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Poder Executivo

Ministério da Educação
Universidade Federal do Amazonas
Departamento de Física

A Amazônia e os serviços ambientais planetários


Walter Castro Jr.

Ensino Remoto 2020


Revolução da Terra e as Estações do Ano
 O termo “clima” é derivado da palavra grega “klima”, que significa
“inclinação” dos raios do Sol, refletindo, então, a importância
atribuída à influência do Sol sobre o clima.
 No entanto, o clima terrestre é fruto de um intrincado sistema
dinâmico, altamente complexo e não-linear, cujos processos,
mecanismos e interações ainda não são completamente conhecidos.
 As temperaturas e os climas da Terra correspondem a um estado de
equilíbrio, que depende de vários fatores denominados controles
climáticos. Destes os mais importantes são:
 Fluxo de energia proveniente do Sol;
 Inclinação do eixo de rotação da Terra;
 Rotação da Terra em torno de seu eixo;
 Composição química da atmosfera;
 Relação e distribuição das áreas cobertas por água, terra e gelo;
 Excentricidade da órbita terrestre.
 O mais importante controle climático é a constante
solar que representa o fluxo de energia radiante
atravessando uma superfície perpendicular à direção de
incidência dos raios solares no topo da atmosfera
terrestre a uma distância igual à distância média da
Terra ao Sol (1,50 × 108 𝑘𝑚). Seu valor é 1367𝑊/𝑚2.
 A distribuição de continentes e oceanos é outro fator
determinante nas características do clima, pois
continentes e oceanos dispõem da energia solar de
maneira distinta.
 Os oceanos absorvem maior quantidade de radiação
solar, pois esta atinge até algumas centenas de metros
de profundidade, enquanto na superfície terrestre ela é
absorvida nos primeiros milímetros.
 Além disso, os oceanos possuem maior capacidade
calorífica (de armazenar calor), e transportam o calor
absorvido a grandes distâncias através das correntes
marítimas.
 Nos continentes, o saldo médio anual entre a energia
radiante incidente e a que emerge do solo é
aproximadamente nulo.
 Sendo a Terra formada por cerca de 70% de oceanos e
30% de continentes, com o hemisfério Norte possuindo
60% de oceanos e 40% de continentes e o hemisfério Sul
80% e 20%, respectivamente, tem-se que o hemisfério
Sul, com mais oceanos, apresenta um clima com menor
variabilidade sazonal (Molion, 1988).
 A circulação geral da atmosfera, resultado dos dois
controles citados anteriormente, representa o
deslocamento ou o escoamento das massas de ar sobre
o planeta, provocando ventos em direções distintas nas
regiões tropicais, temperadas e polares.
 Através deste processo físico, calor é transportado dos
trópicos para as regiões polares reduzindo os extremos
de temperatura.
 As células de Hadley estendem-se desde o Equador até
latitudes de aproximadamente 30°, em ambos os
hemisférios. Este calor é transportado em um
movimento celular, com o ar ascendendo por convecção
nas regiões equatoriais e deslocando-se até as latitudes
médias, pelas camadas atmosféricas mais altas.
As circulações atmosféricas meridionais.
Fonte: http://fisica.ufpr.br/grimm/aposmeteo/cap8/Image590.jpg
 As regiões equatoriais exibem assimetria zonal,
causada pela variação longitudinal na temperatura
resultante do aquecimento diferencial entre
continente e oceanos adjacentes, bem como dos
efeitos das correntes oceânicas conduzidas pelo vento.
 Tais variações de temperatura, entre o continente e a
superfície do mar, produzem circulações atmosféricas
zonalmente simétricas (no sentido leste-oeste)
conhecidas como células (ou circulações) de Walker.
A circulação de Walker é um modelo conceitual do fluxo de ar na
troposfera da região tropical. De acordo com este modelo, as
parcelas de ar seguem uma circulação fechada nas direções
zonal e vertical.
Fonte: Molion (1988).
Célula (circulação) de Walker sobre a bacia do Oceano
Pacífico Tropical.
 Ao longo do cinturão equatorial há três regiões onde
há ascensão de ar: 1) o Continente Marítimo formado
pela região da Indonésia – norte da Austrália; 2) a
bacia do rio Congo na África e 3) a bacia do rio
Amazonas na América do Sul.
 Essas regiões funcionam como fontes de calor para a
circulação geral. Há ainda uma quarta fonte de calor,
também importante: a Zona de Convergência
Intertropical (ZCIT).
 A ZCIT que se apresenta como uma faixa latitudinal
sobre os oceanos equatoriais onde os ventos alísios
de ambos os hemisférios se encontram dão origem a
