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RESUMO - Este traba lho busca apresentar, de uma maneira compacta, os principais resultados
científicos já alcançados pela comunidade brasileira e mundial sobre pesquisas na Amazônia.
Aborda-se o paleoclima da reg ião, bem como as características atuais, em termos de temperatura
do ar c da distribuição de chuvas. São discutidos os principais sistemas atmosféricos atuantes na
região, tais como linhas de instabilidade, brisa fluvial , telcconexõcs com El-Niiío. interação com
sistemas frontais no s ul do pais, friagens, além da variabilidade do c lima nas escalas interanuais
e de longo-prazo. Tendo em vista as altas taxas de desmatamento em algumas partes da Amazonia,
são discutidos as principais modificações microclimáticas e resultados obtidos por simulações
numéricas devido à substituição de floresta tropical por áreas de pastagens. Finalizando, é
apresentado um resumo dos vários experimentos micromctcorológ icos que ocorreram na
Amazônia nas últimas duas décadas.
Palavras-chave: Amazônia, simulação climát ica , sistemas atmosféricos, experimentos
micrometeorológ icos.
Thc Climatc of Amazonia -A Rcview
ABSTRACT - This papcr describcs recent research on some climatic aspects of Amazonia. lt
describes the palcoclimate, characteristics o f thc present patterns o f a ir temperature and rainfall
distribution, togethcr with results from field obscrvations o f atmosphcric phenomena (squall tines,
thc Bolivian upper-tropospheric high, river breezes, relations with El Nino, interactions with polar
fronts and convection processes, cold spells, inter-annual and longer-term variability). Since de-
forcstation is proceeding rapidly in Amazonia, the papcr describcs the principal changes in mi-
croclimate that rcsult from it and the results of numeric simulations in which tropical forcst is
replaced by pasturc. The papcr concludcs with a summary o f micromcteoro logical studies con-
ductcd in Amazônia ovcr the last two decadcs.
Kcy-words: Amazon rcgion, climatic simulation, atmospheric system, micrometeorological expcriments.
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:s; Figura 1. Distribuição Espacial e Temporal da Precipitação na região amazônica. (extraído de Figueroa & Nobre, 1990).
sendo que o período de seca (sem amazônica foi efetuado por Kousky &
grande atividade convectiva) ocorre Kagano ( 1981). Usando radiossondagens
entre os meses de Maio e Setembro. realizadas na Amazônia Central
Os meses de Abril e Outubro são (Manaus, AM) e Oriental (Belém, PA)
meses de transição entre um regime e durante o período de 1968-1976, os
outro . A distribuição de chuva no autores encontraram que o vento em
trimestre Dezembro-Janeiro-Fevereiro altos níveis (200 hPa) é de oeste du-
(DJF) mostra um a região de rante os meses de inverno (Junho à
precipitação alta (superior a 900 mm) Agosto) nas duas localidades, embora
situada na parte oeste e central da a intensidade e ocorrência sejam
Amazônia, em conexão com a posição variáveis. Este autores também
geográfica da Alta da Bolívia. Por sugerem que a distribuição de chuvas
outro lado, no trimestre Junho-Julho- na Amazônia esteja relacionada com a
Agosto (JJA), o centro de máxima posição da Alta da Bolívia. Em relação
precipitação desloca-se para o norte e à água precipitável, esta é aproxima-
situa-se sobre a América Central. A damente constante ao longo do ano,
região amazônica, principalmente na com pequeno decréscimo nos meses
parte central, está sob o domínio do de sêca. Salati & Marques (1984)
ramo descendente da Célula de Hadley, apresentam os valores médios de água
induzindo um período de seca bem precipitável para Belém (PA) e
característico. Este comportamente está Manaus (AM): 4,2 e 4,4 g.cm·2, com
completamente de acordo com o ciclo amplitude anual de 1,1 e 0,9 g.cm· 2 ,
anual da atividade convectiva na região, respectivamente. Rao et a/. ( 1996)
conforme demonstrado por Horel et ai. também apresentam valores de água
(1989). O ciclo diurno da precipitação precipitável na região como sendo da
na região tem sido menos estudado (por ordem entre 4,0 e 5,5 g.cm·2•
exemplo Paiva ( 1996) e Ferreira da O balanço hídrico na região
Costa et al. ( 1997) mas os resultados amazônica é difícil de ser calculado,
obtidos mostram que, em áreas devido a falta de continuidade espacial
continentais, o período da tarde (entre e temporal das medidas da precipitação,
13-18 horas) registra acima de 30% dos inexistência de medidas simultâneas de
eventos de precipitação. Es te vazões fluviais, desconhecimento do
comportamento é devido ao próprio armazenamento de água no solo etc .
