utiliza sua habilidade de Na epígrafe, Vargas Llosa utiliza uma passagem
narrador para tentar imaginar e descrever de forma viva, de Motivos de Proteu, do uruguaio José Enrique Rodó:
verossímil e pungente a turbulenta trajetória de Case- “Cada um de nós é, sucessivamente, não um, se-
ment – e, principalmente, a riqueza e complexidade não muitos. E essas personalidades sucessivas, que
de sua vida interior –, mostrando o papel fundamental emergem umas de outras, costumam oferecer entre
desempenhado por ele na mudança da percepção si os mais estranhos e assombrosos contrastes”. Pa-
que a opinião pública europeia e norte-americana lavras que caracterizam a extraordinária riqueza e
tinha em relação às atrocidades de que eram vítimas ambiguidades da vida social e íntima de Casement.
os trabalhadores congoleses e os índios amazônicos, Em sua pesquisa, Vargas Llosa viajou ao Congo e se
uns sob o julgo da Companhia Comercial da Bélgica, e surpreendeu com o desconhecimento absoluto das
outros, submetidos a um regime de cruel servidão pela pessoas em relação ao nome de Roger Casement; e
The Peruvian Amazon Company, empresa peruana de o mesmo se dá na Amazônia, onde, fora de círculos
extração de látex pertencente a Julio César Arana, que acadêmicos muito específicos, ele é também uma
funcionava numa região fronteiriça entre Colômbia e figura completamente ignorada.
Peru chamada Putumayo, e que contava entre seus
acionistas com personalidades da sociedade inglesa. A RAZÃO CRIA MONSTROS
O sonho do celta – nome tirado de um poema naciona-
“MISSÃO CIVILIZATÓRIA” lista escrito pelo próprio Casement –, é um título que
Tanto no Congo Belga quanto na Amazônia perua- sugere muitos significados. A palavra sonho pode ser
na, Casement testemunhou até onde podia chegar a interpretada simplesmente como sinônimo de ideal
crueldade humana. Os castigos, psicológicos e físicos, ou desejo; contudo, como na frase gravada num fa-
alcançavam por vezes requintes de sadismo: órgãos moso desenho de Francisco de Goya, “O sonho da
genitais eram cortados ou esmagados a marteladas; razão produz monstros”, a palavra pode tomar uma
mulheres e crianças de trabalhadores fugitivos eram conotação mais profunda, que se relacionaria com a
violentadas e mortas diante de toda a tribo para servir capacidade humana de criar valores (razão universal,
de exemplo aos demais; mutilava-se uma mão ou um nacionalismo etc.) e depois esquecer de que na verdade
pé de quem não cumpria as cotas de trabalho. Mas não passam de construções, de grandes narrativas às
a descrição não pára por aí – Vargas Llosa consegue quais acabamos submetendo-nos como indivíduos e
fornecer um painel vivo e intenso do que foi aquele sacrificando a liberdade e nossa consciência.
período tão efervescente quanto ignominioso. Ademais Essa é a crítica de Vargas Llosa – sempre latente em
das torturas e explorações, o escritor nos mostra como suas narrativas – ao entendimento da História como
aquela estrutura de poder funcionava em termos eco- disciplina fechada, pretensamente “científica”, pois,
nômicos e como aquelas comunidades, além de passar para o ficcionista, a história, que deve ser escrita sempre
pelo massacre físico, tiveram destruídas suas tradições, com “h” minúsculo, é “um ramo da fabulação que
culturas e instituições. Os brancos, representantes da pretende ser ciência”. Um exemplo muito claro disso
cultura europeia ocidental, aparecem como seres ainda pode ser dado justamente por Roger Casement: seus
mais primitivos, e com um agravante: ao contrário dos contemporâneos, ingleses e irlandeses, o julgaram
nativos, que acreditavam em rituais e sacrifícios como de forma cabal, preconceituosa e parcial. Hoje, após
atos metafísicos, os representantes da “cultura superior” a recriação ficcional de sua personalidade em O sonho
agiam de maneira cruelmente consciente. Homens que do celta, somos levados a entender que um herói e um
antes acreditavam estar numa missão civilizatória e mártir não são um protótipo abstrato e perfeito, mas
moral se tornaram mais bárbaros do que os bárbaros. um homem... E cada homem, como escreveu Walt
O fato é que, na “balança” dos brancos europeus, que Whitman sobre si mesmo, “contém multidões”. Tam-
aferia o grau de humanidade entre os diferentes povos, bém fica claro que, seja pela história ou pela literatura,
negros e índios “pesavam” muito menos, pois não eram é impossível chegar a conhecer completamente um
considerados “racionais”. indivíduo em toda sua complexidade.
Outra etapa fundamental da vida de Roger Casement
retratada no romance foi a de sua importante participa- Eduardo Cesar Maia é mestre em teoria literária.
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KARINA FREITAS SobRE FoTo DE DIVULGAÇÃo