nuvens convectivas e precipitações frequentes, com a
consequente liberação de calor latente para a
atmosfera (Molion, 1988).
As três regiões onde há ascensão de ar no cinturão equatorial
formam o ramo meridional da circulação de Hadely-Walker.
Fonte: Molion (1988).
Nuvens associadas à Zona de Convergência Intertropical (ZCIT)
formando uma linha através dos oceanos Pacífico e Atlântico.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:IntertropicalConvergenceZone-EO.jpg
A importância da água
 Em 12 de abril de 1961 o cosmonauta russo Yuri Alekseievitch
Gagarin (1934-1968) se tornou o primeiro ser humano a dar a
volta completa em torno da Terra em 1h40min na nave
Vostok 1.
 Ao se deslumbrar com a visão do nosso planeta visto do
espaço, Gagarin exclamou: “A Terra é azul. Como é
maravilhosa. Ela é incrível!” Esta frase remete-nos à
preeminência da água. Ela recobre cerca de ¾ da superfície
do nosso planeta e constitui também ¾ do nosso organismo.
 Entre todos os elementos que compõem o universo, a água é
talvez aquele que melhor simboliza a essência da natureza
humana, desempenhando um papel fundamental no nosso
equilíbrio.
 A presença de grandes quantidades de água líquida é
uma das características mais importantes do planeta
Terra, distinguindo-o dos demais planetas do sistema
solar, com o transporte e distribuição da água
constituindo-se como um fator fundamental na
estabilidade do clima na Terra.
 A existência de diferentes temperaturas e pressões na
atmosfera e na superfície terrestres, possibilitam a
constante mudança de fase da água, entre as fases
sólida, líquida e gasosa, criando as condições
necessárias para a existência da vida sobre o planeta.
 Segundo Leonardo da Vinci (1452-15919) : ...“a água
dirige a natureza.” (Graedel e Crutzen, 1993).
O ciclo hidrológico
 O planeta Terra contém um volume de água em torno de
1,35 × 1018 𝑚3 , sendo que aproximadamente 97% deste
volume está nos oceanos (Tabela 2).
 Os continentes armazenam 33,6 × 1015 𝑚3 , com
destaque para as regiões do Ártico e da Antártida.
 A atmosfera contém 0,013 × 1015 𝑚3 o que representa
centésimos de milésimos do conteúdo da água de todo o
sistema climático terrestre, ou 0,001% do total, e que
corresponde a uma lâmina uniforme de água com 2,5𝑐𝑚
de altura por toda a superfície terrestre.
 O processo periódico de circulação da água, em
diferentes fases, da atmosfera aos oceanos e aos solos, e
à atmosfera novamente, denomina-se ciclo hidrológico.
Balanço de água na bacia Amazônica
 A Amazônia abriga o sistema fluvial mais extenso e de
maior massa líquida da Terra, sendo coberta pela maior
floresta pluvial tropical, que Alexander von Humboldt
(1769-1859) chamou de “hiléia” (do grego, a “zona de
selvas”).
 A região amazônica é uma das regiões de mais altos
índices pluviométricos do planeta, com totais médios da
ordem de 2200 𝑚𝑚/𝑎𝑛𝑜.
 Isto representa um volume total de água na forma líquida
da ordem de 12 × 1012 𝑚3 que a bacia amazônica recebe
a cada ano, resultando na maior bacia hidrográfica do
mundo, que representa cerca de 12% da água doce na
fase líquida do planeta.
 O Rio Amazonas drena mais de 7 milhões de 𝑘𝑚2 de
terras, e sua vazão anual média é de aproximadamente
176000 𝑚3/𝑠, o que lhe confere a posição de maior rio
em volume de água da Terra, superando o Rio Congo na
África (o segundo rio em volume de água) em cerca de
quatro vezes, e o Rio Mississipi em cerca de dez vezes. O
Rio Amazonas possui uma perda total de água pela rede
fluvial de cerca de 5,5 × 1012 𝑚3 𝑎𝑛𝑜.
 Se o total de precipitação na região é da ordem de
12 × 1012 𝑚3 𝑎𝑛𝑜, conclui-se que o restante da água
(6,5 × 1012 𝑚3 𝑎𝑛𝑜) deve retornar à atmosfera na
forma de vapor, num processo conhecido como
evapotranspiração.
 A evapotranspiração é a remoção de água da superfície
para o ar com a mudança de fase correspondente de
líquida para vapor. Ela é a soma da evaporação e da
transpiração.
 A evaporação se refere à mudança de fase direta da
água da superfície terrestre.
 A transpiração é a passagem da água das plantas para a
atmosfera através dos poros existentes nas folhas
denominados de estômatos, os quais servem como
ponto de entrada para o CO2 necessário para a
fotossíntese.
 A origem primária do vapor de água é o Oceano
Atlântico, com os ventos alísios transportando este
vapor para a região Amazônica.
 Diversos estudos têm indicado que há uma
recirculação do vapor de água na região Amazônica,