ciclo de insolação e aquecimento da Entretanto, algumas tentativas de se
superfície. Em áreas próximas à entender melhor o regime hídrico dentro
grandes corpos d'águas, Molion & da bacia hidrográfica têm sido
Dallarosa (1990) mostraram que ocorre realizadas, através de várias técnicas, tais
fenômenos de brisa fluvial, induzindo a como o método climatonônico (Molion,
formação de nuvens convectivas e 1975), balanço hídrico (Villa Nova et al.,
precipitação (veja seção 4.5). 1976), e aerológico (Marques et al., 1980;
Um estudo c li matológico da Rocha, 1991 ). Através de técnicas
circulação troposférica sobre a região isotópicas da medida de concentração de
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11 8 Fisch et ai.
mas a evaporação total da pastagem superficie e diminuição da evaporação
nesta estação foi tipicamente 10 a 15% sobre pastagens em comparação com
menor em comparação com a floresta a floresta. Observou-se também uma
devido a reduzida energia disponível na pequena diminuição da quantidade to-
pastagem e as rugosidades aerodinâ- tal de vapor d'água sobre a pastagem
micas mai s suavi zadas . Durante a em relação a floresta. A arquitetura de
estação seca, as pastagens, que têm faixas de floresta inseridas em grandes
raízes mais rasas, foram todas afetadas extensões de áreas de pastagem é tal
pela diminuição das reservas de água no que a justaposição deste dois tipos de
solo, aind a que com intensidades superfície (floresta fria e úmida e
variadas dependendo do tipo de solo e pastagem quente e seca) pode
precipitação. Nos solos argilosos de provocar movimentos de mesoescala
Manaus, a transpiração das pastagens (circulação térm ica), a uxiliando a
declinou rapidamente depois de somente erosão da camada limite noturna na
1O d ias sem chuvas. Em contraste, pastagem. Também ocorre aumento de
nenhuma atenuação significativa em turbulência e advecção de energia
transpiração foi obsetVada em qualquer dos nesta situação."
sítios de floresta durante os períodos secos,
inclusive durante as estações secas mais 8. EXPERIMENTOS
longas em Marabá e Ji-Paraná. METEOROLÓGICOS
Medições dos fluxos turbulentos REALIZADOS NA REGIÃO
de C0 2 sobre a floresta da Reserva AMAZÔNICA
Jaru mostraram que ocorreu um
acúmulo de carbono pela vegetação, Nas últimas duas décadas, vários
que é o resultado do balanço entre a experimentos micrometeorológicos
quantidade de carbono absorvida du- integrados (veja reswno na Tab. 1) foram
rante a fotoss íntese e liberada pela realizados na região amazônica, com o
respiração. Se for extrapolado para toda objetivo de awnentar os conhecimentos
a região, estas estimativas significam relativos à interação entre floresta tropical
que a Amazônia seria wn sorvedouro de e a atmosfera. Individualmente, vários
aproximadamente 0,5 Gigatoneladas de estudos foram feitos por pesquisadores do
carbono por ano e teria um papel INPA, Museu Emílio Gueldi e Universi-
importante no efeito estufa, se todo este dade Federal do Pará (entre outros), sobre
carbono fosse liberado instantaneamente estas interações. O experimento ARME
para a atmosfera. (Amazonian Research Micrometeorologi-
A camada limite atmosférica du- cal Experiment) teve como objetivo a
rante condições convectivas atingiu altura coleta de dados micrometeorológicos da
de 700 a 1.000 m mais altas sobre áreas partição de energia pela floresta amazônica
com desmatamento do que sobre áreas de e estimativas de evapotranspiração. Vários
florestas na região de Ji-Paraná, o que resultados científicos fo ram encontra-
mostrou-se consistente com as observações dos, dentro dos quais ressalta-se o fato
de aumento do fluxo de calor sensível à de que a floresta tropical não sofre o
(1) Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA); (8) Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA);