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PERNAMBUCO, DEZEMBRO 2010

2010/2011
INÉDITOS e não saber se certas coisas acon-
teceram, ou é apenas impressão,
confusão da memória. Tenho medo
de esquecer como eu vivi tudo isso,
de não me lembrar bem de como é
ser estrangeiro, nem do quão estra-

OU DE
nho foi descobrir que pode existir
alguém bem parecido comigo na
Finlândia. Ou ainda, esquecer a
alegria que foi comprar uma má-
quina de lavar roupas.
Mas o que eu mais temo na ver-
dade, com a volta pra casa e o reen-
contro com a velha rotina, é esque-
cer tudo que descobri. Não pense
que eu estou me repetindo e sendo
redundante. Entenda bem, há uma
diferença grande entre esquecer o

QUANDO OS
quê e como vivi e esquecer o que
descobri. As descobertas são o que
podemos levar de melhor de um
ciclo para outro. Descobri muitas
coisas que não sabia e outras tantas
que já desconfiava. Descobri que

PERSONAGENS
existem muitos mundos que giram
em paralelo. Confirmei também
aquela velha frase de consolação:
nós nos habituamos facilmente a
quase tudo. Pois é, aprendi que

SOMEM
certos clichês são de fato verda-
deiros. Agora, por exemplo, tenho
certeza que é impossível ser feliz
sozinho (confesso: na falta de uma
brasilidade cotidiana, tive uma pe-
quena recaída pela bossa nova).
Comprovei que de fato a gente não
Fellipe Fernandes

faz amigos, simplesmente os reco-


nhece, e que tenho uma facilida-
de maior do que pensava para me

ENTRE UMA
apegar às pessoas. Acho que é por
isso que não acompanho seriados:
detesto quando os personagens so-
mem entre uma temporada e ou-
tra. Mas o que me deixa tranquilo é
que nesta viagem também descobri
que, não importa onde eu esteja,

TEMPORADA
certas pessoas sempre vão estar
comigo. Por isso, na tentativa de
traduzir a palavra saudade para a
língua estrangeira, acabei apren-
dendo que ela tem mais a ver com