sendo que provavelmente 50% das precipitações são
devidas a esse mecanismo, o que coloca a cobertura
vegetal como tendo um papel relevante no total
observado de precipitação.
 Através da evapotranspiração a cobertura vegetal
fornece os outros 50% de vapor necessários para gerar
o atual nível de precipitação (Salati e Ribeiro, 1979).
O ecossistema amazônico e o clima
 O clima na região Amazônica resulta de um complexo
sistema de interações de fenômenos meteorológicos
caracterizados por intensos processos convectivos e
turbulentos, balizados pela grande disponibilidade de
energia solar.
 Embora a região Amazônica tenha alta disponibilidade de
radiação solar durante todo o ano, é durante os meses de
verão do hemisfério Sul (dezembro a fevereiro) que o
ramo ascendente da célula de circulação de Hadley-
Walker fica mais intenso, em especial, no centro da
região. O aquecimento superficial torna as parcelas de ar
próximas da superfície quentes e úmidas, e portanto,
menos densas que as parcelas vizinhas.
 Estas parcelas adquirem flutuabilidade e ascendem,
expandindo-se e se resfriando, condensando o vapor de
água contido nas mesmas e liberando grande quantidade
de calor latente, previamente utilizado no processo de
evaporação da água resultando no aquecimento da
coluna atmosférica.
 Uma característica própria da região Amazônica refere-se
ao equilíbrio local e regional, entre os componentes
radiativo e hidrológico, modulados pela ação interativa da
biota.
 Estudos têm mostrado que da energia solar que alcança a
superfície na Amazônia Central (em média
420𝑐𝑎ℓ 𝑐𝑚2 ∙ 𝑑𝑖𝑎), e que é primariamente utilizada para
evaporar a água (calor latente) e aquecer o ar (calor
sensível), em torno de 80 a 90% dela é usada para
evapotranspiração (𝑒𝑣𝑎𝑝𝑜𝑟𝑎çã𝑜 + 𝑡𝑟𝑎𝑛𝑠𝑝𝑖𝑟𝑎çã𝑜 da
planta), o restante aquece o ar.
 Quando o vapor de água se condensa para formar
nuvens, libera a mesma quantidade de energia que foi
necessária à sua evaporação.
 À medida que as nuvens crescem, vão convertendo mais
vapor em gotas de água, aquecendo a atmosfera
circundante.
 Há dias na Amazônia em que a temperatura nas camadas
mais altas da atmosfera (cerca de 10.000𝑚 do solo)
chega a aumentar em 30℃.
 Essa fantástica quantidade de calor é então transportada
para fora dos trópicos, rumo aos hemisférios norte e sul
através do ramo meridional da circulação de Hadley-
Walker.
 A Amazônia é, portanto, uma das mais importantes
fontes de calor para a manutenção da circulação
atmosférica. O calor liberado por essa e outras fontes é
transportado para as regiões fora dos trópicos que têm
déficit de energia por receberem menor quantidade de
radiação solar que as regiões tropicais.
 A floresta Amazônica influi no clima principalmente
através da emissão ou retenção de gases e da
evapotranspiração. A evapotranspiração na Amazônia é
tão grande que é responsável por cerca de 50% das
chuvas que a floresta recebe.
 Através do processo de evapotranspiração a floresta
aumenta o tempo de permanência da água no sistema,
devolvendo para a atmosfera na forma de vapor parte
da água presente no solo.
 Como o vapor de água é o componente atmosférico
que apresenta maiores variações espaciais e temporais,
as oscilações da quantidade de vapor de água na
atmosfera associadas às variações de temperatura
produzem grandes oscilações climáticas no planeta
Terra.
 Essa variabilidade provém da extrema facilidade com
que o vapor de água consegue mudar de fase, nas
condições atmosféricas reinantes. Essas mudanças de
fase são acompanhadas por liberação ou absorção de
calor latente, que associadas com o transporte de vapor
de água pela circulação atmosférica, atuam na
distribuição do calor sobre o globo terrestre.
Considerações finais
 A floresta amazônica não é simples consequência do
clima. Ao contrário, o equilíbrio hoje existente, que
implica um determinado tipo de clima, depende da atual
cobertura vegetal.
 No caso de substituição de florestas por pastagens, ou
culturas anuais em grande extensão da Bacia Amazônica,
o clima irá sofrer uma modificação no sentido de ter um
período seco prolongado melhor definido, com um déficit
de água no solo e maiores oscilações de temperatura.
 É importante destacar que o principal serviço ambiental
prestado pela floresta Amazônica é o de ajudar a manter o
equilíbrio global do clima da Terra.
Referências
HARTMANN, D.L. (1994) Global Physical Climatology.
Academic Press, USA.