(2) Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE); {9) Centro de Energia Nuclear na Agronomia (CENA)
(3) Universidade de São Paulo (USP); {10) lnstitute of Hydrology - Reino Unido (IH)
(4) Universidade Federal do Pará (UFPA); (11) University oi Edinburgh- Reino Unido (UoE)
(5) Universidade Federal de Alagoas (UFAL);
{12) National Aeronautics and Space Admistration - Estados Unidos - (NASA);
(6) Centro Técnico Aeroespacial (CTA); ( t 3) University oi New York at Albany - Estados Unidos (SUNYA);
(7) Universidade de Brasflia (UnB)
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(I) (f) medidas de umidade no solo
(g) medidas de fisiologia vegetal
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efeito da deficiência hídrica provocada a sazonalidade da evapotranpiração na
pela falta de chuvas, evapotranspirando área de pastagem, mas não na floresta
na taxa potencial ao longo do ano (Wright et ai., 1992) etc. Os conheci-
(Shuttleworth, 1988). Posteriormente, o mentos científicos sobre a influência do
experimento ABLE (Amazonian desmatamento no clima na estrutura da
Boundary Layer Experiment) foi camada limite atmosférica foram
realizado com o intuito de coletar aumentados com a realização do
dados da estrutura da atmosfera da experimento RBLE (Rondônia Bound-
região amaz ônica para estudar ary Layer Experiment), com 3
liberação e ciclos de gases e aerossóis. campanhas de coleta de dados durante
Os principais resultados científicos época seca, em regiões de floresta e
estão compilados em dois números pastagem em Ji-Paraná (RO). As
especiais (ABLE-2A, 1988; ABLE- campanhas de coleta de dados foram
2B, 1990) e em Garstang et ai. ( 1990). realizadas em simul tâneo com
O balanço hídrico em larga-escala du- medidas do Projeto ABRACOS. Os
rante este experimento foi analisado principais resultados estão compilados
por Souza ( 1991 ). Este mesmo assunto em Fisch ( 1996) e mostram que a
foi objeto de um outro experimento camada limite convectiva sobre a área
científico realizado em Novembro e de pastagem é muito mais desenvolvida
Dezembro de 1989 e denominado do que sobre floresta, sendo esta
FLUAMAZON (Fluxo de Umidade na diferença (em torno de 1.000 metros
região Amazônica). O objetivo deste mais profunda) devido à maneira como
experimento foi o de coletar dados de ar é feito a partição de energia na
superior (radiossondagem) para realizar pastagem: o fluxo de calor sensível é
balanço de umidade na Amazônia, praticamente igual ao de calor latente.
juntamente com medidas isotópicas do Por outro lado, durante as condições
vapor d'água e seus resultados foram noturnas, a camada limite noturna é
analisados por Rocha (1991) . Com o mais profunda na floresta (350 m de
intuito de coletar dados dos fluxos de altura) do que na pastagem (230 m),
energia e dos elementos climáticos pois a rugosidade e a consequente
sobre as superficies de floresta tropi- turbulência mecânica (ventos) auxilia
cal e de pastagem em três localidades o transporte de energia na floresta. A
distintas da Amazônia, iniciou-se o projeto descontinuidade térmica na pastagem
ABRACOS (Anglo BrazilianAmazonian é superior a da floresta. Lyra et al.
Climate Observational Study), que teve a (1994) mostram que a estrutura da
realização de missões de coleta de dados camada limite atmosférica (CLA)
em épocas sêcas e úmidas, durante os anos sobre a região de floresta em Ji-Paraná
de 1991-1 995. Várias resultados científicos apresenta-se compatível com as
importantes foram alcançados (veja um observações realizadas na floresta
resumo em Nobre et a!. ( 1996), dentre os tropical do Congo, ressaltando que a
quais destacam-se a sazonalidade do al- CLA sobre a área de pastagem é, em
bedo de floresta tropical (Culf et al., 1995), média, 66% superior a da floresta,