E OUTRA
presença que com falta de.
Mesmo assim, tenho certeza que
vou sentir bastante a ausência do
mar neste réveillon. Apesar de ter
passado a maioria das festas de
fim de ano na praia, nunca pulei
sete ondinhas. Ao invés disso o
que costumamos fazer é dar um
mergulho no mar antes da vira-
Este fim de ano vai ser comple- enfim, chega de tentar discutir a Para ser bem franco, não fosse o da do ano, por volta das dez horas
tamente diferente para mim. Não concepção subjetiva do tempo... fato de estar escrevendo esse texto da noite. O último banho de mar
que todos os anos fossem sempre Só mais um parêntese antes de e os comentários de alguns amigos, do ano. Bom mesmo é quando a
iguais, não mesmo. Mas é que esse voltar a falar deste meu fim de ano: talvez nem percebesse que esta- maré está cheia e ficamos exaustos
réveillon vai ser singular. Antes de acabei de me dar conta que ape- mos apenas a alguns dias da festa apenas na tentativa de permanecer
me explicar melhor, preciso dizer sar de sempre ter sido um menino de réveillon. Afinal de contas, não em pé. Deixamos no mar tudo que
que quando criança sempre me sabido, nunca me intrigou o fato vi o congelador cheio de comida, não queremos levar para o ano se-
perguntei se no réveillon a gente que a cada réveillon toda minha fa- nem percebi a agitação dos fami- guinte. O último mergulho de 2010
comemorava o ano que passava mília chora. Na verdade, só depois liares programando as músicas e eu já dei há alguns meses, afinal,
ou o ano que chegava. Aos poucos de algum tempo descobri que há as bebidas das festas. Este ano, na cidade onde estou só existem
fui entendendo que, ainda que a pessoas que não choram na virada enquanto minhas tias vão para a montanhas no horizonte. E neste
festa seja em homenagem ao ano do ano. Para mim, como a roupa praia pegar o bronze do natal (mi- réveillon, acho que elas vão ser as
que está chegando, uma coisa não branca, o choro na hora de desejar nha mãe não, ela não gosta de sol), únicas a se vestir de branco.
vem sem a outra. O presente tem feliz ano novo sempre foi natu- eu compro uma luva mais grossa Na falta de rituais, sobra apenas
que virar passado para o futuro vi- ral. Depois do último minuto do para enfrentar o frio que está por a renovação de ciclos. Ainda não
rar presente. Mas semana passada ano que passou e antes do quinto vir. Com o oceano de distância dos sei ao certo o que vai acontecer
uma conversa me assustou. Uma minuto do ano que começa todo meus fins de ano habituais pude em 2011, mas tenho a impressão
amiga me dizia que não existe pre- mundo desaba. E depois conti- entender melhor essa questão de que este ano foi apenas a primei-
sente. Aquela visão bastante cética nua a festa. Acho que são os ciclos ciclos. Principalmente porque, de ra temporada de um novo ciclo.
que considera o tempo apenas uma que nos fazem chorar. Ou melhor, fato, me aproximo do fim de uma Quando eu penso no próximo ano
sucessão de segundos. Já tinha ou- a renovação deles. O fim de ano temporada. Em janeiro, depois de vem uma sensação estranha, uma
vido esse discurso antes, mas ele joga uma lupa sobre essa ques- um ano em terras francesas, volto ansiedade. Como se eu estivesse
Nesta seção, foi respeitado não me convence. Ou melhor, não tão, escancara. Então dá aquele pra casa. O réveillon não vai ser meu voltando para o desconhecido, en-
o texto original dos autores
me agrada. Talvez eu já seja ansioso friozinho na barriga pelo ano que último dia aqui, mas depois dele tende? Talvez eu até volte pra velha
e nostálgico demais para pensar vai chegar. E é exatamente nes- tudo será apenas despedidas. rotina, mas sei que ela não vai ser
que vivemos de passado e futuro. se momento que começamos a Quando eu sei que alguma fase mais a mesma. Muita coisa já não
Ao mesmo tempo, não compartilho criar inúmeras expectativas para está passando, acabando, a minha é igual. Mas acho que só quando
SOBRE O AUTOR
aquela ideologia “carpe diem” dos a próxima temporada. Talvez a reação imediata é ter um pouco de eu voltar pra casa vou saber o que
Fellipe Fernandes que vivem o presente como reali- gente faça isso justamente para medo. Temo esquecer o que vivi. mudou realmente. E pode ser que
estuda cinema na dade única. Bocejo. Não. Acho que evitar transformar o tal friozinho Eu sei que com os anos sempre va- apenas no Brasil eu vá perceber
Universidade Blaise deve existir por aí um meio termo. em angústia ao calcular quantas mos perdendo os detalhes e quanto qual foi a minha maior descoberta.
Pascal na França. Simpatizo bastante com a noção das expectativas do ciclo passado mais antiga é a lembrança, mais Pode ser que eu ainda não esteja
de ciclos. E como as temporadas ficaram pelo caminho. ela adquire um aspecto de sonho. entendendo nada direito. Pode ser.
de séries de TV, os ciclos podem É, este fim de ano vai ser com- Tenho medo de um dia me lembrar Enfim, não vejo a hora de mergu-
durar meses ou apenas 24h. Mas pletamente diferente para mim. do meu primeiro ano fora de casa lhar no mar de novo.
20
PERNAMBUCO, DEZEMBRO 2010

INÉDITOS

ASA,
Daniel dos Santos Lima

… E nisto chegou a um caminho, que se


dividia em quatro. E logo lhe veio à imaginação
a encruzilhada em que os cavaleiros
andantes se punham a pensar
que caminhos daqueles tomariam.