MOLION, L.C.B. (1988) A Amazônia e o clima da Terra.


Ciência Hoje, v. 8, n. 48, p. 42-47.

SALATI, E. (1985) A Floresta e as Águas. Ciência Hoje, v. 3, n.


16, p. 58-64.

SALATI, E.; RIBEIRO, M.N.G. (1979) Floresta e clima. Supl.


Acta Amazonica, v. 9, n. 4, p. 273-296.
A variação da inclinação dos raios do Sol produz mudança no
fluxo de energia à superfície.
Fonte: http://www.cdcc.sc.usp.br/cda
Se o eixo de rotação da Terra fosse perpendicular à eclíptica (plano
orbital) o dia e a noite teriam a mesma duração e não haveria o
ciclo das estações.
Fonte: http://www.cdcc.sc.usp.br/cda
O movimento de rotação da Terra se dá de oeste para leste.
Fonte: http://planetaterra.info/rotacao_planeta_terra_seu_eixo.gif
Tabela 1 - Composição da atmosfera terrestre.
No Hemisfério Norte, a proporção na distribuição de continentes e
oceanos é 40% (continentes) e 60% (oceanos). No Hemisfério Sul a
proporção é de 20% (continentes) e 80% (oceanos). Na média o
planeta Terra possui 30% de continentes e 70% de oceanos.
Fonte: https://plataformapis.wordpress.com/2016/07/11/a-imagem-do-planisferio/
A cápsula da Vostok 1 em que Yuri Gagarin efetuou sua órbita
em torno da Terra em 12/04/1961. Gagarin esteve em órbita
durante 1h48min, a uma altura de 315𝑘𝑚, num voo
totalmente automatizado, com uma velocidade aproximada
de 28000𝑘𝑚/ℎ.
Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Iuri_Gagarin#/media/File:Vostok1_descent_module.jpg

Órbita da Vostok 1.
Um erro de cálculo
fez com que a
aterrissagem
ocorresse a mais de
300𝑘𝑚 do local da
decolagem.
Tabela 1 – Quantidade de água na Terra.
Adaptada de Hartmann (1994), p.12.

Reservatório Altura da lâmina se espalhada sobre Percentagem do total


toda a superfície da Terra (𝒎) (%)
Oceanos 2650 97,05
Camadas de gelo e glaciares 60 2,20
Água subterrânea (aquíferos) 20 0,73
Rios, córregos e lagos 0,35 0,0128
Umidade do solo 0,12 0,0044
Atmosfera 0,025 0,0009
Total 𝟐𝟕𝟑𝟎, 𝟓 𝟏𝟎𝟎, 𝟎
Balanço de água na bacia Amazônica. Fonte: Salati (1985).

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