(Cervantes: D. Quixote de la Mancha)

ASA Nunca ficou o mesmo.


Não sabia quem era, mas apenas que era.
Antes, vivia na certeza, E então corria
como uma águia aprisionada na gaiola. antes que a vida lhe passasse à frente.
A dúvida me libertou
deixando-me voar no espaço livre, E eu, tão diferente, rebelei-me
não mais certo de nada contra o meu pai.
senão da importância do voo. É, por isto, imitei-o
.................................................................... (e, como ele, perdi-me;
que imitou seu Pai).
Quando escrevo os meus versos .....................................................................
meu coração fica leve
como uma folha. Minha mãe era feita de incertezas,
Mas sopra a tempestade tecida de solidão de infindas luas.
e a folha sofre Nunca assentou seu coração viajeiro
o desespero de ser leve. de medo de esquecer o fim da viagem.
SOBRE O AUTOR
.................................................................... Não dormia, sonhava,
Esses textos fazem parte do vivia os sonhos acordada e louca
livro de estreia de Daniel Meu pai, homem de espírito e amava a vida
dos Santos Lima, Poemas, mas de pouca alma. com tal ódio e paixão,
que é lançado este mês Impermanente homem, viveu improvisando, que até se percebia nos seus olhos,
pela Companhia Editora de discutia impossíveis, nas mãos, nos gestos
Pernambuco. vagabundo de múltiplas paixões. na vontade de ser e o desespero
Descaradamente amava o efêmero das coisas. de não ser nunca e ainda.
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PERNAMBUCO, DEZEMBRO 2010

HALLINA BELTRÃO

ABISMO E VOO

Deixa, Senhor, que eu blasfeme


na danação desta hora.
Preciso ser maldito
para sentir-me salvo.

Se permitires que eu blasfeme agora,


verás, Senhor, que essa blasfêmia
é apenas
um jeito de oração de amor magoado.

A natureza, arte de Deus, supremo artifício,


não a retoques.
Humildemente aceita-a.
Descobre-a em ti, nas coisas, em tudo.
E, se não podes segui-la, ama-a e respeita-a,
guarda-a no coração, em teu silêncio.

E se lhe fores fiel, mesmo timidamente,


nela descobrirás, amando-a,
tua mãe, tua amante
e tua casa.
.......................................................................................
Ao colheres uma flor,
a tua vida inteira se refugia nesse gesto. Não é o mar que amo,
E é por isto que a flor estremece. é o infinito que ele sugere,
são as paixões que lembra
Meu irmão, te verei um dia é a força que suscita
despojado de tudo o que não és – é isto que amo no mar,
E eu perguntava coisas desse rosto não teu não o mar, mas o que ele representa,
e ela não respondia, das aparências, dos guisos, das mentiras a paisagem interior aonde ele aponta,
apenas navegava incertos mares dos disfarces. o mar em mim, as águas reprimidas
guiada por estrelas que eu não via. Te verei meu irmão no coração mais dentro.
tão diferente .......................................................................................
Minha mãe era feita de incertezas e desnudo e pequeno
mas, por certo, sabia o que queria. tão tu mesmo e tão outro Como suportaria os rudes golpes da vida,
e passearemos por galáxias vadias se em mim a cicatriz não precedesse a ferida?
Colhes uma flor sem nome num jardim qualquer, e céus e inferno longos Se as águas dos meus mares
numa tarde como as outras e falaremos nada tantas horas não fechassem em instantes
e, no entanto, toda a tua vida se recolhe que o tempo se fará de nossas falas. o corte que lhes fazem
nesse ato humilde, os navios que as singram noite e dia?
todo o teu passado se reflete Te verei meu irmão
num gesto obscuro, mas talvez não me vejas Às vezes antes, outras vezes
e se recapitula tudo o que fizeste tão diferente estarei no instante do sofrer,
desde os mais remotos tempos em que não existias tão pequeno e desnudo a vida em mim responde
senão no desejo de teus avós, tão parecido a ti nas vaidades mortas e faz-se cicatriz antecipada
quando eras apenas uma forma vagamente possível, na humildade do rosto enfim reencontrado. ou água revolta a se fechar no instante
um voto de amor não formulado ainda, ou apenas também
talvez nem isto. Sufocarei senão gritar agora. a submersa dor, tornada espuma.
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PERNAMBUCO, DEZEMBRO 2010

REsENhAs
REPROdUÇÃO

HQ nos coloca em A disputa entre palestinos


e israelenses ocupa o
noticiário há muitas
em todos os detalhes.
Apresenta uma bem
construída reportagem,
1956, no fim da Guerra
de Suez, época em que
Israel criou uma aliança
civis continuará, caso o
resto do mundo faça de
conta que não tem nada a

contato direto com


décadas. Cotidianamente, nos melhores moldes secreta com a França e a ver com isso. No prefácio
somos bombardeados por do new journalism, mas Inglaterra, contra egipcios à primeira edição, na
informações que repetem, também mostra que e palestinos. qual faz uma atualização

a dor dos outros


sempre, os mesmos é um quadrinista Para tanto, passou dos fatos pós-2003, o
fatos: massacres de civis, habilidoso, utilizando um período na região próprio Sacco admite não
atentados terroristas e com sensibilidade os – por volta de 2003 ver alternativas imediatas
violações aos direitos recursos gráficos dos – convivendo com os para uma saída pacífica.
humanos na Cisjordânia, retroquadros – termo sobreviventes, seus Muito pelo contrário. Ele
Joe sacco faz uma verdadeira na Faixa de Gaza e em cunhado por Will Eisner parentes e ouvindo afirma que longe de se

reportagem visual sobre o Israel. Uma matança


interminável, impiedosa,
para designar o espaço
dedicado à diagramação
relatos que indicam
terem sido, os dois
vislumbrar uma solução,
o conflito só faz acirrar
conflito entre judeus e palestinos que se acirrou no Pós-
Guerra, mas que se arrasta
e distribuição das cenas
e falas nas páginas. Em
episódios, massacres
bárbaros e covardes
mais ódio nos dois lados.

desde o final do século vários momentos, alterna contra civis inocentes.


Danielle Romani 19 – quando os judeus flash-backs e ações em Os relatos dão conta que,
começaram a migrar para tempo real, sobrepõe a pretexto de encontrar
a região. diálogos, contrapõe guerrilheiros (à época
O jornalista-quadrinista narrativas, lançando mão ainda não existiam os
norte-americano Joe apenas dos recursos de terroristas), os soldados
Sacco já havia mostrado balões e quadros. israelenses massacraram
o inferno vivenciado Sacco, de certa forma, quase toda a população
por cidadãos árabes e também inova no masculina entre 15 e
judeus na premiada argumento. Na verdade, 60 anos residente nas
HQ-reportagem Palestina: resgata dois episódios duas cidades. Episódio,
uma nação ocupada, esquecidos da história que segundo Sacco, foi
publicada em 1995, e que palestina, sobre os fundamental para que
lhe rendeu o American quais os registros, tanto o ódio contra os judeus
Book Award em 1996, o oficiais quanto extra- fosse “semeado” no QUADRINHOS
primeiro concedido a uma oficiais, são obscuros e coração dos palestinos”.
narrativa jornalística em não necessariamente Com mais de 400 Notas sobre Gaza
formato de quadrinhos. confiáveis. Investigou o páginas, a graphic novel é Autor: Joe Sacco
Em Notas sobre Gaza, massacre de civis nas vilas esclarecedora e reforça Editora: Quadrinhos na Cia.
recém-lançado no Brasil, de Khan-Younis e Rafah, o que já sabemos: a Preço: R$ 55
ele repete a fórmula, que ocorreram no ano de matança de milhares de Páginas: 432
dIVULGAÇÃO

BALANÇO DA FREEPORTO
Mariza Festa literária do Bairro do Recife ampliou
Pontes a discussão crítica de forma provocativa
Depois de dois anos ocupando de Melo, Bruno Piffardini e
o calendário de eventos Arthur Rogério - afirmam
literários não oficiais do que a empreitada é uma etapa
Recife, transmudado em Nova de um processo irreversível
Bulgária , com mapa (foto) e de renovação e discussão
cargos honoríficos vendidos que se abriu na cidade. Eles
a peso de humor saudável e negam a intenção de se
provocativo, a FreePorto faz transformar numa produtora

NOTAS um balanço, preparando-se


para a última etapa, em 2011.
de eventos e afirmam
que esta tem sido apenas

DE RODAPÉ Muita gente valoriza a festa


pela irreverência, mas os
uma ferramenta acionada
para alcançar os objetivos
organizadores – Wellington estéticos a que se propõem.
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PERNAMBUCO, DEZEMBRO 2010

dIVULGAÇÃO/ LGE EdItORA dIVULGAÇÃO

prateleira
MELHORES CONTOS : ARY QUINTELLA
O diplomata e escritor Ary Quintella é um dos recentes
destaques da coleção iniciada pela Editora Global há
mais de uma década. Jornalista, romancista, contista,
ensaísta e novelista, seus textos abordam o Brasil dos
anos 1940 a 1970, numa linguagem fragmentada,
de estilo telegráfico. Suas crônicas do cotidiano
do Rio de Janeiro apresentam ações intensas, mas
passageiras, compondo um estilo pessoal e exclusivo,
em que as palavras ganham força de gestos, em que
se misturam propositadamente realidade e ficção.
Para a organizadora da obra,
a professora Mônica Rector,
ele buscava principalmente
provocar emoção, sua
forma de entender a arte.

Autora: Mônica Rector (org.)


Editora: Global
Páginas: 256
Preço: R$ 32

ME LEVA NOS BRAÇOS, ME LEVA NOS OLHOS

Cru, como a vida pode ser Na contramão do simples A premiada atriz e diretora de teatro descreve sua
experiência com jovens da Fundação Casa, antiga
Febem, de São Paulo, apresentando um registro
Tudo pode terminar (autobiográficas? O Ceticismo, o metódicas e rigorosas textual e fotográfico da produção literária dos
com um príncipe ficcionais?) tratam, Epicurismo e o das doutrinas, Chauí internos na Unidade do Tatuapé. Nos anos 1980,
encantado montado num sobretudo, da relação com Estoicismo, escolas conduz o leitor e quando a entidade passou por mais de 20 rebeliões,
cavalo branco levando o outro, do estar presente filosóficas que datam nunca o abandona em a autora aceitou o desafio de tirar aqueles jovens
“Mariazinha” para longe no mundo, e a temática do período helenístico, prol de hermetismos das páginas policiais e levá-los para as páginas de
de sua vida absurda, da homossexualidade foram apreendidos e complexidades cultura. O livro traz reportagens
assim como, tudo pode masculina encontrada pelo senso comum arrogantes. Exige- sobre as atividades, incluindo
começar com a história na maioria dos contos de forma bastante se, apenas, o esforço produção de textos teatrais e
de um menino que, ainda revela um eixo por onde limitada. Ainda hoje, necessário ao saber montagens de espetáculos.
bebê, fora acolhido e narrativas, ora românticas, o público leigo reduz formal. Nem mais, naquele período.
batizado de “Mariazinha” ora perversas, se mostram a reflexão de Epicuro, nem menos.
por um casal de idosos, invariavelmente cruas. por exemplo, a uma (Gianni de Melo) Autora: Annamaria dias
porque Vovó e Vovô (Raquel Monteath) nova proposta de Editora: Vida & Consciência
sempre quiseram uma filha. vivência hedonista; Páginas: 528
Enredos como esse, banalização presente, Preço: R$ 49
que beiram o fantástico inclusive, nos verbetes
e o incoerente, estão de alguns dicionários. MARGENS TEÓRICAS: MEMÓRIA E ACERVOS
presentes em Histórias O segundo volume LITERÁRIOS
desagradáveis, reunião de da coleção Introdução O livro reúne artigos de professores e alunos
dez contos escritos pelo à história da filosofia vinculados ao projeto Acervo de Escritores
artista plástico Gladstone da professora da Mineiros, da Universidade Federal de Minas Gerais,
Machado, que se Universidade de São que completa dez anos. Os autores analisam obras
aventura em sua terceira Paulo, Marilena Chauí, de escritores mineiros e clássicos da literatura
experiência editorial. surge na contramão nacional e estrangeira, dentro de uma perspectiva
Entre situações cotidianas, de simplismos como o fenomenológica propiciada pelo desenvolvimento
aparentemente pacatas, citado. cultural da sociedade e pela mídia, que coloca
surgem reviravoltas como No livro, a os novos escritores como
as de Toni, um menino que desmistificação em BIOGRAFIA personagens, diminuindo
diante da situação que lhe cONTOS E cRôNIcAS torno dos conceitos cada vez mais a distância
é imposta pela separação próprios destas Introdução à história da filosofia 2 entre realidade e ficção.
dos pais deseja, ainda Histórias desagradáveis escolas helenística é – As escolas helenísticas
que secretamente, ter um Autor: Gladstone M. de Menezes o ponto de partida e, Autora: Marilena Chauí Autor: Roberto Said e Sandra
“amigo” igual ao do pai Editora: LGE Editora sobretudo, o convite ao Editora: Companhia das Letras Nunes (organizadores)
quando crescer. Preço: R$ 25 pensamento filosófico. Preço: 46 Editora: UFMG
As histórias Páginas: 152 A partir de análises Páginas: 388 Páginas: 197
Preço: R$ 38

LINGUAGEM DOS SINAIS

Episódios autobiográficos marcantes,


interligados pela recorrência obsessiva de uma
SEM MANIFESTO cONcEITO FUTURO personagem surda e pela voz de um narrador
que se surpreende com a lembrança de fatos
Um evento feito por Mistura de realidade e Não há bem que dure familiares do passado, são a marca do livro
amantes do Recife ficção: é o livro vivo para todo o sempre de contos que trata da incomunicabilidade do
amor e da expressividade possível do silêncio.
Definindo-se como amantes do Os eventos têm a intenção de Em 2011 a FreePorto acaba. Tratando a memória de forma ficcional, o
Recife, os rapazes do Urros têm pensar a literatura atual e estimular Limitar a festa a três edições é autor conduz o leitor a uma reflexão sobre a
opiniões divergentes e comple- pessoas a ler e escrever mais, ir na contramão do mercado de tênue relação entre ficção e realidade e como
mentares sobre a importância da como as rodadas do casamento da produção cultural do Recife, mas estas se confundem e se
FreePorto , o que, segundo eles, é raposa, o lançamento (arremesso) os organizadores alegam que completam. Schwarcz,
uma prova que a festa não é um de livros, a procissão entoando precisam “fazer outras coisas, por sinal, é o todo-
manifesto, uma contraposição poemas, os recitais, entre outras como escrever, viver” e se livrar poderoso da editora
pura e simples à Fliporto. “É algo ideias. “Não queríamos apenas da angústia de serem cobrados Companhia das Letras.
mais amplo. Da mesma forma, o uma sucessão de mesas, embora pelos que se sentiam injustiçados,
Urros também é algo mais amplo seja isso que pareça, só que tudo por aparecer mais ou menos. Autor: Luiz Schwarcz
que a nossa reunião. A semente deve ser costurado dentro da ideia “Nossa intenção nunca foi ganhar Editora: Companhia das Letra
já se plantou, mesmo se o grupo do livro vivo”, diz a turma, que dinheiro nem emplacar um evento Páginas: 104
acabar”, afirma Arthur. promete muito mais para 2011. no calendário”, alerta Piffardini, Preço: R$ 33
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crônica
Schneider Carpeggiani

Resgatai-me do vácuo
Queria agradecer à La Selva e ao seu letreiro tom vermelho mesmo, ninguém morreu. Se não fosse por Martha,
cansado e também a todas as outras livrarias de aeroporto não teria recitado tantas vezes, e com tamanho fervor,
deste país. Pelo que me lembro, em suas prateleiras nunca o mantra “use-se”. Aeroportos são minas emocionais,
foi difícil encontrar algum pocket book de Martha Medeiros. onde não sabemos se, após uma despedida, iremos
Quantas vezes Martha me ajudou naqueles momentos em sobreviver à sala de embarque ou se voltaremos para
que, senhoras e senhores, chegamos ao vácuo – da viagem casa com gripe suína ou outra praga típica dos viajantes.
e da vida. Foi durante um voo meio estranho, daqueles em Por isso é bom saber que Martha está ali, pertinho!
que era melhor ter ficado embaixo da cama para-todo- Ela anda com novo romance, Fora de mim. Estou
sempre, amém, que ela me ensinou a ter cuidado com esperando uma viagem para começar sua leitura –
pessoas desabitadas, essas aí bonitinhas feito um rótulo ok, minha atitude pode parecer maniqueísta, mas
de chocolate, sorridentes, mas sem nada por dentro. certos autores e certas experiências exigem ritual,
“Uma pessoa habitada é uma pessoa possuída, não convenhamos... Sei que o livro é sobre separação, então
necessariamente pelo demo, ainda que satanás esteja me adiantei e enviei algumas perguntas para ela.
longe de ser má referência. Clarice Lispector certa vez “Somos maniqueístas nas separações, temos a tendência de
escreveu uma carta a Fernando Sabino dizendo que faltava achar que sempre há uma vítima e um carrasco, e o papel
demônio em Berna, onde morava na de carrasco geralmente é o de quem vai embora. Só que
ocasião. A Suíça, de fato, é um país as coisas nem sempre são tão simples. Quem foi embora,
de contos-de-fada, onde tudo quem desistiu, pode continuar amando, só que chegou no
funciona, onde todos são belos. seu limite, não tolera mais certas situações. A verdade é que
Mas falta uma ebulição que a uma relação a dois implica em mil outras coisas além do
amor. Isso é o que Fora de mim quer mostrar”, respondeu a
mulher que gosta de nos lembrar (e nessa conversa voltou
a fazer isso) que “as coisas nem sempre são
tão simples” como exigiria o 2 + 2 da razão.
O que me faz um leitor fidelizado de Martha
Medeiros é certa voz narrativa onipresente
em suas crônicas, poemas e romances que
não toma ar de pedagoga, psicóloga ou irmã
mais velha. Ela surta, problematiza e
salve do marasmo”, leva - fácil - a gente junto. Ler
me esclareceu num trecho de seus livros em trânsito
uma de suas crônicas. Nunca só é recomendável
havia pensado na expressão “habitar” para quem,
para designar estados de espírito, mas foi
bom saber que, às vezes, estamos prestes
a virar uma casa abandonada. Resgatei minhas
malas, três horas depois, bem mais aliviado.
Numa outra viagem, menos dramática, outro livro
me trouxe a grande lição use-se, antes que algum como eu, acredita
engraçadinho chegue e faça isso por você. Numa crônica, que aviões são como
Martha lembra um dia, na praia, quando escutou duas aquelas máquinas de transformação, você entra
mulheres conversando em tom dramático sobre uma uma coisa e volta outra. Utopia, sim, mas não é para
conhecida que, coitada, fora “usada.” Indignada acreditar ou repensar alguma coisa que a gente lê e/
com o tom de coitadinha do diálogo, escreveu: ou viaja? Talvez por isso as livrarias de aeroportos
“Use-se para progredir na vida. Alguma coisa tenham um ethos próprio: há coisas que só lá mesmo!
você já deve ter aprendido até aqui. Nossa conversa por e-mail continuou: “O ‘para sempre’
Encoste-se na sua deixou de ser um objetivo de vida. Hoje as pessoas
própria experiência compreendem que não há como estagnar-se numa
e intuição, honre situação sem sofrer as interferências da passagem do
sua história de vida, tempo. Somos mutáveis, e nem por isso somos frívolos.
seu currículo, e se ele não for tão Se duas pessoas que estão juntas vão evoluindo da
atraente, incremente-o”. E mais importante das mesma forma, no mesmo ritmo, pro mesmo lado, é o
lições, ao menos para mim: não enviuve-se de si paraíso. Mas às vezes não acontece assim, cada um se
desenvolve por um caminho distinto, e nesses casos é
preciso reavaliar: um dos dois estaria disposto a abrir
mão dos seus sonhos? Se estiver e isso não for opressivo,
tudo bem. Mas, se for, naturalmente eles irão preferir
ser amigos e ir adiante sozinhos, dando chance a novas
vivências. Sei que, dito assim, parece tudo fácil e asséptico,
só que vivenciar essas rupturas é sempre sofrido.”
Sim, rupturas sempre são sofridas, mas ainda bem que nem
todas as viagens dependem do “quanto mais difícil melhor”
ou de uma alguma passagem traumática escondida
no meio do caminho. Mas, se isso acontecer,
sempre é possível encontrar algum
livro de Martha 15 minutos antes de
embarcar. Obrigado, La Selva.
HALLINA BELTRÃO

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